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Gottfried Wilhelm Leibniz & Samuel Clarke

Leibniz-Clarke: Correspondências
Tradução Bernardo Santos
Índice

Introdução de Clarke
Primeira Carta de Leibniz
Primeira resposta de Clarke (26 de novembro de 1715)
Segunda carta de Leibniz, sendo uma resposta à primeira réplica de
Clarke (Final de Dezembro, 1715)
Segunda resposta de Clarke (10 de janeiro de 1716)
Terceira carta de Leibniz, sendo uma resposta à segunda réplica de Clarke
(25 de fevereiro de 1716)
Terceira resposta de Clarke (15 de maio de 1716)
Quarta carta de Leibniz, sendo uma resposta à terceira réplica de Clarke
(2 de junho de 1716)
Quarta resposta de Clarke (26 de junho de 1716)
Quinta carta de Leibniz, sendo uma réplica à quarta resposta de Clarke
(18 de agosto de 1716)
Quinta resposta de Clarke (29 de outubro de 1716)
Introdução de Clarke

À Sua Alteza Real, a Princesa de Gales

Senhora,

Como as seguintes cartas foram inicialmente escritas por sua ordem e


tiveram depois a honra de serem transmitidas várias vezes através das mãos
de Vossa Alteza Real, o principal incentivo pelo qual agora elas presumem
aparecer em público é a permissão que têm de surgir sob a proteção de um
nome tão ilustre.

O sábio Sr. Leibniz entendeu bem como seria uma grande honra para ele e
para a sua reputação ter seus argumentos aprovados por uma pessoa do
caráter de Vossa Alteza Real. Todavia, a mesma imparcialidade constante e
o amor inalterável à verdade, a mesma disponibilidade constante para ouvir
e se submeter à razão, sempre tão visível, sempre brilhando tão
intensamente na conduta de Vossa Alteza Real - o que justamente o fez
desejar exercer nestes documentos sua máxima habilidade na defesa de suas
opiniões - foi, ao mesmo tempo, um igual incentivo para que aqueles que o
julgavam equivocado se esforçassem para provar que não era possível a
defesa de tais opiniões.

Na ocasião em que entregou a Vossa Alteza Real o trabalho de sua primeira


carta, ele declarou ter entretido algumas suspeitas de que os fundamentos da
religião natural estavam em perigo de serem feridos pela filosofia de Sir
Isaac Newton. Pareceu-me, ao contrário, uma verdade muito certa e
evidente que, desde a mais remota antiguidade até os dias de hoje, os
fundamentos da religião natural nunca haviam sido tão profundamente e tão
firmemente estabelecidos como na filosofia matemática e experimental
daquele grande homem. A exatidão singular de Vossa Alteza Real na busca
da verdade, e a sua preocupação sincera acerca de tudo o que traz real
consequência à religião, não podia permitir que essas suspeitas que haviam
sido sugeridas por um cavalheiro de nota tão eminente no mundo erudito
como o Sr. Leibniz permanecessem sem resposta.

O cristianismo pressupõe a verdade da religião natural. O que quer que


subverta a religião natural subverte, consequentemente, muito mais o
cristianismo, e o que tende a confirmar a religião natural é,
proporcionalmente, do verdadeiro interesse do cristão. A filosofia natural,
portanto - na medida em que afeta a religião ao determinar questões
relativas à liberdade e ao destino, à extensão dos poderes da matéria, do
movimento e às provas dos fenômenos do contínuo governo de Deus sobre
o mundo -, é de grande importância. É de singular utilidade compreender
corretamente e distinguir cuidadosamente as hipóteses ou meras suposições
das verdadeiras e certas consequências da filosofia experimental e
matemática, as quais, com maravilhosa força e vantagem para todos os que
são capazes de apreendê-las, confirmam, estabelecem e justificam contra
todas as objeções aquelas grandes e fundamentais verdades da religião
natural, as quais a sabedoria da providência implantou, ao mesmo tempo,
universalmente e em algum grau, na mente até mesmo das pessoas com as
capacidades mais mesquinhas e sem qualificação para examinar provas
demonstrativas.

É com o maior prazer e satisfação que os seguintes trabalhos sobre um


assunto tão importante são apresentados a uma Princesa que, com uma
doçura de temperamento inigualável, candura e afabilidade para com todos,
uniu não apenas um amor imparcial pela verdade e um desejo de promover
o aprendizado em geral, mas também atingiu um grau de conhecimento
muito particular e incomum - até mesmo em questões de especulação mais
belas e abstratas -, e cuja sagrada e sempre inabalável consideração pelo
interesse da religião sincera e incorruptível fez dela o deleite de todos os
bons protestantes no exterior, e, através de uma fama justa, encheu os
corações de todos os verdadeiros britânicos, com uma expectativa prévia
que, por mais grandiosa que fosse, é plenamente respondida pelo que eles
agora vêem e com o qual são abençoados.
Pela sucessão protestante na ilustre casa de Hannover, esta nação tem agora,
com a bênção de Deus, uma certa perspectiva (se nossos próprios vícios e
loucuras não a impedem) de ver o governo de fato administrado de acordo
com o projeto e o fim para o qual foi instituído pela providência, sem outra
visão que a do bem público, do bem-estar geral e da felicidade da
humanidade. Temos a perspectiva de ver a verdadeira liberdade de um povo
corajoso e leal, firmemente seguro, estabelecido e regulado por leis
igualmente vantajosas tanto para a coroa como para o sujeito; de ver a
aprendizagem e o conhecimento encorajados e promovidos, em oposição a
todo tipo de ignorância e cegueira; e (o que é a glória de todos) de ver
prevalecer efetivamente o verdadeiro temperamento e espírito cristão da
religião, tanto contra o ateísmo e a infidelidade, por um lado, que tira dos
homens todas as obrigações de fazer o que é certo, como contra a
superstição e o fanatismo, por outro lado, que impõe aos homens as mais
fortes obrigações de cometer os maiores erros.

Que visões e expectativas inferiores a estas pode uma nação razoavelmente


alimentar, quando contempla um Rei firmemente estabelecido no trono de
uma monarquia sabiamente limitada, conforme sua vontade, quando
ilimitadamente sempre demonstrou um maior amor à justiça do que ao
poder, e nunca teve prazer em agir de outra forma senão de acordo com as
mais perfeitas leis da razão e da equidade? Quando ela vê uma sucessão das
mesmas bênçãos continuar em um Príncipe cuja nobre abertura de espírito e
calor generoso de zelo pela preservação da religião protestante, das leis e
liberdades destes reinos, e que o fazem cada dia mais e mais amado
conforme ele é mais conhecido? E quando essas gloriosas esperanças se
abrem ainda mais em uma perspectiva sem limites de uma progênie real
numerosa? Através da qual, para que o temperamento justo e equitativo do
avô, o nobre zelo e espírito do pai, a afabilidade, a bondade e a exatidão
judiciosa da mãe, possam, com glória para si própria e com as influências
mais felizes tanto nestes como nos países estrangeiros, descer a todas as
gerações seguintes; pelo estabelecimento da paz universal, da verdade e do
direito entre os homens; e por todo o enraizamento desse maior inimigo da
religião cristã, o espírito do papado, tanto entre os romanistas quanto entre
os protestantes, e para que Vossa Alteza Real possa viver muito tempo para
continuar a abençoar estas nações, para ver a verdade e a virtude
florescerem em seus próprios dias, e para ser um grande instrumento sob a
direção da providência ao lançar as bases para a mais alta felicidade do
público nos tempos vindouros, essa é a oração do muito humilde e
obediente servo de Vossa Alteza Real, Samuel Clarke.
Primeira Carta de Leibniz[1]

1. A religião natural em si mesma parece se deteriorar muito [na


Inglaterra]. Muitos consideram a alma humana como sendo
material; outros fazem do próprio Deus um ser corpóreo.

2. O Sr. Locke e seus seguidores não têm ao menos certeza se a


alma é não material e naturalmente perecível;[2]

3. Sir Isaac Newton diz que o espaço é um órgão que Deus faz uso
como meio para perceber as coisas. Mas, se Deus precisa de
qualquer órgão para perceber as coisas, isso significa que elas
não dependem totalmente dEle, nem que foram produzidas por
Ele.

4. Sir Isaac Newton e seus seguidores também têm uma opinião


muito estranha sobre a obra de Deus. De acordo com sua
doutrina, o Deus Todo Poderoso precisa dar corda em seu relógio
de vez em quando[3], caso contrário este deixaria de se mover. Ele
não tinha, ao que parece, previsão suficiente para fazer com que
o movimento fosse perpétuo. Não, a máquina feita por Deus é tão
imperfeita, de acordo com esses senhores, que Ele é obrigado a
limpá-la de vez em quando por meio de um concurso
extraordinário, e até a consertá-la, do mesmo modo que um
relojoeiro faz um reparo em seu trabalho; ele deve,
consequentemente, ser tanto mais inábil quanto mais
frequentemente é obrigado a consertar seu trabalho e a corrigi-lo.
Segundo minha opinião, a mesma força e vigor permanecem
sempre no mundo e só passam de uma parte da matéria para outra
de acordo com as leis da natureza e com a bela ordem pré-
estabelecida. E sustento que, quando Deus faz milagres, Ele não
o faz para suprir as necessidades da natureza, mas as da graça.
Quem pensa o contrário deve, necessariamente, ter uma noção
muito ruim sobre a sabedoria e o poder de Deus.
Primeira resposta de Clarke (26 de novembro de
1715)

1. Que existem alguns na Inglaterra, bem como em outros países,


que negam ou corrompem até mesmo a própria religião natural é
muito verdadeiro, e isso é muito a se lamentar. Mas (ao lado das
afeições viciosas dos homens) isso deve ser atribuído
principalmente à falsa filosofia dos materialistas, à qual os
princípios matemáticos da filosofia são os mais diretamente
repugnantes. Que alguns fazem da alma dos homens, e outros o
até do próprio Deus, um ser corpóreo também é muito
verdadeiro, mas aqueles que o fazem são os grandes inimigos dos
princípios matemáticos da filosofia; esses princípios, e somente
esses, provam que a matéria ou o corpo é a menor e mais
insignificante parte do universo.

2. Que o Sr. Locke duvidava se a alma era imaterial ou não é algo


que pode ser justamente presumido de algumas partes de seus
escritos, mas nisso ele tem sido seguido apenas por alguns
materialistas, inimigos dos princípios matemáticos da filosofia,
que aprovam pouco ou nada nos escritos do Sr. Locke, a não ser
os seus erros.

3. Sir Isaac Newton não diz que o espaço é o órgão que Deus usa
como meio para perceber as coisas, nem que Ele tem necessidade
de qualquer meio para perceber as coisas, mas, pelo contrário,
que Ele, sendo onipresente, percebe todas as coisas por sua
presença imediata a elas em todo o espaço, onde quer que
estejam, sem a intervenção ou assistência de qualquer órgão ou
meio. A fim de tornar isso mais inteligível, ele o ilustra por uma
similitude: como a mente do homem – por sua presença imediata
às figuras ou às imagens das coisas formadas no cérebro por
meio dos órgãos da sensação – vê essas figuras como se fossem
as próprias coisas, assim Deus vê todas as coisas por sua
presença imediata às coisas em si, dado que Ele está realmente
presente às coisas em si, a todas as coisas no universo, como a
mente do homem está presente a todas as figuras das coisas
formadas em seu cérebro. Sir Isaac Newton considera o cérebro e
os órgãos da sensação como o meio pelo qual essas imagens são
formadas, mas não como o meio pelo qual a mente vê ou percebe
essas imagens quando elas são assim formadas. E ele não
considera as coisas no universo como se fossem imagens
formadas por certos meios ou órgãos, mas como coisas reais
formadas pelo próprio Deus e vistas por Ele em todos os lugares
onde estão, sem a intervenção de nenhum meio. E esta similitude
é tudo o que ele quer dizer quando supõe que o espaço infinito é
(por assim dizer) o sensorium do Ser onipresente.[4]

4. A razão pela qual, entre os homens, um artífice é tão justamente


estimado quanto mais hábil for, na medida em que a máquina de
sua composição continua a se mover regularmente e por mais
tempo sem qualquer interposição do artífice, é porque a
habilidade de todos os artífices humanos consiste apenas em
compor, ajustar ou montar certos movimentos, cujos princípios
são totalmente independentes do artífice: trata-se de pesos, molas
e afins, cujas forças não são feitas, mas apenas ajustadas pelo
artífice. Mas em relação a Deus o caso é bem diferente, porque
Ele não só compõe ou reúne as coisas, mas é Ele mesmo o autor
e o preservador contínuo de suas forças originais ou dos seus
poderes móveis; e, consequentemente, isso não é uma
diminuição, mas a verdadeira glória de Sua obra, pois nada é
feito sem seu governo e inspeção contínuos. A noção de que o
mundo é uma grande máquina, que funciona sem a interposição
de Deus – como um relógio que continua a funcionar sem a ajuda
do relojoeiro –, é a noção do materialismo e a de destino, e tende
(sob o pretexto de fazer de Deus uma supramundane inteligence)
[5]
a excluir a providência e o governo de Deus da realidade do
mundo. E, pela mesma razão que um filósofo pode representar
todas as coisas que acontecem desde o início da criação sem
qualquer governo ou interposição da providência, um cético
facilmente argumentará de forma ainda mais retrógrada e suporá
que as coisas continuaram desde a eternidade (assim como eles
fazem agora) sem qualquer tipo de criação verdadeira ou de autor
original, mas tão-somente com o que tais argumentistas chamam
de natureza onisciente e eterna. Se um rei tivesse um reino no
qual todas as coisas continuam acontecendo sem seu governo ou
interposição, ou sem seu atendimento e ordenação daquilo que é
feito no reino, este seria para ele apenas um reino nominal, e ele
não mereceria de forma alguma o título de rei ou de governador.
Assim, do mesmo modo que aqueles homens que afirmam que
em um governo terreno as coisas podem continuar perfeitamente
bem sem que o próprio rei ordene ou se desfaça de qualquer
coisa, homens que podem ser razoavelmente suspeitos de que
gostariam muito bem de colocar o rei de lado, assim como eles,
quem quer que afirme que o curso do mundo pode continuar sem
a direção contínua de Deus, o Governador Supremo, sua
doutrina, de fato, tende a excluir Deus do mundo.
Segunda carta de Leibniz, sendo uma resposta à
primeira réplica de Clarke (Final de Dezembro, 1715)

1. É corretamente observado no documento entregue à Princesa de


Gales, o qual Sua Alteza Real tem o prazer de me comunicar,
que, ao lado da corrupção de costumes, os princípios dos
materialistas contribuem muito para manter a impiedade. Mas
creio que não há razão para se acrescentar que os princípios
matemáticos da filosofia são opostos aos dos materialistas. Pelo
contrário, eles são os mesmos, apenas com esta diferença – que
os materialistas, imitando Demócrito, Epicuro e Hobbes, se
limitam totalmente aos princípios matemáticos e admitem apenas
corpos, enquanto os matemáticos cristãos também admitem
substâncias imateriais. Por essa razão, não são os princípios
matemáticos (de acordo com o sentido usual dessa palavra), mas
os princípios metafísicos que devem ser opostos aos dos
materialistas. Pitágoras, Platão e Aristóteles, em alguma medida,
tinham conhecimento desses princípios, mas eu afirmo tê-los
estabelecido demonstrativamente em minha Theodicéia, embora
eu o tenha feito de uma maneira popular. O grande fundamento
da matemática é o princípio da contradição ou identidade, ou
seja, que uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao
mesmo tempo, e que, portanto, A é A e não pode ser não A. Esse
princípio único é suficiente para demonstrar cada parte da
aritmética e da geometria, ou seja, todos os princípios
matemáticos. Mas, para passar da matemática à filosofia natural,
outro princípio é necessário, como tenho observado em minha
Theodicéia; refiro-me ao princípio da razão suficiente, ou seja,
que nada acontece sem uma razão para que assim seja e não de
outra forma. E, por isso, Arquimedes, desejoso de passar da
matemática à filosofia natural, em seu livro De aequilibrio, foi
obrigado a fazer uso de um caso particular do grande princípio da
razão suficiente. Ele considera como evidente que, se houver
uma balança em que tudo seja igual em ambos os lados, e se
pesos iguais forem pendurados nas duas pontas dessa balança, o
todo estará em repouso. Isso porque não se pode dar nenhuma
razão para que um lado pese mais do que o outro.[6] Agora, por
esse princípio único, a saber, que deve haver uma razão suficiente
para que as coisas sejam assim e não de outra forma, pode-se
demonstrar o ser de Deus e todas as outras partes da metafísica
ou da teologia natural e até mesmo, em alguma medida, aqueles
princípios da filosofia natural que são independentes da
matemática; quero dizer, os princípios dinâmicos ou os princípios
de força.

2. O autor prossegue e diz que, de acordo com os princípios


matemáticos, ou seja, de acordo com a filosofia de Sir Isaac
Newton (pois os princípios matemáticos não determinam nada no
presente caso), a matéria é a parte mais desprezível do universo.
A razão é que ele admite o espaço vazio afora a matéria e porque,
de acordo com suas noções, a matéria preenche apenas uma parte
muito pequena do espaço. Mas Demócrito e Epicuro sustentavam
a mesma coisa; eles diferiam de Sir Isaac Newton apenas quanto
à quantidade de matéria, e talvez acreditassem que havia mais
matéria no mundo do que Sir Isaac Newton admitiria; Neste
ponto eu acho que a opinião deles deveria ser preferida, porque,
quanto mais matéria existe, mais Deus tem ocasião de exercer
sua sabedoria e poder. Essa é uma das razões, entre outras, pela
qual sustento que não existe nenhum vácuo.

3. Encontrei, em palavras expressas no Apêndice da Óptica de Sir


Isaac Newton, que o espaço é o sensorium de Deus. Entretanto, a
palavra sensorium sempre significou o órgão da sensação. Ele e
seus amigos podem agora, se acharem conveniente, explicar-se
de outra forma; não serei contra isso.
4. O autor supõe que a presença da alma é suficiente para fazê-la
perceber conscientemente o que se passa no cérebro. Mas isso é
exatamente o que o Padre Malebranche e todos os cartesianos
negam; e eles o negam com razão. Algo mais é necessário, além
da presença nua, para permitir que uma coisa represente o que se
passa em outra. É necessária alguma comunicação que possa ser
explicada, algum tipo de influência [ou coisas em comum ou
causa comum] para esse fim. O espaço, segundo Sir Isaac
Newton, está intimamente presente no corpo contido nele e é
proporcional a ele. Será que daí resulta que o espaço percebe
conscientemente o que se passa em um corpo e se lembra dele
quando esse corpo desaparece? Além disso, sendo a alma
indivisível, sua presença imediata, que pode ser imaginada no
corpo, estaria apenas em um ponto. Como então ela poderia
perceber conscientemente o que acontece a partir desse ponto?
Eu afirmo ser o primeiro que mostrou como a alma percebe
conscientemente o que se passa no corpo.[7]

5. A razão pela qual Deus conscientemente percebe tudo não é sua


presença nua, mas é também a sua operação. É porque Ele
preserva as coisas através de uma ação que produz
continuamente o que nelas é bom e perfeito. No entanto, a alma
não tendo influência imediata sobre o corpo, nem o corpo sobre a
alma, sua correspondência mútua não pode ser explicada por sua
presença mútua.

6. A verdadeira e principal razão pela qual recomendamos uma


máquina se baseia mais nos efeitos da máquina do que em sua
causa. Não nos perguntamos tanto sobre o poder do artista como
nos perguntamos sobre a sua habilidade em sua obra. E, por isso,
a razão apresentada pelo autor para exaltar a máquina feita por
Deus, com base no fato de que Ele a fez inteiramente sem tomar
emprestado nenhum material de fora – esta razão, digo eu, não é
suficiente. É uma simples manobra a qual o autor foi obrigado a
recorrer, e a razão pela qual Deus excede qualquer outro artesão
não é apenas porque Ele faz a totalidade, enquanto que todos os
outros artesãos devem ter alguma matéria para trabalhar. Essa
excelência em Deus seria apenas por causa do poder. Mas a
excelência de Deus também surge de outra causa, a saber, da
sabedoria, pela qual sua máquina dura mais tempo e se move
com mais regularidade do que a de qualquer outro artesão.
Aquele que compra um relógio não se importa se o artesão fez
cada parte do relógio ele mesmo, ou se as peças foram feitas por
outros e ele só as juntou – desde que o relógio dê certo. E se o
trabalhador tivesse recebido de Deus até mesmo o dom de criar a
matéria das engrenagens, o comprador do relógio não ficaria
satisfeito, a menos que o trabalhador também tivesse recebido o
dom de colocá-las juntas corretamente. De maneira semelhante,
aquele que se agradará com a obra de Deus não poderá fazê-lo
sem alguma outra razão diferente daquela que o autor aqui
apresentou.

7. Assim, a habilidade de Deus não deve ser inferior à de um


artesão; não, ela deve ir infinitamente além desta. A produção
total de tudo mostraria de fato o poder de Deus, mas não
mostraria suficientemente sua sabedoria. Aqueles que afirmam o
contrário cairão exatamente no erro dos materialistas e de
Espinoza, dos quais eles professam ser diferentes. Eles, nesse
caso, reconheceriam o poder, mas não mostrariam a sabedoria
suficiente quanto ao princípio de todas as coisas.

8. Não digo que o mundo material é uma máquina ou relógio que


funciona sem a interposição de Deus, e tenho suficientemente
insistido que a criação precisa ser continuamente influenciada por
seu criador. Mas defendo que é um relógio que não precisa ser
consertado por Ele; caso contrário, é preciso dizer que Deus se
revê a si mesmo. Não, Deus tem a tudo previsto. Ele
providenciou um remédio para tudo de antemão. Há em suas
obras uma harmonia, uma beleza, já pré-estabelecida.

9. Essa opinião não exclui a providência de Deus ou seu governo do


mundo; pelo contrário, ela a torna perfeita. Uma verdadeira
providência de Deus requer uma perfeita previsão. Todavia exige,
além disso, não apenas que Ele tenha previsto tudo, mas também
que Ele tenha providenciado tudo de antemão com soluções
adequadas; caso contrário, Ele deve carecer ou de sabedoria para
prever as coisas ou de poder para providenciá-las. Ele seria como
o Deus dos socinianos, que vive apenas no dia-a-dia, como diz o
Sr. Jurieu. De fato, Deus, segundo os socinianos, não antecipa
tanto os inconvenientes, enquanto que os cavalheiros com quem
estou discutindo, que o obrigam a consertar seu trabalho, dizem
apenas que Ele não provê contra os inconvenientes. Mas isso
parece-me ser ainda uma imperfeição muito grande. De acordo
com essa doutrina, a Deus deve faltar ou poder ou boa vontade.

10. Acho que não posso ser justamente censurado por dizer
que Deus é inteligentia supramundana. Dirão eles que Ele é
intelligentia mundana, que é, a alma do mundo? Espero que não.
No entanto, eles farão bem em tomar cuidado para não cair nessa
noção inadvertidamente.

11. A comparação com um rei, sob cujo reinado tudo deve


acontecer sem sua interposição, não corresponde de forma
alguma com o objetivo atual, uma vez que Deus preserva tudo
continuamente e nada pode subsistir sem Ele. Seu reino, portanto,
não é um reino nominal. É como se se dissesse que um rei – que
originalmente cuidou de ter seus súditos muito bem educados, e
que, por meio de seu cuidado em prover subsistência, os preserva
muito bem em suas aptidões para suas diversas funções e em seu
bom afeto para com ele –, por não ter nenhuma razão para alterar
alguma coisa entre os seus súditos, fosse apenas um rei nominal.

12. Para concluir. Se Deus é obrigado a consertar o curso da


natureza de tempos em tempos, isso deve ser feito de forma
sobrenatural ou natural. Se for feito sobrenaturalmente, devemos
recorrer a milagres para explicar as coisas naturais, o que está
reduzindo uma hipótese ad absurdum, pois tudo pode facilmente
ser justificado por milagres. No entanto, se for feito
naturalmente, então Deus não será inteligentia supramundana;
ele será compreendido sob a natureza das coisas, ou seja, ele será
a alma do mundo.
Segunda resposta de Clarke (10 de janeiro de
1716)

1. Quando eu disse que os princípios matemáticos da filosofia são


opostos aos dos materialistas, o significado era que, enquanto os
materialistas supõem que a estrutura da natureza poderia ter
surgido de meros princípios mecânicos da matéria e do
movimento, da necessidade e do destino, os princípios
matemáticos da filosofia mostram, ao contrário, que o estado das
coisas (a constituição do sol e dos planetas) é tal que não
poderiam surgir de nada além de uma causa inteligente e livre.
Quanto à propriedade do nome: na medida em que as
consequências metafísicas decorrem demonstrativamente dos
princípios matemáticos, os princípios matemáticos podem (se for
considerado adequado) ser chamados de princípios metafísicos.

É bem verdade que nada é sem uma razão suficiente para tal, e, por
isso, é assim e não de outra forma. Portanto, onde não há nenhuma
causa, não pode haver nenhum efeito. Mas essa razão suficiente
muitas vezes não é outra senão a mera vontade de Deus. Não pode
haver outra razão senão a mera vontade de Deus, por exemplo, para
que este sistema particular de matéria devesse ser criado em um
determinado lugar, e aquele fosse feito em outro lugar em particular,
quando (todo lugar sendo absolutamente indiferente a toda matéria)
teria sido exatamente a mesma coisa se fosse vice versa, supondo que
os dois sistemas (ou as partículas) de matéria fossem iguais. E se em
nenhum caso se pudesse agir sem uma causa predeterminadora, assim
como uma balança não pode se mover sem um peso predominante,
isso tenderia a tirar todo o poder de escolha e a introduzir a fatalidade.

2. Muitos gregos antigos, que receberam sua filosofia dos fenícios e


cuja filosofia foi corrompida por Epicuro, sustentavam, de fato, a
matéria de modo geral e o vácuo; mas não sabiam como aplicar
esses princípios à explicação dos fenômenos da natureza pela
matemática. Por menor que seja a quantidade de matéria, Deus
não tem nada de menos sujeito para exercer sua sabedoria e
poder sobre, pois outras coisas, da mesma forma que a matéria,
são igualmente sujeitos sobre os quais Deus exerce seu poder e
sabedoria. Pelo mesmo argumento, poderia muito bem se provar
que o homem, ou qualquer outra espécie particular de seres, deve
existir em número infinito, para que não faltem a Deus súditos
sobre os quais Ele possa exercer seu poder e sabedoria.

3. A palavra sensorial não significa propriamente o órgão, mas o


lugar da sensação. O olho, o ouvido, etc., são órgãos, mas não o
sensorial. Além disso, Sir Isaac Newton não diz que o espaço é o
sensorial, mas que ele é, apenas por modo de similitude, “como
se fosse o sensorial, etc.”.

4. Nunca se supôs que a presença da alma fosse suficiente, mas


apenas que fosse necessária, para que houvesse percepção. Sem
estar presente às imagens das coisas percebidas, não se poderia
percebê-las, mas estar presente não é suficiente sem que também
se trate de uma substância viva. Qualquer substância inanimada,
embora presente, não percebe nada. E uma substância viva só
pode perceber onde ela está presente, seja às próprias coisas
(como o Deus onipresente é para todo o universo) ou às imagens
das coisas (como a alma do homem é em seu sensorial). Nada
pode agir ou sofrer ação onde não está presente, nem pode estar
onde não está. O fato de a alma ser indivisível não a faz ficar
presente apenas em um mero ponto. O espaço, finito ou infinito,
é absolutamente indivisível, ainda que em pensamento (imaginar
suas partes movidas uma da outra é imaginá-las movidas para
fora de si mesmas)[8]; e ainda assim o espaço não é um mero
ponto.

5. Deus percebe as coisas, não de fato por meio de sua simples


presença a elas, nem ainda por sua operação sobre elas, mas por
ser uma pessoa viva e inteligente, bem como uma substância
onipresente. A alma também (dentro de sua estreita esfera), não
as percebe por sua simples presença, mas por ser uma substância
viva, ela percebe as imagens às quais está presente e que, sem
estar presente a elas, não conseguiria perceber.

