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Tipologia dos grupos sociais no meio rural brasileiro: o caso de Conchas-SP.

Gabriel Campos Volpi1, Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira2

Termos para indexação: sociologia, agricultura familiar

Introdução
No presente estudo definiu-se como objeto de pesquisa produtores rurais do município
de Conchas, São Paulo, que realizam criação de frango num sistema de interação com a
agroindústria conhecido por integração. A maior parte dos agricultores ligados a essa
atividade pode ser identificada como agricultores familiares, pois são produtores rurais,
proprietários ou não, que dirigem seu estabelecimento utilizando, prioritariamente, a força de
trabalho de sua família.
Adota-se no presente trabalho o conceito de agricultura familiar por considerá-lo o que
mais se adequa à caracterização dos produtores rurais em análise. Tomando por base diversas
revisões bibliográficas a respeito dos estudos que tratam do mundo rural brasileiro
(Abramovay, 2002; Chalita, 2006; Leite, 1989/90; Silva, J. G. da, 1980; Wanderley, 1985),
conclui-se que a forma como se distribui o trabalho no interior do estabelecimento (se
predomina o uso de mão de obra familiar ou contratada) representa o melhor indicador para a
divisão dos grupos sociais. Procurou-se testar empiricamente a hipótese enunciada acima, no
contexto de um estudo de caso. Enfatiza-se que o conceito de agricultor familiar permite
analisar as relações sociais no campo sem, contudo, transpor o modelo industrial de relações
de trabalho: ou seja a contradição capital/trabalho.
Como nos mostra Abramovay (1992), a agricultura familiar não se confunde com
pequena produção, técnicas atrasadas, ou modo de produção camponês. Ela pode ser
altamente integrada ao mercado, ser capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de

1
Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FCL - UNESP – Araraquara. E-mail:
gabrielvolpi@hotmail.com
2
Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e do Depto. De Antropologia, Política e Filosofia da
FCL – UNESP – Araraquara. Rodovia Araraquara-Jaú Km 1, CEP: 14800-901, Araraquara – SP. E-mail:
darlene@fclar.unesp.br.

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responder a políticas governamentais. É para essa agricultura familiar moderna que
procuramos, nesse artigo, apontar uma teoria adequada de interpretação.
Ao utilizar o conceito de agricultura familiar, compreende-se que não se trata da
reprodução pura e simples do campesinato, pois sua introdução na sociedade moderna termina
por provocar mudanças significativas em seus traços característicos originais. Por outro lado,
também não é possível considerá-lo mera conseqüência da expansão do capitalismo para a
agricultura, ou como resultado de políticas públicas, visto que isso implica ignorar sua
condição de ator social, ou seja, alguém que estabelece estratégias próprias de ação,
baseando-se em valores caros ao grupo.
Wanderley (2003, p.44) mostra quais são as questões em jogo na definição desse
grupo.
Na verdade, o debate gira em torno da constituição desse ator social: trata-se da
reprodução pura e simples de um campesinato ‘tradicional’ com sua forma
específica de funcionamento e de reprodução ou da emergência de um novo
‘personagem’ na atividade agrícola e no meio rural, capaz de responder às
exigências da sociedade e do mercado modernos, freqüentemente vistos como
‘gestados’ pela própria ação do Estado? No primeiro caso, deve-se perguntar: a
inserção desses camponeses na sociedade moderna não termina por provocar
mudanças significativas nos traços característicos do campesinato original? O que
muda? No segundo caso – os agricultores que se formam a partir dos estímulos das
políticas publicas – não se corre o risco de desconhecer e negar sua própria história?
Não seria esta uma história camponesa?

Procurando levar em conta tais questionamentos, buscou-se no estudo comparativo


internacional coordenado por Lamarche uma definição de agricultura familiar. Lamarche
(1993) propõe uma definição de agricultura familiar ampla o suficiente para abarcar a
diversidade de agricultores encontrados na pesquisa, ao mesmo tempo em que destaca aquilo
que possuem em comum. “A exploração familiar, tal como a concebemos, corresponde a uma
unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à
família”. (Lamarche, 1993, p.14).

Ao se adotar, portanto essa definição de agricultura familiar, pretende-se responder às


duas perguntas formuladas por Maria Nazareth: o que muda e o que se mantém nesse
processo de integração ao mercado que é a passagem de uma agricultura camponesa a uma
agricultura familiar modernizada.

