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CANA-DE-AÇÚCAR X PASTAGEM – O USO DA TERRA E A CONSERVAÇÃO

DOS REMANESCENTES DE CERRADO NO ESTADO DE SÃO PAULO

Alexandre Toshiro Igari, Leandro Reverberi Tambosi, Vânia Regina Pivello (USP, Instituto
de Biociências, Departamento de Ecologia, Lepac – Laboratório de Ecologia de Paisagens e
Conservação, Rua do Matão, Travessa 14, n° 321, 05508-900 São Paulo, SP. e-mail:
alexandre.igari@usp.br)

Termos para indexação: impactos, SIG, pastagem cultivada, pecuária, biocombustíveis

Introdução
No estado de São Paulo restam apenas 8,5% da área originalmente ocupada pelas fisionomias
de cerrado e apenas 6,5% dos remanescentes estão protegidos na forma de unidades de
conservação (UCs) de proteção integral (Metzger e Rodrigues, 2008). O plantio de cana-de-açúcar
e a pecuária extensiva ameaçam a conservação do cerrado no estado de São Paulo, tanto em função da
conversão do bioma para o uso agropecuário, como em função dos impactos e riscos que as atividades
impõem aos remanescentes próximos.
O aumento na demanda por biocombustíveis impulsionou um aumento de 37,4% (965.244 ha)
da área plantada com cana-de-açúcar no estado de São Paulo no período de 2001 a 2006. A pecuária
extensiva foi a atividade que mais perdeu área para o plantio de cana-de-açúcar, sendo que 673.600 ha
de áreas de pastagem cultivada e 51.504 ha de pastagem natural deram lugar ao plantio da cultura no
período (Camargo et al., 2008).
O cultivo de cana-de-açúcar e o uso das terras como pastagem envolvem impactos e riscos
distintos à conservação dos remanescentes de cerrado. O cultivo de cana-de-açúcar, apesar das
restrições legais, envolve uso do fogo durante a colheita, aplicação de agrotóxicos e aumento da
erosão do solo. O manejo das áreas de pastagem, por sua vez, freqüentemente envolve a introdução de
gramíneas exóticas, que representam uma ameaça à biodiversidade dos remanescentes de cerrado, ao
excluir por competição as espécies nativas. Ao invadir os remanescentes de cerrado, as gramíneas
exóticas aumentam a biomassa local, alterando o regime natural de fogo do cerrado, fazendo com que
aumente a intensidade das chamas, que acabam atingindo estruturas que antes ficavam protegidas da
ação do fogo. Além disso, é comum a presença de gado nos remanescentes, o que pode resultar em
compactação do solo e pastejo seletivo, alterando a estrutura e a diversidade vegetal do remanescente
(Korman e Pivello, 2005; Freitas e Pivello, 2005; Pivello e Korman, 2005; Durigan, 2007).
Este trabalho tem como objetivo investigar como o uso da terra no plantio de cana-de-açúcar e
em pastagens está relacionado com a quantidade de área de remanescentes nos municípios
originalmente cobertos pelo domínio de cerrado. Assim, é possível estimar o impacto da expansão das
áreas cultivadas com cana-de-açúcar na conservação dos remanescentes, principalmente naqueles fora
de UCs, que representam a maior parte da área remanescente e são os mais vulneráveis ao
agronegócio.

Material e Métodos
Este estudo analisou os municípios do estado de São Paulo com mais de 50% da sua
área coberta pelo domínio de cerrado. Para a análise espacial dos dados, foram utilizados
aplicativos de SIG, tomando como base o mapeamento de remanescentes de vegetação nativa
realizado em 2002, para todo o estado de São Paulo (São Paulo, 2005). Foi calculado o índice
de área de remanescente do domínio de cerrado fora de UCs (IRC) em cada município:

IRC (%) = área dos remanescentes do domínio de cerrado*_


área coberta pelo domínio de cerrado*
*excluídos os remanescentes protegidos sob a forma de UC

