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Atores e relaçoes sociais em novas fronteiras na

amazõnia. Novo Progresso, Castelo de Sonhos e São


Félix do Xingu
Edna Ramos Castro, Raimunda Monteiro, Carlos Potiara Castro

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Edna Ramos Castro, Raimunda Monteiro, Carlos Potiara Castro. Atores e relaçoes sociais em novas
fronteiras na amazõnia. Novo Progresso, Castelo de Sonhos e São Félix do Xingu. [Research Report]
World Bank Groupe - Banque Mondiale. 2002. �hal-03088601�

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Relatório

Estudo sobre dinâmicas sociais na fronteira, desmatamento e


expansão da pecuária na Amazônia

Trabalho de Consultoria prestado ao Banco Mundial


(Contrato – 23584 e 388135 -, de 18/01/2002)

ATORES E RELAÇOES SOCIAIS EM NOVAS FRONTEIRAS


NA AMAZÕNIA
Novo Progresso, Castelo de Sonhos

e São Félix do Xingu

Edna Ramos Castro (Coord)


Raimunda Monteiro
Carlos Potiara Castro

Belém, julho de 2002

1
SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS E T ABEL;AS
LISTA DE FOTOS

INTRODUÇÃO

CAPITULO I - DINÂMICA DA OCUPAÇÃO NA “PONTA” DO ARCO DO DESMATAMENTO

CAPITULO II – ATORES E RELAÇÕES SOCIAIS EM ANTIGAS E NOVAS FRONTEIRAS:


NOVO PROGRESSO E CASTELO DE SONHOS

1. Movimento no espaço: entre a “fronteira clássica” e a “nova fronteira”


2. Atores e atividade pecuária
3. Atores sociais e produção madeireira
4. Pequenos produtores rurais

CAPITULO III – ATORES NA FRONTEIRA MAIS AVANÇADA DA AMAZÔNIA ORIENTAL:


SÃO FÉLIX DO XINGU E ALTAMIRA

1. Ocupação tradicional, fronteira e migração.


2. O papel estratégico das estradas no avanço da fronteira:
frentes madeireira e pecuária para novas áreas
3. Terra, migração e mercado de terras
4. Fazendeiros e avanço da pecuária para a “região” do Iriri e a Terra do Meio
5. Atividade madeireira, extração do mogno e avanço da fronteira
6. Pequena produção familiar, assentamentos rurais e conflitos

CAPITULO IV - SÍNTESE DE PRINCIPAIS QUSTÕES E RECOMENDAÇOES

BIBLIOGRAFIA

CADERNO DE FOTOS

ANEXOS

2
LISTA DE SIGLAS

BASA – Banco da Amazônia


CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
CS – Castelo dos Sonhos
EEUU -
FAEPA – Federação de Produtores Agropecuários do Estado do Para
FNO – Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais
MMA – Ministério do Meio Ambiente
NP –Novo Progresso
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
SFX – São Felix do Xingu
STR -

3
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Evolução Percentual da Pecuária nas Mesoregiões do Pará - anos 1990, 1995 e
1999.
Figura 2: Evolução do efetivo do rebanho da pecuária paraense, 1990-2000.
Figura 3: Sucessão do Uso da Terra por Atividade em Novo Progresso e Castelo de Sonhos
dos anos 70 a 2000.
Figura 4: Relação entre grilagem e atividades econômicas
Figura 5: Atividades Madeireiras e Relações com Atores Sociais
Figura 6: Trajetória de Empresas/Empresários da Madeira
Figura 7: Colonos sitiantes e brasiguaios
Figura 8: Migrantes dos garimpos (mão -de-obra errante)
Figura 9: Padrão de Assentamentos em Castelo de Sonhos e Novo Progresso
Figura 10: Sucessão na posse da terra e assentamentos
Figura 11: Área dos L otes em Licitação
Figura 12: Área dos Lotes Excluídos de Licitação
Figura 13: Distribuição por tamanho dos lotes do PA São José (Município São Félix do Xingu -
PA)
Figura 14: Cadeia de extração e comércio do jaborandi
Figura 15: Compradores potenciais de terras em São Félix do Xingu
Figura16 : Grilagem de terras
Figura 17: Sucessão da ocupação
Figura 18: Avanço da fronteira dos anos 1970 a 2002
Figura 19: Nova Técnica de Desmatamento
Figura 20: Cadeia Produtiva da Pecuária de Corte e Reprodutores
Figura 21: Cadeia Produtiva do Gado Leiteiro
Figura 22: Cadeia Produtiva de Laticinios
Figura 23: Atividade Madeireira e relações estabelecidas com outros segmentos na fronteira de
SFX.
Figura 24: Na região do Iriri, foram identificadas as seguintes estratégias
Figura 25: Quadro de atores envolvidos na cadeia de produção da madeira em SFX
Figura 26: Trajetórias de projetos Tucumã
Figura 27: Ganhos de fazendeiros e perdas ambientais
Figura 28: O sistema de grilagem
Figura 29: Relação entre atores no comércio de terras

4
LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Arco do Desmatamento


Mapa 2: Municípios que mais desmatam em Mato Grosso, Pará e Rondônia
Mapa 3: Movimento de Expansão das Frentes Madeireira e Pecuária e do
desmatamento na Amazônia
Mapa 4: Espaços e diferenciação das relações sociais da Br-163
Mapa 5: Planta de situação
Mapa 6: Terra do Meio

5
LISTA DE QUADROS E TABELAS

Tabelas:
Tabela 1 : Efetivo da pecuária segundo as mesoregiões do Estado do Pará, 1990/1999
Tabela 2 : Área dos Lotes em Licitação
Tabela 3 : Área dos Lotes Excluídos de Licitação
Tabela 4 : Distribuição por tamanho dos lotes do PA São José
Tabela 5 : Vilas e povoados na direção do Iriri
Tabela 6: Crescimento Populacional de Microrregiões do Pará (População Total Residente) -
1970 – 1996
Tabela 7 : Técnicas utilizadas anteriormente
Tabela 8 : Liberação de FNO em São Félix do Xingu-PA

Quadros:
Quadro 1: Relação de empresas madeireiras nos municípios de novo progresso, itaituba e
altamira - março/2002
Quadro 2 : Listagem de empresas madeireiras “fantasmas” autuadas pelo ibama por
ilegalidade, em novo progresso, moraes de almeida, trairão, itaituba, placas e
alvorada. (março/2002)
Quadro 3 : Principais Projetos de Assentamentos identificados
Quadro 4 : Ciclos da economia em São Félix do Xingu – 1970-2001
Quadro 5 :Assentamento de Pequenos Produtores Rurais em SFX
Quadro 6 :Sistema de produção familiar

6
RELAÇÃO DE FOTOS
1 Travessia de balsa no rio Tapajós (cidade de Itaituba)
1. Placa do Programa Brasil em Ação – projeto asfaltamento da Br-163
2. Trecho da Br-163
3. Situação da Br-163 e trecho com atolamento
4. Pasto com gado na Br-163
5. Relevo à margem da Br-163 em área de pastagem
6. Vila Moraes de Almeida
7. Pátio de uma madeireira em Moraes de Almeida
8. Transporte de madeira em carreta
9. Toras de madeira no pátio de uma empresa em Novo Progresso
10. Fábrica de laminados em Novo Progresso
11. Fábrica de pranchas e compensados em Castelo de Sonhos
12. Entrevista em madeireira de Novo Progresso
13. Prédio da Prefeitura Municipal de Novo progresso
14. Reunião de trabalho com empresários em Castelo de Sonhos
15. Reunião com pequenos produtores rurais em Castelo de Sonhos 1
16. Reunião com pequenos produtores rurais em Castelo de Sonhos 2
17. Reunião com pequenos produtores rurais em Trairão
18. Reunião com pequenos e médios trabalhadores rurais no km 30 da Br-163
19. Rodoviária na cidade Tucumã
20. Rodoviária em São Félix do Xingu
21. Placa de venda de terras na estrada do Iriri
22. Cartazes no interior de uma casa em Pium
23. Manifestação pública em prol da campanha “Asfalto Já”.
24. Anúncio de ônibus no porto da balsa em São Félix do Xingu
25. Porto em São Félix do Xingu
26. Caminhão com toras trafegando em SFX
27. Vista aérea entre SFX e Tucumã 1
28. Vista aérea entre São Félix do Xingu e Tucumã 2
29. Vista aérea na serra do Carajás
30. Vista aérea de fazendas no município de Marabá
31. Abastecimento de leite na produção de queijo
32. Mecanismo de mistura mecânica de leite
33. Colocação de queijo em formas para resfriamento
34. Corte padronizado de queijo
35. Empilhamento de dois tipos de queijo
36. Armazenamento de queijo antes de enviar à embalagem
37. Passagem de gado na Estrada das Fazendas
38. Deslocamento de gado entre fazendas
39. Paisagem de castanheira em área desmatada
40. Paisagem de uma fazenda na estrada do Iriri
41. Paisagem comum de fazenda na Estrada das Fazendas
42. Marca do Boi Verde
43. Por-de-sol no Xingu
44. Porto da Balsa em SFX
45. Castanheira solitária
46. Castanheiras
47. Lago oriundo da mineração de cassiterita – Taboca
48. Propriedade de pequeno produtor em Taboca
49. Pintura na parede de uma casa em Tucumã
50. Casa padrão da Mineradora Taboca
51. Comércio de produtos da pecuária em SFX
52. Por-do-sol no Xingu – AI Kayapo
53. Plantação de banana no PA São José
54. Plantação de cedro em Trairão

7
INTRODUÇÃO

A Amazônia brasileira recobre uma área de 6 milhões de km2 e corresponde a 61% do


território do país. Do início da colonização até o ano de 1978, os desmatamentos tinham
atingido cerca de 15,3 milhões de hectares da floresta amazônica. As taxas de desmatamento
aumentaram, mas com os desdobramentos dos programas desenvolvimentistas, a
intensificação de investimentos em setores produtivos demandantes de recursos florestais e de
terra, como é o caso da madeira e da pecuária, acompanhados da migração e da pequena
produção agrícola. Assim, de 1978 a 1988, a região passa a ter uma área desmatada de 37,8
milhões de hectares, correspondendo a 19% do território. Em 1990, estava com 41, 5 milhões
de hectares e atualmente, a cada ano, segundo dados oficiais, são devastados em torno de 2
milhões de hectares. Os dados de 1999 mostram que aquele montante atinge a 13,9% do
bioma Amazônia 1.

O movimento do arco do desmatamento continua, seguindo em direção a áreas ainda


preservadas. Apesar do esforço e de políticas praticadas pelo Estado, por ONGs e certos
atores sociais, apesar de discursos ambientalistas e de regulamentações e ações
fiscalizadoras, a tendência mostra a continuidade acelerada daquele movimento. O interesse
pela pecuária aumenta e seu crescimento tem sido pouco explicado do ponto de vista da ação
das estratégias de pequenos, médios e grandes empreendedores.

Inúmeros trabalhos de pesquisa têm trazido contribuições ao entendimento sobre as


causas principais do desmatamento na Amazônia 2. Tem ficado, porém, uma lacuna quanto à
precisão sobre os atores sociais presentes na fronteira, o papel que desempenham, as
relações entre eles e as macro-dinâmicas que têm conduzido ao avanço indiscriminado da
perda de cobertura florestal. Esta pesquisa procura justamente trazer contribuições sobre a
dinâmica entre atores sociais em “novas fronteiras” de ocupação. Em última análise, a questão

1
Para uma discussão crítica sobre as medidas utilizadas para avaliar o desmatamento na Amazônia –
dados do INPE e IBAMA – ver Relatório de Pablo Pachedo, dessa pesquisa. 1 Para consulta ver o site
da Prefeitura Municipal www.pmsfx.pa.gov.br, que contém informações sobre o Sindicato de Produtores
Rurais de SFX.
2
Ver a bibliografia que trata de teorias sobre dinâmica de relações sociais e a constituição de sujeitos,
individuais e coletivos. Idem sobre a relação entre imaginário social, subjetividades e ação de atores e
suas estratégias de mobilidade social.

1
que está no ar é saber se, efetivamente, a floresta sobreviverá à intensificação de atividades
como a exploração de madeira, a pecuária e a agricultura de pequena ou de larga escalas, a
partir de duas áreas de estudo que se situam na ponta do Arco do Desmatamento, no Estado
do Pará, que são:

1. Novo Progresso e Castelo de Sonhos na Rodovia Br-163 (Cuiabá-Santarém),


municípios de Novo Progresso e Altamira, respectivamente;
2. São Félix do Xingu, tomando o município e mais as áreas de fronteira em direção ao
rio Iriri e à Terra do Meio3.

Este Relatório circunscreve -se portando aos atores so ciais e às dinâmicas do


desmatamento na Amazônia, tomando como referências essas duas áreas, na medida que nos
parecem bem representativas nos processos atuais de penetração de frentes pioneiras sobre
as áreas ainda com cobertura florestal mais preservada.

Na primeira área de estudo, percorremos de carro a estrada Br-163 desde Itaituba, com
paradas para fazer entrevistas e reuniões, nas seguintes localidades: Km. 30 (cruzamento da
Br. 163 com a Transamazônica), Cupari (km. 75 da Transmazônica), Trairão (município de
Trairão), Moraes Almeida, Novo Progresso (município de Novo Progresso) e Castelo de
Sonhos (município de Altamira). A viagem estendeu-se até a Serra do Cachimbo.
Consideramos importante compreender melhor as macro dinâmicas, razão de ter ampliado a
extensão territorial da pesquisa de campo, embora esta tenha se concentrado em Trairão,
Novo Progresso e Castelo de Sonhos.

A segunda área de estudo foi o município de São Félix do Xingu, de onde, segundo
informações obtidas antes da pesquisa, partiam as frentes de expansão da madeira e da
pecuária na direção às terras do Iriri e à Terra do Meio, atravessando o município de Altamira
em direção à Rodovia Cuiabá-Santarém. O trajeto foi feito por avião até São Félix do
Xingu/SFX, e retorno por estrada para os municípios de Tucumã e Ourilândia. O trabalho de
campo concentrou-se nas cidades de SFX, Tucumã e Ourilândia e nas áreas rurais com
fazendas e pequenos produtores familiares, nas Estradas do Iriri e do Sudoeste.

O objetivo central da pesquisa foi o de entender as ações e as estratégias sociais dos


atores que estão presentes nessas fronteiras, em especial sua relação com o território, as
estratégias de apropriação de recursos naturais e a sucessão de atores sociais na ocupação
da terra. Os atores principais identificados nessa área foram os grandes e médios empresários

3
Região compreendida entre o rio Xingu a leste, estado do Mato Grosso ao sul, Br-163 a oeste e a Br-
130 ao norte.

2
da madeira e da pecuária e os pequenos produtores rurais, estes em muitos casos associando
a agricultura com a pecuária. Consideramos que tal noção de território, com enfoque na
dinâmica de atores foi importante no entendimento das dinâmicas econômicas e sociais das
áreas estudadas. O território é aqui considerado como um espaço de relações dinâmicas, pois
alterado a cada momento pela atualização dos interesses entre indivíduos que ali se encontram
e os grupos que chegam, mediados evidentemente pelas conjunturais econômicas e políticas,
locais e nacionais. Este enfoque privilegia a compreensão das percepções que têm esses
atores sobre seus interesses, sobre o papel que consideram desempenhar em áreas da
fronteira, sobre a apropriação do território (terra e recursos naturais), e, sobretudo, como
expressam a sua racionalidade face à organização da produção 4.

A pesquisa procurou analisar como esses atores estabelecem alianças entre si, o que
pensam sobre a floresta e seus recursos, e finalmente, quais os padrões mais correntes de
apropriação da terra. Em especial foi dada atenção para os tipos de atores que se movem no
processo de ocupação dessas áreas de estudo, escolhidas por estarem na “zona” considerada
a partir dos dados oficiais do INPE e do IBAMA sobre desmatamento, na “ponta” do Arco do
Desmatamento. Esperamos que ao explicitar em especial os padrões de ação dos atores
sociais e as formas de apropriação e sucessão na terra, posamos trazer contribuições ao
entendimento da expansão da pecuária na região, e sua relação com o desmatamento.

A pesquisa também concedeu relevância ao Estado, considerando-o como ator, pois as


dinâmicas de ocupação determinantes no desmatamento estão organicamente vinculadas às
políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. Da mesma forma, as práticas
administrativas dos órgãos executivos confluem para o agravamento do quadro social - com
tensões e conflitos violentos em torno da terra que vem se arrastando desde ao anos 70 - e
ambiental, com o avanço das frentes de devastação da floresta com impactos sobre os cursos
d´água

4
Ver Maurice Godelier, L’idéel et lê Matériel. Pensée, Économies et Societés. Paris: Fayard, 1984..

3
CAPITULO I
DINÂMICA DA OCUPAÇÃO NA “PONTA”

DO ARCO DO DESMATAMENTO

O tema sobre a dinâmica dos atores sociais no avanço da fro nteira e da incorporação
de novos territórios à economia e à sociedade, tem atraído a atenção de estudiosos,
pesquisadores e tomadores de decisão. Examinado sob ângulos diferentes o conceito de
fronteira tem se mostrado relevante para o entendimento de processos econômicos, políticos e
sociais que envolvem múltiplos atores e interesses em conflito nas novas áreas incorporadas a
uma economia de mercado (Castro: 1989). As análises feitas com base na realidade
amazônica dessas últimas quatro décadas têm sido bastante reveladoras não somente de sua
dinâmica interna, mas também de movimentos que conformam outros processos mais gerais
que envolvem atores agindo no cenário nacional. Certamente parte importante dessa literatura
concentrou-se a analisar a questão enquanto “fronteira agrícola” e frentes de expansão (Velho:
1976; Martins: 1972) ou enquadrando o debate numa perspectiva que procurar integrar a
“variedade de casos concretos que a história brasileira apresenta em um marco mais geral da
dinâmica espacial – econômica, política, social e demográfica – do desenvolvimento do Brasil”
(Sawyer, 1982).

Desde os anos 60 e em especial a partir da construção da Belém-Brasília, a política que


norteou o avanço da fronteira econômica na Amazônia estruturou-se de forma a permitir a
integração do mercado nacional e as estruturas produtivas de acumulação do capital. Foi com
mecanismos como os incentivos fiscais que o Estado procurou atrair capital e empreendedores
de diversos setores da economia que se deslocam para o norte do pais. Para os grupos que
migraram em direção a essa mesma fronteira, enquanto colonos, sem ou com poucos recursos,
atraídos por uma política de integração, o apoio do Estado foi reduzido5. As narrativas sobre
essa saga dos migrantes compõem capítulos da história, para uns gloriosa, para outros trágica,
do que representou a ocupação e, sobretudo, a permanência nesse território.

5
Analisando fatores como a situação fundiária da região de fronteira, observa-se que os esforços do
Estado em apoiar os assentamentos de colonização dirigida, nunca foram acompanhados da
conseqüente regularização fundiária. Mesmo trabalhando por trinta anos nessas terras, os colonos
continuam nas “terras da União”. Com a nova onda de ocupação das terras que incide sobre essas
áreas, percebe-se que os grandes proprietários que procuram adquirir essas terras, é que estariam
predestinados a possuí-las, dentro da política oficial e não oficializada.

4
O movimento de expansão de fronteira fortalecido nos anos 70 com os programas
governamentais, que consolidaram a colonização na s margens dos grandes eixos rodoviários,
abriu espaços à reprodução da pequena produção familiar e de sua constituição como ator
social que irá definir, em larga escala a dinâmica política na atualidade de certas áreas como a
Transamazônica. No entanto a modalidade padrão de apropriação da terra logo será definida
pela presença de novos atores que se sucedem na terra, que seriam os fazendeiros
capitalizados, os grandes empreendimentos minerais, os projetos de energia, da madeira, que
se contrapõem pela própria lógica de funcionamento, a lógica da pequena produção.

Os planos recentes de governo têm sido fundamentais para ampliar o desenho da


integração do Brasil com os países limítrofes. A orientação observada na política nacional é a
de traçar medidas que reforcem a integração de mercados com os países que se alinham nas
amplas fronteiras da região amazônica, sob a liderança pretendida do Brasil. Essa dinâmica do
jogo político equaciona, a nosso ver, de outra forma, o lugar da Amazônia na atual geopolítica,
como estratégia nacional. É possível que se esteja inclusive em face de uma revisão da noção
de fronteira, não mais somente como espaço de (re)conquista e ocupação de atores
econômicos e sociais, de novos usos dados aos recursos naturais, mas como uma fronteira
cujo papel político é redefinido pela sua capacidade de potencializar a integração de mercados
para além dos limites nacionais, substituindo a noção de mercados protegidos, valorizada no
discurso nacionalista. Enfim, a ação do Estado se efetiva por meio de processos econômicos,
reais ou virtuais, como estratégia fundamental de presença ativa em mercados além-fronteira.
E a Amazônia, pela singularidade de ter oito países como vizinhos, representa um trunfo a ser
mais bem apropriado no novo rearranjo geopolítico.

MAPA 1: Arco do Desmatamento

Fonte: INPE 2002

5
Os estados que tiveram mais aplicação de políticas desenvolvimentistas desde os anos
70, com programas de colonização, abertura de estradas e incentivos fiscais direcionados à
pecuária, mineração e exploração madeireiras são inevitavelmente os que hoje tem uma
cobertura florestal mais reduzida. Isso é válido para o Pará, Maranhão, Rondônia e Mato
Grosso. O atual perfil do desmatamento por município pode ser visualizado, em síntese, no
mapa a seguir:

Mapa 2: Municípios que mais desmatam em Mato Grosso, Pará e Rondônia.

Fonte: INPE 2002

6
A análise sobre "novas fronteiras" nos leva a perceber que há uma retomada do impulso
e do interesse econômico sobre o território ainda não privatizado, por diversos atores, como
mostramos neste relatório. As frentes que vem de São Félix do Xingu encontra-se com essa
que se expande pela Cuiabá -Santarém.

O mercado de terras se aquece e a madeira torna-se o motivo, justificado por todos


(pequenos, médios e grandes) de uma retomada do crescimento econômico em áreas
projetadas para expansão da pecuária e do plantio de grãos em larga escala.

A expansão dessas frentes para São Félix do Xingu é resultante da ocupação massiva
verificada nos anos 70 em Marabá, abrindo um círculo nas áreas novas do sul e sudeste do
Pará, onde hoje se encontram municípios como Xinguara e Redenção. Os grupos
predominantemente formados por goianos, min eiros e tocantinos representam as frentes dos
anos 80, interessadas nas atividades de madeira, especificamente exploração do mogno, e da
pecuária.

A sucessão da ocupação da terra precisa considerar inicialmente a presença centenária


nessa região, de um campesinato tradicional cuja terra e seus recursos concebidos como de
uso comum, estava fundada em sistemas agroflorestais, nos quais incluía-se a coleta de
castanha e de seringa. Os primeiros impactos das frentes de expansão incidiram foram esses
grupos, empurrados mais para frente (na mata) ou para as cidades6. Em síntese pode -se
observar a seguinte sucessão na terra, com a observação que em algumas situações não há
uma demarcação nítida do tempo de chegada entre um e outro ator social.

1. Campesinato tradicional – presença secular.


2. A partir de 1980 (?) iniciou uma apropriação da terra por grandes empresas de
mineração de cassiterita (Taboca, Canopos etc..), seguida de fazendeiros, e pequenos
produtores rurais que chegavam para trabalhar nas mineradoras, nos garimpos, na
coleta de jaborandi e no desmatamento de fazendas. Frente madeireira formada por
grandes empresários do mogno, associados a empresas estrangeiras de importação
que abrem as terras para as fazendas.
3. Nova frente de fazendeiros grandes e médios que ocupam as terras de SFX e passam a
coordenar a expansão da fronteira em direção do rio Iriri. Essa frente fortaleceu -se pela
associação com a frente formada pelos madeireiros do mogno.

6
Os índios, esses realmente os primeiros chegados, ainda permanecem nas terras sob garantia legal.

7
O pecuarista chegou ao mesmo tempo que as empresas de mineração de cassiterita e
o garimpo de ouro, com a chegada de novos grupos atraídos pela exploração da folha de
jaborandi. Atividades que atraíram identicamente levas de migrantes que vinham do mundo
rural de outras regiões do país, ou oriundos das frentes de grandes obras do Pará (Tucuruí,
Projeto Ferro Carajás etc.), para o trabalho extrativo ou como peões para as atividades de
desmate nas fazendas. O ciclo da exploração do mogno, em meados dos anos 90, e com o
esgotamento das reservas nas proximidades da PA 279 e nas margens dos rios Fresco e
Xingu, próximo à cidade de SFX, acaba por orientar a entrada de grupos para as novas áreas
de ocupação, na direção do rio Iriri.

O avanço da fronteira para o oeste do Xingu já é uma realidade desde o início dos anos
90, alimentada por grupos que chegam de Mato Grosso, subindo pela Cuiabá-Santarém e dela
repassando através de estradas não oficiais ou reconhecidas como estradas pelos poderes
municipais ou estaduais, comunicando com as áreas novas do município de São Félix do
Xingu, atravessando a região do Iriri. Informações dão conta de que carretas com placa de
Mato Grosso estariam atravessando o rio Fresco, na cidade de São Félix, o que confirma a
trafegabilidade das estradas construídas por madeireiros e fazendeiros, ainda não identificadas
ou reconhecidas pelo poder público.Outro morador de São Félix do Xingu informa ser possível
chegar à Rodovia Cuiabá -Santarém, e, de lá, dirigir-se para Mato Grosso, trafegando pela
estrada do Iriri, e depois do último ponto do Iriri fazer cerca de 1.000km para sair na altura do
povoado de Moraes de Almeida ou abaixo da cidade de Castelo de Sonhos, neste caso,
atravessando as terras dos índios.

É voz comum a afirmação de que são os fazendeiros que mais “derrubam” no Xingu. Os
estoques de semente para o pasto são em escalas surpreendentes, se comparados aos
mesmos processos em outras regiões do Pará na esteira da ocupação pelas fazendas. “Os
fazendeiros derrubam de forma escandalosa. O IBAMA só se preocupa com os madeireiros,
mas estes têm um papel diferente no processo de desmatamento, com a abertura de estradas.
É um escândalo o que fazem os fazendeiros, pois não fica nada sobre a terra, nem árvores e
nem bichos. Os fazendeiros derrubam sem pena e ninguém se preocupa em barrar esse
processo”, é como se expressa uma moradora e liderança local em São Félix do Xingu.
Continua dizendo que os “skyders vão derrubando e abrindo as estradas com motoserras e
com correntão, deixando na sua passagem a devastação”7.

7
Pesquisa de campo, em abril de 2002.

8
O preço da terra é certamente o motivo maior da vinda crescente de pessoas
capitalizadas para adquirir terras em SFX, reputadas por todos como de excelente qualidade,
“terra roxa”, e propícia para a pecuária e a agricultura. A grilagem, porém, é um processo
fundamental da alta rentabilidade da s fazendas, aliada a outros processos clandestinos de
apropriação ilícita de recursos, como mostra a farta documentação jornalística a propósito da
extração e venda desenfreada de mogno nessa região 8, nos últimos três anos. E o fazendeiro
em SFX é o ator p rincipal desse processo garantido, na maior parte das vezes, por pistoleiros
que barram a entrada nas áreas griladas, e asseguram o trabalho de desmatamento e
constituição montagem de pasto. Esses processos não são novos, bem sabemos, mas são
reatualizados em cada nova fronteira aberta à pecuária na Amazônia.

Mapa 3 – Movimento de Expansão das Frentes Madeireira e Pecuária e do desmatamento


na Amazônia

Fonte: LAENA – NAEA/UFPA 2002

8
Sobre o assunto ver o editorial do Jornal Folha de São Paulo (15/10 e 27/ 11 de 2002).

9
Momentos significativos do avanço da economia mundial constituem-se com base na
exploração de recursos naturais e na busca incessante de novas tecnologias para apropriação
da natureza. Essa assertiva é importante ara se entender os processos de avanço sobre as
novas terras na Amazônia e porque e co mo interferem, junto com variáveis endógenas, no
aceleramento atual desse movimento. Padrões tecnológicos e fronteira de recursos tem sido,
de forma mais ou menos explícita, relacionados por autores clássicos às explicações sobre
novos ciclos de acumulação de capital, o que certamente não é o caso. Mas vai ao encontro,
se considerarmos a perspectiva de uma economia globalizada que vive momentos de inflexão
de mercado, de uma concepção de valor atribuída não mais aos recursos naturais
convencionais, mas à própria natureza, enquanto laboratório para descoberta de novas fontes
de energia, novas mercadorias. Contraditoriamente, porém ao debate sobre a valorização da
biodiversidade com fins a orientar pesquisas e aplicações sobre materiais e produtos
estratégicos fundamentais para alimentar novos ciclos industriais. Isso porque o desmatamento
acaba deixando à margem as possibilidades de valoração da natureza que permita um
aproveitamento de suas riquezas dadas pela biodiversidade. O corte raso da floresta, a
poluição e o ressecamento de cursos d´água, além de perda da abundante fauna, vão na
contramão do que posa pensar, para o futuro, como um novo projeto de modernidade e
civilização.

O território é o espaço sobre o qual um certo grupo garante aos seus membros direitos
estáveis de acesso, de uso e de controle sobre os recursos e sua disponibilidade no tempo.
Como diz Godelier, o território reivindicado por dada sociedade constitui o conjunto de recursos
que ela deseja e se sente capaz de explorar sob condições tecnológicas dadas (1984). Mas
todas as atividades produtivas contém e combinam formas materiais e simbólicas com as
quais os grupos humanos agem sobre o território. O trabalho que recria continuamente essas
relações reúne esses aspectos visíveis, tangíveis e simbólicos. Daí porque o trabalho está
longe de ser uma realidade simplesmente econômica. Nas sociedades ditas “tradicionais”, no
seio da pequena produção agro -extrativista, o trabalho é representado por um caráter único, ou
seja, reunindo nos elementos técnicos e de gestão, o mágico, o ritual, enfim, o simbólico.
Inúmeros estudos desenvolvidos pela ecologia e a etnoecologia sobre os ameríndios têm
mostrado nas últimas décadas a diversidade e a extensão dos saberes e das técnicas
desenvolvidas para apropriar-se de recursos do meio ambiente e adaptá -lo a suas
necessidades (W. Balée, 1994, citado por P. Descola). Essa adaptação a um meio ecológico
de alta complexidade realiza-se graças aos saberes acumulados sobre o território e as
diferentes formas pelas qu ais o trabalho é realizado, que depende da mobilização e do domínio
de técnicas: de caça, de pesca, de plantio, de identificação na mata de recursos que alimentam

10
seu sistema de preservação da saúde, de curas, de manejo de espécies, de defesa dos
membros do grupo, etc.

Nas regiões estudadas – Novo Progresso e Castelo de Sonhos e São Félix do Xingu -,
vivem inúmeras etnias indígenas. É uma das regiões da Amazônia com maior diversidade
cultural, e com saberes sobre esses ecossistemas que estão sendo eliminad os,
paulatinamente, com a floresta e a complexidade de seus ecossistemas. As atividades
extrativistas – seringa, castanha, frutas e raízes, plantas medicinais, entre outras -, perdem-se
com o avanço do desmatamento. Restringem-se apenas às terras indígenas e poucas áreas
para onde as frentes de expansão ainda não alcançaram, como veremos mais detalhadamente
nos capítulos que seguem.

11
CAPITULO II
ATORES E RELAÇÕES SOCIAIS EM ANTIGAS E NOVAS
FRONTEIRAS: NOVO PROGRESSO E CASTELO DE SONHOS

1. MOVIMENTO NO ESPAÇO: ENTRE A “FRONTEIRA CLÁSSICA” E A


“NOVA FRONTEIRA” 9.

A pesquisa pode constatar os movimentos mais gerais que traduzem as macro -


dinâmicas dessa área de estudo. Uma primeira percepção sobre a dinâmica social em Novo
Progresso e Castelo de Sonhos foi de uma divisão no qual se configuram três espaços
organizados a partir de influências econômicas, políticas e sociais demarcadas pela presença
em pólos como Itaituba/Santarém e Sinop/Cuiabá.

O primeiro tem mais o caráter de uma “fronteira clássica”, com um padrão que vem se
consolidando em diferentes sub-espaços regionais. Ela está orientada para Itaituba e
Santarém, marcada pela presença dos programas governamentais de colonização e de
assentamento de estruturas da pequena produção familiar, ainda que a grande empresa
pecuária e a madeira tenham lugar destacado. O segundo e uma área determinada pelas
relações com Mato Grosso. Poderíamos dizer que ainda é a fronteira do Mato Grosso, com
seus atores, estratégias e interesses que orienta a dinâmica dessa reg ião paraense. A
influência de Sinop, cidade madeireira no norte do MT, é relevante, como também a capital,
Cuiabá. Essa influência vai aproximadamente até Moraes Almeida, vila madeireiras acima de
Novo Progresso, na direção norte. Esses dois movimentos ma cro precisam ser levados em
conta para o entendimento das dinâmicas entre atores e do avanço do desmatamento na
região. O terceiro espaço corresponde a uma área de “transição”, ou melhor, onde é mais
marcante o encontro dessas duas polarizações de influências. O Mapa 3 mostra como
percebemos esses diferentes espaços.

9
Essa denominação da dinâmica espacial em “Fronteira clássica” e “Fronteira Nova” é utilizada aqui com
reservas, portanto uma caracterização provisória uma vez que o tratamento conceitual será objeto do
relatório final. Está sendo utilizado neste relatório mais no sentido de explicitar diferenças nos padrões
de relações sociais e de dominação entre atores e, em conseqüência, o jogo de influências dessa
conjuntura sobre as ações e estratégias de atores.

12
Mapa 4 – Espaços e diferenciação das relações sociais da Br-163

FONTE: LAENA – NAEA/UFPA 2002

13
1. 1. Avanço da fronteira e cobertura florestal

Essa região é ainda bastante preservada , e certamente contribuiu para isso a situação
de quase intrafegabilidade da Br-163, por quase 10 anos, como é recorrentemente citado pelos
atores ali localizados.

Tanto em Novo Progresso quanto em Castelo de Sonhos as atividades principais são a


pecuária e a madeira. Em última análise os interesse que movem as estratégias desses atores
são de estabilizar-se com a atividade pecuária, por a considerarem mais rentável e seguro
como investimento, tendo a modalidade extensiva como referência. Para Schubert, Presidente
da Federação de Produtores Agropecuários do Estado do Para/FAEPA, os madeireiros são
aqueles que têm na sua perspectiva o deslocamento e o desbravamento de novas fronteiras
com reservas de madeira. Os pecuaristas teriam a perspectiva de fixar-se na terra.

São mais presentes na região as ações de desmatamento na forma de corte raso . A


pavimentação prevista no Programa Avança Brasil já começa a gerar impactos percebíveis de
forma clara no aquecimento do mercado de terras e na aceleração da expansão das atividades
de exploração da madeira e no processo de pecuarização. Processos esses que respondem à
dinamização da economia regional e de regiões receptoras de suas matérias-primas ou
produtos semi-industrializados, mas com os mesmos impactos ambientais de momentos
anteriores da integração de mercados, uma vez que as mudanças verificadas no campo das
políticas públicas e da sociedade não são suficientes à elaboração de um novo modelo de
desenvolvimento.

1. 2. Mercado de terras

O interesse pela compra de terras domina o cenário da Cuiabá-Santarém, desde Trairão


até Castelo de Sonhos. Fomos informados por pequenos produtores familiares sobre a procura
freqüente de pessoas interessadas na compra de suas terras. Essa procura está vindo de
produtores chegados de Mato Grosso e que desejam montar médios estabelecimentos ou
comprar terras para valorização e especulação. Mas verifica-se também um forte movimento de
expansão de fazendas com a chegada de grandes grupos, pecuaristas e madeireiros, como o
Comanjal, o Aprogin, o Rui Vilar, o Grupo Osmar Ferreira, o Grupo Tigrão (este tem sua

14
serraria estabelecida na vila Moraes Almeida - 20 km de cada lado da Br. 163) e o Grupo Vilela,
de Cascavel (PR) conhecido pelas grandes extensões de sua propriedade.10

1.3. Intensificação de fluxos de migração de trabalho

Outra constatação preliminar é que há um novo movimento configurado como “migração


de trabalho ” que começa a se esboçar de forma mais explícita. Os dados sugerem uma
tendência a processos já observados em áreas do noroeste do Maranhão e sudeste do Pará,
concentrados em Açailândia e Marabá, por exemplo, atraídos pelas atividades industrias de
serrarias e de projetos de ferro-gusa (Castro: 1993; 1995). O fluxo se pessoas que chegam em
busca de emprego, originários de áreas onde a atividade madeireira entrou em decadência no
Mato Grosso, seguindo o deslocamento das empresas, é bem evidente. Obtivemos
informações e que todos os dias estão chegando pessoas ou grupos familiares. Pelo menos
um ônibus por mês chega em Castelo de Sonhos com migrantes de uma mesma localidade,
originários do Mato Grosso. Migrantes, portanto de etapas anteriores de um mesmo processo
que é o avanço de fronteiras econômicas.

Também se somam a esses, grupos de famílias de pequenos produtores, assentados


pelo INCRA no Mato Grosso, mas insatisfeitos com as condições de solos e as oportunidades
nessas áreas mais estagnadas para a pequena produção. Outros, capitalizados, atraídos pela
quantidade e preço baixo da terra, vêm se estabelecer em Castelo de Sonhos e Novo
Progresso, porém interessados na pecuária.

2. ATORES E ATIVIDAD E PECUÁRIA

As informações sobre expansão da pecuária no Pará revelam um processo de rápido


crescimento do rebanho e das áreas de pasto, porém concentrados em algumas regiões que
são o sudeste e o sudoeste do estado. Segundo Cordeiro (2002) trata -se de uma “evolução
persistente e contínua”, e com incremento efetivo de taxa de abate que saltou de 12,3% em
1995 para 15,6% em 2000. Os dados chamam atenção também para a participação declinante
das áreas tradicionais. A tabela abaixo revela essas tendências de expansão.

10
Na seção Classificados do Jornal “O Liberal” encontramos o seguinte anúncio “Edmilson Varela vende
área de terras em Altamira, 251 mil há totalmente documentada, sendo R$10,00 por hectare, excelente
oportunidade. Tratar: 228 3663/9145 7223. Belém, 14/4/2002, pág. 9

15
Tabela 1: Efetivo da pecuária segundo as mesoregiões do Estado do Pará, 1990/1999

Ano de 1990 Ano de 1995 Ano de 1999


Mesoregiões e
microregiões
Efetivo % Efetivo % Efetivo %
Estado do Pará 6.360.867 100,00 8.310.829 100,00 8.741.256 100,00
Baixo Amazonas 502.496 7,90 691.198 8,32 429.490 4,91
Óbidos 178.777 2,81 252.800 3,04 233.856 2,68
Marajó 604.042 9,50 600.911 7,23 384.488 4,40
Metropolitana Belém 70.538 1,11 95.658 1,15 73.118 0,84
Nordeste Paraense 656.566 10,32 797.454 9,60 796.175 9,11
Sudoeste Paraense 545.541 8,58 940.008 11,31 879.782 10,06
Sudeste Paraense 3.802.907 59,79 4.932.800 59,35 5.944.347 68,00
Fonte: IBGE (1997,1990/1999). Ajustes de estimativa do autor. In: Santana, A Cordeiro de –
Configuração e Competitividade do Cluster da Madeira Serrada e Artefatos do Estado do Pará, Belém,
Unama, 2002.

A somatória do efetivo da pecuária alcança, nas estimativas de 1999, o total de 78,06%,


ou seja, 6.824.129 cabeças. As grandes concentrações localizam-se nas mesoregiões sudeste
e sudoeste, justamente as áreas de expansão da fronteira nos anos 70 e 80 e que constituíram
fortes fluxos de pessoa s ou grupos econômicos vindos de diversos estados da União, com ou
sem tradição pecuária – em especial Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e
Goiás – para investir tanto na pecuária quanto na madeira, no comércio, no garimpo, no
mercado de terras ou em outras atividades. A pecuária, no entanto acabou por se tornar a
atividade principal. A percepção dessas regiões através de vôos em pequenos aviões registra
as imensas extensões de terra com pasto, nem sempre ocupadas por rebanho. Ou ainda áreas
enormes com o solo degradado e pequenos rios praticamente mortos.

Na Figura 1 encontram-se as estimativas feitas sobre o crescimento da pecuária no


Pará, até o ano 2000.

16
Figura 1: Evolução Percentual da Pecuária nas Mesoregiões do Pará - anos 1990, 1995 e
1999.

70

60

50

40

30

Sudeste Paraense
20
Sudoeste Paraense
Nordete Paraense
10 Metropolitana - Belém
Marajó
0
Óbidos
1990 Baixo Amazonas
1995
1999

Baixo Amazonas Óbidos Marajó Metropolitana - Belém Nordete Paraense Sudoeste Paraense Sudeste Paraense

Fonte: IBGE (1997,1990/1999). Ajustes de estimativa do autor. In: Santana, A Cordeiro de –


Configuração e Competitividade do Cluster da Madeira Serrada e Artefatos do Estado do Pará, Belém,
Unama, 2002.

No entanto, as estimativas oficiais da Secretaria de Agricultura do Estado do Pará dão


conta de um rebanho, em 2001, na ordem de 10 milhões de cabeças de gado, concentradas no
sudeste majoritariamente.

No presente, o movimento mais expressivo em torno da Br 163, no município Novo


Progresso até a fronteira com o Mato Grosso, é o que vai em direção ao oeste do estado. Essa
área experimenta um processo expressivo de pecuarização, embora as áreas de pasto sejam
pequenas em relação às de floresta. Esse mesmo movimento de pecuarização verifica-se,
segundo as informações obtidas por diversas fontes, na direção do Mato Grosso para sul do
Estado do Amazonas, à altura do município de Apuí, atravessado pela Transamazônica. Em
ambos os casos tratam-se de frentes matogrossentes, da madeira e da pecuária .

A percepção desses grandes movimentos nos parece essencial. Somente através


dessa abordagem macro é que se pode entender a dinâmica futura de regiões para onde se
expande a atividade pecuária e sua relação com o desmatamento. É o caso do município de
São Félix do Xingu, com a maior taxa de desmatamento no Pará.

17
Figura 2: Evolução do efetivo do rebanho da pecuária paraense, 1990-2000.

Efetivo do Rebanho - PA (em mil cabeças)

9668
10000

8742
9000
8337

8000 7539

7000 6430
6080
5750
6000 5438
5143
4863
5000 4599

4000

3000

2000

1000

0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Fonte: IBGE (1997,1990/1999). Estimativa do autor 1999-2000. In: Santana, A Cordeiro de –


Configuração e Competitividade do Cluster da Madeira Serrada e Artefatos do Estado do Pará, Belém,
Unama, 2002.

2.1. A pecuária em Novo Progresso e Castelo de Sonhos

Como vimos anteriormente, continua e inclusive com maior intensidade, o deslocamento


das frentes pecuária e madeireira do Mato Grosso para o sudoeste do Pará.