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Os agricultores familiares são portadores de uma tradição (cujos fundamentos são
dados pela centralidade da família, pelas formas de produzir e pelo modo de vida),
mas devem adaptar-se às condições modernas de produzir e de viver em sociedade,
uma vez que todos, de uma forma ou de outra, estão inseridos no mercado moderno
e recebem a influência da chamada sociedade englobante. (Wanderley, 2003, p.47-
48).
Com base na discussão explicitada anteriormente, tornou-se possível formular uma
definição funcional de agricultores familiares, clara o suficiente para permitir delimitar
empiricamente o grupo social em questão. Tais agricultores seriam aqueles que, mantendo a
direção e controle da produção realizada no estabelecimento agropecuário3 (IBGE, 2006),
realizam essa produção, com base, prioritariamente, no trabalho da família.
Empiricamente, portanto, serão considerados como pertencentes à agricultura familiar
aqueles estabelecimentos que, cumprida e exigência da direção, apresentem maior uso da
força de trabalho familiar que da força de trabalho contratada (medida em trabalhador-
dia/ano)4. Além de evitar confusões teóricas, a definição de agricultura familiar permite
definir e situar o corte entre os estabelecimentos agropecuários estudados com base nas
relações de trabalho e produção dentro do estabelecimento, o que permite chegar mais
próximos de uma caracterização social de tais agricultores comparativamente aos recortes
baseados no tamanho da exploração, na renda, ou no nível tecnológico adotado.
Material e Métodos
Os aportes teóricos discutidos permitiram aprofundar duas suposições básicas. A
primeira é que a maioria dos agricultores em questão, produtores de frango do município de
Conchas – SP integrados a agroindústrias da região são agricultores familiares, conforme
definição que discutiremos em maior profundidade adiante. Em segundo lugar, pretende-se
mostrar que a forma predominante de organização do trabalho dentro do estabelecimento
(patronal ou familiar) é variável relevante para a classificação social desses agricultores: ou
seja, na análise dos sistemas em torno dos quais os estabelecimentos se estruturam, os
produtores rurais do município de Conchas ligados à agroindústria avícola se dividem em dois

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“Considerou-se como estabelecimento agropecuário todo terreno de área contínua, independente do tamanho
ou situação, formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se processasse uma
exploração agropecuária”.
4
Esta é a unidade utilizada no estudo de (GUANZIROLI, 2001). Cada unidade trabalhador-dia corresponde a
um dia de trabalho de um trabalhador médio.

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grupos estatisticamente distintos, grupos sociais portadores de características distintas.
A pesquisa desenvolvida pode ser definida como quantitativo descritiva, e dentro
dessa classificação, no sub-tipo que Marconi e Lakatos (1990) denominam estudos de
verificação de hipótese:
[...] são aqueles estudos quantitativo-descritivos que contém, em seu projeto de
pesquisa, hipóteses explícitas que devem ser verificadas. Essas hipóteses são
derivadas da teoria e, por esse motivo, podem consistir em declarações de
associações entre duas ou mas variáveis, sem referência a uma relação causal entre
elas. (MARCONI; LAKATOS, 1990, p.76).

No estudo desenvolvido a hipótese a verificar foi a de que os agricultores em questão


são familiares; mas não se pretendeu demonstra-la mediante uma relação de causa-efeito, ou
seja, não se propõe explicar porque a maior parte dos agricultores integrados à agroindústria
avícola são familiares, mas apenas demonstrar essa relação.
A propriedade na definição desses agricultores foi testada na comparação dos dados
levantados entre dois grupos de produtores, definidos segundo o tipo predominante de mão de
obra no estabelecimento: familiar ou patronal. Foi possível verificar, a partir daí, que várias
outras variáveis relativas à estrutura produtiva do estabelecimento oscilam em função dessa
divisão. Tais dados indicam uma correspondência notável entre esse indicador (tipo de mão
de obra) e dois grupos sociais diferentes no campo pesquisado, cada qual com suas
características próprias.
São apresentados a seguir os principais resultados obtidos através da análise dos
formulários aplicados aos agricultores que praticam a avicultura no município de Conchas.
Resultados e discussão
Na análise das respostas obtidas nos formulários, dividiram-se os agricultores
entrevistados segundo o critério adotado (mão de obra). Verificou-se que no universo dos 95
estabelecimentos pesquisados havia 68 agricultores familiares e 27 patronais. Isso significa
que dentre os estabelecimentos pesquisados, 68 ou 72% utilizavam em média durante o ano,
mais mão de obra de pessoas da família que de trabalhadores contratados. Nos demais 27