6. [Resposta unificada com a próxima seção]

7. É bem verdade que a excelência da obra de Deus não consiste em


mostrar apenas o poder, mas em mostrar também a sabedoria de
seu autor. No entanto, a sabedoria de Deus não aparece ao fazer
com que a natureza (como um artífice faz um relógio) seja capaz
de continuar sem Ele (pois isso é impossível, não havendo
poderes da natureza independentes de Deus como os poderes dos
pesos e molas são independentes dos homens), mas a sabedoria
de Deus consiste em formular originalmente a idéia perfeita e
completa de uma obra, que começa e continua de acordo com
essa idéia originalmente perfeita, através do contínuo exercício
ininterrupto de seu poder e governo.

8. A palavra correção ou emenda deve ser entendida não em relação


a Deus, mas somente em relação a nós. O esquema atual do
sistema solar, por exemplo, de acordo com as atuais leis do
movimento, com o tempo, cairá em confusão e, talvez, depois
disso, será emendado ou colocado em uma nova forma. Mas essa
emenda é apenas relativa no que diz respeito às nossas
concepções. Na realidade, e com relação a Deus, o esquema
atual, e a consequente desordem, e a seguinte renovação, são
todos igualmente partes do esquema estruturado na idéia original
e perfeita de Deus. Está no esquema do mundo, como no
esquema do corpo do homem; a sabedoria de Deus não consiste
em tornar eterno o esquema atual de qualquer um deles, mas em
prolongá-lo pelo tempo que Ele achou adequado.

9. A sabedoria e a providência de Deus não consistem em fornecer


originalmente remédios que, por si mesmos, curem as desordens
da natureza. Pois, na verdade e a rigor, com relação a Deus não
há desordens, e consequentemente não há remédios, e de fato não
há poderes na natureza que possam fazer algo por si mesmos
(como o trabalho de pesos e molas é por si mesmo em relação
aos homens); mas a sabedoria e a previsão de Deus consistem
(como já foi dito) em obter de imediato o que seu poder e seu
governo estão continuamente colocando em execução real.

10. Deus não é nem uma inteligência mundana, nem


uma inteligência supramundana, mas uma inteligência
onipresente, tanto dentro como fora do mundo. Ele está em tudo,
e através de tudo, assim como acima de tudo.

11. Se com Deus conservando todas as coisas significamos


sua operação real e seu governo na preservação e continuidade
dos seres, dos poderes, das ordens, das disposições e das moções
de todas as coisas, isso é tudo o que se defende. Mas, se suas
conservações não significam nada mais do que um rei criar
súditos capazes de agir suficientemente bem sem sua
intermediação ou ordenação de nada entre eles para sempre, isso
o torna de fato um verdadeiro criador, mas um governador apenas
nominal.

12. O argumento desse parágrafo supõe que o que Deus faz é


sobrenatural ou milagroso, e consequentemente ele tende a
excluir toda operação de Deus na governança e ordenação do
mundo natural. Mas a verdade é que natural e sobrenatural não
são nada diferentes em relação a Deus, mas meramente distinções
em nossas concepções das coisas. Fazer com que o sol (ou a
terra) se mova regularmente é algo que nós chamamos de natural.
Parar seu movimento por um dia, nós chamamos de sobrenatural.
Porém um não é efeito de um poder mais intenso do que o outro;
nem o outro é mais ou menos natural ou sobrenatural do que o
um. A presença de Deus no ou para o mundo não faz d’Ele a
alma do mundo. Uma alma é parte de um composto, do qual o
corpo é a outra parte, e eles se afetam mutuamente como partes
de um mesmo todo. Mas Deus está presente ao mundo, não
como uma parte, mas como um governador, agindo sobre todas
as coisas, Ele próprio agindo por meio de nada. Ele não está
longe de cada um de nós, pois nEle nós (e todas as coisas)
vivemos e nos movemos e temos o nosso ser.
Terceira carta de Leibniz, sendo uma resposta à
segunda réplica de Clarke (25 de fevereiro de 1716)

1. De acordo com a maneira usual de falar, os princípios


matemáticos dizem respeito apenas à matemática pura, ou seja,
números, figuras, aritmética e geometria. Mas os princípios
metafísicos dizem respeito a noções mais gerais, tais como causa
e efeito.

2. O autor me concede este importante princípio, de que nada


acontece sem uma razão suficiente para que assim seja, e não de
outra forma. Mas ele o concede somente em palavras, e na
realidade o nega. Isso mostra que ele não compreende totalmente
sua força. E, portanto, ele faz uso de um exemplo, que se encaixa
exatamente em uma de minhas demonstrações contra o espaço
absoluto real, o ídolo de alguns ingleses modernos. Eu o chamo
de ídolo não no sentido teológico, mas no filosófico, como diz o
chanceler Bacon: que há idola tribus, idola specus.

3. Esses senhores sustentam, portanto, que o espaço é um ser


absoluto real. Mas isso os envolve em grandes dificuldades, pois
parece que um ser assim deve ser, necessariamente, eterno e
infinito. Daí que alguns acreditassem que ele fosse o próprio
Deus, ou um de seus atributos, sua imensidão. Mas, como o
espaço é composto de partes, ele não é uma coisa que possa fazer
parte de Deus.
4. Quanto à minha própria opinião, já disse mais de uma vez que
considero o espaço como algo puramente relativo, como o é o
tempo – que o considero como uma ordem de coexistência, como
o tempo é uma ordem de sucessões. Pois o espaço denota, em
termos de possibilidade, uma ordem de coisas que existem ao
mesmo tempo, consideradas como existentes juntas, sem entrar
em suas maneiras particulares de existir. E quando muitas coisas
são vistas juntas, percebe-se conscientemente essa ordem de
coisas entre si.

5. Tenho muitas demonstrações para confrontar a fantasia daqueles


que tomam o espaço como substância, ou ao menos como um ser
absoluto. Mas, no momento, usarei apenas uma demonstração, a
qual o autor aqui me dá a oportunidade de enfatizar. Eu digo,
então, que, se o espaço fosse um ser absoluto, algo aconteceria
para o qual seria impossível que houvesse uma razão suficiente –
o que é contraditório ao meu axioma. E eu o provo assim: o
espaço é algo absolutamente uniforme, e, sem as coisas nele
colocadas, um ponto no espaço não se difere absolutamente, em
nenhum aspecto, de um outro ponto no espaço. Agora, disso
decorre (supondo que o espaço seja algo em si, além da ordem
dos corpos entre si) que é impossível haver uma razão pela qual
Deus, preservando as mesmas situações dos corpos entre si,
deveria tê-los colocado no espaço seguindo uma certa maneira
particular e não uma outra – pela qual nem tudo foi posicionado
de maneira totalmente contrária, por exemplo, como ao mudar o
leste em oeste. Mas, se o espaço não é outra coisa senão essa
ordem ou relação, e não é nada sem os corpos a não ser a
possibilidade de colocá-los, então, esses dois estados – um como
é ele agora e o outro como supostamente seria de modo
exatamente contrário – não difeririam em nada um do outro. Sua
diferença, portanto, só poderia ser encontrada em nossa
suposição quimérica sobre a realidade do espaço por si próprio.
Mas, na verdade, uma coisa seria exatamente a mesma coisa que
a outra, sendo elas absolutamente indiscerníveis e,
consequentemente, não haveria motivo para inquirirmos por uma
razão para a preferência de um pelo outro.
6. É o mesmo no que diz respeito ao tempo. Supondo que alguém
pergunte por que Deus não criou tudo um ano antes, e que a
mesma pessoa deva inferir disso que Deus fez algo a respeito do
qual não é possível que haja uma razão para que Ele o tenha feito
assim e não de outra forma; a resposta é que sua inferência
estaria correta, se o tempo fosse algo distinto das coisas
existentes no tempo. Porque seria impossível que houvesse
qualquer razão pela qual as coisas deveriam ser aplicadas a tais
instantes particulares e não a outros, suas sucessões sendo as
mesmas. Mas, então, o mesmo argumento prova que os instantes,
considerados sem as coisas, não são nada em absoluto, e que eles
consistem apenas na ordem sucessiva das coisas; essa ordem
permanecendo a mesma, um dos dois estados, ou seja, o de uma
suposta antecipação, não diferiria em nada – nem poderia ser
discernido –, do outro que agora é.

7. Segundo o que eu disse, meu axioma não foi bem compreendido


e o autor o nega, embora pareça concedê-lo. É verdade, diz ele,
que não há nada sem uma razão suficiente para que assim seja, e
por isso é assim e não de outra forma, mas acrescenta que essa
razão suficiente é muitas vezes a simples ou mera vontade de
Deus – como quando se pergunta por que a matéria não foi
colocada em outro lugar no espaço, conservando-se as mesmas
situações dos corpos entre si. Mas isso é claramente para afirmar
que Deus deseja algo sem nenhuma razão suficiente para sua
vontade, contrariando o axioma ou a regra geral de tudo o que
acontece. Isso recai na frouxa indiferença, a qual tenho
amplamente refutado e demonstrado ser absolutamente quimérica
– mesmo entre as criaturas – e contrária à sabedoria de Deus,
como se Ele pudesse operar sem agir pela razão.

8. O autor opõe contra mim que, se não admitirmos essa simples e


pura vontade, tiramos de Deus o poder de escolher e trazemos
uma fatalidade. Mas é exatamente o contrário que é verdade. Eu
sustento que Deus tem o poder de escolher, já que fundamento
esse poder na razão de uma escolha condizente à sua sabedoria. E
isso não é essa fatalidade (é apenas a mais sábia ordem de
providência), porém, uma fatalidade cega ou uma necessidade
vazia de toda sabedoria e escolha, é isso que devemos evitar.

9. Eu havia observado que, diminuindo a quantidade de matéria, a


quantidade de objetos sobre os quais Deus pode exercer sua
bondade será menor. O autor responde que, ao invés de matéria,
existem outras coisas no espaço vazio sobre as quais Deus pode
exercer sua bondade. Pode ser que assim seja, embora eu não o
conceda, pois sustento que toda substância criada é acompanhada
pela matéria. Contudo, deixemos que assim seja. Eu respondo
que mais matéria estaria em conformidade com essas mesmas
coisas e, consequentemente, os referidos objetos seriam ainda
mais reduzidos. O exemplo de um número maior de homens ou
animais não serve ao propósito, pois eles preencheriam lugar na
exclusão de outras coisas.

10. Será difícil me fazer acreditar que o sensorium não


significa, em seu sentido habitual, um órgão de sensação. Veja as
palavras de Rudolphus Goclenius em seu Dictionarium
Philosophicum em Sensiterium. “Barbarum Scholasticorum”, diz
ele, “qui interdum sunt simiae Graecorum. Hi dicunt aitheteriun,
ex quo illi fecerunt Sensiterium pro Sensorio, id est, Organo
Sensationis”[9]

11. A mera presença de uma substância, mesmo animada, não


é suficiente para a percepção. Um homem cego, e mesmo um
homem cujos pensamentos estão vagando, não vê. O autor deve
explicar como a alma percebe conscientemente o que está fora
dela mesma.

12. Deus não está presente às coisas pela situação, mas pela
essência; sua presença é manifestada por sua operação imediata.
A presença da alma é de uma natureza bem diferente. Dizer que
ela se difunde por todo o corpo é torná-la estendida e divisível.
Dizer que ela está, toda ela, em cada parte do corpo, é torná-la
divisível por si mesma. Fixá-la a um ponto, difundi-la em muitos
pontos, são apenas expressões abusivas, idola tribus.[10]

13. Se a força ativa devesse diminuir no universo através das


leis naturais que Deus estabeleceu, de modo que houvesse
necessidade dEle dar uma nova impressão a fim de restaurar essa
força, como um artesão consertando as imperfeições de sua
máquina, a desordem não seria apenas em relação a nós, mas
também em relação ao próprio Deus. Ele poderia tê-lo evitado e
tomado melhores medidas para evitar tal inconveniência e,
portanto, de fato, Ele o fez.

14. Quando eu disse que Deus providenciou remédios de


antemão contra tais desordens, eu não disse que Deus permite
que as desordens aconteçam e, em seguida, encontra remédios
para elas, mas que Ele encontrou uma maneira de evitar que
quaisquer desordens aconteçam.

15. O autor se esforça em vão para criticar minha expressão de


que Deus é intelligentia supramundana. Dizer que Deus está
acima do mundo não é negar que Ele está no mundo.

16. Nunca dei nenhuma ocasião para se duvidar de que a


conservação exercida por Deus é uma verdadeira preservação e
continuação dos seres, dos poderes, das ordens, das disposições e
dos movimentos de todas as coisas, e acho que talvez o tenha
explicado melhor do que muitos outros. Entretanto, diz o autor,
“isto é tudo o que eu defendi”. A isso respondo, “vosso humilde
servo está aqui para isso, senhor”. Nossa disputa consiste em
muitas outras coisas. A questão é: se Deus não age da maneira
mais regular e perfeita; se sua máquina está sujeita a desordens,
as quais Ele é obrigado a eliminar por meios extraordinários; se a
vontade de Deus pode agir sem razão; se o espaço é um ser
absoluto; e, também, no que consiste a natureza dos milagres; e
muitas dessas coisas, que fazem uma grande diferença entre nós.
17. Os teólogos não concederão a posição do autor contra
mim, a saber, que não há diferença, com respeito a Deus, entre o
natural e o sobrenatural; e isso será ainda menos aprovado pela
maioria dos filósofos. Há uma grande diferença entre essas duas
coisas, mas aparentemente isso não foi devidamente considerado.
O que é sobrenatural excede todos os poderes das criaturas. Vou
dar um exemplo que muitas vezes utilizei com bom êxito. Se
Deus quisesse fazer com que um corpo se movesse livremente no
éter sobre um determinado centro fixo, sem que nenhuma outra
criatura agisse sobre ele, eu digo que isso não poderia ser feito
sem um milagre, uma vez que isso não pode ser explicado pela
natureza dos corpos. Porque um corpo livre afasta-se
naturalmente de uma curva na tangente. E, portanto, sustento que
a atração dos corpos, propriamente chamada, é uma coisa
milagrosa, uma vez que não pode ser explicada pela natureza dos
corpos.
Terceira resposta de Clarke (15 de maio de 1716)

1. Isso diz respeito apenas ao significado das palavras. As


definições aqui dadas podem muito bem ser permitidas, e, ainda
assim, raciocínios matemáticos podem ser aplicados a assuntos
físicos e metafísicos.

2. Sem dúvida, nada é sem uma razão suficiente para ser em vez de
não ser, e para ser assim e não de outra forma. Mas, nas coisas
indiferentes segundo sua própria natureza, a mera vontade, sem
nada externo para influenciá-la, é essa razão suficiente – como no
exemplo da criação de Deus ou da colocação de qualquer
partícula de matéria em um lugar e não em outro, quando todos
os lugares são originalmente semelhantes. E o caso é o mesmo,
ainda que o espaço não fosse algo real mas somente a mera
ordem dos corpos; porque, ainda assim, seria absolutamente
indiferente, e não poderia haver outra razão a não ser a mera
vontade pela qual três partículas iguais deveriam ser colocadas
ou agrupadas na ordem a, b, c, em vez de na ordem contrária. E,
portanto, nenhum argumento pode ser retirado dessa indiferença
entre todos os lugares para provar que nenhum espaço é real.
Porque espaços diferentes são realmente diferentes ou distintos
entre si, embora sejam perfeitamente parecidos. E há esse
absurdo evidente em supor que o espaço não seja real, mas que
seja simplesmente a ordem dos corpos, porque, de acordo com
essa noção, se a terra, o sol e a lua tivessem sido colocados onde
as estrelas fixas mais remotas estão agora (desde que fossem
colocados na mesma ordem e distância que estão agora em
relação uns aos outros), isso apenas não teria sido (como diz com
razão esse sábio autor) Ia même chose, a mesma coisa em efeito
– o que é muito verdadeiro – mas também se seguiria que eles
também estariam no mesmo lugar, do mesmo modo que estão
agora – o que é uma expressa contradição.

Os antigos não chamavam todo o espaço sem os corpos pelo nome de


espaço imaginário, mas apenas o espaço extramundano, O significado
disso não é que tal espaço não é real, mas apenas que somos
totalmente ignorantes sobre os tipos de coisas que existem nele.
Aqueles escritores que, pela palavra imaginário, quiseram a qualquer
momento afirmar que o espaço não é real não provaram, assim, que
ele não é real.

3. O espaço não é um ser, um ser eterno e infinito, mas uma


propriedade ou uma consequência da existência de um ser
infinito e eterno. O espaço infinito é imensidão, mas a imensidão
não é Deus; e, portanto, o espaço infinito não é Deus. Tampouco
há qualquer dificuldade no que está aqui desenvolvido sobre o
espaço ter partes. Pois o espaço infinito é um, absolutamente e
essencialmente indivisível, e supor que ele seja separável é uma
contradição em termos, pois deveria haver um espaço na própria
partição, o que é supor que ele se separa e não se separa, ao
mesmo tempo. A imensidade ou onipresença de Deus não é tanto
uma divisão de sua substância em partes quanto sua duração ou
continuidade da existência é uma divisão de sua existência em
partes. Aqui não há nenhuma dificuldade, a não ser a que surge
do abuso figurativo da palavra partes.

4. Se o espaço não fosse nada além da ordem das coisas


coexistentes, seguir-se-ia que, se Deus removesse em linha reta o
mundo material inteiro, com qualquer velocidade, ainda assim
este continuaria sempre no mesmo lugar, e que nada sofreria
qualquer abalo com a mais súbita parada daquele movimento. E,
se o tempo não fosse nada além da ordem de sucessão das coisas
criadas, seguir-se-ia que, se Deus tivesse criado o mundo milhões
de anos mais cedo do que criou, este não teria sido criado mais
cedo de modo algum. Além disso, espaço e tempo são
quantidades, situação e ordem não o são.

5. O argumento desse parágrafo é: como o espaço é uniforme ou


semelhante, e uma parte não difere de outra, então os corpos
criados em um lugar, se tivessem sido criados em outro lugar
(supondo que mantenham a mesma situação em relação um ao
outro), ainda teriam sido criados no mesmo lugar que antes – o
que é uma manifesta contradição. A uniformidade do espaço de
fato prova que não poderia haver nenhuma razão (externa) para
Deus criar as coisas em um lugar ao invés de em outro, mas isso
impede que sua própria vontade seja por si só uma razão
suficiente para agir em qualquer lugar, quando todos os lugares
são indiferentes ou semelhantes e existe uma boa razão para agir
em algum lugar?

6. Tem lugar aqui o mesmo raciocínio que no parágrafo anterior.

7. [resposta unificada com a próxima seção]

8. Onde há alguma diferença na natureza das coisas, aí a


consideração dessa diferença sempre determina um agente
inteligente e perfeitamente sábio. Mas quando duas formas de
agir são igualmente e semelhantemente boas (como nos casos
mencionados anteriormente), afirmar em tal caso que Deus não
pode agir de forma alguma, ou que não há perfeição nEle para ser
capaz de agir, porque Ele não pode ter nenhuma razão externa
para levá-lo a agir de uma forma ao invés de outra, parece ser
uma negação de que Deus tenha em si qualquer princípio original
ou poder de começar a agir, e que Ele deve necessariamente ser
(como se fosse mecanicamente) sempre determinado por coisas
extrínsecas.

9. Suponho que a quantidade determinada de matéria agora no


mundo é a mais conveniente para o quadro atual da natureza, ou
para o estado atual das coisas, e que uma quantidade maior
(assim como uma menor) de matéria tornariam a atual estrutura
do mundo menos conveniente e, consequentemente, não seria um
objeto melhor para que Deus exercesse sua bondade sobre ela.

10. A questão não é o que Goclenius, mas o que Sir Isaac


Newton quer dizer com a palavra sensorium, quando o debate é
sobre o sentido de Sir Isaac Newton, e não sobre o sentido do
livro de Goclenius. Se Goclenius considera o olho ou o ouvido ou
qualquer outro órgão sensorial como sendo o sensorium, ele
certamente está enganado. Mas quando qualquer escritor explica
expressamente o que ele quer dizer com qualquer termo artístico,
de que serve neste caso indagar em que sentidos diferentes talvez
alguns outros escritores tenham às vezes usado a mesma palavra?
Scapula explica por domicilium o lugar onde reside a mente.

11. A alma de um cego não vê por esta razão: porque


nenhuma imagem é transmitida ao sensorium, onde a alma está
presente (havendo alguma obstrução no caminho). Como a alma
de um vidente vê as imagens às quais está presente, não sabemos,
mas temos certeza de que não pode perceber conscientemente o
que não está presente, porque nada pode agir ou sofrer ação onde
não está.

12. Deus, sendo onipresente, está realmente presente em tudo,


essencialmente e substancialmente. Sua presença se manifesta de
fato por sua operação, mas Ele não poderia operar se não
estivesse presente. A alma não é onipresente a todas as partes do
corpo e, portanto, não opera e não pode operar de fato em cada
parte do corpo, mas somente no cérebro ou em certos nervos e
espíritos, o que, pelas leis e comunicações indicadas por Deus,
influencia todo o corpo.

13. [resposta unificada com a próxima seção]

14. As forças ativas, que estão no universo diminuindo a si


mesmas de modo a ficarem necessitadas de novas impressões,
não são nenhum inconveniente, nenhuma desordem, nenhuma
imperfeição no trabalho do universo, mas são as consequências
da natureza das coisas dependentes. Essa dependência das coisas
não é uma questão que precisa ser retificada. O caso de um
homem que faz uma máquina é bem diferente, porque os poderes
ou forças pelos quais a máquina continua a se mover são
totalmente independentes do artífice.

15. A frase intelligentia supramundana pode muito bem ser


admitida, conforme aqui ficou explicada, mas, sem essa
explicação, a expressão está muito apta a levar à noção errada, no
sentido de que Deus não está presente real e substancialmente em
todos os lugares.

16. Às perguntas aqui propostas a resposta é: que Deus age


sempre da maneira mais regular e perfeita, que não há desordens
na obra de Deus, e que não há algo mais extraordinário nas
alterações que Ele tem o prazer de fazer na estrutura das coisas
do que na continuidade delas; que, nas coisas absolutamente
iguais e indiferentes em sua própria natureza, a vontade de Deus
pode livremente escolher e determinar por si própria, sem
qualquer causa externa para impeli-la, e que é uma perfeição em
Deus poder fazê-lo; que o espaço não depende de forma alguma
da ordem ou da situação ou da existência de corpos.

17. E, quanto à noção de milagres, a questão não é o que os


teólogos ou filósofos geralmente admitem ou não, mas quais
razões os homens avançam a favor de suas opiniões. Se um
milagre é apenas aquilo que supera o poder de todos os seres
criados, então a possibilidade de um homem caminhar sobre a
água ou a de o movimento do sol ou da terra serem parados não é
um milagre, já que nenhuma dessas coisas requer um poder
infinito para realizá-las. O fato de um corpo se mover em círculo
em torno de um centro no vácuo, se isso for algo usual (como os
planetas que se movem ao redor do sol), não é um milagre, quer
isso seja feito imediatamente pelo próprio Deus ou mediatamente
por qualquer poder criado; mas se se trata de algo incomum
(como um corpo pesado ser suspenso e se mover, assim, no ar), é
igualmente um milagre, quer seja realizado imediatamente pelo
próprio Deus ou mediatamente por qualquer poder invisível
criado. Por último, se o que quer que seja que não se origine e
que não é explicável pelos poderes naturais do corpo é um
milagre, então, todo movimento animal é um milagre. Isso parece
demonstrar que a noção de milagre desse sábio autor está
equivocada.
Quarta carta de Leibniz, sendo uma resposta à
terceira réplica de Clarke (2 de junho de 1716)

1. Em relação às coisas absolutamente indiferentes, não há


[nenhuma base para][11] escolha e, consequentemente, nenhuma
eleição ou vontade, uma vez que a escolha deve ser fundada em
alguma razão ou princípio.

2. Uma mera vontade, sem nenhum motivo, é uma ficção, não


apenas contrária à perfeição de Deus, mas também quimérica e
contraditória, inconsistente com a definição de vontade, e
suficientemente refutada em minha Theodicéia.

3. É indiferente colocar três corpos, iguais e perfeitamente


semelhantes, em uma ordem qualquer, e consequentemente eles
nunca serão colocados em nenhuma ordem por aquele que nada
faz sem sabedoria. Mas então, sendo Ele o autor das coisas,
nenhuma dessas coisas será produzida por Ele, e,
consequentemente, não existem tais coisas na natureza.

4. Não existe essa coisa de dois indivíduos indiscerníveis um do


outro. Um cavalheiro genial, conhecido meu, discursando comigo
na presença de Sua Alteza Eleitoral, a Princesa Sophia, no jardim
de Herrenhausen, pensou que poderia encontrar duas folhas
perfeitamente idênticas. A princesa o desafiou a fazê-lo, e ele
correu por todo o jardim por muito tempo para procurar algumas;
mas não conseguiu obtê-las. Duas gotas de água ou leite, vistas
com um microscópio, parecerão distinguíveis uma da outra. Esse
é um argumento contra os átomos, que são confrontados, assim
como o vácuo, pelos princípios da verdadeira metafísica.

5. Estes grandes princípios, da razão suficiente e da identidade dos


indiscerníveis, mudam o estado da metafísica. Essa ciência torna-
se real e demonstrativa por meio de tais princípios, enquanto que,
antes disso, ela consistia, de modo geral, em palavras vazias.

6. Supor que duas coisas são indiscerníveis é supor a mesma coisa


sob dois nomes. E, portanto, supor que o universo poderia ter
tido, a princípio, outra posição no tempo e no lugar do que aquela
que ele tem de fato e, ainda, que todas as partes do universo
deveriam ter tido a mesma situação entre elas, como aquela que
de fato tiveram, tal suposição, digo eu, é uma ficção impossível.

7. A mesma razão que mostra que o espaço extramundano é


imaginário prova que todo espaço vazio é uma coisa imaginária,
pois eles diferem apenas como maior e menor.

8. Se o espaço é uma propriedade ou atributo, ele deve ser a


propriedade de alguma substância. Mas de que substância esse
espaço vazio delimitado constituirá um afecto ou propriedade, a
qual as pessoas com quem estou argumentando supõem estar
entre dois corpos?

9. Se o espaço infinito é imensidão, o espaço finito será o oposto de


imensidão, ou seja, será mensurabilidade, ou extensão limitada.
Agora, a extensão deve ser o afecto de algo extendido. Mas se
esse espaço estiver vazio, ele será um atributo sem um sujeito,
uma extensão sem nada extendido. Assim, ao fazer do espaço
uma propriedade, o autor recai na minha opinião, o que torna o
espaço uma ordem de coisas e não algo absoluto.

10. Se o espaço é uma realidade absoluta, longe de ser uma


propriedade ou um acidente oposto à substância, ele terá uma
realidade maior do que as próprias substâncias. Deus não pode
destruí-lo, nem mesmo mudá-lo em nenhum aspecto. Não só será
imenso no todo, mas também imutável e eterno em cada parte.
Haverá um número infinito de coisas eternas além de Deus.

11. Dizer que o espaço infinito não tem partes é dizer que ele
não consiste em espaços finitos e que o espaço infinito pode
subsistir, embora todo o espaço finito deva ser reduzido a nada.
Seria como se se devesse dizer, de acordo com a suposição
cartesiana de um mundo material estendido ilimitadamente, que
tal mundo poderia subsistir, embora todos os corpos que o
compõem devam ser reduzidos a nada.

12. O autor atribui partes ao espaço, na página 19 da terceira


edição de seu Defence of the Argument Against Mr. Dodwell, e as
torna inseparáveis umas das outras. Mas, na página 30 de
sua Second Defense, ele diz que elas são partes “impropriamente
chamadas”, o que pode ser entendido num bom sentido.

13. Dizer que Deus pode fazer com que todo o universo
avance em uma linha reta ou em qualquer outra linha, sem fazer
qualquer alteração nele, é outra suposição quimérica. Pois dois
estados indiscerníveis um do outro são o mesmo estado, e,
consequentemente, isso é uma mudança sem nenhuma alteração.
Além disso, não há nem rima nem razão nisso. Todavia, Deus
não faz nada sem razão, e é impossível que haja alguma aqui.
Além disso, isso seria um agendo nihil agere, como acabo de
dizer, por causa da indiscernibilidade.

14. Essas são Idola tribus, meras quimeras, e imaginações


superficiais. Tudo isso se baseia apenas na suposição de que o
espaço imaginário é real.