A região organizada a partir dos centros urbanos Castelo de Sonhos e Novo Progresso
tem na pecuária uma das atividades mais relevantes. A primeira constatação da pesquisa de
campo é que a criação de gado é vista pela totalidade dos atores presentes nessas “novas“
áreas de fronteira como um investimento seguro, rentável e que demanda pouco trabalho. Uma
estratégia que move os grupos que se deslocam do MT para essa região, e que conseguiram
se capitalizar nas localidades anteriores é de investir na compra ou grilagem de terras, e na
preparação do pasto para pecuária. A capitalização de alguns desses atores se deu por meio
do garimpo, do comércio, da exploração madeireira ou mesmo através da produção agrícola.
Há uma convergência, portanto, de interesses de atores diversos para a pecuária, o que leva
ao aumento do investimento global nessa atividade.

18
Um aspecto que é ressaltado pelos entrevistados é o da segurança do investimento na
pecuária. Como verificado em outras situações, nas áreas de fronteira a terra é considerada
pelo Direito como res nulis e por isso provoca um processo de negociação instável e de
confronto em torno da posse e do direito de exploração econômica do território e de seus
recursos. No início do processo de ocupação territorial da Amazônia com base nos programas
desenvolvimentistas do Estado, a partir dos anos 70, o plantio de pasto foi considerado como
forma de beneficiamento da terra e que garantia a posse e, portanto a estabilidade da
produção, além de uma valorização no mercado de terras. Observou-se que essa estratégia
não é apenas relativa ao passado, pois até hoje todos os atores presentes na região
interpretam dessa maneira ainda o plantio de capim como uma valorização da terra.
Estabilidade, portanto, baixos custos de manutenção e titulação da terra fazem parte dos
objetivos a ser atingidos por aqueles que investem nessa atividade produtiva.

O Sr. Alexandre Manoel Trevisan, o Maneca11, pecuarista estabelecido em Castelo de


Sonhos manifesta-se favoravelmente à pecuária como a atividade de “vocação” dessa região,
pelo preço e qualidade da terra, pelo clima favorável, sem estações não marcadas por
variações de verão e inverno, e pelas condições de mercado. Na sua opinião a pecuária é de
longe a atividade mais rentável, dizendo textualmente que:

“Ela faz menos giro de dinheiro


(comparativamente com a atividade madeireira), só
que é mais seguro. Você sabe aquilo que você tem.
Eu, por exemplo, ando com os pés no chão, eu sei o
que vou fazer e aquilo que eu posso fazer. A madeira
é diferente. Se trancar lá fora (referindo-se a
problemas relacionados ao movimento ambientalista
e ao MMA e Ibama), ou não conseguir um documento
para tirar madeira, vai parando tudo. E mexer com
gado não, você vê uma carga de boi, você sabe se dá
10 mil real, ou se dá mais, você sabe que deve três
mil no comércio, mil de combustível, dois contos para
pagar os funcionários e o resto você administra. Eu
acho que tem mais segurança".

Outro aspecto destacado pelos empresários, em termos de aplicação de capital, é a


função de diversificação de investimento. Isso se deve em ao fato da pecuária poder funcionar
com reduzida força de trabalho.

11
Alexandre Manoel Trevisan, conhecido por Maneca. Entrevista em Castelo de Sonhos, dia 11/4/02

19
Os cálculos de racionalidade no uso da terra e nos investimentos aplicados na formação
de pastagens e de rebanho, fazem parte das opções pela atividade pecuária. Alem do preço
favorável da terra e da constatação por parte de fazendeiros que essa região reúne as
qualidades essenciais para a expansão da atividade, estimam o uso do espaço e traçam
relações com o tamanho do rebanho. Informam que um alqueire de pasto nas condições de
Novo Progresso e de Castelo de Sonhos suporta até seis cabeças de gado, levando em conta
a rotação das áreas de pasto. A maior parte dos fazendeiros coloca 4 cabeças em cada
alqueire. Ha diferenças sazonais, pois no inverno precisam de mais terra que no verão, em
função da modalidade extensiva da pecuária.

Na cidade de Castelo de Sonhos inúmeras casas especializadas afixam "compra -se


gado" ou ainda "compra -se bezerros", pois inclusive tornou-se um centro de abastecimento das
fazendas ao longo da Cuiabá-Santarém e da Transamazônica, seja para pequenos ou médios
produtores. A Feira Agropecuária realizada anualmente constitui uma estratégia de
aquecimento da atividade comercial em torno da pecuária. O gado considerado bom para
abate, pesa em média 16 a 20 arrobas, sendo praticado em Novo Progresso o preço da arroba
em torno de R$ 40,00. Cada bezerro custa no mercado local cerca de 250,00. Contabilizam
ainda os custos que envolvem empregados, custeio, medicamentos, limpeza, consertos e
vacinação. A mão-de-obra é extremamente barata na região. O salário do vaqueiro é de 300,00
R$, sem carteira de trabalho assinada. Os maiores custos ainda são o de formação da fazenda
e não o de manutenção. Um investimento inicial importante é necessário para criar essas
estruturas. Um plantel com mil cabeças exige cerca de 400 alqueires12 - média de uma cabeça
(1,25) por hectare – de investimentos.

2.2. Atores Sociais envolvidos na atividade pecuária

A atividade pecuária na área da Cuiabá-Santarém é praticada por pequenos produtores


familiares que optaram por um sistema combinado agricultura + pecuária ou com exclusividade
para a criação de gado, e médios e grandes pecuaristas. Não se trata, portanto, de encontrar
um só padrão de pecuarista, mas identificar quais os padrões mais freqüentes que estão ali
presentes. Isso porque eles conformam padrões diferentes de apropriação e uso da terra
conforme suas trajetórias de migração, a história de sua inserção na região, o capital
acumulado e certamente as estratégias e as alianças com os poderes públicos que lhes
garantem ganhos de oportunidades e acesso ao crédito. Pelo menos esse jogo político e
econômico tem um peso fundamental na apropriação da terra e do crédito nessas áreas de
expansão.

12
Um alqueire paulista corresponde a 4,8 hectares.

20
Colonos que foram assentados pelo Incra na BR-163 a partir da década de 70, em
particular nos assentamentos mais próximos de Itaituba e da Transamazônica (Km 30 e
Trairão, por exemplo). Quase todos os colonos estabelecidos dizem que quando vieram para a
Amazônia, além da agricultura familiar, tinham o desejo de se tornar pecuaristas. E hoje, a
grande maioria que conseguiu permanecer nos lotes, cria gado, em maior ou menor
quantidade. Numerosos foram os beneficiados pela linha de crédito específica do FNO13 que
permitia aquisição de dez cabeças - nove vacas e um boi. Poucos colonos declararam possuir
mais de cem cabeças de gado. Em sua maioria esse número varia de trinta a cinqüenta
cabeças. Em alguns casos, quando conseguem alguma estabilidade financeira, compram os
lotes de vizinhos para a expansão de suas atividades - e em especial da pecuária.

Muitos colonos assentados pelo Incra nos anos 70 tiveram de abandonar e se desfazer
de seus lotes vendendo -os a fazendeiros, madeireiros, comerciantes, seus próprios vizinhos ou
a colonos recém chegados na região. A BR-163 passou por longos períodos com trechos
praticamente intrafegáveis, impedindo o escoamento de produtos agrícolas, e o acesso a
serviços em geral, com completo isolamento e decadência. As estradas vicinais se tornaram
igualmente intransitáveis. A venda de lotes tem gerado um mercado de oportunidades pela
aquisição fácil ou grilagem de terras novas para grandes e médios pecuaristas de outros
estados, assim como para pequenos produtores familiares que conseguiram se estabelecer
duradouramente na área e alguns garimpeiros que tentam se converter ao trabalho agrícola.

Madeireiros que buscam diversificar os investimentos aplicados em atividade que


consideram segura que é a pecuária. Existem várias dinâmicas nas quais se insere a atividade
madeireira. Muitos industriais se deslocam junto com a fronteira para espaços ainda
inexplorados. Outra parcela supõe, pela diversidade de espécies catalogadas e pela
experiência de manejo florestal, ser possível o estabelecimento de atividade permanente no
mesmo local. São provenientes da região Sul de forma predominante e também do norte do
Mato-Grosso. A expansão do setor na área da Cuiabá -Santarém se inicia a partir dos anos 90.

Comerciantes que se capitalizaram com suas atividades e procuram além de


estabilidade, diversificar seus investimentos, comprando terras e colocando pasto. Alguns
comerciantes são oriundos do garimpo, das atividades madeireiras ou de cidades maiores da
13
O FNO – Fundo Constitucional do Norte, criado pela Constituição de 1988, foi direcionado para a
agricultura familiar a partir de 1992, em seguida à intensa mobilização social dos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais (STRs) e das Federações de Trabalhadores da Agricultura (FETAGRIS).
Atualmente, mais de 130.000 famílias são beneficiárias do pacote de crédito que inclui 1 há de plantios
consorciados de frutíferas e um lote composto por 10 vacas e 1 boi. Os colonos da Br-163, organizados,
também se beneficiaram desse crédito. Foi possível observar os resultados dos investimentos e do
trabalho familiar - agricultura e na criação de gado -, nos lotes visitados durante a pesquisa.

21
região próxima. Alguns se instalaram nos núcleos urbanos, desde o início da colonização. A
maioria está chegando na trilha da ocupação mais recente, como exemplo os de Novo
Progresso.

Ex-garimpeiros que, ao final do ciclo do ouro conseguiram guardar algum capital.


Geralmente são antigos donos de barranco (terreno geralmente de dez metros por dez metros
na área de garimpo), de jangadas (ou balsas) ou donos de maquinário. A pecuária se
apresenta mais uma vez como uma forma de pro dução segura e que exige pouco esforço. A
atividade garimpeira se desenvolve, sobretudo a partir de do início dos anos 80, na região de
Itaituba, nos rios Crepori e Creporizinho – o que acaba dando ensejo à construção da Estrada
Transgarimpeira - e nos rios próximos a Castelo de Sonhos, porém decai menos de doze anos
depois. Em meados dos anos 90 tem início o processo de decadência da atividade na área da
Cuiabá – Santarém, e verifica-se uma transferência de parte deles para a pecuária.

Pequenos e médios pecuaristas que já desenvolviam suas atividades em outros


estados do país - principalmente de Mato-Grosso e Mato -Grosso do Sul, mas também do
Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Tocantins e Goiás. Imigram, depois de vender
suas terras, em busca dos baixos preços de aquisição das fazendas na Estrada Cuiabá -
Santarém. Uma estratégia praticada por muitos foi de se beneficiar com a diferença de preço
do hectare entre a região de origem e a fronteira, e de se tornar grande pecuarista, mantendo
uma produção essencialmente extensiva. É necessário entender a dinâmica que se deu no
Mato-Grosso e Mato -Grosso do Sul para compreender melhor o surgimento desses atores.
Eles aparecem logo depois que os primeiros colonos do Incra são assentados. Esse processo
se intensifica mais tarde quando se começa a falar em asfaltamento da BR -163 e da extensão
do linhão de Tucuruí. Mas também pelo processo de abandono da área pelos pequenos
agricultores que sofrem da falta de crédito e do isolamento.

Não é incomum nessa área a expansão das propriedades pela compra de dezenas de
lotes dos colonos, base de muitas fazendas de 2 a 5 mil hectares, por parte daqueles que
possuem capital acumulado pelo garimpo, do comércio e da madeira ou por recém chegados
das antigas fronteiras de recursos do Mato Grosso, já esgotadas ou estagnadas. A pecuária é,
portanto, universalmente apontada pelos entrevistados, de Trairão a Castelo de Sonhos, como
a principal atividade responsável pelo desmatamento. Segue o caminho deixado pelas
madeireiras, se beneficiando das estradas abertas em áreas ainda não desmatadas. Áreas
cujo preço de aquisição chega a 10,00 R$ por hectare.

22
2.3. Avanço da pecuária e conflitos de terra

A sucessão da ocupação da terra, em Novo Progresso e Castelo de Sonhos tem como


padrão principal a entrada de pessoas na área na década de 70, atraídas pela construção da
Br. 163 e pelos programas governamentais de colonização, porém com um formato de lotes de
2.500há14. Esse fluxo porém foi bastante reduzido até os anos 90. É o garimpo de ouro, nos
anos 80, o principal atrator de levas consideráveis de migrantes, ciclo que duraria em torno de
dez anos. Tanto o comércio que alimentava o garimpo e as rendas do próprio garimpo, teve um
certo impacto na fase posterior, de avanço da frente matogrossence de pecuária e madeira. A
pecuária e a pequena produção familiar, embora de forma reduzida, estavam presentes desde
o final dos anos 70. É em torno da pecuária e da madeira que se apóia a economia atual de
Novo Progresso e Castelo de Sonhos e que definem as formas de apropriação da terra.

Em Trairão, ainda existe uma predominância de pequenos produtores que sofrem


pressões por parte de madeireiros e grandes pecuaristas interessados em adquirir seus lotes.
Trata-se de áreas de colonização "clássica", como na transamazônica. Em Moraes de Almeida,
assim como em Novo Progresso e Castelo de Sonhos, a pequena produção é desarticulada e a
presença de grandes grileiros pressiona as áreas de assentamentos do Incra, inclusive com a
retirada de árvores dos lotes dos colonos sem a permissão prévia ou acerto comercial anterior.
Os Projetos de Assentamentos (PA) do Incra na região são recentes e possuem um perfil
diverso daquele que encontramos mais ao norte. Além de menores investimentos em infra -
estrutura, os colonos são menos organizados e, portanto possuem mais dificuldades em
permanecer em suas terras. O reduzido número de famílias, associado à desarticulação política
dos pequenos produtores torna instável a posse e a presença deles na terra.

Existe, apare ntemente, certa facilidade na articulação entre os interesses de


madeireiros e pecuaristas. Os primeiros, que desbravam as terras ainda não exploradas criam
as condições necessárias para que os segundos ocupem novas e grandes extensões
territoriais ao mais baixo custo.

A Figura 3 representa a freqüência temporal dessas atividades e de certa forma, sua


sucessão 15.

14
Esse é um traço diferenciador em relação á colonização nas Brs. 364 e 130 (Transamazônica), onde
os lotes de 100 há predominam até 10 km nas vicinais e as glebas não ultrapassavam os 3.000 há. Na
Br. 163, o espaço parece ter sido programado como locus de expansão das atividades extensivas que
adentraram a Amazônia a partir das dinâmicas emanadas do Sul e do Centro-Oeste.
15
Os dados não permitiram fazer uma demonstração quantitativa, mas permite uma compreensão sobre
os processos de apropriação e de sucessão na terra.

23
Figura 3: Sucessão do Uso da Terra por Atividade em Novo Progresso e Castelo de
Sonhos dos anos 70 a 2000.

2000 Anos Anos Anos


90 80 70

Pequena Produção Familiar Garimpo Comércio Madeira Pecuária

Fonte: Pesquisa de campo – Abril/2002.

O pecuarista tem como estratégia explícita a expansão de sua propriedade através da


adição de novas terras. A grilagem de terras é uma prática comum e incontrolável pela
ausência ou conivência do Estado. A fronteira é uma terra sem lei. O colorário desse processo
é o conflito e a violência16. O grileiro assegura a expansão da fronteira indo muitas vezes na
frente ou junto com o madeireiro, na cadeia de sucessão na terra, como no representado na
figura a seguir. A referida matéria reafirma depoimentos colhidos na pesquisa, dando conta da
ligação de funcionários do INCRA com o sistema de grilagem de terras.

16
O Jornal de Santarém, edição de 14/06/02, publica matéria sobre a prisão pela PM de Castelo de
Sonhos, de 19 trabalhadores rurais por ocuparem “Terras da União”. Em depoimento, um dos
agricultores, Edson Ambrósio fez as segui ntes perguntas: “eu e os outros companheiros não temos muito
saber, mas no meu entendimento formação de quadrilha cabe a um grupo de cidadãos que têm em sua
bagagem alimento e seu material de trabalho? E quanto aos nossos trajes, são de pessoas que não
querem trabalhar?” E conclui: “Porque no meu entender, formação de quadrilha cabe a tipos que não
querem trabalhar e não para pessoas como nós que queremos trabalhar, e que fomos presos justamente
por causa disso”.

24
Figura 4 – Relação entre grilagem e atividades econômicas

Grileiro de terras Madeireiro Fazendeiro


que vende a terra que entra na mata, capitalizado em
com ou sem um faz as estradas e outras atividades
primeiro a primeira ou médio
documento de exploração na pecuarista de
posse. área outra região

Fonte: Pesquisa de Campo Br 163 – Abril/2002

Seja grande, médio ou pequeno, caso o criador de gado consiga prosperar na atividade
ele procurará aumentar a extensão de sua propriedade. Apesar de ser por vezes uma atividade
complementar, a pecuária tende a incentivar o abandono dos lotes pelos pequenos colonos
através da pressão de uma demanda permanente por novas terras para pasto. Porém
verificou-se que os limites da expansão da propriedade para desenvolver atividade pecuária,
por parte da pequena produção, são dados pela concepção de organização produtiva com
base na força de trabalho familiar. Essas unidades permanecem em torno da estrutura familiar
e tendem a expandir de 100 até aproximadamente 300 hectares, como um padrão.
Observaram-se, porém de forma residual, unidades com até 800 hectares.

O confinamento é discutido e existem pecuaristas que falam a respeito possuem algum


conhecimento das técnicas empregadas. No entanto, o que transparece é que a atual fase é de
acumulação territorial para posterior crescimento. Existem muitas áreas com a relação cabeça
de gado por hectare que são muito baixas (menos de uma cabeça por ha). A posse da terra,
mesmo que ainda não esteja produzindo, entra na estratégia dos pecuaristas como um
investimento para o futuro 17.

2. 4. Estado e Poder Local

Os pecuaristas, junto com os madeireiros, acabam por ocupar o vazio do Estado, pelo
menos a nível local, em diversos municípios estudados, delimitando um espaço de ação e de
intervenção sobre o território. Eles estão presentes em todas as esferas da política local e
estadual, e estão muito bem articulados a nível nacional. Seus interesses são defendidos por

17
Falando e si próprio, um pecuarista entrevistado em Castelo de Sonhos, Alexandre Manoel Trevisan,
diz o seguinte: "eu me considero um pecuarista de pequeno para médio. O grande é aquele que tem
muito, eu estou com 2300 cabeças e cerca de 6000 hectares de terra. Os cinco, seis grandes daqui têm
em torno de 10, 12 mil cabeças, que também não são grandes, não é? quem é grande tem 30 a 40 mil
cabeças".

25
uma bancada suprapartidária, talvez a maior representação política presente no Congresso
Nacional. Embora uma fronteira distante, a identidade e o "espírito de corpus" traduz estruturas
de sustentação como ator social.

A região de Novo Progresso e Castelo de Sonhos parece ser uma das áreas
extremamente ativas de reprodução de grupos políticos instalados na máquina do estado e que
se beneficiam tanto eleitoralmente quanto economicamente de tal posição.

Em nenhum dos municípios visitados a política esteve claramente desarticulada dos


interesses da elite local. Os grandes pecuaristas participam, portanto, da política local, com
variações entre aqueles que apóiam o ex-governador Jader Barbalho ou o atual, Almir Gabriel
(apóiem ou não a candidatura de Simão Jatene, dita "do governador"), e aqueles que
sustentam outros grupos políticos do estado, como o do vice governador. Esse quadro político
precisa ser entendido, pois seguidamente na história da ocupação das fronteiras na Amazônia,
os custos de oportunidades passam também pelos benefícios políticos acordados no jogo
eleitoral. A falta de coordenação entre os órgãos do governo é um fator que pode ser apontado
como incentivador de desmatamento. Os acordos na política local atravessam uma lógica da
racionalidade de políticas e de controle do Estado. Observa -se que no jogo eleitoral de 2002,
está muito presente a reivindicação dos “novos proprietários” pela titulação das terras
adquiridas junto ao ITERPA. As terras pertencentes a este órgão fundiário do Pará, de acordo
com os mapas distribuídos às instituições da região, estão loteadas em talhões de 5.000 a
7.500 há. Os novos proprietários, mesmo antes da titulação, desmatam 50% de cada talhão,
obedecendo à lei anterior à Medida Provisória (MP) que diminuiu as áreas a serem desmatadas
para 20%. O desmatamento de 50% do lote funciona, principalmente, como mecanismos de
apropriação e domínio do espaço.

O INCRA fornece título da terra caso essa seja desmatada em 20% (de acordo com a
MP do novo Código Florestal) de sua extensão e plantado pasto. Enquanto o IBAMA tenta
implantar uma política de proteção ao meio ambiente que vai de encontro com a práxis do
Incra.

O IBAMA é criticado de forma generalizada. São especialmente os grandes


proprietários de terra que fazem as maiores criticas ao órgão ambiental. Alguns empresários da
madeira criticam o órgão, acusando-o de incentivar a ilegalidade na região. Quanto ao pequeno
agricultor a pressão sobre as terras começa a ficar mais evidente, aumentando o grau de
acirramento dos conflitos com frentes de fazendeiros que avançam sobre as terras de
assentamentos (ver item a seguir). As relações do pequeno produtor com o IBAMA, em Novo

26
Progresso e Ca stelo de Sonhos, refletem um distanciamento, em função de problemas mais
imediatos relativos à própria permanência na terra.

Quanto ao crédito, em Castelo de Sonhos, foram observados vários projetos pecuários


apoiados pelo FNO - BASA. Absolutamente todos os projetos de grande porte. Não existe
nenhum crédito aprovado na área para pequenos produtores. O atual Superintendente do
BASA, Luis Feio - e possível candidato a deputado federal pelo PTB, desencorajou fortemente
os pequenos produtores. A informação dada por ele aos filiados ao STR local foi de que para a
aprovação de crédito do FNO era necessário o título de posse definitivo da terra o que não
confere com a política do Banco. Em Novo Progresso não é muito diferente.

Já no Kilômetro 30 e em Trairão, a realidade é diferente, com muitos pequenos


produtores se beneficiando com o FNO, fruto de uma maior presença numérica e maior
organização. Há reservas quanto à qualidade da linha de crédito, mas ela permitiu que vários
produtores se iniciassem na pecuária.

2.5. Relação Pecuária e Desmatamento

O pecuarista é visto, vale repetir, como o maior produtor de desmatamentos. É ele


quem contrata peões para manusear motoserras, é ele quem derruba de forma definitiva a
mata para formar pasto. A declaração do Sr. Manoel Trevisan ecuarista, expressa bem esse
ponto de vista:

"A região aqui é grande demais, é crua, está


começando agora. O pessoal que vem chegando tem
que abrir mais frentes de serviço, tem que ir abrindo,
desbravando. É mais a pecuária que eles procuram -
80% é pecuária. Madeira não. É mais pecuária. Estão
indo mais em direção ao Jamanxim, porque o Curuá
aqui pega os índios e ninguém quer ficar perto dos
índios, todo mundo quer pegar pro outro lado.
Ninguém confia muito né, porque esse negócio de
terra de índio de repente o governo pode autorizar
mais um pedaço, pegar mais um pedaço de terra e
estragar a fazenda do gado".

Apesar desses cuidados, relatos de lideranças do STRs, de Castelo de Sonhos,


informam que há invasões de pecuaristas na Reserva Indígena Baú.

27
3. ATORES SOCIAIS E ATIVIDADE PRODUTIVA DA MADEIRA

A expansão da atividade madeireira em Novo Progresso e Castelo de Sonhos, que se


deu a partir dos últimos cinco anos, tem sido causada principalmente pelo afluxo de capitais e
de pessoas que tem migrado para essas áreas. Três frentes principais compõem esse
movimento.

A primeira e mais intensa, embora pouco percebido, é uma frente que cresce
rapidamente e sobe de Mato Grosso para Novo Progresso. Irradia -se, porém, em direção às
terras intermediárias, a leste e a oeste da estrada Br 163, alcançando a Terra do Meio e
alongando-se em direção à Jacareacanga. Nos 40km para além das estradas vicinais, onde
estão os assentamentos de pequenos produtores rurais, de ambos os lados da Br 163, há um
forte movimento de compra de terras e de grilagem. São grandes e médios proprietários já
estabelecidos e com interesse de agregar mais terras ao seu patrimônio, ou indivíduos e novos
grupos que estão chegando. Segundo informações obtidas, esse movimento está aumentando.
Também na mesma direção encontram-se os grupos de pequenos produtores rurais em busca
de terras, de trabalhadores em busca de emprego como é o caso daqueles que seguem as
empresas madeireiras em seu deslocamento do Mato Grosso para o Pará. Na frente estão
vindo as madeireiras, também na mesma amplitude da radiação, em forma de torta18.

A segunda vem pela BR 167, na direção de Santarém para Cuiabá, justamente com
origem nas áreas degradadas de municípios da Transamazônica. É formada por médios e
grandes empresários que pretendem reproduzir a atividade madeireira, explorando-a como
agentes locais de grandes empresas exportadoras situadas em Belém.

Empresas oriundas de São Félix do Xingu que atravessam os rios Iriri e Curuá, escoam
o mogno extraído ilegalmente, pela Br. 163. O grupo de Osmar Ferreira, o “rei do mogno”, é
citado como presente em toso os municípios desde Rurópolis até Castelo de Sonhos. Esse
grupo é o principal explorador de mogno de São Félix do Xingu e da terra do Meio19.

A terceira vem de outras áreas do sudeste e do sul do Pará e dos municípios da


Transamazônica e se caracteriza por ser uma frente de pequenos produtores m busca de terra
ou de trabalho. Muitos têm comprado terras de pequenos colonos enfraquecidos pelas
dificuldades que representa a permanência na terra nessa região. Além da distância dos lotes

18
Em toso os municípios pesquisas obteve-se indicações de nomes de grupos e de empresas que estão
empreendendo abertura de novas terras.
19
Para mais detalhes, ver o Capítulo III, neste Relatório.

28
perdidos no fundo das vicinais, da dificuldade de assistência técnica e de serviços sociais, a
situação de intrafegabilidade da estrada20.

Por outro lado, no sudoeste do Pará, logo depois da fronteira com o Mato Grosso,
subindo pelo eixo da Cuiabá-Santarém, a partir da Serra do Cachimbo, observa -se que a
exploração da madeira vai à frente abrindo as terras e facilitando a entrada de novos atores
não interessados na madeira, mas em outras atividades, como a pecuária o garimpo, a
pequena produção etc... A madeira orienta a direção do desmatamento. Consideramos chave o
entendimento desse movimento, pois responde em grande parte pelo aumento do
desmatamento, e que é encontrado também em outras áreas de avanço da fronteira.

3.1. Expansão da atividade da madeira e aquecimento do mercado

O parque madeireiro cresceu rapidamente com a instalação de serrarias. Castelo de


Sonhos e Moraes Almeida, sobretudo, configuram um novo padrão na região que é o de
integração entre a atividade da madeira e pecuária. O seu perfil é de “cidades madeireiras”.
Moraes Almeida, localizada na entrada Br. 163, justamente onde começa a Estrada
Transgarimpeira, é um povoado organizado a partir da exploração nativa e da indústria de
madeira, com 18 serrarias. A origem dos donos dos empreendimentos é do sul (RGS, SC e
PR) e de Mato Grosso. Para se ter uma idéia do volume que representa a industrialização da
madeira: a sede de Trairão localizam-se 10 empreendimento s, em Novo Progresso 27, em Vila
Alvorado 4 e em Castelo de Sonhos somam 22 serrarias, conforme quadro a seguir fornecido
pelo IBAMA.21

Todos os setores entrevistados informaram que a atividade madeireira é a que mais


aquece o mercado da região. Para o Presidente da FAEPA, o madeireiro não precisa de
grande capital para organizar o processo de extração da madeira, e a atividade tem alta
rentabilidade.

A chegada das serrarias sinaliza um grande movimento que se verificou no padrão de


apropriação da terra no Paraná e no Mato Grosso, que é seguido da pecuária e da plantação
de grãos – a soja por excelência. O interesse manifestado nas ações da Prefeitura de Trairão e
de Novo Progresso, e pela sub -prefeitura de Castelo de Sonhos, funcionando em parceria com
20
É expressivo o número de pequenos produtores familiares que fizeram um movimento de retorno para
as áreas de origem, ao interior da mesma geração que migrou há 20 ou 30 anos para a Amazônia. O
motivo alegado é a falta de condições para sobreviver na pequena produção sem a infraestrutura mínima
de estrada e atendimento de serviços sociais como saúde e educação. Esse processo foi sobretudo de
Moraes de Almeida em direção a Itaituba, onde se localiza a presença mais relevante desse grupo.
21
IBAMA, Belém.

29
as organizações patronais, pela agricultura mecanizada, mostra as tendências de agricultura
de larga escala nessas áreas. Algumas experiências já começaram com a plantação de arroz e
milho e a montagem de secadora de grãos e silos de armazenagem, nas sedes dos
municípios.

A relação entre pecuária e madeireira é bastante recorrente. Encontramos pecuaristas


que se restringem a essa atividade. Porém a associação entre elas é um padrão de
regularidade, como também a associação da pecuária com outras atividades, tais como: usina
de palmito, garimpo, agricultura (pequena ou em larga escala). No entanto esse recorte tem
menos importância em lugares como Moraes de Almeida, cuja atividade de serrarias é
predominante. A pequena produção, predominante nas áreas de “fronteira clássica”, está
quase na totalidade associada a produção de gado, como pode ser observado no capítulo
específico sobre a produção camponesa, a partir de Trairão, subindo a Cuiabá-Santarém em
direção a Santarém. Tendência encontrada identicamente entre profissionais liberais - médicos,
veterinários, engenheiros - ou de outras profissionais que lhes permitem transferência de renda
para a pecuária.

Quadro 1: RELAÇÃO DE EMPRESAS MADEIREIRAS NOS MUNICÍPIOS DE NOVO


PROGRESSO, ITAITUBA E ALTAMIRA - Março/2002

MUNICÍPIO LOCALIDADE EMPRESA


Ereggio Mittmann
Vale Do Buriti Ltda
Bonardi De Amazônia Ltda
Rb Industria De Madeiras Ltda
Tecnomadeiras Ltda
Cedrão Comercio De Madeiras De Construção
Roberto Carlos Justino C. De Meira
A.L. Picinato Madeiras
Sociedade Tres Pinheiros Ltda
Serraria Marajoara Ind. E Com. E Exp. Ltda
Taiga Do Pará Industrial Madeireira Ltda
Irmãos Behling Ltda
Timber Da Amazônia Madereira Ltda
NOVO PROGRESSO Novo Progresso Malinski Madeiras Ltda
Madeireira Rio Claro Ind. E Com Ltda
Valérios Ind. E Com. De Madeiras Ltda
Tozetto Madeiras Do Pará Ltda
Rogério M. Yamaguchi
Pelucio E Nacamura Ltda
Renato De Athayde Madeiras
Krn Ind. E Com. De Madeiras Ltda
Nsv Laminados
Delcir Antonio Canova
Sl Laminados
Jr Madeireira Ltda
Comajal – Cooperativa Mis ta Agro Ind. Vale Do
Jamanchim Ltda

30
MUNICÍPIO LOCALIDADE EMPRESA
Vilso Ribas Madeiras – Me
Vila Alvorada da Edson Martins De Sousa – Me
Amazônia Serrana Madeiras Ltda – Me
Rosa, Rosa Ind E Com. De Madeira Ltda – Me
Biolchi Ind. E Com. De Madeiras Ltda
Dalpai S/A Industria E Comércio
Madepaula Ind. E Com. De Madeiras Ltda
Madeireira Tigrão Ltda
Zimmer E Zimmer Ltda
Mp Madeiras Do Pará
ITAITUBA Moraes Almeida
Marli Agroindustrial Ind. E Com. Ltda
Madeireira Vale Do Tapajós Ltda
Madeireira Rech Ltda
Madeireira Zanus
Madeireira Sul Do Pará
Vp Madeiras
Incomal – Ind. E Com. Campo De Madeira Ltda
Laminados Curuá Ltda.
Madeireira Juina Ltda.
Ind. E Com. De Madeiras Santa Cruz Ltda.
Alindo ª Hoffmann
Madeireira Pompéia Ltda.
J. R. Bettin E Filho Ltda.
Zeferino Passos Guarrezi Junior
Marcio Mafini
Vacariense Industrial E Com. De Mad. Ltda.
Distrito Castelo dos Sociedade Industrial Jamanxim Ltda.
ALTAMIRA
Sonhos Laminados Fm Ltda.
S M Pará Madeiras E Laminados Ltda.
Bortoluzzi Madeiras Ltda.
Madeireira Scalabrin Zambiazi Ltda.
Ind. E Com. De Madeiras Vale Do Curuá Ltda.
Infapa – Ind. E Faqueados Do Pará
F. A. Cardoso Madeiras
Madeireira Mato Grosso Ltda.
Madeireira Rondonia Ltda.
Bortex Madeiras Ltda.
Madeireira Casteo Ltda.
Fonte: IBAMA Pará

As principais espécies de madeira comercializadas em Castelo de Sonhos: Cumaru,


Angelim Pedra, Sumaúma, Cedrinho, Amescla. O mogno, embora amplamente cortado e
comercializado, não foi em algum momento referido pelos entrevistados. Um empresário de
Castelo de Sonhos arrola 17 espécies catalogadas, embora explorem aquelas demandadas
pelo mercado, mas estimam que essa quantidade pode ser duplicada, como estratégia para
futuro aproveitamento mais intensivo da floresta. De certa forma a febre do garimpo é retomada
na exploração da madeira, e em particular do mogno.

31
3.2. Atores envolvidos na atividade madeireira em Novo Progresso e Castelo de
Sonhos

A atividade da madeira envolve diferentes atores. De certa forma, quase todos os atores
econômicos estão com ela envolvidos. Isso é válido para Trairão, Moraes Almeida, Novo
Progresso e Castelo de Sonhos. Isto porque é uma atividade que tem um amplo leque de
oportunidades durante sua vigência. Para os pequenos é o beneficio da abertura de estradas,
mas também a oportunidade de venda de madeira, no caso da extração, e de emprego quando
se trata de estruturas de beneficiamento industrial (obtenção de renda), nas serrarias,
laminadoras e faqueadoras. Para os médios e grandes proprietários, agricultores, pecuaristas
ou comerciantes, a atividade da madeira traz uma série de benefícios econômicos. Na
percepção desse atores, é a principal atividade com rentabilidade, na atualidade para essas
áreas.

O mercado aquecido e garantido por excelência é o do sul do pa. O modelo de


crescimento com base na exploração da madeira é a cidade de Sinop, no norte do Mato
Grosso, pólo madeireiro principal em torno do qual movimenta-se a economia de outras
“cidades madeireiras” localizadas em Mato Grosso, a maior parte migrados do Paraná:
Marcelândia, Itaúba, Claudia, Vera, Feliz Natal e União do Sul. Exportam para o Rio Grande do
Sul, para outros estados do Sul, do Sudeste, e o mercado exterior como Argentina, Uruguai,
China, Holanda e EEUU. A madeira é o ouro de hoje, seguindo a presença ainda viva da
experiência de garimpo que marca a história da região. A figura a seguir exprime o leque de
relações entre madeireiros e demais atores nas áreas acima referidas.

Figura 5: Atividades Madeireiras e Relações com Atores Sociais

Pequenos Negociantes no
Produtores Mercado de
Familiares Terras
Compradores
de Madeira
Pequeno Extrator
Madeira
Castelo de Sonhos e Agricultores de
Novo Progresso Média e Grande
Escala
Comerciantes

Grandes
Pecuarista

Médias

Fonte Pesquisa de Campo BR 163 -Cuiabá - Santarém – Abril/2002


32
Os empresários vêm, na atualidade, de Mato Grosso. Parte deles começa ai sua saga
na Amazônia, com trajetórias originárias no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e no Oeste
paranaense. A atividade madeireira vai avançando mesmo para regiões bem distantes, e a
tendência é de intensificação da produção. A tendência é a atividade migrar em direção
àquelas áreas onde há infraestrutura. Ou mesmo para áreas sem infraestrutura, como mercado
de futuro de terras.

O interesse das empresas madeireiras em formar estoque de terras nessa região é


explicado: 1. pelo fato de haver uma tradição do setor em lidar com uma ampla variedade de
espécies (foram mencionadas 17); 2. haver uma relação com o mercado nacional de movelaria
e de construção civil que absorve essas espécies; 3. uma “certa” consciência sobre a
esgotabilidade do recurso, o que lhes remete para possíveis manejos sérios, no futuro, como
meio de se manterem na atividade.

3. 3. Trajetórias espaciais de Atores e Uso de Recursos

A análise das trajetórias dos atores envolvidos no processo de desmatamento é


importante, pois nos permite entender a sucessão nos modos de apropriação da terra.
Igualmente é relevante o estudo de trajetórias coletivas. O registro das trajetórias das
atividades em Castelo de Sonhos aparece mostrando momentos de pique de uma atividade (ou
ciclos), a exemplo do garimpo. A questão é saber quanto durará a atividade de madeira e a
pecuária, antes de começar provavelmente um ciclo de grãos, pois este discurso está presente
entre os empresários.22:

Pode-se visualizar as seguintes seqüências, na relação atividade x território:

⇒ Garimpo + comércio ⇒ pecuária ⇒ madeira + pecuária


⇒ Pequena agricultura ⇒ pecuária 23
⇒ madeira ⇒ pecuária + madeira

22
Reserva de madeira: todos dizem, do km 30 até Cachimbo que a reserva está ainda com muita
madeira a ser explorada. É bastante conservada. Se não houver aumento do esforço com madeireiras
de fora, poderia dar ainda para mais de 4o anos, se não fosse feito reflorestamento. No km 75: (estão
plantando mogno e maracatiara e cedro rosa 18.000 pés), ainda no início (é o único caso nessa região
do km 75). Há projetos, porém pequenos, de plantio de copaíba e andiroba, para o azeite e madeira. Não
encontramos outro caso até Castelo de Sonhos, pela Cuiabá-Santarém.
Na transamazônica, informaram que o Polaco plantou 165.000 pés de mudas de madeiras. Tem muitos
colonos, também na Transamazônica, que estão plantando de 300 a 500 pés por ano. O Prefeito de
Uruará está distribuindo 21.000 mudas para os colonos, em 2002, das seguintes espécies: mogno,
cedro, paricá e maracatiara.
23
Um empresário influente se expressa mostrando que sua compreensão sobre o futuro dessa região:
“O destino é o sucesso da pecuária no Brasil esta nessa região“, pois no seu entendimento “para abrir
uma região não tem nada melhor do que como a pecuária, essa foi e é a história do nosso país”.

33
A sucessão das atividades no espaço está diretamente relacionada ao interesse dos
grupos que se deslocam, à capitalização anterior, aos custos de oportunidades, ao estoque de
recursos naturais e às condições de e sua exploração. Note-se que a origem desses grupos
(municípios e estados), é muito importante, pois permite explicar a inserção, se for o caso,
dessas pessoas em atividades anteriores nos lugares de origem. As empresas madeireiras, por
exemplo, hoje instaladas em Castelo de Sonhos, Novo Progresso ou Moraes Almeida, em boa
parte pertencem a pessoas ou grupos que já desenvolveram a mesma atividade no RGS, no
PR, em MS, em MT, não necessariamente na mesma geração. Alguns afirmaram que seus
avós “mexiam” com a madeira, ou seus pais. A questão da cultura na atividade acumula-se de
uma para outra geração Observa-se no referente à pecuária esse mesmo procedimento de
herança na atividade.

Por essa razão o entendimento sobre a origem de pequenos, médios ou grandes


empresários da madeira, quando se trata de uma migração de áreas cujas atividades ou
recursos estavam esgotados oferece alguns indícios importantes sobre ações e estratégias
desses atores. A metodologia aplicada no trabalho de campo levou em consideração as
trajetórias de grupos que são importantes nas atividades madeireira e pecuária, nas áreas
estudadas, cujos padrões podem ser percebidos na F igura 6.

Figura 6 - Trajetória de Empresas/Empresários da Madeira

I II III IV

SC
RGS MT
PR

RGS MT PARÁ
CS / NP

PR MT

MT

Fonte: Pesquisa de Campo BR 163 Cuiabá – Santarém – Abril/2002

34
Essas trajetórias espaciais refletem também transmissões geracionais da atividade,
trazendo para as novas áreas de adoção, uma cultura que se transfere também espacialmente.
Portanto, também uma sucessão geracional no desmatamento verificados nos estados de
origem ou de passagem.

3. 4. Rentabilidade da atividade madeireira em “novas” fronteiras

Na percepção de muitos empresários a madeira é uma atividade passageira, e por isso


a estratégia é aproveitar as oportunidades econômicas que se apresentam agora. Alguns
estimam em cinco anos para duração do ciclo. A percepção é de esgotabilidade do recurso,
mas ao mesmo tempo isso significa apenas uma constatação, pois, em geral, não implica em
repensar as práticas predatórias. Consideram que a pecuária é uma atividade que mantém as
oportunidades econômicas, justificando a racionalidade do investimento. As estratégias
convergem a potencializar os investimentos na pecuária, como uma seqüência natural, tendo
como referência os processos de ocupação e uso da terra que vivenciaram em seus estados
de origem.

QUADRO 2: LISTAGEM DE EMPRESAS MADEIREIRAS “FANTASMAS” AUTUADAS PELO


IBAMA POR ILEGALIDADE, EM NOVO PROGRESSO, MORAES DE ALMEIDA, TRAIRÃO,
ITAITUBA, PLACAS E ALVORADA. (Março/2002)

MUNICÍPIO LOCAL EMPRESA

o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 1053 Alvoradas Madeiras Ltda. – ME
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 936 Oeste mMadeiras
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932 Ind. e Com. de Madeiras Matupá – ME

Novo Progresso Vicinal Novo Paraná s/n o, KM 14 Ind. e Com. de Madeiras Bahamas Ltda

Rodovia BR 163 s/no, KM 1105 –


Novo Progresso Transporte de Madeira Vera Cruz Ltda – ME
Riozinho.
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 1120 Fabiano Barbosa & Pires Maciel ltda
o Incomal – ind. e com. Campo de Madeira
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932
Ltda – ME
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932 Madeireira rio doce Ltda – ME
Sebastião Dias & Ferreira Ltda– ME
Novo Progresso Rodovia KM 1083 – Interior
(madeireira tropical)
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932 Laminadora Amazônia Ltda – ME
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932 Transportadora Curuá Ltda – ME
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932 Transmadeira Ltda – ME

35
MUNICÍPIO LOCAL EMPRESA

o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 1084 Madeireira Juína Ltda – ME
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932 Curuá Transportes e Madeiras Ltda – ME
o
Novo Progresso Rua Tupi s/n - Paes de Lima Antonio Vieria dos Santos Madeiras – ME
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 932 R. Oliveira Madeiras Ltda
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 1085 J. Ramos da Silva Serraria
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 1105 Transportes de Madeira Vera Cruz
o
Rodovia BR 163 s/n – Alvorada da Ind. e Com. de Madeiras Mutuaca Ltda -
Novo Progresso Amazônia epp
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 897 Ind. e Com. De Madeiras São Expedito Ltda
o
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/n , KM 1084 Madeiras Ninfa Ltda – ME

Novo Progresso Rodovia BR 163 s/no, KM 1084 Madeiras Ninfa Ltda – ME

Novo Progresso Rodovia BR 163 s/no, KM 1086 J.B. Lopes Oliveira – ME (laminadora
progresso)
Novo Progresso Rodovia BR 163 s/no, KM 932 Santo Antonio Madeiras Ltda – ME

Rodovia BR 163 s/no, KM 1192


Itaituba Eco Transportes e Madeiras Ltda
Moraes Almeida

o
Rodovia BR 163 s/n , KM 1085
Itaituba Transportes e Madeira Bandeirantes Ltda
Moraes Almeida

o
Rodovia BR 163 s/n , KM 1222
Itaituba Yamme Madeiras da Amazônia Ltda – ME
Moraes Almeida

Itaituba Rodovia Transgarimpeira Madeireira jardim Ltda


o
Trairão Av. Fernando Guilhon s/n D. Kuchpel Filho (Serraria Tapajoara)
o
Trairão Rodovia BR 163 s/n , KM 1.396 L. D. De Sousa Seraria (Serraria Tapajoara)
o
Rodovia BR 163 s/n , KM 08 – Vic.
Trairão M. Cicero da Silva Madeiras
Santa Rita

Juruti Velho Margem esquerda do rio Juruti s/n o J. De Souza Madeiras

o
Placas Rodovia BR 230 s/n - Centro J. De Souza Madeiras (Madeplacas)
FONTE: Diário Oficial da União, 4 de março de 2002.

