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ESCARIFICAÇÃO DE SEMENTES DE Senna spectabilis (DC) IRWIN ET BARN.

(FABACEAE-CAESALPINIOIDEAE)
Suely de Cássia Antunes de Souza1, Vanessa Batista Amaral1, Franciellen Morais1, Giovana
Rodrigues da Luz1, Yule Roberta Ferreira Nunes1 e Ronaldo Reis-Jr2 (1Laboratório de Ecologia e
Propagação Vegetal, 2Laboratório de Biologia Computacional, Departamento de Biologia Geral,
Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES, Campus Universitário Prof. Darcy
Ribeiro, CP 126, CEP 39401-089, Montes Claros - MG, e-mail: suelycasouza@yahoo.com.br).

Termos para indexação: dormência, escarificação e germinação.

Introdução
A germinação é um processo biológico que inicia com a embebição das sementes e termina
com a protusão da radícula através do tegumento (Perez, 2004). Assim, durante o processo
germinativo ocorrem alterações na composição química e física das sementes, e no consumo de
energia. Essa energia é proveniente da degradação de substâncias de reserva da própria semente que
utiliza o oxigênio para promover as reações metabólicas necessárias ao desenvolvimento do eixo
embrionário que culmina na germinação (Carvalho e Nakagawa, 2000). Dessa forma, a germinação
é uma seqüência de eventos fisiológicos que é influenciada por fatores intrínsecos (inibidores e
promotores da germinação) e extrínsecos (temperatura, umidade e oxigênio) da semente (Baskin e
Baskin, 1998; Carvalho e Nakawaga, 2000), sendo que a luz é considerada indispensável para
germinação de determinadas espécies (Popinings, 1977).
Espécies florestais tropicais freqüentemente possuem sementes duras e impermeáveis que
dificultam a entrada de água e oxigênio, oferecendo alta resistência física ao crescimento do
embrião (Popinigis, 1977). Essa característica é comum em espécies pertencentes à família
Fabaceae, que apresentam dormência por rigidez tegumentar, com elevado grau de
impermeabilidade, o que resulta em atraso na germinação (Perez, 2004). Assim, a dormência
evoluiu como um mecanismo de sobrevivência de determinadas espécies submetidas às condições
climáticas adversas (Popiningis, 1977). Esse mecanismo tem importância fundamental para a
perpetuação e estabelecimento de algumas espécies vegetais, uma vez que promove a distribuição
temporal e espacial da germinação nos diversos ambientes, permitindo que os diásporos iniciem a
germinação quando as condições ambientais estejam favoráveis à sobrevivência das plântulas
(Carvalho e Nakawaga, 2000; Zaidan e Barbedo, 2004). Essa impermeabilidade pode ser definida
pela deposição de substâncias como cutícula serosa, suberina, lignina, tecido paliçádico, cutina e
mucilagens na testa, pericarpo ou membrana nuclear das sementes (Perez, 2004).
Esse tipo de dormência pode ser superado através de diversos métodos de escarificação, que
resultam na ruptura ou no enfraquecimento do tegumento, permitindo a passagem de água e dando
início ao processo germinativo (Zaidan e Barbedo, 2004). Em condições naturais, a escarificação
pode ocorrer pelo aquecimento úmido ou seco do solo, que possibilita a entrada de água no interior
da semente; pela ação de ácidos, quando da ingestão das sementes por animais dispersores e pela
atuação dos microorganismos presentes no solo (Vazquez-Yanes & Orozco-Segovia, 1993; Baskin
e Baskin, 1998). Em laboratório, foram desenvolvidas diferentes técnicas que visam à quebra da
dormência física, como a escarificação mecânica e química, a embebição das sementes em água e
tratamentos com temperaturas: altas, baixas ou alternadas (Borges e Renna, 2004).
A busca de metodologias adequadas e eficientes para análise de sementes florestais atua de
maneira fundamental para a pesquisa científica e de interesse sócio-econômico. O conhecimento
dos principais processos que englobam a germinação de sementes de espécies nativas é essencial
para a preservação e propagação dessas espécies (Smiderle & Souza, 2003). Sendo assim, este
trabalho teve como objetivo testar diferentes técnicas de escarificação para superar a dormência
tegumentar das sementes de Senna spectabilis, fornecendo informações importantes para a
conservação, através da produção de mudas para restauração florestal e arborização urbana.

