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PRECIPITAÇÃO, FOGO E ÍNDICES DE VEGETAÇÃO NA DETECÇÃO DE

FISIONOMIAS DE SAVANA TROPICAL NA REGIÃO AMAZÔNICA BRASILEIRA


Jorge Alberto Bustamante Becerra1, Regina Célia dos Santos Alvalá1, Yosio Shimabukuro2
(1Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, Rod. Presidente Dutra, Km 40, SP-RJ 12630-000, Cachoeira Paulista, SP, Brasil,
jabb@cptec.inpe.br, 2Grupo de Observação da Terra - Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, Av. dos Astronautas, 1758 – Jardim da Granja, 12227-010, São José dos Campos,
SP, Brasil)
Termos para indexação: fisionomias, Amazônia, Cerrado, Tocantins

Introdução
No Bioma do Cerrado, clima, solos e fogo são altamente interativos nos seus efeitos
sobre a vegetação. Chuvas sazonais e baixa fertilidade do solo parecem ser insuficientes para
explicar a distribuição espacial da vegetação de savana ao longo do bioma. Este bioma
encontra-se, extremamente fragilizada devido à substituição acelerada dos cerrados, pela
agropecuária, principalmente na região Centro-Oeste do país incluindo o Estado de Tocantins.
Levando em consideração que a pressão antrópica no Cerrado vem aumentando, o que
significa substituição de formações campestres, savânicas e até florestais, por áreas destinadas
à agropecuária, é importante determinar a composição fitofisionômica do Cerrado para depois
identificar como as mudanças do uso da terra e do clima afetam as funções biológicas,
químicas e físicas nos ecossistemas amazônicos, lembrando que a região do cerrado no Estado
de Tocantins encontra-se adjacente à Floresta Amazônica e que pelo tanto faz parte da
Amazônia Legal, compondo assim parte do grande ecossistema amazônico.
Um dos principais fatores climáticos que influencia a ocorrência e distribuição
espacial e temporal das fisionomias de cerrado é a precipitação pluvial. Trabalhos recentes
mostram a importância da análise temporal ou sazonal da vegetação (Ferreira et al., 2003;
Ferreira et al., 2004; Ratana e Huete, 2004; Becerra e Alvalá, 2006) a partir de séries
temporais de índices espectrais de vegetação. No caso de relação direta do padrão sazonal da
precipitação com o sazonalidade da vegetação está começando a ser estudada (Huete et al.,
2006). Outro componente importante na distribuição espacial das fisionomias de cerrado é o
fogo es especialmente no que diz respeito a freqüência, intensidade e extensão.
Neste contexto, o objetivo deste trabalho visa relacionar a influência de variáveis
ambientais com o padrão de distribuição espacial das principais fisionomias de cerrado na
região das savanas tropicais da Amazônia Brasileira, com o intuito de entender: como as
fisionomias de cerrado respondem de forma diferenciada aos padrões sazonais da precipitação
e queimadas, além do posicionamento geográfico (latitude e longitude).

Materiais e métodos
A área de estudo corresponde ao Estado de Tocantins (Figura 1)localizado no sudeste
da Amazônia Legal Brasileira, entre as coordenadas 05º09'59.25 e 13º27’55,54 de latitude Sul
e 45º41’41,93 e 50º44’38,36 de longitude Oeste. O clima da região é tropical e quente, com
estação seca de maio a outubro. Na região norte do Estado, a precipitação é intensa,
diminuindo para o sul e sudeste (Nimer, 1977). Em Tocantins predomina o domínio do
cerrado, apresentando desde fisionomias florestais (Cerradão) até as campestres (campo
limpo) distribuídos em mosaicos ao longo da paisagem.

a b
Figura 1. Mapa de localização do Brasil, com a distribuição das áreas de cerrado (cor verde)
e imagem da área de estudo (Estado de Tocantins), composição colorida das imagens MODIS,
canais 1, 2 e 7, período 09/06/06 a 24/06/06 (composição de 16 dias).

