A história do encantamento, necessidade. Encantar-se para viver. Viver
encantado, assim, fora do comum, saindo da normalidade, fugindo do cotidiano, estar encantado e encantar. Dia desses, numa de minhas aulas de literatura para crianças de primeiro aninho, os pequeninos, como carinhosamente os denomino, estava eu a contar-lhes uma história, “O coqueiro encantado”, perguntei-lhes o que entendiam por encantado e logo percebi que nalgumas salas alguns deles levantavam as mãos e respondiam: “mágico”. Isso, a magia de viver, precisamos disso. A atitude terra-terra machuca, é cruel, precisamos sim, praticidade, porém ao ficarmos longe do sonho, da magia, daí então, assim como o carrossel de abóbora, perdemos o encanto e, próximos ao sapo, coaxamos na mesmice. Escrever tem de ter um encanto, assim como viver. Aliás, por mim, escrever é viver. Vejam vocês que meu tema está em tudo, não estou focado num aspecto, sim, em todos. Todos são um, o ser humano assim, simples e complexo ao mesmo tempo. Quando saio pelas ruas, saio assim, tento ao menos, sair e voltar pleno. Muita coisa no ar, assim, saímos e pedimos a benção e a companhia de bons fluídos, de luz, e vamos. Tem de tudo por aí. O encantamento é que não pode ser perdido, deixado, desgastado com o tempo e com os encontros e desencontros. Encantamo-nos e pronto! Somos sinceros! No momento encanto-me comigo mesmo, me curto, me gosto. Assim, encanto de felicidade, dor, alegria, tristeza, uma mescla de sentimentos. Em versos de um dos poemas meus: “A vida assim / Encantos, encantos / Depois de surras da vida, / De aço cortando a língua da palavra”. É preciso saber viver, mas, acima de tudo, é preciso ter coragem pra escrever. Um poema, um verso, uma vida inteira ali. Ter coragem de ter a palavra ali, sendo manipulada, pronta pra tua manifestação, uma ligação entre mente, desejo, encanto e produção. Expressar, riscar, cortar, doer vida na palavra. Vivendo entre tantos, por vezes, a coragem de ser inteiro, só e não solitário. Trago isso comigo, cada vez mais, só pra ser inteiro. Produzir, pensar, refletir. Assim, de certa forma o somos mesmo, sós. Mas, a solidão não como um sofrimento, sim, como a busca, encontro comigo, com minha mais alta e primordial essência. O ser que sou sendo aquele que está na alma e em mim mesmo. Mas, tudo é um grande barato. Observo de longe, distante mesmo de um problema, quando não lá por perto. Sempre parecido, hoje assim, amanhã também, depois idem. O que muda? Nós mudamos. Nossa forma, maneira de estar e lidar com essa coisa árida. Nunca gostei muito de multidão. Mesmo quando jovem rapaz, lá estava eu, sobre minha motoca, saia só, encontrava amigos, mas, saia e voltava só, claro, isso quando não ficava por aí. Mas, não precisava, gostava de todos, sempre bom, mas, ali, no fundo, só. A poesia, sem que eu percebesse, hoje muito mais, sempre foi minha grande amiga. Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Florbela, Ferreira Gullar e todas as Pessoas do Pessoa. Muitos outros, mas, sempre a poesia nos poemas, tantos quantos poemas, lá a expressão maior, poesia. Assusto-me um pouco com a falta de vontade de ouvir e ler poesia, mas, como disse, um pouco. No fundo para mim tanto faz. Tudo isso é uma questão de gosto, de qualquer forma, ele, o poema juntamente com a poesia está em tudo, toda música tem os seus versos, mas, tem essas e aquelas, o gosto. Democraticamente pulsa o poema, abstrai a poesia. Em casa, no dia de hoje, após o dia do dia, então, ouço um pouco de música, toca aqui Belchior, toca Rita Lee, tocam Queen, Legião Urbana, Gonzaguinha, Chico Buarque, Ataulfo Alves, Luís Melodia, Creedence, tocam muitos e muitos me tocam. É nisso que acredito, na vontade, no encanto de viver, ouvir e cantar. E, num canto ou em cada canto, um encanto. Salve, salve, assim é a vida, assim passamos e retornamos às lembranças, assim vontades, um beijo no encantamento, a saudade e a vontade que pulsa como uma mola que escapa, assim, simples assim.