Você está na página 1de 8

Método para a confecção de próteses

faciais de silicone usando moldes


fabricados por impressão 3D
Franco, Felipe Mateus *1;
Barczyszyn, Karin2;
Foggiatto, José Aguiomar3;

1 – Engenharia Mecatrônica, UTFPR, felipef@alunos.utfpr.edu.br


2 – Odontologia, Hospital Angelina Caron, karinbarcz@gmail.com
3 – Departamento Acadêmico de Mecânica, UTFPR, foggiatto@utfpr.edu.br
*R. Deputado Heitor Alencar Furtado, 5000, Ecoville, Curitiba, Paraná, Brasil, 81280-340

Área reservada para DOI

RESUMO

A confecção de próteses faciais de silicone é um processo manual que


ocupa tempo e gera altos custos para instituições de saúde, limitando
assim o acesso dos pacientes de baixa renda à reabilitação facial.
Apresenta-se um método desenvolvido na UTFPR para agilizar e
baratear este processo utilizando ferramentas de modelagem virtual
e impressão 3D. Mostra-se o passo-a-passo da criação dos moldes e
próteses implantadas em dois estudos de caso oncológicos. Constata-
se que a técnica é viável do ponto de vista da engenharia e gera
resultados com alta qualidade e baixo custo, beneficiando os pacientes
e auxiliando-os na sua reabilitação psicossocial.

Palavras-chave: Prótese facial, Impressão 3D, Tecnologia assistiva,


Reabilitação psicossocial.

ABSTRACT

The manufacturing of silicone facial prosthesis is a manual process that


takes up time and generates high costs to the health institutions,
limiting thus the access of low-income patients to facial rehabilitation.
It is introduced a method developed at UTFPR to quicken and cheapen
this process using virtual modelling tools and 3D printing. The steps of
the mold and prosthesis creation for two oncologic cases are shown. It is
verified that the technique is viable engineering-wise and generates
results with high quality and low cost, favoring the patients and helping
in their psychosocial rehabilitation.

Keywords: Facial Prosthesis, 3D Printing, Assistive technology,


Psychosocial Rehabilitation.

1. INTRODUÇÃO

A manufatura aditiva é uma das tecnologias atuais com maior


aplicabilidade no campo da medicina. Exemplos recentes variam do
planejamento e auxílio em cirurgias (KO et al., 2019), até a própria
produção dos implantes cirúrgicos (WILLEMSEN et al., 2019). Este
processo produtivo está em evidência pela sua extrema flexibilidade e
facilidade ao dar forma física aos biomodelos criados em computador.
A aplicação da impressão 3D discutida neste trabalho foca em
um processo que historicamente é produzido manualmente, de forma
muito laboriosa e com vários conceitos vindos do artesanato: a
fabricação de próteses faciais de silicone. Como é relatado por Elias
(1994), o rosto é uma das principais características definidoras da
identidade de uma pessoa. Deformações na face trazem sequelas
sociais profundas aos pacientes que passam por cirurgias de ressecção
de câncer de pele ou reconstrução facial pós-trauma, por exemplo,
pois sofrem com as implicações estéticas destes procedimentos.
Assim, são comuns relatos contendo sentimentos de isolamento,
vergonha e de perda de identidade (DA SILVA, 2008).
O método apresentado aqui foi aplicado de modo experimental
com pacientes do Hospital Angelina Caron (Campina Grande do Sul -
PR) atendidos pelo SUS, por intermédio da dra. Karin Barczyszyn, do
departamento de Odontologia Oncológica. Essa instituição foi
escolhida por tratar primariamente de pacientes oncológicos de baixa
renda e que não dispõem dos recursos para buscar o serviço de
prótese facial no mercado particular. A técnica descrita neste trabalho
é benéfica para a instituição por reduzir o tempo e os custos de
trabalho dos protesistas do hospital, além de garantir um encaixe
muito assertivo da prótese, uma vez que esta é modelada com base na
geometria da falha facial do paciente.
Assim, o objetivo deste relato é demonstrar o fluxo de trabalho
para a criação de próteses faciais de silicone usando moldes fabricados
por impressão 3D, desenvolvido no Campus Curitiba, por meio do
Programa Institucional de Voluntariado em Iniciação Científica e
Tecnológica (PVICT), no Núcleo de Manufatura Aditiva e Ferramental
(NUFER) da UTFPR.