Os principais materiais utilizados são: a) 12 imagens mensais de 2004, das cenas


h13v09 e h13v10, de três índices de vegetação (IV) MODIS: Índice de Vegetação de
Diferença Normalizada (NDVI), o Índice Melhorado de Vegetação (EVI) e o Índice de
Umidade da Vegetação (LSWI); b) dados diários de precipitação de 2004 obtidos a partir das
estações meteorológicas fusionados com dados do satélite TRMM (Tropical Rainforest
Measuring Mission) 3B42 resolução espacial 0.25º; c) uma série histórica de precipitação
diária para o Brasil de 01/01/1948 a 31/072005, resolução espacial de 1º, do Climate
Prediction Center da NOOA; d) dados diários e mensais de focos de queimadas (obtidos dos
satélites NOAA, GOES, AQUA, TERRA, METEOSAT, MMODIS) para o ano de 2004 e o
período 2000-2004.
Para avaliar a dinâmica sazonal dos principais tipos de uso e cobertura da terra (UCT1)
da vegetação ao longo do ciclo anual de 2004 foram utilizados dois índices espectrais de
vegetação MODIS, o NDVI e o EVI. O NDVI é uma relação entre medidas espectrais
(refletância - ρ) de duas bandas, a do infravermelho próximo-IV (700-1300 nm) e a do
vermelho-V (600-700 nm). Este índice é sensível à clorofila (Rouse et al., 1974). Os valores
do NDVI variam de –1 a 1. O EVI foi desenvolvido para melhor a sensibilidade em regiões
com maiores densidades de biomassa (Huete et al., 1994; Huete et al., 1997).
As 12 imagens de cada índice são empilhadas em um único arquivo. Nestas imagens
são sobrepostos os 18 polígonos, que correspondem aos 6 tipos de UCT, para extrair os
valores dos índices contidos em cada uma das 12 datas de cada índice. Estes valores, assim
obtidos, são plotados em um gráfico que mostra o padrão sazonal da vegetação.
O padrão sazonal da precipitação de 2004 é gerado do agrupamento mensal da
precipitação, resultando em um arquivo com 12 camadas de precipitação mensal. De cada
uma destas camada são extraídos os valores contidos nos polígonos dos 18 vetores que
correspondem às 6 classes de UCT analisados. Procedimento semelhante foi adotado para a
precipitação climatológica (série histórica 1969 a 2005).
O padrão sazonal das queimadas é gerado do grupamento mensal dos dados diários de
focos de queimadas de 2004 para elaborar um produto mensal de densidade de focos de
queimadas, usando o estimador densidade de Kernell, conforme Silverman (1986). Processo
semelhante é adotado para os dados de 2000 a 2004.
Para reduzir a dimensão temporal dos dados de precipitação, de focos de calor e de
índices de vegetação foi usada a técnica PCA (análise de componentes principais). Sempre
utilizando a primeira componente principal (PC1) foram geradas as variáveis: PREC04
(precipitação mensal de 2004), PREC (precipitação climatológica serie 1969 a 2004),

1
Os principais tipos de UCT na área de estudo são: floresta, cerradão, cerrado sensu strictu, campo cerrado,
agricultura e agricultura-pecuária. As quatro primeiras classes correspondem as principais formações vegetais e
os dois últimos aos principais tipos de uso da terra na região. Foram selecionadas três pequenas áreas,
determinadas por polígonos (vetores), para cada tipo de UCT de acordo com Becerra e Alvalá (2006).
DENS04 (densidade focos de queimadas de 2004), DENSIT (densidade focos de queimadas
período 2000 a 2004), NDVI, EVI e LSWI.
Usando uma amostragem aleatória estratificada com partilha proporcional, é extraída a
informação representativa de cada uma das sete variáveis (LAT, LON, PREC, PREC04,
DENSIT, DENS04, NDVI, EVI e LSWI) dando como resultado uma matriz de 12154 casos x
7 variáveis. Com estes dados são geradas análises de correlações de Pearson, coeficientes de
correlações parciais e análises de componentes principais para explorar a relação entre as
variáveis ambientais e distribuição espacial das variáveis bióticas, representadas pelos índices
espectrais de vegetação.

Resultados e discussões
Os resultados do perfil sazonal da precipitação climatológica nas áreas dos 6 tipo de
UCT (Figura 2A) mostram que a estação seca, com menos de 100mm de precipitação, começa
em maio e vai até setembro na área de estudo nos 6 tipos de UCT. Na época de chuvas existe
uma leve diferença nas áreas de campo cerrado com valores menores ao resto das áreas no
mês de dezembro. No perfil da precipitação do ano de 2004 (Figura 2B) observa-se um
padrão similar com a precipitação climatológica (Figura 2A) na época seca. No entanto, no
mês de julho de 2004 houve ocorrência de chuvas na maioria de áreas estudadas, exceto nas
áreas de cerradão. Na estação chuvosa houve uma diferenciação entre as áreas dos 6 tipos de
UCT com maior precipitação nas áreas de floresta e menor nas áreas de cerrado. Estes
resultados mostram que a precipitação no ano de 2004 nas áreas de estudo foi homogênea na
época de secas e heterogênea na época de chuvas, principalmente nos meses de outubro a
dezembro.

300 450
A Precipitação B Precipitação
400
250 média, 1969-2005 média, 2004
350

200 300
Floresta
Prec (mm)

Prec (m m )

250 Cerradão
150 Foresta Cerrado
200
Cerradão Campo cerrado
100 150 Agricultura
Cerrado
Agric_past
Campo Cerrado 100
50
Agricultura 50
0 Agric_past
0
Jan Feb Mar Abr Mai Jun Jul Ago Sep Out Nov Dez Jan Feb Mar Abr Mai Jun Jul Ago Sep Out Nov Dez
Mês (2004) Mês (2004)
Figura 2. Padrão sazonal de precipitação determinado a partir da análise de uma série longa (1969 a
2005) e de dados de 2004, representados nas figuras A e B respectivamente. As classes avaliadas são:
floresta; cerradão; cerrado sensu strictu; campo cerrado; agricultura; agricultura-pastagem.