Os exemplos do Mato Grosso inspiram essa percepção e são indicados como reforço
da tese do esgotamento da madeira. Lembram Sinop, cidade madeireira, com concentração
forte de serrarias, onde a madeira acabou. Dizem que o palmito de açaí, utilizado nas fábricas,

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tem origem apenas no extrativismo, sem qualquer manejo pelas fábricas, e que já houve
fechamento de fábricas por falta de matéria prima. Uma fábrica em Caracol está fechada e uma
outra está trabalhando com baixa ocupação. A principal atividade extrativista em Novo
Progresso é a madeira, em 99%. O ciclo da madeira começou em 1995. Em Castelo de
Sonhos, no momento, o que mais aquece a economia, segundo informam, é a madeira.

A trajetória das atividades em NP foi: ouro, comércio, e depois veio a pecuária, seguida
da madeira. A tendência agora é evoluir para a agricultura, com o plantio de grãos: arroz,
feijão, milho e soja. Essa região está vinculada, em termos de mercado, com o MT. Compra
mercadorias de consumo, desde legumes, grãos, açúcar etc... Máquinas e serviços (saúde,
educação, profissionais liberais etc...).

A madeira extraída nessas áreas abastece a cidade de Sinop (MT) que tem 600
empresas madeireiras, cuja produção industrial é verticalizada. Em Sinop as reservas de
madeira foram esgotadas com os processos de exploração intensiva, a expansão da pecuária
e a plantação de grãos. Modelo que os empresários têm na cabeça, como bem sucedido do
ponto de vista econômico – a racionalidade econômica demarca sozinho as bases da tomada
de decisões nos empreendimentos.

As terras já estão todas tomadas pelo latifúndio. No Jamanxin tem terras de até
400.000ha. Em ge ral as terras com 40 a 50.000 alqueires mais próximas da Br 163, são de
pessoas estabelecidas há mais tempo que colocaram uma fazenda e depois aumentaram suas
terras com grilos. São freqüentes os conflitos com os pequenos agricultores porque não têm
mais terras disponíveis para pequenos assentamentos nas áreas mais próximas das cidades.

3.5. Atores envolvidos com a produção extrativa e de grãos

Há uma experiência acumulada com a produção de soja no estado do Mato Grosso que
vem sendo transferida para o sudoeste do Pará. O interesse pela atividade começa a
manifestar-se há cinco anos, por parte de produtores rurais que foram se localizar em
municípios da Cuiabá -Santarém, com tradição na agricultura em larga escala, e pela vinda de
médios produtores rurais, atraídos pelo baixo custo da terra e pela potencialidade do solo para
plantação de grãos. No entanto, estão em marcha as primeiras experiências, ainda
dependentes de pesquisas que assegurem riscos menores à produção em larga escala. O
primeiro plantador de soja em Castelo de Sonhos é Cláudio Pietzack, ainda em fase
experimental.

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A fase atual caracteriza -se ainda pela compra de terras, como estoque para produção
de grãos em larga escala. Alguns informam que cinco anos atrás era relativamente fácil
comprar um hectare de terra muito boa por R$ 10,00/ha. Hoje esse valor já multiplicou várias
vezes, mas a terra é ainda muito barata e pode ser adquirida por R$ 10,00, porém mais
distantes. Está em curso um acelerado movimento de compra de terras, com ênfase para a
grande propriedade, e para eles a transformação dessa região em um grande pólo sojeiro,
significa uma mudança radical na economia paraense, pois são movidos por uma mentalidade
de que “o progresso vem pela mão da economia de grãos”.

Origem dos empresários que tem interesse na plantação de soja:

1. São os grandes pecuaristas que já estão instalados em Castelo de Sonhos e em Novo


Progresso, considerando os mais próximos da fronteira do Pará com o Mato Grosso; ou
ainda os pecuaristas ou grandes agricultores já estabelecidos em municípios cortados
pela estrada Cuiabá-Santarém, tendo esta cidade como o pólo de irradiação. Nem
sempre a atividade agrícola será desenvolvida pelo pecuarista. Tanto pode vender
como arrendar suas terras. Sendo que, pelo custo relativamente baixo das terras, o
mais freqüente será a venda e a tranferência da atividade pecuária para novas terras.

2. São aqueles que estão chegando, provenientes do pólo sojeiro de Mato Grosso,
subindo a Cuiabá-Santarém, e que tem comprado grandes extensões de terras. Nesse
movimento de compra de terras encontram-se também grupos que estão adquirindo
enormes propriedades para fins especulativos e imobiliários. Pensam seguir a
experiência do Mato Grosso, ou seja, plantar arroz por dois anos e depois colocar a
soja. Os empresários entrevistados dizem que a plantação com soja só passa a ser
competitivo no mercado, logo lucrativa, com pelo menos uma extensão de 1.000 há.

3. Há pelos menos três movimentos: 1. é de venda de propriedades no Mato Grosso para


compra de outras maiores na Amazônia; 2. de ampliação de negócios de outras regiões
do Brasil, incorporando novas áreas da fronteira amazônica; 3. diversificação das
atividades de empresas que movimentam outros setores da economia, com a plantação
de soja;

Assim como o pequeno agricultor, os empresários de todos os setores e variados


tamanhos de seus empreendimentos, combinam no discurso sobre a ausência do Estado. Há
uma ausência de políticas para atender os diferentes níveis de necessidades da região. A
conversão dos usos da terra da pecuária para a produção de grãos é vista como um

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empreendedorismo próprio dos produtores. Porém, estão sendo financiados pelo FNO, por
meio de associações ou individualmente. Contudo, não se observam na margem da rodovia,
sinais de que os plantios estejam sendo adotados por muitos produtores.

4. PEQUENOS PRODUTORES RURAIS

4.1. Diferenciações internas da pequena produção na Santarém-Cuiabá

As categorias que seguem revelam a complexidade de situações e de atores nas áreas


estudadas, com interesses, motivações e papéis bastante diferenciados na ocupação e uso da
terra e no processo de desmatamento.
- Colono sitiante (clássico): chegado no projeto inicial da colonização, ocupando
módulos de 100 ha, assentados nas margens da rodovia, com estru turas familiares e
comunitárias sólidas;
- Migrante dos garimpos: grupo formado, geralmente por homens que procuraram se
estabelecer na agricultura após o declínio dos garimpos da bacia do Tapajós.
Ocuparam alguns lotes das margens, mas, a maior parte, os menos capitalizados,
ocuparam as vicinais.
- Assentados pelo Incra : grupo formado por pequenos produtores assentados a partir
de 1996, em Projetos de Assentamentos (PAs) que obedecem o modelo conhecido na
Amazônia como “Quadrado Burro”: lotes de 100 há, linearmente situados, sem
condições de viabilidade.
- Brasiguaios: pequenos produtores que perfizeram a trajetória de migração a partir da
construção de Itaipu ou pela escassez de terras em outras regiões do Paraná, que
trabalharam com soja no Paraguai e, nos últimos anos, fracassados, procuram terras
mais baratas na Santarém-Cuiabá com o objetivo de se estabelecerem como pequenos
pecuaristas.
- Colonos retornantes: sitiantes que abandonaram os lotes nos períodos críticos de
intrafegabilidade da rodovia e estão retornando com a possibilidade de asfaltamento e
valorização da região.
- Posseiros (aspirantes a produtores): chegam todos os dias em todas as cidades da
rodovia, vindos do Maranhão, do Tocantins e, principalmente, do Mato Grosso.
Procuram os STRs, as prefeituras e as empresas em busca de terra e emprego.

Os colonos que chegaram no inicio da ocupação são uma minoria e, aparentemente


estão mais fortes onde conseguiram ficar juntos numa mesma sub-região. É o caso das

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comunidades de São José, Linha Gaúcha e Santo Antônio a 55 kilômetros da cidade de Novo
Progresso, ao norte da Santarém-Cuiabá. Estão, em sua maioria há mais de vinte anos, onde
formaram lotes em torno de 200 ha, com pequena pecuária e cultivos diversificados,
principalmente para a subsistência. Estão organizados em comunidades e como associação de
produtores. A relativa estabilidade econômica e a estrutura de trabalho baseado na mão-de-
obra familiar vêm permitindo a permanência na terra, mas dificilmente a reprodução social das
famílias com esse perfil.

Os filhos desses agricultores não têm no ideal de sitiantes o seu projeto de vida. A
maioria estudou até a quarta ou a oitava série e gostariam de continuar os estudos e ter outra
profissão. Mesmo os que querem se manter na atividade teriam hoje a restrição do espaço
para desenvolver suas atividades, pois as terras de seus pais estão sendo cortejadas por
compradores de terras do Mato Grosso. Filhos que estão casando já combinam o trabalho nas
propriedades com o serviço assalariado. Esses produtores são encontrados também em
Trairão, em poucas propriedades na margem da rodovia. Também estão próximos entre si,
porém cercados por grandes propriedades.

A organização social desses produtores é diferenciada em cada município. Em Itaituba,


fazem parte do STR, junto com assentados dos PAS do INCRA; em Trairão, eles estão mais
presentes na Associação dos Produtores de Cacau, sendo que o STR representa mais os
produtores dos PÁS em Novo Progresso, eles são, em sua maioria, organizados pela
Associação dos Produtores ligada a FAEPA. Os sitiantes mais fortes são organizados em
associações locais. O STR tem entre seus sócios, assentados dos PAs, brasiguaios e colonos
sitiantes; em Castelo dos Sonhos, o STR congrega principalmente os assentados dos PAs e
aspirantes a produtores.

4.2. Movimento no espaço

Cada segmento tem um tipo próprio de movimentação no espaço que tem que ser visto
nas estruturas delineadas, mais determinantemente, nos últimos 50 anos no espaço agrário do
país.

Os estados de origem de todos os tipos de pequenos produtores que buscam espaço


na BR-163 passaram por um intenso processo de concentração dos meios de produção, a
partir da década de 50. No Centro-Sul, a política oficial incentivou a urbanização colada a uma
industrialização centrada na produção de bens de consumo duráveis. A indústria de
maquinários agrícolas dava suporte para uma política de industrialização da produção agrícola,

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incompatível com os padrões e sistemas de produção dos pequenos produtores. No Nordeste,
as estruturas oligárquicas de propriedade da terra se ampliaram intensificando a transferência
de mão-de-obra para a indústria do Centro -Sul e, a partir da década de 70, substancialmente,
para as oportunidades abertas com os Grandes Projetos minerais e de infra-estrutura na
Amazônia.
Essas dinâmicas ocasionaram diferentes movimentos migratórios no rumo do interior do
país, sendo que, a partir da década de 60, foram diretamente incentivados pelos Estado
Nacional. As trajetórias descritas abaixo, encontradas na Cuiabá-Santarém, são a continuidade
dessas dinâmicas macro vivenciadas no país.

Figura 7 - Colonos sitiantes e brasiguaios

Rio Grande Paraná BR-163 BR-163


do Sul Mato Pará

Rio Grande Paraná BR-163


do Sul Paraguai Pará

Rio Grande Mato Grosso BR-163


Paraná Paragua Pará
do Sul do Sul

Fonte: Pesquisa de Campo BR. 163 - Abril/2002

O estado de Santa Catarina entra nessas rotas como origem ou como estágio
intermediário na migração do Rio Grande do Sul para o Paraná.

A Figura 7 toma como referência a origem daquela população de trabalhadores de


diversas origens, que seguiram na história recente da Amazônia, a trilha das empreiteiras dos
grandes projetos, das empresas de madeira e de garimpo, dos programas de colonização, ou
vieram por conta própria para aventurar terra e/ou trabalho, e procura traçar as suas trajetórias
mais comuns.

41
Figura 8: Migrantes dos garimpos (mão-de-obra errante)

Garimpos Garimpos Lotes


do Mato Currutelas
Maranhão, do Pará comprados
Goiás, Minas Grosso
Gerais, São
Paulo,
RioGrande do
Sul, Paraná
Mato Grosso, Garimpos Assentamentos Vilas e Novos
do Pará Corrutelas
etc., do INCRA Garimpos
cidades

Fonte: Pesquisa de Campo BR 163 – Abril/2002

Na atividade garimpeira, aparentemente se repetem diferenciações sociais vistas em


outras atividades. A maior parte da mão-de-obra não qualificada vem do Nordeste, enquanto a
competência técnica e o controle das explorações ficam com pessoas originárias de estados
que também tiveram tradição de mineração (Goiás, Minas, São Paulo, mesmo Paraná). Em
Itaituba, onde os garimpos de ouro precedem a BR-163, a dinâmica e a propriedade das
explorações está ligada a grupos da própria região.

Para os colonos sitiantes a movimentação no espaço ocorre num tempo maior. Os que
se estabeleceram no início da colonização e permanecem até hoje estão com suas pequenas
propriedades estruturadas e a perspectiva de migração pode vir a ocorrer pelas seguintes
razões) geracionais: os filhos não desejam prosseguir na atividade e nem no local ou os velhos
começam a precisar de assistência médica e precisam morar nas cidades; ii) isolamento
produtivo e fundiário: os produtos diversificados não terão escala suficiente pa ra uma
organização produtiva mais forte, dificultando a relação com o mercado.

Mas pode acontecer também a viabilização desse setor, caso consiga as condições de
infra-estrutura necessárias nas vilas em que se concentram, articulando atividades rurais e
urbanas que ocupem os filhos e mantenha a atividade rural como base. Pela diversificação dos
produtos, eles podem abastecer as cidades com alimentos como hortaliças, pequenos animais
e derivados de leite. Os aglomerados que ficaram nas margens ou até 5 kilômetros da rodovia
podem se afirmar numa política voltada para este fim. Isto pode ser observado entre Rurópolis
ou Itaituba até Novo Progresso. Em Castelo de Sonhos a predominância é dos migrantes de
garimpos e dos novos pretendentes a produtores.

42
No caso dos brasiguaios, na origem da saída do Paraná estão a implantação dos
grandes cultivos de soja e a barragem de Itaipu. No Paraguai, alguns se estabeleceram como
proprietários e hoje, conforme depoimentos, as terras que ocuparam estão sendo adquiridas
por produtores de soja dos Estados Unidos. Foi relatado um grupo de 30 famílias que estão
tentando comprar 10 mil alqueires no Crepurizão, junto ao INCRA. Esses estão procurando
terra para a soja, o que já faziam no Paraguai. A terra, nessa região, custa R$ 40,00 o alqueire.

Os migrantes dos garimpos, de acordo com as observações, teriam mais dificuldade de


se estabelecer. Suas trajetórias levaram a perda dos vínculos com a terra, em certos casos, por
mais de uma geração. A terra é uma oportunidade que tem uma função de aventura, uma
possibilidade de "bamburro"24. Para eles, ganhar a terra e a casa em um assentamento já é um
bamburro. Poder vender a madeira do lote, associando a venda à manutenção da estrada
continua sendo. Mas quando acaba a madeira e a remuneração do trabalho passa a depender
apenas da agricultura de subsistência possível sem nenhuma assistência, então o
assentamento perde o sentido. Acaba -se a madeira, as empresas só mantêm a estrada se a
mesma for acesso para outras explorações. Sem escola e sem assistência médica, o
movimento no espaço se inverte e essa mão-de-obra errante sai em busca de outros
pequenos, eventuais e virtuais bamburros.

No extremo, em Castelo de Sonhos, onde se encontram as trajetórias mais complexas o


pretendente a pequeno produtor encontrado, pode ser chamado de virtual. Nunca foi, não é e
nunca será, embora seu vínculo com a terra seja garimpando minérios ou alimentos esteja
forjada em suas histórias. Sem nenhuma poupança eles dependem dos assentamentos do
INCRA para ter a terra. Os assentamentos são programados para não dar certo. Quando se
forma um assentamento, os pecuaristas madeireiros começam a se acercar das áreas,
geralmente escolhidas por serem as próximas das terras pretendidas por estes, sendo que o
assentamento facilita a apropriação legal das terras públicas.

Os assentados do INCRA vêm dos garimpos, mas podem fazer parte das levas de mão -
de-obra que estão se movimentando atrás da migração da atividade madeireira que chega ao
Pará com a expectativa de que aqui poderão ser proprietários de terra. O sonho da pecuária
move muitas dessas trajetórias como refencial de sucesso econômico.

24
“Bamburrar” significa achar muito ouro, compensar as dificuldades da busca e do investimento feito

43
Quadro 3: Principais Projetos de Assentamentos identificados

Projetos de
Municípios Assentamento Caracterização Conflitos

Manoel Joaquim Cavalcante seria o


Situa-se a 33 km da cidade de Trairão, representante do Grupo de Osmar
onde foi assentada uma comunidade Ferreira na área. Colocaram porteira
assistida pelos madeireiros para impedir a entrada e saída dos
Itaituba/Trair moradores do assentamento. A PF abriu
ão/Rurópolis AREIAS as porteiras, mas os assentados são
obrigados a vender a madeira dos seus
lotes para o grupo. É uma forma de
manutenção de mão-de -obra cativa e de
controle do preço da madeira.
Iniciado em 1995. Quando começou já Os conflitos estão sendo configurados.
tinha gente morando dentro, mas sem Pelo menos cinco pretensos a grandes
documentos. Há 20 Km de Trairão, no proprietários estão se acercando, todos
município de Altamira não tem não tem com uma área já dentro área do
25
estrada. Têm mais de 124 assentados, assentamento Alguns são conhecidos
dos quais 70% estão sem estrada. Foi do local, outros não. O mercado de
26
feito crédito de fomento do INCRA para terras funciona baseado na ilegalidade
menos da metade dos assentados. envolvendo grandes e pequenos numa
Muitos saíram e afirmam que voltam disputa desigual.
quando tiver infra-estrutura. Os lotes
mais distantes estão sendo vendidos
PROJETO RIO por R$ 300,00/500,00. Fala-se de
Trairão BONITO Osmar Ferreira (o rei do mogno em S.
Félix do Xingu) como dono das
empresas madeireiras que mantêm as
estradas e a exploração da madeira na
área.
Dos 124 assentados do Rio Bonito, 25
estão trabalhando em lotes da margem
da estrada, guardando os lotes dos
assentamentos para os filhos. Nesses
casos, os lotes funcionam como uma
poupança e, como tal, um risco, pois a
pressão sobre essas terras é grande.
Iniciado em 1997. A maioria dos O principal conflito refere-se à acusação
assentados é proveniente dos de que o prefeito anterior teria desviado
garimpos. Está situado a 55 km ao R$ 119 mil do assentamento Santa Júlia
Novo NOVA norte de Novo Progresso, com mais dez um assentamento de sua família como
Progresso FRONTEIRA km na vicinal. São lotes de 80 há e têm estratégia de concentração de 4.500 ha
200 assentados. É assistido pelos terras. No caso da Nova Fronteira, a
madeireiros na manutenção das principal queixa também é em relação ao
estradas, em troca vendem a madeira referido prefeito, que teria desviado
dos lotes. recursos das estradas, deixando os
25
Dolores, Cabeludo, Nelson, Chico Leocádio e Durvalino
26
Wilmar Luiz de Almeida é o maior latifundiário da região, grilando terras que vende para colonos e
pecuaristas e madeireiros.

44
dos lotes. recursos das estradas, deixando os
assentados no abandono. A madeireira
Taiga que possui placas por dezenas de
kilômetros na rodovia também estaria
ameaçando as terras do assentamento.
Situado a 50 km a norte de Novo Envolve o presidente da associação do
Progresso, tem cerca de 300 assentamento que estaria envolvido na
assentados. Não tem posto de saúde e venda das terras. Pecuaristas seriam os
Novo SANTA JÚLIA nem escolas e as estradas são principais compradores. Não tem posto
Progresso PA mantidas também por madeireiros. A de saúde e nem escolas e as estradas
entrada da vicinal Santa Júlia é uma vila são mantidas também por madeireiros.
madeireira.

Cerca de 80 posseiros estão Os posseiros chegam, principalmente do


reivindicando do INCRA uma área que, Mato Grosso e procuram o STR ou a
nos mapas da instituição, aparecem agência de emprego. São listados e a
com nomes de grupos empresariais ou demanda é levada ao INCRA. Na
de pessoas do Centro-Sul. São áreas semana da visita estavam entrando de
Novo GLEBA de 30 a 40 famílias por dia na Gleba. O
Progresso GOROTIRE Com média de 6.500 ha. Está situada a conflito é iminente e as ameaças de
40 Km da cidade, no sentido norte da morte contra o delegado sindical do
27
BR-163 até a vicinal de entrada. Na município são constantes. O STR
vicinal tem mais 30 km a Leste, no rio calcula que chegam ônibus e
Jamanxin. caminhões, trazendo de 2 a 3 mudanças
todos os dias.

RESERVA Poucas informações dão conta de que


INDÍGENA posseiros estariam invadindo a terra
BAÚ/MEKRAN indígena.
OTIRE
Fonte: Pesquisa de Campo Br 163 – Abril/2002

Em termos de localização geográfica e relação com as fazendas, mercado urbano e


madeireiras, os assentamentos obedecem o seguinte padrão:

27
Os grandes proprietários envolvidos nesse conflito são: Alexandre Trevisan (pecuarista), Grupos Tigre
e Bortuluzzi. Esses grupos colocaram porteiras nas estradas que dão acesso a Gleba Gorotire para
impedir a entrada de novos pretendentes a posse. Os colonos ficaram isolados até pouco tempo, até
que a Polícia Civil abriu as porteiras. O Grupo Tigre está comprando essas áreas do comerciante de
terras Nilton Braga, que também trabalha com madeira. Nilton teria transferido seu rebanho de gado
para o Mato Grosso. Teria repassado cerca de 100 mil ha para o Grupo Tigre. Vale observar que, nas
margens da Santarém -Cuiabá entre Castelo de Sonhos e Novo Progresso, passa-se por cerca de 20 km,
em que estão demarcadas áreas da Tigre de um lado e outro da rodovia. Placas sinalizam a posse e a
proibição de pesca nos rios que atravessam as vastas áreas. Na vicinal que dá acesso a Gleba Gorotire,
nos 200 Km está a Fazenda Vaca Branca que teria 3 km de frente por 70 de fundos, onde teria um
rebanho de cerca de 5.000 cabeças de gado; no rio Curuaes, a 90 Km a Oeste, na Terra do Meio, o
maior fazendeiro da região, Florindo Minucci, teria 9 km de frente por 70 de fundos, abrigando cerca de
15 mil cabeças de gado; as Fazendas Figuara e Bortoluzzi possuem 90 km numa só vicinal (a que foi
cercada e aberta pela polícia civil).

45
Figura 9 – Padrão de Assentamentos em Castelo de Sonhos e Novo Progresso

VICINAL
Assentamento
Fazendas

Fazendas Fazendas
Fazendas
BR-163

Assentamento
Madeireiras

Cidades

Fonte: Pesquisa de Campo Br 163 – Abril/2002

O esquema do “Quadrado Burro” é explícito na localização e no modelo de


assentamento das famílias. Em toso os casos identificados na pesquisa, pelos relatos de seus
moradores, esses assentamentos serão integrados à grande propriedade.

46
Figura 10 – Sucessão na posse da terra e assentamentos

A trajetória de ocupação de um assentamento na BR-163 pode ser descrita pela


seguinte representação:

Instalações
Posseiros Criação do precárias Abandono
reunidos PA pelo Ausência de do Poder
como INCRA regularizaçã Público
demanda o fundiária

Subordinação às madeireiras, que


os assentados vêem como aliadas

Abandono ou venda dos lotes

Demanda por lotes urbanos ou


novos assentamentos em outros
municípios

Fonte: Pesquisa de Campo Br 163 – Abril/2002

Com esse esquema conclui-se que há uma relação direta entre o modelo de
assentamento do INCRA e o mercado de terras. Conclui-se também que esse modelo sustenta
uma manipulação estrutural da mão -de-obra que transita pelas grandes propriedades da
região.

4.3. Questão Fundiária e Conflitos

A questão fundiária é um fator determinante na situação atual de todos os tipos de


pequenos produtores dessa região. Em geral, ninguém tem título de propriedade, mesmo os
que chegaram no início do projeto. A ocupação pela pecuária de grande porte, que vem
encontrando nessa região sua área de expansão está resultando numa brutal concentração

47
das terras. A apropriação de vastas áreas pelas empresas madeireiras também restringe as
possibilidades de expansão das atividades características da pequena produção.

Os PAs do INCRA têm sido um mecanismo de assentamento provisório de famílias que


chegam em busca de terra, geralmente a mais de 30 km das cidades, em vicinais mantidas
precariamente pelas empresas madeireiras. O abandono dos assentamentos a longas
distâncias de qualquer serviço público funciona estruturalmente como mecanismo de
"amansamento das terras" para posterior repasse para as empresas pecuaristas e madeireiras.

A instabilidade e a precariedade dos assentamentos determina uma mobilidade


constante das famílias, fazendo um percurso que começa quando chegam nas cidades e
conseguem algum trabalho temporário até que são assentados num PA, onde passam cerca
de 3 anos, com lavouras de subsistência combinada com a venda da madeira dos lotes. Ao fim
desse ciclo, chegam ao limite, pois não serão assistidos com saúde e nem educação. A
atividade agrícola não remunera e o sofrimento do isolamento são razões suficientes para o
repasse das terras por preços que variam de 300 a 4.000 reais, dependendo da distância. Em
todos os assentamentos, os pretendentes das terras já estão ocupando as bordas. Com a
venda, os assentamentos retornam para as vilas e cidades, onde adquirem lotes urbanos e
passam a engrossar a reserva de mão -de-obra errante para as poucas atividades econômicas
da região. Outros seguem outras rotas de migração. A perspectiva é de agudização da pobreza
e dos conflitos.

A concen tração populacional nas vilas e cidades, sem urbanização é uma tendência
forte, em muitos casos, incentivado pela extensão de energia e telefone e pela oferta de
escolas e atendimento de saúde.

A estrutura fundiária baseada em espinha de peixe definitiva mente é inapropriada e


irracional para uma ocupação em que a moradia se situe na extensão das vicinais, pois fica
muito cara a manutenção dos serviços. Uma ocupação que combine moradia nos núcleos
urbanos e o trabalho em vicinais estruturadas com transporte e a concentração das pequenas
propriedades nos primeiros 10 kilômetros, em módulos menores e tecnificados para uma
produção intensiva é a proposta que vem sendo desenvolvida pelos movimentos sociais da
área de colonização da Transamazônica. Uma forma de manter a atividade agrícola como uma
ocupação rentável e assegurar conforto e novas oportunidades de trabalho para as populações
rurais, diminuindo a penosidade do trabalho.

48
4.4. Relação dos pequenos produtores com outros atores

Cada tipo de pequeno produtor se relaciona de uma forma, pois suas diferenciações
também determinam graus diferenciados de legitimidade e tolerância diante dos grupos
empresarias que comandam a política da região. Os colonos sitiantes são vistos como
produtores, os que sabem trabalhar. Em Trairão é nítida a aversão de dirigentes do Poder
Público contra o STR por este estar tentando organizar os posseiros para conseguir terra. Em
Novo Progresso, há uma verdadeira ideologia que une pequenos proprietários aos médios e
grandes, excluindo os posseiros até em termos de organização social. A maior parte dos
pequenos produtores está vinculada à associação de produtores ligada a FAEPA. Os
migrantes dos garimpos assentados nos PAs são vistos, em geral, como menos trabalhadores.
Embora, todos reconheçam que as dificuldades estruturais desestimulam e justificam vender ou
abandonar os lotes.

Pode-se afirmar que os colonos sitiantes são tolerados, embora sejam assediados para
vender suas terras, tanto quanto os assentados dos PAs. Os assentados e os posseiros se
relacionam com as empresas como reserva de mão-de-obra, mão-de-obra cativa de empresas
madeireiras (como no caso do Areias) e como mão-de-obra barata para a exploração das
terras, tanto na oferta da madeira como na destocagem que facilita a entrada da pecuária. O
custo do desmatamento de grandes áreas é alto, sendo desejável aos grandes proprietários
que parte desse serviço seja feito pelos pequenos proprietários, às próprias custas.

O conflito também marca a relação com os pecuaristas que pretendem expandir suas
áreas nos assentamentos.

A relação com as madeireiras, até onde se pôde perceber, é marcada por uma aliança
de sobrevivência. São elas que garantem a estrada e, em alguns casos, o aviamento para a
exploração da madeira. São elas que transportam doentes nas emergências. Principalmente,
são elas que permitem um mínimo de circulação monetária entre os assentados. As empresas
que industrializam no local são também as depositárias da expectativa de emprego.

4. 5. Relação dos Pequenos Produtores com o Estado e o Mercado

A relação dessa região com o mercado é determinada principalmente pelo mercado de


terras para a expansão de atividades produtivas baseadas na oferta de matérias-primas
encontradas em abundância nos estoques de recursos naturais da Amazônia. A rodovia estava
dentro de uma estratégia do Estado e dos segmentos produtivos que influenciam os governos,

49
como acesso a uma fronteira de expansão de atividades produtivas que vêm se transferindo de
várias regiões do país, no sen tido Sul-Norte num tempo que pode ser remontado nos últimos
90 a 120 anos, cumprindo ciclos de mais ou menos 30 anos de exploração.

Porque a BR-163 está sendo ocupada num ritmo tão acelerado nos últimos anos?
houve aumento da demanda de madeira, de carne e seus derivados, de soja e outros grãos.
Mas, principalmente, as terras antes utilizadas para essas atividades apresentam sinais de
esgotamento ecológico, demandando elevados custos de produção. No caso da madeira,
muitas empresas se deslocam porque as florestas que a BR-163 acessa são generosas com
espécies de elevado valor de mercado, a fiscalização é dificultada pelas distâncias e ausência
do Poder Público e o controle político dos municípios está sendo feito por uma elite que tem a
mesma visão de progresso.

A relação com o mercado é mais intensa e significativa em relação a duas mercadorias:


a madeira e a terra. No caso dos assentados, a madeira é uma mercadoria com rápido
esgotamento. Isso depende muito do estoque presente nas áreas que eles detém o domínio. A
terra é a mercadoria mais procurada atualmente na região, principalmente por empresas
madeireiras, famílias estabelecidas no Centro-Sul especulando sobre a valorização dessas
áreas e por agricultores interessados na produção de grãos em grande escala.

Os colonos sitiantes mantêm uma relação com o mercado de gado, com vendas
esporádicas a título de poupança. Alguns vendem para manter um limite de rebanho
compatível com o tamanho dos pastos. Na média de produtividade da região, sem tecnologias,
em áreas de 15 a 20 ha, o rebanho não pode passar de 100 cabeças. Esse é o limite para
quem tem até 200 ha de terras mantendo as reservas legais.

A relação com o Poder Público aumenta em conflito quanto maior for a exclusão social.
É o caso das prefeituras, vistas em todos os municípios como aliadas dos pecuaristas e das
madeireiras, associadas a esquemas de desvios de recursos dos projetos de assentamentos.
Os Prefeitos são representantes políticos desses grupos sociais e almejam se constituir uma
nova elite influente no Estado.

A relação com o INCRA combina uma expectativa de mediação e solução dos conflitos
com a desconfiança em relação aos seus compromissos políticos e a decepção com o fato de
que o órgão não funciona em seus objetivos de ordenamento agrário. Todos os relatos e
observações em campo levam a crer que a ação do INCRA está dentro de uma estratégia de
loteamento de todo o Noroeste do Estado do Pará entre grandes grupos econômicos

50
pecuaristas, mineradores e madeireiros. Uma leitura histórica, dando a relevância devida aos
personagens que estiveram por trás das decisões sobre o destino das terras dessa região, nos
últimos vinte anos, poderia vir a concluir que há uma política articulada de privatização das
terras e de manipulação da pequena prod ução como força de trabalho para essa economia.

4. 6. Tendências do desmatamento relacionado a forma de apropriação e uso da


terra por pequenos produtores da BR-163

O impacto desses produtores sobre a floresta, em termos de escala é reduzido. Os


assentados que ocupam uma área de floresta, têm capacidade para desmatar não muito mais
que 1 ha em que pode trabalhar por até três anos com cultivos de subsistência. Durante esse
período ele vende a madeira que tinha no lote, abrindo clareiras que causam impacto , mas com
certa capacidade de regeneração. Se esses produtores forem apoiados sistematicamente para
se viabilizar como sitiantes, o ritmo de desmatamento das suas áreas será lento e poderá ser
sustentável com vários métodos de manejo. Tecnologias de sistemas de produção sustentáveis
para a agricultura e para a pecuária estão sendo testadas em várias regiões da Amazônia,
muitas bem sucedidas.

O que agrava a situação do desmatamento nessa forma de apropriação é sua própria


lógica de atrelamento a um sistema de apropriação dos recursos naturais, em que o
assentamento é o primeiro passo para uma exploração em escala e a forma de legitimação de
apropriação privada de terras públicas por grandes empresas e pecuaristas. Uma fazenda que
se apropria de 2.500 ha pode desmata 800 ha, legalmente. Com uma rentabilidade de menos
de uma cabeça de 0,9 cabeças/ha, as fazendas deverão continuar com práticas extensivas de
uso da terra. Uma observação visual, como no Sul do Pará, a maior parte dos pastos na
margem da rodovia apresenta pouco gado. Vale observar que, os pecuaristas (muitos também
madeireiros) vendem a madeira nobre das áreas em que fazem o corte raso para plantar
pastos.

Embora seja freqüente o discurso da modernização das práticas produtivas na pecuária,


verifica-se uma corrida por terras na região, uma reedição da trajetória do Sudeste do Pará,
pois a visão imediatista e "garimpeira" na relação com os recursos naturais parece ser a
motivação da maior parte dos agentes produtivos que estão se estruturando a economia da
região.

Os sitiantes também causam um impacto em escala reduzida. Eles também vendem


madeira, como uma fonte de renda suplementar na propriedade, o que para os assentados é a
fonte primordial. O aumento do desmatamento está ligado a necessidade de ampliação da

51
base produtiva, atualmente assentada na pequena pecuária e produção de cultivos perenes em
escala também reduzida - média de 1 ha estabelecimento. Soluções técnicas para o manejo de
pastagens, práticas de preparo de área sem uso do fogo, sistemas consorciados, entre outros,
poderiam reduzir a necessidade de abrir novas áreas para ampliar o rebanho bovino que é a
atividade mais extensiva que esse segmento desenvolve. A permanência dos sitiantes na
atividade, em condições favoráveis de reprodu ção social, contribuiria significativamente para
uma paisagem mais equilibrada na região.

52
CAPITULO III
A FRONTEIRA MAIS AVANÇADA DO PARÁ: SÃO FÉLIX DO XINGU

1. OCUPAÇÃO TRADICIO NAL, FRONTEIRA E MIGRAÇÃO.

O sobrevôo vindo de Marabá em direção a São Fé lix do Xingu, passando por


Redenção, Xinguara, Água Azul, Ourílândia do Norte e Tucumã, permite constatar a imensidão
de áreas desmatadas, com a paisagem das fazendas que se colam umas às outras. Compõem
um mosaico junto com as pequenas ilhas que restaram de mata, marcada ali ou lá com
algumas propriedades de pequenos produtores rurais. São Felix do Xingu é o segundo maior
município do Pará, do tamanho do estado do Tocantins, com uma população em torno de
70.000 habitantes.

Banhada pelos rios Fresco e Xingu, a cidade de São Félix do Xingu é um retrato nítido
da história da ocupação dessa região. À margem direita do rio Xingu, localizam-se os espaços
da antiga ocupação, voltada para o rio, identificando um modo tradicional de organização de
vilas e povoados amazônicos.

Para os grupos que migraram para essa região a partir anos 80, com interesse na
exploração extrativa, mineral e florestal, ou da pecuária, foi a relação com a estrada que
orientou a abertura de novas áreas, redefinindo o desenho e as modalidades de construção
inclusive do espaço urbano na capital do município. A região mostra os sinais da mineração de
cassiterita nos lagos que ali ficaram, formados pela extração do minério. Ficaram ainda seus
traços nas velhas casas de madeira na vila Taboca construídas no estilo americano da
expansão para o oeste, compradas para residências por moradores com alguma posse, ou
servindo para escritórios, hotéis ou comércio.

A expansão dessas frentes para São Félix do Xingu é resultante da ocupação massiva
verificada nos anos 70 em Marabá, abrindo um círculo nas áreas novas do sul e sudeste do
Pará, onde hoje se encontram municípios como Xinguara e Redenção. Os grupos
predominantemente formados por goianos, mineiros e tocantinos representam as frentes dos
anos 80, interessadas nas atividades de madeira, especificamente exploração do mogno, e da
pecuária.

A sucessão do uso da terra e o avanço sobre as áreas novas se dão, sobretudo pela
ação de dois atores: o pecuarista que chegou ao mesmo tempo em que se expandiam as

53
atividades de exploração da folha de jaborandi e da mineração de cassiterita. Atividades que
atraíram identicamente levas de migrantes empobrecidos em outras regiões do país, ou
oriundos das frentes de grandes obras do Pará (Tucuruí, Projeto Ferro Carajás etc.), para o
trabalho extrativo ou como peões para as atividades de desmate nas fazendas. O ciclo da
exploração do mogno, em meados dos anos 90, e com o esgotamento das reservas nas
proximidades da PA 279 e nas margens dos rios Fresco e Xingu próximo à cidade de SFX,
acaba por orientar a entrada de grupos para as novas áreas de ocupação, na direção do rio
Iriri.

O avanço da fronteira para o oeste é uma realidade preocupante, alimentada por grupos
de pecuaristas que chegam do Tocantins adentrando as matas em rumo ao rio Iriri e por
grupos oriundos do Mato Grosso, subindo pela Cuiabá-Santarém e dela repassando através de
estradas não oficiais ou reconhecidas pelos poderes municipais ou estaduais, comunicando
com as áreas novas do município de São Félix do Xingu, atravessando a região do Iriri.
Informações dão conta de que carretas com placa de Mato Grosso estariam atravessando o rio
Fresco, na cidade de São Félix, o que confirma a trafegabilidade das estradas construídas por
madeireiros e fazendeiros, ainda não identificadas ou reconhecidas pelo poder público. Um
morador de São Félix do Xingu informa ser possível chegar à Rodovia Cuiabá-Satarém, e, de
lá, dirigir-se para Mato Grosso, trafegando pela estrada do Iriri, e depois do último ponto do Iriri
faze r cerca de 200km para sair na altura do povoado de Moraes de Almeida ou abaixo da
cidade de Castelo de Sonhos, neste caso, atravessando as terras dos índios.

Antes de outubro de 2001 a madeira extraída em SFX, na região do Iriri, era escoada
pela balsa até SFX. Agora pararam por causa da fiscalização do IBAMA. Fecharam as serrarias
e ninguém vê mais movimento nesse sentido, dentro da cidade. Carretas com mogno deixaram
de atravessar a balsa do rio Fresco em direção à PA 150. Resta, porém, confirmar a mudan ça
da rota do mogno, através da Rodovia Cuiabá-Santarém. E conferir o que vai acontecer
quando chegar o verão, pois como as pessoas em geral dizem, a “safra” da madeira é no
verão, em função das chuvas que tornam as estradas intrafegáveis. Resta ainda saber como
se comportará a extração de madeira com o asfaltamento da Br 163 e da PA 279, esta a razão
da campanha levada a frente pela Prefeitura de SFX e Sindicato de Produtores Rurais “Asfalto
Já”.

1. 1. Modelo de ocupação da terra em São Félix do Xingu

O padrão predominante é o de grandes fazendas: o processo de apropriação das terras


no município começa a partir de 1985, conformando um modelo de ocupação com

54
predominância de grandes propriedades, voltadas com exclusividade para a pecuária. Ainda
que os fa zendeiros que possuem mais de 90% de propriedades não tenham terras tituladas, as
propriedades são reconhecidas e consolidadas pela pecuária. Para exemplificar, tomamos para
exame a situação de uma área do município ocupada com o padrão de grandes propriedades,
em terras com e sem licitação (Figuras 1 e 2) e a situação de outra (PA São José) cujo padrão
representa a ocupação da terra por pequenas propriedades rurais (Figura 3).

O primeiro exemplo traz um padrão de propriedades onde predomina o tamanho entre


2.500 a 3.000 hectares. Embora grandes propriedades, este padrão espelha parcialmente a
dinâmica local, pois escapa a esses dados a repartição de lotes, muitas vezes contíguos, entre
membros da mesma família que, juntos, chegam a ter até 30.000há. Ha uma relação direta
entre apropriação de terras por grandes fazendeiros e quantidade de cabeças de gado, cujo
plantel que se encontra em expansão, embora muitas propriedades tenham como objetivo a
valorização das terras para mercado de oportunidades futuras, caso de fazendeiros que
residem fora do município, mas mantêm suas terras sob controle de peonagem ou pela
parceria com fazendeiros locais, a eles associados.

As propriedades médias, se considerada a graduação dados pelos próprios fazendeiros


como padrão para SFX (grandes, médias e pequenas), ou seja, de 1000 a 1500 hectares,
somam apenas 13,79%, entre lotes com licitação. Não foi possível obter o numero total de
grandes e médias propriedades, nem o tamanho de terras que recobrem, porém as
informações cruzadas, obtidas junto à Prefeitura Municipal e inclusive a vários atores locais, é
que constitui o padrão predominante no município, até a região do Iriri, de propriedades de
mais 2.000há. Dados da Secretaria de Agricultura do Estado informam que tem 2814
propriedades cadastradas, mas incluindo pequenos estabelecimentos. No sindicato dos
produtores podem se filiar pequenos, médios e grandes produtores. O presidente do SPR
informa ainda que há uma presença mais importante do grande proprietário de terras. Pode-se
falar de 100 ha, mas também do potencial de produção - capital disponível e cabeças de gado.
Assim, cerca de 90% dos filiados ao sindicato possuem mais de 100 ha de terra. Mesmo a
Terra do Meio esta sendo "loteada" sob a modalidade de grande propriedade, aquecendo as
expectativas no mercado nacional de terras novas.

