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OCUPAÇÃO E USO DO CERRADO DE PALMEIRA DO PIAUÍ

Maria do Socorro Lira Monteiro1, Edson Chaves Ferreira2, (1,2Universidade Federal do Piauí,
Campus Ministro Petrônio Portela, 64049-550 Teresina, PI. e-mail: 1socorrolira@uol.com.br,
2
edson.ufpi@bol.com.br)

Termos para indexação: palmeira, cerrado


Introdução
A importância histórica da formação da propriedade territorial privada no Brasil segundo
Kageyama (1993), ocorreu com a promulgação da Lei de Terras em 1850, com o objetivo de
regularizar o acesso privado à terra.
Destarte, faz-se mister analisar a questão agrária vis-à-vis o processo de ocupação e uso das
terras no país, que redundou no dinâmico mercado de terras a partir do período colonial, alicerçado
no latifúndio improdutivo como base do poder oligárquico, provocando o questionamento dos
tenentistas entre 1920 e 1930, quanto a este tipo de propriedade e o surgimento das Ligas
Camponesas que lutam pela reforma agrária e o fim do latifúndio, entre as décadas de 1950 e 1960.
Para tanto, discutiu-se a ocupação e uso dos cerrados brasileiros, particularizando o
piauiense, iniciada na década de 1970, possibilitada pelos condicionantes naturais e pelos arranjos
institucionais dos Estados nacional e estadual, embora somente nos anos de 1990 efetivasse a
implantação de um significativo pólo agrícola moderno centrado na produção de grãos,
especialmente, soja. Todavia, não obstante o Piauí constar 24 municípios nesta região, estabeleceu-
se como objeto de estudo dessa investigação Palmeira do Piauí, em função de sua recente ocupação,
iniciada somente a partir de 1996. Portanto, analisa-se o processo de ocupação e uso do cerrado
piauiense, particularmente, de Palmeiras do Piauí relativo à formação e dinâmica do mercado de
terra, a partir da década de 1990.

Material e Métodos
O procedimento metodológico alicerçou-se no levantamento da documentação bibliográfica,
estatística e documental, realizada em instituições vinculadas, direta ou indiretamente à temática
existente no País, no Estado e em Palmeira do Piauí, como o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto de
Terras do Piauí (INTERPI), Prefeitura Municipal de Palmeira do Piauí.
Os dados primários foram obtidos em a pesquisa de campo realizada no mês de junho de
2007, através de questionário com questões fechadas aplicado junto aos proprietários e/ou
administradores das empresas agropecuárias, escolhidos aleatoriamente, em um total 06 (seis)
empreendimentos e, ao Cartório do município sob análise com o intuito de identificar o total de
negócios realizados por ano em estrato de terra superior a 50 hectares, a quantidade e o preço das
terras adquiridas, com vista a definição da estrutura fundiária e a formação e dinamização do
mercado de terras.

