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O BANCO DE SEMENTES SOB A COPA E NA REGIÃO DE ENTORNO DE

HANCORNIA SPECIOSA GOMES (APOCYNACEAE)


Aline Mariani Feistler1,2 e Leila Cunha de Moura1,3 (1 = Universidade Estadual Paulista,
Campus de Rio Claro, 13506-900 Rio Claro, SP; 2 = aline_feistler@hotmail.com; 3 =
lcmoura@rc.unesp.br .

Termos para indexação: Campo Cerrado, regeneração natural, facilitação, mangaba.

Introdução
O banco de sementes, junto com a rebrota e o banco de plântulas, é uma das
estratégias de regeneração que pode ser utilizada pelas comunidades vegetais (Grime, 1989),
sendo observado em uma grande variedade de formações, como desertos, savanas, pastagens e
florestas.
No Brasil, variados estudos sobre banco de sementes já foram desenvolvidos. Em
Mata Estacional Semi-Decidual, Grombone-Guarantini e Rodrigues (2002) enfocaram a
influência da sazonalidade no banco e na chuva de sementes e concluíram que a quantidade de
sementes viáveis no solo era maior na estação chuvosa do que na seca, por coincidir com o
período de maior frutificação na comunidade. Em contraste, em uma Floresta Estacional
Gaúcha, Scherer e Jarenkow (2006) encontraram similaridade relativa entre a abundância e a
diversidade de espécies do banco de sementes nas duas épocas de coleta (primavera e outono),
o que foi justificado pelos autores como possível conseqüência da homogeneidade do clima
na região, que não mostra estacionalidade marcante.
Em Mata Atlântica, Baider et al. (1999) verificaram que o banco apresenta
importância para o estabelecimento de espécies pioneiras de árvores e arbustos, estando
diretamente envolvido na regeneração da área estudada em caso de perturbação.
Na área do presente estudo, Sassaki et al. (1999) quantificaram as sementes presentes
no banco em três profundidades do solo, em duas estações distintas, em três diferentes
fisionomias deste ecossistema (cerrado ‘sensu strictu’, cerradão e mata ciliar); encontraram no
solo do cerrado ‘sensu strictu’ uma densidade maior de sementes tanto no período seco quanto
no chuvoso. Já Souza (2007) analisou o banco em três fisionomias de cerrado (campo cerrado,
campo sujo e cerrado “sensu strictu”) e verificou que o banco apresentava baixa densidade e
pequena diversidade, sendo composto principalmente por espécies herbáceas, e tendo no
campo cerrado a área com maior densidade de sementes viáveis.
Um aspecto importante na dinâmica de comunidades de cerrado e de outras formações
vegetacionais que sofrem algum tipo de estresse é o processo de facilitação (Bertness e
Callaway, 1994), através do qual uma planta ameniza condições abióticas extremas no micro-
sítio sob sua copa, como alta temperatura e falta de nutrientes no solo (Belsky, 1994; Hagos e
Smit, 2005), favorecendo o estabelecimento de plântulas nessa região (Belsky, 1994; Zhao et
al., 2007) e, assim, o processo de regeneração.
Dessa maneira, o objetivo do presente trabalho foi avaliar o banco de sementes que se
desenvolve sob a copa e na região de entorno de indivíduos de Hancornia speciosa situados
em área de campo cerrado na Estação Ecológica de Itirapina (EEI).

