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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


Departamento de Ciência Política

FLS 6477
as artes de não ser governado: por ocasião dos 150 anos da Comuna de Paris

Jean Tible
jeantible@usp.br

Quartas-feiras, 19h30-22h30
https://edisciplinas.usp.br/course/view.php?id=90708

Justificativa e objetivos

A Comuna de Paris: uma curtíssima experiência política, de 72 dias, de março a maio de


1871, com longas sobrevidas. Nas análises “a quente” de uma série de participantes,
atores e pensadores políticos (Bakunin, Marx, Morris, Reclus, Kropotkin, Michel), que
continuam até hoje a ser lidas, debatidas e criticadas. Nas influências em inúmeras obras
das ciências humanas (Gustave Le Bon, Sigmund Freud ou Elias Canetti, por exemplo)
sobre o papel das massas, multidões, corpos em movimentos nas ruas e espaços
públicos que retomam antigas polêmicas do pensamento político. Em uma forma-comuna,
plural, reivindicada por uma miríade de organizações políticas contemporâneas.
As poucas semanas da Comuna são precedidas por uma guerra, mas sobretudo por uma
efervescência. As reuniões populares fervilham a partir de 1868, quando o Segundo
Império relaxa um pouco suas leis repressivas e abranda a censura. Embora os sindicatos
fossem proibidos, a partir da década de 1860 cai o delito de coalizão e se permite as
associações de trabalhadores. Vai se formando um corpo coletivo contestatário, em
greves (legalizadas em 1864), em restaurantes em regime de cooperativa e em espaços
como salões de danças, sala de concertos e armazéns onde se juntavam multidões
ávidas por rebelião. Nesses clubes, as “colmeias zumbidoras” espraiam a ideia de uma
comuna social nas classes perigosas. A polícia (e seus numerosos espiões) sempre
estudiosa das sementes da oposição vai acompanhar isso de perto – um fervoroso
adversário da Comuna vai chamar as reuniões públicas de “Collège de France da
insurreição”, percebendo essa escola de elaboração coletiva desobediente.
Daí se encarna um notável experimento político na forma de um conjunto de atos de
destituição do Estado e suas instituições burocráticas por homens e mulheres comuns.
Por isso, um dos seus principais trunfos ser sua existência mesma. Não decreta nem
proclama o fim do Estado e do sistema capitalista, mas agencia ambos com medidas
concretas que ali se esboçam, como a supressão do exército permanente e do caráter
político da polícia, substituindo-os pela população em armas. Seus conselheiros
municipais são eleitos pelo sufrágio universal, com mandatos imperativos e
permanentemente revogáveis e o mesmo ocorre com os demais funcionários públicos –
como magistrados e juízes – que passam a receber salários de operários. O
financiamento público da Igreja é cortado e seus bens expropriados. As fábricas e oficinas
abandonadas são transformadas em cooperativas. Institui-se a liberdade de imprensa e a
moratória dos alugueis, expulsões e dívidas. O casamento passa a ser livre e a Comuna
adota as crianças não reconhecidas e torna gratuita e para todos a educação, além de
organizar cursos noturnos e salas de leituras em hospitais e creches nos bairros
operários.
Como essa experiência se compreende em determinados momentos históricos e como se
insere no presente? O que dizem sobre as ideias e práticas de autogoverno, federação,
democracia? Em que sentidos nos dão ferramentas ou não para nos situar num contexto
de contundente questionamento da legitimidade dos sistemas políticos, alta desconfiança
da representação e gravíssima crise civilizacional-ambiental?
Esse curso propõe estudar uma certa tradição política (autogoverno) a partir da Comuna
de Paris. Isso envolve três momentos, começando por se debruçar sobre o experimento
político de março a maio de 1871, suas ações, contextos, significados e ressonâncias. Em
seguida, nos dedicamos à análise de quatro momentos-chave, nos quais esse princípio
político estava em operação, cada um com suas especificidades e particularidades. Enfim,
trabalhamos e refletimos sobre experiências contemporâneas de autogoverno que
dialogam indireta ou diretamente com o gesto inaugural communard, tecendo alguns fios
históricos, espaciais e políticos.