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estabelecimentos, correspondentes a 28% da amostra, predominava o trabalho contratado,
fosse ele eventual ou fixo5.
A partir deste primeiro dado pode-se notar a predominância, entre os estabelecimentos
do município ligados à produção de frangos, da agricultura familiar. Foram examinados
diversos indicadores, comparando-se sua ocorrência proporcional entre os dois grupos
definidos. A expectativa foi que tal comparação indicasse tendências diversas de
comportamento e valores em relação a diversas esferas que envolvem a vida do agricultor,
desde as relações de produção, como as relações de vizinhança.
O primeiro elemento avaliado relaciona-se à exploração do estabelecimento. À
pergunta sobre quem era responsável pela exploração do estabelecimento (ou seja, a direção
das atividades produtivas), as respostas dos agricultores conduziram ao seguinte quadro:
a) Entre os estabelecimentos patronais, somente 22% dos agricultores entrevistados
alegaram que o responsável pertencia à família do proprietário, o que significa que grande
parte desses estabelecimentos eram geridos por empregados permanentes que moravam na
propriedade, geralmente junto com sua família.
b) Já entre os estabelecimentos nos quais predomina o trabalho familiar, todos
responderam que os membros da família eram os principais responsáveis pela exploração
produtiva do estabelecimento.
Os dados relativos ao tipo de posse dos estabelecimentos apresentam visível diferença
entre os grupos definidos. Entre os familiares, 83% dos estabelecimentos eram administrados
pelo proprietário do terreno ou seus familiares, 13% eram arrendatários e 4% possuíam algum
tipo de parceria com o dono da terra. Nesses dois últimos casos, o agricultor não era
proprietário da terra, mas possuidor de alguns meios de produção (no caso, eram donos da
granja e seus equipamentos), o que os diferenciava dos funcionários. No caso dos
estabelecimentos patronais todos os entrevistados alegaram que o dono do estabelecimento (o
proprietário dos meios de produção) era também o dono do terreno.
Quando questionados acerca do local de residência, 96% dos agricultores familiares
disseram morar no próprio estabelecimento, e apenas os 4% restantes declararam residir em

5
As quantidades de trabalho foram comparadas em trabalhadores-dia por ano.

5
outro local. Entre os agricultores patronais, aqueles que residem no estabelecimento ainda são
maioria (70%), porém, foi possível notar que a proporção daqueles que residem em outros
locais é consideravelmente maior que entre os familiares. Isso parece indicar maior resistência
entre o grupo de agricultores familiares em deixar a terra. Os dados apresentados a seguir
levam a pensar nessa mesma direção.
Quando questionados onde investiriam eventuais economias, 65% dos agricultores
familiares manifestaram o desejo de investir prioritariamente em terras. Entre os agricultores
patronais 45% dos respondentes disseram que investiriam prioritariamente em terras.
Esse primeiro grupo de elementos contribui para evidenciar a relação do agricultor
com a terra e com o seu trabalho. Pode-se concluir, a partir dos dados apresentados, que os
agricultores pertencentes ao grupo definido como familiar tendem a demonstrar maior apego à
terra e às atividades agrícolas, procurando sempre que possível dirigir a exploração da
propriedade e residir no local. Não se está afirmando que esse tipo de comportamento não
possa ser encontrado entre os agricultores patronais; entretanto, a comparação mostra ser
consideravelmente mais comum entre os agricultores familiares.
Os últimos dados apresentados a seguir relacionam-se à sociabilidade dos agricultores,
sua participação em festas tradicionais e o costume de trocar dias de trabalho com parentes e
vizinhos, a chamada prática de ajuda mútua.
Em relação à participação em festas tradicionais, 67% dos agricultores familiares
declararam participar deste tipo de reunião, contra apenas 33% com esse tipo de participação
entre os patronais.
Quanto à prática da ajuda mútua vicinal, 43% dos agricultores familiares responderam
positivamente quando questionados sobre o assunto, enquanto entre os patronais, 26%
disseram fazer uso desse recurso.
Conclusões
A comparação entre os grupos de agricultores definidos como patronais e familiares
deixa transparecer clara diferenciação percentual nas respostas dos agricultores em relação a
vários dos aspectos analisados.

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Não existe característica única que possa ser captada num dos grupos e que inexistisse
absolutamente no outro, podendo por si só estabelecer a diferenciação. Isso significa que não
se pode estabelecer uma diferenciação rígida entre os grupos.
Contudo, foram demonstradas diferenças proporcionais significativas em diversos
indicadores. Pode-se supor que tais diferenças proporcionais entre as respostas dadas pelos
dois grupos correspondam a diferenças na tendência de seus membros em adotar
determinados comportamentos.
Resumindo, conclui-se que a classificação dos agricultores a partir do tipo de mão de
obra resultou na caracterização de dois grupos que tendem a se comportar de maneira
significativamente diversa frente a vários aspectos analisados, que envolvem o seu trabalho e
vida quotidianos.
Referências bibliográficas:
ABRAMOVAY, R., Agricultura familiar e capitalismo no campo, In: STÈDILE, J.P., A questão agrária hoje,
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