15. É como uma ficção, uma (que é) impossível, supor que


Deus poderia ter criado o mundo alguns milhões de anos mais
cedo. Aqueles que entram em tal tipo de ficção não podem dar
nenhuma resposta àqueles que argumentariam pela eternidade do
mundo. Porque, como Deus nada faz sem razão, e nenhuma razão
pode ser dada para que Ele não tenha criado o mundo mais cedo,
seguir-se-á ou que Ele não criou nada, ou que Ele criou o mundo
antes de qualquer tempo atribuível, ou seja, que o mundo é
eterno. Mas quando se demonstra que o início, quando quer que
tenha sido, é sempre o mesmo, a pergunta “por que não foi
ordenado de outra forma?” torna-se desnecessária e
insignificante.

16. Se o espaço e o tempo fossem alguma coisa absoluta, ou


seja, se fossem outra coisa além de certas ordens das coisas,
então, de fato, minha afirmação seria uma contradição. Mas,
como não é assim, a hipótese [de que o espaço e o tempo são
algo absoluto][12] é contraditória, ou seja, é uma ficção
impossível.

17. E o caso é o mesmo que em geometria, onde, pela própria


suposição de que uma figura é maior do que realmente é, nós às
vezes provamos que ela não é maior. De fato, isso é uma
contradição, mas depende da hipótese, que parece ser falsa por
essa mesma razão.

18. Sendo o espaço uniforme, não pode haver nenhuma razão


externa ou interna para distinguir suas partes e fazer qualquer
escolha entre elas. Qualquer razão externa para discernir entre
elas só pode ser fundamentada em alguma razão interna. Caso
contrário, devemos discernir o que é indiscernível ou escolher
sem discernimento. Uma vontade sem razão seria a hipótese dos
epicuristas. Um Deus que deveria agir por uma tal vontade seria
um Deus somente no nome. A causa desses erros procede da falta
de cuidado para evitar o que deprecia as perfeições divinas.

19. Quando duas coisas incompatíveis são igualmente boas, e


nenhuma delas tem qualquer vantagem sobre a outra, em si
mesmas ou por sua combinação com outras coisas, Deus não
produzirá nenhuma delas.

20. Deus nunca é determinado por coisas externas, mas


sempre pelo que está nEle mesmo, ou seja, por seu conhecimento
das coisas antes que qualquer coisa exista fora dEle próprio.

21. Não há nenhuma razão possível que possa limitar a


quantidade de matéria e, portanto, tal limitação não pode ter
lugar.

22. E supondo essa limitação arbitrária da quantidade de


matéria, algo poderia sempre ser acrescentado a ela sem
depreciar a perfeição das coisas que já existem, e,
consequentemente, algo deve sempre ser acrescentado a fim de
agir de acordo com o princípio da perfeição das operações
divinas.

23. E, portanto, não se pode dizer que a quantidade atual de


matéria é a mais adequada para a constituição atual das coisas. E,
supondo que fosse, seguiria que esta constituição atual das coisas
não seria absolutamente a mais adequada, se impedisse Deus de
usar mais matéria. É, portanto, melhor escolher outra constituição
de coisas, capaz de algo mais.

24. Eu ficaria feliz em ver uma passagem de qualquer filósofo


que tome sensorium em qualquer outro sentido que não seja o de
Goclenius. [Eu estava certo ao citar o Dicionário Filosófico desse
autor para mostrar o sentido habitual em que a
palavra sensorium é tomada; é para isso que servem os
dicionários.[13]

25. Se Scapula diz que o sensorium é o lugar onde reside o


entendimento, ele significa por ele o órgão da sensação interna.
E, portanto, ele não difere de Goclenius.

26. O sensorium sempre significou o órgão da sensação. A


glândula pineal seria, de acordo com Descartes, o sensorium no
sentido acima mencionado de escápula.

27. Não há expressão menos apropriada sobre esse assunto do


que aquela que dá a Deus um sensorium. Ela parece fazer de
Deus a alma do mundo. E será difícil dar um sentido justificável
a essa palavra, de acordo com o uso que Sir Isaac Newton faz
dela.

28. Embora a pergunta seja sobre o sentido colocado por Sir


Isaac Newton, e não por Goclenius, ainda assim não tenho culpa
em citar o Dicionário Filosófico deste autor, pois o objetivo dos
dicionários é indicar o uso das palavras.

29. Deus conscientemente percebe coisas em si próprio O


espaço é o lugar de coisas e não o lugar das idéias de Deus, a
menos que olhemos para o espaço como algo que faz uma união
entre Deus e as coisas, imitando a união imaginária entre a alma
e o corpo, o que ainda faria de Deus a alma do mundo.

30. E, de fato, o autor está muito enganado quando compara o


conhecimento e a operação de Deus com o conhecimento e a
operação das almas. A alma sabe das coisas porque Deus colocou
nela um princípio representativo das coisas exteriores. Mas Deus
sabe das coisas porque as produz continuamente.

31. A alma não age sobre as coisas, segundo minha opinião,


de outra forma que não seja pelo fato de o corpo se adaptar aos
desejos da alma, em virtude da harmonia que Deus pré-
estabeleceu entre eles.

32. Mas aqueles que imaginam que a alma pode dar uma nova
força ao corpo, e que Deus faz o mesmo com o mundo para
consertar as imperfeições de sua máquina, tornam Deus muito
parecido com a alma, atribuindo muito à alma e muito pouco a
Deus.

33. Porque ninguém além de Deus pode dar uma nova força à
natureza, e Ele só o faz de forma sobrenatural. Se houvesse
necessidade de que Ele o fizesse no curso natural das coisas, Ele
teria feito um trabalho muito imperfeito. Nesse ritmo, Ele seria,
em relação ao mundo, o que a alma, na noção vulgar, é em
relação ao corpo.

34. Aqueles que se comprometem em defender a opinião


vulgar a respeito da influência da alma sobre o corpo,
instanciando a atuação de Deus sobre as coisas externas,
consideram Deus muito semelhante a uma alma do mundo. E
acrescento que a afetação do autor para encontrar falhas nas
palavras intelligentia supramundana parece também inclinar-se
nesse sentido.

35. As imagens que afetam imediatamente a alma encontram-


se dentro da própria alma, mas correspondem àquelas do corpo.
A presença da alma é imperfeita e só pode ser explicada por essa
correspondência. Mas a presença de Deus é perfeita e
manifestada por sua operação.

36. O autor supõe erroneamente contra mim que a presença da


alma está ligada à influência dela sobre o corpo, pois ele sabe que
eu rejeito essa influência.

37. A alma sendo difundida através do cérebro não é menos


inexplicável do que a sua difusão através de todo o corpo. A
diferença está apenas entre mais e menos.

38. Aqueles que imaginam que as forças ativas diminuem por


si mesmas no mundo não compreendem bem as principais leis da
natureza e a beleza das obras de Deus.

39. Como eles poderão provar que esse defeito é uma


consequência da dependência das coisas?

40. A imperfeição de nossas máquinas, que é a razão pela qual


elas precisam ser consertadas, procede precisamente disto, de que
elas não dependem suficientemente do operário. E, portanto, a
dependência da natureza em relação a Deus, longe de ser a causa
de tal imperfeição, é antes a razão pela qual não existe tal
imperfeição na natureza, visto que a natureza é tão dependente
daquele artista que é perfeito demais para fazer uma obra que
precise ser consertada. É verdade que cada máquina particular da
natureza é, em certa medida, passível de ser desordenada, mas
não é assim com o universo inteiro, que não pode ser diminuído
em perfeição.

41. O autor sustenta que o espaço não depende da situação dos


corpos. Eu respondo: é verdade, não depende de tal ou tal
situação dos corpos, mas é essa ordem que torna os corpos
capazes de serem situados, e pela qual eles têm uma situação
entre si quando existem juntos, pois o tempo é essa ordem com
respeito à sua posição sucessiva. Mas, se não houvesse criaturas,
o espaço e o tempo estariam apenas entre as idéias de Deus.

42. O autor parece reconhecer aqui que sua noção de milagre


não é a mesma que os teólogos e filósofos costumam ter.
Portanto, é suficiente ao meu propósito que meus adversários
sejam obrigados a recorrer ao que é comumente chamado de
milagre (o que se tenta evitar em filosofia).

43. Receio que o autor, ao alterar o sentido comumente


colocado na palavra milagre, caia em uma opinião inconveniente.
A natureza de um milagre não consiste de modo algum em
habitualidade ou inusualidade, pois então os monstros seriam
milagres.

44. Há milagres de uma espécie inferior que um anjo pode


fazer. Ele pode, por exemplo, fazer um homem caminhar sobre a
água sem se afundar. Mas existem milagres que ninguém além de
Deus pode fazer, eles excedem todos os poderes naturais. Desse
tipo são a criação e a aniquilação.

45. É também uma coisa sobrenatural que os corpos devam se


atrair uns aos outros à distância, sem nenhum meio intermediário,
e que um corpo deva se mover sem recuar na tangente, embora
nada o impeça de recuar assim. Pois esses efeitos não podem ser
explicados pela natureza das coisas.

46. Por que deveria ser impossível explicar o movimento dos


animais por forças naturais? Embora, de fato, o surgimento dos
animais não seja menos inexplicável pelas forças naturais do que
o início do mundo.

P.S. Todos aqueles que defendem a idéia de um vácuo são mais


influenciados pela imaginação do que pela razão. Quando eu era jovem,
também cedi às noções de vácuo e de átomos, mas a razão me trouxe para o
caminho certo, Elas eram uma agradável fantasia. Os homens não levam
suas investigações além daquelas duas coisas: eles (por assim dizer) fixam
seus pensamentos nelas; imaginam que descobriram os primeiros elementos
das coisas, um non plus ultra[14]. A natureza não poderia ir mais além e seria
finita, do mesmo modo que a nossa mente; mas dizer isso é ignorar a
grandeza e a majestade do autor das coisas. O menor corpúsculo é, na
verdade, subdivisível ao infinito e contém um mundo de outras criaturas
que faltariam ao universo, se esse corpúsculo fosse um átomo, ou seja, um
corpo de uma peça inteira e indivisível. Da mesma maneira, admitir um
vácuo na natureza é imputar a Deus uma obra muito imperfeita; é violar o
grande princípio da necessidade de uma razão suficiente, do qual muitos
têm falado sem compreender sua verdadeira força; como tenho
demonstrado ultimamente ao provar, por esse princípio, que o espaço é
apenas uma ordem das coisas – como o tempo também o é – e que ele não é
de modo algum um ser absoluto. Para deixar de lado muitos outros
argumentos contra o vácuo e os átomos, mencionarei aqui aqueles que
fundamento na perfeição de Deus e na necessidade de uma razão suficiente.
Eu estabeleço como princípio que toda perfeição que Deus poderia
transmitir às coisas, sem depreciar suas outras perfeições, foi realmente
transmitida a elas. Agora, vamos imaginar um espaço totalmente vazio.
Deus poderia ter colocado alguma matéria nele sem depreciar em nenhum
aspecto qualquer outra coisa; portanto, Ele realmente colocou alguma
matéria naquele espaço; por isso, não há espaço totalmente vazio; logo,
tudo está preenchido. O mesmo argumento prova que não existe um
corpúsculo, mas sim aquilo que é subdivisível. Acrescentarei outro
argumento fundamentado na necessidade de uma razão suficiente. É
impossível que haja qualquer princípio para determinar que proporção de
matéria deveria existir, entre todos os graus possíveis, desde um plenum a
um vácuo, ou de um vácuo a um plenum. Talvez se diga que aquele deve
ser igual a este, mas, como a matéria é mais perfeita que um vácuo, a razão
exige que se observe uma proporção geométrica e que haja muito mais
matéria que vácuo, de modo que a primeira merece ser preferida. Contudo,
não deve haver nenhum vácuo, pois a perfeição da matéria é comparável a
de um vácuo do mesmo modo que a de alguma coisa em relação a nada. E o
caso é o mesmo com os átomos: que razão alguém pode atribuir para limitar
a natureza na progressão da subdivisão? Trata-se de ficções, meramente
arbitrárias e indignas da verdadeira filosofia. As razões invocadas para
justificar um vácuo são meros sofismas.
Quarta resposta de Clarke (26 de junho de 1716)

1. [Resposta unificada com a próxima seção]

2. Essa noção leva à necessidade universal e ao destino, ao supor


que os motivos têm a mesma relação com a vontade de um
agente inteligente que os pesos têm com um equilíbrio, de modo
que, de duas coisas absolutamente indiferentes, um agente
inteligente não poderá optar por nenhuma das duas do mesmo
modo que um equilíbrio não pode se mover quando os pesos de
ambos os lados são iguais. Mas aqui reside uma diferença. Um
equilíbrio não é um agente, pois é meramente passivo e
controlado pelos pesos, de modo que, quando os pesos são iguais,
não há nada para movê-lo. Mas os seres inteligentes são agentes-
não-passivos, movidos por motivos do mesmo modo que um
equilíbrio o é por pesos – aqueles têm poderes ativos e se
movimentam, às vezes com base em motivos fortes, às vezes com
base em motivos fracos e às vezes quando as coisas são
absolutamente indiferentes. Neste último caso, pode haver muitos
bons motivos para agir, embora duas ou mais maneiras de agir
possam ser absolutamente indiferentes. Esse sábio autor supõe
sempre o contrário como um princípio, mas não dá nenhuma
prova disso, nem pela natureza das coisas nem pelas perfeições
de Deus.

3. [Resposta unificada com a próxima seção]

4. Esse argumento, se fosse verdadeiro, provaria que Deus não criou


nem pode criar nenhuma matéria. Pois as partes perfeitamente
sólidas de toda a matéria, se as considerarmos com igual figura e
dimensões (o que é sempre possível em suposição), seriam
exatamente idênticas e, portanto, seria perfeitamente indiferente
se fossem transpostas de lugar; e, consequentemente, seria
impossível (de acordo com o argumento desse sábio autor) que
Deus as colocasse naqueles lugares nos quais as colocou
realmente durante a criação, pois Ele poderia facilmente ter
transposto suas situações. É bem verdade que não há duas folhas
– e que talvez não haja duas gotas de água – que sejam
exatamente iguais, porque estes são corpos muito compostos.
Mas o caso é muito diferente em relação às partes de matéria
sólida simples. E, mesmo em relação aos compostos, não é
impossível para Deus produzir duas gotas de água exatamente
iguais. E, se Ele as fizesse exatamente iguais, contudo, elas nunca
se tornariam na mesma gota d’água porque seriam iguais. Nem o
lugar de uma seria o mesmo lugar da outra, embora fosse
absolutamente indiferente qual fosse o lugar em que se
encontrassem. O mesmo raciocínio vale para a determinação
original do movimento, dessa maneira ou da maneira contrária.

5. [Resposta unificada com a próxima seção]

6. Duas coisas, por serem exatamente iguais, não deixam de ser


duas. As partes do tempo são tão parecidas entre si quanto as do
espaço, mas dois pontos do tempo não são o mesmo ponto do
tempo, nem são dois nomes de apenas um mesmo ponto do
tempo. Se Deus tivesse criado o mundo somente neste momento,
ele não teria sido criado no momento em que foi criado. E se
Deus fez (ou pode fazer) matéria finita em dimensões, o universo
material deve, consequentemente, ser, em sua natureza, móvel,
porque nada do que é finito é inamovível. Dizer, portanto, que
Deus não poderia ter alterado o tempo ou o lugar da existência da
matéria é tornar a matéria necessariamente infinita e eterna e
reduzir todas as coisas à necessidade e ao destino.

7. O espaço extramundano (se o mundo material é finito em suas


dimensões) não é imaginário, mas real. Em um exaustor de
recepção, apesar dos raios de luz e, talvez, de alguma outra
matéria estarem lá em uma quantidade extremamente pequena,
ainda assim a falta de resistência mostra claramente que a maior
parte desse espaço é vazia de matéria. Pois a sutileza ou finura da
matéria não pode ser a causa da falta de resistência. O mercúrio é
tênue e consiste em partes finas e fluidas como a água, e ainda
assim gera mais de dez vezes a resistência desta; tal resistência
surge, portanto, da quantidade e não da grossura da matéria.

8. Um espaço vazio, sem corpo, é propriedade de uma substância


incorpórea. O espaço não é limitado por corpos, mas existe
igualmente dentro e fora dos corpos. O espaço não é delimitado
entre corpos, mas os corpos existentes no espaço não delimitado
são, eles mesmos, terminados apenas por suas próprias
dimensões.

9. O espaço vazio não é um atributo sem um sujeito, porque por


espaço vazio nunca queremos dizer espaço vazio de tudo, mas
vazio apenas de corpos. Em todo o espaço vazio Deus certamente
está presente, e possivelmente assim são muitas outras
substâncias que não são matéria, não sendo tangíveis nem objetos
de nenhum de nossos sentidos.

10. O espaço não é uma substância, mas uma propriedade, e,


se ele for uma propriedade daquilo que é necessário,
consequentemente (como todas as outras propriedades daquilo
que é necessário), existirá mais necessariamente (embora não
seja em si uma substância) do que aquelas substâncias mesmas
que não são necessárias. O espaço é imenso, imutável e eterno,
assim como a duração. No entanto, não se deduz daí que nada é
eterno hors de Dieu[15]. Pois espaço e duração não são hors de
Dieu, mas são causados por, e são consequências imediatas e
necessárias de, sua existência.[16] E sem eles sua eternidade e
ubiquidade (ou omnipresença) seria retirada.

11. [Resposta unificada com a próxima seção]


12. Os infinitos são compostos de finitos em nenhum outro
sentido a não ser como os finitos são compostos de
infinitesimais. Em que sentido o espaço tem ou não tem partes já
foi explicado antes (Terceira Resposta, Seção 3). As partes, no
sentido corpóreo da palavra, são separáveis, compostas, unidas,
independentes umas das outras e móveis; mas o espaço infinito,
embora possa ser parcialmente apreendido por nós, isto é, possa,
em nossa imaginação, ser concebido como composto de partes,
ainda que essas partes (impropriamente assim chamadas) sejam
essencialmente indiscerníveis e inamovíveis umas das outras e
não possam ser separadas sem uma contradição expressa em
termos (ver acima, Segunda Resposta, seção 4 e Terceira
Resposta, seção 3), o espaço é, em si mesmo, essencialmente
único e absolutamente indivisível.

13. Se o mundo é finito em dimensões, ele é movível pelo


poder de Deus e, portanto, meu argumento extraído dessa
mobilidade é conclusivo. Dois lugares, embora exatamente
iguais, não são o mesmo lugar. Nem o movimento ou repouso do
universo é o mesmo estado, assim como o movimento ou repouso
de um navio não é o mesmo estado, porque um homem fechado
na cabine não pode perceber se o navio navega ou não, desde que
este se mova uniformemente. O movimento do navio, embora o
homem não o perceba, é um estado realmente diferente e tem
efeitos muito diferentes, e, em caso de uma parada repentina,
teria outros efeitos reais – e, portanto, também um movimento
indiscernível com relação ao universo. A esse argumento nunca
foi dada nenhuma resposta. É amplamente insistido por Sir Isaac
Newton em seus Princípios Matemáticos (Definição 8) onde, a
partir da consideração das propriedades, causas e efeitos do
movimento, ele mostra a diferença entre o movimento real, ou o
um corpo sendo transportado de uma parte do espaço para outra,
e o movimento relativo, que é meramente uma mudança da
ordem ou situação dos corpos em relação uns aos outros. Esse
argumento é matemático, mostrando, a partir de efeitos reais, que
pode haver movimento real onde não há nenhum relativo, e
movimento relativo onde não há nenhum real; a resposta não
deve ser dada apenas afirmando o contrário.

14. A realidade do espaço não é uma suposição, mas é


provada pelos argumentos anteriores, aos quais não foi dada
nenhuma resposta. Tampouco é dada qualquer resposta a este
outro argumento, que o espaço e o tempo são quantidades, que
situação e ordem não o são.

15. Não seria impossível para Deus criar o mundo mais cedo
ou mais tarde do que o fez, nem é de todo impossível para Ele
destruí-lo mais cedo ou mais tarde do que ele será realmente
destruído. Quanto à noção de eternidade do mundo, aqueles que
supõem que a matéria e o espaço são a mesma coisa devem, de
fato, supor que o mundo não seja apenas infinito e eterno, mas
que ele é assim necessariamente, tão necessariamente quanto o
espaço e a duração, que não dependem da vontade, mas da
existência de Deus. Todavia aqueles que acreditam que Deus
criou a matéria na quantidade, no momento e no espaço que Ele
desejou não têm aqui nenhuma dificuldade. Porque a sabedoria
de Deus pode ter muitas boas razões para criar este mundo
naquele tempo particular em que Ele o criou, pode ter feito outros
tipos de coisas antes deste mundo material ter começado e
também pode fazer outros tipos de coisas depois que este mundo
for destruído.

16. [Resposta unificada com a próxima seção]

17. Que o espaço e o tempo não são a mera ordem das coisas,
mas quantidades reais (o que ordem e situação não são) foi
provado acima (Ver Terceira Resposta, seção 4, e neste
documento, seção 13), e ainda nenhuma resposta foi dada a essas
provas. Até que uma resposta seja dada a essas provas, a
afirmação desse sábio autor é (por sua própria confissão nessa
seção) uma contradição.
18. A uniformidade de todas as partes do espaço não é
argumento contra a ação de Deus em qualquer parte, da maneira
que Ele quiser. Deus pode ter boas razões para criar seres finitos,
e os seres finitos só podem estar em lugares particulares. E,
sendo todos os lugares originalmente semelhantes (ainda que o
lugar não seja nada mais que a situação dos corpos), o fato de
Deus colocar um cubo de matéria atrás de outro cubo de matéria
igual, ao invés do outro por trás daquele, é uma escolha que não é
de forma alguma indigna das perfeições de Deus, ainda que
ambas as situações sejam perfeitamente iguais, porque pode
haver muitas boas razões para que ambos os cubos possam
existir, e eles não podem existir senão em uma ou outra situação
igualmente razoável. O acaso epicuriano não é uma escolha da
vontade, mas uma necessidade cega do destino.

19. Este argumento (como observei aqui, na seção 3), se prova


algo, prova que Deus não fez nem pode criar matéria alguma,
porque a situação de partes iguais e semelhantes da matéria não
poderia deixar de ser originalmente indiferente, como também foi
a determinação original de suas moções desta maneira ou da
maneira contrária.

20. Não entendo o que isso tende a provar no que diz respeito
ao argumento perante nós.

21. Que Deus não pode limitar a quantidade de matéria é uma


afirmação de consequência demasiadamente grande para ser
admitida sem prova. Se Ele também não pode limitar a sua
duração, então o mundo material é ao mesmo tempo infinito e
eterno, necessariamente e independentemente de Deus.

22. [Resposta unificada com a próxima seção]

23. Esse argumento, se fosse bom, provaria que tudo o que


Deus pode fazer não pode deixar de fazer, e, consequentemente,
que Ele não pode deixar de fazer tudo de modo infinito e eterno.
Isso não faz dele nenhum governador, mas sim um mero agente
necessário, ou seja, nenhum agente de fato, mas mero destino,
natureza e necessidade.

24. [Resposta unificada com a seção 28]

25. [Resposta unificada com a seção 28]

26. [Resposta unificada com a seção 28]

27. [Resposta unificada com a seção 28]

28. Com relação ao uso da palavra sensorial (embora Sir Isaac


Newton diga apenas “como se fosse o sensorial”), já foi dito o
suficiente em minha Terceira Resposta, seção 10, na Segunda
Resposta, seção 3, e na Primeira Resposta, seção 3.

29. O espaço é o lugar de todas as coisas e de todas as idéias,


assim como a duração é a duração de todas as coisas e de todas as
idéias. Isso não tende a fazer de Deus a alma do mundo, veja
acima, Segunda Resposta, seg. 12. Não há união entre Deus e o
mundo. A mente do homem pode ser chamada com maior
propriedade de alma das imagens das coisas que ela percebe do
que Deus pode ser chamado de alma do mundo, ao qual Ele está
presente e age sobre ele como lhe apraz, sem sofrer ações dele.
Embora esta resposta tenha sido dada antes (Segunda Resposta,
seção 12), a mesma objeção é repetida uma e outra vez, sem que
a resposta seja percebida.

30. Eu não entendo o que se quer dizer por princípio


representativo. A alma discerne as coisas fazendo com que as
imagens das coisas lhe sejam transmitidas através dos órgãos do
sentido; Deus discerne as coisas estando presente às e nas
substâncias das próprias coisas – não produzindo-as
continuamente (pois Ele descansa agora de seu trabalho de
criação), mas sendo continuamente onipresente a tudo o que Ele
criou no início.
31. Que a alma não deve operar sobre o corpo, e ainda assim o
corpo por um mero impulso mecânico da matéria se conforma à
vontade da alma em toda a infinita variedade de movimentos
espontâneos dos animais, é um milagre perpétuo. A harmonia
pré-estabelecida é uma mera palavra ou termo artístico e nada
faz para explicar a causa de um efeito tão milagroso.

32. Supor que, no movimento animal espontâneo, a alma não


dá nenhum novo movimento ou impressão à matéria, mas que
todo movimento animal espontâneo é realizado por um impulso
mecânico da matéria, é reduzir todas as coisas ao mero destino e
necessidade. O fato de Deus agir no mundo sobre tudo, conforme
o que lhe agrada, sem nenhuma união e sem sofrer qualquer ação,
mostra claramente a diferença entre um governador onipresente e
uma alma imaginária do mundo.

33. Toda ação é (pela natureza das coisas) a doação de uma


nova força à coisa sobre a qual se atuou. Caso contrário, ela não é
realmente ação, mas mera passividade, como no caso de todas as
comunicações mecânicas e inanimadas de movimento. Se,
portanto, a doação de uma nova força é sobrenatural, então toda
ação de Deus é sobrenatural e Ele fica bastante excluído do
governo do mundo natural, e toda ação do homem ou é
sobrenatural ou então o homem é uma mera máquina, como um
relógio.

34. [Resposta unificada com a próxima seção]

35. A diferença entre a verdadeira noção de Deus e a de uma


alma do mundo já foi mostrada antes: Segunda Resposta seção 12
e, neste documento, secções 29 e 32.

36. Isso foi respondido logo acima, seção. 31.

37. A alma não é difundida através do cérebro, mas está


presente para aquele lugar em particular, que é o sensorium.
38. Essa é uma afirmação sem provas. Dois corpos
desprovidos de elasticidade se encontram com forças contrárias
iguais, ambos perdem seu movimento. E Sir Isaac Newton deu
um exemplo matemático (p. 341 da edição latina de sua Óptica)
no qual o movimento está continuamente diminuindo e
aumentando em quantidade, sem qualquer comunicação deste a
outros corpos.

39. Isso não é um defeito como se supõe aqui, mas é a


natureza justa e adequada da matéria inerte.

40. Esse argumento (se válido) prova que o mundo material


deve ser infinito e que ele deve ter existido desde a eternidade e
deve continuar eternamente, e que Deus deve sempre ter criado o
maior número possível de homens e de todas as outras coisas que
lhe foi possível criar e por tanto tempo quanto lhe foi possível
fazê-lo.

41. Não entendo qual é o significado destas palavras: “uma


ordem (ou situação) que torna os corpos capazes de serem
situados”. Parece-me ser o seguinte: essa situação é a causa da
situação. Que o espaço não é meramente a ordem dos corpos já
foi mostrado antes (Terceira Resposta, seções 2 e 4), e que
nenhuma resposta foi dada aos argumentos ali oferecidos foi
mostrado neste documento, seções 13 e 14. Também que o
tempo não é meramente a ordem das coisas que se sucedem é
evidente, porque a quantidade de tempo pode ser maior ou menor
e ainda assim essa ordem continua a mesma. A ordem das coisas
que sucedem umas às outras no tempo não é o próprio tempo,
pois podem suceder umas às outras mais rápida ou mais
lentamente na mesma ordem de sucessão, mas não no mesmo
tempo. Se nenhuma criatura existisse, ainda assim a ubiquidade
de Deus e a continuidade de sua existência fariam com que o
espaço e a duração fossem exatamente os mesmos que são agora.

