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FENOLOGIA DE SCHEFFLERA VINOSA (CHAM. & SCHLTDL.

) FRODIN & FIASCHI


(ARALIACEAE) EM CERRADO SENSU STRICTO
SUJEITO AO FOGO, SÃO CARLOS – SP.
Carolina Brandão Zanelli, Pavel Dodonov, Dalva Maria da Silva Matos (Universidade Federal de
São Carlos, Rodovia Washington Luís, km 235, CEP 13565-905, São Carlos – SP. e-mail:
carol_zanelli@yahoo.com.br)

Termos para indexação: cerrado sensu stricto, fenologia, fogo, Schefflera vinosa.

Introdução
A fenologia tem como objeto de estudo os eventos biológicos repetitivos e sua relação com
mudanças no ambiente (d’Eça-Neves e Morellato 2004). Item determinante para o sucesso de uma
população é a época de ocorrência dos eventos reprodutivos, regulada por mecanismos endógenos e
aspectos ambientais (Ferraz et al.1999).
O fogo afeta a reprodução sexuada e vegetativa, o estabelecimento de plântulas, a densidade
de árvores e arbustos, alterando a estrutura da comunidade (Hoffmann 1999, Medeiros e Miranda
2005). Queimadas são características do cerrado (Coutinho 1978, Miranda et al. 2002, Medeiros e
Miranda 2005), devido ao acúmulo de matéria inflamável, à prolongada estação seca e à presença
de fontes de ignição, além da ação antrópica (Kauffmann et al. 1994). As espécies de cerrado
apresentam adaptações ao fogo, como suberização do tronco e galhos, produção de frutos capazes
de proteger as sementes, proteção das gemas apicais por catáfilos em algumas espécies e alta
capacidade de rebrota de partes aéreas e subterrâneas do vegetal (Hoffmann e Moreira 2002,
Miranda et al. 2002, Medeiros e Miranda 2005).
Este trabalho teve como objetivo obter informações sobre a fenologia de Schefflera vinosa
(Cham. & Schltdl.) Frodin & Fiaschi (Araliaceae), como diagnóstico da regeneração de um
fragmento de cerrado na reserva da Universidade Federal de São Carlos, sujeito a um incêndio.

Material e Métodos
O estudo foi realizado na reserva legal da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos,
Brasil, num fragmento de cerrado sensu stricto, sujos solos predominantes são Latossolos
Vermelho-Amarelo e Areias Quartzosas (Lorandi 1987). O clima, segundo classificação de
Köppen, é tropical com verão úmido e inverno seco (Aw) ou quente com inverno seco (Cwa).
Existe uma estação chuvosa, de outubro a fevereiro, e uma seca, de março a setembro (Prado et al.
2004). O local sofreu um incêndio em agosto de 2006.
Schefflera vinosa (Cham. & Schltdl.) Frodin & Fiaschi (Araliaceae) possui porte arbustivo-
arbóreo, sendo conhecida popularmente por mandioqueiro, mandioquinha, mandioquinha-do-
cerrado. Ocorre em fisionomias campestres de cerrado e cerrado sensu stricto (Durigan et al. 2004).
Para o estudo da fenologia, 60 indivíduos foram marcados e numerados, sendo 30 atingidos
pelo fogo e 30 intactos. As avaliações ocorrem quinzenalmente (de acordo com Fournier 1974)
desde outubro de 2007. Os indivíduos estão sendo classificados quanto à proporção de rametas com
inflorescências, por método direto semi-quantitativo, sendo classificados em quatro classes: 0-25%,
25-50%, 50-75%, 75-100% (d’Eça-Neves e Morellato 2004). A cobertura foliar, presença de galhas
e herbivoria são avaliadas da mesma forma. O estado das folhas está sendo observado,
classificando-as em jovens, maduras verdes e secas (Bie et al. 1998). Também está sendo observada
a proporção de inflorescências com predomínio de botões, flores, frutos verdes e frutos maduros,
assim como sua categoria de comprimento (<10 cm, <20 cm, 30 cm, <40 cm).
Para avaliação dos dados, foi calculada a proporção de intensidade de Fournier, por meio da
soma dos valores de intensidade da fenofase obtidos para todos os indivíduos e divisão desta soma
pelo valor máximo possível (número de indivíduos multiplicado pelo valor máximo de intensidade)
(Bencke e Morellato 2002). Para cada evento fenológico, as proporções de intensidade de Fournier
para indivíduos queimados e não queimados foram comparadas pelo teste não-paramétrico pareado
de Wilcoxon (Lowry 2008). Os cálculos foram executados com o programa BioEstat 4.0 (Ayres et
al. 2005).

