Você está na página 1de 7

SALVAMENTO DO GERMOPLASMA NO VALE DO RIO ARAGUARI, MINAS

GERAIS

Sérgio de Faria Lopes1, Olavo Custódio Dias Neto1, Vagner Santiago do Vale1, André
Eduardo Gusson1 e Ivan Schiavini1 (1 Universidade Federal de Uberlândia, Bloco 2D, sala
57, Campus Umuarama, 38400-902 Uberlândia, MG. e-mail: lopeserginho@yahoo.com.br)
Termos para indexação: germoplasma, levantamento florístico, controle ambiental, mata
ciliar, Vale do Rio Araguari, MG
Introdução

Atualmente, o meio natural está passivo a implementação de grandes projetos ou obras


potencialmente causadora de significativo impacto ambiental. Em prol do avanço tecnológico
e vantagens econômicas, o meio natural vem sofrendo grandes perdas em sua biodiversidade.
A formação dos reservatórios do Aproveitamento Hidrelétrico Amador Aguiar I e II
localizado no município de Araguari, MG, implicou na remoção de remanescentes florestais
do Vale do Rio Araguari, que representam recursos genéticos importantes, principalmente em
função da degradação da cobertura vegetal da região. Trata-se do último trecho contínuo de
mata ciliar do Rio Araguari, já que, à montante e à jusante, encontram-se já estabelecidos
outros aproveitamentos hidrelétricos.
Diversas estratégias voltadas à proteção da biodiversidade existem. Na vertente
ambiental, a conservação in situ propõe o estabelecimento de unidades de conservação,
apresentando-se como uma das melhores alternativas para a manutenção da biodiversidade
nativa (Pivello, 2005). Por outro lado, propõe-se também a conservação de recursos genéticos,
intitulada de conservação ex situ, por meio do resgate de germoplasma das espécies alvo
(sementes), com critérios que garantam a melhor representatividade possível da variabilidade
genética da espécie, em um dado sítio ou região. Estas sementes podem ser armazenadas ou
podem ser mantidos plantios permanentes, para aquelas que não toleram armazenamento
(Pivello, 2005). Desse modo, o salvamento de germoplasma é o resgate eficiente daquelas
espécies vegetais que, por força de impactos ambientais, terão suas populações naturais
reduzidas, por serem endêmicas ou por estarem submetidas, atualmente, à forte pressão
exploratória.
Assim, o presente trabalho objetivou-se a analisar a eficiência do Programa de
Salvamento do Germoplasma, um dos programas de controle ambiental do EIA/RIMA dos
AHE Amador Aguiar I e II, relacionando as espécies coletadas no Programa com aquelas
amostradas em levantamentos florísticos e fitossociológicos já realizados no Vale do Rio
Araguari, bem como, classificar e analisar as espécies em grupos ecológicos.
Material e Métodos

