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Ariel Farace
Constanza
A Morte
La Música
Mas eu estava lendo também, não se preocupe. Não dizia por sua
causa.
Tem bolinhos.
Os finais pedem poesia, assim que espero o final do dia entre versos.
Claro, diz, mas não com palavras. Diz dessa maneira sublime como diz a
música.
Eu tocava.
Tocava, bailava…
Tudo, tudo, tudo, tudo o que vê pela casa tem sua anedota, sua
história… Teve seu momento.
Que?
Que foi?
Que? Que olhe para você?
E isso? Eu?
Sou eu. Está na poltrona. Tem óculos. Leo, está lendo. Toma chá. Escuta,
escuta uma música.
Humm.
E, sim.
Ai, às vezes, tenho tanta vontade de dar um abraço que parece que
me desfaço.
Penso: Chegará?
Dizem que a morte é um não-lugar que permite falar. Mas falar com
quem? Falar só?
Embora os poetas…
Eu não digo que gerar um varal de palavras ao redor de algo seja algo
simples, mas… E a realidade?
Mas como as coisas são agora uma coisa e depois outra, a realidade
também é uma agora e depois outra.
De perdurar.
Chegará?
Que?
Outra vez?
Bem, agora volto a ler.
A fotografia é cruel.
Se eu não fosse tão bonita, tivesse tido outro destino. Mas não.
Nascer foi meu dom e minha pior desgraça. Fui criada órfã e formosa.
Cavalos, velas, carretas. Para usar água tinha que ir buscá-la até o rio.
Aí conheci o Lucio.
Como esse negro que aparece nos espelhos quando se gastam? Uma
coisa assim.
Um dia estava parada na beira do rio. Não seio que me passou pela
mente, mas queria afogar-me. Estava decidida a afundar no rio. A ser
arrastada pela corrente.
Me deu curiosidade.
E então aí, com meus onze anos, só, fui avançando até a borda do rio.
Devagar.
Então ele, como de soslaio, me olhou de novo e como que o olho assim
me disse: “O olho é um espelho”.
Asno.
Não.
Leia.
Tem bolinhos.
A galinha choca, choca, parece que não está fazendo nada. E aí sai o
pintinho andando. Daqui para lá.
A mulher pode ser que chegue tarde, mas é um animal que está
sempre preparado. Sempre preparada.
A número um.
O vazio…
A natureza…
Nada.
O Mistério.
Pobre, mamãe.
Parece que mamãe era uma mulher de fé. Religiosa, que título bem
não sei.
Nos desencontramos.
Mas o do mistério atrás de mim, não o digo por ela, eh. Não.
O vazio… A natureza…
O Mistério.
O olhar eu imagino.
Pobre, mamãe.
Eu, antes, era uma mulher devota.
Eu gosto da ficção.
Há ficções desgraçadas.
Outras que te marcam como uma mancha, como que deixam uma
auréola.
Ficções inesquecíveis.
Comédia.
Tragédia.
É honesta a ficção.
Honesta e sofisticada.
Ele dizia muito que tinha que por ordem. Muito que há lugares para as
coisas.
Assim passava que a casa estava sempre um pouco suja, mas sempre
em ordem.
É que a ordem é amiga da limpeza.
Sim. Me contaram.
Imagino isso: uma casa com chão de terra batida, a mesa na terra, a
cama sobre a terra, e ela varrendo.
Ela, que limpa até o cansaço, que limpa ainda que seja inútil.
“Fanática”.
Uma diz fanática e parece que ela queria lavar alguma culpa. Mas
não. Eu creio que era mais uma estratégia para diferenciar-se.
E te previnem do desleixo.
Esta manhã, por exemplo, descobri que tudo na casa estava disposto a
receber a visita.
O piso encerado, os móveis e os marcos das janelas livres de pó,
preparada a cama para os hóspedes.
Senti então uma imensa ternura pela gente que me rodeia,
Que escuta cada uma das coisas que penso e digo, por mais
desaforadas que sejam.
Ali ficou a casa.
Adornada para tal fantasia.
A morte é uma ilustre faxineira.
Não se cansa.
Isto de estar assim me faz lembrar um filme que vi quando era jovem.
Um filme em preto e branco.
Havia uma menina loira. Havia uma menina loira que tinha um bebê.
- Como tudo. Um dia sempre segue ao outro. Com tudo, tudo, tudo,
tudo tem seu atrativo. O verão é melhor que o inverno. N outono faz
menos frio. E a primavera é o melhor.
- Sim. Juntos nos divertimos. Às vezes lhe cantamos aos olhos, aos
cabelos… Ou às orelhas, que são tão estranhas e preciosas. Lemos
juntos também. E ao anoitecer, bailamos. Somos tão felizes…
- Outro bolinho?
E ela dizia:
“O olho é um espelho.”
Aí me sento.
O vazio… A natureza…
O Mistério.
Pobre, mamãe.
FIM