2. DESENVOLVIMENTO

Para o início da confecção da prótese virtual, é necessário um


modelo 3D da face do paciente atendido. O estado da arte nessa fase é
a aquisição de imagens via tomografia computadorizada ou
ressonância magnética, gerando arquivos DICOM que,
posteriormente, são utilizados para a criação da superfície 3D da
região do rosto. Outras técnicas mais simples, como a digitalização de
máscaras de gesso (Figura 1a), também têm obtido sucesso com o
método aqui descrito, embora estejam sujeitas a uma perda inerente
de fidelidade pela adição de passos intermediários no processo.
Além da digitalização do rosto de voluntários, é possível encontrar
diversos modelos biológicos tridimensionais em repositórios online
como o Embodi3d (embodi3d.com), de onde podem ser extraídas
geometrias faciais genéricas. No NUFER, por exemplo, tem-se mais de
10 modelos de narizes à disposição dos protesistas. Assim, é possível
selecionar uma prótese que combine esteticamente com o paciente
(considerando ou não a aparência do órgão original), o que diminui os
casos de insatisfação com o modelo pós-implantação.
Com o modelo selecionado e o feedback constante da protesista, é
modelada a prótese. O posicionamento do novo órgão é definido
baseado nas características faciais do paciente e revisado sempre com
a profissional de saúde habilitada para o serviço. Aqui, são avaliados
aspectos como as dimensões, o ângulo e a extensão da prótese no rosto
do paciente, afim de cobrir a falha e obter um resultado esteticamente
adequado ao paciente (Figura 1b).
Após a aprovação do modelo, parte-se para a criação da prótese
facial. O modelo é escolhido de uma biblioteca digital e é usado como
a parte frontal do implante. A parte traseira é dada pela superfície do
rosto e da região mutilada do paciente. Desse modo, a prótese tem um
encaixe virtualmente perfeito no rosto do receptor. Essa operação faz
com que a assertividade na hora da implantação seja maior, uma vez
que cada prótese permite apenas um posicionamento no rosto do
paciente.
A partir da finalização da prótese virtual, esta pode, opcionalmente,
ser impressa para uma validação rápida de sua geometria. Nessa fase,
os moldes de gesso (ou até o próprio paciente) podem ser utilizados
para a verificação final das características do modelo. Após a
confirmação, os moldes são desenhados utilizando operações
booleanas de subtração, para que seja gerada uma forma oca a ser
preenchida pelo silicone. São modelados também canais de entrada de
material e dispositivos para fechar e posicionar as duas partes do
molde. A impressão das peças se dá em uma impressora 3D ANET A-8
que utiliza o processo por extrusão de material (Figuras 1c e 1d);
nesse caso, o material empregado é o poliácido láctico (PLA).
O silicone usado para testar os moldes é o Dragon Skin 10 Fast, da
Smooth-On, elastômero que pode ser usado na confecção de máscaras,
sendo assim biocompatível e seguro quanto ao contato com a pele.
Para conferir mais realismo à peça testada e facilitar sua avaliação, são
utilizadas maquiagens em pó, misturadas às partes A e B do silicone
líquido (Figura 1e). A mistura final é então colocada em uma seringa e
injetada no molde, procurando-se ao máximo manter um fluxo
constante na inserção do material.
O silicone utilizado vulcaniza entre 30 minutos e 1 hora,
dependendo de fatores como espessura e volume da prótese
confeccionada (Figura 1f). Para o controle do tempo de cura, é
utilizado um pequeno volume do material que sobra do processo.
Após a vulcanização completa da peça, esta é retirada do molde e, após
algum trabalho de retirada de rebarbas, está pronta para a
implantação (Figuras 1g e 1h). No consultório, ao fim do processo, são
adicionados a superfície da prótese texturas e pigmentos extrínsecos
para aproximar ainda mais a aparência da prótese à cor da pele do
paciente.

Figura 1
Fluxo de trabalho apresentado: (a) Molde do rosto do paciente, em gesso. (b) Prótese modelada e
posicionada virtualmente. (c) Impressão dos moldes. (d) Moldes inferior e superior impressos. (e)
Mistura do silicone com adição de maquiagem. (f) Vulcanização do silicone dentro do molde. (g)
Prótese de silicone validada na máscara de gesso. (h) Detalhe da parte traseira da prótese, que
reproduz exatamente a geometria da face do paciente.

3. RESULTADOS

Os dois estudos de caso selecionados para este trabalho mostram


os bons resultados alcançados pela técnica descrita. Ambos são
pacientes do Hospital Angelina Caron diagnosticados com câncer de
pele na região do nariz. Por serem pacientes atendidos pelo SUS,
receberam as próteses gratuitamente. A Figura 2 mostra os resultados
alcançados.