A historia recente do município arrola inúmeros conflitos com pequenos produtores


rurais em busca de terras, algumas vezes pressionando as áreas indígenas. Informações nos
falam das práticas de pistolagem, da violência e das ameaças de morte, ou ainda das mortes
causadas por conflito, nas terras do Sudoeste e Lindoeste, naquelas próximas às vilas de
Central e de Canopos ou ainda na direção dos rios Curuá e Iriri. Os fundamentos dos conflitos

55
são os mesmos de outras fronteiras, a posse da terra e os processos violentos de
concentração da propriedade, como mostram os dados das duas figuras abaixo, onde se
percebe a estrutura de posse da terra com mais de 50% das propriedades na faixa de 2500 a
3.000 ha de terras.
Figura 11: Área dos Lotes em Licitação

Área entre 1000 e 1500


13,79% ha
Área entre 1501 e 2000
10,78%
ha
Área entre 2001 a 2500
ha
53,88% Área entre 2501 a 3000
ha
21,55%

Total de Lotes em Licitação 232


Área Total Aproximada 557233,00 ha

Fonte: ITERPA, Belém

Tabela 2: Área dos Lotes em Licitação


QUANTIDADE
TAMANHO
ABS %
1000 a 1500 ha 32 13,79
1501 a 2000 ha 25 10,78
2001 a 2500 ha 50 21,55
2501 a 3000 ha 125 53,88
Área total de lotes 232 100
Fonte: ITERPA, Belém

Figura 12: Área dos Lotes Excluídos de Licitação

14,29%

Área entre 2000 e 2500 ha


Área entre 2501 e 3000 ha

85,71%

Total de Lotes Excluidos de Licitação 7


Área Total Aproximada 17249,00

Fonte: ITERPA, Belém

56
Tabela 3: Área dos Lotes Excluídos de Licitação

QUANTIDADE
TAMANHO
ABS %
2000 a 2500 ha 6 85,71
2501 a 3000 ha 1 14,29
Área total de lotes 7 100
Fonte: ITERPA, Belém

Os pequenos produtores que tiveram, sob diferentes modalidades28, acesso a um lote


de terras, localizaram-se às margens de estradas e suas vicinais, a partir de meados dos anos
70. Os primeiros chegaram na esteira de empresas de mineração de cassiterita e de ouro, ou
vieram para extração de jaborandi. Mais recentemente vieram para trabalhar como
assalariados de madeireiras e fazendas, alem de pequenos produtores com tradição agrícolas,
estes oriundos de áreas ambientalmente deprimidas ou de difícil acesso devido a concentração
de terras ou o seu preço no mercado.

O exemplo do Projeto de Assentamento São José é emblemático. Como o mais


populoso e consolidado, mostra que o padrão de ocupação da terra pelos pequenos produtores
é de lotes predominantemente na faixa entre 60 e 100 hectares (35%). A soma com a faixa
imediata em tamanho (40 a 60 hectares) chega a quase 60%, e ficam em praticamente 3/4 os
lotes até 150 hectares. Comparativamente aos dados de grandes e médias propriedades,
confirma a presença de uma estrutura com alta concentração da terra. As dificuldades impostas
pela falta de acesso (estradas) e a falta de políticas para manter o agricultor no campo,
inviabiliza em certas áreas a reprodução da pequena produção, como informa uma liderança
de associação do PA São José.

Observa-se nessas áreas que não é forte o movimento de pequenos ocupando as


fazendas improdutivas de médios e grandes proprietários, como já ocorre nas terras de
Xinguara, Redenção, Marabá e outros municípios de ocupação mais antiga De certa forma
esse processo diminuiu nessa área do PA São José e do Setor Pium, pois o interesse se
deslocou para o Iriri.

28
Ver sobre essa dinâmica de apropriação da terra, as análises do final deste capítulo.

57
Figura 13: Distribuição por tamanho dos lotes do PA São José
(Município São Félix do Xingu - PA)

0,78%

0,78%

0,26%

0,78%
Menor que 30 ha
5,21% 1,82% 3,91%
Entre 31 e 40 ha
23,18% 27,60% Entre 41 e 60 ha
Entre 61 e 100 ha
Entre 101 e 150 ha
Entre 151 e 300 ha
Entre 301 e 500 ha
Entre 501 e 1000 ha
Entre 1001 e 1500 ha
35,68%
Maior que 1500 ha

Fonte: ITERPA - 2001

Fonte: INCRA, Belém

Tabela 4: Distribuição por tamanho dos lotes do PA São José

QUANTIDADE
TAMANHO
ABS %
Menor ou igual a 30 (ha) 7 1,82
31 a 40 (ha) 15 3,91
41 a 60 (ha) 106 27,60
61 a 100 (ha) 137 35,68
101 a 150 (ha) 89 23,18
151 a 300 (ha) 20 5,21
301 a 500 (ha) 3 0,78
501 a 1000 (ha) 1 0,26
1001 a 1500 (ha) 3 0,78
Maior ou igual a1500 (ha) 3 0,78
Área total de lotes 384 100
Fonte: INCRA, Belém

1. 2. Percepção de ciclos extrativistas na economia local

O Brasão do município de São Félix do Xingu, criado em 1984, inspira -se na forte
presença indígena e procura afirmar as riquezas da floresta, explicitamente o ouro, a seringa e
a madeira. A Bandeira traduz esse mesmo ideário decantado em seu Brasão, datada de um
anos antes, 1983. O Hino municipal, com letra e música de Antônio Farias vai mais além, pela
verbalização, desse imaginário marcado pela forte presença da floresta e do rio Xingu.

58
Oh! Gigante adormecido de outrora
Que desperta ao raiar do dia
Teu futuro começa agora,
O teu nome já tem primazia

Oh! São Félix de matas e ouro


Como podes ser tão rico assim,
Oh! São Félix tu és um tesouro
Num Brasil de riquezas sem fim.

Em menos de 20 anos os símbolos do município passam a ter um valor quase que


histórico, pois as jazidas de ouro e outros minerais estão esgotando-se e a biodiversidade da
floresta, junto com os grupos tradicionais na exploração extrativa da seringa, do jaborandi ou
da castanha, desaparecem. A atividade extrativa fica cada vez mais restrita às áreas indígenas
que mantém seus sistemas tradicionais agro-silvo-florestais. Ou ainda para as terras onde se
expande o desmatamento com a intensificação do extrativismo da madeira, ou seja, a Terra do
Meio e o Iriri. Em 2001 o município de SFX já detinha o índice de maior taxa de desmatamento
no Pará, pelos dados do INPE e do MMA.

No início do século essa região era conhecida pela produção de seringa e de castanha.
Onde hoje é a capital do município era um entreposto de comercialização de seringa, chamado
São Félix da Boca do Rio, pela confluência entre os rios Fresco e Xingu. Este roteiro era
conhecido dos portugueses com o nome indígena de Tuyá, desde 1669. Foi lugar de missões
religiosas e esteve sob o monopólio comercial de Altamira, do qual foi desmembrado em 1961.
Embora ainda seja o segundo município do Pará em extensão territorial, seu território foi
dividido dando origem aos municípios de Tucumã e Ourilândia.

O extrativismo, atividade presente desde o século XVIII na região, entra em decadência


a partir da abertura das primeiras estradas ligando a região ao resto do país. Essa atividade vai
entrar em decadência com o desmatamento que elimina criminosamente milhares de
castanheiras e seringueiras. Mas também pelo esgotamento do jaborandi e das reservas de
ouro e cassiterita. Adaptado ao seu meio, o trabalhador nas atividades extrativistas produz
aquilo que se lhe apresenta a nível regional pela natureza. Natureza de múltiplos usos, cuja
oferta de variados produtos se adapta ao à demanda do mercado consumidor.

Atividade extremamente redutora da complexidade ambiental regional, a pecuária traz


consigo a perda de um conhecimento popular da floresta, da mesma forma que obriga o
extrativista (ribeirinho e indígena) a uma conversão forçada à pequena agropecuária, quiçá a
uma monocultura que o coloca, mais do que antes, à mercê das variações de preços no

59
mercado. O extrativismo se marginaliza, portanto, enquanto atividade econômica em São Felix
do Xingu, até desaparecer. Membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município dão
conta de três milhões de pés de castanha-do-pará mortos por queimadas.

Seqüencialmente, uma economia que se faz em ciclos de monocultura, com a


exploração de produtos variados com base na biodiversidade da floresta, tende ao
esgotamento dos recursos, como se pode visualizar no quadro abaixo:

Quadro 4: Ciclos da economia em São Félix do Xingu – 1970-200129

ANO EXTRATIVISMO PECUÁRIA AGRICULTURA

Castanha Seringa/látex
Pequena agricultura
1970 Raízes/folhas Ouro -
familiar
Cassiterita

Jaburandi Garimpo (ouro e Pequena agricultura


1980 cassiterita) Médias propriedades familiar

Pequena agricultura
Jaborandi Madeira =
1990 Grandes propriedades familiar associada à
Mogno
pecuária
Pequena agricultura
2000/01 Madeira = Mogno Grandes propriedades familiar associada à
pecuária

Para lideranças do Sindicato de Trabalhadores Rurais de SFX a pecuária é uma


atividade mais radical que o extrativismo praticado intensiva mente como é o caso da folha de
jaborandi e do minério de cassiterita, pois aquela atividade não tem exclusividade, é
abrangente de espécies vegetais e animais, e, portanto, também conduz a um esgotamento
“total das reservas”. Há ainda uma extração de cassiterita, com ocorrências pequenas e
esparsas. O extrativismo não é só uma atividade que se explora os recursos da floresta, mas
em torno dela se construíram sistemas de mando, de servidão e dominação, que se reedita nas
novas fronteiras, inclusive com trabalho escravo.

O jaborandi foi extraído de 1980 a 2000. É uma árvore que tem a altura de 1,5m, da
qual eram extraídas suas folhas e toda a produção tinha um comprador final, único, a empresa
Merck, multinacional de cosméticos. Os moradores de SFX lembram a ambição e a
concorrência de extratores e da extensa rede de “organizadores da produção”, a nível local,

29
O ciclo do mogno durou 10 anos, de 1991 a 2001, se efetivamente parou, o que falta maior
comprovação. O Pres. do Sindicado de Produtores Rurais de SFX acredita que vai haver um ciclo da
madeira branca. A pecuária, se seguir a tendência verificada em outras fronteiras, é possível que dê
lugar á agricultura de grande escala, de grãos.

60
tirando até as folhas pequenas, razão dada por eles para a extinção dos estoques, pois a partir
de um momento a atividade tornou-se economicamente inviável. Lembram dos caminhões que
chegavam cheios de peões do Maranhão ou de outros lugares, sobretudo do nordeste, para
trabalhar na sua extração. Grande parte destes acabaram ficando na região, como
mostramalguns depoimentos tomados.

Os comerciantes fala m com propriedade do super aquecimento do comércio na época


de venda da folha de jaborandi. Um fazendeiro registra que teria comprado a metade de sua
fazenda e colocado o pasto com a exploração e venda da folha, pois “não tinha entressafra, ela
era vendida o ano todo”. Muitos segmentos de comerciantes, pecuaristas a pequenos
produtores estavam envolvidos na extração e comércio do produto. E por isso configurava-se
como uma economia forte pelo engajamento de diferentes atores, e agressiva pois era
entendida como passageira. A folha já ia seca para a Paraíba e, era beneficiada, transformada
em pó. Depois era exportada para os EEUU, entrando como insumo na cadeia de produção
industrial de bens finais dos ramos de fármacos e cosméticos.

Figura 14: Cadeia de extração e comércio do jaborandi

Coleta por
Vegetex e outras
empresas
Gato
Chefe de peões
Organização
da coleta
Peões/coletores
autônomos Coleta na mata
Tirador/mateiro *
Seca das Folhas
Coletor
Comercialização
no mercado local
Compra pela
Merck
Transporte pela
Merck de SFX
Transforma na
Paraíba
Fabric. Intern.de
Cosmétic p/ Merck

61
A atividade mineradora ainda existe na região. Pequenas produções artesanais de
cassiterita são vistas ao longo da estrada que leva ao rio Iriri cujas jazidas foram exploradas
industrialmente no passado. Os relatos sobre a produção dão conta de uma barragem que
produzia energia, transportados por cabos de alta tensão que cruzavam a floresta e de grandes
máquinas industriais.

Prospecções minerais ainda são realizadas, pois há evidências da presença de zinco,


cobre e chumbo na área 30. A empresa inglesa Minorco, em associação com a Companhia Vale
do Rio Doce estão trabalhando a apenas dez quilômetros de São Feliz do Xingu, em direção ao
Iriri, próximo à Vila Tancredo. A Companhia Vale do Rio Doce, aliás, já possuiu no passado um
escritório em São Felix do Xingu.

2. ESTRADAS E SEU PAPEL ESTRATÉGICO NO AVANÇO DA FRONTEIRA:


FRENTES MADEIREIRA E PECUÁRIA PARA NOVAS ÁREAS

De Cuiabá-Santarém à São Félix do Xingu, diferentes segmentos socia is e por razões


diversas consideram a importância das estradas. Para além de sua importância para
escoamento da produção que interessa ao pecuarista e ao pequeno produtor, a estrada
assume um papel estratégico na medida que é decisiva para o avanço da fronteira e
incorporação de novas áreas ao mercado de terras. Madeireiras e fazendeiros investem, de
forma prioritária na abertura de estrada de São Félix em direção às terras do Iriri, para o
cruzamento com a Estrada Cuiabá -Santarém, atravessando a Terra do Meio. Tem estrada
madeireira por dentro das terras dos índios. Atravessa as Terras Indígenas Gorotire e
Menkarotire e Baú. O cálculo feito pelos dados coletados permite contabilizar mais de 2.600km
de estradas cortando a Terra do Meio, o que daria para ir de Belém à Brasília e até mesmo
chegar próximo de São Paulo. É a mesma área que hoje é pensada, de fora, pelos órgãos
ambientais, como preservada e pretendida para sediar um grande projeto privado
conservacionista da biodiversidade e unidades de conservação de uso direto (FLONA
Altamira).

30
A CPRM divulga em seu site a presença de depósitos de níquel nas localidades de Jacaré e
Jacarezinho, além da localidade de Onça, na bacia do rio Cateté. Parte do distrito mineral da Serra de
Carajás fica em São Felix do Xingu que será no futuro produtor de minério de ferro. Ver em
http://www.cprm.gov.br/bens/remi1027.html; http://www.cprm.gov.br/ingles/bens/iniq3.html e
http://www.cprm.gov.br/ingles/bens/iniq2.html.

62
Mapa 5: Planta de situação

Fonte: INCRA 1997

A região do Iriri foi aberta à ocupação nos anos 90. Segundo depoimento do Sr. Acioli,
um dos pioneiros da pecuária em grande escala em São Félix, em 1990 não tinha mais espaço
para novos proprietários na margem esquerda do Xingu. No Iriri estão os maiores e mais fortes
fazendeiros. Não são necessariamente as pessoas que ficam em SFX as compradoras de
terras. O mercado é mais amplo e informações dizem que entre os proprietários encontram-se
senadores e deputados, de diferentes estados da União. A expansão para o Iriri tem esse perfil
que se encontrou em outras fronteiras recentes da Amazônia, tendo a terra, justamente obtida
a preços baixos em função da distância e da grilagem, como um meio de poupança e
valorização “pelo tempo”, e reserva para alimentar o mercado de terras no país.

Um dos grandes fazendeiros com terras nas proximidades de SFX e um dos primeiros a
ocupar as terras no Iriri, informou que já se desfez de 50% de terras que “abriu” ali.
Provavelmente a venda de terras é um de seus mais importantes negócios em SFX,
conformando uma modalidade de corte de lotes de médio tamanho para venda em um sistema
que se aproxima da idéia de condomínio, po is o controle para evitar novos invasores, é feito
por peões contratados conjuntamente. Diz ter comprado as terras no Iriri (lado esquerdo do rio
Xingu) em 1990, pois via que tinha futuro, que tinha de abrir para lá as terras, pois era para lá

63
que iria se dirigir o progresso de São Félix. Fez inclusive doação de lotes para colonos que
estavam ali e que eles mesmos teriam pedido para tomar conta das suas terras. Embora
informações dêem conta de que ali existia um seringal e estava há muito tempo assentados
grupos de moradores que extraiam a seringa e que entendiam como suas essas terras como
recebidas por herança.

Fomos informados que as terras do Iriri teriam sido amplamente divulgadas no sudeste
e sul do país, como boas e baratas e por isso conhecidas no mercado nacional de terras,
sendo que alguns senadores e deputados de outros estados sem proprietários de lotes. Um
fazendeiro informa que trouxe 18 compradores da cidade de Porangatu, em Goiás, para
adquirirem seus lotes de 200 a 500 há na Central, na “Estrada Nova”, ou ainda conhecida por
Estrada do Iriri, a mesma para a qual os fazendeiros cotizaram-se para fazer um fundo de caixa
para sua construção e manutenção. A prática adotada, no caso de terras distantes, é reunir um
conjunto de pessoas conhecidas, ou ainda amigos ou parentes, se possível da mesma cidade
ou região de origem que adquirem lotes contíguos. A terra pode ser longe, mas na prática
confiam em um sistema de controle a partir da presença de famílias de empregados que
passam a morar nas fazendas e apoiada não raramente por pistoleiros a serviço dos
proprietários. Informações dão conta que em Porangatu, as pastagens estão secando pela falta
de água, mostrando os sinais de esgotamento. Na sua percepção “a terra que já era fraca em
várias partes de Goiás, agora está pior.

Tabela 5: Vilas e povoados na direção do Iriri

Vilas, povoados Distância de SFX Preço das passagens Regularidades das


(em km) de ônibus (em R$) viagens
Tancredo 20 2,00 Diária
Nereu 60 5,00 Diária
Vila da Fome 70 - -
Taboca 100 12,00 Diária
31
Vila São José - 14,00 Diária
Central - 27,00 Semanal
Canopos 300 35,00 Semanal

? A Estrada para o Iriri


Em 1995 os fazendeiros da região decidiram, junto com a Prefeitura de SFX, construir
uma outra estrada que sai da frente da cidade, pelo rio Xingu, e faz um atalho até o Iriri, com
um acesso secundário à vila de Central, a mais popu losa das estradas da Terra do Meio. É um
acesso para grandes fazendas também. Encontramos afixados em um muro da cidade, os

31
Depois dessa vila já consideram “região do Iriri”

64
nomes das fazendas e pessoas que contribuíram para a abertura da estrada, liderada pelo
Prefeito e pelo filho de um dos fazendeiros mais influentes do município. A estrada é a abertura
de uma nova fronteira interna de terras novas.

O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de São Félix do Xingu afirma que as
madeireiras são o carro -chefe da abertura das estradas que avançam na Terra do Meio, rumo
ao Iriri. “As madeireiras abrem o caminho e o povo consolida”. A cumplicidade entre
madeireiras, pecuaristas, poder público local, pequenos posseiros e pequenos proprietários é
patente.

Quando a pesquisa iniciou tínhamos a informação que o Iriri era o final da viagem, da
fronteira em expansão. Mas aos poucos compreendemos que a Terra do Meio estava
atravessada totalmente, e que essa fronteira ligava -se com a Rodovia Cuiabá -Santarém, e dela
com a Estrada Transgarimpeira que leva a região de Jacareacanga e ao extremo do noroeste
do Mato Grosso. Essa compreensão redefiniu a percepção da geopolítica da ocupação dessas
novas áreas.

Chega -se à Estrada Cuiabá-Santarém pelo Iriri, como também à Altamira pela Transiriri,
via Uruará. De São Félix do Xingu a estrada para Canopos32 que é o último ponto da linha de
ônibus. Não tem mais estrada. No rio Iriri é possível subir o rio de barco até Altamira ou subir o
rio Curuá e sair em Novo Progresso ou Castelo de Sonhos. Há acessos pela Transamazônica
até o km 30 (Itaituba/Rurópolis), onde cruza com a Rodovia Cuiabá -Santarém. Informações
deram conta que tem uma pequena estrada que liga a cidade de Rurópolis ao rio Iriri, e é
justamente esse acesso que tem sido utilizado no trânsito de grandes madeireiras mostrando
que os canais de comunicação entre a Transamazônica e São Félix do Xingu, são bem
presentes dos percursos de atores sociais dessas regiões.

? A Estrada das Fazendas


A Estrada das Fazendas, como é conhecida em SFX, atravessa uma área de ocupação
dos anos 80 marcada pelo interesse na mineração de cassiterita. Um trecho da estrada era
outrora a pista de pouso de aviões que serviam à empresa e abasteciam as suas diversas
frentes de trabalho, do município de São Felix à Marabá. A estrada foi construída pela
Mineradora Taboca, com extensão de 90 km, ligando áreas de trabalho à Vila da Empresa,
conhecida na época pelo nome da empresa, taboca, que hoje denomina a vila mais importante
dessa área. Era vital para a empresa ainda o investimento na estrada para garantir o

32
Vila de apoio à mineração de cassiterita.

65
escoamento da cassiterita em caminhões até a balsa do rio Fresco em direção á PA-150. Com
o esgotamento das jazidas, e a retirada da empresa, a estrada foi assumida pelos fazendeiros
que tinham interesse na valorização das terras uma vez que de uma e de outra margem estão
as fazendas enfileiradas, umas coladas às outras, acompanhando em uma distância de 50km,
o rio Xingu. A Taboca mineradora ajudou a abrir a área e trouxe muitas pessoas para trabalhar
nas jazidas em exploração. Parte dos pequenos produtores familiares que se encontram
assentados nessa região veio para trabalhar na Taboca Mineração. A empresa procurou se
apropriar de uma enorme extensão de terras que acabou gerando conflitos, pois além de
famílias tradicionais que ali estavam assentadas há bastante tempo desenvolvendo uma
economia agroextrativa, muitos pequenos produtores chegaram e ali assentaram-se,
decorrendo em litígio com a empresa. Houve conflitos com a empresa e muitos acabaram
resistindo e ali permanecendo até o presente, cuja população é fundamentalmente formada por
famílias de pequenos produtores que trabalham com a terra. Mas as terras não são boas. As
fazendas acabam justamente onde começa a terra com grande incidência de areais e de
pedreiras. Terra difícil de ser trabalhada, embora fértil, segundo os pequenos produtores rurais.
Os sinais da presença de Taboca estão ainda na antena de telefonia no alto de uma serra, n as
proximidades da vila Taboca.

Cerca de 32 fazendas estão situadas em 90 km da Estrada dos Fazendeiros. Uma


média de 4 a 5 km de frente em cada terreno. Porém, uma só fazenda33 ocupa mais de 15 km
da estrada.

Essa estrada recebe manutenção e é mais bem conservada que a estrada do Tancredo,
a dos pequenos produtores. Uma outra estrada dá acesso por essa região, ligando São Félix a
Tucumã, pela fazenda do Sr. Acioli.Segundo fazendeiro, a estrada foi construída por ele, em
1990 e contou com o apoio de manutenção da madeireira Peracchi, que utilizava essa rota
como acesso ao Iriri, por Tucumã. A prefeitura de São Félix, conjuntamente com fazendeiros,
fez uma ligação dessa estrada com a PA-279, passando pelo rio Fresco. O Sr. Acioli teria
abertto, com recursos próprios, 35 km dessa via da PA-279 até a vila de Tancredo, onde estão
situados pequenos proprietários. Essa malha viária se justifica porque a pecuária ocupa 180
km da margem direita do rio Fresco e do Xingu. E essa ocupação se deu nos últimos dez anos!
Em 1990, não tinha mais espaço desocupado na margem direita do Xingu.

33
Informada como pertencente a Wilmar Prudente, um fazendeiro goiano.

66
As propriedades localizadas na Estrada das Fazendas que liga SFX a Taboca, constitui
um conjunto compacto de fazendas médias e grandes, cujos proprietários provém de vários
estados do Brasil, mas principalmente de Colinas, Tocantins.

? Estrada de Tancredo - Taboca


Existe uma estrada antiga aberta pela mineradora Canopus que acompanha o Xingu
pela margem direita por cerca de 120 km, passando na área da mineradora e entrando na
região do Iriri pelo Porto Estrela. Este foi o acesso oficial por onde as empresas madeireiras
abriram seus acessos a norte e ao sul da região, seguidos da pecuária que se vem se
instalando no Iriri desde 1998. Nos cerca de 90 Km que dão acesso de S.Félix até a vila da
mineradora Taboca existem duas estradas principais: uma dos pequenos produtores, onde
estão localizadas algumas vilas e pequenas propriedades com plantações e pecuária em
pequena escala. A outra é conhecida como Estrada das Fazendas em função do padrão de
ocupação do solo ser basicamente de médias e grandes fazendas para pecuária. Acompanha
a calha do rio, pois a maioria das fazendas se limita com o Xingu.

Atualmente, essas estradas – das Fazendas e de Taboca - servem para transporte de


gado, madeiras e, muito precariamente, dos habitantes dos projetos de assentamento e das
vilas que abrigam a mão-de-obra que trabalha nas fazendas e para as madeireiras. O comércio
é fraco se for verificado o capital que circula com a comercialização de gado.

? Estradas que ligam SFX à Rodovia Cuiabá-Santarém


Duas estradas abertas por madeireiros dão acesso do Xingu à Santarém-Cuiabá. A
primeira, saindo da foz do Igarapé Porto Seguro, segue 200 km até a fazenda Jaú, na divisa
desse igarapé com a TI Mekranotire. Daí segue até uma pista de pouso no rio Curuá, dentro
da TI Baú, próximo a Castelo dos Sonhos, na Santarém-Cuiabá. Dessa pista no rio Curuá, sai
outra estrada até o Xingu, passando por uma fazenda da Maginco, situada a cerca de 40 km da
margem esquerda do rio. Conforme informações obtidas em S. Félix, a maior parte do
movimento dessa estrada passa por uma outra, na TI Gorotire que vai até Redenção. Se essas
informações forem verdadeiras, tem-se mais de 2.000 km de estradas dentro das terras
indígenas dessa região.

? Outras estradas

Há ainda uma outra estrada, que não foi dado o nome, que vai até a comunidade de
Ladeira Vermelha, onde estão cerca de 3.000 pessoas, e segue ainda até cruzar com a
Estrada Translevino, antes de chegar nas comunidades de Sudoeste e de Lindoeste. Tem

67
ainda uma outra estrada que vai em direção à Minas Gerais. Dizem que está é também uma
“vicinal”, ou ainda uma estrada madeireira.

A região a Norte e a Sul da PA-279 é totalmente cortada de estradas de chão, bem


conservadas, que dão acesso a fazendas, raras vilas. Essas estradas chegam aos limites das
terras indígenas. Na vista aérea, foi possível ver uma estrada que atravessa a reserva indígena
Xikrin do Catete de dentro da reserva até o limite com as fazendas a Sul da Terra Indígena.

Da fazenda Jaú sai uma outra estrada no rumo Norte, com cerca de 300 Km que vai até
a comunidade de Central, correndo quase paralela a estrada que está sendo aberta pelos
pecuaristas, conhecida como Translevino (Levino é o nome do prefeito atual de S. Félix do
Xingu). Entre a vila de Central e o rio Iriri, ao norte, existe uma outra estrada, com cerca de 400
Km que dá acesso a Transamazônica por Uruará. Provavelmente essa é a Estrada do Xabá,
que passa próximo a fazenda Juvelândia. Muita madeira do Iriri sai por essa estrada para ser
serrada em Uruará. Nessa região, registra-se conflitos entre grupos madeireiros com a fazenda
Juvelândia, situada no Iriri, ao sul de Uruará. Notícias sobre mão-de-obra cativa e assassinatos
de trabalhadores nessa região chegam freqüentemente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de São Félix do Xingu. Pessoas morrendo com malária nessas matas também parece comum.

Um fazendeiro acredita que a estrada do Iriri vai chegar até a Estrada Cuiabá -
Santarém.Outro fazendeiro comple taria que o “ideal é chegar até Lima, no Peru” ou ainda
“quero é que a Amazônia se torne uma grande fazenda, isso não é mal”.A estrada passa pelo
meio das terras dele localizada nas novas áreas da expansão da pecuária, a região do Iriri,
onde o estado pensa que as terras da União estão imunes da ocupação ilegal. Diz que abriu a
estrada da central até o rio Triunfo. A ponte do rio Triunfo está pronta, falta apenas 15 km para
completar e emendar com a... O sonho é ainda ver São Félix do Xingu, daqui a 20 anos, com
as estradas asfaltadas, começando agora pela PA 279, 3 a 5 frigoríficos, e muito progresso.

Tem uma estrada nova até a Central e depois ela deverá ir até Canopos. De Canopos
dá para ir até o Iriri. Eles vão no verão de carro pescar, inclusive passou a ser uma atração
para a cidade a vinda de ônibus fretado, de Minas e de Goiás, cheio de turistas para pescar. E
o Iriri é um dos lugares procurados, justamente a estrada de novas fronteiras, agora cheias de
pastagem.

É uma ilusão pensar que essas terras estão ainda aguardando as decisões do estado
na definição das Unidades de Conservação planejadas juntamente com organizações da

68
sociedade civil 34. Internamente, na Terra do Meio essas estradas têm várias outras artérias já
trafegáveis dentro das TI Baú, Mekranotire, Pokanu e Kokraimoro. Essas estradas têm apoio
logístico de nove pistas de pouso: Curuá, Água Branca, 33, Maginco e Fim do Mundo,
pertencentes e controladas por madeireiras; Cebolão, Iucatã, Jaú e Sapucaia, que servem de
apoio também aos pecuaristas.

3. MIGRAÇÃO E AVANÇO DA FRONTEIRA

Embora tenham sido altas as taxas de crescimento para todas as microrregiões do


estado do Pará nas últimas décadas, a de São Félix do Xingu é a maior, se considerarmos o
crescimento entre 1980 e 1990 como se pode observar na tabela abaixo. Tal crescimento
deve -se, sobretudo, ao movimento migratório redirecionado nesse período para o sudoeste do
Pará. Nessa década, como veremos mais adiante, configura -se a frente pecuária e intensifica -
se a exploração mineral, havendo um afluxo importante de pequenos produtores rurais. Os
grupos de migrantes que chegaram provinham de diferentes lugares do país, na grande parte
motivados pelo avanço da fronteira e nas oportunidades de terra e de trabalho.

Tabela 6: Crescimento Populacional de Microrregiões do Pará


(População Total Residente) - 1970 – 1996

Microrregiões 1970 1980 1990 1996


Almeirim 19.412 44.882 47.045 60.085
Altamira 18.316 52.887 199.316 222.980
Arari 85.305 89.185 102.377 111.090
Belém 687.266 1.041.488 1.528.286 1.628.746
Bragança 185.593 256.408 277.343 301.558
Cametá 190.565 248.415 296.879 321.763
Conceição do Araguaia 38.038 123.937 75.971 89.973
Castanhal 87.029 134.075 167.863 203.511
Furos de Breves 88.100 116.163 134.286 148.882
Guamá 166.854 263.339 303.046 307.404
Itaituba 21.509 51.322 149.614 176.484
Marabá 39.800 95.655 148.141 188.818
Óbidos 74.158 102.802 121.480 131.612
Paragominas 14.697 48.112 149.090 183.984
Parauabepas - - 92.448 137.964
Portel 40.890 77.677 76.226 80.772
Redenção - - 172.761 158.762
Salgado 112.086 136.430 183.983 195.649
Santarém 210.919 319.748 392.957 385.973
S ão Félix do Xingu 2.332 4.954 84.114 99.233
Tomé-Açu 66.654 104.381 150.530 189.348
Tucuruí 17.495 91.639 167.798 186.258
Fonte: IBGE. SUDAM/PNUD – Cenários Sociais para a Amazônia Legal 2000/2010

34
No Ver reportagens de jornais na bibliografia.

69
Embora com várias origens esse s atores sociais se distinguem ainda pela situação de
capitalização anterior, pois alguns venderam suas terras que se tornaram caras para a
atividade pecuária em estados cujas terras se tornaram degradadas e procuraram mais para
frente terras férteis com objetivo inclusive de ampliar sua capacidade empresarial. Aqueles que
se dirigem para atividades pecuária, madeireira ou comércio são mineiros e goianos,
tocantinos, alguns ainda do Paraná, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Mas, pelas
informações obtidas, poucos vêm capitalizados, e o interesse é, sobretudo pelas terras para
pecuária. A grande maioria chega sem nada e muitos são bem sucedidos e rapidamente. O
exame das trajetórias é importante para desvendar e discutir as motivações dos atores
sociais.O próprio Presidente do Sindicato de Produtores Rurais, segundo informou, era
pequeno produtor e se tornou em cinco anos que reside em SFX, um médio pecuarista em
ascensão. As narrativas sobre ascensão social são uma tônica recorrente e confirmam os
estudos anteriores que se referiam à mobilidade social como uma matriz das ações dos
indivíduos na fronteira. Em síntese o quadro se expressa da seguinte forma:

a. São oriundos de uma tradição pecuária que passa de pai para filho, originária de
regiões que tiveram sua economia baseada na pecuária. Muitas vezes nasceram e
se criaram em fazendas e cuja expansão, mais para o norte do país, potencializaria
o projeto de continuidade na atividade para os filhos, beneficiando -se do
conhecimento acumulado sobre a atividade, pelas gerações anteriores. É o exemplo
de um pecuarista pioneiro na chegada à SFX, filho de pecuarista que migrou de
Minas gerais para Goiás. Juntamente com as fazendas de seus três filhos, soma um
volume de 17.000 cabeças de gado35.

b. Originários de estados produtores de gado, mas sem tradição na atividade, a


aquisição de terras para iniciar com a pecuária constitui um investimento inicial em
um outro ramo de atividade.

c. Compra de terras e abertura de pastagens como modalidade de reserva de valor


para expansão da pecuária quando suas terras em outros estados tiverem
economicamente inviáveis para pecuária ou ainda como reserva de valor para
produção de grãos;

d. Constituição de fazendas para valorização e especulação imobiliária.


35
Com seus três filhos, todos eles fazendeiros, formam um grupo de referência no município por constitui
um exemplo de sucesso familiar exclusivamente na atividade pecuária, embora esta atividade esteja
associada à venda de terras em regiões de nova expansão.

70
O fluxo, também crescente, de pequenos produtores rurais ou de trabalhadores sem
terra que buscam trabalho ou lotes para se estabelecer, tem origem, em ordem de volume
migratório, nos seguintes estados: Maranhão, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Piauí,
Tocantins, Mato-Grosso e Rio Grande do Sul. Porém têm chegado também famílias que vieram
recentemente de Tucumã, de Ourilândia do Norte, de Marabá, de Xinguara e de Redenção.
Como em outras regiões de fronteira mais antiga na Amazônia, tem alguns grupos mais
propensos a vende r seus lotes de continuar em busca de novas terras, com a esperança de
melhorar suas condições de vida. Segundo informaram, os gaúchos e os mineiros têm um perfil
de maior organização e seriam mais trabalhadores nos próprios seus lotes que os nordestinos.
As pessoas que vêm de Tucumã e Ourilândia do Norte, muitos na seqüência de deslocamentos
já realizados anteriormente, vêm direto em busca de compra de lotes que estão sendo
vendidos por pequenos produtores do Setor PIUM, de Taboca ou outras localidades do PA São
José.

Esses fluxos para a Amazônia são diferentes daqueles verificados com a entrada de
fronteiras dos anos 70 ou 80. Agora ele tem a ver com a crise nacional. Crise no campo, mas
também crise da relação salarial. Pessoas que eram do comércio, ou assalariados de
empresas, por exemplo, começam uma nova vida como pequenos produtores rurais. Era uma
migração de camponeses para a terra e para o trabalho assalariado de grandes projetos

Figura 15: Compradores potenciais de terras em São Félix do Xingu

GRANDES FAZENDEIROS PEQUENOS PRODUTORES


E COMPRADORES E COMPRADORES

• Tocantins Maranhão •
• Minas Gerais Bahia •
• Goiás Piauí •
• Rio Grande do Minas Gerais •
MERCADO
Sul Ceará •
DE TERRA
• São Paulo Tocantins •
• Mato Grosso Mato Gros so •
• Redenção Pernambuco •
• Xinguara

71
Em contrapartida, há um movimento constante de venda de lotes, e ida mais para
frente, na crença de poder comprar lotes maiores e com melhores condições. Para os
pequenos proprietários, uma boa parte dos que vendem os lotes vão se estabelecer nas
cidades. Colocam os filhos para estudar ou deixam na cidade e vão “para a aventura” de
comprar e vender terras no Iriri.

Em áreas onde a ocupação está mais consolidada, o avanço das grandes e médias
propriedades se dá pela compra dos lotes de pequenos produtoras familiares. Fazendo um
exercício de percepção futura, projetando para daqui a 10 anos, dizem, vai acontecer o que se
viu para trás – pecuária e grandes fazendas, pois é esse o movimento predominante. Não há
mais o movimento de pequenos ocupando as fazendas dos grandes. Segundo informou o
Presidente da Associação de Pequenos Produtores de PIUM, “esse processo diminuiu nas
áreas do PA São José e do Setor Pium, pois o interesse se deslocou para o Iriri”. Ele lembra do
projeto Banco de Terra, pleiteado pelos pequenos agricultores ao Estado, que seria importante
para reduzir os problemas de conflitos e assentar os pequenos produtores sem terras, mas que
ele não foi avante36.

A terra é o atual garimpo. A cultura do garimpo faz parte de uma cultura e das relações
sociais da fronteira, e é agora editada pela terra em São Félix do Xingu, conforme referência de
uma liderança. O mercado de terras em São Félix do Xingu é mais forte que em Cuiabá -
Santarém e o preço da terra mais alto. Mas está aumentando todos os dois movimentos de
grupos que vem em busca de terra e oportunidades de renda, e são eles compradores
potenciais das terras. Eles são os interlocutores para aqueles que tem interesse em vender
seus lotes.

? Legalidade e ilegalidade na fronteira. A ausência do Estado.

As referências sobre os processo de grilagem, por vários atores, e as denúncias feitas


sobre essa região no Ministério Público, na Política Federal e no IBAMA, confirmam que a
grilagem (tiragem de terra, para alguns) em SFX e na região do rio Iriri. O “tirador” vende para
potencial comprador. Segundo fazendeiros, essa operação não tem nenhum perigo, nem
mesmo de perda da terra porque a terra é do estado, e “se é da União é de todos nós”. Há uma

36
O INCRA apresentou um projeto para os trabalhadores no Acampamento que tem 18.000
trabalhadores do sul e do sudeste do Pará, em Marabá, no final de 1999. O Governo do estado do Pará
não assinou o aceite para criar o Banco de Terra. “Se não defendermos nossa posição politicamente,
pois é isso no fundo que decide a situação, vai virar a maior miséria do século”, acrescenta aquela
liderança.

72
especialização, de pessoas que só vivem do comércio de terras, mas de certa forma muitos
atores sociais estão envolvidos na “tiragem” da terra e em todos os procedimentos que
envolvem a sua comercialização. Nessa economia, quem ganha mais é aquele que grila e
vende a terra, ou aqueles que compram a terra de grileiros por um preço baixo e que tem
capacidade de comercializar os lotes em regiões mais capitalizadas. Quanto á rentabilidade, é
superior ao comércio de gado, pois o mercado também é mais aquecido.

Figura 16 Grilagem de terras

Madeireiro entra e abre “Tirador” deTerras Organização de venda


estradas (grilagem) da madeira

Grupos imobiliários Grupos imobiliários


do sul/sudeste locais e regionais

Um entrevistado que adquiriu terras griladas no Iriri, disse não se preocupar pois não
percebe nenhum risco da terra ser retomada pela União por que as pessoas que conseguiram
essas terras por essa modalidade, permanecem e constroem suas benfeitorias na terra,
tornando -se em muitos casos, bem sucedidos e participantes das estruturas de poder local e
mesmo regional.

Em entrevista a diretoria da FAEPA manifestou-se pela legalidade, “legalizar a terra


para poder trabalhar e fazer um plano de manejo”. Considera que pela legalidade ganham
todos, o social, o econômico e o ambiental. Diz que o problema da Amazônia foi começar por
um processo de ordenamento ilegal. Acha que com o instrumento legal de aumento da área de
Reserva Legal, é um instrumento que freará o avanço do desmatamento. Outra tese do
Governo do estado é de intensificar a produção, como forma de ganhos econômicos.

Mas o grande problema é que não existe regularização fundiária. As terras pertencem
ao INCRA. Mas a ilegalidade amplia-se e ela tem uma relação direta com o desmatamento,
pois o problema fundiário permanece na região. As pessoas que chegam acabam por se
instalar e criar uma “legalidade particular”, para preencher o vazio da legalidade oficial.Nesse
vazio, todos vendem a madeira, de forma clandestina, do pequeno ao grande. A madeira é de
longe o que mais aquece a economia e permite transferir ganhos para outras atividades como
a pecuária. E a produção pecuária pode se fazer pelo trabalho irregular nas fazendas e pela
aquisição de novas terras, na ausência de órgãos responsáveis do Estado e da União. Em São
Félix do Xingu, como em Castelo de Sonhos um empresário exprime que a ilegalidade não
ajuda o conjunto da economia e acha que as medidas regulatórias teriam uma função de criar
padrões coletivos de funcionamento, para todos. É essencial a institucionalidade das estruturas

73
da economia, e sua regulação, como o funcionamento regular de bancos, de acessos rápidos
como a estrada, agência de órgãos do governo, etc. Eles jogam com a ilegalidade e o discurso
mais corrente entre todos os entrevistados do setor empresarial é o confronto verbal contra o
Estado.

4. EXPANSÃO DA FRONTEIRA E ATIVIDADE PECUÁRIA

4.1. A pecuária nas terras novas

De acordo com as informações do Sindicato dos Produtores de São Félix do Xingu, o


município possui o maior rebanho do Estado do Pará, tendo sido notificado como vacinadas
contra febre aftosa 887.313 cabeças de gado (939.177cadastradas). Não representa, porém a
totalidade do rebanho, pois para o SPRs e a Prefeitura de São Félix do Xingu ele está em torno
de 1.200.000 cabeças de gado 37. Rebanho superior, segundo seus cálculos, ao dos municípios
de Xinguara, Tucumã, Água Azul e Ourilândia do Norte ju ntos38, embora Tucumã seja o
município com maior produção leiteira do Pará. Ainda limitados pela barreira sanitária, vendem
esporadicamente para os principais mercados do Nordeste (Recife, Fortaleza, Natal) e para o
mercado de Belém e Paragominas. Com a barreira, o preço da arroba está em torno de R$
32,00, sem a barreira, consideram que pode chegar a R$37,00. Os frigoríficos que compram
carne de São Félix para o mercado de Belém estão situados em Castanhal e Santa Izabel do
Pará. No entanto, os mercados-alvo são o Reino Unido e a Comunidade Européia. A
solicitação de patente do Boi Verde está dentro dessa estratégia.

Em 13 anos, o município de São Félix do Xingu, chegou ao primeiro lugar em rebanho


no Pará e o quatro lugar no Brasil. A perspectiva de crescimento da atividade é medida pela
quantidade de terras disponíveis para a pecuária. O proprietário da empresa Agrosêmen, há
quatro anos em São Félix, afirma que “tem muita terra ainda para expandir, até no Mato Grosso
e daí para adiante, mesmo se permanecer a Medida Provisória que reduz para 20% a área
desmatada, o rebanho vai triplicar no município”.

