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ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE SCHEFFLERA VINOSA (CHAM. & SCHLTDL.

)
FRODIN & FIASCHI (ARALIACEAE) EM CERRADO SENSU STRICTO
SUJEITO AO FOGO, SÃO CARLOS – SP.
Carolina Brandão Zanelli, Dalva Maria da Silva Matos (Universidade Federal de São Carlos,
Rodovia Washington Luís, km 235, CEP 13565-905, São Carlos – SP. e-mail:
carol_zanelli@yahoo.com.br)

Termos para indexação: cerrado sensu stricto, estrutura da população, fogo, Schefflera vinosa.

Introdução
O cerrado consiste em um complexo de formações vegetais campestres, savânicas e
florestais (Coutinho 1978). No estado de São Paulo, recobria originalmente cerca de 14% do
território, mas os reflorestamentos incentivados de Eucaliptus sp., o cultivo de cana, a citricultura e
a pecuária (São Paulo 1997) levaram à sua redução a menos de 1% do estado (Durigan et al. 2004).
A existência de queimadas é característica do cerrado (Coutinho 1978, Miranda et al. 2002,
Medeiros e Miranda 2005), resultante de acúmulo de matéria inflamável, da prolongada estação
seca e de fontes de ignição, e principalmente ação antrópica (Kauffmann et al. 1994). O fogo afeta a
reprodução sexuada e vegetativa, o estabelecimento de plântulas, a densidade de árvores e arbustos,
alterando a estrutura da comunidade (Hoffmann 1999, Medeiros e Miranda 2005). As espécies de
cerrado apresentam adaptações ao fogo, como suberização do tronco e galhos, produção de frutos
capazes de proteger as sementes, proteção das gemas apicais por catáfilos em algumas espécies e
alta capacidade de rebrota de partes aéreas e subterrâneas do vegetal (Hoffmann e Moreira 2002,
Miranda et al. 2002, Medeiros e Miranda 2005).
A estrutura de uma população resulta da ação de fatores bióticos e abióticos sobre as taxas
de crescimento e mortalidade, assim como de eventos passados de recrutamento (Hutchings 1997).
O estudo sobre a ecologia de uma população permite inferir se esta se encontra ou não em equilíbrio
em determinado local (Silva Matos e Bovi 2002). Este trabalho teve como objetivo obter
informações sobre a estrutura populacional de Schefflera vinosa (Cham. & Schltdl.) Frodin &
Fiaschi (Araliaceae), como diagnóstico da regeneração de um fragmento de cerrado na reserva da
Universidade Federal de São Carlos, sujeito a um incêndio.
Material e Métodos
O estudo foi realizado na reserva legal da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos,
Brasil, num fragmento de cerrado sensu stricto, sujos solos predominantes são Latossolos
Vermelho-Amarelo e Areias Quartzosas (Lorandi 1987). O clima, segundo classificação de
Köppen, é tropical com verão úmido e inverno seco (Aw) ou quente com inverno seco (Cwa).
Existe uma estação chuvosa, de outubro a fevereiro, e uma seca, de março a setembro (Prado et al.
2004). O local sofreu um incêndio em agosto de 2006.
Schefflera vinosa (Cham. & Schltdl.) Frodin & Fiaschi (Araliaceae) possui porte arbustivo-
arbóreo, sendo conhecida popularmente por mandioqueiro, mandioquinha, mandioquinha-do-
cerrado. Ocorre em fisionomias campestres de cerrado e cerrado sensu stricto (Durigan et al. 2004).
Foram demarcadas 100 parcelas de 5m x 5m, dispostas em 5 transectos de 100 m de
comprimento e 5 m de largura, paralelos e distantes 20 m entre si. As parcelas foram classificadas
quanto ao nível de impacto pelo fogo em: 0- parcelas não atingidas, 1- parcelas pouco atingidas, 2-
parcelas parcialmente atingidas e 3- parcelas muito atingidas pelo fogo. Em novembro de 2007,
todos os indivíduos foram marcados e numerados com plaquetas plásticas, tendo seu diâmetro na
altura do solo e altura total medidos com paquímetro digital e metro, respectivamente.

O diâmetro na altura do solo (DAS) foi utilizado para separar os indivíduos em 5 classes de
tamanho de 15 mm de amplitude, seguindo o proposto por Leite (2007) em estudo com espécies de
cerrado, inclusive S. vinosa. Os dados foram analisados por meio de cálculos estatísticos descritivos
e a estrutura da população em cada tipo de parcela impactada pelo fogo foi comparada por análise
não paramétrica (Kruskall-Wallis). O índice de Morisita (Morisita apud Martins e Souza 2002) foi
calculado para avaliar a distribuição espacial das plantas. Os cálculos foram executados com o
programa BioEstat 4.0 (Ayres et al. 2005).

Resultados e Discussão
Houve predomínio de plantas de menor diâmetro, seguido por uma queda brusca no número
de plantas de maior diâmetro (figura 1).
600

500

400
Freqüência absoluta

300

200

100

0
classe 1 classe 2 classe 3 classe 4 classe 5

Classes de diâmetro

Figura 1. Estrutura de uma população de Schefflera vinosa em cerrado sensu stricto impactado pelo
fogo. Classes de diâmetro na altura do solo com amplitude de 15 mm.