42. Isso é um apelo da razão à opinião vulgar, o que os


filósofos não deveriam fazer, pois não é a regra da verdade.
43. A inusualidade está necessariamente incluída na noção de
um milagre. Pois de outra forma não há nada mais maravilhoso,
nem que requeira maior poder de ação, do que algumas das
coisas que chamamos de naturais, como os movimentos dos
corpos celestes, a geração e formação de plantas e animais, etc.
No entanto, elas não são milagres por essa única razão, pois são
comuns. No entanto, não se segue que tudo o que é incomum
seja, portanto, um milagre. Pois pode ser apenas o efeito irregular
e mais raro das causas usuais, das quais são eclipses, os
nascimentos monstruosos, a loucura nos homens, e inúmeras
coisas que o vulgar chama de prodígios.

44. Isso é uma concessão àquilo que eu propus. E ainda assim


é contrário à opinião comum dos teólogos supor que um anjo
pode realizar um milagre.

45. O fato de um corpo atrair outro sem nenhum meio


intermediário não é de fato um milagre, mas uma contradição,
pois é supor que algo deve agir onde não está. Mas os meios
pelos quais dois corpos atraem um ao outro podem ser invisíveis
e intangíveis, e de natureza diferente da dos mecanismos, e, no
entanto, agindo regular e constantemente, pode muito bem ser
chamado de natural, sendo muito menos maravilhoso do que o
movimento animal, que ainda assim nunca é chamado de
milagre.

46. Se a palavra forças naturais significa aqui forças


mecânicas, então todos os animais, e até mesmo os homens, são
tão simples máquinas quanto um relógio. Mas se a palavra não
significa forças mecânicas, então a gravitação pode ser realizada
por forças regulares e naturais, embora elas não sejam mecânicas.

N.B. Os argumentos apresentados no pós-escrito da quarta carta do Sr.


Leibniz já foram respondidos nas respostas anteriores. Tudo o que precisa
ser observado aqui é que sua noção sobre a impossibilidade de átomos
físicos (pois a questão não é sobre átomos matemáticos) é um manifesto
absurdo. Pois ou há ou não há partículas de matéria perfeitamente sólidas.
Se existem, então as partes de tais partículas perfeitamente sólidas,
consideradas de igual figura e dimensões (o que é sempre possível em
suposição), são perfeitamente iguais aos átomos físicos. Mas se não existem
tais partículas perfeitamente sólidas, então não há matéria alguma no
universo. Quanto mais adiante a divisão e subdivisão das partes de qualquer
corpo é levada antes de se chegar a partes perfeitamente sólidas e sem
poros, maior é a proporção de poros em relação à matéria sólida naquele
corpo. Se, portanto, se continuar a divisão ao infinito, nunca se chegará a
partes perfeitamente sólidas e sem poros, seguir-se-á que todos os corpos
consistem apenas de poros, sem qualquer matéria – o que é um manifesto
absurdo. E o argumento é o mesmo em relação à matéria da qual qualquer
espécie particular de corpos é composta, quer seus poros sejam
supostamente vazios ou sempre cheios de matérias alheias.
Quinta carta de Leibniz, sendo uma réplica à
quarta resposta de Clarke (18 de agosto de 1716)

Para as Seções 1 e 2 do Documento Precedente

1. Responderei, nesta ocasião, de forma mais ampla, para esclarecer


as dificuldades e testar se o autor está disposto a ouvir a razão e
mostrar que é um amante da verdade, ou se ele só vai tagarelar
sem nada esclarecer.

2. Ele frequentemente se esforça para imputar-me a necessidade e a


fatalidade, embora talvez ninguém tenha explicado melhor e mais
completamente do que eu, em minha Theodicéia, a verdadeira
diferença entre liberdade, contingência e espontaneidade, por um
lado, e necessidade absoluta, acaso e coação, por outro. Ainda
não sei se o autor faz isso porque o fará, independentemente do
que eu possa dizer, ou se o faz (supondo que seja sincero nessas
imputações) porque ainda não considerou devidamente minhas
opiniões. Logo descobrirei o que devo pensar sobre isso e
tomarei minhas providências em conformidade.

3. É verdade que as razões na mente de um ser sábio, e os motivos


em qualquer mente, realizam aquilo que corresponde ao efeito
produzido pelos pesos em um equilíbrio. O autor protesta que
essa noção leva à necessidade e à fatalidade. Mas ele o diz sem
provar e sem levar em conta as explicações que eu dei
anteriormente para remover as dificuldades que podem ser
levantadas sobre esse assunto.
4. Ele também parece brincar com termos equívocos. Há
necessidades que devem ser admitidas. Pois é preciso distinguir
entre necessidade absoluta e hipotética. Devemos também
distinguir entre uma necessidade que ocorre porque o oposto
implica uma contradição (tal necessidade é chamada lógica,
metafísica ou matemática) e uma necessidade que é moral, pela
qual um ser sábio escolhe o melhor e cada mente segue a mais
forte inclinação.

5. A necessidade hipotética é aquela que a suposição ou hipótese da


previsão e preordenação de Deus impõe sobre os contingentes
futuros. E isso deve necessariamente ser admitido, a menos que
neguemos, como fazem os socinianos, a presciência de Deus
sobre os futuros contingentes e sua providência que regula e
governa cada coisa em particular.

6. Mas nem essa antevidência nem essa preordenação derrogam a


liberdade. Pois Deus, movido por sua suprema razão em escolher
– dentre as muitas séries de coisas ou mundos possíveis – aquilo
pelo qual as criaturas livres assumem tais ou tais decisões,
embora não sem sua anuência, tornou, assim, cada evento certo e
determinado de uma vez por todas, sem com isso derrogar a
liberdade daquelas criaturas cujo simples decreto de escolha em
nada se altera, mas apenas atualiza suas livres naturezas, as quais
Ele vê em suas idéias.

7. Quanto à necessidade moral, ela também não derroga a liberdade.


Pois quando um ser sábio – e em especial Deus, que tem a
sabedoria suprema – escolhe o que é melhor, ele não é menos
livre por esse motivo; pelo contrário, essa é a liberdade mais
perfeita: não ser impedido de agir da melhor maneira. E quando
qualquer outro escolhe de acordo com o bem mais aparente e de
sua maior inclinação, ele imita nisso a liberdade de um ser
verdadeiramente sábio, na proporção de sua disposição. Sem
isso, a escolha seria uma sorte cega.
8. Mas o bem, seja verdadeiro ou aparente – em uma palavra, o
motivo –, o inclina sem que seja necessário, ou seja, sem impor
uma necessidade absoluta. Pois quando Deus (por exemplo)
escolhe o melhor, aquilo que Ele não escolhe, e que é inferior em
perfeição, é, no entanto, possível. Mas se a sua escolha fosse
absolutamente necessária, qualquer outra forma seria impossível
– o que é contrário à hipótese. Porque Deus escolhe entre as
possibilidades, ou seja, dentre as muitas maneiras, nenhuma das
quais implica uma contradição.

9. Mas dizer que Deus só pode escolher o que é melhor, e deduzir


disso que o que Ele não escolhe é impossível, isso, eu digo, é
confundir termos; é misturar poder e vontade, necessidade
metafísica e necessidade moral, essências e existências. Pois o
que é necessário o é por essência, porque o oposto implica uma
contradição; mas um contingente existente deve sua existência ao
princípio do que é o melhor, que é uma razão suficiente para a
existência das coisas. E por isso digo que os motivos se inclinam
sem que haja uma necessidade, e que existe uma certeza e
infalibilidade, mas não uma necessidade absoluta em coisas
contingentes. Acrescente-se a isso o que será dito a seguir, nas
seções 73 e 76.

10. E tenho demonstrado suficientemente em minha


Theodicéia que essa necessidade moral é uma coisa boa,
condizente com a perfeição divina, condizente com o grande
princípio ou fundamento das existências, que é o da necessidade
de uma razão suficiente, enquanto que a necessidade absoluta e
metafísica depende do outro grande princípio de nossos
raciocínios, a saber, o das essências, ou seja, o princípio da
identidade ou da contradição. Porque o que é absolutamente
necessário é o único modo possível, e seu contrário implica uma
contradição.

11. Também tenho demonstrado que nossa vontade nem


sempre segue exatamente o entendimento prático, porque pode
ter ou encontrar motivos para suspender a sua resolução até que
seja feito um novo exame.

12. Imputar-me depois disso a noção de uma necessidade


absoluta, sem ter nada a dizer contra as razões que acabo de
apresentar e que vão ao fundo das coisas, talvez além do que se
vê em outro lugar, isso, digo eu, seria uma obstinação irracional.

13. Quanto à noção de fatalidade que o autor também coloca a


meu cargo, essa é outra ambiguidade. Há um fatum
Mahometanum, um fatum Stoicum, e um fatum Christianum. O
destino turco produzirá um efeito, ainda que sua causa seja
evitada, como se existisse uma necessidade absoluta. O destino
estóico fará com que um homem fique quieto porque ele deve ter
paciência, quer queira quer não, já que é impossível resistir ao
curso das coisas. Mas concorda-se que há um fatum Christianum,
um certo destino de tudo, regulado pela presciência e providência
de Deus. Fatum deriva do fori, ou seja, pronunciar, decretar, e em
seu sentido correto significa o decreto da providência. E aqueles
que se submetem a ele através do conhecimento das perfeições
divinas, das quais o amor de Deus é uma consequência (uma vez
que este consiste no prazer que esse conhecimento proporciona),
não só têm paciência, como os filósofos pagãos, mas também
estão contentes com o que é ordenado por Deus, sabendo que Ele
faz tudo pelo melhor e não apenas pelo maior bem em geral, mas
também pelo maior bem particular daqueles que o amam.

14. Fui obrigado a alongar-me a fim de remover de uma vez


por todas as imputações mal fundamentadas, como espero poder
fazer com estas explicações, a fim de satisfazer as pessoas justas.
Chegarei agora a uma objeção levantada aqui contra minha
comparação dos pesos de um equilíbrio com os motivos da
vontade. Opõe-se que um equilíbrio é meramente passivo e
movido pelos pesos, enquanto os agentes inteligentes dotados de
vontade são ativos. A isso respondo que o princípio da
necessidade de uma razão suficiente é comum tanto aos agentes
quanto aos pacientes; eles precisam de uma razão suficiente para
sua ação, assim como para sua paixão. Um equilíbrio não só não
age quando é puxado igualmente de ambos os lados, mas os
pesos iguais também não agem quando estão em equilíbrio, de
modo que um deles não pode descer sem que os outros se ergam
ao mesmo tempo.

15. Também deve ser considerado que, propriamente falando,


os motivos não agem sobre a mente da mesma maneira que os
pesos agem sobre um equilíbrio, mas é a mente que age em
virtude dos motivos, que são suas disposições para agir. E,
portanto, afirmar, como o autor o faz aqui, que a mente às vezes
prefere os motivos fracos aos fortes, e mesmo que ela prefere o
que é indiferente diante dos motivos, isso, digo eu, é separar a
mente dos motivos, como se eles estivessem fora da mente tal
como o peso é distinto do equilíbrio e como se a mente tivesse,
além dos motivos, outras disposições para agir em virtude das
quais ela poderia rejeitar ou aceitar os motivos. Enquanto que, na
verdade, os motivos abrangem todas as disposições que a mente
pode ter para agir voluntariamente, porque incluem não apenas as
razões, mas também as inclinações decorrentes de paixões ou de
outras impressões precedentes. Por essa razão, se a mente
preferisse uma inclinação fraca a uma inclinação forte, ela agiria
contra si mesma e de modo diferente do que ela está disposta a
agir. Isso mostra que as noções do autor, ao contrário das minhas,
são superficiais e parecem não ter solidez quando são bem
consideradas.

16. Afirmar também que a mente pode ter boas razões para
agir quando não tem motivos e quando as coisas são
absolutamente indiferentes, como o autor expõe aqui, isso, digo
eu, é uma evidente contradição. Pois se a mente tem boas razões
para tomar parte, então as coisas não são indiferentes à mente.

17. E afirmar que a mente agirá quando tiver razões para agir,
embora as formas de agir sejam absolutamente indiferentes, isso,
digo eu, é falar novamente de forma muito superficial e de uma
maneira que não pode ser defendida. Pois um homem nunca tem
uma razão suficiente para agir quando também não tem uma
razão suficiente para agir de uma certa maneira particular, cada
ação sendo individual e não geral, nem se abstraindo de suas
circunstâncias, mas sempre precisando de alguma maneira
particular de ser posta em execução. Por isso, quando há uma
razão suficiente para fazer qualquer coisa em particular, há
também uma razão suficiente para fazê-lo de uma certa maneira
particular; e, consequentemente, várias maneiras de fazê-lo não
são indiferentes. Tão frequentemente quanto um homem tem
razões suficientes para uma única ação, ele também tem razões
suficientes para todas as suas exigências. Veja também o que vou
dizer abaixo, na seção 66.

18. Esses argumentos são muito óbvios, e é muito estranho


acusar-me de avançar meu princípio da necessidade de uma razão
suficiente sem nenhuma prova retirada da natureza das coisas ou
das perfeições divinas. Pois a natureza das coisas exige que cada
evento tenha previamente suas próprias condições, exigências e
disposições, a existência das quais constitui a razão suficiente de
tal evento.

19. E a perfeição de Deus exige que todas as suas ações sejam


agradáveis à sua sabedoria e que não se possa dizer dEle que
tenha agido sem razão, ou mesmo que Ele tenha preferido uma
razão mais fraca antes de um mais forte.

20. No entanto, falarei mais amplamente, na conclusão deste


documento, sobre a solidez e a importância deste grande
princípio da necessidade de uma razão suficiente para cada
evento, cujo destronamento destruiria a melhor parte de toda
filosofia. É, portanto, muito estranho que o autor diga que sou
culpado de petitio principii, e parece claramente que ele deseja
manter opiniões indefensáveis, pois está limitado a negar aquele
grande princípio que é um dos princípios mais essenciais da
razão.

Para as Seções 3 e 4
21. Deve-se confessar que, embora esse grande princípio
tenha sido reconhecido, ainda não foi suficientemente utilizado.
Essa é em grande medida a razão pela qual a filosofia
primeira[17] não tem sido até agora tão frutífera e demonstrativa
como deveria ser. Eu inferi desse princípio, entre outras
consequências, que não há, na natureza, dois seres reais,
absolutos, indiscerníveis um do outro, porque, se houvesse, Deus
e a natureza agiriam sem razão ao tratar um de forma diferente do
outro, e que, portanto, Deus não produz dois pedaços de matéria
perfeitamente iguais e semelhantes. O autor responde a essa
conclusão sem refutar sua razão, e ele responde com uma objeção
muito fraca. “Esse argumento”, diz ele, “se fosse verdade,
provaria que seria impossível a Deus criar qualquer matéria. Pois
as partes perfeitamente sólidas da matéria, se as considerarmos
de igual figura e dimensões (o que é sempre possível em
suposição), seriam exatamente idênticas.” Mas trata-se,
manifestamente, de uma petitio principii supor que há uma
semelhança perfeita, a qual, de acordo comigo, não pode ser
admitida. Essa suposição de dois indiscerníveis, como a de dois
pedaços de matéria perfeitamente semelhantes, parece realmente
possível em termos abstratos, mas não é consistente com a ordem
das coisas, nem com a sabedoria divina pela qual nada é admitido
sem razão. As pessoas vulgares fantasiam tais coisas porque se
contentam com noções incompletas. E essa é uma das falhas dos
atomistas.

22. Ademais, eu não admito que na matéria haja partes


perfeitamente sólidas, ou que sejam as mesmas por completo,
sem qualquer variedade ou movimento particular em suas partes,
como os pretensos átomos são imaginados. Supor tais corpos é
outra opinião popular mal fundamentada. De acordo com minhas
demonstrações, cada parte da matéria é na verdade subdivisível
em partes diferentemente móveis, e nenhuma delas é
perfeitamente igual a outra.
23. Eu disse que, nas coisas sensíveis, nunca é possível
encontrar duas folhas indiscerníveis uma da outra, que (por
exemplo) duas folhas em um jardim ou duas gotas de água
perfeitamente iguais não podem ser encontradas. O autor
reconhece isso quanto às folhas e talvez quanto às gotas de água.
Mas ele poderia tê-lo admitido sem qualquer hesitação, sem um
talvez (um italiano diria senza forse), em relação às gotas de água
da mesma maneira.

24. Acredito que essas observações gerais sobre as coisas


sensíveis também são proporcionais às coisas insensíveis, e que
se pode dizer a este respeito o que diz o Harlequin no Emperor of
the Moon[18]: está lá, assim como está aqui. E é uma grande
objeção contra a existência dos indiscerníveis que não se
encontre nenhuma ocorrência deles. Mas o autor se opõe a essa
consequência, porque (ele diz) corpos sensíveis são compostos,
enquanto que ele afirma que há corpos insensíveis que são
simples. Eu respondo novamente que não admito corpos simples.
Não há nada simples, na minha opinião, além de verdadeiras
mônadas, as quais não têm partes nem extensão. Corpos simples,
e mesmo os perfeitamente semelhantes, são uma consequência da
falsa hipótese de um vácuo e de átomos, ou da filosofia
preguiçosa, a qual não leva suficientemente a cabo a análise das
coisas e das fantasias que se podem alcançar com os primeiros
elementos materiais da natureza, porque nossa imaginação ficaria
satisfeita com isso.

25. Quando nego que existem duas gotas de água


perfeitamente iguais, ou quaisquer outros dois corpos
indiscerníveis um do outro, não digo que seja absolutamente
impossível supô-los, mas que é uma coisa contrária à sabedoria
divina, e que, consequentemente, isso não existe.

Para as Seções 5 e 6

26. Admito que, se duas coisas perfeitamente indiscerníveis


uma da outra existissem, seriam duas, mas essa suposição é falsa
e contrária ao grande princípio da razão. Os filósofos vulgares
estavam enganados quando acreditaram que existem coisas
diferentes solo numero[19], ou apenas por serem duas, e desse erro
surgiram suas perplexidades sobre o que eles chamavam
de princípio da individuação. A metafísica tem sido geralmente
tratada como uma ciência de meras palavras, como um dicionário
filosófico, sem entrar na discussão das coisas. A filosofia
superficial, tal como a dos atomistas e vacuistas, forja coisas que
razões superiores não admitem. Espero que minhas
demonstrações mudem a face da filosofia, não obstante as fracas
objeções que o autor levanta aqui contra mim.

27. As partes do tempo ou lugar consideradas em si mesmas


são coisas ideais, e por isso se assemelham perfeitamente umas
às outras como duas unidades abstratas. Mas não é assim com
duas concretas, ou com dois tempos reais, ou com dois espaços
preenchidos, ou seja, verdadeiramente reais.

28. Não digo que dois pontos do espaço são um e o mesmo


ponto, nem que dois instantes do tempo são um e o mesmo
instante, como o autor parece me acusar de dizer. Mas um
homem pode imaginar, por falta de conhecimento, que há dois
instantes diferentes onde há apenas um; da mesma forma – como
observei na seção dezessete da resposta anterior – que
frequentemente em geometria supomos dois, para representar o
erro de um refutador, quando realmente há apenas um. Se algum
homem supõe que uma linha reta corta outra em dois pontos, será
constatado depois de tudo que esses dois pontos simulados
deverão coincidir e marcar apenas um ponto.

29. Eu demonstrei que o espaço nada mais é do que uma


ordem de existência das coisas observadas como existentes
juntas, e, portanto, a ficção de um universo material finito
avançando em um espaço vazio infinito não pode ser admitida.
Ela é totalmente irracional e impraticável. Pois, além do fato de
que não existe um espaço real fora do universo material, tal ação
seria sem qualquer design dentro dele; estaria funcionando sem
nada fazer, agendo nihil agere[20]. Não haveria nenhuma mudança
que pudesse ser observada por qualquer pessoa. Essas são
imaginações de filósofos que têm noções incompletas, que fazem
do espaço uma realidade absoluta. Os meros matemáticos que são
tomados apenas pelos conceitos da imaginação estão aptos a
forjar tais noções, mas elas são destruídas pelas razões
superiores.

30. Absolutamente falando, parece que Deus pode tornar o


universo material finito em extensão, mas o contrário parece mais
agradável à sua sabedoria.

31. Eu não concedo que todo finito seja móvel. De acordo


com a hipótese de meus próprios adversários, uma parte do
espaço, embora finito, não é móvel. O que é móvel deve ser
capaz de mudar sua situação em relação a outra coisa e estar em
um novo estado discernível do primeiro; caso contrário, a
mudança é apenas uma ficção. Um finito móvel deve, portanto,
fazer parte de outro finito, de modo que qualquer mudança que
possa ser observada possa acontecer.

32. Descartes sustenta que a matéria é ilimitada, e eu não acho


que ele tenha sido suficientemente contestado. E, embora isso lhe
seja concedido, não se segue que a matéria seja necessária, nem
que exista desde toda a eternidade, já que essa difusão ilimitada
da matéria seria apenas um efeito da escolha de Deus, julgando
que seria o melhor.

Para a Seção 7

33. Já que o espaço em si é uma coisa ideal como o tempo, o


espaço fora do mundo deve necessariamente ser imaginário,
como os próprios professores reconheceram. O caso é o mesmo
com o espaço vazio dentro do mundo, que eu também considero
imaginário, pelas razões antes aduzidas.
34. O autor se opõe ao vácuo descoberto pelo Sr. Guericke de
Magdeburg[21], que é obtido ao bombear o ar de um receptor, e ele
afirma que existe realmente um vácuo perfeito ou um espaço sem
matéria (pelo menos em parte) nesse receptor. Os aristotélicos e
cartesianos, que não admitem um verdadeiro vácuo, disseram em
resposta a essa experiência do Sr. Guericke, bem como à de
Torricelli de Florença[22] (que esvaziou o ar de um tubo de vidro
com a ajuda do mercúrio), que não há nenhum vácuo no tubo ou
no receptor, uma vez que o vidro tem pequenos poros que os
feixes de luz, os efluentes do ímã, e outros fluidos muito finos
podem passar. Eu concordo com a opinião deles e acho que o
receptor pode ser comparado a uma caixa cheia de buracos e
dentro da água, com peixes ou outros corpos brutos fechados
nela, os quais, ao serem retirados, têm seu lugar, no entanto,
preenchido com água. Há apenas esta diferença: embora a água
seja fluida e mais produtiva do que aqueles corpos brutos, ainda
assim ela é tão pesada e maciça, se não mais, do que eles,
enquanto que a matéria que entra no receptor para ocupar espaço
do ar é muito mais sutil. Os novos partidários de um vácuo
avançam em resposta a esse exemplo que não é a grossura da
matéria, mas sua mera quantidade que faz resistência e,
consequentemente, que há necessariamente mais vácuo onde há
menos resistência. Eles acrescentam que a sutileza da matéria não
tem nada a ver aqui e que as partículas de mercúrio são tão sutis e
finas quanto as da água, e ainda assim esse mercúrio resiste cerca
de dez vezes mais. A isso respondo que não é tanto a quantidade
de matéria mas sua dificuldade de dar lugar que faz a resistência.
Por exemplo, a madeira flutuante contém menos matéria pesada
do que uma quantidade igual de água, e no entanto ela faz mais
resistência a um barco do que o faz a água.

35. E quanto ao mercúrio, é verdade que ele contém cerca de


quatorze vezes mais matéria pesada do que um volume igual de
água, mas não se segue que ele contém catorze vezes mais
matéria absolutamente. Pelo contrário, a água contém a mesma
quantidade de matéria, se incluirmos tanto sua própria matéria,
que é pesada, quanto a matéria estranha vazia de peso que passa
por seus poros. Porque tanto o mercúrio quanto a água são
massas de matéria pesada, cheias de poros, através das quais
passa uma grande quantidade de matéria sem peso (e que não faz
nenhuma resistência sensível), como provavelmente acontece
com os raios de luz e com outros fluidos insensíveis, e
especialmente com aquilo que é em si mesmo a causa da
gravidade dos corpos pesados ao recuar do centro em direção ao
qual conduz esses corpos. Com efeito, é uma estranha
imaginação afirmar que toda a matéria gravita, e isso em direção
a toda outra matéria, como se cada corpo atraísse igualmente
todos os outros corpos de acordo com suas massas e distâncias, e
isso através de uma atração propriamente dita, que não deriva de
um impulso oculto dos corpos, ao passo que a gravidade dos
corpos sensíveis em direção ao centro da Terra deveria ser
produzida pelo movimento de algum fluido. E o caso deve ser o
mesmo com outras gravidades, tais como a dos planetas em
direção ao sol ou em direção uns aos outros. (Um corpo nunca é
movido naturalmente exceto por outro corpo que o toca e o
empurra; depois disso, ele continua até ser impedido por outro
corpo que o toca. Qualquer outro tipo de operação sobre os
corpos é milagrosa ou imaginária).

Para as Seções 8 e 9

36. Protestei que o espaço, tomado por algo real e absoluto


sem corpos, seria uma coisa eterna, inalterável e independente de
Deus. O autor tenta escapar dessa dificuldade dizendo que o
espaço é uma propriedade de Deus. Em resposta a isso eu disse,
em meu documento anterior, que a propriedade de Deus é a
imensidão, mas que o espaço (que muitas vezes é proporcional
aos corpos) e a imensidão de Deus não são a mesma coisa.

37. Protestei ainda que se o espaço fosse uma propriedade e o


espaço infinito fosse a imensidão de Deus, o espaço finito seria a
extensão ou a mensurabilidade de algo finito. E, portanto, o
espaço ocupado por um corpo seria a extensão desse corpo. Isso é
um absurdo, uma vez que um corpo pode mudar de espaço, mas
não pode abandonar sua extensão.

38. Também perguntei: se o espaço é uma propriedade, de que


coisa é propriedade um espaço vazio limitado (como o que meu
adversário imagina em um receptor exausto)? Não parece
razoável dizer que esse espaço vazio, seja ele redondo ou
quadrado, seja uma propriedade de Deus. Será então, talvez, a
propriedade de algumas substâncias imateriais, estendidas,
imaginárias, que o autor parece fantasiar nos espaços
imaginários?

39. Se o espaço é propriedade ou afecção da substância que


está no espaço, o mesmo espaço será, às vezes, a afecção de um
corpo, às vezes de outro corpo, às vezes de uma substância
imaterial, e às vezes, talvez, do próprio Deus, quando for vazio
de toda outra substância, material ou imaterial. Mas essa é uma
estranha propriedade ou afecto, que passa de um sujeito para
outro. Assim, os sujeitos deixariam de lado seus acidentes, como
roupas, para que outros sujeitos pudessem vesti-los. Neste ritmo,
como devemos distinguir acidentes e substâncias?

40. E se os espaços limitados são os afectos de substâncias


limitadas que estão neles, e se o espaço infinito é uma
propriedade de Deus, uma propriedade de Deus deverá (o que é
muito estranho) ser constituída pelos afectos das criaturas,
porque todos os espaços finitos tomados em conjunto formam um
espaço infinito.

41. Mas se o autor nega que o espaço limitado seja um afecto


de coisas limitadas, também não será razoável que o espaço
infinito seja o afecto ou a propriedade de uma coisa infinita. Eu
sugeri todas essas dificuldades em meu texto anterior, mas não
me parece que o autor tenha se esforçado para respondê-las.

42. Ainda tenho outras razões contra essa estranha imaginação


de que o espaço é uma propriedade de Deus. Se for assim, o
espaço pertence à essência de Deus. Mas o espaço tem partes;
portanto, haveria partes na essência de Deus. Spectatum admissi.
[23]

43. Ademais, às vezes os espaços estão vazios e às vezes


preenchidos. Portanto, haverá, na essência de Deus, partes às
vezes vazias e às vezes cheias e, consequentemente, sujeitas a
uma mudança perpétua. Corpos que preenchem espaço
encheriam parte da essência de Deus e seriam proporcionais a
ela; e, na suposição de um vácuo, parte da essência de Deus
estaria dentro do receptor. Um Deus assim tendo partes se
pareceria muito com o deus dos estóicos, que era o universo
inteiro considerado como um animal divino.

44. Se o espaço infinito é a imensidão de Deus, o tempo


infinito será a eternidade de Deus; e por isso deveríamos dizer
que o que está no espaço está na imensidão de Deus, e,
consequentemente, em sua essência, e que o que está no tempo
(na eternidade de Deus) está também na essência de Deus.
Expressões estranhas, que mostram claramente que o autor faz
um uso errado dos termos.