37
A fazenda Belauto, a família Acioli, a Fazenda Jaú e Wilmar Prudente são considerados os que
possuem os maiores rebanhos: em torno de 20 mil cabeças cada fazenda. Os Quagliatto, família paulista
de fazendeiros, já há muito consolidados em Xinguara, teriam entre seus vários membros, cerca de 200
mil cabeças na região.
38
A produção de leite tem origem nas pequenas propriedades, porém cada vez mais as médias e
grandes fazendas optam por investir na produção leiteira, conforme pode ser visto mais adiante, neste
relatório.

74
4. 2. A trajetória de migração da pecuária extensiva no território brasileiro

Com base nas entrevistas, pode -se ensaiar uma explicação teórica da dinâmica de
ocupação subseqüente da pecuária sobre o território, no sentido da interiorização da atividade
no Continente 39. A pecuária de corte baseada na criação de nelore, “abre o país” para outras
atividades produtivas. O nelore é uma variedade rústica, de fácil adaptação em sistemas
extensivos. A criação extensiva de nelore oportuniza as terras baratas ou sem custos de
aquisição nas fronteiras, a fertilidade natural dessas terras, o baixo custo de mão-de-obra e,
principalmente, o espaço pouco ocupado.

Com o esgotamento das condições ecológicas (perda de nutrientes dos solos,


assoreamento das redes hídricas e surgimento de pragas) eleva-se o custo de reforma dos
pastos e as terras, já mais próximas do mercado e mais “beneficiadas”, ficam mais caras, se
tornando menos rentáveis para o gado de corte e mais rentáveis para o gado leiteiro ou para
atividades agrícolas com maior valor agregado por hectare. Foi assim que as fazendas de corte
de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo e Paraná, foram sendo substituídas po r sistemas
de produção intensivos de pecuária ou agrícolas e em escala industrial. De acordo com
testemunhos de pessoas que passaram a infância nesses estados, a pecuária de corte (nelore)
foi substituída pelas plantations de café, grãos ou por sistemas in tensivos que poucos puderam
adotar pelos custos mais elevados.

A sucessão geracional também influencia na migração da atividade, quando os filhos


ficam adultos e a família precisa dividir a propriedade, demanda por mais terra. As terras novas
são então o espaço de acomodação das novas gerações na atividade. Em São Félix, a maioria
dos pecuaristas é jovem, na faixa dos quarenta anos. Isso explica a receptividade por novas
tecnologias e ambições em relação ao mercado externo com produtos de qualidade melhora da.

Na sucessão da ocupação do território do Centro-Norte, nas últimas três décadas,


observa-se algumas trilhas de migração das atividades produtivas, que influenciam a ocupação
de São Félix do Xingu:

39
Novas regiões do país vem sendo integrad as à economia do país, como espaços produtivos, a partir
dos grandes centros, primeiro como resposta às dinâmicas primário-exportadora e posteriormente
industrial. Ver sobre o assunto: Cano, W. "Raízes da Concentração Industrial em São Paulo". Rio de
Janeiro, 1977; Cano, W. "Desequilíbrios Regionais e Concentração Industrial no Brasil - 1930-1970". São
Paulo, Global, 1985; Barreira, C.C.M.A "Região da Estrada do Boi: Usos e Abusos da Natureza",
Goiânia, 1997.

75
Figura 17: Sucessão da ocupação

Paraná Goiás

São Félix do Xingu


Tocantins Sul do
Pará

Goiás Tocantins

M.
Goiás
Gerais Tocantins

Fonte: Pesquisa de campo – abril de 2002

A maioria faz uma rota intermediária no Sul do Pará, que começa por volta de 1975,
com ciclos de, no máximo dez anos, em cada lugar, variando de acordo com a capacidade que
a atividade produtiva teve de se estabelecer. A pecuária perfaz um ciclo de 12 a 20 anos. A
madeira abre em ciclos mais curtos.

Figura 18: Avanço da fronteira dos anos 1970 a 2002

Década de 70 a 80 Década de 80 a 90 Década de 90 Final de 90


Redenção Ourilândia Tucumã São Félix Iriri
Xinguara

Fonte: Pesquisa de campo – abril de 2002

Um dos mais bem sucedidos fazendeiros de São Félix do Xingu, pioneiro na pecuária
do município, nessa nova fase que começa em meados dos anos 80, projeta o futuro dessa
região marcada pela grande propriedade, como um grande centro pecuário pela importância de
seu rebanho e pela infraestrutura de beneficiamento da carne, a partir da construção do
frigorífico, ainda em negociação. Alega que em Xinguara já tem dois frigoríficos, sendo
necessário ter pelo menos um em SFX justamente para valorizar mais o gado e evitar perdas
de peso com seu deslocamento. Considera que o gado está represado pela falta de

76
infraestrutura para escoar a produção, como estradas, e de comercialização que assegure
venda e continuidade da cadeia produtiva de derivados do boi. Diz que a maior
desenvolvimento da pecuária fica do outro lado do rio Xingu, atravessando pelo rio Fresco,
justamente nas áreas do Iriri.

4. 3. Rentabilidade da Pecuária na visão dos pecuaristas

A rentabilidade da pecuária extensiva é apresentada pelos representantes dos


pecuaristas como pequena. Um lucro de 3,4% ao ano, por cabeça, sem aproveitar os
subprodutos (vísceras, couro, cupim, etc.). Gasta-se de R$ 160,00 a R$170,00 para engordar
um boi. Afirmam peremptoriamente que a rentabilidade não passa de 5%. Mesmo assim,
consideram que a atividade é atrativa porque é segura. O referencial de segurança, tanto para
grandes como para pequenos pecuaristas tem como forte referencial os riscos das aplicações
no sistema financeiro, na insegurança em relação a política econômica do governo. Temem
confiscos e o gado é uma poupan ça sobre a qual eles têm controle.

Outra razão que mantém a atividade atrativa são os baixos custos de implantação: terra
e mão -de-obra barata. Os dirigentes dos pecuaristas de São Félix afirmam que, na região, só
se “cria gado em terra barata, onde se consegue terra de R$3 a R$4 mil o alqueire (cada
alqueire mede 5 hectares). Em terra de R$ 15 mil o alqueire, com seis cabeças por alqueire,
não vale a pena o capital imobilizado”. O capital imobilizado em terra cara e, em sistema
extensivo, cria menos gado. Completam, “aqui só é vantagem criar gado, por causa do custo
baixo do capital imobilizado”.

A sucessão produtiva nas mesmas terras também tem uma racionalidade econômica
clara para os pecuaristas. 40 Com a elevação dos custos de manutenção das pastagens, queda
na relação número de cabeças por hectare e tempo de engorda, cai a rentabilidade da
atividade. O passo seguinte é a substituição do uso da terra por uma atividade com maior
rotatividade do capital imobilizado. Nesse caso, a agricultura (extensiva, tecnificada e pautada
pelo mercado) é apontada como sucessora natural. De acordo com a análise do técnico que
está assistindo a inseminação artificial, em suas observações do que aconteceu em Minas,
40
O maior pecuarista do município, Sr. Acioli José Teixeira é emblemático dessa racionalidade. Nascido
de uma família de pecuaristas de Mineiros (MG), passou por Goiânia, São Miguel do Araguaia (GO),
Arapoema (GO), Xapuri (AC), Rondônia, Redenção (PA) e Araguaína (TO) simultaneamente. Ele relata
que estava em busca de quantidade de terras, qualidade, clima e fertilidade propícios a pecuária e com
perspectivas de futuro. Para ele, São Félix, se apresenta como "infinito em bondade". Conforme
avaliação de um comerciante de gado da região, no Tocantins "as terras já são fracas e já tem pouco
gado". Acrescenta que, enquanto em São Félix, o boi entra em ponto de corte com 2 a 2 anos e meio, no
Tocantins precisa de 3 a 4 anos. "É por isso que Goiás e Tocantins estão se mudando para cá!",
conclui. O Sr. Acioli tem quatro fazendas na família: a dele e dos três filhos. Os filhos têm 17 mil
cabeças.

77
Goiás, Mato Grosso e, mais recentemente no Tocantins e Su l do Maranhão, o pecuarista
extensivo é substituído nessa passagem: entra o arrendatário para plantios de grãos ou café,
geralmente do Sul. O pecuarista avança com a atividade extensiva para novas áreas e pode
ter, no arrendamento dessas áreas, uma fonte de renda adicional. A facilidade de
comunicação, as estradas asfaltadas já próximas e a proximidade da região dos mercados do
Nordeste e do Centro-Sul vêm atraindo frentes de ocupação do Tocantins, especificamente de
Colinas (TO). Todos chegam com o mesmo diagnóstico: as terras do Tocantins estão fracas,
tem muitas pragas, falta água, o gado está caindo de peso por hectare. "Não sei de onde sai
tanta gente!", questiona um pecuarista, uma percepção que é generalizada entre os que
chegaram antes e os que estão chegando.

A mesma dinâmica foi confirmada pelos dirigentes do sindicato dos pecuaristas de São
Félix do Xingu. Ao se referir a sua experiência em Goiás, afirmam que o estado exportou a
pecuária, tecnificou e substituiu a pecuária extensiva pela agricultura. A pecuária tecnificada
do Centro-Sul é altamente dependente de insumos externos de custeio financiado pelo crédito
oficial. “Sem custeio, no Centro -Sul, o pecuarista não se sustenta”, afirma o técnico do
Sindicato dos Produtores.41

4. 4. Relação Pecuária e Madeira

Para o presidente do SPRs é difícil o fazendeiro trabalhar com a madeira pois em geral
estes são pessoas que vem de fora, de todos os lugares, com um objetivo de extrair e
comercializar a madeira, e por isso, em geral um empreendimento itinerante Quando o mogno
estava sendo explorado dava cerca de R$1.000,00 o m3 no mercado interno. Reconhecem
apenas o mogno o mogno e o cedro como as únicas espécies de valor, sendo as demais
catalogadas como “madeira branca”, sem interesse comercial maior. Estimam que no ano
2.000 foi movimentado no município em torno de R$1.200.000,00 ao mês, durante o verão. As
cinco maiores fábricas que agora estão com as atividades paralisadas, trabalharam dia e noite,
além da madeira que era beneficiada em outras serrarias no meio da mata, para o lado do rio
Iriri, ou em outros municípios, como Redenção e Xinguara. Uma parte da madeira saia em
toras para o mercado naconal. Em 1993 a atividade principal já era a madeira. Dizem em SFX
que gado para consumo local inclusive vinha de Redenção, até mesmo de avião. A atividade
pecuária começa a se desenvolver mais ou menos nesse período. O capital gerado pela
madeira aqueceu o comércio local e outras atividades, em especial a pecuária.

41
Ver a situação do endividamento agrícola do país. De R$50 bilhões da dívida rural do Brasil, apenas
R$ 4 bilhões são da Agricultura Familiar. Fonte: CONTAG: 2002.

78
4. 5. Novas modalidades de desmatamento

É patente a relação entre a pecuária e o desmatamento com corte raso em toda a


extensão territorial por onde a atividade passou em regime extensivo. Em São Félix e na região
da fronteira do Iriri, observa-se que a pecuária lidera a demarcação de novas terras e, quando
não é procurada, atrai as madeireiras para a venda da principal moeda da floresta, o mogno,
que é extraído dentro da lógica insumo-produto. Saindo o mogno, toda a floresta "perde seu
valor", ficando a terra como o alvo de exploração, com a derrubada e queima de toda a massa
florestal.

No momento são ensaiadas em SFX de novas estratégias, e técnicas de


desmatamento. As vantagens dessas novas práticas é que conseguem despistar o
controle do desmatamento feito pelas imagens de satélites e utilizam menos mão-de-
obra. Os custos são muitos tentadores. quatro máquinas fazem o trabalho de 100 homens.
Um colono explicou que em geral precisam de quatro máquinas e 1 homem para fazer um
grande desmatamento, o que tornam mais barato e rápido o desmatamento. Essa atividade em
geral importa em custos altos, equipamentos e bastante óleo para motoserras e tratores, ainda
que a exploração da mão-de-obra seja extrema, com a prática de trabalho escravo e de
peonagem em um sistema de endividamento. São também utilizados tratores de esteira, como
é o caso de uma área visitada onde os colonos falam existir sete tratores de esteira em
movimento trabalhando direto há quatro meses. Essa área fica na estrada que vai á Canopos,
uma grande área que foi comprada na direção do rio Xingu. Trata -se de uma área com m130 a
500 alqueires. E pretendem trabalhar todo o verão e concluir o trabalho do desmate. Com
essas técnicas novas o que eles esperam é que o desmatamento no Iriri possa ser muito mais
rápido.

Tabela 7: Técnicas utilizadas anteriormente

Técnica Período Duração (anos)


Machado - padrão tradicional 1970 - 1980 100
Motoserra 1985-1995 10
Trator de esteira - correntão + motoserra 1995-2002 7
Trator de esteira - motoserra e formação de enleiras 2000 - 2002 2

Com a inten sificação da fiscalização por satélite, os pecuaristas da região vêm


aplicando uma estratégia de raleamento progressivo das florestas, de uma forma que disfarça
o desmatamento para os satélites. A técnica consta de três etapas de destoca:

79
Figura 19: Nova Técnica de Desmatamento

1o ano 1o. ano 1o. ano


Abril a junho: A partir de dezembro:
AGOSTO A
Entra o trator, O capim nasce e podem
SETEMBRO :
fazendo varedas no entrar as primeiras
primeira queimada. O
sub-bosque, enleira a cabeças de gado que
vegetação e jogam-se fogo não alcança as
copas. O satélite não começa a compact ar a
sementes de capim área destocada.
detecta.

No 2 o e 3o ano:
Intercala-se fogo e gado. Ao final do terceiro ano, o pasto está formado, já deu lucro com o
gado alimentado na área e o satélite só detectou a queimada três anos após a funcionalização
da área para pastagem. Além de burlar a fiscalização, esse sistema tem a vantagem do baixo
custo de mão-de-obra com a destoca. O tratorista é contratado por R$ 4,00 a hora, uma só vez,
pois o fogo se encarrega do resto do trabalho.

Os custos são muitos tentadores. 4 máquinas fazem o trabalho de 100 homens. Um


fazendeiro que terá seu nome resguardado nesse trabalho, há 4 meses gastou 50 mil litros de
óleo, alugou sete tratores de esteira e desmatou uma grande área dos fundos para a beira da
estrada, na região do Iriri. Outro, que tem uma área de 5 km X10 km, na primeira derrubada fez
esse serviço em 1.000 alqueires. A estratégia dos pecuaristas é desmatar o máximo que
puderem em 2002. Isso pôde ser observado no movimento de trabalhadores, nas conversas no
comércio, na balsa, nos hotéis.

Essa prática, segundo depoimento de um tratorista tem sido amplamente praticada e


recomendada entre os pecuaristas locais.* Na Estrada das Fazendas, pôde-se observar
módulos de florestas nos três estágios e a aparente eficiência no manejo da permanência das
copas das árvores, já com os caules em morte progressiva, aparentando vida para quem olha
de cima ou de longe.

4.6. Expansão da Pecuária e limites ecológicos da terra

A economia da pecuária atrai também outras atividades, embora o encadeamento local


a médio e longo prazo seja muito reduzido. Profissionais liberais, pequenos empresários de
informática, restaurantes, donos de pousadas, todos esperam uma oportunidade de ficar ricos
com o dinheiro que circula na cidade com o afluxo de muitos fazendeiros. Porém, todos
lamentam que a exploração madeireira tenha sido interrompida, pois essa atividade produzia
maior circulação de dinheiro na cidade.

* A equipe de pesquisa foi informada que, nos dias em que estava em São Felix, seriam
destocados 300 alqueires de 2.000, com essa técnica, nas terras do prefeito. Essa área será
queimada em agosto e pode ser fiscalizada.

80
Falando da situação da terra que já começa a mostrar cansaço, falou que deu
umas palestras para produtores rurais. Eram 40 a 65 produtores. Procurava incentivar
o uso do solo rotativo, para reservar melhor a terra, o solo. Mostra assim uma posição
de liderança no meio dos produtores do município. Falou que precisava que os jornais,
a mídia, colocasse informações técnicas sobre o manejo da terra, com o sistema de
pastagens rotativas.

A terra é que dá o limite. É um limite, portanto ecológico. Então ela somente servirá para
a agricultura. E só a agricultura pode dar o retorno que cubra os gastos e garanta um lucro. A
pecuária não dá isso, pois funciona com outros mecanismos de enriquecimento, e de lucro.

Todos concordam que existe um limite ecológico para a atividade. É perceptível no


sobrevôo das áreas, como os antigos pastos de Marabá estão cobertos com uma vegetação
frágil, com vários sulcos abertos tendendo a erosão e desertificação. Testemunhos de todos os
portes em São Félix dão conta da robustez das plantas das áreas novas: milho de dois metros
de altura, capim que sobre o gado, mandiocais gigantes. Com o uso sucessivo das áreas, em
cerca de três anos, a perda bioquímica é visível na diminuição das plantas. Um dos pecuaristas
entrevistados chamou a atenção para a fragilidade dos solos também para a agricultura de
grande impacto “Aqui as raízes são mais superficiais. No Sul as árvores têm uma raiz profunda,
aqui as raízes crescem para os lados, a terra não segura. O solo tende a virar deserto”42.

Em São Felix, ou melhor, já no Iriri, os custos de preparação de um alqueire é apenas


R$700,00, podendo chegar até a R$ 400,00 os quais vão suportar 10 cabeças por cerca de 12
anos. O alqueire no Tocantins suporta cerca de 4 cabeças. Em Colinas, esse custo fica entre
R$ 1.000,00 e R$ 1.500,00. "Aqui não tem entressafra", comemoram os pecuaristas que
chegam. Porém, nas terras de São Félix, a praga da cigarrinha já destrói vários pastos e os
sinais de esgotamento da rede hídrica são evidentes. Testemunhos não consensuais indicam
que já houve mudança no regime das chuvas, aumentando de 3 para 5 meses, o período sem
chuvas. As represas nos igarapés, privatizando as águas tem sido uma saída clássica para
abastecer o gado.

42 Esse movimento tangido pelo esgotamento ecológico dos padrões de uso da terra vigentes são
percebidos pelos pecuaristas. “Nós vem acabando tudo, o dia que a terra não está agüentando
mais, vou em frente atrás de terra mais nova e barata. Aquele que está mais ruim em Goiás,
ocupa minha terra no Tocantins, depois esse fica ruim e vem para Redenção...” . Reitera, "sou
fazendeiro aqui porque aqui eu dei conta, porque cheguei aqui sem nada e trabalhei sério para
conseguir o que tenho hoje”.

81
A economia da pecuária atrai também outras atividades, embora o encadeamento local
a médio e longo prazo seja muito reduzido. Profissionais liberais, pequenos empresários de
informática, restaurantes, donos de pousadas, todos esperam uma oportunidade de ficar ricos
com o dinheiro que circula na cidade com o afluxo de muitos fazendeiros. Porém, todos
lamentam que a exploração madeireira tenha sido interrompida, pois essa atividade produzia
maior circulação de dinheiro na cidade.

Alguns fazendeiros com terras no Iriri acham que está na hora de implementar
inovações no uso da terra, pois consideram que a pecuária tem um ciclo.

Pastagem rotacionada – 3 dias em cada piquete e vai rodando, para repouso da terra.
Piquete de 15ha. Tem gado seu e dos filhos, ao todo 17.000 cabeças.
Cerca eletrificada em 50% da propriedade. Tem 12 projetos de eletrificação feitos
pelos...

A pecuária migra também, como a madeira. Então de certa forma, é tem uma conotação
extrativista, pelo menos pelo modelo que ela é desenvolvida em SFX. Sobre a questão da
migração da atividade, justifica que aqui a pecuária é jovem tem apenas 8 anos. Respondendo
à pergunta de quanto tempo ela se mantem sem necessitar de manejo, ele diz que ela já está
mostrando cansaço com a praga cigarrinha. “Aqui, o gado se cria sozinho”.

A pecuária é uma atividade ainda em expansão. Ela ainda aumenta para todos
os lados. De um lado há um movimento de consolidação como área de pecuária e, de
outro, um movimento novo de abertura de novas áreas para início da atividade
pecuária. Do ponto de vista geográfico, porém, o movimento tem uma direção mais ou
menos definida, ou seja, em direção á terras novas.

Um fazendeiro médio se vangloria de ter desmatado um alqueire por dia.


Desmatou mais da metade de 100 alqueires em pouco tempo. Começou e terminou o
processo em menos de 60 dias. A estratégia é derrubar tudo que for possível este ano,
que é um ano eleitoral.

A estrada é o grande entrave para os setores produtivos, pois o acesso é difícil,


o frete fica caro, o declínio da madeira fez com que o frete aumentasse, pois o
caminhão volta vazio. Falta política pública para definir a propriedade da terra e sua

82
documentação, como também crédito para ter acesso ao FNO normal que não podem
ter acesso pela falta de documento da terra. O FNO normal permitiu o crescimento de
cerca de 50% de incremento na produção para os médios e grandes proprietários. Mas
em relação aos pequenos essa taxa foi ainda maior pelo FNO especial, sendo nos
anos de 1998, 1999 e 2000 que o rebanho dos pequenos contou com uma taxa alta de
crescimento mais elevada.

4.7. O domínio do território do Iriri pela pecuária

Calcula -se que nas terras do Iriri, cerca de 100 mil cabeças de gado já povoem os
pastos. Informações dão conta de que são cerca de 300 km de pastos dos dois lados da
estrada nessa região. Os informantes detalham que 100 km depois da vila da Central no rumo
do rio, na região conhecida como Toca do Sapo, se concentra a maioria das fazendas que
estão sendo implantadas recentemente, também o maior rebanho 43. Essa região é louvada
como a mais promissora para a pecuária. "Daqui a dez anos, a Toca do Sapo vai ser um
paraíso desenvolvido, o melhor lugar do país", profetiza o vendedor de gado. O rebanho do Iriri
ainda é composto de gado para cria e recria. Trazem os filhotes machos para engorda nas
fazendas mais próximas dos frigoríficos. Calcula-se que, dentro de dois, com estradas
melhores e frigoríficos mais próximos, a região vai ter um incremento muito grande de engorda.

Na onda especulatória que tomou conta da região do Iriri desde 1998, comerciantes e
pecuaristas de São Félix e Tucumã, tiraram vastas extensões de terras. Mas, todos falam
também de políticos de todos os estados tirando terras na região. Do Pará, o político citado foi
Giovanni, um dos mais antigos pecuaristas da região de Redenção e Xinguara. Há informações
de abertura de terras a 400 km, a oeste de São Félix, voltada para pecuária.

Os pecuaristas mais antigos na região lideram e ordenam a ocupação com amplos


poderes sobre o território. Tornam-se referência, conselheiros e agentes no mercado de terras,
articulando os diversos atores, ordenando territórios, destinando áreas de terras para
contingentes de novos ocupantes e abrindo novas estradas para uma ocupação mais estável.
Informa que "já trouxe 18 pessoas de Porangatu para quem vendeu 50% das terras que
possuía no Iriri. Estão vindo mais, principalmente para povoar as terras que serão acessadas
pela estrada que está sendo construída sob a liderança do seu filho, Aciolinho.

43
A estrada nova também recebe o apelido de "Translevi no", incoporando parte do nome do atual
prefeito de São Félix

83
Observa-se que nem sempre as madeireiras abrem o caminho para a pecuária, a rota
clássica da ocupação da fronteira. Os pecuaristas estão se antecipando em algumas áreas,
para formar estoques de terra, atraídos pelas facilidades na aquisição e pelos custos de
manutenção das pastagens para criação em regime extensivo.

4. 8. Um poder representado pelo gado e pelo domínio do espaço

Uma característica da fronteira aberta que favorece a expansão das atividades


extensivas é ilegalidade e a impunidade. Esse estado é ideal para um dos fatores
fundamentais nos baixos custos de produção nessas áreas: a subordinação da mão-de-obra a
regimes cativos ou semi-cativos. A lei é ditada pelos mais fortes que se entrelaçam nas
relações políticas locais, impondo respeito pelo poder econômico e pelo poder de coação.

Os grandes pecuaristas, em boa parte dos casos identificados na pesquisa, não moram
nos municípios da região. Moram em seus estados de origem. No entanto, as pessoas se
referem aos mesmos com uma certa proximidade, pois a representação de poder se manifesta
nas relações de auto ridade do gerente da fazenda, na visita esporádica de avião e,
principalmente, na quantidade de terras apropriadas no município.

Não há sinais de investimentos das atividades madeireiras e pecuárias na cidade. A


cidade é alheia aos proprietários, o padrão dos serviços de saúde e educação é precário. Os
transportes para as áreas rurais são precaríssimos, beirando o limite da humilhação. Isso
revela fortemente a ausência dos pecuaristas da cidade.

São diversos os meios de financiamento da pecuária na fron teira. O Estado pela sua
presença com financiamento como o FNO ou outrora com os Incentivos Fiscais da SUDAM,
mas também pela sua ausência que potencializa a grilagem de terras, o mercado de terras e a
exploração intensiva de recursos florestais e minerais.

1. O dinheiro público, por meio do Estado das seguintes formas:


• custeio da implantação dos assentamentos agrários com recursos públicos
gerenciados pelo INCRA.
• repasse de terras públicas a custo zero para os pecuaristas , tanto pelo ITERPA
como pelo IN CRA;
• a infra -estrutura de estradas para acesso nas áreas de expansão;

84
• FNO - calcula-se que 50% do incremento do rebanho de médios e grandes foi
financiado pelo FNO. As placas do BASA são vistas em quase todas as fazendas da
Estrada dos Fazendeiros.

2. O trabalho não remunerado dos pobres das áreas ocupadas pelo latifúndio dos
estados onde as atividades rurais estão mais tecnificadas ou privatizadas sem uso que se
submetem aos assentamentos do INCRA, onde “amansam a terra” e depois são obrigados a
abandonar ou vender para os fazendeiros que se acercam das áreas dos Projetos de
Assentamentos.

Tanto na Santarém-Cuiabá como em São Félix do Xingu, observa-se uma estratégia


articulada entre o INCRA e os fazendeiros locais para utilização dos PAs como um estágio
exploração e de legitimação de posse de terras públicas para a expansão das atividades
madeireiras e da pecuária.

3. A grilagem em grande escala, favorecida pelo Estado e vigiada com uma segurança
privada que encontra um exército de mão-de-obra de reserva também barata. Observa-se um
movimento de grilagem que envolve grandes e pequenos agentes, especuladores, informantes
e pistoleiros. As áreas novas são escolhidas de avião e demarcadas por picadas. Um
informante pecuarista fala com certa amargura dos documentos frios, dos conflitos que
envolvem a posse da terra. “Não tema mais terra solta no Iriri”, afirma uma senhora de 72 anos,
que mora na comunidade de Central, a 65 kilômetros da margem esquerda do Xingu, no
sentido Iriri. O filho dela é pequeno grileiro, que veio dos garimpos de Tucumã. Em 72 anos,
essa mulher só possuiu terra uma vez, no Tocantins, após migrar de Pernambuco, passando
pelo Maranhão. A terra era pouca e foi parar nos garimpos de Tucumã e de lá para o Iriri, onde
enfim, tem terra. Para ir do lote a cidade, pega um ônibus que pode levar até três dias em
viagem. Leva comida pronta para agüentar a fome na viagem. Em geral, entre os pequenos,
não sabem dizer quanta terra possuem, pois ninguém tem segurança do que realmente
domina. Sabem identificar com quem confinam, geralmente com grandes pecuaristas.

Embora não tenha havido uma discussão mais profunda sobre a pistolagem, fatos
levantados junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a CPT, indicam que é forte e faz
parte dos esquemas de manutenção das posses no caso dos grandes pecuaristas. E são
esses atores, os que, aparentemente, mais utilizam da intimidação e violência, pois os
madeireiros não se apossam das áreas nessas região. Como estão interessados em madeiras
muito nobres (somente no mogno), sua exploração é extensiva e procura alcançar o recurso

85
natural onde se encontrar. Inclusive e, principalmente, conforme relatos do STR, nas terras
indígenas, onde se situam as últimas reservas de mogno da região.

Há um modus operandi no sistema de grilagem: i) o pistoleiro ocupa e vigia as áreas


pretendidas pelos pecuaristas; ii) os pretendentes adquirem documentos frios; iii) acabam
legitimando as posses junto ao ITERPA que tem doado terras do estado nessas áreas de
expansão, inclusive a s terras da União repassadas pelo INCRA pelo Decreto...

A grilagem atingiu as terras Apiterewa, onde o mesmo Acioli que confina com a senhora
de 72 anos, na Central (no Iriri) financia o grilo, incentivando pequenos agricultores a entrarem
na área. A terra Apiterewa também recebeu assentamentos do INCRA, que assentou 200
famílias, que foram assentadas próximas a Terra Indígena da Trincheira Bacajá.

O INCRA é apresentado como ator importante na rede de grilagem44. Funcionários são


indicados com envolvidos em operações com terras em benefício próprio e isso aparece na
Santarém-Cuiabá e em São Félix.

O extrativismo resta como o grande financiador da atividade pecuária, pelo capital


gerado. E a exploração intensiva tem sido rápida e até ao esgotamento definitivo dos recursos.
Isso ée valido para outras áreas, em São Félix do Xingu, por conta do ouro, do jaborandi e a
madeira (mogno). O comércio aquecido pela atividade extrativista, de forma circular também
constitui capital reorientado à pecuária.

a) Jaborandi - atividade extrativa predominante nos anos 80, atraiu empreendedores45


e mão -de-obra excedente dos Grandes Projetos de mineração, de construção de barragens e
as populações rurais, principalmente do Maranhão e Piauí.

b) Ouro - atividade desenvolvida em Redenção, nos anos 70 e Tucumã e Ourilândia,


nos anos 80, atraiu muitos aventureiros de todo o país, predominantemente de Goiás e Minas
Gerais. Em Tucumã, uma colonização privada sob o controle da Andrade Gutierrez, o
assentamento voltado para a mineração, atraiu mais famílias do Sul. Dessas famílias, parte se
capitalizou e investiu na pecuária, havendo uma diversificação de porte (pequenos, médios -
poucos grandes), todos em regime extensivo.

44
Há relato de que o chefe do escritório local (?) conhecido como Paulão grilou 600 alqueires no Iriri, 800
nas Caraíbas e já tem mais de 1.000 cabeças em parceria com pecuaristas da região
45
No sentido lato do termo, pessoas que entraram no negócio do Jaborandi entrando na cadeia de
extração e comercialização com algum nível de propriedade dos meios de produção.

86
c) Madeira - A trajetória da exploração madeireira pelos caminhos do mogno, também
remonta a região de Redenção, Rio Maria, Xinguara - o Sudeste paraense. Como outras
atividades mineradoras, após o bamburro e esgotamento do mogno, "o pessoal avançava no
rumo do mato", como afirma um desses aventureiros que hoje possui 500 cabeças de gado no
Iriri. Pelos depoimentos, observa -se que, os que transitaram da atividade madeireira para a
pecuária, geralmente não eram os "especializados" no negócio da madeira. Mas sim, os que,
oportunamente, entraram na atividade, tendo nesta, uma fonte de capitalização imediata. O
caso da fazenda Jaú é singular: 70% de um rebanho de 12 mil cabeças teriam sido financiados
com fretamentos de táxi aéreo para sobrevôos de identificação de mogno, em vinte anos de
operações.

A madeira capitaliza a pecuária de forma indireta também, com a circulação de dinheiro


em toda a economia de uma região, porém, de forma sazonal. Os principais captadores dessa
movimentação financeira, são os comerciantes locais que, em muitos casos, investem seus
lucros na pecuária. Para esses comerciantes, diversificar suas atividades com o gado, também
é uma forma de poupança dupla: especulam com a terra e o gado.

d) Comércio - Funcionam como "aviadores"46 de mercadorias e serviços de


atendimento para a atividade da madeira e da pecuária. Com o aquecimento dessa atividade,
maior rotatividade de capital e ampliação do lucro, excedentes da atividade comercial financiam
novas aberturas de florestas para a pecuária. Segundo informações colhidas em São Feliz, a
maioria dos comerciantes locais, nos últimos dois anos, período de intensa exploração ilegal de
mogno, se apropriaram e estão abrindo grande parte das pastagens que estão sendo formadas
no Iriri. Destacam-se nesse caso, os proprietários de supermercados e implementos agrícolas
e atividades rurais em geral. "Todos têm terra!" Afirmam pessoas do meio.

e)Profissionais liberais - médicos, advogados, bancários, funcionários públicos com


cargos mais bem remunerados também direcionam parte de suas remunerações para a
atividade pecuária, seguindo a mesma lógica e os mesmos sonhos de grandeza dos grandes
pecuaristas. O ideal da pecuária como símbolo de riqueza e poder anima os ideais de todos na
região.

46
no sentido clássico do termo, o aviador domina a cadeia de comercialização do produto atuando como
fornecedor dos insumos e como elo de recepção/compra, controlando a mão-de- obra subalterna que
atuam diretamente na exploração extensiva do produto. No caso da madeira na fronteira, o comerciante
local, avia a empresa, fornecendo os mantimentos e peças de reposição das máquinas, transportes e
equipamentos, mas detém o controle da mão -de-obra que atua na exploração é a madeireira. A relação de patronato
é com o madeireiro.

87
f) Finalmente, também os pequenos produtores rurais, mas sobretudo com o
financiamento do FNO, ampliaram as bases da produção familiar com a compra de gado ou a
cria-recria pelo sistema de parceria.

4. 9 . Padrões da atividade pecuária em São Félix do Xingu

A pecuária é considerada uma atividade de tradição de famílias provenientes


principalmente de Minas e Goiás há várias gerações trabalhando no mesmo ramo.
Identificamos alguns padrões da atividade. Inicialmente aqueles que mantem
intergeracionamente a tradição da pecuária, ainda que migrando membros da mesma família
para as novas fronteiras. Essa relação com as áreas de origem acabam por conformar os laços
de produção e as cadeias de comercialização, tanto para o gado como para os negócios
relacionados ao mercado de terra. Os padrões encontrados podem ser sintetizados em:

♦ Fazendas extensivas em São Félix complementando intensivas – pecuaristas


compram ou grilam terras para criação extensiva de nelore, às vezes combinando a atividade
extensiva com uma intensiva nas fazendas no Centro -Oeste.

♦Fazendas extensivas em São Félix complementando extensivas - pecuaristas já


situados no Tocantins há 30/40 anos. Procuram terras novas e baratas, muitos tendo passado
por Redenção e Xinguara, outros vindos diretamente para São Félix. Aos poucos as fazendas
do Tocantins vão deixando d e ser as principais, pois a rentabilidade é baixa (1 cabeça/hectare),
enquanto em São Félix pode chegar a 3 cabeças, sem grandes investimentos.

♦Fazendas extensivas de migração permanente - fazendeiros dos estados em que a


atividade já requer insumos mais caros para a manutenção das pastagens, procuram terras
baratas e extensas para transferir o rebanho.

♦ Fazendas de pecuaristas novos no ramo – pessoas que investem dinheiro obtido em


garimpos, madeira ou atividades urbanas, geralmente como segunda a tividade.

As relações de trabalho reeditam as formas autoritárias de mando e servidão de outras


regiões do país. O aviamento persistiu na cadeia extrativista do jaboradi, ou ainda em garimpos
de ouro e na extração de madeira. O ciclo se refaz nas novas frentes pecuárias, distantes de
centros de comércio e de serviços. O Ministério do Trabalho autuou varias fazendas no Iriri em
2001 onde encontrou fazendas com práticas de trabalho escravo, ao averiguar denuncias
formalizadas pela CPT. O trabalho assalariado nas fazendas ou nas frentes madeireiras, mal

88
pago e em condições inumanas compõem o quadro da oferta de trabalho nessas fronteiras. A
pequena produção familiar é de longe a atividade que garante a sobrevivência da maior parte
dos trabalhadores. Com um re banho de 10 cabeças, que podem chegar a 150 cabeças com
um bom manejo e quando não ocorre problemas de doenças na família que obrigam a lançar
mão da “poupança”. Segundo informações obtidas junto a pequenos produtores, cerca de 400
famílias receberam financiamentos em S. Félix do Xingu 47. Assim mesmo, as condições são
péssimas, do ponto de vista da possibilidade de sementes, equipamentos, estradas, serviços
de educação, saúde, e de assistência técnica. As referencias sobre a venda de lotes por
pequenos produ tores estão associadas a essa situação, muitas vezes compensadas pela
combinação com outras atividades externas, como o sistema de meia na criação de gado ou o
sistema de aluguel de pasto.

As fazendas, ou mesmo profissionais liberais, comerciantes ou ainda proprietários de


gado, mas sem fazendas montadas, encontram no sistema de meia ou na parceria maiores
oportunidades de renda. Encontramos quatro padrões:
1. Pessoas que investem no gado como poupança, se associando aos fazendeiros da
região e aproveitando o amplo estoque de pastagens.
2. Fazendeiros terceirizando a criação de gado por pequenos proprietários que, sem ter
como começar um rebanho têm nesse mecanismo a oportunidade de iniciar um rebanho
próprio. De cada 100 cabeças que um pequeno proprietário aceita em meia, em um ano, pode
tirar 30 bezerros, arcando com todas as despesas de tratos e com as despesas de instalação
dos pastos.
3. Fazendeiros que alugam o pasto de pequenos produtores repassando para estes os
encargos de cuidados com o gado pelo mesmo pagamento do aluguel do pasto, no dizer de um
produtor que aluga seus pastos ha três anos, que só compensa por ter a cada mês uma renda
certa em dinheiro, mas em contrapartida o impede de conseguir seu próprio gado. Essa é
considerada a situação mais desvantajosa.
4. Fazendeiros que trazem gado de lugares distantes e que alugam pastos
temporariamente para engorda antes de enviar ao frigorífico.

4. 10. Perspectivas de modernização da base produtiva na pecuária de corte

Há um consenso de tirar proveito de fatores favoráveis para a economia pecuária no


município, quais sejam: i) clima com chuvas o ano inteiro, propício para engorda, que permite o
abate do gado precoce, com apenas 2 anos (no máximo 32 meses), com pastagem natural; ii)
a terra não precisa de correção com calcário; iii) a boa qualidade do capim; iv) proximidade dos
47
Segundo informações obtidas, a classificação em SFX do tamanho do rebanho: pequeno: até 100
cabeças; Médio: de 100 a 1.000 cabeças; grande: mais de 1.000

89
mercados nacional e conectividades para o mercado externo; v) oferta ainda ilimitada de terras
baratas; vi) como resultado, uma carne de excelente qualidade para o consumo.

De olho nessas vantagens comparativas, os pecuaristas da região já solicitaram o


registro de patente do Boi Verde junto ao Ministério da Agricultura, intermediatos pela FAEPA48.
A qualidade genética ainda é ruim, segundo os produtores. O Sindicato afirma que menos de
0,5% do rebanho foi produzido por inseminação artificial. A empresa Agrosêmen, a principal
que trabalha com inseminação no município, informa que tem 34 clientes, sendo que 07 estão
fazendo por iniciativa própria e os outros por exigência do BAS A para financiamento pelo
FNO 49. A atividade está presente no município há quatro anos e, acreditam os técnicos, podem
ser expandida em muito.

O sistema cria-recria é mais leve e mais rentável comparativamente ao sistema


engorda. Por isso encontramos faze ndeiros que realizaram melhoramentos de raça, tratamento
para formar plantel de machos para venda e melhoria da raça em fêmeas para poder dar o cio
mais cedo, com 1 ano e 10 meses. Esse ganho de dois a quatro meses em cada animal,
multiplicado pelo total representa um grande rendimento. Mas essa possibilidade de auferir boa
margem de lucro não inviabiliza a assertiva, segundo ele, de que “quem compra terra não erra,
pois é o que tem de menos risco como investimento.

A inseminação encontra muita resistência dos pecuaristas, sendo que os mais abertos a
adoção são aqueles que já tem familiaridade com essa tecnologia em seus estados de origem.
Algumas fazendas já estão chegando com tecnologias modernas. Os novos pecuaristas são os
mais resistentes. A maioria dos clientes da Agrosêmen o fazem em 300 vacas, sendo que o
mais econômico é fazer em lotes de 500 cabeças. A necessidade de inseminação se impõe,
também, segundo a empresa, pela demanda de reprodutores. Para um rebanho de mais de 1
milhão de cabeças, sendo que mais de 60% são fêmeas, é elevado o custo para trazer bons
reprodutores de outros estados. Um reprodutor de boa qualidade pode chegar a um preço de
R$ 3.000,00, impeditivo para a maioria dos fazendeiros da região. O mercado de tourinhos
melhorados está começando a ser explorado na região. Um tourinho que seria vendido para
corte por R$ 600,00, pode atingir R$ 1.800,00 como reprodutor.
48
Boi Verde: criado sem ração em pastagens extensivas, utilizam remédios quimicamente manipulados.
Boi Orgânico: o controle de hectoparasitas é feito sem produtos químicos, com base em ervas naturais,
controle biológico da saúde do animal. A carne é 40% mais cara no mercado.
49
O BASA condicionou os novos financiamentos para pecuária a tecnologias que diminuam o impacto
sobre novas áreas de florestas. Essa exigência faz parte do Protocolo Verde, do qual o banco é
signatário desde 1997. Além da inseminação, a outra opção seria a rotatividade pastagens, de difícil
aplicação no município pelas características de destoca das áreas (a maioria manual, deixando tocos) e
pela oferta – ainda – ilimitada de terras baratas. A mecanização ainda não seria predominante, de acordo
com informações da empresa.

90
Há falta de vacinas, pois o volume de gado é muito grande e as distâncias também. O
SPR fez uma campanha de vacinação que custou R$40.000,00, para sensibilizar os
fazendeiros. Projetaram também um selo – o boi verde – de identificação de um novo momento
do perfil do gado do município. Devido estarem na faixa de risco de aftosa, calculam que o
Pará perde em média, em relação aos estados de Tocantins, MGS e São Paulo, cerca de
R$120,00 por cabeça de boi, vaca ou bezerros.

Os custos de inseminação são considerados acessíveis pela empresa: o pecuarista


paga o valor de uma arroba de vaca (cerca de R$27,00) mais a dose de sême n, que pode
variar de R$8,00 a R$300,00, dependendo da qualidade genética. Na opinião dos que
comercializam gado, a inseminação terá maior dificuldade de adoção porque ainda é caro e o
animal fica frágil para doenças, o que exige insumos adicionais.

O manejo genético com monta natural é o sistema mais utilizado, o chamado manejo da
enxertia natural. Com cruzamentos de nelore com zebu e caracu, o rebanho se renova a cada
3 (três) anos, a produção de precoces é aumentada e os pastos menos saturados. Os
bezerros com um ano e oito meses são comercializados. Os produtos são tourinhos
reprodutores de linhagem mais nobre, vacas leiteiras mais produtivas e gado para abate em
menor tempo, com alimentação natural em sistemas extensivos. Os custos de mão-de-obra
também são otimizados

A rotação de pastagens é uma técnica que vem sendo empregada em escala crescente.
O maior fazendeiro do município já trabalha com piquetes de 15 ha e afirma que 50% de suas
propriedades estão eletrificadas para manejo de pastagens, financiados com recursos do FNO.
Ele mesmo tem se colocado a disposição, como tem formação de técnico agrícola, para
repassar essas técnicas para outros produtores, tendo ministrado cursos "de incentivo" para
cerca de 65 pecuaristas. Mas, o manejo, na visão do Sr. Acioli, não está relacionada a
necessidade de manutenção de florestas em pé. Ele espera, em 20 anos, que essa região
esteja com "PA 279 asfaltada, quatro ou cinco frigoríficos funcionando, daqui até o Iriri, com boi
em toda a parte, com pastagens manejadas, com espaço para mais gente e para mais
rebanho". O equilíbrio deve ser buscado para maximizar a relação solo, planta, animais e
homem, na concepção do técnico agrícola e pecuarista. 50

50
O Sr. Acioli afirma que, desde 1990 não abriu mais mata. Seus sistemas de manejo têm mantido a
média de 3 Unidades Animal por hectare e pastos adubados

91
O pecuarista Carlos Dias Ribeiro, que cria 500 cabeças de gado no Iriri, afirma que faz
rotação de 10 em 10 hectares de pastagens. Utiliza cerca elétrica cujos custos são
considerados acessíveis: R$ 700,00 para 60 km de cerca. Segundo esse pecuarista, para a
criação de até 500 cabeças, é preciso 80 alqueires (400 hectares) de pastagens que podem
ser manejadas com rotação.

