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Há estudos, como o de Pickett (1983) e Whitmore (1989) que sugerem que a estrutura
e a formação das clareiras assumem o papel de manutenção da diversidade de espécies
arbóreas, pois agem sobre uma rede de eventos ecológicos que determina uma
heterogeneidade ambiental que controla consideravelmente a distribuição espacial e outras
características de muitas populações de espécies florestais.
Em virtude da ocorrência natural de aberturas sazonais do dossel em Florestas
Estacionais Deciduais, este trabalho teve por objetivo verificar a influência da variação
sazonal da cobertura florestal sobre o estrato regenerante nesta formação vegetal (Mata Seca
Calcária).
Metodologia
Fisionomicamente, a área de estudo encontra-se na transição dos domínios do Cerrado
e da Caatinga, sendo sua principal fisionomia a Floresta Estacional Decidual (Rizzini, 1997).
Os dois remanescentes são situados em Montes Claros, MG, sob clima do tipo AW de
Köeppen, tropical chuvoso (verão quente e inverno seco). As estações seca e chuvosa são bem
definidas, sendo, respectivamente, entre os meses de abril a outubro e de novembro a março,
com precipitação de 1.000mm/ano e temperatura média anual de 23oC (Nunes et al., 2005).
Os pontos para amostragem da estrutura do dossel foram marcados no interior de 26
parcelas de 2 x 2m (Anderson 1964; Carvalho 1997), lançadas para amostragem dos juvenis
(indivíduos ≥ 10 cm de altura e < 1 cm de DAS). Essas parcelas localizavam-se no canto
superior direito de parcelas de 5x5m, lançadas para amostragem das arvoretas (indivíduos
arbustivo-arbóreos com tamanho ≥ 1cm de DAS e ≤ 5 cm DAP). Para todos os indivíduos
incluídos foram registradas as medidas de DAS (diâmetro à altura do solo) e altura total, além
do nome específico. Foram amostrados, nos meses de abril e setembro de 2007, 13 pontos do
dossel em cada um dos fragmentos, com um total de 26 hemifotografias por mês. As
fotografias foram obtidas pela objetiva fisheye Sigma 8mm EX DG acoplada a uma câmera
Nikkon Digital SLR D50, fixa a 1,50m do chão por um monopé. As imagens coloridas foram
convertidas para bitonais por meio do software Corel Photo Paint 11, para o cálculo da
abertura do dossel que se baseia na proporção céu/dossel de pixels na imagem. As imagens
bitonais foram processadas pelo software Gap Light Analyzer (GLA) que, por meio de
fotografias hemisféricas, fornece os dados de estrutura do dossel em percentual de abertura
(Frazer, 1999), corrigindo-se as distorções causadas pela projeção de uma calota hemisférica
sobre o plano da fotografia (Carvalho 1997).
Para detectar possíveis diferenças entre o comportamento dos fragmentos nas
diferentes estações, realizou-se teste Tukey HSD, disponível no software STATISTICA 7®.
Os valores de abertura do dossel nas estações úmida e seca (dados coletados nos meses de
abril e setembro, respectivamente) foram relacionados com os parâmetros fitossociológicos do
estrato regenerante por regressão linear (Zar, 1996). Através de testes de regressão linear
múltipla, testaram-se as diferenças estatísticas na relação entre a abertura do dossel e os
valores de densidade relativa, dominância relativa, abundância e riqueza da comunidade
regenerante, para o estrato dos juvenis e das arvoretas, em ambos os fragmentos e nas
diferentes estações.
Resultados
Houve diferenças significativas nos valores de abertura para um mesmo fragmento nas
duas estações (gl = 48, F = 239,544, p = 0), em ambos os fragmentos, mas que não diferiram
entre si numa mesma estação. Os fragmentos apresentaram comportamento semelhante de
abertura do dossel na estação úmida. Em abril, o Fragmento 1 apresentou valores de abertura
que variaram entre 6,47% e 13,32% ( X = 9,01% ± 1,93), enquanto o Fragmento 2 apresentou
valores de abertura que variaram entre 7,13% e 16,63% ( X = 10,79% ± 2,78), não diferindo
estatisticamente entre si (p = 0,77). Da mesma forma, os fragmentos não apresentaram valores
estatisticamente diferentes na estação seca: o Fragmento 1 apresentou percentuais de abertura
entre 32,54% e 55,14% ( X = 43,29% ± 6,66), e o Fragmento 2 apresentou percentuais entre
34,14% e 56,64% ( X = 47,38% ± 5,97) (p = 0,14) (Fig. 1).
