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ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DE ESPÉCIES ARBÓREAS EM UMA ÁREA DE

CERRADO DOMINADA POR PTERIDIUM AQUILINUM (L.) KUHN


(DENNSTAEDITIACEAE), BRASIL CENTRAL

Raquel Carolina Miatto1, Igor Aurélio Silva, Dalva Maria Silva Matos (Universidade Federal
de São Carlos, Campus São Carlos, 13565-905 São Carlos, SP. 1E-mail:
rmiatto@yahoo.com.br)

Termos para indexação: cerrado, diversidade, invasão biológica, Pteridium aquilinum

Introdução
Invasões biológicas são consideradas grandes ameaças à biodiversidade por
modificarem estrutural e funcionalmente o ambiente, deslocando espécies nativas, esgotando
recursos, alterando as condições microclimáticas, a ciclagem de nutrientes, o solo e os
regimes de água ou fogo (D’ Antonio & Vitousek 1992, Mack et al. 2000). Nas savanas, uma
espécie invasora potencial é a samambaia Pteridium aquilinum (samambaião). P. aquilinum
apresenta grande produção anual de biomassa seca (Den Ouden 2000) que aumenta a
intensidade e a freqüência das queimadas em comunidades naturais (Mooney e Hobbs 2000).
Seus extensos rizomas impedem mecanicamente a penetração das raízes das espécies nativas,
diminuindo por competição a oferta de nutrientes (Den Ouden 2000). Além disso, a
samambaia libera substâncias aleloquímicas no solo que podem comprometer o
estabelecimento das plantas lenhosas (Glass 1976, Humphrey & Swaine 1997).
O Cerrado é a maior região de savana nas Américas, ocupando originalmente cerca de
dois milhões de quilômetros quadrados, ou aproximadamente 23% do território brasileiro
(Ratter et al. 1997). A flora do cerrado apresenta dois componentes floristicamente distintos e
antagônicos, o componente herbáceo-subarbustivo e componente arbustivo-arbóreo (Coutinho
1978). A ocorrência de queimadas freqüentes tende a, favorecer o componente herbáceo-
subarbustivo do cerrado em detrimento do componente arbustivo-arbóreo (Coutinho 1990).
Logo, a densidade e a riqueza de espécies arbóreas tende a diminuir com o aumento do regime
das queimadas (Hoffmann 1999, Moreira 2000, Medeiros & Miranda 2005).
O crescimento acentuado de P. aquilinum pode reduzir a diversidade de espécies do
componente arbustivo-arbóreo, tanto por aumentar a freqüência e a intensidade de queimadas,
como por competição direta (Den Ouden 2000). Nós estudamos o efeito da invasão de P.
aquilinum na estrutura e na composição florística de uma comunidade arbórea de cerrado.
Como objetivos específicos, procuramos responder às seguintes perguntas: i) Quais são os
valores de diversidade de espécies, densidade, densidade de espécie e de área basal média nos
sítios amostrados? ii) Esses valores são menores na área com P. aquilinum? iii) Há diferenças
na composição florística entre as áreas?

Materiais e método
Realizamos o estudo em na área de cerrado sensu stricto na Reserva Ecológica do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (RECOR). A RECOR está localizada a cerca de
20 km do centro de Brasília (15º6’41’’ S e 47º53’07’’ W) sua área é de 1300 ha. A altitude
varia entre 1.048 m e 1.100 m. O clima é tipicamente estacional, com uma estação seca (maio
a setembro) e uma chuvosa (outubro-abril) bem definidas. A temperatura média anual e a
precipitação anual são de 22ºC e 1.453 mm respectivamente. O solo predominante é o
Latossolo Vermelho-Amarelo (Pereira et al. 2004).
Estabelecemos 27 parcelas de 25 m2 em uma área invadida por P. aquilinum e em uma
área adjacente sem P. aquilinum. Amostramos todos os indivíduos com DAP ≥ 2 cm. Para
cada área, nós calculamos o índice de Shannon e a média da densidade (número de indivíduos
por parcela), da densidade de espécies (número de espécies por parcela) e da área basal
(Magurran 2004). Testamos se a distribuição dos valores obtidos seguia uma distribuição
normal (Shapiro-Wilk, Zar 1999). Comparamos os valores do índice de Shannon com o teste
de Hutchenson, as densidades com o teste não paramétrico de Mann-Whitney e as áreas basais
médias com o test t (Zar 1999). Procuramos por diferenças florísticas com uma análise de
correspondência, usando o programa MVSP (Kovach Computing Service 2001)

Resultados e Discussão
Nós não encontramos diferenças significativas na estrutura e na composição florística
do componente arbustivo-arbóreo entre a área de cerrado com P. aquilinum e a área controle.
Encontramos no total 46 espécies na área invadida e 48 na área controle. Os valores de
diversidade de Shannon foram 3,436 e 3,418 (t = -0,267, P = 0,789) respectivamente. As
densidades médias da área invadida e controle foram respectivamente de 10,4 ± 3,9 e 9,8 ±
4,9 indivíduos/parcela (Z = 0,623, P = 0,533) e 8,2 ± 2,6 e 7,7 ± 3,5 espécies/parcela (Z =
0,657 , P = 0,511). A área basal média da área invadida e controle foi 239,22 ± 172,65 e
241,08 ± 156,68 cm2/parcela (t = -0,5112, P = 0,307). A sobreposição dos pontos no
diagrama de ordenação indica que as áreas são floristicamente similares (Figura 1). Ao
contrário do que se tem observado em outras partes do mundo (e.g., Den Ouden 2000), a
invasão de P. aquilinum pode não afetar o componente arbustivo-arbóreo do cerrado. Isso
pode estar relacionado à elevada resistência das espécies de cerrado à perturbações em geral
(i.e., ao fogo, à seca e ao solo pobre e tóxico; Gottsberger e Silberbauer-Gottsberger 2006).

Figura 1: Diagrama de ordenação da análise de correspondência para as áreas com P.


aquilinum (□) e controle (¡), da Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, Brasília. Os autovalores da análise de correspondência foram 0.348 e 0.326 para
os dois primeiros eixos, que explicaram 11.70 % da variação dos dados.

Entretanto, o efeito negativo da invasão de P. aquilinum na vegetação de cerrado pode


ocorrer associado a perturbações, como o fogo. Pinheiro et al. (2007) observaram uma
reversão da invasão de P. aquilinum em uma área de cerrado isolada do fogo por 45 anos. De
fato, a elevada produção anual de biomassa seca de P. aquilinum pode aumentar a intensidade
e a freqüência das queimadas em comunidades naturais (Mooney e Hobbs 2000). Portanto, a
invasão de P. aquilinum deve modificar a estrutura e a composição florística do componente
arbustivo-arbóreo em áreas com queimadas freqüentes.
O componente herbáceo-subarbustivo do cerrado deve ser mais vulnerável à invasão
do que o arbustivo-arbóreo. O componente herbáceo-subarbustivo é composto por espécies
pequenas e essencialmente hieliófitas (Coutinho 1978). P. aquilinum apresenta uma alta
produtividade de frondes e de biomassa seca que podem sombrear as espécies de menor altura
(Marrs et al. 2000). Logo, os efeitos da invasão de P. aquilinum podem ser severos para esse
componente.

Conclusões
A invasão de P. aquilinum pode não ser severa o suficiente para modificar a estrutura
e a composição florística do componente arbustivo-arbóreo do cerrado. Estudos futuros
devem investigar os efeitos dessa invasão no componente herbáceo-subarbustivo do cerrado.

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