Entre os pecuaristas mais antigos, há os que acreditam que a modernização chegará


mais rápido nessa região pelos seguintes fatores: i) a experiência trazida de outros lugares;ii)
os pecuaristas estariam mais capitalizados (pelas vantagens comparativas em relação a outras
regiões e pelas especificidades da própria fronteira) o que assegura maior capacidade de
investimento e encoraja as inovações. iii) a geração que está à frente da atividade é nova, a
maioria na faixa de 40 anos.

4. 11. Mercado de Gado e de Leite

O Sindicato dos Produtores Rurais informa que existem 11 frigoríficos no Estado, que
abatem cerca de 1 milhão e 900 mil cabeças de gado por ano. Para um rebanho de cerca de 9
milhões de cabeças, sob seu ponto de vista há muito gado represado. Calcula-se em 3 milhões
de cabeças prontas para o abate. Os frigoríficos pertencem a outros grupos empresariais e, a
relação inter-empresas, apresenta conflitos.

Um só comprador e vendedor de gado instalado na cidade disse que São Félix vende
para abate (ou para outros fins) 2.000 cabeças de gado por mês, o que significa 24.000 ao ano.
Outro comprador coloca no mercado por mês a mesma quantidade, ou seja, 2.000 cabeças
Quem negocia o gado para o frigorífico, segundo informa, é o senhor ou é o negociante de
gado, ou um dos dois escritórios ali estabelecidos que fazem esse trabalho. Ha uma
profissionalização embora os próprios fazendeiros procurem alocar o seu gado de corte através
de sua rede de velhos conhecidos no ramo em outras regiões do estado e do país. A Maginco,
empresa madeireira que tem uma fazenda na margem esquerda do Xingu, vende direto para
Rio Maria. Informaram ainda que há três outros escritórios de compra de gado instalados em
Tucumã e que vem comprar gado na praça de SFX. Porém, a venda direta representa cerca de
20% do gado vendido no município. Em São Félix, tem três empresas de compra e venda de
gado: Outras duas firmas são citadas como fortes no comércio de gado, as duas operando a
partir de Tucumã. Estas fazem negócios com grandes pecuaristas de toda a região. As
menores firmas comercializam cerca de 2.000 cabeças de boi gordo para corte, por mês, cada.

92
A firma ganha R$5,00 51 por cabeça na comercialização de gado de cria. Deusdete Dias
representa uma firma grande de Goiânia, a Morada do Nelore, que possui 4 chácaras (Goiânia,
Xinguara, São Félix e Tucumã) de recepção de gado.

Os pecuaristas de S. Félix se dizem vítimas da de uma máfia de cartelização da carne.


Tentaram estruturar um frigorífico próprio, mas não conseguiram52. Estimam o custo de um
frigorífico com capacidade para abate de 250 a 350 cabeças/dia, em R$4 milhões. Em 2002, os
pecuaristas de São Félix, abateram 90 mil cabeças nos frigoríficos das cidades vizinhas. Na
busca de investidores, estão apoiando uma nova iniciativa, liderada pelo Grupo Jacarezinho,
que tem o apoio do prefeito. A área para a construção já foi aprovada na Câmara, mas é uma
área reivindicada por pequenos produtores que estão assentados nessa área há muito tempo.

Figura 20 – Cadeia Produtiva da Pecuária de Corte e Reprodutores

Firma de
Pecuarista compra e Transportadora
venda de gado

Consumidor Supermercados Frigorífico

Fonte: Pesquisa de Campo, abril de 2002

Essa cadeia é formada por agentes especializados que desenvolvem na região


atividades que são tradicionais nos estados onde já desenvolveram a pecuária. A maioria dos
que criam não têm interesse em beneficiar ou vender. Entre os que vendem há os que
consideram a fazenda uma atividade de trabalhos recorrentes, que não combina com a
velocidade de circulação de capital desejada pelo comerciante.

Nessa cadeia, os pecuaristas da região se queixam de prejuízos: i) pela cartelização


promovida pelos frigoríficos que operam em Xinguara e Redenção, ditando os preços; ii) não
remuneração da carcaça do gado.

51
Os preços de gado de corte no mercado de São Félix: nelore puro ou cruzado com zebu ou cacaru, R$
250,00. Nelore com holandês (leiteiro), R$ 180,00. Preço dos touros reprodutores: nelore puro, R$
2.000,00; nelore com zebu ou com caracu, R$ 1.500,00.
52
O Sindicato dos Produtores Rurais faz um cálculo de que se cada produtor doasse 1 arroba de
gado/ano, apurariam R$2.800,00, ou seja, em menos de dois anos, montariam seu próprio frigorífico.

93
4.12. Pecuária Leiteira e indústria de laticínios

A pecuária leiteira não é uma atividade procurada pelos grandes produtores. É uma
atividade de subsistência que mantém os agricultores familiares em condições de reservar uma
pequena poupança e assegurar o auto-consumo. O preço do litro de leite, na porteira, pago
pelos laticínios locais está em torno de R$0,15 (em Altamira é R$ 0,30). Na perspectiva de
modernização da produção de laticínios, os produtores terão de refrigerar o leite que somente
será recolhido a cada dois dias, em caminhão também com sistema de refrigeração.
Entregando na unidade receptadora, em Taboca, o produtor recebe R$0,17/litro. 'É uma
péssima atividade!”, avalia um comerciante de gado. Mas, os pequenos criadores entrevistados
estão satisfeitos com seus pequenos rebanhos, média entre 10 e 100 cabeças, pois representa
uma renda a mais e que garante um repasse para melhorar a sua produção agrícola”.

Os pequenos produtores produzem cerca de 6.000 a 7.000 litros de leite ao dia que
vendem para o laticínio do IVO, em Taboca, do Grupo VUC, holandês. Estes estão construindo
em Tucumã um prédio da Indústria para produção de leite em pó e outros produtores. A
empresa de Taboca produz exclusivamente queijo de tipo parmesão, no padrão de 4 klos a
peça, para uso mais empresarial. Toda a produção é enviada para Tucumã, onde se encontra
a matriz, uma fábrica com maior capacidade e que faz a comercialização para fora do estado
(Ver fotos do processo de produção).

Figura 21 - Cadeia Produtiva do Gado Leiteiro

Produtor Comércio
Laticínio local Consumidor
familiar
e regional
Fonte: Pesquisa de Campo, abril de 2002

Em Tucumã existe uma fabrica de laticínios para fabricação de queijos em dois padrões
de escala industrial e que mantém uma filial em Taboca. Recebe o leite de grandes, médios e
pequenos produtores, em um sistema fechado de contrato de fornecimento.

94
Figura 22: Cadeia Produtiva de Laticinios

Grande e Entrega direta Comércio local


Fabricação e regional
Médio na fabrica
de queijos
fazendeir conforme
oe padrão
pequeno Coleta no industrial
produtor estabelecimento Consumidor

Fonte: Pesquisa de Campo: abril de 2002

Entrevista realizada em Tucumã na ILDA - Industria de Laticínios da Amazônia, no dia 5


de maio de 2002, com Margareth Divina Machado, de Juiz de For a - MG, formada pelo Instituo
de Laticínios Cândido Tostes, de Minas, única instituição do gênero na América Latina. É
experiente, pois já trabalhou em vários grandes laticínios do Brasil. É a técnica responsável
pela produção na ILDA, em seu laboratório de analises.

ILDA - Industria de propriedade do Seu Ivo, ex-garimpeiro, convertido a industrial,


ausente quando da visita a Tucumã. Capital oriundo do garimpo. A ILDA foi vendida
recentemente em parte (70%) para um dos donos de um grande laticínio do Sul, chamado
Elegê. Havia na ILDA muitos problemas quanto à administração e de falta de investimentos.
Existe uma tendência de expansão da indústria.

O queijo produzido e vendido com marca própria, ILDA, para todo o pais e estão criando
outra marca, que e a Sabor do Norte para lançar ainda este ano. Existe uma produção para o
mercado regional e é vendido para grandes redes e atacadistas de PA, SP, RS, MG e todo o
Nordeste.

Não existe diferença na qualidade de leite de uma vaca de raça Nelore e uma vaca de
raça européia, como e o caso da Holandesa. O que pode variar e o índice de gordura, que nas
vacas puro sangue de raça de origem européia e menor do que nas mestiças, mas o processo
industrial retira o excesso de gordura de qualquer forma.

Média diária de 40 mil litros de leite na entresafra e de 70 mil litros na safra, sendo que
os postos de coleta ainda fornecem cerca de 10 a 12 mil litros diários.

A principio o leite e oriundo dessas propriedades circunvizinhas a industria aqui. O leite


chega através de transportes variados - em caminhões cobertos de toldo, em carroças, em
camionetes. E a principio ele ainda esta sendo recebido em latões. O projeto que estamos

95
implementando e já estamos com um estabelecimento para resfriamento do leite - vamos
receber o leite através de coleta a granel, que vem a ser um caminhão isotérmico dotado de
todos os equipamentos necessários para manter o leite resfriado já esta em andamento e esse
mês ainda vamos ter a inauguração desse posto, que e um posto intermed iário. E um posto de
resfriamento aqui na P-5 (a cerca de 30 Km de distancia de Tucumã, na estrada). Nesse posto,
o leite vai ser recebido da mesma forma que aqui, só que ele vai ser resfriado antes de vir para
a industria. Quando o leite chega a industria ele e pesado, medido, analisado, e tratado
termicamente, de modo que ele possa conferir uma qualidade para que a população possa
consumir esse leite. O resto do leite que não e consumido, pasteurizado, ele vai ser
beneficiado e posteriormente vai ser feita a produção do queijo propriamente dito. As condições
de produção deles, segundo essa chefe da produção, em nada deixa a desejar a uma industria
de porte de Minas Gerais ou do Rio Grande do Sul. E uma industria muito boa em termos de
produção, de qualidade e de higiene.

Em media, o produtor esta a 120 km de distancia da sede da industria. Ha também um


posto em São Felix do Xingu, tem um outro na Taboca, na Vila do Nereu, e na Vila do T. São
postos que resfriam o leite e fazem também um queijo tipo colonial, só que esses postos ainda
não são regulamentados, ainda não receberam a inspeção do CIF. Estão em processo de
aprovação. Esse leite e entregue aqui e é beneficiado in loco e o produto e vendido ao
mercado consumidor.

Eles preferem, no entanto, receber o leite, em vez do queijo colonial. Em termos de


qualidade total eles preferem receber o leite. Porque a industria e dotada de todas as
condições necessárias para beneficiar o leite e produzir os queijos. Tem funcionários, um
laboratório montado para fazer analises, tem equipamentos que são necessários para fazer
uma boa produção. Já os postos que estão sendo montados agora. O primeiro posto dotado de
todas as condições de higiene e de qualidade e o posto da P-5. Os outros são postos
provisórios. A função do posto da P-5 será de resfriar o leite, o que vai permitir que se faca uma
coleta a cada dois dias, já que o produto fica conservado resfriado. Enquanto esse postos não
existem, e necessário que um caminhão de coleta, usando latões de plástico, passe pe los
postos diariamente. Visto as condições de transporte difíceis na região, essa estrutura que esta
sendo montada se justifica.

Eles vão procurar dotar todos os postos de coleta com sistemas de resfriamento para
que a coleta possa ser feita com "qualidade total".

96
Normalmente, é o pequeno proprietário e quem mais vende leite ao laticínio. A
Margareth vê que aqui no Para o grande proprietário não chega a ser um grande proprietário.
Essa e a visão dela, mas que reflete preocupação com o numero de litros vendidos pelo
produtor. Aqui entra uma questão interessante, pois para a industria de laticínios, o que
interessa e um tipo de gado, europeu, que produz mais leite diariamente e que e criado com
ração em regime de confinamento. Do gado solto no pasto de centenas de hectares de
tamanho não se pode retirar o leite com a mesma facilidade e higiene que o gado confinado.
Se os produtores de São Felix do Xingu possuem como sonho a criação de um produto verde -
o Boi Verde - então essa industria tem uma racionalidade diferente. Quando a qualidade da
terra decair e o pasto empobrecer, talvez o modelo produtivo defendido pelos Laticínios se
mostrem mais adaptados a região. E possivelmente seja o modelo escolhido para o futuro
pelos produtores de todos os portes.

Então o grande o grande proprietário de terras não chega a ser, para a industria de
laticínios, um grande produtor, ou, como diriam em outras regiões com tradição maior de
produção leiteira, eles não chegam a ser de fato "grandes proprietários". Porque a industria de
laticínios aqui no Para não tem a mesma tradição da industria de laticínio do sul. O seu Ivo era
um garimpeiro que, vendo que o garimpo não estava satisfazendo e que dentro de pouco iria
acabar, ele, tendo conhecimento de laticínios, resolveu montar essa industria. A industria de
laticínios aqui não tem ainda raízes. A agropecuária leiteira não tem raízes dentro do Estado do
Para.

Perguntada qual a diferença entre o grande proprietário daqui e o grande proprietário de


regiões com tradição de produção leiteira Margareth responde: "realmente em numero, em
quantidade de leite. No sul do pais o grande proprietário, a produção leiteira dele gira em torno
de 5 a 6 mil litros de leite por dia. Ele tem quantidades pequenas de vacas que dão grande
quantidade de leite. A media no Estado de Minas Gerais e de 15 a 20 litros de leite por dia por
cabeça de vaca. Porque o gado e tratado com ração, e mais tratado no coxo. Aqui no estado
do Para o gado e criado de forma extensiva, eles não tem tratamento com ração". Ela ainda
mostra que a industria de laticínios tem de ter um papel pedagógico nessa região (que para ela
não se mostra especialmente como uma área de fronteira, mas uma área de produção como
outras tantas), que mostrara como se deve criar o gado, que tipo de raça se deve valorizar, e
que tipo de manejo deve ser feito. "Agora estamos aqui, que nos viemos aqui com essa
finalidade de estar ensinando a eles (os produtores) o manejo do gado leiteiro. Então o nosso
trabalho aqui não e apenas de dar qualidade ao leite, mas nos também estamos querendo
mudar a política pecuária daqui do estado do Para. Nos queremos implantar uma política de
pecuária leiteira porque aqui e mais a pecuária de corte. Mas precisamos da pecuária leiteira

97
porque nos estamos construindo aqui uma industria pioneira. Nos vamos produzir o primeiro
leite UHT do Para.

A industria precisa para crescer de 200 mil litros de leite ao dia. Ele chegam a receber
70 mil litros de leite ao dia na época da produção, da safra. Na entresafra, recebem cerca de
40 mil litros de leite, mas já chegaram a receber apenas 34 mil. Caíram pela metade. Então
eles não querem que isso aconteça, porque eles tem que ter uma industria que trabalhe o ano
inteiro. Então eles estão tentando mudar essa pecuária, tentando ince ntivar a produção de leite
nessa região. A capacidade máxima da primeira etapa do laticínios e de 200 mil litros de leite
por dia. Esse primeiro galpão, que já esta construído e para 30 mil litros de leite. Eles querem
chegar a 200 mil litros, mas como o parque industrial deles e grande não ha porque limitar a
capacidade deles. Porque basta, no caso, aumentar o numero de maquinas para aumentar a
produção do leite. E infinito isso, mas estão precisando no momento de leite. E na região, de
Xinguara ate o T, eles não tem leite. Eles querem incentivar o aumento do leite. Então isso vai
ser feito através de conscientização, através de aumento do aumento do preço do leite.
Quando a Margareth chegou o preço do litro do leite pago ao produtor era de 16 centavos, hoje
eles estão com o preço de 25 centavos (a entrevista foi feita no período de entresafra). "Isso e
incentivo para que as pessoas possam ver na pecuária leiteira uma saída econômica viável".

"Aqui a produção e menor porque não tem o manejo adequado. Não te m ainda pessoas
com aquelas tradições familiares, porque lá no sul, as pessoas tem uma cultura familiar.
Aprendem desde pequeno como manejar um gado. Então aqui não tem ainda essa cultura.
Então e isso que nos estamos querendo melhorar".

"Em termos de qua lidade físico -química, todo leite basicamente e igual. Agora a
qualidade microbiológica e que determina se o leite e do tipo A, tipo B, ou tipo C. O leite tipo A
e retirado desde da teta da vaca em condições assépticas sem contato com o oxigênio, sem
manipulação manual, e é empacotado na própria granja leiteira. Deduz-se dai que esse leite
tem uma condição microbiológica muito melhor que o leite que varias vezes manipulado e ele
não sofre com o transporte. As células permanecem intactas. Agora a partir do momento que
se transporta, o leite e uma emulsão perfeita, mas a partir do momento que ele vai sendo
chacoalhado, vai sendo manipulado, vai havendo separação de gordura, as cadeias de
proteínas são desnaturadas, as bactérias presentes no leite aumentam em numero devido a
temperatura e devido as condições do latão e do transporte. O leite que e retirado da vaca por
ordenha mecânica e transportado em caminhão resfriado e que chega na industria ate as nove
horas da manha, esse e considerado um leite tipo B. E o leite C e o leite do Brasil. E o leite
retirado manualmente, e transportado em caminhões comuns, dotados de toldo".

98
"Então o que se pretende em termos de qualidade total e cada vez mais diminuir o
tempo que o leite fica em temperatura ambiente. O governo quer eliminar os latões no pais
inteiro e implantar a coleta a granel ate 2005. O pequeno produtor não tem condições de
comprar o equipamento de coleta a granel. Então nos já temos algumas soluções praticas para
isso que no caso e a implantação de tanque s comunitários. Vários produtores juntos podem
comprar o tanque. Aqui no Para nem condições para isso ha, pois aqui não tem eletrificação
rural, o que inviabiliza todo o processo".

"Então a ILDA esta suprindo essa necessidade com a construção de mini-postos. Nos
temos um projeto de 12 mini-postos, sendo o mais distante a vila do T (em direção ao
Lindoeste). Cada posto desses custa 70 mil reais, então e complicado, mas nos precisamos do
leite e precisamos melhorar a qualidade. Porque o leite ficando no posto de resfriamento ele
pode permanecer por 48 horas. Então a coleta seria de 48 em 48 horas. Então isso facilitaria a
coleta do leite e o leite sendo mantido a temperatura de 4 grau ele mantém a qualidade
microbiológica e as propriedades físico-químicas dele e com isso melhoraríamos a qualidade
de nosso queijo. O nosso queijo e vendido para todo o pais - vai pra Porto Alegre, pra São
Paulo, pra Minas Gerais e com marca própria".

- Vaca Holandesa pura produz um leite com índice de gordura de 3,5


- Vaca mestiça produz leite com índice que pode ficar acima de 4
- O leite que sai da industria para consumo e padronizada em 3,2 que não faz mal a
saúde. E ainda ha pessoas como as crianças e os idosos que precisam dessa gordura para a
sua saúde.

- Leite Pasteurizado chega a 72 -75 graus em 15 a 20 segundos


Leite UHT chega a 145 grau em menos tempo, não desnatura as proteínas do leite o
pode assim ficar mais tempo a venda no mercado (longa vida).

Produtos produzidos pela ILDA:

Queijo Prato
Queijo Mussarela
Queijo Pa rmesão
Queijo Provolone (em testes)

99
Manteiga
Manteiga Industrial
Leite empacotado tipo C
Bebida láctea (para escolas)

4.13. O pecuarista de fronteira e o aparecimento da figura do arrendatário de


terras na produção de grãos

Ao que tudo indica, o próximo ator social que irá aparecer na região de São Felix do
Xingu será o arrendatário de terras que eram originalmente usadas na pecuária. Possuindo
capital, esse ator poderá investir em onerosa correção de solo e na mecanização da produção
que permitirá a introdução nas melhores terras de grandes monoculturas de grãos.

Apesar do sonho da pecuária ser comum a praticamente todos os atores presentes em


São Felix do Xingu, a modificação da capacidade produtiva do pecuarista e sua conversão ao
plantio de grãos parece se dar de forma menos natural. Ele possui uma especificidade, um
conhecimento passado de pai para filho, de modo semelhante ao que se dá no caso dos
madeireiros.

A maioria dos pecuaristas de São Felix do Xingu vem de Goiás, mas também de Minas,
São Paulo, Rio de Janeiro. Muitos já tiveram fazendas em outros lugares como Redenção e
Xinguara. Fala -se muito, no caso de Goiás, de fazendeiros provenientes da região de Colinas.
Muitos que possuem fazendas extensas não moram em São Felix do Xingu. Eles se
organizam, já na hora da aquisição de terceiros ou da ocupação das terras devolutas
(Estaduais, no caso, do Iterpa), em grupos que lembram o modo de funcionamento de um
condomínio. Um fazendeiro em visita periódica às suas terras vai olhar também a do vizinho, as
compras de insumos, para baixar os custos podem ser feitas em conjunto. Podemos ver essa
ajuda mútua se exercer também no transporte de cargas e na manutenção da estrada, como
se deu de forma clara no caso da estrada do Iriri em São Felix do Xingu53. Criam-se redes de
trocas de informações e de técnicas que reforçam os interesses dos membros do “clube”.

O desmatamento está sendo feito sem que se possa usar dos instrumentos de coação
de que dispõe o estado. As árvores de menor porte são derrubadas, assim como toda a
vegetação rasteira destruída. Sobram as grandes árvores frondosas que não permitem que se

53
Inserir aqui foto do muro com o nome dos fazendeiros signatários que contribuíram com a abertura da estrada do
rio Iriri.

100
detecte a dimensão do desmatamento através dos instrumentos dos satélites de
sensoriamento remoto. No primeiro ano é feita a derrubada das árvores de menor porte. O
capim é plantado ao mesmo tempo em que há o desmatamento - um trabalhador fica junto ao
trator, jogando as sementes, enquanto este faz o trabalho de “limpeza”. O capim leva um certo
tempo para crescer. Um ano após o plantio do pasto por debaixo das árvores, o gado é
introduzido na área. A pecuária entra na floresta, sem que esta tenha desaparecido para o
estado.

O capim é queimado no segundo ano, provocando uma segunda "limpeza" na floresta.


As árvores de médio porte são destruídas nesse momento, sobrando apenas aquelas que são
de grande porte. O capim queimado, por não perder as suas raízes no fogo brota novamente, o
que permite que mais uma vez o gado seja colocado para pastar na área assim degradada. No
terceiro ano, é feita mais uma que imada que destrói de vez o que restou da floresta inicial.
Desse modo não há como impedir que as florestas sejam derrubadas através do uso dos
instrumentos disponíveis. E caso houver qualquer ação por parte do estado ele será,
obrigatoriamente, incapaz de reverter a destruição já consumada ou impedir que o resto das
terras com cobertura florestal sejam devastadas.

Neste caso específico do desmatamento com o uso de tratores de esteira, usados para
colocar abaixo as árvores de pequeno porte e o simultâneo p lantio de capim percebe -se que se
trata de uma técnica que foi experimentada e difundida em pequenos círculos de pessoas,
grandes e médios proprietários que detêm a maioria das terras em torno da cidade de São
Felix do Xingu, que a implementaram rapidamente e em larga escala. O fato desses
desmatamentos, por mais extensos que sejam, não serem detectados pelos instrumentos dos
satélites usados pelo Inpe e pelo Ibama, mostra claramente a função exercida pelo sindicato
dos produtores de São Felix do Xingu de um modo geral, e esses pequenos condomínios de
uma maneira mais específica.

O gado de raça Nelore, que resiste muito bem ao calor intenso e à umidade do ar
tropical, tenderá futuramente a ser melhorado através de cruzamentos com espécies ditas
européias, que adquirem massa muscular em menor decurso de tempo e produzem uma
quantidade maior de leite. Ele não precisará ser tão rústico quanto ele é hoje em dia nas áreas
visitadas pela equipe de pesquisa. Pode-se falar que o Nelore ficará tal qual por poucas
décadas. Depois ele será fruto de cruzamentos que o tornará um pouco menos rústico, mas
com maior produtividade, fruto, sobretudo, de processo de inseminação artificial e de seleção
do rebanho. Essa pecuária, da mesma forma que a produção mecanizada de grãos,
demandará capital para investimento seja na forma de poupança própria, seja na forma de

101
financiamentos governamentais, já que poucos financiamentos na agricultura são provenientes
de instituições financeiras privadas.

Cabe perguntar se o sonho de conseguir novas terras férteis é algo que se reproduz a
cada geração de pecuaristas. A capacidade produtiva da terra, a sua fertilidade, dura cerca de
vinte anos, tempo suficiente para que uma geração de uma família se mantenha
economicamente. Se compararmos a capacidade produtiva da terra com pasto e da terra com
florestas, visivelmente o investimento em pasto parece o menos rentável quando se pensa em
longos prazos. No entanto, para uma família, pode parecer interessante, mesmo que aquilo
que se deixe à segunda geração seja menos produtivo que o for a no passado. Cada geração
de pecuaristas vive a sua aventura econômica, que se confunde com uma certa idéia de
sucesso individual e familiar, com um dos mais duradouros mitos brasileiros, o do herói pioneiro
e desbravador de novas terras.

4. 14. Organização de Fazendeiros em SFX

Com cerca de 200 associados em um ano de existência, o Sindicato de Produtores


Rurais de SFX já projeta ter cerca de 600 a 700 filiados, ou até mesmo 1.000, nos dois
próximos anos.

O frigo rífico é uma peça fundamental à expansão da pecuária e representa para os


fazendeiros, sua consolidação e modernização. No Pará existem 11 frigoríficos com
capacidade de abate de 1.900.000 cabeças ao ano para corte. Considera isso muito pouco. O
gado diz, está represado. Os frigoríficos podem jogar com os preços. E o preço do gado tem
colocado muitos pecuaristas fora do mercado, pois o mercado de carne esta definido pelas
estruturas de propriedade dos frigoríficos. O abate anual no município é na ordem de 5,0% do
rebanho, ou seja, 65.000 cabeças. Este ano de 2002 está previsto venda de 90.000 cabeças. O
investimento que consideram mais importante deve se dirigir à pecuária de cria, pois a
estratégia ainda é a de “popular” por isso os pecuaristas vendem pouco em relação a sua
capacidade de venda. Consideram baixo os rendimentos da pecuária que estão em torno de
3,4% mas acreditam que poderia chegar mesmo até 10% , caso tivessem as condições
estruturais de Xinguara e Redenção e estivessem fora de risco da afto sa.

A racionalidade econômica está presente na compreensão de que "a terra cara não da
para e criar gado, pois este acaba ficando sem mercado", além de constituir um volume grande
de capital para ficar imobilizado. Então quando a terra fica cara, a vendem para apurar dinheiro
e "abrir outra terra para tocar a atividade".

102
a) Os fazendeiros mesmo que de grupos diferentes, associados ou ao com a Prefeitura
Municipal de FX estão construindo ou projetando os seguintes obras: Parque de Exposição e
de Eventos Sociais, um Centro de Rodeios Vendas de Gado e um frigorífico, como parte da
estratégia de colocar SFX numa posição de destaque no ranking de municípios produtores de
gado, no Pará, razão da campanha de asfaltamento da PA 279 ("Asfalto ja") e da recém criada
imagem de “capital do boi verde”.

b) Tem investido estrategicamente na construção de estradas, abrindo novas áreas ou


ainda na manutenção de estradas de fazendas e vicinais. A Estrada dos Fazendeiros, como é
conhecida, com boa melhor conservação por ocasião da pesquisa, foi construída inicialmente
pela mineradora Taboca e é mantida pelos fazendeiros com propriedades por ela cortada.

c) Os grupos mais fortes de pecuaristas estão também presentes no comércio, a


exemplo do Comercial Xingu, de Edmar Rodova l da Cunha, o Casa de Pesca de Sandra Nancy
de Souza, o Triângulo Supermercados, de Gerson, o Auto-Posto N.C., de Nelson de Meira
Cardoso e os proprietários dos Supermercados Bom Tempo.

5– ATIVIDADE MADEIREIRA E AVANÇO DA FRONTEIRA

O fluxo mais forte de avanço da frente madeireira para as terras do Iriri e para a Terra
Meio começou há cerca de seis anos, a partir de 1995. Quase todos os madeireiros vem de
Redenção, ou chegar através da PA-150, como um ponto na trajetória iniciada em áreas hoje
desflorestadas. É a mesma frente que atravessou o Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e
chega a Goiás, Tocantins e Mato Grosso. A rota é a da ocorrência da madeira, de forma
seletiva por espécies mais procuradas no mercado nacional e internacional. As colônias mais
rentáveis são as que reúnem cerca de 100 árvores. Já existe um conhecimento empírico
avançado de como a espécie se localiza no espaço. As serrarias de Redenção por algum
tempo já estavam sendo alimentadas com a madeira de SFX.

Um dos maiores comerciantes de São Félix, também pecuarista lembra que a “safra” da
madeira é no verão. Época melhor para o comércio, em todos os ramos, pois os madeireiros se
abastecem de provimentos necessários para as frentes de trabalho no comércio local. Porém
funciona um sistema de aviamento no qual é estabelecido o acerto de contas no final da safra.
Parte da exploração da madeira é financiada por esse sistema de crédito e por isso as alianças
entre madeireiros e comerciante se funda das possibilidades mútuas de ganho. Como a base
da exploração florestal em SFX é o mogno que alcança R$1.000,00 o m3 no mercado nacional

103
e internacional, os ganhos do comércio local são inexpressivos. E dos lucros ha uma parte da
capitalização direcionados para a pecuária e aquisição de mais terras. Há um circuito interno
promovido pela economia do mogno do qual participam diferentes segmentos do empresariado
local. O comércio vende para receber daí a 3 ou 4 meses, porém com altas taxas de
rentabilidade. A ação judicial em setembro de 2001 autuou as empresas na ilegalidade pela
exploração do mogno, em SFX, é visto pelos segmentos do comércio como uma “zebra”, pois a
madeira foi tirada, mas o ressarcimento do financiamento não foi feito pelos madeireiros que na
grande maioria foi embora do município, alegando falta de condições para ressarcir as dívidas.
Esse é um argumento repetido em coro por comerciantes e trabalhadores que estiveram nas
frentes de trabalho na mata (extração e serrarias), nos transportes da madeira e no trabalhos
das fabricas localizadas na cidade.. O desejo de retorno à exploração madeireira concerne a
bem mais de atores que poder-se-ia imaginar.

5. 1. Ilegalidade da extração do mogno e capitalização na fronteira

Em 1993 a atividade principal já era a madeira. A madeira, como as atividades


extrativistas da mineração e do jaborandi, capitalizaram para outras atividades inclusive a
pecuária.A atividade pecuária começa a se desenvolver nesse período, até então consumo
local dependia do gado trazido de Redenção, até mesmo de avião. A exploração de madeira é
mais forte que a pecuária do ponto de vista da capitalização e do envolvimento de atores
sociais diversos, uma vez que muitos atores sociais na empreita da madeira. Mas as atividades
foram paradas em outubro de 2001, com uma campanha do IBAMA. Mas de outubro para
março é justamente o período do verão. Paira uma dúvida sobre a retomada da exploração de
mogno com a chegada do verão em junho/julho de 2002.

A relação entre a atividade madeireira e a pecuária é orgânica. O dado mais grave, no


caso de São Felix e região do Iriri, é a exclusividade do mogno como alvo da procura. Com a
venda do mogno (em tamanho comercial), todo o resto da floresta é queimado. Essa lógica
remonta a ocupação das terras dessa região, por volta de 1985. A Fazenda Jaú, a mais
estruturada da região do Iriri, vendeu 50% do mogno das áreas que desmatou para pastos,
todas as árvores com mais de 200 metros de rodo, entre 1989 e 1992. A Perachi comprou o
mogno da Jaú. Muitas vezes os pecuaristas foram forçados a apre ssar a venda dos estoques
sob seu domínio, pressionados por grilagem comandadas pelas madeireiras.

De São Félix do Xingu até o Iriri ao longo de estradas construídas pelos madeireiros são
encontradas dezenas de serrarias que processam o mogno. Na sede do município soma 5
grandes serrarias entre elas a Serraria Ouro Verde, do José Carlos e Vaquino. E a Madeireira

104
rio Xingu, de João Kleber, além de serrarias menores e fábricas de móveis que processam
madeira branca. A ação da Polícia Federal e do IBAMA/MMA< em setembro de 2001, seguido
de uma série de denúncias sobre a extração e a venda ilícita do mogno em SFX, logrou uma
paralisação das atividades madeireiras e do comércio do mogno. Pelo acompanhamento junto
aos portos de desembarque, como o Porto da Balsa de SFX, e do trajeto pela PA-150,
mostram que essa atividade está realmente estancada. Restaria certamente a possibilidade de
escoamento do mogno pelo rio Xingu e por estradas que poderiam estar alcançando a Estrada
Cuiabá-Santarém. As informações de informantes em situações sociais diferentes, sobre a
redução da economia local com a paralisação da extração da extração e do beneficiamento da
madeira, nos levam a crer que realmente a ação de fiscalização foi eficiente. Resta porem
saber a sua durabilidade, pois a ausência do estado, de seus órgãos e da Política Federal, é
uma realidade.

Há informantes que dizem que no meio da mata, na direção do Iriri, tem serrarias que
continuam a serrar a madeira, sem informar se seria mogno ou “madeira branca”, como
costumam chamar para toda e qualquer madeira que não seja o “ouro verde” (mogno). Foi
feito um projeto votado há muitos anos da Câmara, de expansão da PA-279 para se encontrar
com a Cuiabá -Santarém. Esse cruzamento seria à altura da vila Moraes de Almeida, a cima de
Novo progresso.

Mais recentemente o mogno estava vindo do Iriri, tirado pelas próprias madeireiras nas
áreas abertas juntamente com fazendeiros. Mas para o presidente do SPR é difícil o fazendeiro
ter interesse na exploração da madeira, pois requer um investimento de capital com maiores
riscos e em geral estes são pessoas que vem de fora. Quando o mogno estava sendo
explorado dava cerca de R$1.000,00 o m3 no mercado interno. Apenas o mogno e o cedro
eram reconhecidas como madeiras de valor, pois os interesses em jogo eram altos, com
equipamentos pesados, como caminhões, carretas, motoserras, empregando dezenas de
trabalhadores em cada frente de extração. O tempo de extração, no verão, funciona como um
limite e imprimia velocidade no cronograma das madeireiras. As outras são somente “madeira
branca”. Lembra que no ano 2.000 eles estima que eram movimentados no município
R$1.200.000 ao mês. As cinco maiores fábricas que agora estão paradas trabalhavam dia e
noite, além da madeira que era beneficiada em outras serrarias no meio da mata, para o lado
do rio Iriri, ou em outros municípios, além da madeira que saia em toras para o mercado.

A atividade de extração é um empreendimento muito caro, pois implica em mobilizar um


maquinário possante (caminhões, tratores, carretas, motoserras etc..), ter recursos para
pagamentos de serviços também caros, como frete de avião ou de helicópteros, balsas e

105
barcos quando se trata de escoar a produção por via marítima, ou ainda despesas de rancho
para muitas pessoas que abem as estradas na mata ou que extraem e retiram a madeira de
lugares na maior parte das vezes de difícil acesso.

Para um empreendimento de tal monta, “é preciso que a qualidade e o preço da


madeira justifique”, como se expressam moradores em São Félix do Xingu,. Por isso,
argumentam, é preciso que seja uma madeira que tenha mercado e preço elevado para venda,
e “não tem melhor do que o mogno”.
A extração ilegal de madeira, seja o mogno ou qualquer coisa também com preço
elevado que justifique os riscos de custos altos de extração e beneficiamento primário, só pode
ser freado com uma fiscalização intensa e duradoura encima do processo de extração. Do
ponto de vista institucional, além da ação do IBAMA, tal empreendimento fiscalizador poderá
ter baixa eficiência se não conta com o apoio de órgãos policiais e da Justiça. E ainda, com
uma articulação de esferas, da federal à local, e isso muitas vezes é difícil pela competição
entre órgãos e esferas de poder, o que precisa ser ultrapassado. Para o nível local, torna-se,
algumas vezes ainda mais complexo pelos envolvimento direto ou indireto de estruturas sociais
locais na extração e no comércio de mogno, uma vez que este, segundo é voz corrente nessas
áreas, o aquecimento em geral do comércio local e de dema is atividades.

“Não é só a motoserra que substitui a cobertura florestal da Amazônia por vastas


extensões inférteis e desérticas. Autoridades públicas, sobretudo no nível estadual, também
contribuem para o desastre fechando os olhos ou abrindo as portas (até com incentivos) aos
agentes do aniquilamento premeditado e sistemático”, como se refere Marzagão54 Embora
com um Ministério dotado de poder e os mecanismos legais que legitimam suas ações, trata-se
evidentemente de uma correlação de forças, se falamos entre os “Ministérios econômicos”,
bem menor dos pontos de vista financeiro, orçamentário, de recursos materiais e humanos.
Além disso, o IBAMA não possui um quadro de pessoal suficiente quantitativamente e à altura
do tamanho do desafio, de fazer valer a legalidade e o respeito à legislação ambiental. Como
pergunta o jornalista citado: Como barrar o ímpeto das empresas madeireiras, impor regras de
replantio dos projetos de abate e de manejo de florestas? Assim, como impedir que não se

54
Ver Correio Brasiliense, Pobre Amazônia, de 10/2/2002. Ainda sobre a falsa percepção de que os
recursos florestais da Amazônia são ilimitados e a propósito da extração do mogno, ver o editorial do
Jornal do Brasil, de 11/2/2002, manifesta posição sobre a criação de um selo verde estudado pelo
governo. Certamente é polêmica a definição do que seria um selo verde e quais as condições para o
controle de tal certificação. Os mercados mais dinâmicos do mundo tem um papel importante pois
pressionam em última análise, a extração que atende a suas as importações. Impasses de fundo
continuarão se não houver mudanças na forma de fiscalização, na capacitação e adequação dos órgãos
de fiscalização e do judiciário para enfrentar esses problemas e evidentemente, a cooperação entre as
sociedades exportadoras e importadoras.

106
repita com a Amazônia o desastre ecológico que transformou a magnífica Mata Atlântica, e a
deixou apenas com seus 7% de área preservada?

A extração clandestina e a venda de mogno aumentou de forma impressionante, nas


áreas de novas fronteiras, a partir de 1999, o que acabou por causar uma suspensão das
autorizações de sua comercialização, por parte do IBAMA, desde outubro de 2001. Algumas
ações de impacto foram feitas pelo órgão de fiscalização, conjuntamente com a Polícia
Federal, em respostas às denúncias sobre a exploração e venda ilícitas, como foi o caso da
exploração e comercialização do mogno em São Félix do Xingu. O IBAMA vem trabalhando
com entidades ambientalistas que podem ter alguma interferência na compra de mogno no
exterior, como Reino Unido, EEU e Canadá, visa ndo frear o comércio ilegal da madeira. Desde
o início da “Operação Mogno, em outubro de 2001, foram apreendidos mais de 32.000m3 de
mogno, entre os rios amazônicos e o Porto de Paranaguá, no Paraná. A estimativa é que esta
madeira vale cerca de R$80.000,00”. Em “Queda de braço no comércio de mogno”, Folha de
São Paulo, 1/12/2002, a repórter diz que empresários do ramo da madeira manifestaram
através de órgãos de classe, da imprensa e das empresas, contra essas medidas que
consideram prejudiciais ao mercado de mogno e chegaram a impetrar sete liminares. A
primeira liminar concedida após a proibição de comercialização, foi cassada pela justiça e
segundo o Presidente do IBAMA, Hamilton Casara, referia-se à exportação de 3.000 a 4.000
m3 de mogno, através da Exportadora Perachi. Igualmente, 21.000m3 de mogno, avaliados em
R$ 65 milhões, estão armazenados em balsas no Lago do Poti, no Rio Xingu, na fronteira do
Pará com o Mato Grosso, segundo informação obtida pelo IBAMA, retirados da terra indígena
Kaiapó. A ilegalidade aparece de forma evidente também na extração de mogno de unidades
de preservação. Foi denunciado ainda a existência de mogno estocado e escondido na mata,
na região do Iriri, nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira. O próprio IBAMA informo u a
existência de mogno sendo escoado da Terra do Meio, em torno de 14.000 m3.

Osmar Ferreira e Moisés Carvalho Pereira são apontados como parceiros no título de
“rei do mogno”55. Chegam a faturar até “um milhão de dólares por dias” na atividade de
extração e comercialização do mogno na época da temporada que é o verão. Período que não
pequeno, pois o verão na Amazônia se estende de junho a novembro, podendo porém ir
mesmo até o mês de dezembro, pois é somente me janeiro que chega o período mais forte de
chuvas na região, quando fica difícil trafegar nas estradas. O domínio do mercado ilegal de
mogno concentra-se em suas mãos, em torno de 80%. Moisés Carvalho Pereira seria dono das
seguintes empresas, ou a elas associado: Madeireira Jutahy/Jatobá (serraria e exportadora);

55
Relatório do Greepeace, 2000.

107
2M (serraria), Madeireira MCP (serraria e exportadora); Millenium (serraria); Rio Negro
(serraria); Serraria Marajoara/Semasa E Osmar Pereira aparece com seus interesses ligados
às seguintes madeireiras: Ferreiras Madeiras e Desmatamento; Madeireira Serra Dourada;
Madeireira Sol Nascentes/kemdald & Stedler (serraria) Tapajós Timber (exportadora);
Madeireira Castelo (serraria) e Exportadora Peracchi. Esta depois de ter sido comprada por
Osmar Ferreira passou a se chamar Serraria Cotia, e com esse nome garantindo uma quota de
exportação de mogno para o primeiro semestre de 2001. Tem ainda serrarias em Novo
Progresso, Moraes de Almeida, Castelo de Sonhos e em Uruará,

Como se pode depreender desse complexo de serrarias acopladas a empresas de


exportação, os interesses do mogno ultrapassam de longe a cadeia produtiva local ou nacional.
O financiamento da exploração está, sobretudo, no estabelecimento dos elos entre a extração
e o mercado internacional, e por isso algumas dessas empresas aparentemente nacionais
praticam, de forma ilegal, uma atividade encomendada e financiada, por fortes interesses da
indústria de madeira em países como Alemanha, Espanha, França, EUU ou Bélgica. E por isso
procede a representação em São Félix do Xingu de que o mogno é a continuidade do garimpo,
o ouro de superfície ou o “ouro verde”, pelo poder que tem de mobilizar os interesses locais.

