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“Constanza morre”

“Logo, apesar de tudo, estarei por fim completamente morto.”


Samuel Beckett, Malone morre

Ariel Farace
Constanza
A Morte
La Música

Surpreende-me tua insistência.

Bom, não é que me surpreenda, mas… Não sei.

Tinha a cabeça em outro lugar.

Isso é algo bom do domingo. Que não há tanto movimento.

Uma planeja e faz.

Sem tanto enrosco como na semana. Sem interrupção.

Não gosto das interrupções. A gente que vive só não gosta de


interrupção.

Mas eu estava lendo também, não se preocupe. Não dizia por sua
causa.

Não. A mim não me interrompe.

Fiz um chá. Estou fazendo.

Tem bolinhos.

O que gosto do chá é a espera.

Essa suspensão do sachezinho na água. Todo esse sabor e cor se


expandindo… Como se deixando ir.

O que antes fervia, fervia num arrebato abafado: agora se amorna.

Se amorna… E vai entregando tudo.


A espera inevitável, não?

Você tomava com açúcar?

Não sei se tomava com açúcar…

Eu gosto de chá doce.

Dizem que o doce nivela a melancolia. É químico.

Assim que para o domingo é ideal: chá, açúcar, uns bolinhos.

Eu também estava lendo. Aí mesmo. Na poltrona. Para passar a tarde.

Os finais pedem poesia, assim que espero o final do dia entre versos.

Me sento na poltrona, leio…

Não sei. Tomo chá.

Me compenetro nos versos. É meu momento.

Às vezes até parece que os poetas falam de mim.

Que? Que foi?


Que? O leio?
Que o leia.
Ah, sim, o leio.
Sim, sim. O leio, O leio.

Morrer é uma arte, como tudo.


Eu a faço excepcionalmente bem.
Tão bem que é una barbaridade.
Tão bem que parece real.
Se diria, suponho, que tenho o dom.
Não sei se tomava com açúcar…
E ela, quem viria a ser?

Você não fala?

Não diz nada.

Claro, diz, mas não com palavras. Diz dessa maneira sublime como diz a
música.

Quero dizer que a música, a seu modo, nomeia as coisas.

Por exemplo, eu imagino uma música que diz assim:


“Pelo penhasco da tarde vejo cair minha vida inteira.”
“Caminhemos juntos”?
“O sol brilha sem pausa”?

Não sei. Coisas assim.

Toque tranquila. Eu gosto da música.

Eu tocava.

Tocava, bailava…

Quando mais jovem bailava. Por um tempo. Depois deixei.

O piano agora o tenho de enfeite. O tenho de recordação.

Muitas coisas tenho de recordação. Tudo.

Tudo, tudo, tudo, tudo o que vê pela casa tem sua anedota, sua
história… Teve seu momento.

E bom. Agora fiz um chá. Tem bolinhos.


Sou Constanza.

Você toma com açúcar?

Que?
Que foi?
Que? Que olhe para você?

Ah, que te olhe. Sim, te olho, estou te vendo.


Isso, que é?

Ah, a cavalo. Está cavalgando. Dispara. Aí vem outro, tem algo na


cabeça esse daí, grita. Um índio. É um índio, aí está o arco. O outro vem
atrás. Está perseguindo-o. Aí lhe atirou a flecha. Fuá. Deu no peito.
Derrubado.

Outro. Está caminhando. Pega uma flor, caminha por um bosque.


Cheira a flor… Tira um caderno. Como que se lembrasse de algo, se
inspirou. Um poetastro!É um poetastro, está escrevendo. Põe-se nervoso,
é a excitação da criação. Inspirou-se. Treme, tem palpitações… O
coração bate rápido. Rápido, rápido e frá, perde a emoção, fica
batendo no chão. Morto.

E isso? Eu?

Sou eu. Está na poltrona. Tem óculos. Leo, está lendo. Toma chá. Escuta,
escuta uma música.

Toma chá, ri e que …

Que? Que que ele tem?


Que...?

É como uma convulsão, um…

Cai sobre o tapete e.

Humm.
E, sim.

Morrer aos berros é uma coisa tensa.