Escolha das espécies para compor o Programa de Salvamento do Germoplasma -


Procurou-se priorizar espécies associadas às matas ciliares do rio Araguari, devido à redução
substancial que esse ecossistema sofreu com o empreendimento. Espécies arbóreas com forte
pressão regional, devido ao uso comercial também foram priorizadas (tais como perobas,
cedro, jequitibás, jatobá, entre outras).
Marcação de matrizes e estabelecimento de áreas de coletas – Em campo, foram
marcadas matrizes das espécies arbóreas escolhidas para o salvamento. Foi estabelecida a
localização de pelo menos cinco matrizes, de populações diferentes, na área de influência de
cada uma das barragens. Todas as matrizes foram georeferenciadas (GPS). Foram
consideradas boas matrizes aquelas árvores com frutificação abundante. A quantidade de
sementes coletada e o número de matrizes por espécie foram estabelecidos em função dos
atributos reprodutivos. Indivíduos localizados na estação seca com intensa floração foram
identificados e marcados como possíveis matrizes para posterior coleta. Os materiais
provenientes das coletas foram quantificados e referenciados à matriz, datado e conduzido ao
laboratório, ao armazenamento e ao viveiro de mudas.
Coleta de sementes - Foram realizadas campanhas ao campo para coleta do material
duas vezes por semana. Cada campanha iniciava-se às 6 h da manhã até as 17 h. Os frutos
foram coletados com o auxílio de podão (4 e 12 m), lonas, tesouras de poda e coleta manual.
As árvores tiveram sua altura e circunferência anotadas, além da identificação da síndrome de
dispersão de cada espécie. Foi elaborada uma rota a ser seguida para as campanhas realizadas
no campo. As matrizes coletadas obedecem ao rigor de longas distâncias entre elas, visando
garantir amostragem com variabilidade genética. A rota estabelecida percorre toda extensão
da área diretamente afetada (ADA), das áreas de entorno e influência dos dois
empreendimentos. Os trabalhos de campo foram realizados de outubro de 2004 a novembro
de 2006, totalizando 220 campanhas.
Para analisar a eficiência do Programa de Salvamento do Germoplasma foram
realizadas comparações com levantamentos florísticos e fitossociológicos, que representam a
composição e estrutura das comunidades vegetais remanescentes localizadas no Vale do Rio
Araguari.
Os levantamentos foram realizados em três remanescentes de Floresta Estacional
Decidual, um de mata ciliar e outro remanescente de Floresta Estacional Semidecidual,
localizados nos Municípios de Uberlândia e Araguari, MG. Os levantamentos foram
realizados pelo método de parcelas, perfazendo um hectare cada.
As espécies foram classificadas em grupos sucessionais, baseando-se no trabalho
realizado por Gandolfi et al. (1995), acrescidas de observações no campo. Quanto às
síndromes de dispersão, as espécies foram classificadas de acordo com van der Pijl (1982).

Resultados e Discussão

Foram coletados, durante o período, 3.780.000 sementes, relativo ao peso de 485.479


g (aproximadamente meia tonelada) de massa fresca, oriundos de 351 indivíduos,
pertencentes a 52 espécies. A lista das espécies coletadas para o Salvamento do
Germoplasma foi estruturada em 52 espécies, pertencentes a 43 gêneros e 25 famílias
botânicas (Tabela 1).
O Salvamento do Germoplasma teve como prioridade matrizes de espécies
secundárias iniciais e pioneiras. Foram coletadas sementes de 21 (40,4%) espécies
secundárias iniciais, 11 (21,1%) espécies secundárias tardias e 20 (38,5%) espécies pioneiras
(Tabela 1), o que indica uma tendência à maior adequação das condições para o uso dessas
espécies em reflorestamento. Segundo Martins (2005), o modelo ideal de recomposição é
aquele que designa 50% de espécies pioneiras, 30% de secundárias iniciais e 20% de
secundárias tardias.
Quanto às síndromes de dispersão, 19 (36,5%) espécies foram classificadas como
anemocóricas, 26 (50%) espécies como zoocóricas e sete (13,5%) espécies como autocóricas
(Tabela 1). A presença de maior número de espécies zoocóricas é importante no processo de
dispersão, manutenção e renovação das florestas tropicais uma vez já que a integração e a
dependência entre planta e animal atingem seu ponto máximo nos trópicos úmidos (Rêgo,
1995).

Tabela 1 – Lista de espécies coletadas no Programa de Salvamento do Germoplasma


realizado no Vale do Rio Araguari, MG, apresentadas por ordem alfabética de espécies,
acompanhadas dos respectivos grupos sucessionais (GS), em que P= espécie pioneira, SI =
secundária inicial, ST = secundária tardia e SD= Síndrome de dispersão, Zoo= zoocórica,
Auto= autocórica e Anemo= anemocórica.

