Você está na página 1de 8

ESTRUTURA E ORDENAÇÃO DE UM FRAGMENTO DE CERRADÃO NO

PARQUE ESTADUAL DA SERRA DE CALDAS NOVAS, GO


André Rosalvo Terra Nascimento1, Glein Monteiro Araújo1, Sérgio de Faria Lopes1, Renata
Ferreira Rodrigues1 (1Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, CP 593,
Uberlândia, MG, CEP 38400-902. e-mail: arterra@inbio.ufu.br)

Termos para indexação: Cerradão, vegetação xeromórfica, diâmetro, altura, ordenação

Introdução
O cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, ocupando grande parte do território
nacional. Ele apresenta grande diversidade de formas fitofisionômicas ocorrendo em 15
Estados, no Distrito Federal e ocupa área de aproximadamente dois milhões de km2. Sua
forma fitofisionômica mais extensa é representada pelo cerrado sentido restrito, cobrindo 65%
da área do bioma, enquanto o cerradão ocupa aproximadamente 1% do total. Outros tipos
fisionômicos de vegetação são encontrados nos restantes 34 % do bioma (Silva e Bates 2002).
O cerradão é um tipo de vegetação florestal com aspectos xeromórficos, caracterizado
pela presença de espécies que ocorrem no cerrado sentido restrito e também em outras
formações florestais (Ribeiro e Walter 1998). Pode ser denominado de cerradão distrófico e
cerradão mesotrófico, de acordo com a fertilidade do solo e das espécies encontradas em cada
ambiente (Ratter et al., 1977; Araújo e Haridasan 1988).
Esse bioma está sendo destruído sem que haja um pleno conhecimento de sua
vegetação, principalmente da fisionomia de cerradão (Castro et al., 1999). Em geral, essas
alterações estão ocorrendo sem um planejamento ambiental rigoroso e, geralmente não
conservando a área de reserva legal e a de preservação permanente (Serra Filho et al., 1997).
Diante dessa realidade, esse trabalho procurou obter maiores informações sobre um fragmento
de cerradão localizado no Parque Estadual Serra de Caldas Novas, analisando suas
características estruturais e efetuando a ordenação dos dados, os quais podem auxiliar na
recuperação e em programas de conservação desta fitofisionomia no bioma cerrado.

Material e métodos
Área de Estudo
O estudo foi realizado em um fragmento de cerradão localizado no Parque Estadual da
Serra de Caldas Novas (PESCAN) a uma altitude de 780 metros (17º 46’ S e 48º 39’ W). A
área de estudo situa-se na borda leste do Parque e tem em sua periferia vegetação de cerrado
(sentido restrito), floresta de galeria e floresta semidecidual.

Amostragem da vegetação
Para a amostragem da vegetação foram demarcadas 25 parcelas contíguas de 20m x
20m (um hectare) sendo medidos o diâmetro do tronco e a altura das árvores vivas, com
diâmetro a altura do peito (DAP) maior ou igual 4,77 cm. Para mediação da altura das árvores
foi utilizada uma vara de 5,0 metros de comprimento, e acima desta altura foi efetuada uma
estimativa por comparação. Os parâmetros estruturais da comunidade foram obtidos
utilizando-se o programa Fitopac (Shepherd, 2006).
A ordenação das parcelas foi analisada utilizando-se o método DECORANA
disponível no programa PC-ORD for Windows 4.14 (McCune e Mefford 1999). Por este
método é possível executar uma forma restrita de médias recíprocas (RA) onde pode ser
visualizada a distribuição das espécies e parcelas nos dois eixos da ordenação. Por este
método as espécies aparecem e desaparecem no espaço dimensional a uma taxa relativamente
constante. A unidade de distância ao longo do gradiente é denominada de desvio padrão
médio de mudança de espécies ou SD (Hill, 1979).