Osmar Ferreira foi acusado na Justiça, junto com mais onze madeireiros, através de
uma ação penal movida pelo Promotor Mauro Mendes de Almeida, do Ministério Público
Estadual da Comarca de Altamira, instruído por um processo policial que a antecedeu, de
chefiar uma quadrilha para retirar a madeira nobre de reservas indígenas na região de
Altamira, incluindo nessa prática uma área conhecida por Seringal Monte Alegre que estaria
localizada dentro de uma reserva ambiental. Os argumentos da Desembargadora Rosa
Portugal Gueiros para justificar seu hábeas corpus em tempo record era de que os interesses
“ambientalistas” atendiam a grupos internacionais, não cogitando no entanto de “interesses
internacionais” do mercado de mogno, das empresas estrangeiras associadas a Osmar
Ferreira. As investigações e depois o indiciamento aconteceu pelas suas ações de exploração
do mogno na Terra do Meio, onde abriram cinco pistas de pouso clandestino, medindo 600 x
100m, envolvendo na “operação de guerra”, 38 caminhões, tratores e uma balsa, apreendidos
pelo IBAMA e Polícia Federal em outubro de 2001.

O madeireiro Osmar Ferreira tem três madeireiras na estrada do Iriri. Duas são na
Central (ou Vila do Barbudo) e uma na Pontalina. Parte da madeira vem das terras indígenas.
No caso da área do Baú, em Castelo de Sonhos, Eles jogam no rio as toras de árvore para
fazer o transporte, levam para São Felix para esq uentar com nota fiscal. Na terra do meio há

108
áreas de manejo (checar informação) usadas para esquentar a madeira. Os Apitareua estão
tendo também suas terras griladas por uma família local denominada Acioli.

O principal piloto do município, voa no Iriri de sde 1998 identificando colônias de mogno
para as madeireiras. Com 14 anos de exploração, restam estoques nas áreas indígenas e em
cerca de 3 milhões de hectares reivindicados pela CR Almeida. Os principais grupos que
exploram madeira no Iriri, segundo informações em São Félix são Osmar Ferreira, Moisés (de
Redenção) e Maginco. Três grandes serrarias na região do Iriri (duas na vila Barbudo e uma
em Pontalina), 80 km depois da Central.

De onde vem o madeireiro? Uma operação de guerra é montada também na mata para
o processamento da madeira. .O grupo do Moisés vem de Redenção e o Osmar Ferreira. O
Osmar Ferreira é o maior madeireiro de SFX, só na estrada do Iriri ele tem 3 serrarias. São
duas no Central (chamada também a vila do Barbudo) e uma em Poulaline, e m direção ao Iriri.
Em Canopes onde o desmatamento esta avançando de forma impressionante, no inverno e no
verão, as estruturas de serrarias deslocaram inúmeros grupos de peões, tratoristas,
motoqueiros e melosos, uma espécie de ajudantes responsável pelo abastecimento de óleo.
Agora só tem mogno nas terras indígenas

5. 2. Percepções da sociedade local sobre a atividade das Madeireiras

Nenhum entrevistado se sente à vontade para falar das madeireiras. Ficam


constrangidos e fazem afirmações genéricas de que a atividade está paralisada com a
proibição do corte do mogno. “Toda safra vem firma diferente, a gente não fica sabendo quem
está por trás”, afirma o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais. A procedência das
madeireiras é, predominantemente do Pa raná, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Muitos dos
gaúchos que trabalham com madeira estariam vinculados a colonização de Tucumã,
implantada sob coordenação da Andrade Gutierrez56. Algumas famílias gaúchas já teriam vindo
atrás da madeira, pois deviam ter algum vínculo com esse setor no seu estado de origem.
Parte desses gaúchos se dedicaram a pecuária, concentrando-se em agrovilas em Tucumã.
Segundo o Sindicato dos Produtores Rurais de Tucumã, 35% do rebanho da região está nas
fazendas entre Tucumã e São Félix.

56
A empresa obteve autorização, mediante contrato assinado entre 1994 e 1986 (confirmar) com o
INCRA para explorar madeira e minério em troca do assentamento de famílias de pequenos produtores
rurais. Conforme relatos no Sindicato dos Produtores Rurais de S. Felix do Xingu, quando o
assentamento estava com 60% de sua implantada, a área foi invadida.

109
Consideram que apenas 20% do capital da madeira foi investido na pecuária na região.
Os dois setores não teriam maiores vínculos de investimentos. Os pecuaristas afirmam que o
madeireiro vai sempre adiante enquanto eles procuram se consolidar. As madeireiras têm
como alvo de exploração apenas o mogno, sendo poucas as que se dedicam a exploração de
outras espécies aqui consideradas pouco nobres, como o ipê. Acreditam que com a proibição
do mogno, haja espaço para a exploração das outras espécies, pa ra o mercado local e
nacional.

Não há dúvidas de que exploração do mogno aquece a economia local. Observe -se a
constelação de atores econômicos locais mobilizados na safra da madeira, conforme relatos
colhidos em conversas indiretas sobre o assunto.

Figura 23: Atividade Madeireira e relações estabelecidas com outros segmentos na


fronteira de SFX.

Mateiros:
aéreo e Pecuarista
terrestre
Grileiros ou
tiradores de
terra
Pessoal Índios
especializado
em serrarias Pequenos
Peões produtores
Skideiro Tratorista MERCADO rurais

Firmas que DE
Extratores
alugam MADEIRA de madeiras
carregadeiras
e caminhões

Hotéis e Transportadores
pensões por balsas
Supermercados
que fornecem Empresas de
Restaurantes aviação
os ranchos
Comércio de
peças

Fonte: Pesquisa de Campo, abril de 2002

110
Numa terra de grande diversidade de espécies madeireiras, o alvo quase que exclusivo
é o mogno. As estradas e todos os caminhos abertos têm como objetivo atingir as "reboladas"
ou colônias da espécie no interior das matas da bacia do Xingu. A rentabilidade da atividade é
altíssima, se considerado os custos de operações das empresas: sobrevôos das áreas a um
custo de R$ 700,00 a hora 57. Tem empresas que colocam na mata mais de 20 grupos de
trabalhadores frentistas, abrindo estradas e pistas, medindo árvores, transportando.. Até
novembro de 2001 (em plena moratória), somente um piloto voou 1.800 horas para a
Madeireira Ouro Verde, ligada a Madeireira Joari, numa área que vai de 80 a 180 km, próximo
aos rios Humaitá e Pardo.

A logística da atividade madeireira compara -se a uma ação de guerra na selva. A


seqüência do trabalho é mais ou menos o seguinte:

1a - o identificador sobrevoa as áreas de provável incidência do mogno, fazendo a


"pesquisa". É um trabalho especializado, mas nem sempre um profissional com formação
escolar. Essa pesquisa fica mais fácil entre abril e junho, quando as copas ficam mais fáceis de
identificação.
2a - o pessoal de terra é levado de avião para as pistas já abertas e é indicado o rumo
das reboladas para que eles cheguem até o local.
3a - o avião traz o rancho (alimentação e apetrechos de mata) para as pistas onde é
ensacado para transporte por terra durante a viagem ou para transporte aéreo quando a
rebolada é encontrada.
4a - localizada a rebolada, os trabalhadores de terra acendem uma fumaça para o avião
deixar rancho e outros apetrechos.
5a - abre -se às estradas para acesso ao estoque. Conforme relatos, a estrada faz
muitas curvas, desviando os obstáculos e não derruba matas consideráveis. Muitas são
imperceptíveis no sobrevôo.
6a - o transporte das toras até os pontos de apoio para serrar ou transportar até as
balsas. O mogno e o cedro são leves, flutuam.

57
Um piloto bastante requisitado de S. Félix voou cerca de 600 horas/ano, quando o normal seria 200 a
300 horas/ano. Ou seja, até 10 horas de vôo dia por vários dias para uma mesma firma. Com a moratória
do Mogno, a partir de setembro de 2001, o referido piloto ficou sem receber cerca de R$ 25.000,00, pois
as empresas alegaram falta de condições de pagar as dívidas na cidade. O IBAMA foi responsabilizado
pelas perdas. Houve caso de uma firma fretar avião para ir a Marabá, comprar um parafuso para uma
máquina quebrada a 300 km de S. Felix na região do Iriri.

111
O domínio sobre o território onde se situam os estoques é feito com estratégias
diferenciadas, mas em toda a região do Iriri, não se verifica o que ocorre na Santarém-Cuiabá,
onde as madeireiras estão se instalando em grandes latifúndios.
Figura 24 - Na região do Iriri, foram identificadas as seguintes estratégias:

Madeireira Madeireira Retira


ilicitamente retira
Compra sem autorização
Rouba
Direto dos pequenos De terras públicas, as vezes
proprietários situados nas entrando em conflito com grileiros
margens das estradas já abertas;
De terras indígenas pelas estradas
Dos pequenos grileiros que vão clandestinas
ocupando o fundo das vicinais
ainda não exploradas;
Dos fazendeiros que fazem
novas derrubadas para
pastagens;
Dos índios, esquentando com
Planos de Manejo de outras
áreas;
Fonte: Pesquisa de campo abril de 2002
Conforme depoimentos de um líder Kayapó e de outras pessoas na cidade, a compra
de madeiras nas terras indígenas envolve perdas para os índios: na metragem da madeira
retirada, no preço e nos pequenos favores que as empresas passam a fazer para os índios,
criando dependências e transfiguração cultural. Alguns índios, os mais influentes das aldeias
ficam por vários dias hospedados e mantidos pelas empresas na cidade. O líder Kayapo
informou que em 2001 vendeu, pessoalmente, 200m3 de mogno de sua terra. Teria recebido
100,00 por m3. Com esse dinheiro comprou roupas, alimentos, um pouco de gado e fez sua
casa em tijolos e telha. Um fenômeno a ser estudado são as mudanças na base produtiva e,
consequentemente cultural, nas aldeias, com a incorporação da criação de gado. O Cacique da
TI Kokraimoro tem uma fazenda à qual se dedica, enquanto passa a liderança do seu povo
para o filho.

Durante o período da pesquisa foi tentado conversar com o Cacique Parakanã da TI


Apiterewa, sem sucesso, pois o mesmo, estava visitando as madeireiras em busca de
negócios. Tiveram barcos, conforme depoimentos no porto, motos, mas com a saída das
madeireiras não conseguem dar manutenção e vão se desfazendo. Ou seja, como uma
atividade mineraria, o mogno só circula capital enquanto há exploração. Com a saída, as
atividades que encadeou temporariamente entram em declínio.

112
O processo de integração dos índios ao mercado parece ser irreversível. Os líderes da
TI Kokraimoro estão ansiosos por outras atividades produtivas que diversifique suas fontes de
renda. Já conseguiram, por meio da FUNAI de Colider (MT) os formulários do PDPI-Programa
de Apoio às Populações Indígenas (PPG7), mas não conseguem escrever seus projetos por
acharem difícil preencher os formulários. Querem recursos para demarcar as suas terras e
fazer a vigilância, pois parte ao Norte já está sendo derrubada para pasto. Querem recursos
explorar a castanha-do-Pará e beneficiar o cupuaçu que têm nativo e plantado. Só um dos
índios entrevistados já tem mais de 1.000 pés de cupuaçu plantados. Também precisam de
recursos para comprar redes, mosquiteiros, bens de uso doméstico que já sentem necessidade
de possuir. A madeira é o produto com o qual aprenderam a lidar numa cadeia de
comercialização em que as empresas criam uma relação paternalista que os beneficia numa
perspectiva imediatista. Detentores das últimas reservas de mogno, esses povos são o alvo
principal dos negócios das empresas.

Figura 25 - Quadro de atores envolvidos na cadeia de produção da madeira em SFX

Capitalização Extração

Pessoas ou firmas que investem na extração Mateiro localiza as árvores

Comércio local avia despesas Tirador/mateiro demarca extração

Peões abrem as picadas na mata


Serrarias
Frentes de trabalho p/ abertura de estradas
Serraria nas áreas de extração
Entram operadores de motoserra
Serrarias em SFX
Transporte em caminhões de toras
Serrarias em Redenção e outros locais.
Transporte de madeira serrada
Transporte para serrarias
Transporte de madeira pelo rio
Transporte de toras e serrados
Comércio

Firma que compra p / mercado interno

Processador emComércio nacional

Firmas de Despachantes

113
O noticiário de jornais em Belém e de periódicos de grande circulação nacional tem
trazido continuamente ao público, informações sobre a polêmica que envolve a Terra do Meio,
uma imensa área de mata densa situada entre os rios Xingu e Tapajós no sudoeste paraense,
conhecida pela ocorrência abundante de mogno e outras madeiras de lei, além de castanheiras
e seringais. Em julho de 2000, uma equipe do Greepeace chegou a constatar operações ilegais
naTerra do Meio e em terras indígenas vizinhas. Uma ação judicial foi dada entrada pelo
Ministério público de Altamira, referente à exploração de mogno em terras. A lei brasileira
proíbe a extração de madeira dentro de terras indígenas, no entanto, apesar de ser prática
ilegal, alguns grupos indígenas tem petimido a entrada de madeireiros que tem vendido o m3
da madeira pelo valor irrisório de R 80,00, quando seu valor no mercado internacional é de
R$3.300,00 58.

A Terra do Meio é uma área de 400 mil quilômetros quadrados localizada entre as
bacias dos rios Araguaia-Tocantins e Tapajós, tendo como eixo o rio Xingu, na maior parte nos
municípios de São Félix do Xingu e Altamira.

MAPA 6: Terra do meio

FONTE: Jornal O Liberal

58
O relatório do Greenpeace diz que Osamar Ferreira tem “um longo histórico de envolvimento com a
extração ilegal de mogno em terras indígenas, como as terras de índios Kaiapó (1983), Kikrim do Catete
(1985), Araweté (1988), Kayapó, Kararaô, Trincheira/Pacajá, Koatinemo, Apyterewa, Araweté (1991-
1992); Apyterewa (1995) e Kayapó (2000)”

114
O Governo Federal através dos ministérios de assuntos fundiários e do meio ambiente
pretendem criar, ainda em 2002, uma grande reserva e xtrativa de 2,3 milhões de hectares, em
um raio que atinge cinco municípios do estado do Pará, já denominada Reserva Verde Pará.
No início de 2002 houve manifestação de grupos locais e das prefeituras de vários municípios
contestando a decisão de criação dessa reserva extrativista, invadindo com 800 pessoas a
terceira audiência pública para discussão sobre sua viabilidade desejada por instituições
preocupadas com a preservação da biodiversidade dessa área já ameaçada por novas frentes
de expansão pecuária e de grãos. 59. A questão do mogno está relacionada a essas medidas
governamentais.

A Procuradoria do Meio Ambiente a Espanha ordenou a abertura de inquérito sobre


importação irregular de mogno brasileiro depois de receber denúncia do Grenpeace daquele
país sobre o envolvimento de empresas que importavam o mogno de forma irregular. Além de
contrabando, foi denunciado o uso de faturas clanadas referentes a madeira embarcada em
Belém para o Porto de Valência. Os documentos comprovam a exportaçãoogno como se fosse
cedro KD, para escapar ao controle do governo, em desrespeito à portaria que estabelece
quotas para exportação dessa espécie. Os documentos são faturas emitidas pela empresa
Adair Comercial que estaria utilizando faturas clonadas, ou seja, multiplicada s, estava
associada à empresa espanhola Comadex.

Em outubro de 2001 foi proibida totalmente a exportação de mogno, pelas Instruções


Normativas no final de 2001 baixadas pelo IBAMA, embora a comercilização dessa espécie de
madeira já vinha sendo feita de sde 199660.

A moratório do mogno termina em setembro de 2003. Informações dão conta de que a


tirada da madeira segue seu curso natural embora mais discreta, e quando setembro chegar
estará pronta para ser transportada. De qualquer forma, uma semana na cidade de SFX foi o
bastante para se perceber o fervilhar das atividades de desmatamento na região do Iriri.

6. PEQUENA PRODUÇÃO FAMILIAR E ASSENTAMENTO NA FRONTEIRA

As trajetórias percorridas pelos pequenos produtores assentados na maior parte antes


da chegada do INCRA são as mais diversas. Elas religam pontos aparentemente desconexos
na geografia da Amazônia, pelas passagens por empregos e empresas diversas, ou ainda, na

59
Lúcio Flávio Pinto – Terra pra quê? Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 19/02/2002. Do mesmo
autor e Jornal, ler matéria Intolerância na Selva, de 26/2/2002.
60
Ver notícias nos jornais O Liberal e a Folha de São Paulo, 14/6/2002.

115
condição de pequeno produtor familiar, no correr da implantação pelo Estado dos programas
de colonização. Muitos antes de virem para essa fronteira trabalharam em atividades como
assalariados em fazendas, na mineradora de cassiterita, na exploração de jaboranti, no
comércio, ou ainda como colonos em outros Estados ou municípios do Pará. No itinerário
desses indivíduos encontra-se a história recente da região, através de suas trajetórias de
trabalho, muitas vezes com passagens como mão-de-obra de grandes projetos, não
importando a distância entre eles, ou ainda acompanhando o avanço das frentes madeireira e
pecuária61. Grupos chegados mais recentemente foram assentados pelo INCRA. São mais de
800 famílias de pequenos produtores rurais que foram assentadas. As pessoas que foram
assentadas já estavam na maior parte por aqui pela região. Ele escutou pelo radio que o Incra
ia tirar terras para os colonos. O assentamento começou em 1996. O Incra deu o lote com a
estrada que atravessa o rio Fresco. Ela é conhecida como Estrada do Iriri. A PA 279 que vem
de Xinguara para SFX acaba justamente na balsa que atravessa o Fresco.

61
Algumas trajetórias de vida são aqui destacadas, apenas com o intuito de mostrar uma recorrência de
situações que poderiam ser tomadas como padrão da movimento de pequenos produtores nessa região
de fronteira. O Presidente da Agrifas (Associação de Agricultores do Setor Pium) narra em sua trajetória:
“trabalhava na Camargo Correa em Tucuruí, mas a empresa me deu baixa. Soube que a Taboca
Mineração estava recrutando em Tucuruí para trabalhar na mineração de cassiterita em Ipitinga, a
350km abaixo de Manaus. Fiquei em Ipitinga por 1 ano trabalhando na Taboca. Depois fui trabalhar em
Rondônia, em Massangana, mas sempre para a Taboca, na segurança da firma que também explorava
a cassiterita. Fiquei ai mais 1 ano. Em 1990 ela me fichou (14/4/90) na mesma firma, mas era para a
Mineração Taboca no Xingu. Fiquei até 1995, quando a firma fechou. Trabalhei nessa firma por todos os
anos até o seu fechamento”. Atualmente ele tem um lote rural, em área que era da Taboca. Houve
muitos conflitos entre os trabalhadores e a firma, por causa da posse da terra. Segundo informa, antes
de desativar as atividades com o esgotamento das jazidas, ela colocou mais resistência à ocupação das
terras que pleiteava, pelos trabalhadores e colonos que chegavam em busca de terra. Seu Osíris ficou
com 30 alqueires que é 150ha. Planta mandioca, banana, arroz, feijão, milho e tem 10 cabeças de gado
que comprou com o FNO.
Um outro entrevistado veio do Piauí em 1977 trabalhava na segurança da Camargo Correa, para a
Eletronorte, em Tucuruí. Ali permaneceu de 1977 a 1985. Depois foi para Itupiranga, na
Transamazônica, trabalhar como pequeno produtor rural. Veio de Itupi ranga para Xinguara pois
encontrou um emprego assalariado, como frentista em um Posto de Gasolina. Tendo conseguido um lote
de terra voltou para a agricultura colocando roça numa vicinal no município de Itupiranga. Trabalhou
ainda em duas fazendas, como peão e para uma madeireira. Em 1997 conseguiu um lote pelo Incra aqui
em São Félix do Xingu e estabeleceu-se como pequeno produtor rural.
O depoimento de Valdomiro Paulinho de Souza também mostra essa itinerância por situações diferentes
de trabalho. Veio para esse lugar em 1986. Trabalhava na roça na Bahia e veio trabalhar em Xinguara
na fazenda Diadema de Waldemar Carneiro. Cuidava da lavoura nas terras arrendadas da fazenda.
Pagava 15% da renda do que vendia, da roça de arroz, feijão, milho e mandioca. Foi depois para a
fazenda do Piaza, fazendeiro e madeireiro. Não tinha direito de colocar roça, mas fazia empreita e
roçassem. Ficou ali 11 meses. Depois foi para Xinguara para trabalhar na roça, ai não deu certo e foi
então trabalhar numa fazenda onde ficou por cinco anos, junto com o filho maior, roçando juquira. Depois
comprou quatro alqueires com o dinheiro que ganhou na juquira. Melhorou a terra e depois conseguiu
vender os quatro alqueires e comprar 10 para ele e 10 para o filho, alem de 10 alqueires dado pelo
INCRA no PA São Sebastião.
Maranhense do Amarantes, cidade adiante 100km de Imperatriz. Veio há oito anos para Tucumã.
Comprou 4 alqueires de terra em Tucumã. Vendeu essa terra e procurou ser assentado pelo INCRA na
comunidade de Sudoeste, em 1993. Esse assentamento foi feito em terras dos índios, criando conflito
com os índios e por isso deslocado, quatro anos depois, para o outro lado do rio Fresco, onde se
encontram.

116
Com mais de 1000 famílias, para essa área também se dirigem novos grupos
que continuam a chegar, com origem de Goiás, do Maranhão e de outros estados, ou
ainda de municípios próximos como Tucumã, Marabá, Xinguara entre outros. As
informações se cruzam e confirmam todas elas que essa área ce certamente uma nova
fronteira não apenas para a pecuária, mas também para um sem número de pessoas
em busca de terra e trabalho. Os registros sobre a tensão e os conflitos, como mortes e
pistolagem são comuns e se multiplicam com o tempo.

6.1. Percepção do tempo e das mudanças sócio -ambientais

A percepção sobre as mudanças que vem ocorrendo de forma tão rápida na região,
está presente no discurso daqueles que estão há mais tempo aí ou são filhos do lugar.
Comparam um tempo não muito atrás que se referem como de abundância, listando a
variedade de caça e de frutas da mata, a exemplo da a castanha -do-pará. Os depoimentos de
muitos pequenos produtores ouvidos na pesquisa são testemunho de uma percepção de uma
fase de abundância irreversivelmente interrompida a associando às mudanças de um meio aos
seus olhos empobrecido e frágil, por causa do desmatamento e da redução da fauna selvagem.
Percepção que contrasta com a de grupos de fazendeiros que tem na floresta um empecilho à
valorização da terra, um obstáculo a ser vencido, para agregar valor á terra pela introdução de
pastagem. Duas percepções portant0o contraditórias e que de certa forma são equivalentes ao
debate sobre ambientalismo e desenvolvimentismo.

Observou-se como as áreas deflorestadas ressecam com o sol do verão, e os rios com
suas margens desprotegidas, tem uma redução do volume de água. O problema de água já
começa a aparecer em municípios próximos como marabá, Xinguara e Redenção e são
exemplos para os observadores mais atenciosos. As reservas de matas estão extremamente
reduzidas e inúmeras espécies de árvores já desapareceram. Os solos considerados de maior
fertilidade, terras roxas, com uma farta e diversificada cobertura florística ali existentes há
menos de 10 anos, passam a predominar em algumas áreas, denunciando os limites
ecológicos.

“A investigação detalhada revela assim um mosaico de situações, tanto ecológicas


quanto sociais, efeitos de micro-região e até mesmo ao nível do vilarejo. É igualmente nessa
escala de percepção da realidade que as estratégias funcionam”.

Várias causas são evocadas para explicitar essas mudanças, em primeiro lugar, a ação
de desmatamento e a plantação intensiva de capim, além do pisoteio do gado. Mesmo a

117
agricultura que é uma forma também de florestamento, não é uma prática no município, a não
ser no meio da pequena produção familiar. Mas a quantidade de terras nas mãos de pequenos
agricultores é ínfima, comparativamente aquela que está nas mãos de pecuaristas. Essa
inversão entre numero de estabelecimentos e tamanho da propriedade é um dado a ser
considerado para efeitos de políticas públicas. Registram a perda de milhares de árvores de
castanha, mortas pelos corretões, pelo fogo ou venda como madeira . Sem falar da seringa e
outras árvores importantes na cultura da região. Se vendidos, são recursos que geram mais
riqueza, talvez mais que a pecuária, como foi o caso do jaborandi que acabou. Muitas
espécies, que por sinal talvez sem jamais terem sido inventariadas, deixaram de existir. Fala -
se da extinção do mogno, como madeira de lei e a mais valorizada entre todas, mas ele pode
ser visto como um emblema da extinção, e não apenas como um exemplo. Embora não seja
percebido como tal, é um emblema, pois simboliza a extinção de ecossistemas inteiros, pois
mesmo os cursos d’água alteram-se com o desmatamento massivo como o verificado em São
Félix do Xingu. Segundo informações obtidas, para se encontrar o mogno é necessário ir mais
para o iriri, já nas proximidades da Cuiabá-Santarém, mais de 300km, ou então nas terras
indígenas, estas já com sua reserva de mogno parcialmente alterada.

A degradação ambiental é representada pelos colonos pelos efeitos sobre suas práticas
agrícolas, na modificação da paisagem, nas mudanças na força das árvores plantadas, antes
que cresciam rapidamente e agora com seus processos lentos. Lembram o capim plantado nas
terras novas que crescem até 1,70m, “onde se vê apenas a cabeça do boi no pasto, tão alto é
o capim”. Os vegetais indicam a qualidade dos solos alterada.

Essa oposição de visões representam de certa forma a oposição entre os discursos


ambientalistas e desenvolvimentistas, embora ambos os grupos estejam interessados no
desenvolvimento, mas as práticas e os usos tecnológicos possíveis para um e outro grupo são
muito diferentes.
Os primeiros assentamentos surgem em São Felix do Xingu como complementos à
atividade mineradora. Eles tinham por função alimentar as áreas de mineração com produtos
locais, o que evitava a nece ssidade de uso de trabalhosos meios de transporte. Por isso eles
se mantiveram e ainda sobrevivem. A partir da abertura da estrada, os pequenos agricultores
passaram a trabalhar com o extrativismo. Hoje o extrativismo acabou na região. Há mais de
três milhões de pés de castanha-do-pará mortos.

Além da sede do STRs em São Félix do Xingu, há uma Delegacia Sindical em Taboca e
a sede da Associação de Agricultores do Setor Pium/Agrifas que, juntamente com mais oito
associações de comunidades do PA São José do Xingu ( ou Colônia São José) elaboraram um

118
programa de ação com técnico do INCRA. Além do PA São José, tem mais outros dois PAs,
que são: o PA São Sebastião e o PA62. O FNO foi importante, segundo lideranças de
Associações de Pequenos produtores familiares do PA São José composto por 890 famílias
cadastradas pelo INCRA, embora na realidade cheguem a 1200 para mantê -los na terra e
ampliar as atividades agrícolas com culturas permanentes, além de preparação do pasto e
compra de uma a três dezenas de cabeças de gado, em média.

6. 2. Pequenos Produtores Rurais – Lideranças do STRs.

A agricultura familiar baseada nos assentamentos do INCRA migra em média em 3


anos. Os garimpos que são descobertos na fronteira também influenciam na configuração da
ocupação. Encontra-se, freqüentemente, pessoas que migram ou combinam atividades
estabelecidas com algum tipo de negócio com os garimpos ou com a madeira

As frentes de ocupação das terras pelos pequenos produtores rurais tiveram as


seguintes origens e formas de assentamento: remanescentes de garimpo, remanescentes da
mineração (o PA São José é um dos assentamentos mais antigos, feita à revelia da mineração
Taboca que detinha grandes áreas de terra) e remanescentes do jaborandi.

Houve a chegada de muita gente que ficou a margem da sociedade, inclusive aqueles
que perderam seus empregos e não conseguem se empregar mais. O emprego ficou para
aquelas fatias de pessoas que tem mais instrução, ou melhor, posição social. Mesmo aqui em
SFX e nas cidades próximas, os melhores empregos são conseguidos pelas pessoas de
melhor posição social ou que vem de fora justamente para trabalhar em empregos das firmas,
pois a crise em seus lugares de origem os faz migrar. Tem expressão inclusive uma migração
de classe média que abre mão de viver em uma cidade melhor, para ter um emprego ou então
tentar uma ascensão social. Vimos vários técnicos de empresas que tem esse perfil. Isso leva
SFX a ter uma outra inserção no processo de modernização da administração empresarial,
órgãos de classe (SP R por exemplo) e órgãos públicos.

Foi criado um projeto chamado casulo, a nível municipal, de assentamento para 42


famílias. O objetivo era tornar possível a produção de orti-fruti-granjeiros na cidade de São
Felix do Xingu, que sempre importou esses produtos de outros municípios e estados. Depois
que o casulo foi implementado, um projeto de lei na câmara dos vereadores propõe então a
transferência dos assentados para uma área próxima do lixão da cidade. A terra que era

62
O PA São Sebastião fica a 35 km de Taboca. A Vila de Tancredo fica a 50km de Taboca.

119
destinada originalmente para o assen tamento está em litígio. Tenta-se organizar, através do
sindicato dos trabalhadores rurais, os assentados para ocupar as terras. O governo municipal
conseguiu, através da câmara doar as terras para a implantação de um suposto frigorífico na
cidade. Os trab alhadores rurais são assim usados para “esquentar” as terras, através de
projeto de assentamento (P.A.), sem o qual ficaria em litígio. As terras vão primeiro ser doadas
para um “laranja”, que depois fará a doação ou suposta venda para o sindicato dos produtores,
que fará enfim o repasse da posse da terra para o grupo que está por trás da implantação do
frigorífico.

Os Projetos de Assentamento mais próximos da cidade de São Félix: PA-São José e


PA-São Sebastião. As vilas localizadas ao longo da estrada que liga a cidade de São Félix a
Taboca, são originárias de assentamentos de pequenos produtores e têm sua dinâmica
mesclada pela economia familiar e pela pecuária que cerca essas terras. 63

Quadro 5: Assentamento de Pequenos Produtores Rurais em SFX

PA Localização No de Famílias Características Gerais Conflito


No entorno da Esse assentamento vende sua
vila de Taboca, produção para as vilas de
Projeto de
cerca de 80 km 1.200 famílias Taboca e para a cidade de São
Assentamento 823 assentados
a norte da Félix. Está produzindo muita
São José cidade de S. banana, financiada pelo FNO, INCRA teria
Félix mas a maior parte da produção repassado
está se perdendo por os lotes para
dificuldades de transporte. o pecuarista
Grande parte dos lotes estão Zulmiro de
ocupando um terreno com Colinas (TO)
Campo Verde
muito relevo, terras com
afloramentos de pedras, inúteis
para plantios.

Serra Verde Pecuaristas


Pium
Samaúma
Taboca
Carvão
Fonte: pesquisa de campo abril de 2002

63
As vilas são: Tancredo, Nereu, Noé e Taboca

120
PA Localização No de Características Gerais Conflito
Famílias

Projeto de Nos limites do 263 famílias É uma região de elevada O Incra teria
Assentamento rio São assentadas pressão de pequenos assentado os
São Sebastião, na posseiros, pecuaristas e colonos e depois,
Sebastião borda da TI madeireiros. As fazendas essa área foi
Apiterewa chegaram a borda da TI, na considerada TI. O
margem do rio São INCRA teria
Sebastião: a mais citada é a desapropriado os
conhecida com dos colonos e repassado
catarinentes que possuem 25 as terras para o
mil alqueires, segundo pecuarista Zé Neto.
informações dos pequenos
produtores do PA-São José.
A estrada dos madeireiros,
passa por dentro do setor
Pium do PA-São José e vai
até a beira do rio São
Sebastião.
Fonte: pesquisa de campo abril de 2002

PA LOCALIZAÇÃO No de Características Gerais Conflito


Famílias
Projeto de
Assentamento
Sudoeste
PA Localização No de Características Gerais Conflito
Famílias
A fazenda Flor da Mata
foi superfatura em 5
vezes o seu valor para
desapropriação pelo
INCRA. Quando havia
sido pago 85% do
valor, descobriu-se que
Projeto de os documentos eram
Assentamento falsos. Grilagem em
Lindoeste terras da União. O
dinheiro nunca foi
devolvido. Segundo
depoimentos, no STR,
está tudo devastado.
Afirma-se por alto que é
de um empresário
ligado ao grupo Sarney.
Fonte: pesquisa de campo abril de 2002

Segundo informações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, há dez anos, a estrada


de Tucumã a São Félix (PA-279) era habitada somente por colonos. Hoje não existe mais
pequena propriedade no lugar.

O PA São Sebastião começou em 1999 e tem 216 famílias assentadas, porém todo
tempo tem famílias chegando. Agora já são para mais de 400 e continua chegando quase todo

121
dia gente nova, pois a terra é muito boa. Os moradores acham que vai continuar a chegar mais
gente, e não são apenas pequenos como também grandes compradores que estão com
interesse sobre essas terras. Dos assentados pelo INCRA mesmo não tem mais de 80. Os
demais venderam os lotes por causa das dificuldades que enfrentam Os que estão chegando
vem do Tocantins, sobretudo da região de Arapoema e também de Araguapina e da Colméia
no Tocantins.

São ao todo 35 associações de comunidades no município de São Félix do Xingu. Só


na PA São José são nove associações: Sudoeste, Lindoeste, Mula Preta, Ladeira Vermelha,
São Francisco, Antra, Nereu, Tancredo, Noé, Taboca, São José e São Sebastião (falta
completar). De São Sebastião para cá, em São Félix, é ocupado somente por colônias, não é
área de índio. Mas pra lá de São Sebastião são terras indígenas. Mas do outro lado do rio
Xingu tem uma área dos Apitiréua.

A Mineração Taboca funcionou de 1974 a 1995 no município de São Félix do Xingu, na


exploração da cassiterita, com jazidas em vários sítios geológicos próximos. Os moradores
informam que foi ela que construiu a estrada para viabilizar sua produção. Os caminhões
carregados de minério atravessavam a balsa em São Félix do Xingu para pegar a PA 279 e
depois a PA 150.

O povoado conhecido como Central é uma de tensão e conflito em torno da terra entre
fazendeiros e colonos. É conhecida como uma área de grilo, justamente na direção do Iriri. Nas
palavras de um colono morador próximo de Central “é uma terra sem lei, de humilhação e
muito pistoleiro. A vida não vale nada. Mata-se com a maior facilidade... Ainda não colocaram
uma justiça lá dentro”. E uma área de violência, registrando -se forte tensão entre grandes
fazendeiros e pequenos produtores.

A rodoviária afixa a indicação de horário de ônibus para o Iriri, para o Sudoeste e para
as vilas de Tancredo e Taboca. Todos eles atravessam o rio Fresco na balsa que sai de São
Félix. O Sudoeste, povoado com algumas casas isoladas fica a 276 km de São Félix, passando
por Lindoeste (2okm) e Mula Preta (18km), atravessa uma extensa área de mais de 70 km de
estrada somente formada por fazendas, na direção à Marabá.

a) Sistema de meia na pecuária


O meeiro pega o gado de outra pessoa que entrega e ai pode fazer um contrato de i cria
(1 ano), de 2 crias (2 anos) ou de 3 (3 anos). Quem tem bom pasto, mesmo que ele alugue por

122
preço baixo, como por exemplo, R$ 2,5, ele vai buscar um salário para defender as suas
despesas. Trata-se de uma renda do pasto.
b) Sistema de aluguel de pasto
O aluguel do pasto pode render de R$3,5 a R $4,0 por cabeça por mês, quando o pasto
está bom.
c) Sistema combinado de meia e de aluguel de pasto
Tem ainda pessoas que combinam os dois sistemas, dependendo do contrato entre o
dono do pasto e o dono do gado. Interessante: tem mais poder o dono do gado e não do pasto.
Cabe saber o custo para fazer o pasto e o custo para mantê-lo bom para o gado se nutrir.

Fazendo um balanço acham que o resultado melhor, de maior rentabilidade para o


trabalho e o pasto, é o sistema de meia.

6.3. Projeto de Assentamento Tucumã

A cidade de Tucumã é um Projeto de Assentamento, e por isso teve e tem um papel


importante o Sindicato de Trabalhadores Rurais que conta com 1766 produtores associados,
conforme informaram Ana Ferreira e Célio José da Silva, presidenta e vice-presidente do STRs,
respectivamente.

Houve cessão das terras que hoje formam o município para a empreiteira Andrade
Gutierrez. Inicialmente Tucumã foi pensado para servir de modelo a outros projetos de
assentamento parecidos. O projeto e iniciado em 1979 pela Andrade Gutierrez e em 1985 e
criado o Projeto de Assentamento de Tucumã. A área do PA totaliza 400 mil hectares.

O projeto nasce, portanto, com o objetivo de servir de modelo, o que na pratica excluía
parte das pessoas. Na cidade vizinha de Ourilândia do Norte, havia uma corrente que impedia
a passagem das pessoas para dentro de Tucumã. Para entrar era necessário fazer a
identificação da pessoa. Foi assim que Ourilândia cresceu - as pessoas excluídas de Tucumã,
"que eles não queriam" nos dizeres da presidenta do STR "ficavam lá".

Em 1982, as pessoas que tinham imigrado para a Amazônia em busca de terras e não
dispunham de capital, essencialmente nordestinos, começaram a entrar no PA e invadir as
terras. As pessoas mais qualificadas e que dispunham de algum capital, geralmente gente do
sul do pais, compravam terras, normalmente as melhores disponíveis, e recebiam seus títulos,
o que para as pessoas da região e algo de extremamente importante. Como era um projeto
modelo eles queriam sobretudo gaúchos trabalhando lá. Não tinha maranhense com titulo.

123
A Andrade Gutierrez construiu a cidade de Tucumã, com um projeto moderno. Havia
1500 funcionários trabalhando na área e moravam em casas padronizadas e que ate hoje
podem ser vistas em praticamente todas as ruas transversais da cidade.

Enquanto isso em Ourilândia havia muita pressão social, que ia crescendo com o tempo
e o chegar de novos imigrantes. A invasão das terras se fazia pouco a pouco. A Andrade
Gutierrez tinha aqueles pistoleiros que iam atras dos posseiros e invasores e batiam muito nas
pessoas, torturavam - ha muitas historias horripilantes que são contadas pelas pessoas que
ainda hoje moram nas duas cidades. Como se fosse uma resposta a essa violência, a essa
barbaridade, no ano de 1984, em Ourilândia, depois que a população soube de um caso de
tortura feita contra um homem idoso que morava na cidade, lincharam em praça publica um
membro da chefia do Getat. Cortaram só fios de telefone e entraram nos escritórios da
empresa. Lavaram ele para o meio da rua e o apedrejaram ate a morte.

Em 1985 a Andrade Gutierrez, diante da impossibilidade de controlar a situação,


procurou sentar na mesa de negociação com o governo. O pessoal da empresa fugiu da área.
O PA foi desapropriado pelo governo e a Andrade Gutierrez foi indenizada pelas terras. O
INCRA entra então na área nesse momento.

O STR e criado em 1989. Ourilândia do Norte nessa época ficou maior que Tucumã,
quando houve uma tentativa de atrair pessoas que tinham ficado em Ourilândia, por causa da
corrente.

Em 1994 foi a primeira vez que agricultores receberam o FNO - Especial. No total foram
25 projetos de trabalhadores reunidos na primeira associação local, beneficiados com verbas
do FNO. Em 1995 já havia 5 associações diferentes.

Procera - programa d e financiamento para a produção pecuária. De 1992 a 1995, foram


beneficiados 945 produtores com essa linha de credito que permitia a aquisição de 9 vacas e 1
boi para incentivar a pequena produção pecuária.

Segundo a presidenta e o vice-presidente do STR os agricultores investiram na


pequena pecuária e hoje já estão com pasto fraco que não sustenta o gado. Os dez alqueires
que os pequenos produtores possuem não dão sustentação a família. Por isso a agricultura
familiar esta passando por grave crise em Tucumã. Isso e um efeito sobretudo do Procera e do

124
FNO do Basa, que incentivaram a pecuária e relegaram a segundo plano os outros produtos da
terra. As terras estão todas "derrubadas" e precisam ser replantadas.

A terra foi destruída com mais rapidez por causa do pasto que foi plantado para a
pecuária. São esses que estão indo embora com mais rapidez. Os gaúchos plantaram um
pouco de cacau e ficam mais tempo nas terras. Mas os outros acreditaram no financiamento e
quebraram. Esta em fase de estudo projetos de reflorestamento. Pensa -se em madeira,
sobretudo mogno, cacau, cupuaçu, seringa, etc. O sindicato esta atualmente discutindo esses
temas pois percebe que e necessário reflorestar as áreas de pasto degradadas, mas não existe
nenhuma linha de credito oficial para a pequena agricultura nesse sentido.

Quanto aos laticínios, a avaliação que se faz no STR e que essa industria não ajuda o
produtor. Apesar de ser muitas vezes a única fonte de renda do agricultor. Mas os laticínios são
privados e estão crescendo, en quanto que o agricultor esta empobrecendo. Uma queixa que se
faz quanto aos laticínios e que eles não financiam a produção e portanto não ajudam a dar
sustentabilidade a produção de leite.

O preço de um lota varia de R$ 12.500,00 a R$ 20.000,00 perto da cidade. O produtor


vende e avança mais adiante. E começa sempre a mesma historia. E se não tiver incentivo vai
acontecer sempre a mesma historia. Aqui em Tucumã e Ourilândia do Norte deu para agüentar
10 a 15 anos. Mas para fixar o produtor "tem de haver um projeto respeitoso do meio ambiente,
que possa ser auto-sustentável. Precisa-se aqui de técnicas e de financiamentos para que
possamos fazer uma produção consorciada", diz Ana Ferreira.

"Precisamos buscar uma nova alternativa para fazer o PA continuar. Precisamos de


uma nova diretiva. Já esta tudo virando fazenda, então e necessário tentar salvar o PA de
alguma forma. Já temos fazenda aqui de ate 600 alqueires".

"O PA tinha uma capacidade para 6500 famílias assentadas. Hoje, pelo cadastro de que
dispomos, ha 2700 famílias. O resto da terra das outras famílias esta nas mãos dos
fazendeiros. Isso não e um levantamento definitivo, pois esses números estão em mudança
constante".

Eles dizem ainda: "enquanto dirigentes, para nos não tem outra saída a não ser essa de
fazer a junção com a questão do meio ambiente, com o reflorestamento, porque qualquer
solução que tentemos encontrar terá de ser obrigatoriamente auto -sustentável para que o
abandono de terras não seja algo que se repita constantemente".

125
Quanto a violência na cidade eles dizem que "ainda ha muita impunidade. Tem gente
que morre ao meio dia. Mas e violência da cidade e não uma pressão em cima do movimento
(sindicalista)".

Figura 26: Trajetória do Projeto Tucumã

1979 - A Andrade Gutierrez implanta o seu projeto


1

1982 - Início da invasão das terras do projeto da Andrade


2 Gutierrez

1984 - Derrubada da corrente que separa Tucumã de


3 Ourilândia do Norte e continuação da invasão

1985 - Cr
4 ação do Projeto de Assentamento (P.A.) de Tucumã

1992 - Primeiro Procera - linha de crédito para a pecuária


5 voltado para a pequena agricultura familiar.