Figura 2
Caso 1 (a) e Caso 2 (b): pacientes que receberam próteses modeladas virtualmente

O primeiro caso é o do Sr. T, 56 anos, artesão. Sua prótese foi usada


como exemplo para o desenvolvimento deste relato. O segundo caso
mostra o Sr. L, 72 anos, aposentado. Além de estética, sua prótese
também ajudou funcionalmente a respiração, por conta de um ajuste
realizado no tamanho das narinas. Ambos relataram que a primeira
tentativa de reconstrução facial foi realizada através de cirurgias, mas
os resultados não foram satisfatórios. Também externaram sua
satisfação pela forma geral da prótese e a qualidade percebida da peça,
que são as características principais no que diz respeito à sua
modelagem no computador. A Tabela 1 traz dados gerais sobre os
recursos despendidos para a fabricação dos moldes destes casos.

Variáveis Paciente a) Paciente b)


Tempo de Modelagem 10h 13h
Tempo de Impressão 13h35min 7h
Quantidade de Filamento de PLA 23,2 m 11,2 m
Volume de Silicone 18 mL 6 mL
Valor do Material (estimado) R$ 14,23 R$ 6,57

Tabela 1
Recursos empregados na fabricação de duas próteses faciais pelo método digital proposto
4. CONCLUSÕES

Percebe-se que o método apresentado para a confecção de próteses


faciais de silicone usando moldes fabricados por impressão 3D
obtiveram êxito, atestado pelo sucesso na fabricação das próteses e
pela satisfação dos pacientes que as receberam. Estes, inclusive, se
mostraram felizes pelo trabalho rápido e preciso proporcionado pela
técnica proposta, que os reabilita a viver em sociedade sem o estigma
óbvio da mutilação facial. Espera-se que, a longo prazo, a técnica ajude
a atender a demanda pelo serviço de próteses faciais de silicone,
especialmente para a população de baixa renda.
A manufatura aditiva por extrusão de material se mostrou capaz de
reproduzir a forma complexa dos moldes, mesmo em impressoras de
baixo custo, o que é importante para que o método seja barateado e,
assim, tornado mais acessível ao público geral. Ainda sobre a
impressão 3D, destaca-se que a impressão por deposição de camadas
pode deixar marcas na superfície dos moldes devido ao efeito escada
inerente ao processo (VOLPATO, 2017), que, eventualmente, são
reproduzidas nas peças de silicone. Esse efeito pode ser reduzido
diminuindo a altura da camada, aplicando um pós-processamento nos
moldes ou aplicando maquiagem sobre a prótese em silicone.
Visto que uma prótese facial feita manualmente custa
aproximadamente R$ 5.000, distribuídos entre a hora do profissional
e os materiais envolvidos, é importante notar também a redução de
custo proporcionada pelo método proposto por este trabalho. Ainda,
a assertividade do encaixe da prótese e a possibilidade de corrigi-la
virtualmente pouparam visitas extras dos pacientes ao consultório e
retrabalho da protesista.
Para trabalhos futuros outras tecnologias de impressão 3D podem
ser utilizadas visando a redução do efeito escada como a impressão
dos moldes em resina fotossensível. Também, o uso da fotogrametria
pode ser uma alternativa na aquisição rápida da geometria do
paciente, economizando os recursos dos exames mais complexos
como a tomografia computadorizada e evitando a necessidade da
geração das máscaras de gesso. A escolha dos pigmentos adequados
para gerar uma prótese com a aparência similar à da pele do rosto do
paciente é um dos temas em desenvolvimento mais relevantes para a
melhoria de qualidade do resultado final.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DA SILVA, Anna K. B. Para uma Psicossociologia da Máscara: sobre curativos,


óculos e próteses faciais na trajetória de vida de pessoas que passaram por
mutilações na face. 2008. 150 p. Dissertação (Mestre em Psicologia) -
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008.

ELIAS, Norbert. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. p. 127.

KO, Beom S.; KIM, Namkug; LEE, Jong W.; KIM, Hee J.; CHUNG, Il-Young; KIM,
Jisun; LEE, Sae B.; SON, Byung H.; KIM, Hak H.; SEO, Joon B.; KIM, Sung-Bae;
GONG, Gyung-Yub; KIM, Guk B.; LEE, Sangwook; CHOI, Seung H.; AHN, Sei H.
MRI-based 3D-printed surgical guides for breast cancer patients who
received neoadjuvant chemotherapy. [s. l.], 2019. DOI 10.1038/s41598-
019-46798-1.

VOLPATO, N. Processos de AM por Extrusão de Material. In: Manufatura


Aditiva: Tecnologias e aplicações da impressão 3D. São Paulo: Blucher,
2017. p. 145-175.

WILLEMSEN, Koen; NIZAK, Razmara; NOORDMANS, Herke J.; CASTELEIN, René


M.; WEINANS, Harrie; KRUYT, Moyo C. Challenges in the design and
regulatory approval of 3D-printed surgical implants: a two-case series.
[s. l.], 2019. DOI 10.1016/S2589-7500(19)30067-6.

Você também pode gostar