Resultados e Discussão
Na área de um hectare do cerradão no PESCAN, foram amostrados 1051 indivíduos,
pertencentes a 100 espécies e 40 famílias botânicas. As espécies Sclerolobium paniculatum
(13,98%), Emmotum nitens (7,6%) e Xylopia aromatica (7,04%) tiveram maior densidade
absoluta e maior valor de importância na área. Emmotum nitens foi relatada como a espécie
mais importante por Ribeiro et al. (1985) em um cerradão situado em Planaltina, Distrito
Federal e em geral ocorre em solos distróficos (Ratter et al., 1971). Xylopia aromatica pode
ser encontrada, com grande número de indivíduos, em cerradão submetido à interferência
antrópica (Costa e Araújo 2001), sendo considerada uma espécies pioneira.
As quatro famílias com maior riqueza de espécies foram: Fabaceae (20 espécies),
Vochysiaceae (7 espécies), Apocynaceae (6 espécies) e Myrtaceae (6 espécies). Fabaceae
apresentou 20% do total de espécies apresentando, portanto, maior valor de importância na
área. A vegetação lenhosa de cerradão apresenta alta riqueza de espécies da família Fabaceae
(Ratter, 1977; Costa e Araújo, 2001). Espécies dessa família são conhecidas por serem
fixadoras de N que constitui uma vantagem adaptativa em solos com baixa disponibilidade
desse nutriente no Cerrado (Araújo e Haridasan 1988; Haridasan e Araújo, 2005). Por outro
lado muitas espécies da família Vochysiaceae são encontradas em solos ricos em Al do
Cerrado e são consideradas acumuladoras desse mineral (Haridasan e Araújo, 2005).
O índice de diversidade de Shannon (H’) e a equabilidade de Pielou (J) foram
respectivamente de 3,72 e 0,81. Em comunidade arbórea de cerradão Ribeiro et al. (1985) no
Distrito Federal encontraram H´ de 3,56 e Costa e Araújo (2001) em Minas Gerais (H´= 3,54).
A maior eqüabilidade e riqueza de espécies encontradas neste remanescente estão
relacionadas ao bom estado de conservação do fragmento e possivelmente interferiram no
valor do índice de diversidade.
A distribuição em diâmetro da comunidade arbórea mostra a maior parte dos
indivíduos ocupando as primeiras classes (Figura 1), seguindo o padrão “J reverso”. Este tipo
de padrão é reportado para comunidades estáveis, com indivíduos representados em todas as
classes de diâmetro. As espécies mais abundantes como Sclerolobium paniculatum, Xylopia
aromatica e Emmoton nitens ocupam diferentes classes de diâmetro e segundo (Felfili, 1997)
pode ser uma das causas da sua dominância neste ambiente.
700

600

500
Nº de Indivíduos

400

300

200

100

0
0-10 10,1-15 15,1-20 20,1-25 25,1-30 30,1-35 35,1-40 40,1-45 > 45
Classes de Diâmetro (cm)

Figura 1. Distribuição dos diâmetros (DAP ≥ 4,77 cm) em um fragmento de Cerradão no


Parque Estadual Serra de Caldas Novas - GO.

Quanto à distribuição em altura, às dez primeiras espécies (Figura 2 e Tabela 1), são
típicas de cerradão, exceto Astroninum fraxinifolium encontrado em florestas semideciduais e
deciduais, ocupando com alguns indivíduos o estrato emergente da comunidade vegetal do
PESCAN. Sclerolobium paniculatum destaca-se no perfil da comunidade com muitos
indivíduos altos (mais de 15 m de altura) e maior diâmetro. Essa espécie parece ser bastante
oportunista ocupando com populações numerosas os ambientes antropizados de cerradão no
Triângulo Mineiro (Goodland, 1979; Costa e Araújo, 2001).
16

12
Altura (m)

0
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25
Espécies

Figura 2. Altura máxima (▲), média (▬) e mínima (■) das 25 espécies com 12 ou mais
indivíduos amostradas no Cerradão do PESCAN, GO.

Tabela 1. Espécies com 12 ou mais indivíduos amostrados no Cerradão do PESCAN, GO.


N1= número da espécie da Figura 2 e Dens. = número de indivíduos por hectare.

N1 Espécies Dens. N1 Espécies Dens.


1 Sclerolobium paniculatum Vogel 147 14 Qualea grandiflora Mart. 40
2 Bowdichia virgilioides Kunth 34 15 Erythroxylum daphnites Mart. 17
3 Astronium fraxinifolium Schott.ex Spreng. 15 16 Caryocar brasiliense Cambess. 29
4 Styrax camporum Pohl 32 17 Aspidosperma macrocarpon Mart. 17
5 Qualea multiflora Mart. 20 18 Dipteryx alata Vogel 20
6 Emmotum nitens (Benth.) Miers 80 19 Qualea parviflora Mart. 13
7 Magonia pubescens A.St.-Hil. 26 20 Kielmeyera coriacea Mart.& Zucc. 22
8 Matayba guianensis Aubl. 14 21 Vatairea macrocarpa (Benth.) Ducke 27
9 Xylopia aromatica (Lam.) Mart. 74 22 Plathymenia reticulata Benth. 14
10 Simarouba versicolor A.St.-Hil. 12 23 Stryphnodendron polyphyllum Mart. 15
11 Curatella americana L. 21 24 Lippia salviifolia Cham. 44
12 Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne 12 25 Byrsonima crassa Nied. 33
13 Maprounea guianensis Aubl. 19

A ordenação das parcelas no espaço dimensional (Figura 3) mostra uma posição


similar para os dois eixos para a maior parte das parcelas, com exceção das parcelas 21 e 22
que apresentaram maior valor para o eixo II. Estas duas parcelas estão próximas de outras
fitofisionomias, o que pode ter facilitado a sobreposição de espécies oriundas de outros tipos
de vegetação. Para o primeiro eixo da ordenação o auto-valor foi significativo (0,34) e,
segundo Kent e Coker (1992) indicam que a partir deste valor as divisões são marcantes do
ponto de vista ecológico.

p22

p21

80
Eixo II (autovalor = 0,23)

p20

p18
p19 p7
p6 p3
p24
40 p23
p17 p16 p1 p25
p2 p4
p15
p13 p5
p14 p12
p11 p9 p8
p10
0

0 40 80
Eixo I (autovalor = 0,34)

Figura 3. Ordenação pelo método DECORANA das 25 parcelas de 400 m² em um


fragmento de Cerradão no Parque Estadual Serra de Caldas Novas - GO.