Eu prefiro a música. A música não morre nem sabe morrer.


Gosto de ter você em casa.

Ai, às vezes, tenho tanta vontade de dar um abraço que parece que
me desfaço.

Eu temo que a morte chegue.

Penso: Chegará?

Dizem que a morte é um não-lugar que permite falar. Mas falar com
quem? Falar só?

Não, prefiro ler os poetastros sentada na poltrona.

Prefiro tomar um chá, dormir a sesta. Olhar o sol passar.

Até prefiro falar com você que está calada.

Dormir é um ensaio perfeito da morte própria.

É uma morte cálida e arejada.

Às vezes, dormindo, sonho que estou morrendo, mas, justo antes de


morrer, no instante exato do decesso, me desperto.

É assim, quando um sonho chega ao momento do horror maiúsculo, nos


desperta.

E se a vida é um sonho, como dizem os poetas, penso que morrer será


tudo abrir os olhos e despertar.
Abrir os olhos é bastante tudo.

Embora os poetas…

Os poetas acomodam as palavras para que caibam no verso do


melhor modo.

Há poetas que escrevem trovas que não há diabo que as entenda.

Eu não digo que gerar um varal de palavras ao redor de algo seja algo
simples, mas… E a realidade?

Com a realidade, que fazemos?

Porque a realidade é tudo, tudo, tudo o que as coisas são.

Mas como as coisas são agora uma coisa e depois outra, a realidade
também é uma agora e depois outra.

Eu me desperto de manhã e essa é minha realidade. À tarde uma sesta,


outra realidade. Me desperto à noite, de repente, tudo escuro, me
descubro: aí está minha realidade.

E a sua vez a realidade tem essa constância de ser sempre a mesma,


não?

De ser sempre as coisas. A aparência das coisas.

De perdurar.

Chegará?

Assim penso: Chegará?

Que?

Outra vez?
Bem, agora volto a ler.

Dormir é como sonhar a morte.


Da mesma maneira em que despertar
é como sonhar a vida.
Às vezes já não posso distinguir qual é qual.

Horrível este, Lucio.

A fotografia é cruel.

Com o invento do espelho alcançava.

É que a beleza é uma grande ameaça. A beleza assusta.

Se eu não fosse tão bonita, tivesse tido outro destino. Mas não.

Nascer foi meu dom e minha pior desgraça. Fui criada órfã e formosa.

Passei a infância no campo. Num canto do campo.

Cavalos, velas, carretas. Para usar água tinha que ir buscá-la até o rio.

Aí conheci o Lucio.

No rio. Na margem do rio.

Tinha dez… Onze anos.

Eu ensaiava a morte em minha casa de menina.

Mas não dormindo. Não.

A morte que eu ensaiava era como um quadro negro. Eu a imaginava


assim.

Um quadro todo pintado de negro, atrás do qual estava eu.

Um negro… profundo. Onde eu podia estar segura, guardada.

Como esse negro que aparece nos espelhos quando se gastam? Uma
coisa assim.

Em minha casa no campo tinha um só espelho.

Um espelho velho, grande como uma porta, alto.

Eu parecia menor do que era num semelhante espelho.

E me olhava muito. Era tão bela…

O espelho estava todo riscado, de brilho nada.

Era como se um gato gigante o tivesse arranhado.

Eu imaginava muito animal gigante.

Sim. É que o campo está cheio de bichos. E eu nessa época já lia.


Lia muito.

Mas, bom, a coisa é que o negro do quadro da morte que imaginava


era igual ao negro que esquivava nesse espelho grande de minha casa.
Passava horas em frente ao espelho. Rosto e morte confundidos. A cara
toda desarmada. Em pedaços.

Um olho na luz e o outro na escuridão.

O que passa é que eu lia muito.

O que estou contando?


Ah, o rio.

Um dia estava parada na beira do rio. Não seio que me passou pela
mente, mas queria afogar-me. Estava decidida a afundar no rio. A ser
arrastada pela corrente.

Digamos que queria morrer.

Queria provar como era estar morto.

Não sei, coisas de criança.

Me deu curiosidade.

