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A IMAGEM: UMA JANELA PARA O INVISÍVEL

Kátia Mendonça

Belém - Pará
Marques Editora
2018
Revisão: Kátia Mendonça
Capa: Eliane Miotto - Manipulação eletrônica sobre o Cristo Salvador, de Andrey Rublev. Original: Christ the Redeemer by
Andrey Rublev. (Atualmente exposto na Tretyakov Gallery, em Moscow). Domínio público.

Mendonça, Kátia
A imagem: uma janela para o invisível / Kátia Mendonça.
Belém – PA: Marques Editora, 2018.
Ebook
ISBN 978-85-61468-62-0
1. Imagem (filosofia). 2. Simbolismo (Psicologia). 3.
Religião. 4. Semiótica. I. Título. II. Autor.
CDD 102.230
Para Ele, que caminha pelas trevas da cidade, acossado...

Para meu filho, Léo.


Destruir o ícone significa murar a janela.
Pavel Florenski
AGRADECIMENTOS
Este livro se construiu a partir de uma caminhada profissional entre: os alunos e
professores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA -
Universidade Federal do Pará e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
UEPA, os membros do Projeto de Extensão Universitária Peregrinos da Paz, o Grupo de
Pesquisa Arte, Imagem, Ética e Sociedade e o Grupo de Investigación Fundamentos Filosóficos
de la Idea de Solidaridad da Universidade Pontifícia Comillas, em Madrid, coordenado pelos
Profs.Drs.Miguel Garcia Baró e Olga Belmonte.
As pesquisas que lhe deram origem foram subsidiadas pelo CNPq-Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela CAPES -Comissão de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior e pela PROPESP – Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Gradução da
UFPA.
A capa foi delicada e talentosamente criada por Eliane Miotto e a edição gentilmente
publicada pela Marques Editora.
Muito obrigada a todos!
INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I- POR UMA HERNEMÊUTICA ESPIRITUAL

CAPÍTULO II- DA IMAGEM EM CORBIN E EM DURAND

O mundo Imaginal

A questão da energia em Corbin

Gilbert Durand e a questão do mundo imaginal

A ilusão de Heidegger

A liusão da gnose

CAPÍTULO III-EM TORNO DA QUESTÃO DA ENERGIA

Energia como ação de seres espirituais

Essência e Energia

Gregório Palamas

CAPÍTULO IV - PAVEL FLORENSKI: IMAGEM COMO JANELA PARA O INFINITO

A dessacralização das imagens

A Filosofia da Perspectiva de Florenski

Os sentidos espirituais da imagem: chaves para o mundo contemporâneo.

Imagem como Janela para o Divino

CAPÍTULO V - SERGEI BULGAKOV E A QUESTÃO DA ENERGIA

A questão do Sagrado Mistério do Nome de Deus

CAPÍTULO VI - PARA ALÉM DO ÍCONE

A imagem como janela

A imagem como energia

BIBLIOGRAFIA

NOTAS

INTRODUÇÃO

Este ensaio foi escrito após uma vivência acadêmica que envolve, há anos, estudos sobre
imaginário, arte e ética. E quando falamos de ética estamos a falar das relações tecidas entre os
homens e destes com as comunidades, com a Criação e com Deus. Não à toa, Martin Buber tem
sido nosso interlocutor durante todos esses anos. A partir dele novos caminhos surgiram em
diálogo com várias tendências filosóficas, até desembocarmos em estudos sobre o cinema de
Tarkovski e sobre a literatura de Dostoievski. Esse caminho multifacetado não é, contudo,
errático, como possa parecer; ele é caracterizado por uma busca pelo sentido da vida que,
infelizmente, por força de sua origem e desenvolvimento epistemológico, encontra-se ausente
das ciências sociais. Este sentido encontra-se dentro, mas também fora de nós. É visível, mas é
também invisível. Como localizá-lo em meio a um cenário de destruição como enfrentados pelo
nosso país, o Brasil, e pelo mundo, hoje? Pensamos que esta caminhada se fez e se faz orientada
por uma esperança e por uma expectativa que temos quando em meio ao caos e a destruição
olhamos para o céu.
Assim, este não quer ser somente um ensaio sobre as bases do poder da imagem, buscadas
em meio aqueles que meditaram sobre isso, mas, é um momento no percurso do nosso espírito.
Daí nosso diálogo com autores que, a partir de suas tradições, apontam para algo perdido por
nós. Sabemos que nosso olhar sempre será mediado pelas circunstâncias histórico-culturais em
que vivemos no século XXI, na América Latina e na Amazônia. Mas acreditamos que temos que
afastar o pó que envolve nossa visão contemporânea para tentar avançar rumo a um edifício
subterrâneo, convidando outros escavadores para que busquem e avancem mais profundamente
em busca do sentido.
Páscoa de 2018.
Kátia Mendonça
CAPÍTULO I- POR UMA HERNEMÊUTICA ESPIRITUAL