Espécie Família Nome popular GS SD


Acacia polyphylla DC. Fabaceae monjolinho P Auto
Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. Arecaceae macauba SI Zoo
Aegiphila sellowiana Cham. Lamiaceae tamanqueira P Zoo
Alibertia sessilis (Vell.) K. Schum. Rubiaceae marmelo-do-campo SI Zoo
Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan Fabaceae angico SI Auto
Anadenanthera peregrina (L.) Speg. Fabaceae angico-vermelho SI Auto
Aspidosperma cylindrocarpon Müll.Arg. Apocynaceae peroba-rosa ST Anemo
Astronium fraxinifolium Schott ex Spreng. Anacardiaceae gonçalo-alves SI Anemo
Cariniana estrellensis (Raddi) Kuntze Lecytidaceae jequitibá ST Anemo
Casearia mariquitensis Kunth Salicaceae mossoroca SI Zoo
Cecropia pachystachya Trécul Urticaceae embaúba P Zoo
Cedrela fissilis Vell. Meliaceae cedro SI Anemo
Ceiba speciosa (A.St.-Hil.) Ravenna Malvaceae paineira SI Anemo
Copaifera langsdorffii Desf. Fabaceae copaíba ST Zoo
Dipteryx alata Vogel Fabaceae baru SI Zoo
Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong Fabaceae tamburil P Auto
Genipa americana L. Rubiaceae jenipapo ST Zoo
Guarea guidonia (L.) Sleumer Meliaceae canjerana ST Zoo
Guazuma ulmifolia Lam. Malvaceae mutambo P Auto
Hymenaea courbaril L. Fabaceae jatobá ST Zoo
Inga laurina (Sw.) Willd. Fabaceae ingá branco SI Zoo
Inga sessilis (Vell.) Mart. Fabaceae ingá amarelo SI Zoo
Jacaranda cuspidifolia Mart. ex A.DC. Bignoniaceae jacarandá P Anemo
Lithraea molleoides (Vell.) Engl. Anacardiaceae aroeirinha P Zoo
Luehea divaricata Mart. Malvaceae açoita-cavalo SI Anemo
Machaerium acutifolium Vogel Fabaceae amendoim P Anemo
Machaerium hirtum (Vell.) Stellfeld Fabaceae jacarandá-de-espinho P Anemo
Matayba guianensis Aubl. Sapindaceae mataiba SI Zoo
Miconia albicans (Sw.) Triana Melastomataceae pixirica P Zoo
Myracrodruon urundeuva Allemão Anacardiaceae aroeira ST Anemo
Myrsine umbellata Mart. Myrsinaceae pororoca P Zoo
Ormosia arborea (Vell.) Harms Fabaceae tento SI Zoo
Piptadenia gonoacantha (Mart.) J.F.Macbr. Fabaceae pau-jacaré P Auto
Plathymenia reticulata Benth. Fabaceae vinhático P Auto
Platypodium elegans Vogel Fabaceae jacarandá-canzil SI Anemo
Pouteria torta (Mart.) Radlk. Sapotaceae guapeva SI Zoo
Rhamnidium elaeocarpum Reissek Rhaminaceae cafezinho P Zoo
Senna silvestris (Vell.) H.S.Irwin & Barneby Fabaceae canafístula P Anemo
Sterculia striata A.St.-Hill. & Naudin Sterculiaeae chichá ST Zoo
Syagrus oleracea (Mart.) Becc. Arecaceae guariroba SI Zoo
Tabebuia aurea (Manso) Benth. & Hook.f. Bignoniaceae ipê-amarelo ST Anemo
Tabebuia chrysotricha (Mart. ex DC.) Standl. Bignoniaceae ipê-amarelo SI Anemo
Tabebuia impetiginosa (Mart. ex DC.) Standl. Bignoniaceae ipê-roxo ST Anemo
Tabebuia roseoalba (Ridl.) Sandwith Bignoniaceae ipê-branco P Anemo
Tabebuia serratifolia (Vahl) Nicholson Bignoniaceae ipê-amarelo ST Anemo
Tapirira guianensis Aubl. Anacardiaceae pau-pombo SI Zoo
Terminalia argentea (Cambess.) Mart. Combretaceae capitão SI Anemo
Terminalia glabrescens Mart. Combretaceae capitão-do-campo SI Anemo
Trema micrantha (L.) Blume Cannabaceae crindiúva P Zoo
Virola sebifera Aubl. Myristicaceae virola P Zoo
Xylopia aromatica (Lam.) Mart. Annonaceae pimenta-de-macaco P Zoo
Zanthoxylum rhoifolium Lam. Rutaceae maminha-de-porca P Zoo