CONCLUSÕES
O fragmento de cerradão analisado apresentou uma elevada diversidade de espécies
arbóreas, com destaque na sua estrutura para Sclerolobium paniculatum e Emmotum nitens
espécies típicas deste tipo de vegetação situada em solo distrófico. A ordenação dos dados da
vegetação posicionou a maior parte das parcelas formando um grande grupo ao longo dos dois
eixos, com exceção das parcelas 21 e 22. Isso está relacionado com a proximidade de outras
fitofisionomias, o que permite a presença de espécies oriundas da vegetação adjacente e tende
a aumentar a diversidade da comunidade.

Referências Bibliográficas
Araújo, G.M e Haridasan, M. A comparison of nutrients status of two forests on dystrophic
and mesotrofic soils in the cerrado region of central Brazil. Communications in Soil
Science and Plant analysis, v. 19, p.1075-1089, 1988.

Castro, A.A.J.F., Martins, F.R., Tamashiro, J.Y. & Shepherd, G.J. How rich is the flora of
Brazilian cerrados? Annals of the Missouri Botanical Garden, v. 86, p.192-224, 1999.

Costa, A.A. e Araújo, G.M. Comparação da vegetação arbórea de cerradão e de cerrado na


reserva do Panga, Uberlândia, Minas Gerais. Acta Botanica Brasílica, v.15, p. 63-72,
2001.
Felfili, J. M. Diameter and height distributions of a gallery forest community and some of its
main species in Central Brazil over a six-year period (1985-1991). Revista Brasileira de
Botânica, v. 20, p.155-162, 1997.

Goodland, R. Análise ecológica da vegetação do cerrado. In: R. Goodland e M. G. Ferri


(Eds.) Ecologia do Cerrado. São Paulo: EDUSP/Itatiaia, Belo Horizonte. 1979, p.61-161.

Haridasan, M. e Araújo, G.M. Perfil nutricional de espécies lenhosas de duas florestas


semidecíduas em Uberlândia, MG. Revista Brasileira de Botânica, v. 28, p.295-303,
2005.

Hill, M.O. DECORANA: a Fortran program for Detrended Correspondence Analysis


and Reciprocal Average. Ithaca, NY. Cornell University, 51 p, 1979.

Kent, M. e Coker, P. Vegetation description and analysis. London, Belhaven Press, 1992,
384p.

McCune, B. e Mefford, M.J. PC-ORD version 4.0., multivariate analysis of ecological


data. MjM Software Design, Glaneden Beach, 1999.

Ratter, J. A. Some notes on two types of cerradão occurring in North Eastern Mato Grosso.
In: M. G. Ferri (Ed.) III Simpósio sobre o cerrado. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, São Paulo. 1971, p.100-102.

Ratter, J.A.; Askew, G.O.; Montgomery, R.F. & Gifford, D.R. Observações adicionais sobre o
cerradão de solos mesotróficos no Brasil Central. In: M.G. Ferri (Ed.). IV Simpósio sobre
o Cerrado: Bases para a utilização agropecuária. São Paulo, EDUSP. 1977, p. 303-
316.

Ribeiro, J.F., Souza Silva, J.C., Batmanian, G.J. Fitossociologia de tipos fisionômicos de
cerrado em Planaltina - DF. Revista Brasileira de Botânica, v. 8, p.131-142, 1985.
Ribeiro, J.F. e Walter, B.M.T. Fitofisiomias do Bioma Cerrado. In: S.M. Sano; S.P Almeida
(Eds.) Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: EMBRAPA-CPAC. 1998, p. 89-166.

Serra Filho, R.; Cavalli, A.C.; Guillaumon, J.R.; Chiarini, J.V.; Nogueira, F.P.; Ivancko,
C.M.A.M. 1997. Cerrado: bases para conservação e uso sustentável das áreas de
cerrado do estado de São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente, São Paulo.

Shepherd, G.J. Fitopac 1.6: Manual de usuário. Campinas, Departamento de Botânica,


Universidade Estadual de Campinas, 2006.

Silva, J.M.C. e Bates, J.M. Biogeographic patterns and conservation in the South American
cerrado: a tropical savanna hotspot. Bioscience, v.52, p.225-233, 2002.

Você também pode gostar