Resultados e Discussão
De acordo com o Ibge (2007), os cerrados brasileiros correspondem a uma área aproximada
de 2.036.448 Km², correspondendo a 23,92% do território nacional, abrangendo o Distrito Federal,
e os estados de Goiás, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, São
Paulo, Paraná, Rondônia, Bahia e Piauí.
Segundo Shiki (2003), a ocupação dos cerrados iniciou-se em 1950, com a construção de
Brasília e de estradas com a finalidade de estabelecer a integração da política nacionalista à
industrialização em implementação no sudeste brasileiro. Este cenário favoreceu a modernização da
produção agrícola por meio do uso de máquinas pesadas e insumos externos ao ecossistema para
possibilitar a produção em larga escala e a elevação da lucratividade para os investidores.
No entanto, para Monteiro (2002), a ocupação do cerrado brasileiro diferenciou-se entre as
unidades da federação, em decorrência das especificidades institucional, política, econômica e
natural. No cerrado piauiense, o próprio Estado incentivou a ocupação produtiva a partir do início
da década de 1990, objetivando tornar a região um pólo significativo da agricultura, ao
disponibilizar via Companhia de Desenvolvimento do Piauí (COMDEPI) terras à preços
insignificantes, conformando e dinamizando o mercado de terras.
Todavia, em Palmeira do Piauí que localiza-se no centro-sul do Piauí, a 600 km da Capital
Teresina, a produção granífera, principalmente soja, começou em 1998 com somente 162 toneladas,
ocupando aproximadamente 1,64% da área total plantada do município. Já em 2006, a participação
do cultivo de soja na conformação do PIB municipal foi de 8.188 toneladas, representando 63,81%
da área total plantada e 1,5% da produção do Piauí (Ibge, 2006).
Conforme Olímpio (2004), o cultivo dessa oleaginosa passou a configurar-se como a mais
importante do ponto de vista econômico para o município, devido cerca de 2/3 da área situar-se na
serra do Uruçuí, que possui clima, topografia e solo favoráveis à prática da agricultura moderna
para exportação, com elevada rentabilidade.
Por outro lado, verificou-se que a produção nos empreendimentos agrícolas não era
diversificada, uma vez que preponderaram três tipos de culturas, as quais distinguiram-se por
empreendimento em arroz com 16,7%, soja e arroz com16,7%, soja e milho com 33,3% e somente
soja com 33,3%.
Entre 2006 e 2007, este panorama aliado aos fatores naturais propiciou uma produtividade
média de 55 sacas de soja por hectare. Identificou-se também que a produção de grãos foi
financiada através de recursos próprios e de créditos bancários, pelo Banco do Brasil e Banco do
Nordeste do Brasil, os quais geralmente foram destinados para custeio, correspondendo em média
70%. Em conformidade ainda com a pesquisa de campo, 66,6% das propriedades foram financiadas
com ambos os recursos e, alternativamente por crédito próprio ou por bancário apenas 16,7%,
respectivamente.
Constatou-se outrossim que 50%, 33,3% e 16,7% dos empreendedores agropecuários foram
atraídos para comprar terras em Palmeira do Piauí, em função da perspectiva de desenvolver
atividade agrícola, de adquirir nova propriedade com o objetivo de ampliar a área cultivada e por
informação de corretores, respectivamente.
Este contexto foi resultante da conjuntura econômica vigente a partir dos anos de 1990 que
privilegiou o mercado de terras no Brasil e, particularmente em Palmeira do Piauí como diferencial
instrumento para tomadas de decisão por parte dos proprietários agropecuários, sobretudo dos
grandes produtores de grãos do sul e sudeste do país, especificamente de São Paulo e do Paraná, os
quais conformaram respectivamente, 33,3 e 66,7% da amostra pesquisada, que buscavam a
expansão da produtividade agrícola.
Segundo os dados obtidos junto ao Cartório de Imóveis de Palmeira do Piauí, de 1996 até
junho de 2007, foram realizadas 84 (oitenta e quatro) transações com imóveis rurais, configurando
uma média anual de 08 (oito). Esta dinâmica, explica-se, por um lado, pelo preço de um hectare de
terra negociado no município, que no início do processo de ocupação encontrava-se relativamente
baixo, entre R$ 20,00 a R$ 40,00, o que provocou como conseqüência o expressivo montante de 40
(quarenta) transações de 1996 a 1999, comparativamente aos demais anos sob estudo.
Todavia, por outro lado, na medida em que intensificou-se a demanda por terras para
produção de grãos, particularmente soja, o mercado de terras de Palmeira do Piauí passou a
apresentar novas características, haja vista que a partir de 2003, o preço de um hectare cresceu
significativamente, oscilando entre R$ 54,00 e R$ 111,00.
Ao mesmo tempo, identificou-se o progressivo crescimento da rentabilidade a partir de
2003, pois as 4.740 toneladas de soja cultivada em 2.000 ha de terras, correspondendo a 59,54% da
área total plantada, renderam R$ 2.522.000,00, o que representou 64,06% do valor da lavoura
temporária total de Palmeira do Piauí (Ibge, 2003).
Este cenário, proporcionou a valorização das terras do município, expondo que somente
grandes produtores agropecuários do país que detêm elevados montantes de capital possuíam
condições de adquirir terras, os quais começaram a controlar o mercado de terras em Palmeira do
Piauí.
No entanto, a dinâmica deste mercado no município caracterizou-se também pela presença
de pequenos e médios proprietários de terras que, diante das oscilações no preço do hectare de terra
provocadas pela própria valorização, passaram a auferir elevados rendimentos com a venda do
recurso natural, terra. Logo, neste mercado se inseriu outrossim, um segundo tipo de demanda, a
especulativa.
Em consonância com os dados do Cartório de imóveis de Palmeira do Piauí, determinadas
quantidades de hectares de terras foram negociados mais de uma vez ao longo do tempo, em função
da valorização da terra. Apresenta-se como exemplo axiomático a Fazenda Cabeceiras, cujas áreas
foram transacionadas 13 (treze) vezes a partir de 1996, quando dos primeiros 656 ha de terras
adquiridos, ao preço de um hectare por R$ 2,29, totalizando R$ 1.502,24. Dentre as várias
negociações, ressaltam-se as mais recentes, uma vez que em 2004 e 2006, os preços de um hectare
foram R$ 29,28 e R$ 34,28, totalizando R$ 19.207,68 e R$ 22.487,68, respectivamente.
Salienta-se ainda que aliada às múltiplas negociações, as propriedades receberam
denominações diferentes, dificultando assim a identificação dos agentes negociadores e
especuladores. Portanto, a intensificação da produção granífera e a conseqüente valorização das
terras provocaram a concentração da estrutura fundiária de Palmeira do Piauí, como exposto na
Tabela 1.
Tabela 1. Número de imóveis rurais e hectares negociados por estrato de área (ha) em Palmeira do
Piauí de 1996 a junho de 2007.