Material e métodos
Em agosto de 2007, durante a estação seca, foram realizadas coletas de solo e de
serrapilheira sob a copa de 30 indivíduos de Hancornia speciosa (a 50 cm do tronco) e em seu
entorno (a 1 m do limite da copa), envolvendo regiões com cobertura herbácea, mas sem a
presença de outros indivíduos arbóreos. Em cada um desses ambientes, foram feitas quatro
amostragens dispostas nos sentidos norte, sul, leste e oeste, compondo uma amostra mista de
cada micro-sítio. Para as coletas, utilizou-se uma quadrícula de metal (10 x 10 x 7 cm), onde
amostras de solo e de serrapilheira foram coletadas na profundidade de 0-7 cm.
As amostras foram alocadas em sessenta bandejas plásticas (34 x 23 x 10 cm), com
uma camada basal de areia esterilizada de 2 cm de profundidade, e expostas sobre bancadas no
Viveiro do Instituto de Biociências da Unesp/Rio Claro (SP).
Por aproximadamente 8 meses, acompanhou-se a germinação das sementes no solo
coletado. A contagem das plântulas emergentes foi semanal, e estas foram classificadas
inicialmente por morfo-espécies. Quando os indivíduos apresentavam crescimento avançado,
eram transplantados para canteiros, na tentativa de acelerar seu crescimento e estimular o
desenvolvimento de estruturas reprodutivas, momento em que eram herborizados. Os jovens
de indivíduos lenhosos passavam por esse processo quando apresentavam desenvolvimento
satisfatório.
A fim de caracterizar o micro-clima sob a copa de Hancornia, assim como na região de
entorno, mediu-se a intensidade luminosa, a umidade (a 1,5 m do solo) e a temperatura no
interior e no entorno das árvores.
Para a avaliação da matriz de dados gerada a partir do acompanhamento do banco,
calculou-se a densidade de sementes, a riqueza de espécies, o Índice de diversidade de
Shannon, para o qual foi utilizada base logarítmica neperiana, e o Índice de similaridade de
So/rrensen.
O teste “t” pareado foi empregado para testar a hipótese de que Hancornia speciosa
exerce influência sobre a diversidade, riqueza e densidade do banco de sementes que se
estabelece sob sua copa, bem como sobre os parâmetros de micro-clima medidos.
O pacote estatístico utilizado foi o SYSTAT 10 (SPSS Inc., 2000).

Resultados
Foram identificadas 51 espécies no banco, 30 em nível de espécie, sendo Asteraceae a
família com maior número de espécies (20), seguida por Poaceae (8) e Euphorbiaceae (3).
Baccharis, Eupatorium e Gnaphalium foram os gêneros com maior número de espécies, cada
um com três espécies.
Destas 51 espécies, 39,2 % (20) foi comum aos dois ambientes estudados, estando
39,2% (20) presentes no solo sob a copa das árvores e 21,5% (11) no entorno, sendo de
26,14% a similaridade entre os bancos do interior e do entorno de Hancornia. Na região sob a
copa, foram amostradas 78,4 % (40) das espécies encontradas no banco, distribuídas em 13
famílias; no entorno, encontrou-se 60,8 % (31) das espécies, distribuídas em 9 famílias.
Asteraceae foi a família com maior número de espécies tanto sob a copa quanto na
região de entorno das árvores de Hancornia, onde foi representada por 18 e 13 espécies,
respectivamente. Poaceae, a segunda família com maior número de espécies, foi representada
por 6 espécies em cada tratamento (interior e entorno). As famílias Bromeliaceae,
Caryophyllaceae, Leguminosae, Malpighiaceae, Smilacaceae, Solanaceae e Sterculiaceae
apareceram apenas no solo coletado sob a copa de Hancornia speciosa, enquanto Lytraceae,
Oxalidaceae e Portulacaceae apenas no solo de entorno.
A riqueza do banco mostrou-se significativamente distinta (t = 3,426; p = 0,002), sendo
o banco do interior (x̄ = 5,43; EP= 0,36) mais rico do que o do entorno das árvores (x̄ = 3,66;
EP = 0,34).
Com relação à densidade de sementes germinadas, não foi encontrada diferença
significativa (t = 0,057; p = 0,955) entre os micro-sítios de entorno e sob a copa de Hancornia,
ocorrendo 297,5 ± 31,40 sem.m-2 no entorno e 300 ± 26,58 sem.m-2 sob a copa. As famílias
Asteraceae, Cyperaceae e Poaceae apresentaram os maiores valores de densidade para os dois
ambientes.
A diversidade total do banco de sementes foi de 2,899 nats/indivíduo, tendo sido
encontrada diferença significativa para os valores de diversidade do interior e do entorno (t =
4,526; p = 0,000), sendo 1,5071 ± 0,07 e 1,0167 ± 0,11 os respectivos valores médios e erros
padrão de H’ nesses ambientes.
Os dados microclimáticos coletados (intensidade luminosa, umidade e temperatura) no
interior e no entorno das árvores mostram que, enquanto a umidade do ar é maior na região
sob a copa (t = 3,747; p = 0,001), a temperatura (t = 4,888; p = 0,000) e a intensidade luminosa
(t = - 6,741; p = 0,000) são maiores no entorno.