45. Darei outro exemplo disso. A imensidão de Deus o faz


realmente presente em todos os espaços. Mas, agora, se Deus está
no espaço, como se pode dizer que o espaço está em Deus ou que
é uma propriedade de Deus? Ouvimos muitas vezes que uma
propriedade está em seu sujeito, mas nunca ouvimos dizer que
um sujeito está em sua propriedade. Da mesma forma, Deus
existe em todos os tempos. Como então o tempo pode estar em
Deus, e como pode ser uma propriedade de Deus? Estes
são alloglossies[24] perpétuos.

46. Parece que o autor confunde a imensidão, ou a extensão


das coisas, com o espaço de acordo com o qual essa extensão é
tomada. O espaço infinito não é a imensidão de Deus; o espaço
finito não é a extensão dos corpos, como o tempo não é sua
duração. As coisas mantêm sua extensão, mas nem sempre
mantêm seu espaço. Tudo tem sua própria extensão, sua própria
duração, mas não tem seu próprio tempo e nem sempre mantém
seu próprio espaço.

47. Mostrarei aqui como os homens vêm a formar a noção de


espaço para si próprios. Eles consideram que muitas coisas
existem ao mesmo tempo, e observam nelas uma certa ordem de
convivência, segundo a qual a relação de uma coisa com a outra é
mais ou menos simples. Essa ordem é a sua situação ou distância.
Quando acontece que uma dessas coisas coexistentes muda sua
relação com uma multidão de outras que não mudam sua relação
entre si, e que outra coisa, recém-chegada, adquire a mesma
relação com as outras que a primeira tinha, então dizemos que ela
entra no lugar da primeira; e essa mudança chamamos de uma
moção naquele corpo, sendo esta a causa imediata da mudança. E
embora muitas ou mesmo todas as coisas coexistentes possam
mudar, segundo certas regras conhecidas, de direção e
velocidade, ainda assim pode-se sempre determinar a relação de
situação que todo coexistente adquire com respeito a qualquer
outro coexistente, e até mesmo aquela relação que um outro
coexistente teria com este, ou que este teria com um outro, se não
tivesse mudado ou se tivesse mudado de outra maneira qualquer.
E supondo ou imaginando que entre esses coexistentes exista um
número suficiente deles que não sofreu nenhuma mudança, então
podemos dizer que aqueles que têm uma relação com esses
existentes fixos, tal como outros tinham com eles antes, têm
agora o mesmo lugar que eles tinham. E aquilo que compreende
todos esses lugares é chamado de espaço. Isso mostra que, para
se ter uma idéia do lugar e, consequentemente, do espaço, é
suficiente considerar essas relações e as regras de suas mudanças,
sem necessidade de se imaginar qualquer realidade absoluta a
partir das coisas cuja situação consideramos. Para dar uma
espécie de definição: o lugar é aquele que dizemos ser o mesmo
para A e para B quando a relação da coexistência de B com C, E,
F, G, etc. concorda perfeitamente com a relação da coexistência
que A teve com o mesmo C, E, F, G, etc., supondo que não houve
nenhuma causa de mudança em C, E, F, G, etc. Pode-se dizer
também, sem entrar em qualquer outra particularidade, que lugar
é aquilo que é o mesmo em diferentes momentos para diferentes
coisas existentes, quando as relações de coexistência delas com
certos outros existentes, que supostamente devem continuar fixos
de um desses momentos para o outro, concordam inteiramente
entre si. E os existentes fixos são aqueles em que não houve
causa de qualquer mudança na ordem de sua coexistência com
outros, ou (o que é a mesma coisa) em que não houve
movimento. Finalmente, o espaço é aquele que resulta de lugares
considerados em conjunto. E aqui pode não ser errado considerar
a diferença entre o lugar e a relação de situação que está no corpo
que preenche o lugar. Porque o lugar de A e B é o mesmo,
enquanto a relação de A com os corpos fixos não é precisa e
individualmente a mesma que a relação que B (que entra em seu
lugar) terá com os mesmos corpos fixos; mas estas relações
apenas concordam. Pois dois sujeitos diferentes, como A e B, não
podem ter exatamente o mesmo afecto individual, já que é
impossível que o mesmo acidente individual esteja em dois
sujeitos ou passe de um sujeito para outro. Mas a mente, não
contente com um acordo, procura por uma identidade, por algo
que deveria ser verdadeiramente o mesmo, e a concebe como
sendo extrínseca aos sujeitos; e isto é o que chamamos de lugar e
espaço. Mas isso só pode ser uma coisa ideal, contendo uma certa
ordem, na qual a mente concebe a aplicação das relações. De
forma semelhante, a mente pode imaginar para si própria uma
ordem feita de linhas genealógicas, cujo tamanho consistiria
apenas no número de gerações, nas quais cada pessoa teria seu
lugar; e se a esta se acrescentar a ficção de uma metempsicose e
introduzir novamente as mesmas almas humanas, as pessoas
nessas linhas poderão mudar de lugar; aquele que foi pai ou avô
poderá tornar-se filho ou neto, etc. E, no entanto, esses lugares,
linhas e espaços genealógicos, embora devam expressar a
verdade real, só seriam coisas ideais. Vou apresentar outro
exemplo para mostrar como a mente usa, por ocasião de
acidentes que estão nos sujeitos, a fantasia de algo que possa
responder a esses acidentes fora dos sujeitos. A relação ou
proporção entre duas linhas L e M pode ser concebida de três
maneiras: como uma relação do maior L para o menor M; como
uma relação do menor M para o maior L; e finalmente como algo
abstraído de ambas, ou seja, como a relação entre L e M sem
considerar qual é o antecedente ou qual o consequente, qual o
sujeito e qual o objeto. E assim é que as proporções são
consideradas na música. Na primeira forma de considerá-las, L
sendo a maior, na segunda, M a menor: este é o assunto daquele
acidente que os filósofos chamam de relação. Mas qual deles será
o sujeito na terceira maneira de considerá-las? Não se pode dizer
que ambas, L e M juntas, sejam objeto de tal acidente; pois, se
assim fosse, deveríamos ter um acidente em dois sujeitos, com
uma parte em um e a outra no outro, o que é contrário à noção de
acidente. Portanto, devemos dizer que esta relação, nesta terceira
maneira de considerá-la, está de fato fora dos sujeitos; contudo,
não sendo nem uma substância nem um acidente, deve ser uma
mera coisa ideal, cuja consideração é, no entanto, útil. Para
concluir, fiz aqui algo parecido com Euclides, que, não sendo
capaz de fazer seus leitores entenderem perfeitamente qual é a
razão absolutamente no sentido dos geômetras, define o que são
as próprias razões. Assim, da mesma forma, para explicar qual é
o lugar, tenho me contentado em definir o que é o próprio lugar.
Finalmente, observo que os vestígios de corpos móveis, que eles
deixam às vezes sobre os imóveis sobre os quais são movidos,
deram aos homens a oportunidade de formar tal idéia em suas
imaginações, como se alguns vestígios ainda permanecessem,
mesmo quando não existe nada imóvel. Mas isso é simplesmente
uma coisa ideal e só importa que, se houvesse alguma coisa não
movimentada lá, o vestígio poderia estar marcado nela. E é essa
analogia que faz com que os homens se interessem por lugares,
vestígios e espaços, embora essas coisas consistam apenas na
verdade das relações, e não em nenhuma realidade absoluta.

48. Para concluir, se o espaço (que o autor fantasia) vazio de


todos os corpos não está completamente vazio, de que é que ele
está então cheio? Será que ele está cheio de espíritos estendidos,
ou de substâncias imateriais capazes de se estenderem e se
contraírem, que se movem ali e penetram umas nas outras sem
qualquer inconveniente, como as sombras de dois corpos
penetram umas nas outras na superfície de uma parede? Acho
que vejo o renascimento da estranha fantasia do Dr. Henry More
(de outro modo, um homem culto e bem intencionado), e de
alguns outros que imaginavam que esses espíritos poderiam se
tornar impenetráveis quando quisessem. Algumas pessoas
imaginaram que o homem, no seu estado de inocência, também
tinha o dom da penetrabilidade, e que ele se tornou sólido, opaco
e impenetrável por causa de sua queda. Será que não estamos
derrubando nossas noções das coisas para fazer com que Deus
tenha partes, para fazer com que os espíritos tenham extensão? O
princípio da necessidade de uma razão suficiente, por si só, afasta
todos esses espectros da imaginação. Os homens se deparam
facilmente com ficções por falta de fazer um uso correto desse
grande princípio.

Para a Seção 10

49. Não se pode dizer que [uma certa] duração é eterna, mas
[pode-se dizer] que as coisas que se continuam são sempre
eternas [ganhando sempre uma nova duração]. O que quer que
exista de tempo e de duração [sendo sucessivo], perece
continuamente, e como pode existir eternamente uma coisa que
(para falar exatamente) nunca existe de todo? Como pode existir
uma coisa da qual nenhuma parte jamais existe? Nada do tempo
jamais existe a não ser instantes, e um instante nem mesmo é em
si próprio uma parte do tempo. Quem considerar essas
observações facilmente apreenderá que o tempo só pode ser uma
coisa ideal. E a analogia entre tempo e espaço facilmente fará
parecer que um é tão meramente ideal quanto o outro. [Mas,
quando se diz que a duração de uma coisa é eterna, pretende-se
apenas significar que a coisa perdura eternamente, eu não tenho
nada a dizer contra isso.]

50. Se a realidade do espaço e do tempo é necessária à


imensidão e à eternidade de Deus, se Deus deve estar no espaço,
se estar no espaço é uma propriedade de Deus, ele dependerá, em
certa medida, do tempo e do espaço e terá necessidade deles. Pois
eu já preveni esse subterfúgio – que o espaço e o tempo são [em
Deus e como] propriedades de Deus. [Poder-se-ia manter a
opinião de que os corpos se movem nas partes da essência
divina?]

Para as Seções 11 e 12

51. Eu contrapus que o espaço não pode estar em Deus porque


ele tem partes. Neste caso, o autor procura outro subterfúgio,
afastando-se do sentido recebido pelas palavras, alegando que o
espaço não tem partes porque suas partes não são separáveis e
não podem ser separadas umas das outras mediante
arrancamento. Mas basta que o espaço tenha partes, sejam elas
separáveis ou não, e elas podem ser designadas no espaço, seja
pelos corpos que estão nele ou por linhas e superfícies que
podem ser desenhadas e descritas nele.

Para a Seção 13

52. A fim de provar que o espaço sem corpos é uma realidade


absoluta, o autor objetou que um universo material finito poderia
avançar no espaço. Eu respondi que não parece razoável que o
universo material deva ser finito; e embora devêssemos supor
que ele seja finito, não é razoável que ele tenha movimento, a não
ser que suas partes mudem sua situação entre si, porque tal
movimento não produziria nenhuma mudança que pudesse ser
observada e seria sem design. É outra coisa quando suas partes
mudam sua situação entre si, pois então há um movimento no
espaço, porém ele consiste na ordem das relações que são
alteradas. O autor responde agora que a realidade do movimento
não depende de ser observada, e que uma nave pode ir adiante, e
ainda assim um homem que está na nave pode não percebê-la
conscientemente. Respondo que o movimento realmente não
depende de ser observado, mas depende da possibilidade de ser
observado. Não há movimento quando não há nenhuma mudança
que possa ser observada. E quando não há nenhuma mudança que
possa ser observada, não há nenhuma mudança. A opinião
contrária é fundamentada na suposição de um espaço real
absoluto, o que eu refutei demonstrativamente pelo princípio da
necessidade de uma razão suficiente das coisas.

53. Não encontro nada na oitava definição dos Princípios


Matemáticos da Natureza, nem no Escólio que lhe pertence, que
prove ou possa provar a realidade do espaço por si próprio. No
entanto, eu admito que existe uma diferença entre um movimento
real absoluto de um corpo e uma mera mudança relativa de sua
situação em relação a outro corpo. Porque, quando a causa
imediata da mudança está no corpo, esse corpo está realmente em
movimento, e então a situação de outros corpos, com respeito a
ele, será consequentemente mudada, embora a causa dessa
mudança não esteja neles. É verdade que, exatamente falando,
não há nenhum corpo que esteja perfeita e inteiramente em
repouso, mas nós formulamos uma noção abstrata de repouso,
considerando a coisa matematicamente. Portanto, não deixei nada
sem resposta sobre o que foi apresentado em relação à realidade
absoluta do espaço. E tenho demonstrado a falsidade dessa
realidade por um princípio fundamental, um dos mais corretos,
tanto na razão quanto na experiência, contra o qual nenhuma
exceção ou instância pode ser invocada. De modo geral, pode-se
julgar pelo que foi dito que não admito um universo móvel, nem
nenhum lugar fora do universo material.

Para a seção 14

54. Não estou ciente de nenhuma objeção a não ser aquelas


que creio ter respondido o suficiente. Quanto à objeção de que
espaço e tempo são quantidades, ou melhor, coisas dotadas de
quantidade, e que a situação e a ordem não são assim, respondo
que a ordem também tem sua quantidade: há nela o que precede e
o que se segue; há distância ou intervalo. As coisas relativas têm
sua quantidade, assim como as absolutas. Por exemplo, as razões
ou proporções em matemática têm sua quantidade e são medidas
por logaritmos, e ainda assim são relações. E, portanto, embora
tempo e espaço consistam em relações, ainda assim eles têm sua
quantidade.

Para a Seção 15

55. Quanto à questão de saber se Deus poderia ter criado o


mundo mais cedo, é necessário aqui que nos compreendamos
mutuamente de forma correta. Como tenho demonstrado que o
tempo sem as coisas não é nada mais que uma mera possibilidade
ideal, é manifesto que, se alguém dissesse que este mesmo
mundo que foi realmente criado poderia ter sido criado mais cedo
sem qualquer outra mudança, ele não diria nada que fosse
inteligível. Porque não há nenhuma marca ou diferença pela qual
seria possível saber que este mundo foi criado mais cedo. E,
portanto (como já disse), supor que Deus criou o mesmo mundo
mais cedo é supor uma coisa quimérica. É fazer do tempo uma
coisa absoluta, independente de Deus, enquanto que o tempo só
coexiste com as criaturas e só é concebido pela ordem e
quantidade de suas mudanças.

56. Mas, ainda assim, pode-se imaginar que um universo


começou mais cedo do que realmente começou. Suponhamos que
nosso universo ou qualquer outro seja representado pela Figura
AF,
e que a ordenada AB representa seu primeiro estado e as ordenadas
CD e EF representam seus estados seguintes; eu digo que se pode
imaginar que tal mundo começou mais cedo imaginando a figura
prolongada para trás, e acrescentando a ela SRABS. Pois assim, sendo
as coisas aumentadas, o tempo também será aumentado. Mas se esse
aumento é razoável e se concorda com a sabedoria de Deus é uma
outra questão à qual respondemos de forma negativa; caso contrário,
Deus teria feito tal aumento. Seria como se Humano capiti cervicem
pic tor equinam jungere si veiit.[25] O caso é o mesmo com relação à
destruição do universo. Como se pode conceber algo acrescentado ao
início, assim também se pode conceber algo retirado no final. Mas um
tal retraimento também não seria razoável.

57. Assim, parece que devemos entender que Deus criou as


coisas no momento que lhe agradou, porque isso depende das
coisas que Ele decidiu criar. Mas, uma vez resolvidas as coisas,
juntamente com suas relações, não resta mais escolha quanto ao
tempo e ao lugar, que por si só nada têm de real, nada que possa
distingui-las, nada que seja discernível.

58. Portanto, não se pode dizer, como o autor faz aqui, que a
sabedoria de Deus pode ter boas razões para criar este mundo
neste ou naquele momento em particular, já que aquele tempo em
particular, considerado sem as coisas, é uma ficção impossível, e
boas razões para uma escolha não podem ser encontradas onde
tudo é indiscernível.

59. Quando falo deste mundo, refiro-me a todo o universo de


criaturas materiais e imateriais tomadas em conjunto, desde o
início das coisas. Mas se alguém quer significar somente o
começo do mundo material, e supõe criaturas imateriais antes
dele, certamente terá um pouco mais de razão em sua suposição.
Porque o tempo, então, seria marcado por coisas que já existiam,
ele não seria mais indiferente, e poderia haver espaço para uma
escolha. E, no entanto, isso seria apenas um adiamento da
dificuldade. Porque no supor que todo o universo de criaturas
imateriais e materiais juntas tenha um começo, não há mais
escolha sobre o tempo em que Deus colocaria esse começo.

60. E, portanto, não se deve dizer, como faz o autor aqui, que
Deus criou as coisas em um espaço em particular e em um
momento particular que lhe agradou. Pois todos os tempos e
todos os espaços sendo em si mesmos perfeitamente uniformes e
indiscerníveis uns dos outros, um deles não pode ser mais
agradável do que o outro.

61. Não vou ampliar aqui a minha opinião, explicando em


outro lugar que não existem substâncias criadas totalmente
desprovidas de matéria. Porque considero com os antigos, e
segundo a razão, que anjos ou inteligências, e almas isoladas de
um corpo bruto têm sempre corpos sutis, embora eles próprios
sejam incorpóreos. A filosofia vulgar admite facilmente todo tipo
de ficção; a minha é mais rigorosa.

62. Eu não digo que matéria e espaço são a mesma coisa.


Apenas digo que não há espaço onde não há matéria e que o
espaço em si não é uma realidade absoluta. O espaço e a matéria
diferem como tempo e movimento. Entretanto, estas coisas,
embora diferentes, são inseparáveis.

63. Todavia, no entanto, não se segue que a matéria seja eterna


e necessária, a menos que suponhamos que o espaço seja eterno e
necessário – uma suposição mal fundamentada em todos os
aspectos.

Para as Seções 16 e 17

64. Creio ter respondido a tudo, e respondi particularmente a


essa objeção segundo a qual espaço e tempo têm quantidade e
que a ordem não tem nenhuma. Veja acima, n° 54.

65. Mostrei claramente que a contradição reside na hipótese


da opinião contrária, que procura uma diferença onde não há
nenhuma. E seria uma manifesta iniquidade inferir disso que eu
reconheci uma contradição em minha própria opinião.

Para a Seção 18

66. Aqui encontro novamente um argumento que eu derrubei


acima, no nº17. O autor diz que Deus pode ter boas razões para
criar dois cubos perfeitamente iguais e semelhantes, e então (ele
diz) que Deus deve necessariamente atribuir-lhes os seus lugares,
embora todos os outros aspectos sejam perfeitamente iguais. Mas
as coisas não devem ser separadas de suas circunstâncias. Esse
argumento consiste em noções incompletas. As resoluções de
Deus nunca são abstratas e imperfeitas, como se Deus decretasse
primeiro a criação dos dois cubos e depois fizesse outro decreto
indicando onde colocá-los. Os homens, sendo criaturas tão
limitadas como são, podem agir assim. Eles podem decidir sobre
uma coisa e, em seguida, se encontram perplexos sobre seus
meios, caminhos, lugares e circunstâncias. Mas Deus nunca toma
uma resolução sobre os fins sem resolver, ao mesmo tempo,
sobre os meios e todas as circunstâncias. Eu mostrei em
minha Theodicéia que, propriamente falando, existe apenas um
decreto para todo o universo, pelo qual Deus decidiu trazê-lo
para fora da possibilidade de existir. E, portanto, Deus não
escolherá um cubo sem escolher seu lugar ao mesmo tempo, e
Ele nunca escolherá entre os indiscerníveis.

67. As partes do espaço não são determinadas e distinguidas


apenas pelas coisas que estão nele, e a diversidade das coisas no
espaço determina que Deus aja de forma diferente em diferentes
partes do espaço. Mas o espaço sem coisas não tem nada pelo
qual possa ser distinguido e, de fato, não tem nada de real.

68. Se Deus decide colocar um determinado cubo de matéria,


ele também está decidido em que lugar particular colocá-lo. Mas
isso se dá em relação a outras partes da matéria, e não em relação
ao próprio espaço vazio, no qual não há nada que o distinga.

69. No entanto, a sabedoria não permite que Deus coloque ao


mesmo tempo dois cubos perfeitamente iguais e semelhantes,
pois não há como encontrar qualquer razão para atribuir-lhes
lugares diferentes. Nesse ritmo, existiria uma vontade sem um
motivo.
70. Uma vontade sem motivo (tal como raciocínios
superficiais que supõem estar em Deus) eu comparei com o acaso
de Epicuro. O autor responde que o acaso de Epicuro é uma
necessidade cega e não uma escolha da vontade. Eu respondo que
o acaso de Epicuro não é uma necessidade, mas algo indiferente.
Epicuro o trouxe de propósito, para evitar a necessidade. É
verdade que o acaso é cego, mas um desejo sem motivo não seria
menos cego e não menos devido ao mero acaso.

Para a Seção 19

71. O autor repete aqui o que já foi refutado acima, no nº 21,


que a matéria não pode ser criada sem a escolha de Deus entre os
indiscerníveis. Ele estaria no direito se a matéria consistisse em
átomos, partículas semelhantes ou outras ficções semelhantes da
filosofia superficial. Mas esse grande princípio que prova que
não há escolha entre os indiscerníveis também destrói essas
ficções mal concebidas.

Para a Seção 20

72. O autor objetou contra mim em sua Terceira Resposta (nº


7 e nº 8) que Deus não teria em si próprio um princípio de ação,
se ele fosse determinado por coisas externas. Eu respondi que as
idéias das coisas externas estão nele e que, por isso, Ele é
determinado por razões internas, ou seja, por sua Sabedoria. Mas
o autor aqui não entenderá com que fim eu o disse.

Para a Seção 21

73. Ele frequentemente confunde, em suas objeções contra


mim, o que Deus não fará com aquilo que Ele não pode fazer. Ver
acima, nº 9 [e abaixo, nº 76]. Por exemplo, Deus pode fazer tudo
o que é possível, mas Ele fará apenas o que é melhor. E, portanto,
não digo, como o autor aqui o quer, que Deus não pode limitar a
extensão da matéria, mas que provavelmente Ele não o fará e que
Ele achou melhor não estabelecer limites para a matéria.
74. Da extensão à duração, non valet consequentia[26]. Ainda
que a extensão da matéria fosse ilimitada, não se seguiria que sua
duração também fosse ilimitada; tampouco, mesmo na direção do
passado, não se seguiria que ela não tivesse início. Se é da
natureza das coisas, no conjunto, crescer uniformemente em
perfeição, o universo das criaturas deve ter tido um começo. E,
por isso, existirão razões para limitar a duração das coisas,
mesmo que não houvesse nenhuma que limitasse sua extensão.
Além disso, o fato de o mundo ter um começo não derroga o
infinito de sua duração a parte post, nem na direção do futuro,
mas os limites do universo derrogariam o infinito de sua
extensão. E, portanto, é mais razoável admitir um começo do
mundo do que admitir quaisquer limites dele, que o caráter de seu
autor infinito possa ser preservado em ambos os aspectos.

75. Entretanto, aqueles que admitiram a eternidade do mundo


ou, pelo menos (como fizeram alguns teólogos famosos), a
possibilidade de sua eternidade, não negaram, apesar de tudo, sua
dependência de Deus, como aqui o autor faz sem nenhum
fundamento.

Para as Seções 22 e 23

76. Ele aqui objetou ainda, sem nenhuma razão, que, de


acordo com minha opinião, o que quer que Deus possa fazer, Ele
deve necessariamente ter feito – como se ignorasse que eu
confutei solidamente essa noção em minha Theodicéia e que
derrubei a opinião daqueles que sustentam que não há nada
possível a não ser aquilo que realmente acontece, como alguns
antigos filósofos fizeram, e, entre outros, Diodoro em Cícero [00]
(Cícero, De Fato, cap. 17). O autor confunde necessidade moral,
que procede da escolha do que é melhor, com necessidade
absoluta; ele confunde a vontade de Deus com seu poder. Deus
pode produzir tudo o que é possível, ou o que não implica em
contradição, mas Ele só quer produzir aquilo que é o melhor
dentre as coisas possíveis. Veja o que foi dito acima, nº. 9 [e nº.
74].

77. Deus, portanto, não é um agente necessário na geração de


criaturas, uma vez que age com escolha. Entretanto, o que o autor
acrescenta aqui é mal fundamentado, a saber, que um agente
necessário não seria um agente de forma alguma. Ele
frequentemente afirma as coisas com ousadia e sem qualquer
fundamento, avançando [contra mim] noções que não podem ser
provadas.

Para as Seções 24-28

78. O autor alega que não foi afirmado que o espaço é “o


sensorium de Deus”, mas que é apenas “como se fosse o seu
sensorium”. O último parece ser tão impróprio e tão pouco
inteligível quanto o primeiro.

Para a Seção 29

79. O espaço não é o lugar de todas as coisas, pois não é o


lugar de Deus. Caso contrário, haveria uma coisa co-eterna com
Deus e independente dEle; não, Ele mesmo dependeria dele, se
tivesse necessidade de um lugar.

80. Também não vejo como se pode dizer que o espaço é o


lugar das idéias, pois as idéias estão no entendimento.

81. É também muito estranho dizer que a alma do homem é a


alma das imagens que ele possui. As imagens, que estão no
entendimento, estão na mente, mas, se a mente fosse a alma das
imagens, elas seriam então extrínsecas a ela. E, se o autor quer
dizer imagens corpóreas, como então ele terá uma mente humana
como alma dessas imagens, já que elas são apenas impressões
transitórias em um corpo pertencente a essa alma?
82. Se é por meio de um sensorium que Deus percebe o que
passa no mundo, parece que as coisas agem sobre Ele e que,
portanto, Ele é o que queremos dizer por uma alma do mundo. O
autor me acusa de repetir as objeções sem tomar conhecimento
das respostas, mas não me parece que ele tenha respondido a essa
dificuldade. Melhor seria que deixassem totalmente de lado este
pretenso sensorium.

Para a Seção 30

83. O autor fala como se não entendesse como, de acordo com


minha opinião, a alma é um princípio representativo. É como se
ele nunca tivesse ouvido falar de minha harmonia pré-
estabelecida.

84. Eu não concordo com as noções vulgares de que as


imagens das coisas são transmitidas pelos órgãos (do sentido) à
alma. Pois não é concebível por qual passagem, ou por qual meio
de transmissão, essas imagens podem ser transportadas do órgão
para a alma. Essa noção vulgar em filosofia não é inteligível,
como os novos cartesianos já demonstraram suficientemente.
Não se pode explicar como a substância imaterial é afetada pela
matéria, e sustentar uma noção ininteligível sobre isso é recorrer
à noção escolástica quimérica de espécies intencionais do tipo
eu-não-sei-o-quê inexplicável[27] foram usadas para explicar a
percepção dos sentidos; veja, por exemplo, Tomás de Aquino,
Summa Teológica I, quest. 85, art. 2. ), que passam dos órgãos
para a alma. Aqueles cartesianos viram a dificuldade, mas não
conseguiram explicá-la. Eles recorreram a uma aproximação
[muito particular] de Deus, o que seria realmente milagroso. Mas
eu acho que dei a verdadeira solução para esse enigma.

85. Dizer que Deus descobre o que passa no mundo porque


está presente às coisas, e não pela [dependência que continuação
de sua existência tem em relação a Ele, que pode ser dito que
envolve] uma produção contínua delas, é dizer algo ininteligível.
Uma simples presença ou proximidade de convivência não é
suficiente para nos fazer entender como o que passa em um ser
deve responder ao que passa em outro.

86. Ademais, isso é exatamente cair naquela opinião que faz


de Deus a alma do mundo, visto que se supõe que Deus percebe
as coisas, não pela dependência delas para com Ele, ou seja, por
uma produção contínua do que há de bom e perfeito nelas, mas
por um tipo de percepção, tal como aquela pela qual os homens
imaginam que nossa alma percebe o que passa no corpo. Isso é
uma degradação muito grande no que diz respeito ao
conhecimento de Deus.

