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HERPETOFAUNA DO CERRADO CENTRO-OESTE DO PIAUÍ

Rogério Nora Lima1 (Centro Federal de Educação Tecnológica do Piauí – CEFET-PI/UNED


Floriano. Rua Francisco Urquiza Machado, 462, Meladão, Floriano – PI. CEP 64800-000)

Termos para Indexação: Cerrado, biodiversidade, herpetofauna, Piauí.

Introdução
O estado do Piauí ainda possui extensões consideráveis de cobertura vegetal sem
grandes modificações antrópicas, ao contrário da maioria dos demais estados do nordeste e do
Brasil (MMA, 2002) e, de acordo com pesquisas realizadas por Castro (2000), se constitui em
um dos três supercentros de biodiversidade do Cerrado, com indicações bastante concretas da
existência de uma biota distinta daquela encontrada nas demais áreas desse ecossistema, o que
lhe confere relativa unicidade no que diz respeito às espécies e interações ecológicas
existentes.
Apesar desse aspecto, não há ainda conhecimento suficiente sobre os seus
ecossistemas naturais, principalmente em nível da biodiversidade faunística e, com o avanço
da fronteira agrícola em direção ao sul do Piauí, muitos ecossistemas e a sua diversidade
poderão ser perdidos antes mesmo do seu reconhecimento, causando prejuízos para toda a
sociedade, pois as espécies regulam o funcionamento dos ecossistemas e a oferta de serviços e
bens para a sobrevivência da espécie humana (Primack e Rodrigues, 2001).
Nesse contexto, os estudos sobre a biodiversidade são relevantes porque poderão dar
suporte às estratégias de educação ambiental formal e não formal para propagar a visão
conciliadora entre o uso dos recursos naturais e a conservação da natureza, como preconiza a
agenda 21 (IBAMA, 2008).
Esse estudo objetivou incrementar o conhecimento da biodiversidade herpetofaunística
da região centro-oeste do Piauí para subsidiar estudos ecológicos mais complexos dos
ecossistemas, fornecendo uma base para o desenvolvimento de atividades econômicas em
consonância com a conservação, pela compreensão das potencialidades e fragilidades no
manejo desses ambientes.
Material e métodos
Por meio de técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto, utilizando os
softwares Idrisi 2.0 e ArcMap 8.0, foi produzido um polígono “buffer” que delimitou o raio
de 100 km a partir da cidade de Floriano-PI (apenas no estado do Piauí), o qual foi sobreposto
com imagens de satélite sobre a região de estudo para identificar áreas com cobertura vegetal
de Cerrado por meio Classificação Supervisionada utilizando o algoritmo Máxima
Verossimilhança (Moreira, 2003). Os remanescentes foram classificados quanto à sua
dimensão e posição na paisagem, tendo em vista seu potencial para abrigar a biodiversidade,
que foram os parâmetros para seleção das 06 áreas de estudos de campo: Floriano - Vila da
manga, Tabuleirinho e Mosteiro das Freiras; Itaueiras - Lagoa do Sal e Lagoa Funda;
Canavieiras - RPPN Fazenda Boqueirão. Cada remanescente foi visitado em três campanhas,
com as atividades se estendendo por 03 dias consecutivos (72 horas).
Utilizou-se armadilhas “pitfall” nas estações de coleta compostas por 03 baldes de 60
litros, perfazendo um triangulo com 10 metros de lado, sendo disposto 01 balde em cada
vértice. Foi preparada 01 estação de coleta a cada 250 metros em um transecto de até 2 km
que cruzou longitudinalmente cada remanescente, totalizando 4 estações por transecto por
remanescente. Além disso, houve buscas ativa visual nos períodos matutino e noturno,
caminhando lentamente ao longo de um conjunto de 05 trilhas de 500 metros, perpendiculares
ao transecto e eqüidistantes entre si. A cada lado da trilha uma área de 5 metros foi amostrada
até uma altura de 4 metros, vistoriando a serrapilheira, troncos em decomposição, cavidades e
vegetação (Marques et al., 2001).
As vocalizações dos anuros foram gravadas para identificação dos espécimes por
comparação sonora de acordo com Haddad et al. (2005) e Ribeiro et al. (2008). Observações
complementares foram obtidas por entrevistas com moradores locais, por observação dos
restos alimentares de seus predadores e demais vestígios presentes na área. A identificação de
lagartos também seguiu Colli (2008) e Vitt et al. (2008).

Resultados e discussão
Foram coletados/observados 249 indivíduos em todo o trabalho de campo, os quais
foram identificados em 19 espécies da Classe Amphibia e 28 da Classe Reptilia, nesse último
caso, sendo principalmente da ordem Squamata (Tabelas 1 e 2).
A maioria dos répteis citados é considerada perigoso ao homem e aos seus animais.
Entretanto, muitos dos que foram mencionados com repulsão não são realmente perigosas
para o homem e, ao contrário, são importantes controladores de outras populações que afetam
os interesses humanos (Marques et al., 2001; Freitas e Silva, 2004; 2005).

Tabela 1. Répteis identificados na área de estudo.