E então aí, com meus onze anos, só, fui avançando até a borda do rio.
Devagar.

Em minha cabeça um negro claro. Redondo.

E já em frente à correnteza, só os calcanhares na terra, disposta a


deixar-me cair, perdido o equilíbrio e o peso, sentindo no corpo a
erupção doce da vertigem, zás! O olhar de Lucio.

O negro profundo da minha cabeça que se apaga e o olhar de Lucio.

Seus olhos nos meus. De repente. Entre as árvores.

O olhar de Lucio… e como uma música.

E este burro? Pensei.

Asno, disse ele. E me mordeu a gola da camisa, que rasgou. De um só


puxão me afastou da beira.

Eu fiquei jogada no pasto. A roupa rasgada, barro, não sei se chorava.

E então ele se aproximou e baixou a cabeça.


Como oferecendo-se.

Oferecendo-se ou desculpando-se, não sei.

Eu acariciei apenas a cabeça, devagar, entre os olhos.

E vi que carregava coisas…

Tem que transportar semelhante carga, pensei.

E ele fez como… Como um gesto com o focinho. Como um…

Aí subi encima e fiquei olhando o céu. Pensando no céu.

Então ele, como de soslaio, me olhou de novo e como que o olho assim
me disse: “O olho é um espelho”.

Eu meio que não entendi.

Mas depois, encima de Lucio, meio galopando de volta a casa, pensei


na água do rio, olhei o céu, senti o vento empurrando-me as lágrimas e
repeti: “O olho é um espelho”.

A natureza começou a tomar um sentido inédito.

Lucio é a morte e um burro.

Asno.

E bom, desde então que me segue sem pausa.

Mas sem pausa, eh. Faz tudo o que faço.

Eu como, ele come. Eu bailo, ele baila. Eu leio, ele lê.


Obcecado com a poesia, os poetastros...

Quê? Outra vez?

Não.

Ai, Lucio, não seja chato. Não.

Porque não lê você? Leia você.

Você sabe ler, vai.

Leia.

Agora sou um lago. Uma mulher se inclina sobre mim,


buscando em minha superfície o que realmente é.
Não significo nada para ela.
Me deixa e volta a mim constantemente.
Cada manhã seu rosto
vem substituir a escuridão.
Em mim se afogou uma jovem outrora,
e em mim uma anciã hoje se ergue ante ela,
dia após dia, como um peixe terrível.

A fidelidade de Lucio aterroriza.

…E por isso se festeja o bicentenário.

Bom, vamos tomar o chá.

Tem bolinhos.

Em geral, o alimento é modesto. Oculta suas virtudes na aparência


inexorável que lhe deu o mundo.

Tem alimento agraciado e alimento não tão agraciado.


A cenoura parece uma batata excêntrica, mas é puro beta-caroteno.

O alimento não é o que parece.

A aparência da semente não promete a árvore nem a maçã, mas dê-


lhe tempo e aí estão. É deixar que a semente fale e aí estão.

A galinha choca, choca, parece que não está fazendo nada. E aí sai o
pintinho andando. Daqui para lá.

O feminino sabe porque o feminino foi o primeiro.

Alguém terá parido o primeiro homem, não, Lucio?

Mas, assim e tudo, feminino ou não feminino, as mulheres chegam


tarde. Foram chegando tarde.

Por aí porque estavam parindo justamente. Não sei.

Digo “estavam parindo”: “Estávamos”.

A mulher pode ser que chegue tarde, mas é um animal que está
sempre preparado. Sempre preparada.

Sempre, e desde sempre.

Todo esse conto da primeira mulher...

A primeira mulher não escutou uma serpente da árvore. Escutou a


fome.

Escutou a doçura, a umidade, a casca vermelha da fruta. Escutou a


maçã.

É preciso saber escutar as coisas.


A primeira mulher. Eu às vezes me sinto como a primeira mulher.

A número um.

Estou lendo sentada na poltrona e penso: Eu sou a número um.

Antes de mim: nada.

O vazio…

A natureza…

Nada.

O Mistério.

Me sinto assim: Esteve o nada, e agora estou eu.


Como quando dizem de alguém que nasceu de um repolho? Uma
coisa assim.