87. Na verdade e na realidade, essa forma de percepção é


totalmente quimérica e não tem lugar nem mesmo nas almas
humanas. Elas percebem o que passa fora delas pelo que passa
dentro delas, respondendo às coisas de fora, em virtude da
harmonia que Deus pré-estabeleceu pela mais bela e admirável
de todas as suas produções, pela qual toda substância simples é,
segundo sua natureza (se assim se pode dizer), uma concentração
e um espelho vivo de todo o universo, de acordo com seu ponto
de vista. Esta é também uma das mais belas e mais inegáveis
provas da existência de Deus, uma vez que ninguém além de
Deus, ou seja, a causa universal, pode produzir uma tal harmonia
de coisas. Mas o próprio Deus não pode perceber as coisas pelos
mesmos meios pelos quais Ele faz com que outros seres as
percebam. Ele as percebe porque é capaz de produzir esse meio.
E outros seres não seriam levados a percebê-las, se Ele mesmo
não as produzisse todas harmoniosamente e, por isso, não tivesse
em si uma representação delas – não como se essa representação
viesse das coisas, mas porque as coisas procedem dEle e porque
Ele é a causa eficiente e exemplar delas. Ele as percebe porque
procedem dEle, se é que se pode dizer que Ele as percebe, o que
não deve ser dito a menos que despojemos essa palavra de sua
imperfeição, porque, de outra forma, parece significar que as
coisas agem sobre Ele. Elas existem e são conhecidas por Ele,
porque Ele as entende e deseja, e porque o que Ele deseja é o
mesmo que o que existe. Isso parece ser tanto mais porque Ele as
faz serem percebidas umas pelas outras e as faz perceber umas às
outras em consequência das naturezas que lhes deu de uma vez
por todas e que Ele mantém apenas de acordo com as leis de cada
uma delas individualmente, as quais, embora diferentes umas das
outras, terminam em uma correspondência exata dos resultados
do todo. Isso supera todas as idéias que os homens emolduraram
em relação às perfeições divinas e às obras de Deus e eleva
[nossa noção delas] ao mais alto grau, como o Sr. Bayle
reconheceu, embora ele acreditasse sem nenhum fundamento que
isso excedia o possível.

88. Deduzir dessa passagem da Sagrada Escritura, na qual se


diz que Deus descansou de suas obras, que não há mais uma
produção contínua delas, seria fazer um uso muito ruim desse
texto. É verdade que não há produção de novas substâncias
simples, mas seria errado inferir disso que Deus está agora no
mundo apenas como a alma é concebida para estar no corpo,
governando-o apenas por sua presença, sem que qualquer
concurso seja necessário para continuar sua existência.

Para a Seção 31

89. A harmonia ou correspondência entre a alma e o corpo não


é um milagre perpétuo, mas o efeito ou consequência de um
milagre original operado na criação das coisas, tal como todas as
coisas naturais são. Embora, de fato, constitua uma maravilha
perpétua, como muitas coisas naturais são.

90. A palavra harmonia-pré-estabelecida é um termo de arte,


confesso, mas não é um termo que nada explica, já que explica-se
de forma muito inteligível; e o autor não apresenta nada que
demonstre que haja alguma dificuldade nisso.

91. A natureza de toda substância simples, alma, ou


verdadeira mônada é tal que seu estado seguinte é uma
consequência do anterior, aqui está agora a causa da harmonia
encontrada. Porque Deus só precisa fazer uma substância simples
tornar-se uma vez, e desde o início, uma representação do
universo, conforme seu ponto de vista, já que só a partir disso se
conclui que ela será assim perpetuamente, e que todas as
substâncias simples terão sempre uma harmonia entre si, porque
representam sempre o mesmo universo.

Para a Seção 32

92. É verdade que, de acordo comigo, a alma não perturba as


leis do corpo, nem o corpo as da alma, e que a alma e o corpo
apenas concordam entre si, uma agindo livremente de acordo
com as regras das causas finais e o outro agindo mecanicamente
de acordo com as leis das causas eficientes. Mas isso não derroga
a liberdade de nossas almas, como o autor aqui quer. Porque todo
agente que age de acordo com causas finais é livre, apesar de
concordar com um agente agindo apenas por causas eficientes
sem conhecimento, ou mecani-camente, porque Deus, prevendo o
que a causa livre faria, regulou a máquina desde o início, de tal
forma que ela não pode deixar de concordar com essa causa livre.
O Sr. Jaquelot resolveu muito bem essa dificuldade em um de
seus livros contra o Sr. Bayle[28], e eu citei a passagem em minha
Theodicéia, Parte I, seção 63. Falarei novamente sobre isso
abaixo, nº 124.

Para a Seção 33

93. Eu não admito que cada ação dê uma nova força ao


paciente. Acontece frequentemente no concurso dos corpos que
cada um deles preserva sua força, como quando dois corpos
igualmente duros se encontram diretamente. Então, somente a
direção é alterada sem qualquer mudança na força, cada um dos
corpos recebe a direção do outro e volta com a mesma velocidade
com que veio.

94. Entretanto, estou longe de dizer que é sobrenatural dar


uma nova força a um corpo, pois reconheço que um corpo recebe
frequentemente uma nova força de outro, que perde sua própria
força. Mas digo apenas que é sobrenatural que todo o universo
dos corpos receba uma nova força, e, consequentemente, que um
corpo adquira qualquer nova força sem a perda de igual valor dos
demais. E por isso digo também que é uma opinião indefensável
supor que a alma dá força ao corpo, pois, então, todo o universo
de corpos receberia uma nova força.

95. O dilema do autor aqui é mal fundamentado, a saber, que,


de acordo comigo, ou um homem deve agir sobrenaturalmente ou
ser uma mera máquina, como um relógio. Porque o homem não
age de forma sobrenatural e seu corpo é verdadeiramente uma
máquina agindo apenas mecanicamente, e ainda assim sua alma é
uma causa livre.

Para as Seções 34 e 35

96. Refiro-me aqui ao que foi ou será dito nesta carta, nº 82,
86 e 111, a respeito da comparação entre Deus e uma alma do
mundo, e como a opinião contrária à minha aproxima os dois
demasiadamente.

Para a Seção 36

97. Aqui também me refiro ao que já disse antes a respeito da


harmonia entre a alma e o corpo, nº 89, etc.

Para a Seção 37

98. O autor nos diz que a alma não está no cérebro, mas
no sensorium, sem dizer o que é esse sensorium. Mas supondo
que o sensorium seja extendido, como acredito que o autor o
entende, a mesma dificuldade ainda permanece, e a questão
retorna: se a alma é difundida através de toda aquela extensão,
grande ou pequena. Porque maior ou menor em tamanho não tem
nada a ver com o propósito aqui.

Para a Seção 38
99. Não me comprometo a estabelecer aqui
minha Dinâmica ou minha doutrina das forças; este não seria um
lugar adequado para isso. Entretanto, posso muito bem responder
à objeção aqui apresentada contra mim. Afirmei que as forças
ativas são preservadas no mundo [sem diminuições]. O autor
objetou que dois corpos moles ou inelásticos que se encontram
entre si perdem parte de sua força. Eu respondo que não. É
verdade que seus corpos perdem em relação ao seu movimento
total, mas suas partes o recebem, sendo abaladas pela força do
concurso ou choque. E, portanto, essa perda de força é apenas na
aparência. As forças não são destruídas, mas espalhadas entre as
pequenas partes. Os corpos não perdem suas forças, mas o caso
aqui é o mesmo que acontece quando os homens trocam grande
quantia em dinheiro em menor quantia em dinheiro. Entretanto,
concordo que a quantidade de movimento não permanece a
mesma, e nisso aprovo o que diz Sir Isaac Newton, p. 341 de sua
Óptica, que o autor aqui cita. Mas mostrei em outro lugar que há
uma diferença entre a quantidade de movimento e a quantidade
de força.

Para a Seção 39

100. O autor sustentou contra mim que a força diminui


naturalmente no universo material, e que isso surge da
dependência das coisas. (Terceira resposta, seg. 13 e 14.) Em
minha Terceira Resposta, pedi-lhe que provasse que essa
imperfeição é uma consequência da dependência das coisas. Ele
evita responder ao meu pedido, caindo em um incidente e
negando que isso seja uma imperfeição. Mas quer seja uma
imperfeição ou não, ele deveria ter provado que é uma
consequência da dependência das coisas.

101. Entretanto, aquilo que tornaria a máquina do mundo tão


imperfeita quanto a de um relojoeiro inábil certamente deve ser
necessariamente uma imperfeição.
102. O autor diz agora que isso é uma consequência da inércia da
matéria. Mas isso ele também não provará. Aquela inércia, aqui
referida por ele, mencionada por Kepler, repetida por Descartes
[em suas cartas], e utilizada por mim em minha Theodicéia para
dar uma noção [e ao mesmo tempo um exemplo] da imperfeição
natural das criaturas, não tem outro efeito senão o de fazer
diminuir as velocidades quando as quantidades de matéria
aumentam; mas isso sem que haja nenhuma diminuição das
forças.

Para a Seção 40

103. Sustentei que a dependência da máquina do mundo em


relação a seu autor divino é antes uma razão pela qual não pode
haver tal imperfeição nela, e que a obra de Deus não precisa ser
corrigida novamente, que não é passível de ser desordenada e,
por último, que não pode diminuir em perfeição. Que alguém
adivinhe agora como o autor pode inferir contra mim, do modo
como ele faz, que, se esse for o caso, então o mundo material
deve ser infinito e eterno, sem nenhum começo, e que Deus deve
ter criado o maior número possível de homens e outros tipos de
criaturas.

Para a Seção 41

104. Eu não digo que o espaço é uma ordem ou situação que


torna as coisas capazes de serem situadas; isso seria um absurdo.
Qualquer um precisa apenas considerar minhas próprias palavras
e adicioná-las ao que eu disse acima (nº 47), a fim de mostrar
como a mente vem a formar para si mesma uma idéia de espaço,
e, no entanto, que não precisa haver nenhum ser real e absoluto
respondendo a essa idéia distinta da mente e de todas as relações.
Não digo, portanto, que o espaço é uma ordem ou situação, mas
uma ordem de situações, ou (uma ordem) segundo a qual as
situações são dispostas, e que o espaço abstrato é aquela ordem
de situações quando são concebidas como sendo possíveis. O
espaço é, portanto, algo [meramente][29] ideal. Mas parece que o
autor não vai me entender. Já respondi à objeção de que a ordem
não é capaz de quantidade neste documento (nº 54).

105. O autor se opõe aqui que o tempo não pode ser uma ordem
de coisas sucessivas porque a quantidade de tempo pode se tornar
maior ou menor, e ainda assim a ordem de sucessões continua a
mesma. Eu respondo que não é assim. Pois se o tempo for maior,
haverá mais estados semelhantes sucessivos e interpostos, e se
for menor, haverá menos, visto que não há vácuo, nem
condensação, nem penetração (se assim se pode dizer), em
tempos mais do que em lugares.

106. É verdade que a imensidão e a eternidade de Deus


subsistiriam embora não houvesse criaturas, mas esses atributos
não teriam dependência nem de tempos nem de lugares. Se não
houvesse criaturas, não haveria tempo nem lugar, e
consequentemente não haveria espaço real. A imensidão de Deus
é independente do espaço, pois sua eternidade é independente do
tempo. Esses atributos significam apenas [em relação a essas
duas ordens de coisas] que Deus estaria presente e coexistiria
com todas as coisas que deveriam existir. E, portanto, não admito
o que está aqui avançado, que, se Deus existisse sozinho, haveria
tempo e espaço como existe agora, enquanto que, na minha
opinião, eles estariam apenas nas idéias de Deus como meras
possibilidades. A imensidão e a eternidade de Deus são coisas
mais transcendentes do que a duração e a extensão das criaturas,
não só no que diz respeito à grandeza, mas também à natureza
das coisas. Esses atributos divinos não implicam a suposição de
coisas extrínsecas a Deus, tais como são lugares e tempos reais.
Essas verdades têm sido suficientemente reconhecidas por
teólogos e filósofos.

Para a Seção 42

107. Defendi que uma operação de Deus, pela qual Ele deveria
consertar a máquina do mundo material, tendendo em sua
natureza (como o autor afirma) a perder todo o seu movimento,
seria um milagre. Sua resposta foi que essa não seria uma
operação milagrosa porque seria usual e deve acontecer com
frequência. Eu disse que não é a normalidade ou a inusualidade
que faz um milagre propriamente dito, ou um milagre da mais
alta espécie, mas que ele é o superar dos poderes das criaturas, e
essa é a opinião [geral] dos teólogos e filósofos; e que, portanto,
o autor reconhece pelo menos que o que ele introduz e eu rejeito
é, segundo a noção recebida, um milagre da mais alta espécie, ou
seja, um milagre que ultrapassa todos os poderes criados, e que
isso é exatamente o que todos os homens se esforçam para evitar
em filosofia. Ele responde agora que isso é apelar da razão para
a opinião vulgar. Mas eu respondo novamente que essa opinião
vulgar, segundo a qual, em filosofia, devemos evitar ao máximo
apelar ao que supera a natureza das criaturas, é uma opinião
muito razoável. Caso contrário, nada seria mais fácil do que
prestar contas de qualquer coisa introduzindo a divindade, Deum
ex machina, sem se importar com a natureza das coisas.

108. Além disso, a opinião comum dos teólogos não deve ser
vista meramente como uma opinião vulgar. Um homem deve ter
razões de peso antes de se aventurar a contradizê-la, e não vejo
aqui nenhuma razão desse tipo.

109. O autor parece afastar-se de sua própria noção, segundo a


qual um milagre deve ser incomum, quando, na seção 31, ele se
opõe a mim (embora sem nenhum fundamento) dizendo que a
harmonia-pré-estabelecida seria um milagre perpétuo. Digo aqui
que ele parece se afastar de sua própria noção, a não ser que
tivesse a intenção de argumentar contra mim ad hominem.

Para a Seção 43

110. Se um milagre difere do que é natural apenas na aparência e


com respeito a nós, de modo que chamamos de milagre apenas o
que raramente vemos, não haverá diferença interna real entre um
milagre e o que é natural, e no fundo tudo será igualmente natural
ou igualmente milagroso. Os teólogos terão motivos para aceitar
o primeiro e os filósofos o segundo?

111. Além disso, essa doutrina não tenderá a fazer de Deus a


alma do mundo, se todas as suas operações forem naturais como
as de nossas almas em nossos corpos? E, desse modo, Deus é
parte da natureza.

112. Em boa filosofia e sólida teologia, devemos distinguir entre


o que é explicável pelas naturezas e poderes das criaturas e o que
é explicável apenas pelos poderes da substância infinita.
Devemos fazer uma diferença infinita entre a operação de Deus,
que vai além da extensão dos poderes naturais, e as operações das
coisas que seguem a lei que Deus lhes deu, e que Ele lhes
permitiu seguir por seus poderes naturais, embora não sem sua
ajuda.

113. Isso derruba as atrações, propriamente ditas, e outras


operações inexplicáveis pelos poderes naturais das criaturas;
aqueles que afirmam esse tipo de operações devem supor que
elas sejam realizadas por milagres, ou então recorrem aos
absurdos, ou seja, às qualidades das escolas ocultas, que alguns
homens começam a reviver sob o nome ilusório de forças, mas
que nos trazem de volta ao reino das trevas. Isso é inventa fruge,
glandibus vesci[30].

114. No tempo do Sr. Boyle e de outros homens excelentes que


floresceram na Inglaterra sob Charles II [no início de seu
reinado], ninguém teria se aventurado a publicar tais noções
quiméricas. Espero que o tempo feliz volte sob um governo tão
bom como o atual [e que as mentes um pouco distraídas demais
pelos infortúnios dos tempos voltem a cultivar melhor o
conhecimento sadio]. O Sr. Boyle tornou seu principal negócio o
de inculcar que tudo era feito mecanicamente na filosofia natural.
Mas é uma desgraça dos homens enojar-se no final com a própria
razão e cansar-se da luz. As quimeras começam a aparecer
novamente e são agradáveis porque têm algo que é maravilhoso
nelas. O que aconteceu na poesia acontece também no mundo
filosófico. As pessoas se cansaram de romances racionais, como
o Clélie francês ou o Aramena alemão; e se afeiçoaram
novamente aos contos das fadas.

115. Quanto aos movimentos dos corpos celestes, e mesmo a


formação de plantas e animais, não há nada neles que se pareça
com um milagre, exceto seu surgimento. O organismo dos
animais é um mecanismo que supõe uma pré-formação divina. O
que se segue a ele é puramente natural e inteiramente mecânico.

116. O que quer que seja realizado no corpo do homem e de cada


animal não é menos mecânico do que o que é realizado em um
relógio. A diferença é apenas a que deve existir entre uma
máquina de invenção divina e a obra de um artista tão limitado
como o homem.

Para a Seção 44

117. Não há nenhuma dificuldade entre os teólogos sobre os


milagres dos anjos. A questão é apenas sobre o uso dessa palavra.
Pode-se dizer que os anjos fazem milagres, mas menos
propriamente chamados ou de uma ordem inferior. Discutir sobre
isso seria uma mera questão sobre uma palavra. Pode ser dito que
o anjo que levou Habacuque pelo ar, e aquele que perturbou a
água da piscina de Betesda, fez um milagre. Mas não foi um
milagre da mais alta ordem, pois pode ser explicado pelos
poderes naturais dos anjos, que superam os do homem.

Para a Seção 45

118. Protestei que uma atração propriamente dita, ou no sentido


escolástico, seria uma operação à distância sem qualquer meio de
intervenção. O autor responde aqui que uma atração sem
qualquer meio de intervenção seria de fato uma contradição.
Muito bem! Mas então o que ele quer dizer quando quer que o
sol atraia o globo terrestre através de um espaço vazio? É o
próprio Deus que o realiza? Mas isso seria um milagre, se é que
alguma vez existiu. Isso certamente excederia os poderes das
criaturas.

119. Ou talvez algumas substâncias imateriais, ou alguns raios


espirituais, ou algum acidente sem uma substância, ou algum tipo
de espécie intencional, ou algum outro eu-não-sei-o-quê, são os
meios pelos quais isso é alegadamente realizado? Destes tipos de
coisas, o autor parece ter ainda um bom estoque em sua cabeça,
sem se explicar suficientemente.

120. Esse meio de comunicação (ele diz) é invisível, intangível,


não mecânico. Ele poderia muito bem ter acrescentado
inexplicável, ininteligível, precário, infundado e sem precedentes.

121. Mas é regular (o autor diz), é constante, e,


consequentemente, natural. Eu respondo que não pode ser regular
sem ser razoável, nem natural a menos que possa ser explicado
pela natureza das criaturas.

122. Se os meios que causam uma atração propriamente dita são


constantes e ao mesmo tempo inexplicáveis pelos poderes das
criaturas, e ainda assim são verdadeiros, deve ser um milagre
perpétuo, e, se não for milagroso, é falso. É uma coisa quimérica,
uma qualidade ocultista escolástica.

123. Seria o mesmo com um corpo que circula sem recuar na


tangente, embora nada que possa ser explicado o impedisse de
recuar. Este é um exemplo que já apresentei, e o autor não achou
por bem responder porque mostra muito claramente a diferença
entre o que é verdadeiramente natural, de um lado, e uma
qualidade quimérica das escolas ocultistas, do outro.

Para a Seção 46

124. Todas as forças naturais dos corpos estão sujeitas a leis


mecânicas, e todos os poderes naturais dos espíritos estão sujeitos
a leis morais. As primeiras seguem a ordem das causas eficientes,
e as segundas seguem a ordem das causas finais. Os primeiros
operam sem liberdade, como um relógio; os segundos operam
com liberdade, embora estejam exatamente de acordo com aquela
máquina que a outra causa, livre e superior, previamente adaptou
a eles. Já falei sobre isso acima, nº 92.

125. Devo concluir com aquilo que o autor objetou contra mim
no início desta Quarta Resposta, à qual eu já dei uma resposta
acima (nº 18, 19, 20). Mas adiei a minha intervenção mais
completa sobre esse assunto para a conclusão deste documento.
Ele alegou que eu era culpado de uma petição de princípio. Mas
de que princípio, eu lhe pergunto? Para Deus, princípios menos
claros nunca foram estabelecidos. O princípio em questão é o
princípio da necessidade de uma razão suficiente para que
qualquer coisa exista, para que qualquer evento aconteça, para
que qualquer verdade ocorra. É esse um princípio que precisa ser
provado? O autor o reconheceu ou fingiu reconhecê-lo, nº 2 de
sua Terceira Resposta; possivelmente porque a negação do
princípio pareceria muito injustificada. Mas ou ele o fez apenas
com palavras, ou ele se contradiz ou retrai sua concessão.

126. Ouso dizer que sem este grande princípio não se pode
provar a existência de Deus nem dar conta de muitas outras
verdades importantes.

127. Todos já não fizeram uso desse princípio em mil ocasiões?


É verdade que ele tem sido negligenciado por descuido em
muitas ocasiões, mas essa negligência tem sido a verdadeira
causa de quimeras, tais como o são (por exemplo) um tempo ou
espaço real absoluto, um vácuo, átomos, atração no sentido
escolástico, uma influência física da alma sobre o corpo [e do
corpo sobre a alma], e mil outras ficções derivadas de opiniões
errôneas dos antigos ou inventadas ultimamente por filósofos
modernos.
128. Não foi por causa da violação desse grande princípio por
Epicuro que os antigos zombaram de sua infundada declaração
dos átomos? E ouso dizer que a atração escolástica, reavivada em
nossos dias e não menos ridicularizada há cerca de trinta anos,
não é de modo algum mais razoável.

129. Muitas vezes desafiei as pessoas a apresentarem um


exemplo contra esse grande princípio, para trazer qualquer
exemplo incontestável em que ele falhe. Mas eles nunca o
fizeram, nem nunca o farão. É certo que existe um número
infinito de casos em que ele é bem sucedido, [ou melhor, ele é
bem sucedido] em todos os casos conhecidos em que foi
utilizado. A partir daí, pode-se razoavelmente julgar que ele será
bem sucedido também em casos desconhecidos ou em tais casos
que só podem ser conhecidos através de seus meios, de acordo
com o método da filosofia experimental, que procede
a posteriori; embora o princípio talvez não tenha sido justificado
de outra forma pela razão pura, ou a priori.

130. Negar esse grande princípio é também fazer como fez


Epicuro, que foi reduzido a negar este outro grande princípio, a
saber, o princípio da contradição, que consiste no fato de que
toda enunciação inteligível deve ser ou verdadeira ou falsa.
Crísipo se comprometeu a provar esse princípio contra Epicuro,
mas eu acho que não preciso imitá-lo. Já disse o que é suficiente
para justificar o meu, e poderia dizer algo mais sobre ele, mas
talvez fosse muito abstruso para essa disputa atual. E acredito
que homens razoáveis e imparciais me concederão que ter
forçado um adversário a negar esse princípio é reduzi-lo ad
absurdum.
Quinta resposta de Clarke (29 de outubro de 1716)

Uma vez que inúmeras palavras não são nem um argumento de idéias claras
do escritor, nem um meio adequado para transmitir noções claras ao leitor,
esforçar-me-ei para dar uma resposta distinta a essa Quinta Carta, tão breve
quanto possível.

1-20 Não há (seção 3) similitude entre um equilíbrio sendo movido por


pesos ou impulsos e uma mente movendo-se ou agindo com base na visão
de certos motivos. A diferença é que um é inteiramente passivo, o qual está
sujeito à necessidade absoluta, e a outra não apenas recebe ações, mas
também age, o que é a essência da liberdade. Supor (seção 14) que uma
bondade aparentemente igual nas diferentes maneiras de agir tira da mente
todo o poder de agir, assim como a igualdade de pesos mantém um
equilíbrio necessariamente em repouso, é negar que a mente tem em si um
princípio de ação, e é confundir o poder de agir com a impressão feita na
mente pelo motivo, para o qual a mente é puramente passiva. O motivo, ou
a coisa considerada como vista, é algo extrínseco à mente. A impressão
feita na mente por esse motivo é a qualidade perceptiva na qual a mente é
passiva. O fazer de qualquer coisa, sobre e depois ou em consequência
dessa percepção, é o poder de auto-motivação ou ação, que em todos os
agentes animados é espontaneidade, e em agentes morais é o que chamamos
propriamente de liberdade. Não distinguir cuidadosamente essas coisas,
mas confundir (seção 15) o motivo com o princípio de ação e negar à mente
qualquer princípio de ação além do motivo (quando, de fato, ao receber a
impressão do motivo, a mente é puramente passiva), isso, digo eu, é o
fundamento de todo o erro, e leva os homens a pensar que a mente não é
mais ativa do que um equilíbrio seria com a adição de um poder de
percepção, o que é tirar totalmente a noção mesma de liberdade. Um
equilíbrio empurrado de ambos os lados com igual força, ou pressionado de
ambos os lados com pesos iguais, não pode se mover de forma alguma; e,
supondo que o equilíbrio fosse dotado de um poder de percepção de forma a
ser sensível quanto à sua própria incapacidade de se mover, ou de forma a
se enganar com uma imaginação de que ele se move a si próprio quando, de
fato, é apenas movido, ele estaria exatamente no mesmo estado em que o
sábio autor supõe um agente livre para ser em todos os casos de absoluta
indiferença. Mas a falácia está claramente aqui: o equilíbrio, por falta de ter
em si um princípio ou poder de ação, não pode se mover de forma alguma
quando os pesos são iguais, mas um agente livre, quando aparecem duas ou
mais maneiras razoáveis de agir perfeitamente semelhantes, ainda tem,
dentro de si, em virtude de seu princípio de auto-motivação, um poder de
ação, e pode ter razões muito fortes e boas para não se abster de agir,
quando ainda pode não haver nenhuma razão possível para determinar uma
maneira particular de fazer algo que seja melhor do que um outro. Afirmar,
portanto (seções 16-19, 69) que, supondo que duas maneiras diferentes de
colocar certas partículas de matéria fossem igualmente boas e razoáveis,
Deus não poderia, nem sabiamente nem possivelmente, colocá-las em
nenhuma dessas maneiras, por falta de um peso suficiente para determinar
de que maneira Ele deveria escolher, isso faz com que Deus não seja um ser
ativo, mas um ser passivo - o que não seria de modo algum um Deus ou
governador. E, pelo fato de se negar a possibilidade da suposição de que
pode haver duas partes da matéria iguais que, com igual aptidão, podem ser
transpostas em situação, nenhuma outra razão pode ser apresentada a não
ser esta (seção 20) petitio principii, ou seja, que essa noção do sábio autor
sobre uma razão suficiente não está bem fundamentada. Pois, caso
contrário, como pode qualquer homem dizer que é (seção 16, 17, 69, 66)
impossível para Deus ter razões sábias e boas para criar muitas partículas de
matéria exatamente iguais em diferentes partes do universo? Nesse caso,
sendo as partes do espaço semelhantes, é evidente que não pode haver
qualquer razão, a não ser a mera vontade, para não ter transposto
originalmente suas situações. E, mesmo assim, não se pode dizer
razoavelmente que isso seja uma (seção 16, 69) vontade sem motivo, por
mais que as sábias razões que Deus possa ter para criar muitas partículas de
matéria exatamente iguais devam, consequentemente, ser um motivo para
Ele escolher (o que um equilíbrio não poderia fazer) uma de duas
absolutamente indiferentes, ou seja, colocá-las em uma situação, quando a
transposição delas só poderia ter sido igualmente boa.

Necessidade, em questões filosóficas, significa sempre necessidade absoluta


(seção 4-13). Necessidade hipotética e necessidade moral são apenas
formas figurativas de falar e, em rigor filosófico de verdade, elas não são
necessidade alguma. A questão não é se uma coisa deve ser, quando se
supõe que ela é ou que deva ser (o que é uma necessidade hipotética);
também não é a questão se é verdade que um ser bom, que continua sendo
bom, não pode fazer o mal, ou se um ser sábio que continua sendo sábio
não pode agir de forma insensata, ou se uma pessoa que continua sendo
perversa não pode dizer uma mentira (o que é uma necessidade moral). Mas
a verdadeira e única questão em filosofia relativa à liberdade é se a causa
física imediata, ou princípio de ação, está realmente nele, a quem
chamamos de agente, ou se é alguma outra razão suficiente, que é a
verdadeira causa da ação, operando sobre o agente e fazendo-o ser, não de
fato um agente, mas um mero paciente.

A propósito, pode-se observar que esse sábio autor contradiz sua própria
hipótese quando diz que (seção 11) a vontade nem sempre segue com
precisão o entendimento prático, pois às vezes pode encontrar razões para
suspender sua resolução. Pois não são essas mesmas razões o último
julgamento do entendimento prático?