O número médio de plantas por parcela, o diâmetro médio na altura do solo e a altura média
por classe apresentaram coeficientes de variação altos (tabela 1), confirmando a elevada
desigualdade de tamanho entre os indivíduos desta população. O coeficiente de variação tem sido
considerado um bom descritor para avaliar a dispersão dos dados, uma vez que utiliza uma
dispersão relativa da média e não absoluta, como o desvio padrão (Hutchings 1997).
O índice de Morisita indicou agregação dos indivíduos, sendo maior que 1 para todas as
classes de diâmetro (tabela 1). A agregação em S. vinosa também foi encontrada por Leite (2007) e
foi maior para as maiores classes de diâmetro. Tal fato pode ser resultante do padrão espacial de
ocorrência de manchas favoráveis ou do padrão espacial de ocorrência de incêndios passados.
Tabela 1. Número estimado de plantas por hectare, número médio de plantas por parcela, diâmetro
médio na altura do solo, altura média e índice de Morisita para uma população de Schefflera vinosa
em cerrado sensu stricto impactado por fogo. Classes de diâmetro na altura do solo com amplitude
de 15 mm. Médias estão acompanhadas pelo desvio-padrão. O valor entre parênteses é o coeficiente
de variação.
Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 Classe 5 Total
Número estimado de 2144 1640 160 12 4 3960
Número médio de plantas 5,4 ± 6,7 4,1 ± 5,2 0,4 ±1 0 ± 0,1 0 ± 0,1 10 ± 10,7
Diâmetro médio na altura 8,99 ± 3,29 21,43 ± 3,72 35,49 ± 3,69 49,50 ± 2,59 68,60 16,29 ± 8,61
do solo (mm) (36,7%) (17,4%) (10,4%) (5,2%) (52,9%)
0,87 ± 1,73 1,86 ± 0,46 2,62 ± 0,47 2,59 ± 0,10 4,00 1,43± 1,36
Altura média (m)
(199%) (25%) (18,3%) (3,9%) (95,4%)
Índice de Morisita 2,33 2,37 4,87 - - 2,04

Houve diferenças significativas entre as freqüências das classes de diâmetro nos diferentes
níveis de impacto pelo fogo (tabela 2). Não foram encontrados indivíduos maiores (classes 4 e 5)
nas parcelas mais impactadas, indicando o impacto negativo do fogo sobre os indivíduos destas
classes. Por outro lado, o número de plantas menores nas parcelas mais impactadas pelo fogo é
maior, isto pode ser resultado da ação do fogo estimulando a rebrota. A reprodução vegetativa é
comum para espécies de cerrado (Medeiros e Miranda 2005) e pode ser estimulada pelo fogo
(Miranda e Sato 2005).

Tabela 2. Número médio de indivíduos por parcela e desvio-padrão para Schefflera vinosa em
cerrado sensu stricto, por classe de diâmetro e nível de impacto pelo fogo. Classes de diâmetro na
altura do solo com amplitude de 15 mm. 0- parcelas não atingidas, 1- parcelas pouco atingidas, 2-
parcelas parcialmente atingidas e 3- parcelas muito atingidas pelo fogo. Letras diferentes indicam
resultados diferentes (p<0.05) no teste de Kruskall-Wallis.
Fogo 0 (n= 47) Fogo 1 (n=22) Fogo 2 (n=22) Fogo 3 (n=9)
Classe 1 5,1 ± 5,1 a,b 4,4 ± 7,4 a 4,6 ± 7,7 a 11,6 ± 8,1b
Classe 2 3,2 ± 3,9 a 4,5 ± 5,3 a 5,3 ± 7,1 a 4,8 ± 5,7 a
Classe 3 0,4 ± 0,8 a 0,4 ± 1.1 a 0,5 ± 1,4 a 0,3 ± 0,7 a
Classe 4 0,1 ± 0,2 a - - -
Classe 5 0 ± 0,1 a - - -
Conclusões
A estrutura de “J invertido” indica que a população deve ter curva de sobrevivência
marcadamente côncava (Marcos e Silva Matos 2003). No entanto, as diferenças nas freqüências das
classes entre os níveis de impacto apontam o efeito do fogo sobre a estrutura da população, ao
provocar mortes para todas as classes e estimular rebrotas. Desta forma, os indivíduos amostrados
nos censos foram aqueles que sobreviveram ao incêndio (poucos indivíduos das maiores classes) e
aqueles que rebrotaram depois dele (muitos indivíduos das menores classes). Assim, é possível que
a estrutura encontrada seja inerente a esta população de S. vinosa, mas que tenha sido reforçada por
efeito do fogo.
A população está se recuperando do incêndio, como pode ser observado pelo número
elevado de plantas jovens. No entanto, caso aumente a ocorrência de incêndios na área, em
intervalos que não permitam o crescimento dos indivíduos até o tamanho suficiente para resistir ao
fogo e se reproduzir sexuadamente, a recuperação e a variabilidade desta população poderão ser
comprometidas.

Agradecimentos
À FAPESP, pela concessão de bolsa de iniciação científica para a primeira autora; a Marcelo
B. Leite, Pavel Dodonov e Raquel C. Miatto, pelo auxílio em campo.

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