Pobre, mamãe.

Parece que mamãe era uma mulher de fé. Religiosa, que título bem
não sei.

Mas me disseram assim: Ela era uma mulher de fé.

Tua mãe, me disseram.

Tua mãe era uma mulher de fé.

Morreu quando nasci.

Não, não a conheço. Não cheguei.


Não sei se ela me viu tampouco, não.

Nos desencontramos.

Mas o do mistério atrás de mim, não o digo por ela, eh. Não.

Quando digo Mistério o digo em sentido amplo.

Em forma poética o digo.

O vazio… A natureza…

O Mistério.

Eu não conheci minha mãe, mas a imagino.

Sim. Imagino ela vestida de marrom. Vestida de marrom e cheia de fé.

Às vezes a imagino despenteada também.

Menina, como que se não sei se é menino ou menina. E despenteada.

O olhar eu imagino.

E aí no olhar é de onde eu vejo o da fé, vejo a crença.

Eu a imagino com olhos grandes que crêem, assim: Devota.

Devota não sei… Devota… de algo, não?

Toque tranquila você.

Pobre, mamãe.
Eu, antes, era uma mulher devota.

Fui. Mas deixei.

Me… confundia a fé.

Como que misturava as coisas, me deixava confusa.

Mas um dia disse: Não. A mim não me pegam mais.

Agora a ficção, sim.

Eu gosto da ficção.

Eu gosto porque tem para todos e para cada um.

Cada um com seu livrinho, cada um com sua ficção.

Há ficções desgraçadas.

Ficções para entreter-se e ficções que dão pena.

Ficções incríveis, trágicas.

Outras que te marcam como uma mancha, como que deixam uma
auréola.

Ficções inesquecíveis.

Que fazem rir.

Comiquíssimas, de uma alegria terrível, que são de morrer de rir.


Ficções esquivas, de olhar torvo.
E ficções que olham de frente. Que se oferecem desde os olhos com
toda claridade.

Comédia.

Tragédia.

A fé pode cegar. Mas a ficção, não.

A ficção não cega.

É honesta a ficção.

Honesta e sofisticada.

Minha ficção é este corpo que pensa.

Que cheira, que gosta, que escuta e vê.

Esta, minha aparência, é minha ficção.


Bom, basta.

Meu papai era carinhoso, mas severo.

Ele dizia muito que tinha que por ordem. Muito que há lugares para as
coisas.

Cada coisa tem um lugar, dizia papai, e assim é.

É quando está em seu lugar.

Assim passava que a casa estava sempre um pouco suja, mas sempre
em ordem.
É que a ordem é amiga da limpeza.

Parece que mamãe era fanática pela limpeza.

Sim. Me contaram.

Eu imagino mamãe varrendo até o chão de terra.

Imagino isso: uma casa com chão de terra batida, a mesa na terra, a
cama sobre a terra, e ela varrendo.

Ela, que limpa até o cansaço, que limpa ainda que seja inútil.

“Fanática”.

Uma diz fanática e parece que ela queria lavar alguma culpa. Mas
não. Eu creio que era mais uma estratégia para diferenciar-se.

Para ser original.

Em matéria de limpeza, para mim, aquele que pode, é Ariel.

Verde, líquido. Aparência de veneno e nome de anjo: Ariel.

Outro que eu gosto é Mister Músculo. Os braços inchados, de cueca,


com botas: Um verdadeiro super herói de vaso sanitário. Como um
bombeiro fortão.

Para as prateleiras com adornos: Blem. O brilho que deixa… E evita o


acumulo de pó porque faz como uma capa elétrica. O pó vem e o
magnetismo da capa elétrica essa que deixa: záz, o desvia.

Outro que me mata é o Cif. De nome onomatopéico, mas


contundente. Cif. Essa força que tem... A coisa espessa. Você derrama
sobre a bancada e é como lava de vulcão que varre com tudo.
Mas uma tem que ser limpa internamente. A limpeza, a verdadeira
limpeza, vai por dentro.

Isso eu sempre destaco.


Mas um lado de fora impecável ajuda.

E te previnem do desleixo.