21-25 Se é possível que Deus faça ou que tenha feito dois pedaços de
matéria exatamente iguais, de modo que transpô-los em situação fosse
perfeitamente indiferente, a noção desse sábio autor sobre a razão suficiente
cai por terra. A isso ele responde que não é impossível para Deus fazer duas
peças exatamente iguais (como seu argumento exige), mas que não é
razoável que Ele o faça. Mas como ele sabe que não seria razoável que
Deus o fizesse? Ele pode provar que não é possível que Deus possa ter
razões sábias para criar muitas partes da matéria exatamente iguais em
diferentes partes do universo? O único argumento que ele apresenta é que
não haveria uma razão suficiente para determinar a vontade de Deus quanto
a qual peça deveria ser colocada em qual situação. Mas se, no caso em que
nada mais apareça em contrário, Deus pode possivelmente ter muitas razões
sábias para criar muitas peças exatamente iguais, será que a indiferença da
situação de tais peças, por si só, tornará impossível que Ele crie ou
impossível que seja razoável que Ele as crie? Eu humildemente concebo
que isso é uma (seção 20) petição de princípio explícita. Ao argumento
semelhante por mim extraído da absoluta indiferença da determinação
particular original do movimento, nenhuma resposta foi dada.

26-32 Nesses artigos parecem estar contidas muitas contradições. É


permitido (seção 26) que duas coisas exatamente iguais sejam realmente
duas e, no entanto, ainda é aduzido que elas precisariam do princípio de
individuação, e na Quarta Carta, seção 6, foi expressamente afirmado que
elas seriam apenas a mesma coisa sob dois nomes. Uma suposição (seção
26) é permitida como possível e, no entanto, não me é permitido fazer essa
suposição. É admitido que partes de tempo e espaço (seção 27) podem ser
exatamente semelhantes em si mesmas, mas não quando existem corpos
nelas. Diferentes partes coexistentes do espaço e diferentes partes
sucessivas do tempo (seção 28) são comparadas a uma linha reta cortando
outra linha reta em dois pontos coincidentes, que são apenas um ponto.
Afirma-se (seção 29) que o espaço nada mais é do que a ordem das coisas
coexistentes, e ainda assim (seção 30) confessa-se que o universo material
pode possivelmente ser finito, caso em que deve haver necessariamente um
espaço extramundano vazio. É admissível (seções 30, 8, 73) que Deus
poderia tornar o universo material finito, e ainda assim supor que ele seja
possivelmente finito é chamado não apenas de uma suposição irracional,
vazia de design, mas também (seção 29) de uma ficção impraticável, e é
afirmado que não pode haver nenhuma razão possível que possa limitar a
quantidade de matéria. Afirma-se que o movimento do universo material
não produziria nenhuma mudança (seção 29) e, no entanto, não é dada
nenhuma resposta ao argumento que apresentei de que um súbito aumento
ou interrupção do movimento do todo daria um choque sensível a todas as
partes, e é tão evidente que um movimento circular do todo produziria uma
vis centrifuga[31] em todas as partes. Meu argumento de que o mundo
material deve ser móvel, se o todo for finito, é negado (seção 31) porque as
partes do espaço são imóveis, do qual o todo é infinito e necessariamente
existente. Afirma-se que o movimento implica necessariamente uma
mudança relativa (seção 31) da situação de um corpo em relação a outros
corpos, e ainda assim não se mostra nenhuma maneira de evitar essa
consequência absurda de que, então, a mobilidade de um corpo depende da
existência de outros corpos, e que qualquer corpo único existente sozinho
seria incapaz de se mover, ou que as partes de um corpo em circulação
(suponhamos que o sol) perderiam a vis centrifuga decorrente de seu
movimento circular, se toda a matéria extrínseca ao seu redor fosse
aniquilada. Finalmente, afirma-se que a infinidade da matéria (seção 32) é
um efeito da vontade de Deus, e, no entanto, a noção de Descartes é aceita
(ibid.) como irrefutável; o único fundamento disso, que todos os homens
sabem, foi a suposição de que a matéria era infinita necessariamente pela
natureza das coisas, já que é uma contradição supor que seja finita. Suas
palavras são “Puto implicare contradictionem, ut mundus finitus”[32], que, se
for verdade, nunca esteve no poder de Deus determinar a quantidade da
matéria, e, consequentemente, Ele não foi o criador da matéria nem pode
destruí-la.

E, de fato, parece haver uma contínua inconsistência ao longo de tudo o que


escreve o sábio autor a respeito da matéria e do espaço. Pois às vezes ele
argumenta contra um vácuo (ou espaço vazio de matéria) como se ele fosse
absolutamente impossível (seções 29, 33-5, 62-3) na natureza das coisas,
sendo o espaço e a matéria (seção 62) inseparáveis, e ainda assim
frequentemente ele admite que a quantidade de matéria no universo
depende da (seções 30, 32, 73) vontade de Deus.

33-35 Ao argumento contra um plenum de matéria pela falta de resistência


em certos espaços, o sábio autor responde que esses espaços são
preenchidos com uma matéria que não tem (seção 35) gravidade. Mas o
argumento não foi traçado a partir da gravidade, mas da resistência, que
deve ser proporcional à quantidade de matéria, quer a matéria tivesse
gravidade ou não.

Para evitar a resposta, ele afirma que (seção 34) a resistência não decorre da
quantidade de matéria, mas de sua dificuldade de dar lugar. Mas essa
alegação é totalmente ampla, pois a pergunta se referia apenas a tais corpos
fluidos que têm pouca ou nenhuma tenacidade, como a água e o mercúrio,
cujas partes não têm qualquer dificuldade de dar lugar senão ao que resulta
da quantidade da matéria que eles contêm. O exemplo de um (ibid.) pedaço
de madeira flutuante contendo menos matéria pesada do que um volume
igual de água, e ainda fazendo maior resistência, é maravilhosamente anti-
filosófico, porque um volume igual de água fechada em uma embarcação,
ou congelada em gelo e flutuante, produz uma resistência maior do que a
madeira flutuante, a resistência então surge de todo o volume de água; mas,
quando a água está solta e em liberdade em seu estado de fluidez, a
resistência então não é feita pelo todo, mas apenas por parte do volume
igual de água, e então não é de se admirar que ela pareça fazer menos
resistência do que a madeira.

36-48. Esses parágrafos não parecem conter argumentos sérios, mas apenas
representam, sob uma perspectiva equivocada, a noção da imensidão ou
onipresença de Deus, que não é uma mera intelligentia supramundana
(semota a nostris rebus sejunctaque Ionge)[33]e que “não está longe de todos
nós, pois nEle nós” (e todas as coisas) "vivemos e nos movemos e temos
nosso ser”.[34]

O espaço ocupado por um corpo não é a (seção 36, 37) extensão do corpo,
mas o corpo estendido existe nesse espaço.

Na realidade, não existe algo como (seção 38) um espaço delimitado, mas
ocorre apenas que nós, em nossa imaginação, fixamos nossa atenção na
parte ou na quantidade que nos agrada daquilo que em si mesmo é sempre e
necessariamente ilimitado.

O espaço não é uma afecção (seg. 39) de um corpo ou de outro corpo, ou de


qualquer ser finito, nem passa de sujeito a sujeito, mas é sempre
invariavelmente a imensidão de apenas um e sempre o mesmo immensum.

Os espaços finitos não são de forma alguma os (seção 40) afectos das
substâncias finitas, mas eles são apenas aquelas partes do espaço infinito
nas quais as substâncias finitas existem.

Se a matéria fosse infinita, ainda assim o espaço infinito não seria mais uma
(seção 41) afecção desse corpo infinito do que os espaços finitos são as
afecções dos corpos finitos, mas, nesse caso, a matéria infinita estaria, como
os corpos finitos agora estão, no espaço infinito.
A imensidade, assim como a eternidade, é (seção 42) essencial para Deus.
As partes da imensidade (sendo totalmente de um tipo diferente das partes
corpóreas, parciais, separáveis, divisíveis, móveis, que estão no terreno da
corruptibilidade) não impedem a imensidão de ser essencialmente uma, mas
as partes da duração impedem a eternidade de ser essencialmente uma.

O próprio Deus não sofre nenhuma mudança (seção 43) pela variedade e
mudança das coisas que vivem e se movem e têm seu ser nEle.

Esta (seção 44) estranha doutrina é a afirmação expressa de São Paulo,


assim como a voz clara da natureza e da razão.

Deus não existe (seção 45) no espaço e no tempo, mas sua existência causa
o espaço e o tempo. E quando, segundo a analogia do discurso vulgar,
dizemos que Ele existe em todo o espaço e em todo o tempo, as palavras
significam apenas que Ele é onipresente e eterno, ou seja, que espaço e
tempo sem limites são consequências necessárias de sua existência, e não
que espaço e tempo são seres distintos dEle e nos quais Ele existe.

Como[35] (seção 46) o espaço finito não é a extensão dos corpos, mostrei
logo acima, na seção. 40. E as duas seções seguintes também (seções 47 e
48) só precisam ser comparadas com o que já foi dito (ver também abaixo,
seções 53 e 54).

49-51. Isto me parece ser apenas um gracejo com palavras. Com relação à
questão sobre o espaço ter peças, ver acima, Terceira Resposta, seção 3, e
Quarta Resposta, seção 11.

52 e 53. Aqui estou argumentando que a noção de que o espaço é realmente


independente de corpo é fundada na possibilidade do universo material ser
finito e móvel; não basta, portanto, que o sábio autor responda que ele acha
que não teria sido sábio e razoável que Deus tivesse feito o universo
material finito e móvel. Ele deve afirmar que era impossível para Deus
tornar o mundo material finito e móvel, ou então ele deve, por necessidade,
permitir a força do meu argumento extraído da possibilidade de o mundo
ser finito e móvel. Nem é suficiente repetir sua afirmação de que o
movimento de um universo material finito não seria nada e (por falta de
outros corpos para compará-lo) não produziria nenhuma mudança
detectável, a menos que ele pudesse refutar o exemplo que eu dei de uma
grande mudança que aconteceria, ou seja, que as partes ficariam
sensivelmente chocadas por uma súbita aceleração ou parada do movimento
do todo - ao qual ele não tentou dar nenhuma resposta.

53. Se o sábio autor é forçado aqui a reconhecer a diferença entre o


movimento real absoluto e o movimento relativo, não necessariamente
inferindo que o espaço é realmente uma coisa bem diferente da situação ou
da ordem dos corpos, deixo ao julgamento daqueles que terão o prazer de
comparar o que o sábio autor aqui apresenta com o que Sir Isaac Newton
disse em seu Principia I, definição 8.

54. Eu havia aduzido que tempo e espaço eram quantidades, e que situação
e ordem não eram. A isso se responde que a ordem tem sua quantidade, há
aquilo que vai antes e aquilo que se segue, há distância ou intervalo.
Respondo que ir antes e se seguir constitui situação ou ordem, mas a
distância, intervalo ou quantidade de tempo ou espaço, em que uma coisa
segue outra, é algo totalmente distinto da situação ou ordem e não constitui
qualquer quantidade de situação ou ordem; a situação ou ordem pode ser a
mesma quando a quantidade de tempo ou espaço que intervém é muito
diferente. O sábio autor responde ainda que as razões ou proporções (seção
54) têm sua quantidade e, portanto, também o tempo e o espaço, embora
não sejam mais do que relações. Respondo, primeiro, que, se fosse verdade
que alguns tipos particulares de relações, tais como razões ou proporções,
fossem quantidades, ainda assim não se seguiria que situação e ordem, que
são relações de um tipo bem diferente, também fossem quantidades.
Contudo, em segundo lugar, as proporções não são quantidades, mas
proporções de quantidades. Se elas fossem quantidades, seriam as
quantidades de quantidades, o que é um absurdo. Além disso, se fossem
quantidades, elas (como todas as outras quantidades) sempre aumentariam
por adição, mas a adição da proporção de 1 para 1 à proporção de 1 para 1
ainda não faz mais que a proporção de 1 para 1, e a adição da proporção de
metade para 1 à proporção de 1 para 1 não resulta na proporção de 1 e meio
para 1, mas na proporção de apenas metade para 1. Aquilo que os
matemáticos às vezes chamam, de forma imprecisa, de quantidade de
proporção é (precisa e estritamente falando) apenas a quantidade da
magnitude relativa ou comparativa de uma coisa em relação a outra, e a
proporção não é a magnitude comparativa em si, mas a comparação ou
relação da magnitude com outra. A proporção de 6 para 1, com relação à de
3 para 1, não é uma quantidade dobrada de proporção, mas a proporção de
uma quantidade dobrada. E, de modo geral, o que eles chamam de ter uma
proporção maior ou menor não é ter uma quantidade maior ou menor de
proporção ou relação, mas ter a proporção ou relação de uma quantidade
maior ou menor em relação a outra; não é uma quantidade maior ou menor
de comparação, mas a comparação de uma quantidade maior ou menor. A
(seção 54) expressão logarítmica de uma proporção não é (como chama o
sábio autor) uma medida, mas apenas um índice, ou sinal, artificial de
proporção; não é a expressão de uma quantidade de proporção, mas apenas
um indicativo do número de vezes que qualquer proporção é repetida ou
complicada. O logaritmo da proporção de igualdade é 0 e ainda assim ele é
tão real e tão proporcional quanto qualquer outro, e quando o logaritmo é
negativo, como1, mesmo assim a proporção da qual ele é o próprio sinal ou
índice é afirmativa. A proporção duplicada ou triplicada não denota uma
quantidade dupla ou tripla de proporção, mas o número de vezes que a
proporção é repetida. A triplicação de qualquer magnitude ou quantidade
uma vez produz uma magnitude ou quantidade, que para a primeira produz
a proporção de 3 para 1. A triplicação uma segunda vez produz (não uma
quantidade dobrada de proporção, mas) uma magnitude ou quantidade, que
para a primeira produz a proporção (chamada duplicata) de 9 para 1. A
triplicação uma terceira vez produz (não uma quantidade tripla de
proporção, mas) uma magnitude ou quantidade, que para a primeira leva a
proporção (chamada triplicata) de 27 para 1, e assim por diante. Em terceiro
lugar, o tempo e o espaço não são da natureza das proporções, mas da
natureza das quantidades absolutas às quais pertencem as proporções.
Como, por exemplo, a proporção de 12 para 1 é uma proporção muito maior
(ou seja, como observei agora, não uma quantidade maior de proporção,
mas a proporção de uma quantidade comparativa maior) do que a de 2 para
1, e ainda assim uma e a mesma quantidade não-variada pode, para uma
coisa, assumir a proporção de 12 para 1 e para outra, ao mesmo tempo, a
proporção de 2 para 1. Assim, o espaço de um dia assume uma proporção
muito maior em relação a uma hora do que em relação a meio dia, e ainda
assim permanece, não obstante as duas proporções, a mesma quantidade
não-variada de tempo. Portanto, o tempo (e o espaço também, pelo mesmo
argumento) não é da natureza de uma proporção, mas de uma quantidade
absoluta e não-variada à qual pertencem proporções diferentes. A menos
que esse raciocínio possa ser demonstrado como falso, a opinião de nosso
sábio autor ainda permanece, por sua própria confissão, uma contradição.

55-63. Tudo isso me parece ser uma simples contradição, e estou disposto a
deixar isso para o julgamento dos instruídos. Em um parágrafo (seção 56)
há uma clara e distinta suposição de que o universo pode ser criado tão cedo
ou tão tarde quanto Deus quiser. No restante (seções 55, 57-63) os próprios
termos (mais cedo ou mais tarde) são tratados como termos ininteligíveis e
suposições impossíveis. Coisas similares ocorrem em relação ao espaço no
qual a matéria subsiste; ver acima, nas seções 26-32.

64 e 65. Veja acima, na seção acima. 54.

66-70. Veja acima, na seção 1-20 e na seção 21-25. Acrescentarei aqui


apenas que (seção 70) comparar a vontade de Deus quando Ele escolhe uma
entre muitas maneiras igualmente boas de agir com o acaso de Epicuro, o
qual não admitiu nenhuma inteligência, nenhum princípio ativo na
formação do universo, é comparar conjuntamente duas coisas que não
podem ser mais diferentes.

71. Ver acima, nas seções 21-25.

72. Ver acima, nas seções 1-20.

73-75. No considerar de se o espaço é independente da matéria e se o


universo material pode ser finito e móvel (ver acima, na seção 120, e nas
seções 26-32), a questão não está relacionada à sabedoria ou (seção 73) à
vontade de Deus, mas à natureza absoluta e necessária das coisas. Se o
universo material pode possivelmente ser finito e móvel pela vontade de
Deus (o que o sábio autor aqui se vê obrigado a conceder, embora o trate
perpetuamente como uma suposição impossível), então o espaço (no qual
esse movimento é realizado) é manifestamente independente da matéria.
Mas se, ao contrário, o universo material não pode ser finito e móvel e o
espaço não pode ser independente da matéria, então (eu digo) segue-se
evidentemente que Deus não pode nem jamais poderia estabelecer limites
para a matéria, e consequentemente o universo material deve ser não apenas
sem limites, mas (seção 74) também eterno, tanto a parte ante como a parte
post, necessariamente e independentemente da vontade de Deus. Para a
opinião daqueles que argumentam que o mundo (seção 75) pode
possivelmente ser eterno pela vontade de Deus exercendo seu poder eterno,
isso não tem nenhuma relação com o assunto em questão no momento.

76 e 77. Veja acima, seções 73-75, e nas seções 1-20, e abaixo, na seção
103.

78. Esse parágrafo não contém nenhuma objeção nova. A adequação e


inteligibilidade da similitude utilizada por Sir Isaac Newton, e aqui
excetuada, foi abundantemente explicada nas Respostas anteriores.

79-82. Tudo o que é contestado nos (seção 79, 80) dois primeiros desses
parágrafos é um mero jogo de palavras. A existência de Deus (como já foi
observado muitas vezes) causa o espaço, e nesse espaço todas as outras
coisas existem. É portanto (seção 80) o lugar das idéias do mesmo modo,
porque é o lugar das próprias substâncias em cujos entendimentos as idéias
existem.

A alma do homem ser (seção 81) a alma das imagens das coisas que ela
percebe, foi proposta por mim, em forma de comparação, como um
exemplo de uma noção ridícula, e esse sábio autor argumenta
agradavelmente contra ela, como se eu a tivesse afirmado como sendo
minha própria opinião.

Deus percebe tudo, não (seção 82) por meio de qualquer órgão, mas por
estar realmente presente em todos os lugares. Esse, portanto, em toda parte,
ou espaço universal, é o lugar de sua percepção. A noção de sensorium e da
alma do mundo já foi abundantemente explicada antes. É demais desejar
que a conclusão seja cedida sem trazer mais nenhuma objeção contra as
premissas.

83-88, e 89-91. Que (seção 83) a alma é um princípio representativo, que


(seção 87) toda substância simples é por sua natureza uma concentração e
espelho vivo de todo o universo, que (seção 91) é uma representação do
universo de acordo com seu ponto de vista, e que todas as substâncias
simples sempre terão uma harmonia entre si porque sempre representam o
mesmo universo, tudo isso, reconheço, não entendo de forma alguma.

Com relação à (seções 83, 87, 89, 90) harmonia praestabilita, pela qual os
afectos da alma e os movimentos mecânicos do corpo são ditos
concordantes sem que um influencie o outro, 151 ver abaixo, nas seções
110-116.

Que as imagens das coisas são veiculadas pelos órgãos do sentido no


sensorial, onde a alma os percebe, é afirmado, mas não provado que seja
uma noção ininteligível (seção 84).

Com relação à (seção 84) substância imaterial que afeta ou está sendo
afetada por uma substância material, ver abaixo, na seção 110-116.

Que Deus (seção 85) percebe e conhece todas as coisas, não estando
presente a elas, mas produzindo-as continuamente e de novo, é uma mera
ficção dos educadores, sem nenhuma prova.

A objeção relativa ao ser de Deus (seções 86, 87, 88, 82) a alma do mundo
foi abundantemente respondida acima, Segunda Resposta, seção 12, e
Quarta Resposta, seção 32.

92. Supor que todos os movimentos de nossos corpos são necessários e


causados inteiramente (seção 92, 95, 116) por meros impulsos mecânicos da
matéria, totalmente independentes da alma é o que (não posso deixar de
pensar) tende a introduzir a necessidade e o destino. Isso tende a fazer com
que os homens sejam pensados como meras máquinas, como Descartes
imaginava os animais, retirando todos os argumentos provenientes de
fenômenos, ou seja, das ações dos homens, para provar que há qualquer
alma, ou qualquer coisa mais do que mera matéria nos homens. Veja abaixo,
na seção 110-116.

93-95. Eu acrescentei que cada ação é a doação de uma nova força para a
coisa sobre a qual se atuou. A isso, objeta-se que dois corpos duros iguais
que batem um no outro retornam com a mesma força, e que, portanto, sua
ação um sobre o outro não confere uma nova força. Talvez seja suficiente
responder que nenhum dos corpos retorna com sua própria força, mas cada
um deles perde sua própria força e cada um retorna com uma nova força
impressionada pela elasticidade do outro, porque se não são elásticos, eles
não retornam de forma alguma. Mas, de fato, todas as meras comunicações
mecânicas de movimento não são ação propriamente dita, mas mera
passividade, tanto nos corpos que impelem quanto nos que são impelidos. A
ação é o início de um movimento onde antes não havia nenhum princípio de
vida ou atividade, e se Deus, ou o homem, ou qualquer poder vivo ou ativo
alguma vez influencia qualquer coisa no mundo material, e tudo não é mero
mecanismo absoluto, deve haver um contínuo aumento e diminuição de
toda a quantidade de movimento no universo – o que esse sábio cavalheiro
frequentemente nega.[36]

96 e 97. Aqui, esse sábio autor se refere apenas ao que ele disse em outro
lugar, e eu também estou disposto a fazer o mesmo.

98. Se a alma é uma substância que preenche o sensorium ou lugar em que


ela percebe as imagens das coisas que lhe são transmitidas, ainda assim, não
decorre disso que ela deve consistir em partes corpóreas (pois as partes do
corpo são substâncias distintas independentes umas das outras), mas a alma
inteira vê, e o todo ouve e o todo pensa, como sendo essencialmente um
indivíduo.

99. A fim de mostrar que as forças ativas no mundo (ou seja, a quantidade
de movimento ou força impulsiva dada aos corpos) não diminuem
naturalmente, esse sábio autor insiste que dois corpos inelásticos macios,
que se encontram com forças iguais e contrárias, perdem cada um deles o
movimento de seu todo, porque ele é comunicado e disperso em um
movimento de suas pequenas partes. Mas a questão é, quando dois corpos
inelásticos perfeitamente duros perdem o movimento inteiro ao se
depararem juntos, o que será então do movimento ou da força impulsiva
ativa? Ele não pode ser disperso entre as partes, porque as partes não são
capazes de um movimento tremulento por falta de elasticidade. E se for
negado que os corpos perderiam o movimento de sua totalidade, eu
respondo, então seguiria que os corpos rígidos elásticos refletiriam com
uma força dupla, ou seja, a força resultante da elasticidade, e além disso
toda (ou pelo menos parte da) força direta original - o que é contrário à
experiência.

Em extensão (na demonstração de Sir Isaac Newton que citei), ele é


obrigado a (seção 99) admitir que a quantidade de movimento no mundo
não é sempre a mesma, e vai para outro refúgio, que o movimento e a força
nem sempre são a mesma em quantidade. Mas isso também é contrário à
experiência. Pois a força aqui mencionada não é a vis inertiae[37] da matéria
(que de fato continua sempre a mesma, desde que a quantidade de matéria
continue a mesma), mas a força aqui entendida é a força impulsiva
relativamente ativa, que é sempre proporcional à quantidade de movimento
relativo[38], como é constantemente evidente na experiência, exceto quando
algum erro foi cometido ao não calcular corretamente e subduzir o contrário
ou força impedidora, que surge da resistência dos fluidos aos corpos
movidos de qualquer maneira e da contínua ação contrária da gravitação
sobre os corpos jogados para cima.

100- 102. Que essa força ativa, no sentido definido acima, naturalmente
diminui continuamente no universo material foi mostrado no último
parágrafo. Isso não é um evidente defeito porque é apenas uma
consequência da matéria ser sem vida, sem motividade, inativa e inerte.
Pois a inércia da matéria causa não só (como observa esse sábio autor) que
a velocidade diminui proporcionalmente à medida que a quantidade de
matéria aumenta (o que de fato não é uma diminuição da quantidade de
movimento), mas também que corpos sólidos e perfeitamente duros, vazios
de elasticidade, reunidos com forças iguais e contrárias, perdem todo o seu
movimento e força ativa (como foi demonstrado acima), e devem depender
de alguma outra causa para um novo movimento.

103. Que nenhuma das coisas aqui mencionadas são defeitos, eu mostrei em
grande parte em meus documentos anteriores. Por que Deus não teve a
liberdade de criar um mundo que deveria continuar em sua forma atual por
tanto mais ou menos tempo quanto Ele pensasse ser adequado, e que
deveria então ser alterado (por tais mudanças que podem ser muito sábias e
adequadas e, ainda assim, impossíveis de serem realizadas por meio de
mecanismo) em qualquer outra forma que Ele mesmo quisesse? Se minha
dedução a partir da afirmação desse sábio autor de que o universo não pode
diminuir em perfeição, que não há nenhuma razão possível que possa
limitar a quantidade de matéria, que as perfeições de Deus o obrigam a
produzir sempre tanta matéria quanto Ele pode, e que um universo material
finito é uma ficção impraticável, se (eu digo) minha inferência que (de
acordo com essas noções) o mundo deve necessariamente ter sido ao
mesmo tempo infinito e eterno é uma inferência justa ou não, estou disposto
a deixar ao instruído, que comparará os documentos, o julgamento.

104-106. Agora nos dizem que (seção 104) o espaço não é uma ordem ou
situação, mas uma ordem de situações. Mas ainda há a objeção de que uma
ordem de situações não é uma quantidade como é o espaço. Ele se refere,
portanto, à seção 54, onde ele pensa ter provado que a ordem é uma
quantidade, e eu me refiro ao que eu disse acima neste documento, naquela
seção onde eu penso ter provado que não é uma quantidade. O que ele
acrescenta em relação ao (seção 105) tempo também se resume claramente
ao seguinte absurdo: esse tempo é apenas a ordem das coisas sucessivas e
ainda assim é realmente uma quantidade, porque não é apenas a ordem das
coisas sucessivas, mas também a quantidade de duração que intervém entre
cada uma das particularidades que sucedem nessa ordem. Esta é uma
contradição expressa.

Dizer que (seção 106) imensidão não significa espaço sem limites, e que a
eternidade não significa duração ou tempo sem começo e fim, é (creio)
afirmar que as palavras não têm significado. Em vez de raciocinar sobre
esse ponto, somos referidos ao que certos teólogos e filósofos (ou seja,
como foi a opinião desse sábio autor) reconheceram, o que não é o assunto
em questão.

107-109. Afirmei que, com relação a Deus, nenhuma coisa possível é mais
milagrosa do que outra, e que, portanto, um milagre não consiste em
qualquer dificuldade na natureza da coisa a ser feita, mas meramente na
inusualidade de Deus fazê-lo. Os termos natureza, e poderes da natureza,
curso da natureza, e afins, não passam de palavras vazias e significam
apenas que uma coisa geralmente ou frequentemente acontece. A ascensão
de um corpo humano do pó da terra chamamos de milagre, a geração de um
corpo humano da maneira comum chamamos de natural, não por nenhuma
outra razão senão porque o poder de Deus afeta um normalmente e o outro
de forma incomum. A parada repentina do sol (ou da terra) chamamos de
milagre, o movimento contínuo do sol (ou da terra) chamamos de natural,
pela mesma razão apenas de um ser habitual e o outro incomum. Se o
homem normalmente se levantasse do túmulo à medida que o milho crescia
da semente semeada, certamente deveríamos chamar isso também de
natural, e se o sol (ou a terra) ficasse constantemente parado, deveríamos
então pensar isso como natural e seu movimento a qualquer momento seria
milagroso. Contra essas razões evidentes (ces (seção 108) grandes raisons)
esse sábio autor nada oferece, mas continua a nos referir apenas às formas
vulgares de falar de certos filósofos e teólogos, o que (como observei antes)
não é o assunto em questão.