As áreas ocupadas com plantio de cana-de-açúcar e por pastagens em cada município


para o ano de 2002 foram obtidas por meio de consulta à base eletrônica de dados do IEA
(Instituto de Economia Agrícola – www.iea.sp.gov.br). A área agrícola de cada município foi
calculada subtraindo-se da área total do município as áreas urbanas, as áreas ocupadas por
represas, áreas ocupadas por UCs e outras áreas ocupadas por remanescentes de vegetação
nativa. Assim, foi calculado o percentual de área ocupada pelo plantio de cana-de-açúcar e
por pastagens em cada município:

CANA (%) = _área do município ocupada por cana (ha)_


área agrícola do município (ha)

PASTAGEM (%) = _área do município ocupada por pastagem (ha)_


área agrícola do município (ha)

Foram estabelecidas classes de valores para os três indicadores analisados (IRC,


CANA e PASTAGEM), cujas relações foram representadas em gráficos CANA x IRC e
PASTAGEM x IRC. Por fim, foi realizada uma comparação entre os perfis de ocupação
identificados.

Resultados e Discussão
Dos 645 municípios do estado de São Paulo, foram selecionados 167 municípios (7,2
milhões de ha) com mais de 50% da sua área coberta pelo domínio de cerrado. Os 167
municípios correspondem a 29,1% da área total do estado e cobrem 65,6% do domínio de
cerrado em São Paulo.
A área total de remanescentes naturais dentro do domínio de cerrado é de 326 mil ha,
resultando em um IRC médio para os municípios estudados de 6,3%. Não houve nenhum caso
de IRC maior que 20%, ou seja, em nenhum município a área de remanescentes fora de UCs
correspondia a mais de 20% da cobertura original do domínio de cerrado. Assim, se fosse
considerado apenas o domínio de cerrado, nenhum município cumpriria a exigência mínima
de reserva legal. O quadro é ainda mais preocupante se considerarmos que uma parcela dos
remanescentes certamente corresponde a áreas de APP, que devem ser descontadas das áreas
de reserva legal.
A área total ocupada por cana-de-açúcar nos municípios da área de estudo foi de 1,27
milhões de ha, enquanto a área total ocupada com pastagem foi de 2,74 milhões de ha, para o
ano de 2002, representando conjuntamente 59,6% da área agrícola dos municípios da área de
estudo. Este alto percentual reflete a relevância que os dois tipos de uso das terras têm na
economia do estado de São Paulo, assim como a relevância que os impactos e riscos oriundos
das duas atividades sobre a conservação do cerrado paulista.
Os 167 municípios foram agrupados em 4 classes de IRC e em 6 classes de CANA e
PASTAGEM. A figura 1 representa a relação entre os índices CANA e IRC. Nos municípios
representados nas faixas mais altas do índice CANA, há predomínio da faixa mais baixa de
IRC (menor que 5%), ou seja, quando há um alto percentual de terras utilizadas no plantio de
cana-de-açúcar, é pequeno o percentual de remanescentes do domínio de cerrado.
A análise do índice PASTAGEM apresenta resultados antagônicos aos resultantes da
análise do índice CANA (Figura 2). Nos municípios representados nas faixas mais baixas do
índice PASTAGEM, predomina a categoria que representa a faixa mais baixa de IRC (menor
que 5%). Quanto maior o índice PASTAGEM, maior a participação das faixas de IRC
maiores que 5%.
Os resultados indicam que os dois tipos de uso da terra não favorecem a conservação
dos remanescentes do domínio de cerrado, pois em nenhum município da área de estudo o
IRC ultrapassou 20%. No entanto, o cultivo de cana-de-açúcar mostrou-se mais prejudicial
para a conservação dos remanescentes do que o uso como pastagem, pois valores altos de
CANA mostraram-se relacionados com valores baixos de IRC, enquanto valores altos de
PASTAGEM mostraram-se relacionados com valores altos de IRC.