Na comparação do resultado dois índices de vegetação (Figura 3 A e B), pode-se


observar que o EVI mostra maior relação do que o NDVI, com o padrão de precipitação. No
caso do NDVI, os menores valores foram registrados nos meses de agosto e setembro, isto
indica que a atividade fotossintética dos tipos de UCT relacionada com este índice sofrem o
impacto do estresse hídrico nesses dois meses, devido provavelmente a limitações hídricas
(Huete, 2006). Na classe floresta o perfil sazonal ao longo do ano de 2004 não mostrou
decréscimos na estação seca, isto pode ser explicado pela disponibilidade hídrica atingida
pelas raízes profundas destas árvores e/ou pela proximidade de cursos de rios (mata ciliar).
Segundo Huete et al. (2006), esta disponibilidade hídrica das áreas floresta propiciaria uma
estabilidade na atividade fotossintética e conseqüente produção de fitomassa foliar mantida na
época seca.
As correlações de LON com PREC e PREC04 são negativas, isto significa que
aumentos de precipitação está relacionado com a diminuição da longitude, ou seja da direção
leste (menor) para o oeste (maior precipitação). No caso da LAT com a precipitação, a
correlação é positiva, embora em menor grau que a correlação da longitude, isto é, existe uma
relação entre o aumento da latitude com o aumento de precipitação, ou seja da direção sul
(menor) para o norte (maior precipitação).
0.85 1.00 B NDVI 2004
A EVI, 2004
0.80 0.95
Foresta 0.90
0.75
Cerradão
0.85
R esp o sta IV

R es pos ta IV

Cerrado
0.70
Campo Cerrado 0.80
Agricultura
0.65 0.75
Agric_past
0.60 0.70
0.65
0.55
Jan Feb Mar Abr Mai Jun Jul Ago Sep Out Nov Dez 0.60
Mês (2004) Jan Feb Mar Abr Mai Jun Jul Ago Sep Out Nov Dez
Mês (2004)

Figura 3. Padrão sazonal da vegetação no ano de 2004 a partir da análise de dois índices de
vegetação, NDVI e EVI, relacionados com atividade fotossintética e fitomassa no dossel. As classes
avaliadas são: floresta; cerradão; cerrado sensu strictu; campo cerrado; agricultura; agricultura-
pastagem.

As correlações de LAT com a DENS04 e a DENSIT são positivas, indicando relação


entre o aumento da densidade de focos de queimadas na direção sul para norte. No caso da
LON, existe leve correlação significativa da LON com a DENS04 e DENSIT, sinalizando que
existe aumento de densidade de focos de calor na direção oeste para leste.

Tabela 1. Correlação de Pearson entre latitude LAT, longitude LON, precipitação PREC, precipitação
2004 PREC04, densidade focos de queimadas de 2000 a 2004 DENSIT, densidade focos de queimadas
2004 DENS04 índices de vegetação: EVI e NDVI, n=12154. Savana tropical da Amazônia Legal
Brasileira, região de Tocantins.
LAT LON PR EC 04 PR EC D EN S04 D E N S IT EVI NDVI
LAT 1
LON 0.155** 1
PR EC 04 0.200** -0.421** 1
PREC 0.142** -0.684** 0.560** 1
D EN S04 0.150** 0.060** -0.019* 0.0 02 1
D E N S IT 0.154** 0.017 -0.015 0.0 09 0.503** 1

EVI 0.181** -0.058** 0.062** 0.1 92** -0.129**-0.088** 1


NDVI 0.028** -0.197** 0.100** 0.2 33** -0.078**-0.062** 0.865** 1

** Correlação significativa ao nível de 0.01.

As correlações de LAT com EVI e NDVI são positivas, isto significa uma tendência
de maior vegetação arbórea no sentido sul para norte. No caso da LON com os índices de
vegetação, existe uma correlação negativa, sinalizando aumento da cobertura vegetal na
direção oeste para leste. As correlações de PREC e PREC04 com EVI, NDVI são positivas,
confirmando a tendência esperada maior precipitação associadas com maior cobertura vegetal
(fisionomias florestais). Já as correlações de DENSIT e DENS04 com EVI e NDVI são
negativas, indicando que aumentos na densidade de focos de queimadas estão associados a
diminuição da cobertura vegetal, ou seja, associação com fisionomias campestres.

4. Conclusões
A dinâmica sazonal da vegetação (usando índices de vegetação, NDVI e EVI) e da
precipitação, além da intensidade de focos de queimadas, permitiu identificar o padrão
sazonal dos principais tipos de uso e cobertura da terra.
O gradiente geográfico, latitude e longitude, tem um papel importante na distribuição
dos tipos de uso e cobertura da terra que pela sua vez está associada ao gradiente de
precipitação que também guarda relação com a densidade de focos de queimadas.
A incorporação de variáveis ambientais para entender a dinâmica sazonal dos tipos
fisionômicos do cerrado e dos principais usos da terra permitem identificar (em escala
regional) e entender a fenologia de cada uma das fisionomias.

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