Discussão
Os dados obtidos mostram que, embora a densidade de sementes encontrada seja
semelhante à de outros estudos em Cerrado (Medina e Fernandes, 2007; Souza, 2007), ela é
baixa quando comparada a de outras formações vegetacionais brasileiras, como Mata Atlântica
(872 sem.m-2; Baider et al., 1999), Floresta Estacional Semi- Decidual (213,1 - 419,4 sem.m-2;
Martins e Engel, 2007) e Caatinga (807 sem.m-2; Costa e Araújo, 2003), o que pode decorrer
de diversos fatores, entre eles o solo arenoso da mancha estudada, que favorece o
deslocamento das sementes para camadas mais profundas, e o entorno da EEI, que não
apresenta outras área de vegetação nativa, restringindo a abundância e a diversidade da chuva
de sementes.
Com relação à região sob a copa e ao entorno das árvores de Hancornia speciosa,
foram encontradas diferenças significativas na riqueza (t = 3,426; p = 0,002) e na diversidade
(t = 4,526; p = 0,000) de espécies, maiores na região sob a copa. Entretanto, não foi obtida
diferença significativa para a densidade de sementes germinadas entre esses dois ambientes (t
= 0,057; p = 0,955).
No contexto da restauração e da regeneração de áreas naturais e alteradas, a fauna
apresenta um papel muito importante porque atua na dispersão de sementes (Galetti e Stotz,
1996), influenciando diretamente na composição e na densidade do banco. Dessa maneira, a
maior riqueza de espécies sob a copa de Hancornia já era esperada, e corrobora com dados de
estudos de ilhas de restauração, que encontram maior riqueza na chuva de sementes e na
vegetação estabelecida no interior dessas ilhas do que na matriz em que estão inseridas
(Slocum e Horvitz, 2000; Slocum, 2001; Holl, 2002; Zamora e Montagnini, 2007), sendo
concordante entre esses autores a indicação da utilização das ilhas como local de alimentação
e descanso pela fauna, que traz consigo propágulos de diversas espécies através das fezes,
regurgito e também aderidos ao seu corpo.
A presença de condições micro-climáticas mais amenas sob a copa de indivíduos de
Hancornia também pode favorecer a sobrevivência e, conseqüentemente, a permanência por
mais tempo, de uma maior quantidade de sementes e de espécies no banco (Funes et al., 2003;
Fenner e Thompson, 2005), justificando, junto com a ação da fauna, a maior riqueza
encontrada e a baixa similaridade (26,14 %) entre interior e entorno.
Apesar de também ter sido esperada maior densidade de sementes no banco do interior
de Hancornia do que no de seu entorno (Slocum e Horvitz, 2000; Zamora e Montagnini,
2007), isso não foi verificado. Uma possível explicação é a existência de uma maior taxa de
predação de sementes sob a copa das árvores na EEI. Trabalhos realizados sob arbustos e
árvores em áreas de matriz com densa cobertura herbácea encontraram maior predação sob a
copa dos indivíduos lenhosos (Myster e Pickett, 1993; Holl, 2002), o que pode estar
relacionado a uma maior probabilidade de os animais encontrarem as sementes em áreas com
menor cobertura de gramíneas (Holl, 2002).

Conclusão
O estudo da influência de H. speciosa sobre o banco de sementes mostrou que essa
espécie apresenta um impacto positivo sobre a comunidade na qual está inserida. As maiores
riqueza e diversidade de espécies no banco sob sua copa do que as encontradas na região de
entorno sugerem uma possível interação positiva com a fauna, que ajuda a enriquecer o banco
de sementes sob sua copa ao procurá-la como local de abrigo, descanso e alimentação. Ainda,
a condição micro-climática mais amena encontrada sob a copa das árvores proporciona um
ambiente mais propício para a manutenção de viabilidade das sementes por um período de
tempo maior do que aquele das áreas abertas da EEI. Dessa forma, é possível que Hancornia
atue favorecendo a regeneração natural na área estudada.
Um aspecto que merece atenção é a baixa densidade do banco no Campo Cerrado
estudado e a quase ausência de indivíduos arbóreos amostrados, que evidenciam a
vulnerabilidade da área, cuja regeneração através do banco é restrita. Somado a essa restrição,
é preocupante o fato da EEI estar situada em uma matriz onde predominam plantações de
Pinus spp. e Eucalyptus spp., condomínios e estradas, que elevam as chances de incidência de
perturbações numa formação em que o fogo é um agente freqüente e pode contribuir
consideravelmente para o esgotamento deste compartimento de reserva, interferindo
diretamente sobre a dinâmica da comunidade local.

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