Avaliação
Trabalho de fim de curso, seminários/participação e textos curtos ao longo do semestre

Programa

Referências:
Prosper-Olivier Lissagaray. Históira da Comuna de 1871. São Paulo, Expressão Popular,
2021 [1896].
John Merriman. A Comuna de Paris: 1871 origens e massacre. Rio de Janeiro, Anfiteatro,
2015 [2014].
Bakunin. A Comuna de Paris e a ideia do Estado, 1871.
Kropotkin. A Comuna de Paris, 1871.
Karl Marx. A guerra civil na França. São Paulo, Boitempo, 2011 [1871].
Karl Marx e Friedrich Engels. Prefácio à nova edição do Manifesto Comunista, 1872.
Walter Benjamin. Paris, capital do século XIX, 1935.
Alexandre Samis. Negras tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de
Paris. São Paulo, Hedra, 2011.
Jacques Tardi e Jean Vautrin. O grito do povo. São Paulo, Conrad, 2005.
Grigori Kozintsev e Leonid Trauberg. A nova Babilônia (1929).
Sólveig Anspach. Louise Michel, a rebelde (2009).

Sessões:

18 de agosto
Apresentação: a explosão do autogoverno e da democracia

Peter Watkins. La Commune (Paris, 1871), 2000. (5h45)

parte 1
a comuna inaugural: Paris, 1871 e suas sobrevidas

25 de agosto
Leituras de Brecht: Os dias da Comuna
com Sérgio de Carvalho (ECA)

Bertold Brecht. Os dias da Comuna, 1948-1949.

1 de setembro
luxo comunal

Kristin Ross. Luxo comunal: o imaginário político da Comuna de Paris. São Paulo,
Autonomia Literária, 2021 [2015]. Introdução, Além do “regime celular de nacionalidade”
(cap. 1) e Luxo comunal (cap. 2).

complementar:
Michael Löwy e Olivier Besancenot. O Caderno azul de Jenny: a visita de Marx à Comuna
de Paris. São Paulo, Boitempo, 2021.

8 de setembro
o princípio de associação: anarquia na comuna de paris
com Acácio Augusto (Unifesp)

Kristin Ross. Luxo comunal: o imaginário político da Comuna de Paris. São Paulo,
Autonomia Literária, 2021 [2015]. A literatura nórdica (cap. 3), As sementes sob a neve
(cap. 4) e Solidariedade (cap. 5).

complementar:
Louise Michel. Tomada de posse. São Paulo, sobinfluencia e Autonomia Literária, 2021
[1890].

parte 2
momentos decisivos, experiências limites

22 de setembro
Serra da Barriga, século 17
com Fábio Nogueira (UNEB)

Beatriz Nascimento. “Historiografia do Quilombo” (1977) e “O conceito de Quilombo e a


Resistência Cultural Negra” (1985). Em Possibilidade nos dias de destruição (intelectual e
quilombola). Organizada pela União dos Coletivos Pan-Africanistas. Diáspora Africana,
Editora Filhos da África, 2018.
Clovis Moura. “Quilombos e Guerrilhas” e “República de Palmares”. Em Rebeliões da
Senzala: quilombos – insurreições – guerrilhas. São Paulo, Anita Garibaldi, 2014 [1959].
Richard Price. “Palmares como poderia ter sido” em João José Reis e Flávio dos Santos
Gomes (orgs.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo,
Companhia das Letras, 1996.

complementar:
Abdias Nascimento. “Documento n.7: O quilombismo”. Em O quilombismo: documentos
de uma militância pan-africanistaI. São Paulo, Perspectiva, 2019 [1980].
Denise Ferreira da Silva. “O evento racial ou aquilo que acontece sem o tempo” (2016).
Em Adriano Pedrosa et. al. (orgs.) Histórias afro-atlânticas vol.2 Antologia. São Paulo,
MASP, 2018.

29 de setembro
Catalunha, 1936
com Margareth Rago (Unicamp)

Martha A. Ackelsberg. Mulheres livres: a luta pela emancipação feminina e a Guerra Civil
Espanhola. São Paulo, Elefante, 2019 [1991]. [conclusão].
Margareth Rago e Maria Clara Pivato Biajoli (orgs.). Mujeres libres da Espanha. São
Paulo, Terra Livre, 2017. [introdução (m. rago); o grupo; depoimentos].

complementar:
George Orwell. Hommage to Catalonia. London, Penguin, 2000 [1938].
Diego Abad de Santillán. Organismo econômico da revolução: a autogestão na Revolução
Espanhola. São Paulo, Brasiliense, 1980 [1936].