Nome vulgar local Nome cientifico Família
Cobra de 2 cabeças Amphisbaena sp Amphisbaenidae (Ordem Squamata)
Jibóia Boa constrictor Boidae
Sucuri Eunectes sp Boidae
Coral Indeterminado Colubridae
Cobra cipó Chironius carinuatus Colubridae
Cobra verde Liophis viridis Colubridae
Corredeira Philodryas sp Colubridae
Papo amarelo/cobra dágua Helicops sp Colubridae
Coral Elapomorphus sp Colubridae
Coral Erythrolamprus sp Colubridae
Cascavel malhada Atractus sp Colubridae
Cobra dágua/Jiboinha Liophis poecilogyrus Colubridae
Caninana Spilotes sp Colubridae
Coral Micrurus sp Elapidae
Jararacuçu amarela Atractus sp Viperidae
Rabo de osso Bothrops sp Viperidae
Cascavel Crotalus durissus Viperidae
Jararaca Bothrops jararaca Viperidae
Briba/Labigó Hemidactylus mabuia Geckonidae
Briba/Labigó Phyllopezus sp Geckonidae
Lagartixa/Labigó Tropidurus hispidus Tropiduridae
Papa vento Polychrus sp Polychrotidae
Teiú Tupinambis merianae Teidae
Iguana/Camaleão grande Iguana iguana Teidae
Bico doce/Labigó Cnemidophorus sp Teidae
Bico doce/Labigó Ameiva ameiva Teidae
Jacaré preto Paleosuchus palpebrosus Alligatoridae (Ordem Crocodilia)
Jabuti Geochelone carbonaria Testudinidae (Ordem Chelonia)

Além disso, certas espécies répteis capturadas não foram lembrados na entrevista
(Teiú, Briba, Lagartixa, Camaleão), o que reforça a idéia de que as citações estão muito
relacionadas ao que é tido como importante para o homem. Nesse contexto, é importante
destacar a necessidade da educação ambiental com vistas a desmistificar essas concepções
errôneas e esclarecer a importância dessas espécies para a vida humana, como estratégia para
a conservação da biodiversidade (Freitas & Silva, 2004), pois muitos desses animais, além das
funções ecológicas que desempenham na natureza, são de ocorrência quase estrita desse
domínio e a sua perda local pode levar à perda irreparável de biodiversidade (Freitas & Silva,
2005).
As 19 espécies de Anfíbios estão distribuídas em 11 gêneros, a maioria das quais são
comuns em regiões ribeirinhas, no Cerrado e na Caatinga nordestinos, sendo algumas
praticamente endêmicas desses ambientes. Muitos anuros possuem o hábito de se abrigar de
dia e sair à noite para vocalizar, defender seu território e acasalar.

Tabela 2. Anfíbios identificados na área de estudo.


Nome vulgar local Nome cientifico Família
Sapo cururu Rhinella schneideri Bufonidae (Anura)
Sapo boi amarelo Rhinella crucifer Bufonidae
Gia/Perereca zebrada Hypsiboas raniceps Hylidae
Gia/Perereca Dendropsophus minuta Hylidae
Gia/Perereca cinza Hypsiboas crepitans Hylidae
Gia/Perereca verde Phyllomedusa hypochondrialis Hylidae
Gia/Perereca raspa – cuia Scinax sp Hylidae
Gia/Perereca de banheiro Scinax fuscovarius Hylidae
Rã manteiga/Caçote Leptodactylus ocelatus Leptodactylidae
Rã pimenta Leptodactylus labirinticus Leptodactylidae
Caçote Leptodactylus fuscus Leptodactylidae
Caçote Leptodactylus syphax Leptodactylidae
Gia d’água Pseudopaludicola sp Leptodactylidae
Gia Pleuoderma diplolistris Leptodactylidae
Sapo boi/Sapo chifrudo Proceratophrys cristiceps Leptodactylidae
Gia piadeira Physalaemus cicada Leptodactylidae
Gia piadeira Physalaemus cuvieri Leptodactylidae
Rã manteiga pequena Dermatonotus muelleri Mycrohylidae
Cobra cega Syphonops annulatus Caecilidae (Gymnophiona)

A cobra cega (Siphonops), na verdade é um anfíbio ápode que é muito comum em


solos úmidos ou nas proximidades de lajedos, que quando perfurados, revelam esses animais.
Como muitos dos resultados foram obtidos em época seca, provavelmente seus números estão
subestimados devido ao hábito críptico ocorrente nessa época (Hadad, 2005). É importante
alertar que esses animais são controladores de outras populações silvestres, principalmente
artrópodes, que afetam a vida humana. Dessa forma, conhecer e proteger esses animais e seus
habitats é fundamental para a vida e as atividades humanas (Freitas e Silva, 2004; Ribeiro et
al., 2008).

Conclusões
Os resultados indicam que a herpetofauna dos Cerrados do centro oeste do Piauí é
diversa, mas muito pouco conhecida, indicando a necessidade de mais estudos sobre a
biodiversidade desse ecossistema para poder conservá-lo. Esse estudo colaborou nesse
sentido, principalmente demonstrando que mais recursos devem ser direcionados à essa
finalidade e para o fomento de estratégias conservacionistas nos níveis local e de paisagem,
tais como a implantação práticas de educação ambiental e de um sistema de áreas protegidas e
interconectadas capaz de proteger esse recurso natural pouco conhecido.

Referências bibliográficas
CASTRO, A.A.J.F. Cerrados do Brasil e do Nordeste. In: Benjamin, A. H. & Sícoli, J. C. M.
(Org.). Agricultura e meio ambiente (Agriculture and the environment). São Paulo: IMESP.
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MARQUES, O.A.V., ETEROVIC, A. & SAZIMA, I. Serpentes da Mata Atlântica: guia
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PRIMACK, R.B. & RODRIGUES, E. Biologia da conservação. Ed. Midiograf. Londrina.


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