60
(%) Média de abertura do dossel
50
40
30
20
10
0
Fragmento 1 Fragmento 2 Fragmento 1 Fragmento 2
Abril Setembro
Figura 1. Valores percentuais de média da abertura do dossel em dois fragmentos de Floresta Estacional Decidual, nas
estações úmida (abril) e seca (setembro), em Montes Claros, MG.
Em relação ao comportamento de cada um dos fragmentos, constataram-se diferenças
significativas entre as estações. O comportamento do dossel do Fragmento 1 em abril diferiu
estatisticamente de seu comportamento em setembro (p = 0). Da mesma forma, o percentual
de abertura do dossel no Fragmento 2 variou significativamente de abril para setembro (p=0).
Os testes de regressão linear múltipla demonstraram que não houve relação
significativa entre a abertura do dossel e os parâmetros fitossociológicos da comunidade
regenerante, tanto para o estrato dos juvenis, quanto para o estrato das arvoretas. Para maiores
detalhes sobre a comunidade regenerante, ver Gonzaga (2006).
Discussão
O dossel de ambos os fragmentos apresentou percentuais de abertura semelhantes ao
encontrado em estudos similares (Nascimento et al., 2007). Esses autores encontraram valores
de abertura do dossel superiores a 50% em Matas Secas Calcárias do estado de Goiás, onde os
fragmentos correspondiam a mata primária com poucos indivíduos maduros. O
comportamento semelhante dos fragmentos numa mesma estação pode ser explicado pela
pequena distância que os separa. A distância é uma das variáveis que mais influenciam a
distribuição das espécies (Gomes et al. 2004). No entanto, a distância entre os fragmentos
parece não ser suficiente para provocar diferenças consideráveis nos padrões de deciduidade.
Para ambas as áreas podem existir as mesmas condições topográficas, geológicas e climáticas,
o que sugere, inclusive, terem sido uma formação vegetal contínua num passado recente.
Em Florestas Estacionais Deciduais, a considerável diferença da cobertura vegetal na
estação úmida e seca é explicada pela sazonalidade na temperatura e, principalmente, na
precipitação ao longo do ano (Ribeiro & Walter 1998; Ivanauskas & Rodrigues 2000). O seu
ritmo estacional se traduz pelo elevado grau de deciduidade na seca, que pode atingir grau de
caducifolia de até 90% (Pedralli 1997). Em estudo de abertura do dossel em Mata Atlântica,
Portela & Santos (2007) encontraram valores médios de abertura do dossel na estação seca em
torno de 9,6%, o que corresponde às médias aqui encontradas para a estação úmida. Isso
ocorre porque, em virtude da descontinuidade do estrato superior, o percentual de abertura em
matas secas mantém-se em valores consideráveis mesmo na estação chuvosa, diferentemente
do modo como ocorre em matas úmidas (Fig. 2).
A
Figura 2. Fotografias hemisféricas tomadas a 1,5 m do solo no mês de abril (A) e durante o mês de setembro (B), em
uma Floresta Estacional Decidual em Montes Claros, MG. A. Mesmo na estação úmida, o dossel não se apresenta
completamente contínuo. B. Durante a estação seca, os troncos e galhos representam quase toda a cobertura do dossel.
Referências Bibliográficas
ANDERSON, M. Studies of the woodland light climate. 1. The photographic computation of
light conditions. Journal of Ecology, vol.52, p.27-41. 1964.
BROKAW, N.; BUSING, R. T. Niche versus chance and tree diversity in forest gaps. Trends
in Ecology and Evolution, v.15, p.183-188, 2000.
FRAZER, G.W.; CANHAM, C. D.; LERTZMAN, K.P. Gap Light Analyzer (GLA),
Version 2.0: Imaging software to extract canopy structure and gap light transmission
indices from true-colour fisheye photographs, user’s manual and program
documentation. Copyright © 1999: Simon Fraser University, Burnaby, British Columbia,
and the Institute of Ecosystem Studies, Millbrook, New York. 1999.
LERTZMAN, K.P., SUTHERLAND, G.D., INSELBERG, A., & SAUNDERS, S.C. Canopy
gaps and the landscape mosaic in a coastal temperate rain forest. Ecology, vol.77, n.4, p.1254-
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PICKETT, S. T. A. Differential adaptation of tropical tree species to canopy gaps and its role
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RIBEIRO, J.F. & WALTER, B.M.T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: Sano, M.S. &
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WHITMORE, T. C. Canopy gaps and the two major groups of forest trees. Ecology, vol.70,
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