A Figura 1 apresenta o número de espécies coletadas no Programa de Salvamento em


relação aquelas amostradas nos levantamentos fitossociológicos realizados. Das 90 espécies
amostradas no levantamento da mata ciliar do rio Araguari, 29% (26 spp) foram coletadas no
programa de Salvamento do Germoplasma, porcentagem semelhante para floresta
semidecidual, onde 27% das espécies (25) levantadas foram coletadas. A maior
representatividade de espécies coletadas em relação aos levantamentos realizados estava
presente nas florestas decíduas (de 37% a 62%), sendo essa a formação florestal predominante
na área diretamente afetada e de entorno dos empreendimentos.
Figura 1 – Número total de espécies arbóreas amostradas nos diversos levantamentos
fitossociológicos realizados no Vale do Rio Araguari e o número de espécies coletadas para o
Programa de Salvamento do Germoplasma presentes nestes levantamentos. MC = mata ciliar;
FED = floresta estacional decidual; FES = floresta estacional semidecidual.

Em relação a representatividade dos indivíduos das espécies amostradas nos


levantamentos e que foram coletadas no Programa de Salvamento do Germoplasma, foram
levantados 1446 indivíduos na mata ciliar, sendo que 29% desses indivíduos (416) são das
espécies coletadas no Programa de Salvamento. Esta porcentagem é um pouco menor (23%,
377 indivíduos) para floresta semidecidual. Novamente, a maior representatividade do
número de indivíduos das espécies amostrados nos levantamentos e que foram coletadas no
Programa de Salvamento está presente nas florestas decíduas (55 a 76% dos indivíduos).
Segundo Martins (2005), o número de indivíduos de cada espécie a ser implantada pode ser
definido de acordo com os levantamentos fitossociológicos realizados nas formações
florestais remanescente, procurando-se representar a variabilidade genética existente na
população original.
A eficiência do Programa de Salvamento do Germoplasma está demonstrada pelo
maior número de espécies e indivíduos coletados serem representativos nos levantamentos de
floresta decídua. Este tipo de formação vegetal é predominante no Vale do Rio Araguari, visto
que os outros tipos de formações estão extremamente degradados, com poucos remanescentes
preservados.

Conclusões

As 52 espécies coletadas no Programa contemplam a realidade da composição vegetal


da região do Vale do Rio Araguari e representam as espécies mais importantes nos
levantamentos fitossociológicos já realizados. Além disso, a indicação de maior número de
espécie secundária inicial e pioneira, bem como, zoocóricas é imprescindível para se obter
relevante sucesso na implantação do reflorestamento.

Referências Bibliográficas

GANDOLFI, S.; LEITÃO FILHO, H.; BEZERRA, C.L.F. Levantamento florístico e caráter
sucessional das espécies arbustivo-arbóreas de uma floresta mesófila semidecídua no
município de Guarulhos - SP. Revista Brasileira de Botânica, v.55, n.4, p.753-767, 1995.

MARTINS, S.S. Recomposição de matas ciliares no Estado do Paraná. 2ed. Clichetec,


Maringá, 2005. 32p.

PIJL, L. van der. Principles of dispersal in higher plants. 3. ed. Berlin: Springer-Verlag,
1982.

PIVELLO, V.R. Manejo de fragmentos de Cerrado: princípios para a conservação da


biodiversidade. In: SCARIOT, A.; Sousa-Silva, J.C.; Felfili, J. M. (Ed). Cerrado: Ecologia,
Biodiversidade e Conservação. Brasília: MMA, 2005. p.438-439.

RÊGO, J.F. Dispersão de sementes e estabelecimentos de Cordia bicolor em clareiras


naturais. 1995. 129p. Dissertação (Mestrado). INPA – Manaus.

Você também pode gostar