Resultados e Discussão
Indivíduos queimados e não-queimados apresentaram proporções de intensidade de Fournier
semelhantes para: cobertura foliar (Zcf = 0), galhas (Zg = 0,8165), inflorescências (Zi = 0,3848),
tamanho das inflorescências (Zti = 1,726), flores (Zf = 1,217) e inflorescências em desenvolvimento
(Zid = 1,732) (teste de Wilcoxon, Z crítico = 1,9600, são diferentes quando Z>Zcrítico).
As flutuações destas proporções ao longo do período de estudo podem ser visualizadas na
figura 1. Dados de fenologia, somados às observações em campo, indicam que S. vinosa é uma
espécie sempre verde, ou seja, perde folhas velhas e produz novas folhas gradualmente, ao longo
das estações do ano. A presença de galhas e a herbivoria ocorrem em níveis reduzidos para a
grande maioria dos indivíduos amostrados e não apresentaram variação.
Durante o período estudado, houve decréscimo da proporção de Fournier para
inflorescências e aumento da mesma para inflorescências em desenvolvimento. Estas flutuações
eram esperadas, pois, em estudo realizado sobre a polinização e sistema reprodutivo desta espécie,
verificamos que o pico reprodutivo ocorre de abril a agosto (Zanelli et al., dados não publicados).

Figura 1. Proporções de Fournier para cobertura foliar, galhas, inflorescências, flores e


inflorescências em desenvolvimento de 60 indivíduos de Schefflera vinosa em cerrado sujeito ao
fogo. Dados coletados de setembro de 2007 a março de 2008.

Indivíduos queimados e não-queimados apresentaram diferenças nas proporções de Fournier


para: herbivoria (Zh = 3,182), botões florais (Zb = 2,417), frutos verdes (Zfv = 2,04), frutos maduros
(Zfm = 3,234) e tamanho de inflorescências em desenvolvimento (Ztid= 2) (figura 2). No entanto, a
produção de frutos maduros foi maior nos indivíduos não-queimados. Assim, ao total, indivíduos
não-queimados obtiveram maior sucesso reprodutivo que indivíduos queimados.

Figura 2. Proporções de Fournier para botões florais, frutos verdes e frutos maduros de 60
indivíduos de Schefflera vinosa, 30 queimados e 30 não-queimados, em cerrado sujeito ao fogo.
Dados coletados de setembro de 2007 a março de 2008.

Conclusões
O fogo não impediu a reprodução sexuada de S. vinosa. Indivíduos queimados e não
queimados apresentaram frutos maduros em setembro de 2007, ou seja, 13 meses após o incêndio.
No entanto, o fogo alterou quantitativamente a reprodução sexuada, uma vez que indivíduos
queimados tiveram maior produção de botões que aqueles não-queimados, porém menos frutos
maduros. Hoffmann (1998), em estudo com 6 espécies lenhosas de cerrado, encontrou a mesma
redução na reprodução sexuada no ano seguinte após o fogo, para Myrsine guianensis Aubl.
(Myrcinaceae) e Roupala montana Aubl. (Proteraceae).
Por outro lado, o fogo estimulou a reprodução vegetativa por rebrotas, que ocorre em quase
todas as espécies lenhosas de cerrado (Hoffmann e Moreira 2002).
Assim, caso a freqüência e a intensidade de incêndios na área em questão aumente,
provavelmente ocorrerá redução tanto da reprodução vegetativa quanto da sexuada. Isto deve
ocorrer devido à morte dos indivíduos, à redução da capacidade reprodutiva dos eventuais adultos
sobreviventes e ao esgotamento das reservas energéticas; comprometendo a população de S. vinosa
em termos de tamanho populacional, estrutura e variabilidade genética.

Agradecimentos
À FAPESP, pela concessão de bolsa de iniciação científica para a primeira e o segundo
autores.

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