Te previnem do desleixo, que é o pior.

O descontrole, a natureza, o mero instinto.

Assim, como crescem as plantas. Assim, dentro de uma, cresce sem


pausa o desleixo.

Um não o nota e ela está dando seus pequenos frutos.

É uma erva daninha da natureza humana o desleixo.

O único que peço sempre é isso: não deixar-me estar.

Me dou alerta: Coti, você está deixando estar.

Lucio, você está deixando estar.

Menina! Você está deixando estar.

Esta manhã, por exemplo, descobri que tudo na casa estava disposto a
receber a visita.
O piso encerado, os móveis e os marcos das janelas livres de pó,
preparada a cama para os hóspedes.
Senti então uma imensa ternura pela gente que me rodeia,
Que escuta cada uma das coisas que penso e digo, por mais
desaforadas que sejam.
Ali ficou a casa.
Adornada para tal fantasia.
A morte é uma ilustre faxineira.

Leva tudo nosso.

A muito burra, a muito cretina.

Não se cansa.

Isto de estar assim me faz lembrar um filme que vi quando era jovem.
Um filme em preto e branco.

Havia uma menina loira. Havia uma menina loira que tinha um bebê.

E havia um homem da Idade Média. Alguém antigo.

Como um soldado, um cavaleiro… Uma coisa assim.

Eles estavam perto do mar, e faziam um pic-nic.

Estavam sentados no pasto.

Eu sempre gostei de pic-nic.

Então a menina do filme, toda loira, dizia:

- Que maravilhosa é a amizade.

- Mas dura pouco.

- Como tudo. Um dia sempre segue ao outro. Com tudo, tudo, tudo,
tudo tem seu atrativo. O verão é melhor que o inverno. N outono faz
menos frio. E a primavera é o melhor.

- Nos preocupamos por tantas coisas…


Sim, ele dizia isso.

Nos preocupamos por tantas coisas…

E o pai do bebê loiro começava a tocar uma música.

Convidavam frutas, leite.

Nos preocupamos por tantas coisas…

- É bom não estar só.

- Sim. Juntos nos divertimos. Às vezes lhe cantamos aos olhos, aos
cabelos… Ou às orelhas, que são tão estranhas e preciosas. Lemos
juntos também. E ao anoitecer, bailamos. Somos tão felizes…

- Outro bolinho?

- Crer em algo ou em alguém é sofrer. É como amar alguém que está


longe, nas trevas. Alguém que não se apresenta por muito que o
chame. Alguém que nunca responde. Sentado aqui, com vocês, como
se tornam irreais todas estas coisas. Perdem sua importância.

Perdem sua importância, sim.

E ela dizia:

- Eu sempre vou me lembrar deste dia.

Vou me lembrar desta paz.

Dos bolinhos, do chá.

De seus rostos debaixo desta última luz.


Vou me lembrar de você, lendo, sentado ao meu lado.

E de você, jovem, perto do piano.

Conservarei a lembrança de tudo o que falamos.

O levarei em minhas mãos, amorosamente, como se leva uma xícara


de chá.

Ah, quando um tempo confuso volta a tornar-se terso na memória,


No tempo verdadeiro que foge, por algum instante,
Que sabor a morte…

Quando entardece e estou em casa saio até a sacada.

Na sacada, seguro a cabeça e olho o céu.

Fico assim. As mãos nas têmporas, olhando o céu...

E a vejo vir. Com o sol que se afasta. Caminhando lento.

Como uma vontade de chorar.

Uma vontade de chorar anciã que caminha lento.

Que está no céu e vem de longe. Lento.

Que parece que chega… E não.

Que está a ponto… E não.

“O olho é um espelho.”

O olho espelha, digo para mim.


E depois meio que rio.

Meio que rio, respiro, e o sol se vai.

Aí me sento.

Ou fico de pé, como esperando.

Vejo o que resta de luz escondendo-se no céu.

E penso: Eu, sou a número um.

Antes de mim: nada.

Nada, nada, nada.

O vazio… A natureza…

O Mistério.

Pobre, mamãe.

Ah, é difícil deixar tudo.

Vou regar essa planta que está que se/

FIM

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