110-116. É, aqui, muito surpreendente que, por uma questão de razão e não
de autoridade, sejamos novamente (seção 110) remetidos às opiniões de
certos filósofos e teólogos. Mas omitindo isso, o que quer dizer esse sábio
autor com uma (seção 110) diferença interna real entre o que é milagroso e
não milagroso, ou entre (seção 111) operações naturais e não naturais,
absolutamente e em relação a Deus? Ele pensa que existem em Deus dois
princípios ou poderes de ação diferentes e realmente distintos e que uma
coisa é mais difícil para Deus do que outra? Se não, então, tanto uma ação
natural e uma ação sobrenatural de Deus são termos cujo significado é
apenas relativo a nós, que chamamos um efeito habitual do poder de Deus
de natural e um sobrenatural de incomum, sendo (seção 112) a força da
natureza, na verdade, nada mais que uma palavra vazia, ou, então, por uma
deve entender-se aquilo que Deus mesmo faz imediatamente, e pela outra
aquilo que Ele faz mediatamente pela instrumentalidade das segundas
causas. A primeira destas distinções é o que esse sábio autor aqui se opõe
declaradamente, a segunda é a que ele expressamente renuncia (seção 117),
onde ele admite que os anjos possam fazer verdadeiros milagres. E, no
entanto, além dessas duas, acho que nenhuma outra distinção pode ser
imaginada.

É muito pouco razoável chamar a atração de (seção 113) milagre e de


termo pouco filosófico, depois de ter sido tantas vezes declarado
distintamente que por esse termo não pretendemos expressar a causa dos
corpos tenderem uns para os outros, mas apenas o efeito ou o fenômeno em
si, e as leis ou proporções dessa tendência, descobertas pela experiência,
seja o que for ou não a causa disso. E parece ainda mais irracional não
admitir a gravitação ou atração nesse sentido, no qual é manifestamente um
fenômeno real da natureza, e ao mesmo tempo esperar que se admita uma
hipótese tão estranha como a (seções 109, 92, 87, 89, 90) harmonia
praestabilita, que é o fato de que a alma e o corpo de um homem não têm
maior influência sobre os movimentos e os afectos um do outro do que dois
relógios, os quais, a uma distância maior um do outro, seguem da mesma
forma sem se afetarem um ao outro. É de fato aduzido que Deus (seção 92),
prevendo as inclinações da alma de cada homem, a princípio, construiu a
grande máquina do universo material, já que, pelas meras leis do
mecanismo necessário, os movimentos adequados devem ser excitados nos
corpos humanos como partes dessa grande máquina. Mas será possível que
tais tipos de movimentos, e de tal variedade como os do corpo humano,
sejam realizados por mero mecanismo, sem qualquer influência da vontade
e da mente sobre eles? Ou é plausível que, quando um homem tem em seu
poder a resolução e sabe com um mês de antecedência o que fará em um dia
ou hora tão particular, é plausível, digo eu, que seu corpo, pelo simples
poder do mecanismo, impressionado originalmente no universo material em
sua criação, se conformará pontualmente com as resoluções da mente do
homem no momento designado? De acordo com essa hipótese, todos os
argumentos da filosofia retirados de fenômenos e experimentos estão
chegando ao fim. Pois, se a harmonia praestabilita é verdadeira, um
homem não vê, nem ouve, nem sente nada, nem move seu corpo, apenas
sonha que vê, ouve, ou sente e move seu corpo. E se uma vez o mundo
puder ser persuadido de que o corpo de um homem é uma mera máquina, e
que todos os seus movimentos aparentemente voluntários são realizados
pelas meras leis necessárias do mecanismo corpóreo, sem qualquer
influência, operação ou ação da alma sobre o corpo, eles logo concluirão
que essa máquina é o homem inteiro, e que a alma em harmonia na hipótese
de uma harmonia praestabilita é meramente uma ficção e um sonho. Além
disso, que dificuldade é evitada por uma hipótese tão estranha? Somente
isto: que não pode ser concebido (parece) como a substância imaterial pode
agir sobre a matéria. Mas Deus não é uma substância imaterial e não age
sobre a matéria? E que maior dificuldade há em conceber como uma
substância imaterial pode atuar sobre a matéria do que em conceber como a
matéria atua sobre a matéria? Não é tão fácil conceber como certas partes
da matéria podem ser obrigadas a seguir os movimentos e os afectos da
alma sem contato corporal, como certas partes da matéria devem ser
obrigadas a seguir os movimentos uns dos outros pela adesão de partes, que
nenhum mecanismo pode explicar, ou que os raios de luz devem refletir
regularmente a partir de uma superfície que nunca tocam? Disso, Sir Isaac
Newton em sua Óptica nos deu várias experiências oculares e evidentes.

Também não é menos surpreendente encontrar essa afirmação novamente


repetida em palavras expressas que, após a primeira criação das coisas
(seção 115-6), a continuação dos movimentos dos corpos celestes, a
formação das plantas e dos animais, e cada movimento dos corpos, tanto
dos homens quanto de todos os outros animais, são tão mecânicos quanto os
movimentos de um relógio. Quem quer que alimente essa opinião é (penso
eu) obrigado, pela razão, a ser capaz de explicar particularmente por quais
leis de mecanismo os planetas e cometas podem continuar a se mover nos
orbes que fazem, através de espaços não existentes, e por quais leis
mecânicas tanto plantas como animais são formados, e como os infinitos
movimentos espontâneos dos animais e homens são realizados. Isso, estou
plenamente convencido, é tão impossível de se entender quanto seria
impossível demonstrar como uma casa ou cidade poderia ser construída - ou
como o próprio mundo teria sido inicialmente formado - por um simples
mecanismo, sem qualquer causa inteligente e ativa. Que as coisas não
poderiam ser produzidas no princípio por um mecanismo é algo
expressamente admitido, e, uma vez que isso é concedido, por que, afinal,
tanta preocupação deveria ser manifestada no sentido de excluir o governo
real de Deus do mundo e de fazer com que sua providência não aja senão
concordando (como a frase é) em deixar que todas as coisas façam apenas o
que fariam de si próprias por meio de um mero mecanismo, e por que se
deve pensar que Deus está sob qualquer obrigação ou confinamento, seja na
natureza ou na sabedoria, para nunca realizar nada no universo, senão o que
é possível para uma máquina corpórea realizar através de meras leis
mecânicas depois de ter sido posta em marcha, eu não posso de forma
alguma conceber.

117. Esse sábio autor admite aqui que há milagres maiores e menores em
verdade, e que os anjos são capazes de fazer verdadeiros milagres, sendo
perfeitamente contraditório com aquela noção da natureza de um milagre, a
qual ele sempre defendeu nestes documentos.

118-123. Que o Sol atrai a Terra através do espaço vazio intermediário, ou


seja, que a Terra e o Sol gravitam um para o outro ou tendem (seja qual for
a causa dessa tendência) um para o outro com uma força que está em
proporção direta às suas massas, ou magnitudes e densidades juntas, e numa
proporção inversa duplicada de suas distâncias, e que o espaço entre eles é
vazio, ou seja, não tem nada nele que resista sensatamente ao movimento
dos corpos que passam transversalmente, tudo isso não é nada além de um
fenômeno ou de uma questão real dos fatos encontrada pela experiência.
Que esse fenômeno não é produzido (seção 118) sans moyen, ou seja, sem
alguma causa capaz de produzir tal efeito, é sem dúvida verdade. Os
filósofos, portanto, podem procurar e descobrir essa causa, se puderem, seja
ela mecânica ou não. Mas, se eles não podem descobrir a causa, será então
o efeito em si, o fenômeno, ou a questão dos fatos descoberta pela
experiência (que é tudo o que significa as palavras atração e gravitação)
menos verdadeiro? Ou será uma qualidade manifesta a ser chamada (seção
122) oculta porque a causa imediata eficiente dela (talvez) está oculta ou
ainda não foi descoberta? Quando um corpo (seção 123) se move em
círculo sem voar fora pela tangente, é certo que há algo que o impede, mas
se em alguns casos ele não é mecanicamente (seção 123) explicável, ou se
ainda não foi descoberto o que é esse algo, será que o fenômeno em si é
falso? De fato, esse é um argumento muito singular.

124-130. O fenômeno em si, a atração, a gravitação ou a tendência dos


corpos em relação uns aos outros (ou qualquer outro nome que você queira
chamar-lhe), e as leis ou proporções dessa tendência, são, agora,
suficientemente conhecidas pelas observações e experimentos. Se esse ou
qualquer outro autor instruído puder explicar esses fenômenos através
(seção 124) das leis do mecanismo, ele não só não será contrariado, mas
terá, além disso, os abundantes agradecimentos do mundo instruído. Mas,
enquanto isso, comparar (seção 128) a gravitação (que é um fenômeno ou
fato real) com a declaração dos átomos de Epicuro (a qual, de acordo com
sua perversão corrupta e ateísta de alguma mais antiga e talvez melhor
filosofia, era apenas uma hipótese ou ficção, e também uma impossível em
um mundo onde nenhuma inteligência poderia estar presente) parece ser um
método muito extraordinário de raciocínio.

Quanto ao grande princípio de uma (seção 125, etc.) razão suficiente, tudo o
que esse sábio autor aqui acrescenta a respeito é apenas uma forma de
afirmar e não provar sua conclusão, e, por isso, não precisa de resposta.
Devo apenas observar que a frase é de significação equívoca e pode ser
entendida apenas como uma necessidade ou também como uma vontade e
uma escolha. Isso, em geral (seção 125), é uma razão suficiente para que
tudo seja, o que é, sem dúvida, verdade e está de acordo em todos os
sentidos. Mas a questão é se, em alguns casos, quando pode ser altamente
razoável agir, embora diferentes maneiras possíveis de agir possam não ser
igualmente razoáveis, e se, em tais casos, a vontade nua de Deus não é em
si mesma uma razão suficiente para agir desta ou de outra maneira
particular, e também nos casos em que existem as razões mais fortes
possíveis em conjunto.

N.B. O Sr. Leibniz foi impedido pela morte de devolver qualquer resposta
a este último documento.

[1] Trechos extraídos de uma carta enviada em novembro de 1715 a Caroline, Princesa de Gales
[2]
Ver o Ensaio Acerca do Entendimento Humano, IV, 3.6, e a Primeira Carta de Locke a
Stillingfleet; ver também o Prefácio de Leibniz aos Novos Ensaios.
[3]
Ver final da Pesquisa 31, em Óptica, de Isaac Newton.
[4]
Clarke se refere à uma passagem em Óptica, Pesquisa 28.
[5]
“Deus, segundo minha opinião, é uma inteligência extramundana, como Martianus Capelli o
chama, ou melhor, uma inteligência supramundana”. Leibniz, Theodicéia, seção 217.
[6]
Ver Arquimedes, Sobre o Equilíbrio dos Planos, Livro I, Postulado I.
[7]
Ver Leibniz, Theodicéia.
[8]
Clarke faz referência ao Principia de Newton, Escólio para a Definição 8.
[9]
Rudolph Goclenius, Lexicon Philosophicum – Frankfurt, 1613; ed. reimpressa, Hildesheim: Georg
O lrns, 1980, p. 1024. Goclenius foi uma obra de referência padrão para filósofos do século XVII, um
compêndio alfabético de definições e distinções padrão. A passagem se traduz como: [Sensiterium é]
um barbarismo devido aos escolásticos, que às vezes imitavam os gregos. Os gregos diziam
aitheterion, do qual os escolásticos formaram o sensiterium, no lugar do sensorium, ou seja, o órgão
da sensação”.
[10]
“Ídolo da tribo”, ver Bacon, Novo Órganon, Aforismo 41.
[11]
Acréscimo feito por Clarke; Leibniz disse “não há escolha alguma.”
[12]
Adição feita por Clarke.
[13]
Essa passagem foi omitida por Clarke.
[14]
O mais alto ponto, a última perfeição, o apogeu.
[15]
“Fora de Deus”.
[16]
Clarke faz referência ao Escólio Geral do Principia.
[17]
A metafísica.
[18]
“O Imperador da Lua”. Comédia inglesa escrita por Aphra Behn em 1687.
[19]
Apenas no número.
[20]
Agindo sem nada fazer.
[21]
Otto von Guericke (1602-1686) foi um experimentalista e o inventor da bomba de ar.
[22]
Evangelista Torricelli (1608-1647) foi aluno de Galileu e o inventor do o barômetro.
[23]
Esta é uma referência a Horácio, Da Arte Poetica, 1.5: “Spectatum admissi risum teneatis amici.” [“Se vocês vissem tal coisa,
poderiam abster-se de rir, amigos?”].
[24]
Ou seja, expressões bárbaras ou estranhas.
[25]
“Se um pintor quisesse unir o pescoço de um cavalo a uma cabeça humana …” Horácio, Da Arte Poética. A frase termina
com o verso citado no nº 42: “Se vocês vissem tal coisa, poderiam abster-se de rir, amigos”?

[26]
“A conclusão não é válida”.
[27]
Na doutrina escolástica, espécies intencionais ou inteligíveis (espécies intencionais, como Clarke diz.
[28]
Isaac Jaquelot, Conformite de Ia Poi avec Ia Raison (Amsterdam, 1705).

[29]
Adição de Clarke.

[30]
“Comer bolotas depois de ter colhido milho”.

[31]
Força centrífuga
[32]
“Acho que implica em contradição o fato de que o mundo seja finito.”
[33]
Distante de nós e muito separado das coisas.
[34]
Atos 17.27-28.
[35]
Nota de Clarke: A principal ocasião ou razão da confusão e inconsistências, que aparecem no que a maioria dos escritores
tem apresentado em relação à natureza do espaço, parece ser que (a menos que atentem cuidadosamente) os homens estão muito
aptos a negligenciar aquela distinção necessária (sem a qual não pode haver um raciocínio claro) que sempre deve ser feita entre
abstratos e concretos, tais como são immensitas e imensum, e também entre idéias e coisas, tais como são a noção (que está
dentro de nossa própria mente) de imensidão e a imensidão real realmente existente fora de nós.

Todas as concepções (penso eu) que já foram ou podem ser enquadradas em relação ao espaço são estas que se seguem: que ele ou
é absolutamente o nada ou uma mera idéia ou é apenas uma relação de uma coisa com outra, ou ele é corpo ou alguma outra
substância, ou então é uma propriedade de uma substância.

Que ele não é absolutamente nada é o mais evidente. Porque do nada não há quantidade, não há dimensões, não há propriedades.
Esse princípio é o primeiro fundamento de toda ciência, expressando a única diferença entre o que existe e o que não existe.

Que ele não é uma mera idéia é igualmente muito evidente. Porque nenhuma idéia de espaço pode possivelmente enquadrar-se
como maior do que finito, e ainda assim a razão demonstra que é uma contradição que o espaço em si não seja de fato infinito.

Que ele não é uma mera relação de uma coisa com outra, decorrente de sua situação ou ordem entre si, não é menos aparente, pois
o espaço é uma quantidade, o que as relações (como a situação e a ordem) não são, como mostrei em grande parte abaixo, na
seção 54. Também porque, se o universo material é ou pode ser finito, não pode deixar de haver espaço extramundano real ou
possível; veja nas seções 54. 31, 52, e 73.

Que o espaço não é um corpo também é muito claro. Pois então o corpo seria necessariamente infinito e nenhum espaço poderia
ser vazio de resistência ao movimento. Isto é contrário à experiência.
Que o espaço não é nenhum tipo de substância não é menos claro, porque espaço infinito é immensitas, não immensum, enquanto
substância infinita é immensum e não immensitas assim como a duração infinita não é uma substância, porque duração infinita é
aeternitas e não aeternum, mas substância infinita é aeternum e não aeternitas.

Resta, portanto, por consequência necessária, que o espaço é uma propriedade, da mesma forma como a duração o é. lmmensitas é
τον immensi, assim como aeternitas é τον aeterni.
[36]
Nota de Clarke: Parece haver uma grande confusão e inconsistência em toda a noção do Sr. Leibniz sobre esse assunto.
Porque a palavra força, e força ativa, significa, na presente questão, o impulso ou força relativamente impulsiva dos corpos em
movimento; ver minha Terceira Resposta, seção 13. O Sr. Leibniz usa constantemente a palavra nesse sentido, como quando ele
fala (seções 93, 94, 99 e 107 da última resposta) de corpos que não mudam sua força após a reflexão porque retornam com a
mesma velocidade; de um corpo que recebe uma nova força de outro corpo que perde tanto da sua própria força; da
impossibilidade de que um corpo adquira qualquer nova força sem a perda de tanto pelo outro; da nova força que todo o universo
material receberia, se a alma do homem comunicasse qualquer força ao corpo; e das forças ativas que continuam sempre as
mesmas no universo porque a força que os corpos inelásticos perdem em seu todo é comunicada e dispersa entre suas pequenas
partes. Agora, esse impulso, ou força ativa relativamente impulsiva dos corpos em movimento, é evidentemente, tanto na razão
como na experiência, sempre proporcional à quantidade de movimento. Portanto, de acordo com os princípios do Sr. Leibniz,
como essa força ativa impulsiva é sempre a mesma em quantidade, a quantidade de movimento também deve ser necessariamente
sempre a mesma no universo. Ainda assim, em outros lugares ele reconhece (seção 99) que a quantidade de movimento nem
sempre é a mesma, e na Acta Eruditorum de 1686, p.161 [GM VI, 117-9], ele se empenha em provar que a quantidade de
movimento no universo nem sempre é a mesma, a partir desse mesmo argumento, e apenas desse único argumento (de que a
quantidade de força impulsiva é sempre a mesma) que, se fosse verdade, inferiria necessariamente, ao contrário, que a quantidade
de movimento não poderia ser de outro modo senão sempre a mesma. A razão de sua inconsistência em relação a essa questão foi
seu cômputo, por um maravilhoso erro pouco filosófico, da quantidade de força impulsiva em um corpo ascendente a partir da
quantidade de sua matéria e do espaço descrito por ele na ascensão, sem considerar o tempo de sua ascensão.

Ele diz (Acta Eruditorum, 1686, p. 162): “Suponho que a mesma força é necessária para elevar um corpo A de uma libra de peso
até a altura de quatro jardas, o que elevará o corpo B de quatro libras de peso até a altura de uma jarda. Isso é concedido tanto
pelos cartesianos quanto por outros filósofos e matemáticos de nosso tempo. E daí decorre que o corpo A, ao cair da altura de
quatro jardas, adquire exatamente a mesma força que o corpo B, ao cair da altura de uma jarda”.

Mas, nessa suposição, o Sr. Leibniz está muito enganado. Nem os cartesianos nem nenhum outro filósofo ou matemático o
concedem, exceto somente em tais casos em que os tempos de subida ou descida são iguais. Se um pêndulo oscila em um ciclóide,
o arco do ciclóide descrito na ascensão será como a força com a qual o corpo pendular começa a subir do ponto mais baixo,
porque os tempos de ascensão são iguais. E se corpos iguais oscilarem sobre o braço de uma balança a várias distâncias do eixo da
balança, as forças dos corpos serão proporcionais como os arcos descritos por eles na oscilação, pois eles oscilam ao mesmo
tempo. E se dois globos iguais deitados sobre um plano horizontal forem impelidos por forças desiguais, eles descreverão em
tempos iguais espaços proporcionais às forças que os impelem. Ou se globos desiguais forem impelidos por forças iguais, eles
descreverão, em tempos iguais, espaços mutuamente proporcionais a suas massas. E, em todos esses casos, se corpos iguais forem
impelidos por forças desiguais, as forças impressionadas, as velocidades geradas e os espaços descritos em tempos iguais serão
proporcionais uns aos outros. E se os corpos forem desiguais, a velocidade dos corpos maiores será tanto menor quanto os corpos
são maiores e, portanto, o movimento (decorrente da massa e velocidade juntos) será em todos estes casos, e em todos os outros
casos consequentemente, proporcional à força impressionada. (A propósito, a partir disso, é evidente que, se há sempre a mesma
força impulsiva no mundo, como afirma o Sr. Leibniz, deve haver sempre o mesmo movimento no mundo, ao contrário do que ele
afirma).

Mas o Sr. Leibniz confunde os casos em que os tempos são iguais com os casos em que os tempos são desiguais, e especialmente
aquele dos corpos que sobem e descem nas extremidades dos braços desiguais de um equilíbrio (Acta Eruditorum, 1686, p. 162;
1690, p. 234; 1691, p. 439; 1695, p. 155 [GM VI, 117-9; 193-203.204-11, 234]) é confundido por ele com o dos corpos que caem
para baixo e que são jogados para cima sem levar em conta a desigualdade do tempo. Pois um corpo com uma mesma força e uma
mesma velocidade descreverá em um tempo maior um espaço maior, e portanto o tempo deve ser considerado e as forças não
devem ser consideradas proporcionais aos espaços, a menos que os tempos sejam iguais. Onde os tempos são desiguais, as forças
de corpos iguais correspondem aos espaços aplicados aos tempos. E nisso os cartesianos e outros filósofos e matemáticos
concordam, todos eles considerando as forças impulsivas dos corpos proporcionais aos seus movimentos, e medindo seus
movimentos pelas suas massas e velocidades juntas, e suas velocidades pelos espaços que descrevem, aplicados aos tempos em
que os descrevem. Se um corpo lançado para cima, ao dobrar sua velocidade, subir quatro vezes mais no dobro do tempo, sua
força impulsiva será aumentada, não na proporção do espaço descrito por sua subida, mas na proporção desse espaço aplicada ao
tempo, ou seja, na proporção de 4/2 a 1/1 ou 2 para 1. Porque se, nesse caso, a força aumentasse na proporção de 4 para 1 e, ao
oscilar em um ciclóide, o mesmo corpo com a mesma velocidade dobrada descrevesse apenas um arco dobrado e, portanto, sua
força fosse apenas dobrada, esse corpo, com um e o mesmo grau de velocidade, teria o dobro da força quando jogado para cima do
que quando jogado horizontalmente - o que é uma clara contradição. E há a mesma contradição em afirmar que, embora um corpo
no final de braços desiguais de um equilíbrio, ao dobrar sua velocidade, adquire apenas uma força impulsiva dobrada, porém, ao
ser lançado para cima com a mesma velocidade dobrada, adquire uma força impulsiva quádrupla - nessa afirmação, eu digo, há a
mesma contradição, pois corpos iguais com velocidades iguais não podem ter forças impulsivas desiguais.
Supondo que a gravidade é uniforme, Galileu demonstrou o movimento dos projéteis em meios sem resistência, e suas
proposições são admitidas por todos os matemáticos, não excetuando o próprio Sr. Leibniz. Agora, supondo que o tempo de queda
de um corpo seja dividido em partes iguais, uma vez que a gravidade é uniforme e, assim sendo, age igualmente em partes iguais
do tempo, ela deve por sua ação impressionar e comunicar ao corpo em queda forças impulsivas, velocidades e movimentos
iguais, em tempos iguais. E, portanto, a força impulsiva, a velocidade e o movimento do corpo em queda aumentará na proporção
do tempo de queda. Mas o espaço descrito pelo corpo em queda surge em parte da velocidade do corpo e em parte do tempo de
sua queda, e assim está em uma relação composta de ambos, ou como o quadrado de qualquer um deles, e consequentemente
como o quadrado da força impulsiva. E, pela mesma forma de argumentar, pode ser provado que, quando um corpo é jogado para
cima com qualquer força impulsiva, a altura a que ele subirá será como o quadrado dessa força, e que a força necessária para fazer
com que o corpo B de quatro libras de peso suba uma jarda fará com que o corpo A de uma libra de peso suba (não quatro jardas,
como o Sr. Leibniz representa, mas) dezesseis jardas, em quatro vezes o tempo. Pois a gravidade de quatro libras de peso em uma
parte do tempo atua tanto quanto a gravidade de uma libra de peso em quatro partes do tempo.

Ademais, o Sr. Herman, em sua Phoronomia [Amsterdã, 1716], p. 113 (argumentando a favor do Sr. Leibniz contra aqueles que
sustentam que as forças adquiridas pela queda de corpos são proporcionais aos tempos de queda, ou às velocidades adquiridas)
afirma que isso se baseia em uma falsa suposição: que os corpos lançados para cima recebem da gravidade que lhes resiste um
número igual de impulsos em tempos iguais. Isso equivale a dizer que a gravidade não é uniforme e, por consequência, a derrubar
a teoria de Galileu sobre os projéteis, admitida por todos os geômetras. Suponho que ele quer dizer que quanto mais rápido o
movimento dos corpos é para cima, mais numerosos são os impulsos, porque os corpos se encontram com as partículas gravitantes
(imaginárias). E assim, o peso dos corpos será maior quando eles se movem para cima e menor quando se movem para baixo. No
entanto, o Sr. Leibniz e o próprio Sr. Herman admitem que a gravidade em tempos iguais gera velocidades iguais em corpos
descendentes e retira velocidades iguais em corpos ascendentes, sendo, portanto, uniforme. Em sua ação sobre os corpos para
gerar velocidade, eles admitem que ela seja uniforme, em sua ação sobre eles para gerar força impulsiva, eles negam que ela seja
uniforme, e assim são inconsistentes com eles próprios.

Se a força adquirida por um corpo em queda é conforme o espaço descrito, que o tempo seja dividido em partes iguais, e se na
primeira parte do tempo ganha uma parte da força, nas duas primeiras partes do tempo ganhará quatro partes da força, nas três
primeiras partes do tempo ganhará nove partes da força, e assim por diante. E, por consequência, na segunda parte do tempo,
ganhará três partes de força, na terceira parte do tempo ganhará cinco partes de força, na quarta parte do tempo ganhará sete partes
de força, e assim por diante. E, portanto, se a ação da gravidade para gerar estas forças for suposta, no meio da primeira parte do
tempo, ser de um grau, será, no meio da segunda, terceira e quarta partes do tempo, de três, cinco e sete graus, e assim por diante;
isto é, será proporcional ao tempo e à velocidade adquirida, e, por consequência, no início do tempo não será nenhuma, e assim o
corpo, por falta de gravidade, não cairá. E, pela mesma forma de argumentar, quando um corpo é jogado para cima, sua gravidade
diminuirá conforme sua velocidade diminui e cessará quando o corpo deixar de subir, e então, por falta de gravidade, ele
descansará no ar e não cairá mais. A noção desse sábio autor está repleta de absurdos, neste particular.

Para decidir essa questão de forma demonstrativa, deixe dois globos pendulares de aço temperado serem suspensos por raios ou
fios de comprimento igual, de modo que, quando pendurados e tocados um no outro, os raios ou fios possam ser paralelos. Que
um dos globos seja constantemente o mesmo e seja colocado ao lado um do outro a mesma distância em todas as etapas
subsequentes. Deixe que o outro seja de qualquer tamanho e seja afastado de forma contrária a uma distância reciprocamente
proporcional a seu peso. Que ambos sejam então deixados de lado no mesmo momento, para que possam se encontrar no lugar
mais baixo de sua descida, onde penduraram antes de serem afastados; e o primeiro globo sempre se recuperará da mesma forma
do outro. Por esta razão, a força do outro é sempre a mesma quando sua velocidade é reciprocamente proporcional ao seu peso. E,
por consequência, se seu peso permanecer o mesmo, sua força será proporcional à sua velocidade. C. Q. D.
[37]
Nota de Clarke: A vis inertiae da matéria é aquela força passiva pela qual a matéria continua sempre no estado em que se
encontra e nunca muda esse estado, senão na proporção de um poder contrário agindo sobre ela. Trata-se daquela força passiva
não pela qual (como o Sr. Leibniz entende da Kepler) a matéria resiste ao movimento, mas pela qual resiste igualmente a qualquer
mudança do estado em que se encontra, seja de repouso ou de movimento, de modo que a mesma força, que é necessária para dar
qualquer certa velocidade a qualquer certa quantidade de matéria em repouso, é sempre exatamente necessária para reduzir a
mesma quantidade de matéria do mesmo grau de velocidade para um estado de repouso novamente. Essa vis inertiae é sempre
proporcional à quantidade de matéria e, portanto, continua invariavelmente a mesma em todos os estados possíveis da matéria, em
repouso ou em movimento, e nunca é transferida de um corpo para outro. Sem essa vis, a menor força daria qualquer velocidade à
maior quantidade de matéria em repouso, e a maior quantidade de matéria em qualquer velocidade de movimento seria
interrompida pela menor força sem o menor choque. Assim, toda a força na matéria, seja em repouso ou em movimento, toda sua
ação e reação, todo impulso e toda resistência, nada mais é do que essa vis inertiae em diferentes circunstâncias.

[38]
Nota de Clarke: Ou seja, proporcional à quantidade de matéria e à velocidade, não (como afirma o Sr. Leibniz, Acta
Eruditorum 1695, p. 156) à quantidade de matéria e ao quadrado da velocidade. Veja acima, a nota de rodapé da seção. 93-5.

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