Estratos de Área (ha.)


Período Critério de Total
0 < 100 100 < 1.000 1.000 e +
(Ano) Avaliação
N° % N° % N° % N° %
Imóveis
26 30,95 50 59,52 8 9,53 84 100
rurais
1996/
jun.2007
Hectares
1.776 4,53 17.330 44,19 20.108 51,28 39.214 100
negociados
Fonte: Pesquisa no Cartório do município de Palmeira do Piauí (2007)

Em conformidade com a Tabela 1, o mercado de imóveis rurais de Palmeira do Piauí, pode


ser avaliado tanto pelo número de imóveis rurais, como pela área correspondente ou hectares
negociados. Distribuindo-os por estrato de área, observou-se que, o estrato menor que 100 ha, maior
que 100 e menor que 1.000 ha e, maior que 1.000 ha, representaram, respectivamente, 30,95%,
59,52% e 9,53% do número total de negociações efetivadas. No entanto, o primeiro e o segundo
estratos de área corresponderam apenas, respectivamente a 4,53% e 44,19% dos 39.214 ha de terras
negociados. Por outro lado, apenas 08 (oito) transações do terceiro grupo de área, equivaleram a
mais de 50% do total de hectares negociados no município.

Conclusões
O processo de ocupação e uso do cerrado piauiense e, particularmente de Palmeira do Piauí,
acompanhou a mesma dinâmica do modelo de ocupação do cerrado brasileiro, pois além dos fatores
econômicos e naturais, como o mercado internacional de soja e benefícios provenientes do solo,
medidas institucionais constituíram o alicerce que favoreceram a incorporação de novas terras aos
empreendimentos agropecuários, como também a instalação de novas empresas agrícolas com vista
a intensificação da produção granífera. Tal cenário, possibilitou que a formação do mercado de
terras do município, fosse dinamizado pelas forças de mercado – oferta e demanda –, porém sob
intervenção do Estado, provocando conseqüentemente a concentração da estrutura fundiária.
Referências
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍTICA (IBGE). Biomas continentais
brasileiros. 2007. Disponível em:
‘http://www1.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=169&id_pagi
na=1. Acesso em: 17 ago. 2007.

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Piauí. Rio de Janeiro, 2006.

_________. Produção da agrícola municipal 2003: Município de Palmeira do Piauí. Rio de


Janeiro, 2003.

KAGEYAMA, Â. A questão agrária brasileira: interpretações clássicas. 1993. 16p.

MONTEIRO, M. do S. L. Ocupação do cerrado piauiense: estratégia empresarial e especulação


fundiária. 2000. 227p. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

OLÍMPIO, J. A. A agricultura comercial e suas conseqüências sobre o ambiente nos


municípios de Palmeira do Piauí e Currais. 2004. 149p. Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal do Piauí. Teresina.

PALMEIRA DO PIAUÍ. Município. Documentação do Cartório do município de Palmeira do


Piauí. Palmeira do Piauí, 2007.

SHIKI, S. O futuro do cerrado: degradação versus sustentabilidade e controle social. Rio de


Janeiro: Projeto Brasil Sustentável e Democrático: Fase, 2ª ed., 2003. 48p. (Série Cadernos
Temáticos n° 2).

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