6 de outubro
Chile, 1970-1973
com Joana Salém (Casper Libero)

Frank Gaudichaud. Poder Popular y Cordones Industriales: testimonios sobre el


movimiento popular urbano, 1970-1973. Santiago, LOM Ediciones, 2004. [presentación
general e “Las expresiones de 'poder popular' y el sistema de participación de los
trabajadores en el Área de Propriedad Social”].
Eder Sader. “'Cordón Cerrillos' e Poder Proletário no Chile em 1972”. Les Temps
Modernes, n. 347, junho de 1974.
Joana Salém Vasconcelos. “Dilemas agrários da Unidade Popular: conflitos rurais na via
chilena ao socialismo (1967-1973)”. Em: Adriane Vidal Costa e Elisa de Campos Borges.
Os 50 anos da Unidade Popular no Chile: um balanço historiográfico. Belo Horizonte, Fino
Traço, 2020.

complementar:
Elisa de Campos Borges. “¡Con la Unidad Popular ahora somos Gobierno! Experiência
dos Cordones Industriales no Chile de Allende”. Anais do XI Encontro Internacional da
ANPHLAC, 2014.
Márcia Cury. O protagonismo popular - experiências de classe e movimentos sociais na
construção do socialismo chileno (1964-1973). Campinas, Unicamp, 2017. [capítulo 5].
Patricio Guzmán. A batalha do chile (terceira parte: o poder popular), 1979.

13 de outubro
O movimento de 77: Do you remember (counter)revolution?
com Augusto Jobim (PUC-RS) e Salvador Schavelzon (Unifesp)

Traficantes de Sueños (org.). El Movimiento de '77. Madri, Traficantes de Sueños, 2007.


Franco Berardi “Bifo”, “El año en el que el futuro se acabó” e Paolo Virno, “Do you
remember counterrevolution?”

complementar:
Nanni Balestrini e Primo Moroni. La horda de oro 1968-1977: un gran ola revolucionaria y
creativa, política y existencial. Madri, Traficantes de Sueños, 2006 [1997]. El Movimiento
de '77 (capítulo 10).

parte 3
comunas contemporâneas

27 de outubro
Autonomias e autogovernos zapatistas em Chiapas, México
com Fábio M. Alkmin (USP) e Leila Saraiva (UnB)
EZLN. “Lei Revolucionária de Mulheres” (1993), “Lei Agrária Revolucionária” (1993) e
“Sexta Declaração da Selva Lacandona” (2005). Em: Mariana Lacerda e Peter Pál Pelbart
(orgs.). Uma baleia na montanha. São Paulo, n-1, 2021.
Jérôme Baschet. “A autonomia é a própria vida do povo: a construção da autonomia nos
territórios zapatistas”. Em: A experiência zapatista: rebeldia, resistência, autonomia. São
Paulo, n-1, 2021.
Los 25 años del EZLN: la vigencia de sus demandas (10’12”). Revista Processo, 31/12/18.

complementar:
Fábio M. Alkmin. Por uma geografia da autonomia: a experiência de autonomia territorial
zapatista em Chiapas, México. São Paulo, Humanitas, 2017. [capítulo 3].
Gloria Muñoz Ramírez. EZLN: el fuego y la palabra. Buenos Aires, Tinta Limón, 2004.
Ana Paula Massadar Morel. “A luta pela terra na cosmopolítica do movimento zapatista”.
Revista Estudos Libertários (UFRJ), vol.1, primeiro semestre de 2019.
Yvon Le Bot e Subcomandante Marcos. El sueño zapatista. México, Plaza y Janés, 1997.

3 de novembro
Rojava
com Alessia (Movimiento de Mujeres de Kurdistán)

Comitê de Solidariedade à Resistência Popular Curda. Şoreşa Rojavayê: Revolução, uma


palavra feminina. São Paulo, Terra Livre, 2016.
Mylène Sauloy. Syrie: Rojava, la révolution par les femmes (ARTE Reportage), 2018 (com
legendas em espanhol).

complementar:
Dilar Dirik et al. A Revolução Ignorada – Liberação da mulher, democracia direta e
pluralismo radical no Oriente Médio. São Paulo, Autonomia Literária, 2017.

10 de novembro
Retomadas
com Joelson Ferreira (ATL, Teia dos Povos)

Joelson Ferreira e Erahsto Felício. Por terra e território: caminhos da revolução dos povos
no Brasil. Arataca, Teia dos Povos, 2021.

17 de novembro
Terra e democracia

Habitantes da ZAD, Notre-Dame-des-Landes. Tomar a terra. São Paulo, Glac, 2021


[2019].
Luiz Henrique Eloy Amado. “O despertar do povo Terena para os seus direitos:
movimento indígena e confronto político em Mato Grosso do Sul”. MovimentAção,
Dourados, v.4 n.6, 2017.

Complementar:
Grupo de Trabajo CLACSO Pueblos indígenas autonomías y derechos colectivos. Boletín
Autonomías hoy. Pueblos indígenas en América Latina, Año 1 – Número #1, Julio 2021.
Silvia Federici. “Mulheres, lutas por terra e globalização: uma perspectiva internacional”
(2004). Em: O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista.
São Paulo, Elefante, 2019.

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