Final dos anos 90 - processo de cansaço da terra


6

Abandono da terra - parte desses agricultores vai para São


7 Felix do Xingu

126
6.4. Organização dos pequenos produtores familiares

Hoje eles contam com mais de 40 associações no município. Até 1999 eram apenas 23.
As primeiras associações foram no início de 1990, a Associação de Cocoxi, a AGRIPASP e a
Cooperativa CAPO. Esta está associada a outras cooperativas, a ela filiadas. De 1996 a 1998
foi um período em que surgiram poucas associações, mas a partir do final de 98 e, sobretudo
em 1999, com a possibilidade de inserção no Sistema de Crédito e orientação da FETAGRI
para se organizarem em função da obtenção dos créditos de fomento, da cesta básica e de
habitação, que hoje é aquisição de material para construção da casa, houve maior interesse
das comunidades e decisão de aplicar uma política de organização. Resultou em maior
articulação com os STRs de outros municípios com vistas a negociar junto ao BASA
procedimentos d acesso ao Crédito. No final de 1997 e em 1998 tiveram acesso com
acompanhamento, e depois desse período ao nível das associações, alcançando atualmente
mais de 40. Inicialmente o INCRA reconhecia apenas as associações, porém no momento
discute algumas políticas também com o Sindicato.

Nessa região muitos já venderam o lote. Tem uns setores que chega mesmo a 80% o
percentual daqueles que já venderam seus lotes Em outros setores bem menos, mas o
movimento é generalizado. Acha Sr. Osíris que eles não querem trabalhar com lavoura
permanente nem temporária. E ninguém quer se envolver com isso.

Hoje um lote aqui vale R$ 1.000,00 o alqueire (cerca de R$200,00 o hectare). Tem
gente que vende até mesmo por R$500,00. Aqui no Pium, depois de FEITO O CADASTRO, já
tem cerca de 15% que venderam o lote e que estão cadastrados. Em Nova Vila e Serra Verde,
ambos as localidades do PA São José, já chegam a 50% o montante dos que venderam suas
propriedades.
Tabela 8: Liberação de FNO em São Félix do Xingu -PA

ITEM ASSOCIAÇÃO QUANT. PROJ. VALOR R$


01 União São José 09 118.179,09
02 AGRIFASPI 06 46.056,00
03 APMEPRUT 11 86.860,00
04 Setor Marcelino 14 98.273,00
05 ORUVIN 15 131.252,53
06 APRUM 11 76.305,50
07 APROVAK 07 53.732,00
08 5 DE DEZEMBRO 18 130.492,00
09 3 RIOS 08 61.408,00
10 FERNANDO VELASCO 10 70.195,00
11 VALE VERDE 08 62.872,50
12 AFSUL 13 91.253,50
13 AGRIVAS 13 91.253,50
14 APRUSLUZ 13 91.253,50

127
15 APRORNOB 06 53.934,00
16 APRURNE 08 56.156,00
17 ASTRUN 07 51.207,00
18 AGRIFAMC 04 36.360,00
20 TOTAL 181 1.407.043,12
Fonte: STRs de São Félix do Xingu, fev/2002

Argumentos:
a) Dificuldade de estradas;
b) Dificuldade de escoamento de sues produtos da lavoura;
c) Falta de beneficiamento do produto para ter mais longevidade;
d) Questões se serviços, pois não tem condições de serviços de saúde e de escolas;
e) Os que vendem acham que é vantagem vender o lote e grilar outro mais adiante;
f) Podem tirar terras dos índios ou o mogno em suas terras;
g) Ir para o Iriri64 pois terra é um bom negócio.
h) Pequeno vende a terra para o maior que pode também revender, junto com outros
lotes comprados de seus vizinhos, para um outro comprador por um preço bom.

Para os que fizeram pa sto, terão suas terras mais valorizadas. O pasto é uma
agregação de valor, portanto há uma racionalidade camponesa que realimenta todo o processo
de ocupação de novas terras na fronteira. Isso é válido para o grande como para o médio e
pequeno proprietário.

Há um problema sério de escoamento. Vimos lavouras de banana em plena fase de


safra, sem colheita. Disseram que é mais barato deixar apodrecer na mata, ou dar para os
porcos, do que tentar tirar de lá para vender no mercado, em SFX ou ainda em outros
municípios, devido o custo do transporte e não ter proteção de preços, e certeza de mercado. A
situação péssima das estradas faz o frete ficar mais caro e não compensar a colheita.

Outra razão: o pasto valoriza mais a terra e ainda tem um custo menor para sua
implantação e manutenção, se comparado com a lavoura branca que tem de dar um trato
constante.

64
Está se referindo as terras que ficam do outro lado do Xingu que ficam a 2870km mais ou menos, a
contar do Porto da estrela.

128
6.5. Migrantes, Motivações e Mercado de terras

Antes o fluxo de pessoas para essa área era pequeno. Mas nos últimos anos tem se
intensificado. E chega gente de diferentes lugares. Vem sempre em busca de terra. São os
seguintes por ordem crescente do fluxo, por origem: maranhense, baiano, mineiro,
pernambucano, cearense, piauienses, tocantinos, mato -grossenses e gaúchos Porém tem
chegado também famílias que vieram recentemente de Tucumã, de Ourilândia, Marabá,
Xinguara e Redenção.

Os que mais vendem as terras nessas áreas são os: gaúchos e os mineiros e tem um
perfil de maior organização e mais trabalhadores nos seus lotes que os nordestinos.
Uma boa parte dos que vendem os lotes vão se estabelecer nas cidades. Colocam os
filhos para estudar ou deixam na cidade e vão “para a aventura” de comprar e vender terras no
Iriri. A terra é o atual garimpo, cultura do garimpo que tem componentes com a cultura do
extrativismo, ou da fronteira, agora é editada pela terra. O mercado de terras em SFX é mais
forte que em Cuiabá-Santarém. As pessoas que vem de Tucumã e Ourilância vem pela estrada
que passa por dentro do Setor PIUM. É também essa a Estrada da madeira que sai das terras
dos índios Apiteréw. Mas está aumentando todos os dois movimentos de grupos que vem em
busca de terra e oportunidades de renda, e são eles compradores potenciais das terras. Eles
são os interlocutores para aqueles que tem interesse em vender seus lotes.

Há um problema sério de escoamento. Vimos lavouras de banana em plena fase de


safra, sem colheita. Disseram que é mais barato deixar apodrecer na mata, ou dar para os
porcos, do que tentar tirar de lá para vender no mercado, em SFX ou ainda em outros
municípios, devido o custo do transporte e não ter proteção de preços, e certeza de mercado. A
situação péssima das estradas faz o frete ficar mais caro e não compensar a colheita.

Quadro 6: Sistema de produção familiar

Frutas Grãos Raízes Produtos Animais


Banana, cacau, cupuaçu, Bovino, Leite
pupunha, açaí, mamão, abacaxi, Feijão, milho, Mandioca, Bovino,Porcos,
arroz, café macaxeira, batata-
manga, acerola, cana -d e-açúcar, Aves
coco, amendoim, maracujá, café doce, cará

Fonte: Secretaria Municipal de Agriculturas - SFX

As informações obtidas junto a técnicos da CEPLAC em SFX dizem que as sementes


produzidas pela CEPLAC vêm de Medicilância para Tucumã. A espera nos lugares de
estocagem tem sido longa levando a perda de qualidade e de quantidade de sementes. A

129
perda de qualidade acabou por interferir na produção daqueles que apostaram na reorientação
de sua agricultura. Calculam que em SFX deve já ter cerca de 300há plantados de cacau, em
pequenas superfícies cada uma delas. O mais acessível a essa cultura é o pequeno produtor
familiar. A banana foi um fracasso, pois não pode ser escoada e comercializada. Cupuaçu e
coco são culturas novas. Mas a terra é muito propícia para plantar. E o exemplo da banana é
muito bom. E o coco ainda é novo para se pod er avaliar a produção e rentabilidade.

A modificação recente da situação da terra, e a alta concentração sacrificam ainda mais


os pequenos proprietários, sobretudos se eles não têm outra fonte de renda além da
agricultura. Por isso que o FNO teve importância, pois oxigenou as esperanças de ter uma
poupança com que contar nas horas mais difíceis. E uma agricultura para subsistência familiar,
e ainda o sistema de ajuda mútua, na maioria dos casos em vigor no seio dos grupos familiares
ou das redes de amizade, como “troca de dias de trabalho” ou empréstimo de campos a
colonos sem terra ou sem terra própria para plantar. A agricultura continua sendo praticada
entre pequenos produtores com base em técnicas essencialmente extensivas que se
mostraram empobrecedoras do solo, dos nutrientes. Mas sob várias modalidades têm
incorporado práticas de repouso em pousio.

A venda de lotes de terras por parte de colonos é alta, segundo lideranças sindicais. O
fazendeiro Giordano tem uma fazenda média decorrente da compra de lotes de colonos. Uma
liderança do STRs de SFX, morador do PA São José, disse que esses mesmos colonos foram
para o Iriri em busca de terras. Vendem aqui que vale mais e vão "abrir" novas áreas no Iriri,
engrossando o processo de grilagem embora em pequenos espaços de terra, ou comprar por
um preço ainda baixo. baratinho. E muitos destes vão vender e ir mais além para abrir outras
novas terras ou comprar mais barato. O avanço das grandes e médias propriedades se dá pela
compra dos lotes de pequenos produtoras familiares.

6. 6. Dinâmicas da produção familiar rural

Projetos de Assentamento Estabelecidos - relativamente estáveis, baseados na


economia de autoconsumo baseada em plantios temporários de arroz, feijão e milho; plantios
de permanentes: banana e cacau; e gado leiteiro, financiados, em grande parte pelo FNO.

A formação social deriva dos projetos de mineração que funcionaram na década de 80,
sendo que muitos perfizeram o caminho dos Grandes Projetos na Amazônia.65 As vilas

65
O Sr. Ozires... é um exemplo da mão-de-obra errante característica das regiões de fronteira da
Amazônia nos últimos 30 anos: piauiense, trabalhou na Construtora C.R Almeida, na construção da

130
A desistência dos lotes está relacionada ao aquecimento do mercado de terras, mas
também a precariedade das condições de vida nos assentamentos. São acusados de não
quererem nada com o trabalho, às vezes pelos próprios assentados. Todos reconhecem que a
especulação de terras é mais rentável que a agricultura. Muitos dos que vendem para os
pecuaristas que querem ampliar seus pastos na região, compram outras terras (às vezes
maiores) no Iriri ou na TI Apiterewa. Há uma grande procura dos pecuaristas pelos melhores
lotes nos PAs. Um deputado, citado como Geraldo Vaz (TO) começou com um lote no PA-São
José e hoje tem 1.000 alqueires.

Pequenos arrendatários

Foram identificados pequenos arrendatários de pastos em terras na região do Iriri. Tiram


ou compram a terra, formam o pasto e pegam criação "de meia" para pagar o investimento.
Pegam-se 100 cabeças, quando da reprodução, ficam com a metade das crias de 50 cabeças.
Nessa conta, em 1 ano e meio o proprietário do pasto consegue 20 cabeças desmamadas. O
lucro depende do contrato. Se gundo informações de pessoas que trabalham desta forma, no
Iriri, alguns grandes fazendeiros e criadores da cidade arrendam pastos de pequenos
proprietários ou posseiros.

6.7. Perspectivas de Futuro e percepção sobre mudanças ambientais

Há diferentes formas de perceber as mudanças, acentuadamente os que se preocupam


e os que consideram normal e que, enquanto houver terras novas, a marcha de subordinação
da natureza é natural.

Entre as pessoas que se preocupam, está o Sr. Carlos Dias Ribeiro, que migrou do
Paraná em 1979, passou por toda a rota do Sul do Pará, inclusive garimpos e jaborandi,
aventurou garimpos em Roraima e se estabeleceu no Iriri. Possui uma fazenda de 12 mil
alqueires, em conflito66, com a perspectiva de domínio de 1.500 alqueires, onde cria 500
cabeças de gado. Afirma que esse rebanho é o suficiente para seu projeto de vida. O
depoimento a seguir é emblemático dessa visão:

estrada de ferro de S.Luis para Carajás; no Projeto Jarí Agropecuária (derrubadas para plantios de
gmelina e pinho); no Pitinga (AM), para a Mineradora Taboca; nas minas de cassiterita da Taboca, em
São Félix do Xingu. Essa trajetória durou de 1978 a 1996, quando finalmente se estabeleceu num lote no
PA-São José, nas terras que foram mineradas, próximo a pequena company town da Taboca , em São
Félix do Xingu.
66
O conflito envolve 60 mil alqueires, sendo que só tem documento de 5.400. O pretenso dono dessas
terras do Iriri pleiteia terras também pretendidas pelo Sr.Carlos Dias Ribeiro.

131
"Se não houver interferência séria do governo,
com os fiscais ganhando bem, daqui a 20 anos não
vamos ver mais mata. O solo daqui é diferente do
Paraná. Aqui as raízes são mais superficiais, o solo
tem tendência a virar deserto. Se acabar a água,
vamos ter problemas. O governo, junto com a
sociedade, devem promover estudos, dando aula
para os agricultores... todo o mund o gosta de
aprender alguma coisa. Temos que ter medo é dos
gananciosos que acham que sabem tudo67 Mas, o
pobre ouve bem. Tem que haver a punição para
quem não cumprir a lei. E tem que ser séria.Não pode
ter corrupção de fiscal porque desmoraliza o governo,
a fiscalização e todo o mundo fica ilegal”.

A preocupação desse pecuarista decorre da observação dos efeitos da ocupação


desordenada no Paraná e nos lugares por onde passou. "Lá só tinha mata, conflito por terra e
madeira - igual aqui. Hoje lá é tudo asfa lto em todo canto. Não tem reserva florestal em lugar
nenhum. Quando chequei em Redenção também só via mata... e agora é só pasto".

Sobre a nova fronteira do Iriri, observa que vai ser a mesma coisa porque "as terras são
baratas, tem muita grilagem ou se compra fácil por qualquer coisa. Os grileiros vêm de todo
lugar, muita especulação, muita gente abrindo picadas e muito documento frio”.

O maior pecuarista do município visualiza o futuro com uma configuração que fataliza o
cenário de ocupação de outras regiões: "aqui está se formando um paredão. Quem chega aqui
é gente sofrida, não querem vender aquilo que conseguem. O espaço aqui é muito grande.
Comprei fazenda aqui de R$1.000,00 o alqueire e hoje vale R$ 6.000,00. o alqueire. Por isso
está chegando essa enchente de gente em São Félix de cinco anos para cá. Não precisa se
preocupar com o desmatamento e com a falta de água, porque estamos rodeados de reservas
indígenas que controlam as chuvas. Como para o governo, um índio vale mais que um monte
de brancos... Isso aqui vai chegar até a Santarém-Cuiabá. Imagino a cidade de São Félix com
a PA-279 asfaltada, 4 ou 5 frigoríficos funcionando, daqui até o Iriri com boi em toda a
extensão, com pastagens manejadas. Assim vai espaço para mais gente e mais rebanho."

67
Nas entrevistas percebe-se que há acentuadas diferenças culturais entre os pecuaristas. Os que
possuem algum nível escolar, que lêem e se informam por meio de palestras e do "Globo Rural"
(bastante citado!), são mais abertos a inovações e idéias conservacionistas. Os "gananciosos" fazem
parte de um grupo que chega com arrogância, desmata grandes áreas e estabelece seus domínios
sobre a natureza e sobre o lugar, numa competição pouco dialogada com os que estão a mais tempo.
Observe-se que o interlocutor aqui admite que "os gananciosos" são a maioria dos grand es proprietários.
Acredita mais na aceitação de novas idéias pelos pequenos produtores, embora esses sejam os que
produzem menor impacto agregado, pela própria razão numérica.

132
Quem ganha, quem perde? O exemplo da Fazenda Flor da Mata

Ao que tudo indica, o próximo ator social que irá aparecer na região de SFX será o
arrendatário de terras que eram originalmente usadas na pecuária. Possuindo capital, esse ator
poderá investir em onerosa correção do solo e na mecanização da produção que permitirá a
introdução nas melhores terras de grandes monoculturas de grãos.

Apesar do sonho da pecuária ser comum a praticamente todos os atores presentes em


SFX, a modificação da capacidade produtiva do pecuarista e sua conversão ao plantio de
grãos parece se dar de forma menos natural. Ele possui uma especificidade, um conhecimento
passado de pai para filho, do modo parecido ao que se dá no caso dos madeireiros.

Cabe perguntar se o sonho de conseguir novas terras férteis é algo que se reproduz a
cada geração de pecuaristas. A capacidade produtiva da terra, a sua fertilidade, dura cerca de
vinte anos, tempo suficiente para que uma geração de uma família se mantenha
economicamente. Se compararmos a capacidade produtiva da terra com pasto e da terra com
florestas, visivelmente o investimento em pasto parece o menos rentável quando se pensa em
longos prazos. No entanto, para uma família, pode parecer interessante, mesmo que aquilo
que se deixe à segunda geração seja menos valorizado que o fora anteriormente. Cada
geração de pecuaristas vive a sua aventura econômica, que se confunde com uma certa idéia
de sucesso individual e familiar.

O Fazendeiro ganha em várias situações, a ver, pelos menos, segundo se pode


apreender:

133
Figura 27: Ganhos de fazendeiros e perdas ambientias

O fazendeiro ganha quando ele grila as terras do Estado


1

O fazendeiro ganha na pecuária, que é ciclo produtivo que se


2 esgota

O fazendeiro ganha quando suas terras, já desgastadas, são


3 desapropriadas para a reforma agrária.

Ganha ainda pela possibilidade de arrendamento futuro das


4 terras para plantação de grãos.

E também, pelo valor agregado à terra pelo enriquecimento do


5 solo para as plantações soja ou outros grãos.

Todos perdem no desmatamento da floresta


6

Todos perdem na criação de desigualdade social e


7 conseqüente miséria das classes mais baixas

Todos perdem na desapropriação com dinheiro público


8

Pesquisa de campo abril de 2002

Existe uma interação importante entre o grande e o pequeno produtor. É freqüente o


contrato de meia, onde o gado do pecuarista cresce e engorda na terra do pequeno. Nesse
caso o contratante pode renovar anualmente o contrato, e quanto ao contratado ele pode
rescindir o contrato a qualquer momento. O pequeno produtor recebe em troca a metade do
número de crias nascidas em suas terras. Esse sistema é considerado muitas vezes como a
melhor forma de formação de rebanho para quem não possui gado. Em todo caso, quem
trabalha dessa forma ficou em situação mais confortável do que aqueles que se beneficiaram
de linhas de crédito específicas para a pequena pecuária (FNO especificamente). Mas de toda

134
forma o pequeno produtor rural tem de complementar a renda com outras atividades, seja na
agricultura, seja na prestação de serviços a terceiros.

Foi criado um outro projeto, a nível municipal, de assentamento para 42 famílias. O


objetivo era de tornar possível a produção de orti-fruti-granjeiros na cidade de SFX, que
sempre importou esses produtos de outros municípios e estados. Depois que foi feito o projeto,
um projeto de lei na câmara dos vereadores propõe então a transferência dos assentados para
uma área próxima do lixão da cidade. A terra que era destinada originalmente para o
assentamento está em litígio. Tenta-se organizar, através do sindicato dos trabalhadores rurais,
os assentados para ocupar as terras. O governo municipal conseguiu, através da câmara doar
as terras para a implantação de um suposto frigorífico na cidade. Os trabalhadores rurais são
assim usados para “esquentar” as terras, que sem o assentamento ficaria em litígio. As terras
vão primeiro ser doadas para um “laranja”, que depois fará a doação ou suposta venda para o
sindicato dos produtores, que fará enfim o repasse da posse da terra para o grupo que está por
trás da implantação do frigorífico.

A agricultura é muito reduzida e dependente da pequena produção familiar. A


dependência do município aos mercados agrícolas de fora é evidente. Alguns médios
produtores começam a se interessar pelo cacau e pelo cupuaçu. Com o aumento populaciona l
e a crescente concentração da terra para plantação de capim, traz começa a evidenciar a
situação de fome que aumenta, segundo observação de alguns moradores da cidade. e as
pessoas estão começando a se dar conta.

O Governo Federal não cria, aparenteme nte, mais políticas e projetos de


desenvolvimento, mas cria sim pautas integradas para os atores locais. É como se ele
construísse a discursividade em torno do real.

A atividade madeireira é que está expandindo a fronteira para o outro lado do Iriri, indo
em direção ao Curuá e saindo em Novo Progresso. Quem primeiro abriu a estrada para lá foi a
mineradora Canopus.

6. 8. Revendo a dinâmica da terra e do mercado na fronteira

Em entrevista no Sindicato dos Produtores, com Evaldo Lemes de Oliveira, a terra


segundo ele pode variar de 3000 R$ até o valor de 50 R$ ou 20 R$ o alqueire. O município de
São Félix do Xingu possui um rebanho bovino de cerca de 1 300 000 cabeças (1 900 000
contanto toda a área da PA-279). Os números fornecidos pelo sindicato são aparentemente

135
mais fiáveis do que o do censo agropecuário, pois dizem respeito ao rebanho atingido pela
campanha de vacinação contra a febre aftosa. Pegando-se esses números e fazendo -se a
multiplicação do valor local da arroba, que está em torno de 30 R$ pelo peso médio do gado
criado localmente quando do período de abate, que chega a 15,5 arrobas e pelo rebanho total
obtém-se o valor de 604.500.000,00 R$. Esse cálculo, aproximativo, pois o rebanho não é
homogêneo, pode dar uma idéia da dimensão da poupança que está sendo acumulada pela
atividade pecuária localmente. Observa -se que São Felix comercializa, segundo o sindicato
dos produtores, cerca de 65000 cabeças de gado por ano, o que indica claramente uma
estratégia de formação de rebanho. As terras são consideradas boas para o pasto e
abundantes naquele que é, vale lembrar, o segundo maior município do país.

Existe um certo grau de organização política da classe dos pecuaristas, pois eles se
sentem representados a nível nacional pela CNA - Confederação Nacional da Agricultura. Há
um trabalho dito de "organização" realizado pelo sindicato. Reivindicações também, como a
abertura de novas estradas, o asfaltamento das mais antigas e a construção de um parque de
exposições agropecuárias.

A Estrada do Jabá é a nova frente de expansão. Eles estão chegando na Jouvilândia


(ou Juvilândia). Pelas informações recebidas havia mais de trinta tratores lá pra cima. Ainda há
atividade mineradora na região com a inglesa Minorco, em associação com a Vale do Rio Doce
fazendo prospecção a apenas dez quilômetros de São Feliz do Xingu, em direção ao Iriri
(próximo ao Tancredo). Pensam ter evidências da presença de zinco, cobre e chumbo na área.
A Vale, aliás, já possuiu um escritório em SFX

Grilagem, que se tona “Tiragem de terra”. O “tirador” vende para potencial comprador.
Essa operação não tem nenhum perigo, nem mesmo de perda da terra porque a terra é do
Estado.

Tem personagens que só vive disso, do comércio de terras. Mas são de vários níveis
sociais.
Quem ganha é aquele que compra a terra e que faz o comércio. Ganha mais que o
comprador de gado. O mercado também é mais aquecido.

Não percebe nenhum risco da União retomar a terra de quem a “tirou”. Isso porque as
pessoas que conseguiram essas terras não admitem depois de fazer benfeitorias de perde-las.
Isso não existe. A terra é um meio de rápida circulação de capital e geração de renda na região
de São Felix, mais intensamente, na fronteira do Iriri. Prevalece a mentalidade e a lógica de

136
garimpo na especulação e nos negócios de todos os portes (grandes, médios e pequenos),
formais e informais.

Os mercadores de terra podem ser subdivididos em várias categorias. Do ponto de vista


da institucionalidade: i) governamentais (INCRA e ITERPA); sociedade local (agentes
econômicos). O INCRA é acusado de facilitar a aquisição de terras dos PAs pelos pecuaristas.
A lógica estrutural dos assentamentos é um mecanismo de desestímulo para os assentados,
pois sem escola, sem assistência a saúde e sem meios para escoar a produção, muitos
abandonam ou vendem os lotes, ou ainda, combinam a atividade nos lotes com a especulação
com lotes no Iriri.

Figura 28: O sistema de grilagem

Grilo, compra ou Pequenos Abandona ou Reorganiza-se a Pecuária


aquisição do Estado Pastos revende ocupação Extensiva

Grilo
Transformam Ganham com Esgota a terra
Os sem-terra O estado
em pasto a pecuária ocupam compra

Os pequenos A política agrícola não permite a Abandono, venda - do ponto de


produtores são integração com o mercado em vista ecológico essas terras
assentados boas condições concorrências exigem um manejo caro

Fonte Pesquisa de campo abril de 2002

O ITERPA, vem loteando as terras do Estado na região do Iriri, em lotes de cerca de


900 alqueires (4 a 5 mil ha) e repassando para pecuaristas que requerem as posses junto ao
órgão. A região que se limita a norte com as TI Baú e Mekranotire faz parte de um loteamento
de 252 lotes em licitação, uma área aproximada de 557.233,00 mil ha. Nessa área foi prevista
a construção de dois núcleos urbanos, um no limite da Ti Baú, dividida pelo rio Porto Seguro.
As vilas, há mais de 200 km das margens do rio, têm a finalidade de manter a mão-de-obra
necessária para as fazendas.

Em relação ao porte: i) grandes pecuaristas; ii) pequenos produtores assentados em


PAs estáveis; iii) pequenos posseiros que chegam de outras cidades ou estados; iv) posseiros
que desenvolvem atividades informais na cidade; v) comerciantes da cidade; vi) madeireiras
utilizando posseiros como laranjas;

137
A terra é a mercadoria com maior circulação hoje no Iriri.A relação entre grandes e
pequenos, pequenos e pequenos no mercado de terras é intensa. A mercadoria terra funciona
da seguinte maneira para os pequenos tiradores de terra:

Figura 29: Relação entre atores no comércio de terras

Tira a terra ou Derruba e Planta pasto -


compra - toma a destoca com agrega valor e Vende, troca ou
posse (custo de trabalho braçal, disponibiliza arrenda o pasto
localizar, Investimento no mercado
vigiar) próprio

Nessa racionalidade econômica a terra é o bem que oferece melhores oportunidades de


negócio, principalmente, porque os custos de aquisição e os meios para agregar valor ao
produto (insumos) podem ser custeados com o trabalho braçal, mesmo que haja uma sobre -
exploração da própria mão-de-obra. Quem ganha com esse tipo de especulação, terá um
retorno monetário que os pequenos produtores que estão produzindo leite e banana não terão.
São racionalidades diferentes: dos que se estabelecem com projetos de vida de longo prazo e
dos que continuam migrando de atividades, dentro da lógica garimpeira, de bamburrar e seguir
em frente onde houve novas oportunidades. O valor da floresta , na racionalidade de todos que
mercantilizam a terra é zero, ou melhor, é um anti-valor, pois a terra só agrega quando é feito a
derruba e os custos da derruba são ônus para esse investidor.

Observou-se que existe um viés cultural a ser melhor estudado. A hipótese é de que a
força de trabalho oriunda dos estados do Nordeste, de a estrutura agrária centenariamente é
baseada no latifúndio, marginalizando grandes contingentes de populações rurais, tem maior
propensão ao risco especulativo no uso da terra. Tem maior propensão a, em situações de
penosidade do trabalho como se verifica nos projetos de assentamento, a ser atraída por meios
mais imediatos de apurar renda. A perambulação dessa força de trabalho pelos pólos de
atração gerados pelos Grandes Projetos e garimpos na região da Amazônia Oriental, teria
fortalecido uma cultura de procura infindável pelo "bamburro", a assência da mentalidade
garimpeira. Um indício dessa hipótese é a constatação de que os maranhenses são os que
mais vendem ou se desfazem de suas terras e seguem em frente em busca de outras
oportunidades.

A seguir, um perfil dos pequenos produtores no mercado de terras:

Os que vendem em geral são maranhenses, piauienses, baianos, que tem uma
trajetória com passagem por garimpos e no trabalho de frentes de desmatamento para

138
fazendas e madeireiras, com menor tradição agrícola, diversificam pouco a produção, Solteiros
ou com poucos filhos, Famílias vão para as vilas, com maior propensão para trabalho
assalariado. O perfil daqueles que são os potenciais compradores é de grupos formados por
pessoas que vem de todos os estados e dos municípios vizinho, pequeno, médio ou grande, na
maioria são provenientes da agricultura, os que se estabelecem com pequenas propriedades:
mineiros, gaúchos, paranaenses e catarinenses - em percentual maior.

Entre os grandes proprietários ou pretensos, há um desejo de que o ITERPA deveria


dar um prazo para o pagamento das terras do Estado para facilitar a regularização. O Banco da
Amazônia, de acordo com essa visão, deveria financiar os custos de regularização como mais
"um incentivo à produção" na região de fronteira.

Os maranhenses e nordestinos em geral são a base da mão-de-obra braçal. Muitos


perfizeram a trajetória dos garimpos que funcionaram na região nos últimos 25 anos. Muitos
trabalharam na extração do Jaborandi, vendendo para a MERK, com sede de compra no Sul
do Maranhão. Depois foram absorvidos para o trabalho braçal na madeira. Segundo o
Sindicato dos Produtores Rurais, o trabalhador que vai para a mata para a extração da
madeira, ganha até dois salários mínimos.

Sobre trabalho escravo, a reação dos dirigentes do Sindicato foi enfática em negar
injustiças na remuneração do trabalho. Dizem que nenhuma denúncia foi comprovada.
Explicam o sistema de subordinação da mão-de-obra como o sistema de aviamento: o
trabalhador entra na mata e fica fora do controle do patrão. Deixa um rancho com a família e
fica endividado como forma de pressão para que cumpra o serviço. Essa é uma forma do
patrão ter segurança, po is “muitos fingem que adoecem e não fazem o serviço”.

Os dirigentes do STR negam essa versão, indicando várias operações da Delegacia


Regional do Trabalho em que foram identificados trabalhadores em regime de escravidão.
Informam também que recebem muita s denúncias de trabalhadores que adoecem nas matas
de ficam sem assistência medica.

6.9. Desmatamento e controle da fronteira

É uma verdadeira reforma agrária privada em que o desmatamento é o principal


símbolo do domínio. Um dos fazendeiros que estão instalados na região de confluência da
estrada principal com a "Translevino", afirma que "um só fazendeiro desmata e queima 200,
300 até 1.000 alqueires por ano. Derruba para meter pasto. É só capim...".

139
A maioria dos pecuaristas de SFX vem de Goiás, mas também de Minas, São Paulo,
Rio de Janeiro. Muitos estão vindo de Redenção e Xinguara. Fala-se muito, no caso de Goiás,
de fazendeiros provenientes de Colinas. Muitos que possuem essas fazendas extensas não
moram em SFX. Eles se organizam, já na hora da aquisição ou da ocupação das terras
devolutas (Iterpa), em grupos que lembram o modo de funcionamento de um condomínio. Um
fazendeiro em visita periódica às suas terras vai olhar também a do vizinho, as compras de
material para baixar os custos podem ser feitas em conjunto, assim como o transporte de
cargas, a manutenção da estrada, como se deu de forma clara no caso da estrada do Iriri em
SFX. Criam-se redes de trocas de informações e de técnicas que reforçam os interesses dos
membros do “clube”.

O desmatamento está sendo feito sem que se possa usar dos instrumentos de coação
que o estado dispõe. As árvores de menor porte são derrubadas, assim como toda a vegetação
rasteira destruída. Sobram as grandes árvores frondosas que não permitem que se detecte a
dimensão do desmatamento. No primeiro ano é feita então a derrubada das árvores de menor
porte. O capim é plantado ao mesmo tempo em que há o desmatamento (um trabalhador fica
sentado no trator enquanto ele faz o trabalho dele de “limpeza” jogando sementes). O capim
leva um certo tempo para crescer. Depois de um ano entra gado para pastar. A pecuária entra
na floresta, enquanto que ela ainda não desapareceu. O capim é queimado no segundo ano,
provocando uma segunda limpeza da floresta. As árvores de médio porte já são destruídas,
sobrando apenas aquelas que são de grande porte. O capim queimado, por não perder as suas
raízes no fogo brota novamente, o que permite que mais uma vez o gado seja colocado para
pastar na área assim degradada. No terceiro ano, é feita mais uma queimada que destrói de
vez o que restou da floresta inicial. Desse modo não há como impedir que as florestas sejam
derrubadas, pois se houver qualquer ação da parte do estado ela já será, obrigatoriamente,
incapaz de reverter a destruição ou pelo menos impedir que o resto das terras com cobertura
florestal sejam devastadas.

Neste caso específico do desmatamento com o uso de tratores de esteira, usados para
colocar abaixo as árvores de pequeno porte e o simultâneo plantio de capim percebe -se que se
trata de uma técnica que foi experimentada e difundida em pequenos círculos de pessoas,
grandes e médios proprietários de detêm a maioria das terras em torno da cidade de SFX, que
a implementaram rapidamente e em larga escala. O fato desses desmatamentos, por mais
extensos que sejam, não serem detectados pelos instrumentos dos satélites usados pelo Inpe
e pelo Ibama, mostra claramente a função exercida pelo sindicato dos produtores de SFX de
um modo geral, e esses pequenos condomínios de uma maneira mais específica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um esboço de síntese

1. A expansão da fronteira verificada na Amazônia na última década está relacionada à


dinâmica do mercado nacional de recursos e de terras, direcionando-se no Pará às novas
áreas do sudoeste do estado. A dinâmica principal é representada pelo avanço da pecuária
e da exploração madeireira sobre as terras da União e Terras Indígenas e conseqüente
incorporação de novas áreas ao mercado nacional de terras.
2. Na área compreendida entre a Rodovia Cuiabá-Sant arém (Br-163) e o Rio Xingu,
reconhecida pela alta biodiversidade, fertilidade do solo e riqueza em madeira (mogno
em especial) encontram-se a Terra do Meio e inúmeras Terras Indígenas, no estado do
Pará. De São Félix do Xingu em direção ao oeste é que ava nçam os processos de
desmatamento e a constituição de grandes fazendas de pecuária.
3. A tensão sobre essas terras aumenta na relação direta com a crise econômica e social de
outras regiões do país, e pela ausência de políticas reguladoras, em especial do mercado
de terras e de recursos.
4. Ao longo da Rodovia Cuiabá-Santarém, trecho do estado do Pará, configuram-se dois
padrões principais de ocupação, sendo o primeiro definido a partir da colonização da
Transamazônica, no qual a pequena produção agrícola sob modalidade familiar foi
dominante, e funciona atualmente pela afirmação de estruturas locais (econômicas,
políticas e sociais) embora sob influência de cidades como Santarém e Itaituba. A
segunda modalidade afirma um padrão de uso da terra por grandes propriedades voltadas
para a pecuária, com crescente tensão e conflito em torno da terra e seus recursos, com a
pequena produção familiar, desde o município de Novo Progresso e o distrito de Castelo
de Sonhos (município de Altamira), em direção ao Mato Grosso, mantendo relações
econômicas e sociais estreitas com as áreas urbanas de Sinop e Cuiabá.
5. Repete -se na Santarém-Cuiabá as mesmas dinâmicas verificadas na fronteira já
consolidada, com o fato novo da velocidade e da agressividade com que se transferem os
setores produtivos mais impactantes (pecuária e madeira) e os efeitos de substituição das
florestas por grandes extensões de pastagens para criação extensiva ou para valorizar as

141
terras nos mesmos parâmetros de valoração que marcaram a ocupação de outras regiões e
da Amazônia nas décadas mais recentes.
6. A migração das atividades produtivas obedece uma dinâmica de uso dos recursos naturais
e dos solos, especialmente, relacionada à expansão em seqüência da exploração
madeireira, seguida da pecuária e da produção de grãos, verificada no país desde os
tempos coloniais.
7. A seqüência de uso e migração das atividades está relacionada a três racionalidades
básicas: i) ecológica: as terras novas são ocupadas com criatórios extensivos de nelore e
com o tempo perdem fertilidade, sendo mais econômico buscar novas terras com a
derrubada de novas florestas. O nelore é a variedade de gado que se adapta por
excelência a esses sistemas de produção mais rústicos. No caso da madeira,
historicamente essa atividade é praticada na lógica "mineradora" de não reposição dos
estoques, o que obriga a desbravar sempre novas áreas; ii) econômica: o baixo custo (ou
custo zero) das terras novas ou florestas adquiridas é mais atrativa na fronteira, aliado aos
baixos custos e difícil fiscalização dos direitos trabalhistas da mão-de-obra;
institucional: o Estado, nas esferas federal e estadual ainda repetem a mesma lógica que
comandou as frentes desenvolvimentistas de ocupação dos governos militares,
principalmente no modelo de política fundiária, obedecendo a um planejamento de
integração da região ao mercado, como espaço para a migração das atividades pioneiras
de exploração dos recursos naturais e como espaço para destensionar conflitos
ocasionados pelo crescimento da pobreza rural e pela falta de oportunidades nas outras
regiões do país.
8. As regiões de acesso pelas rodovias Santarém-Cuiabá e São Félix do Xingu passam por
um intenso processo de ocupação por grandes propriedades, lideradas pela pecuária,
fortemente articulada com o setor madeireiro e favorecida pela política fundiária do
INCRA e do ITERPA;
9. Essas regiões configuram as áreas de expansão das atividades desenvolvidas no Mato
Grosso (madeira e pecuária) e no Tocantins e Sul do Pará (pecuária), para onde acorre a
mão-de-obra que acompanha essas atividades formada por trabalhadores rurais em busca
de ocupação ou de terra para aventurar oportunidades;
10. Ao contrário de regiões de colonização dirigida como a Transamazônica, nessas duas
pontas da fronteira (de um lado a Br-163: Novo Progresso e Castelo de Sonhos, e de
outro São Félix do Xingu), o conjunto das políticas públicas (e a sua ausência!) confluem
para o não estabelecimento de pequenas propriedades rurais, excluindo a agricultura

142
familiar do espaço, confinando essa atividade a projetos de assentamento inviáveis,
desassistidos e vulneráveis ao assédio de grandes proprietários.
11. A atividade madeireira configura-se como uma das frentes mais agressivas (embora
menos efetiva a curto prazo!) no desmatamento, com diferenciações entre as duas regiões
estudadas: na Santarém-Cuiabá até Novo Progresso, as empresas reproduzem o modelo
que trazem do Mato Grosso, estabelecendo-se e adquirindo estoques de terra medidos em
kilômetros com a finalidade de exploração futura, de legitimação de planos de manejo e
especulação. O “estabelecer-se” obedece também a uma racionalidade de que, nessa
região, as empresas produzem para o mercado interno e exploram várias espécies. Em
São Félix do Xingu, as empresas estão voltadas para a exportação do mogno, não se
interessando por nenhuma outra espécie, dentro de uma visão imediatista de lançar mão
da madeira onde houver estoques. As demais espécies são denominadas de forma
genérica por “madeira branca”. Nessa lógica, não interessa estocar terra. A terra é
concentrada pelos pecuaristas.
12. No entanto, a associação entre madeireiros e fazendeiros é importante pois garante, pela
venda da madeira, a realização de um ciclo de capitalização para investimentos na
formação e pastos, o avanço da grilagem e incorporação de novas terras e a ampliação
das redes de comércio. Em Novo Progresso, Castelo de Sonhos e São Félix do Xingu,
todos os grandes comerciantes são também fazendeiros. Embora com menor intensidade,
alguns madeireiros também são proprietários de terras e de fazenda.
13. As Terras Indígenas estão integradas ao mercado de madeiras, tanto pela Santarém-
Cuiabá como por São Félix e Rendenção, variando a intensidade da presença das
empresas nas reservas. Algumas pessoas calculam mais de 2.000 kilômetros de pistas ou
estradas de madeireiras dentro das Terras Indígenas ao Sul da Terra do Meio e Gorotire.
A relação dos índios com o mercado de madeira já apresenta dependências, facilmente
observáveis nas sedes dos municípios.
14. A proximidade das Terras Indígenas com as áreas ocupadas por fazendas, assentamentos
e madeireiras alerta para a necessidade de se criar áreas-tampão, pois a pressão cultural e
econômica funciona como assédio e como ameaça direta de invasão, sendo observados
alguns conflitos já em andamento.
15. As terras da região conhecida como Terra do Meio e entre a Santarém-Cuiabá e
Jacareacanga, vistas por satélite como ainda intactas, estão totalmente loteadas e sendo
apropriadas em larga escala, com o assentimento do INCRA e do ITERPA, mesmo as
terras indígenas, inderetamente pela exploração madeireira.

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16. As técnicas de desmatamento sofisticam-se e aceleram a abertura de novas áreas,
inclusive incorporando práticas de despistar o controle das áreas desmatadas via satélite.
A racionalidade é a de incorporar a maior quantidade possível de terras, nessa fronteira
mais avançada do Pará, através da pecuária.
17. Visto que um o grande o “investimento” na região amazônica vai na direção da
transformação das florestas naturais em pastos é o baixo custo não somente do hectare,
mas também da mão-de-obra, da informalidade que se traduz pela ausência de controles e
de pagamentos de impostos, é essencial encontrar soluções urgências que conduzam a um
repensar o território e as ações do Estado, a partir de estruturas (institucionais, coletivas,
diversificadas) que garantam a participação de atores sociais e sua legitimidade para
tomar decisões sobre o destino da região.
18. No processo de transformação dessa região, a ilegalidade e a impunidade acabam por
conduzir ao aumento da violência social e ambiental e, portanto de criminalidade.
19. Discutir a questão do valor da cultura, da qualidade de vida dos atores que ali estão,
definindo método de exploração econômica e de uso social, visando inibir o processo
predatório ambiental e socialmente como se demonstrou neste relatório, colocando em
pauta um relacionamento produtivo com o espaço, com o potencial mercadológico e
tecnológico, mas também a cultura amazônica.

20. A ação do Estado, portanto, é essencial, mas sob um outro protoloco de participação de
atores sociais, equacionando a racionalidade econômica, social e ecológica. Finalmente
uma conclusão importante é da necessidade urgente de políticas públicas voltadas a
redefinição da questão fundiária e dos instrumentos legais de titulação de terras com
vistas a garantir os direitos e punir as ilegalidades.
21. A ilegalidade nessas áreas de novas áreas de fronteira serviu para financiar atividades
econômicas “limpas”, e por isso a tendência a concluir pela rentabilidade da pecuária
através da análise da unidade empresarial, ou seja, stritu sensu, deixa escapar justamente
as “desoportunidades“ geradas por essas formas de capitalização ilícitas (o mogno, a
droga, a grilagem das terras da União, o desmatamento, a violência pela pistolagem).
22. Seria possível pensar de forma prospectiva um outro cenário de transformação da
sociedade e do território, com um índice desejável de preservação ambiental e de
construção de valores de democracia e cidadania? Como fazer isso é um problema, mas a
ação punitiva, em si, tem mostrado algum resultado, mas ao mesmo tempo há uma
incapacidade do Estado em manter a permanência da ação fiscalizadora. O Estado é um

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ator social, seja pela presença com ações e políticas ou pela ausência, que potencializa a
ilegalidade, como é o caso justamente da s áreas estudadas. É essencial repensar as ações
de controle, fiscalização e de regulação do Estado para essas novas áreas, e logo, últimas
fronteiras de recursos na Amazônia.

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