Materiais e Métodos
Senna spectabilis (DC.) H.S.Irwin & Barneby (Fabaceae-Cesalpinioideae) é uma espécie
arbórea decídua, heliófita e pioneira com altura de 6-9 m, que ocorre em Minas Gerais e Nordeste
brasileiro, conhecida popularmente, como são joão, alelulia ou canjão. Sua madeira é pesada e
aproveitada para caixotaria, lenha e carvão (Lorenzi, 1992). Possui folhas verde-escuras, alternas,
paripinadas e flores amarelas e grandes. Seus frutos são compostos por vagem comprida (25-32 cm)
indeiscente, com superfície irregular e enrugada, coloração preta e cheiro adocicado, contendo
grande quantidade de sementes pequenas, achatadas e castanho-claro. Essa espécie é muito
interessante em programas de restauração florestal de áreas degradadas (solos de matas ciliares) e
indicada para arborização urbana (Maia, 2004)
Foram coletados cinqüenta frutos de vinte indivíduos arbóreos de S. spectabilis no Parque
Guimarães Rosa, em Montes Claros, MG (16º 25’ 322” S e 44º 02’ 109” W), em setembro/2007. O
clima da região é do tipo semi-árido, com estacionalidade climática marcante. A temperatura média
anual é de 23° C e a precipitação oscila em torno de 1.000 mm/ano conforme dados obtidos através
da Estação Climatológica Principal de Montes Claros, localizada em Montes Claros/MG.
Fitogeograficamente, o local de coleta encontra-se na transição entre domínios do Cerrado e
Caatinga, com fitofisionomias de cerrado sentido restrito, Mata Seca (Floresta Estacional Decidual)
e Mata Ciliar (Ribeiro & Walter, 1998). Estes frutos foram conduzidos ao Laboratório de Ecologia
e Propagação Vegetal/ Campus universitário da UNIMONTES, para beneficiamento das sementes,
que foram separadas em lote homogêneo, conforme a cor e tamanho.
Em todos os tratamentos, utilizou-se um delineamento experimental casualizado, com dez
repetições de 30 sementes por caixa de gerbox (10 x 10 cm). Os tratamentos utilizados constaram
de: sementes escarificadas (1) termicamente, através de água quente a 100° C, por 5 minutos; (2)
quimicamente, através de ácido sulfúrico (98%) durante 5 minutos; (3) mecanicamente, com uso de
lixa nº 10 no tegumento do lado oposto ao hilo até o aparecimento do endosperma; (4) sementes
danificadas, (5) sementes intactas (controle) e (6) sementes intactas tratadas com fungicida
(Ridimol) na solução 30:1000 ml, por 5 minutos. O tratamento (6) visou determinar a influência de
microrganismos nocivos (fungos) vinculados ao tegumento da semente. Os experimentos foram
conduzidos em germinador com temperatura e luz alternadas (30ºC luz/ 12horas: 20°C escuro/ 12
horas). Para acondicionamento no germinador, foram utilizadas caixas de gerbox distribuídas com
papel filtro sobre uma espuma de 1 cm de espessura. Cada amostra foi regada com 20 mL de água
destilada e identificada no canto superior, com caneta de retroprojetor preta. Todo material utilizado
no experimento foi, previamente, esterilizado e limpo, utilizando-se detergente e/ou hipoclorito de
sódio (2%) durante 30 minutos. O experimento foi acompanhado, diariamente, no mesmo horário,
durante 30 dias (Nunes et al., 2006). A semente foi considerada germinada após a emergência da
radícula através do tegumento (Borges e Rena, 1993).
As análises foram processadas no software R (R Developmet Core Team, 2008), através da
função survreg do pacote survival [análise de sobrevivência] (Therneau e Lumley, 2008) para
verificar a germinação das sementes escarificadas de S. spectabilis. A adequação do modelo
mínimo (MMA) foi obtida extraindo os termos não significativos (P > 0.05) do modelo completo
composto. Para variável escarificação que contém seis níveis (controle, fungicida, ácido sulfúrico,
lixa, água quente e danificada) foi realizada uma análise de contraste por comparação de modelos
para o agrupamento desses níveis (Crawley, 2007). Desse modo, os seis níveis foram
recategorizados em cinco grupos [fungicida + controle (FC), ácido sulfúrico (AS), lixa (L), água
quente (AQ) e danificada (D)].