CANA x IRC (Área remanescente do domínio de cerrado fora de UC)

90

80

70
IRC - Área
Número de municípios

60 remanescente
15% a 20%
50
10% a 15%
40 5% a 10%
menor que 5%
30

20
35%
10 47% 90%
58%
0 80% 0%
menor que 10% 10% a 30% 30% a 50% 50% a 70% 70% a 90% maior que 90%
CANA - Percentual da área agrícola do município utilizada
no plantio de cana-de açúcar

Figura 1. Caracterização dos 167 municípios da área de estudo quanto aos índices CANA e
IRC. Os valores ao lado das barras mostram o percentual de municípios com IRC < 5% em
cada faixa do índice CANA, indicando maior freqüência de valores de IRC < 5% nas faixas
mais altas de CANA.
PASTAGEM x IRC (área remanescente do domínio de cerrado fora de UC)

40

1
35 1
6

2 1
30
IRC - Área
Número de municípios

13 4
5
remanescente
25 2
16 15% a 20%
4
10% a 15%
20 11
17 5% a 10%
menor que 5%
15

22 59%
10 20 77%
14 44% 15 40%
5 10 31%
1
1
0 1 33%
menor que 10% 10% a 30% 30% a 50% 50% a 70% 70% a 90% maior que 90%
PASTAGEM - Percentual da área agrícola do município
utilizada como pastagem

Figura 2. Caracterização os 167 municípios da área de estudo quanto aos índices


PASTAGEM e IRC. Os valores ao lado das barras indicam o percentual de municípios com
IRC < 5% em cada faixa do índice PASTAGEM, revelando maior frequência de IRC < 5%
nas faixas mais baixas de PASTAGEM.

Conclusões
Os resultados aqui apresentados indicam que a expansão das áreas cultivadas com cana-de-
açúcar sobre as pastagens no estado de São Paulo pode trazer efeitos ainda mais prejudiciais
para a conservação dos remanescentes naturais do domínio de cerrado do que se as áreas
fossem mantidas como pastagem. Esses resultados colaboram para a formulação de
estratégias diferenciadas de conservação dos remanescentes em função do tipo de uso e
cobertura das terras próximas, pois cada tipo de uso tem características próprias de manejo e
geram impactos e riscos diferentes aos recursos naturais.

Referências bibliográficas
CAMARGO, A.M.M.P. de; CASER, D.V.; CAMARGO, F.P. de; OLIVETTE, M.P.A;
SACHS, R.C.C.; TORQUATO, S.A. Dinâmica e tendências da expansão da cana-de-
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DURIGAN, G.; SIQUEIRA, M.F. de; FRANCO, G.A.D.C. Threats to the cerrado remnants
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FREITAS, G.K. de; PIVELLO, V. R. A ameaça das gramíneas exóticas à biodiversidade. In:
PIVELLO, V. R.; VARANDA, E. M. O Cerrado Pé-De-Gigante: Ecologia e
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Ambiente: 2005. p. 283-296.
KORMAN, V.; PIVELLO, V. R. Impactos pelo uso inadequado da terra e legislação
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Ecologia e Conservação – Parque Estadual de Vassununga. São Paulo, Secretaria do
Meio Ambiente: 2005. p. 273-282.
METZGER, J.P. & RODRIGUES, R.R. Mapas-Síntese das Diretrizes para Conservação e
Restauração da Biodiversidade no Estado de São Paulo. In: SECRETARIA DE ESTADO
DO MEIO AMBIENTE. Diretrizes para conservação e restauração da biodiversidade
no estado de São Paulo. São Paulo: Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 2008.
PIVELLO, V. R.; KORMAN, V. Conservação e manejo da biodiversidade. In: PIVELLO, V.
R.; VARANDA, E. M. O Cerrado Pé-De-Gigante: Ecologia e Conservação – Parque
Estadual de Vassununga. São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente: 2005. p. 297-310.
SÃO PAULO - SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E INSTITUTO FLORESTAL.
Inventário florestal da vegetação natural do estado de São Paulo. São Paulo: Imprensa
Oficial, 2005. 200 p.

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