Resultados e Discussão
A germinação de S. spectabilis variou entre os diferentes métodos de escarificação (gL = 4,
p < 0.05). As sementes escarificadas apresentaram as maiores taxas de germinação, sendo que o
tratamento lixa proporcionou o maior índice de germinação com 98 %, seguido pela água quente
78% e o ácido sulfúrico com 63 % (Figura 1). Entretanto, os tratamentos F e C apresentaram taxas
reduzidas de germinação 3,6 % e 4,0 %, respectivamente (Figura 1), indicando que estes
tratamentos, provavelmente não estimularam a quebra de dormência dessa espécie. Do mesmo
modo, no tratamento D foi observado apenas duas sementes germinadas (0,6 %), este fato pode está
ligado ao ataque de insetos nessas sementes, que ocasionou a morte do embrião (Figura 1).
Verificou-se, ainda, que as maiores taxas de germinação ocorreram entre os segundo e quarto dias
de incubação no germinador, com pico no terceiro dia em todos os tratamentos, apesar da diferença
entre o número de sementes germinadas por tratamento, este fato demonstra que a espécie apresenta
rápida velocidade de germinação (Figura 1).
Desta forma, dormência tegumentar foi superada satisfatoriamente quando as sementes
foram submetidas aos diferentes métodos de escarificação, que atuaram como um acelerador do
processo germinativo nesta espécie (Nunes et al., 2006). Provavelmente, a escarificação mecânica
permitiu a absorção de água por embebição, dando inicio à germinação (Borges e Rena, 1993).
Além disso, a alta temperatura e a ação do ácido sulfúrico podem ter ocasionado fissuras no
tegumento, o que promoveu a entrada de água e as trocas gasosas entre o meio a semente,
contribuindo para o desenvolvimento do embrião (Popinigs, 1977).
100 Pico de germinação

80
Germinação (%)

60

40

Lixa
Água Quente
Ácido Sulfúrico
20 Fungicida+Controle
Danificada

0 5 10 15 20 25 30

Tempo (dias)

Figura 1 – Curva de sobrevivência indicando a porcentagem de germinação de sementes de Senna


spectabilis submetidas a diferentes tratamentos de escarificação durante 30 dias no germinador.

Por outro lado, a menor taxa de germinação observada no tratamento D, é provocada pelo
intenso consumo de insetos da ordem Coleoptera na semente desta espécie (Souza et al., 2007), que
provocou perda da capacidade germinativa das sementes. Assim, a grande predação de frutos em
espécies da família Fabaceae, em ambientes tropicais, principalmente no cerrado, é um fator
preponderante para a queda no número final de frutos maduros (Freitas e Oliveira, 2002) e
conseqüente, na produção de sementes.

Conclusões
Com base nos resultados obtidos, as sementes de S. spectabilis apresentaram dormência
tegumentar, necessitando de métodos de escarificação que auxiliem o desenvolvimento do embrião.
O uso de materiais abrasivos demonstrou ser eficiente para romper o tegumento espesso nas
sementes da espécie estudada

Agradecimentos
À Carmem L. R. Aguiar, responsável pelos Parques e Zoológico da Prefeitura Municipal de
Montes Claros/MG por autorizar a coleta de sementes no Parque Guimarães Rosa e ao Sr. Lucílio
A. Maia, técnico químico da UNIMONTES, pelo apoio na realização do experimento. À FAPEMIG
pelas Bolsas de Incentivo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Tecnológico (BICDT) de Y. R. F.
Nunes e de R. Reis Jr.

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