Vivemos em uma sociedade escrava de relações mediadas por imagens visuais produzidas
por uma tecnologia em incessante expansão. Em larga medida o homem contemporâneo gira e
constrói suas relações intersubjetivas e sociais através dessas imagens, seja pela internet, seja
pela televisão ou pelos meios impressos. Em tal processo chega a desaparecer a distinção entre o
real e o falso, tendo o real mesmo perdido o sentido. Seu ponto final é o relativismo extremo, que
das imagens chega aos valores. Diariamente atos de violência são reproduzidos e estampados em
todos os meios de comunicação e o que se assiste é uma verdadeira replicação dos mesmos
expressa em ações que rapidamente se expandem individual e coletivamente.
Ao falarmos aqui de violência não nos limitamos às suas modalidades física ou urbana,
como se banalizaram em nosso país nos últimos anos, mas falamos também de todos os
atentados, dos mais sutis e simulados aos mais explícitos, perpetrados contra a Criação, da qual
faz parte o homem, e contra o Criador. Sim, este ensaio parte da premissa de que esses dois
núcleos estão intimamente ligados e se nós, pelo fato de termos eclipsado Deus, não
reconhecemos nossa condição existencial primordial, de criaturas, isso não elimina o fato de que
o somos. Assim, falar de violência contra a Criação da qual fazemos parte diz respeito aos
atentados que vão desde a imagem pornográfica veiculada na supostamente livre internet e que
hoje se traduz no terrível sexting que já levou tantos adolescentes e crianças ao suicídio no
mundo todo; inclui o sutil assédio moral ou a tortura psicológica perpetrados contra as pessoas
nos mais inesperados ambientes, do lar ao trabalho; mas passa também pela corrupção nas
franjas do Estado, que mata, corrói vidas e que muitos, teimando em ideologizá-la, relutam em
reconhecer como sendo a destruição de qualquer possibilidade de agir político. A violência
transita também por uma ideologização perigosa da liberdade individual que se traduz em mortes
patrocinadas pelo Estado, com recursos públicos, como o são os casos da eutanásia e do aborto.
A violência urbana, que explode em países como o Brasil, é apenas a ponta do iceberg de um
cenário trágico onde a violência já reina há muito tempo e que hoje revela sua extremidade,
quando a camada profunda é muito maior e diz respeito ao profundo afastamento de Deus a que
o homem chegou, a ponto mesmo de perder a sua face humana, de esquecer que é imagem de
uma realidade muito maior e mais bela.
É nesse cenário que podemos afirmar que chegamos à plenitude da violência por
réplica, pressentida nos anos 90 em muitas palestras que fizemos pelo país afora, quando então
tínhamos a forte intuição que tal quadro se aprofundaria no mundo e no Brasil. Tal preocupação
e, mesmo dizendo, tal vivência espiritual, em primeiro lugar, e intelectual, em segundo, deu
origem a este ensaio acerca da imagem, do seu estatuto e do seu poder. Nele serão abordados os
caminhos espirituais e éticos que ela pode abrir para nós, o que esperamos nos ajude a pensar
acerca das possibilidades de reversão desse quadro de destruição crescente.
Lembremos que a discussão sobre o poder das imagens tomou amplitude nos anos 70,
quando Guy Debord lançou o seu clássico A Sociedade do Espetáculo[1]. Na verdade, o
pensamento de Debord apresenta sérias limitações que residem em uma visão materialista da
questão, a qual pressupõe, ingenuamente, que superado o capitalismo, superada também seria a
sociedade do espetáculo, pois esta seria uma fase, a última, da alienação provocada pelo modo de
produção. Além de Debord, autores como Jean Baudrillard[2] e Mario Perniola destacaram que o
estatuto da imagem hoje é o do simulacro onde “imagens e narrativas tornaram-se apenas
sombras, delineamentos de uma ficção para a realidade. O exterior tornou-se o interior, a
aparência se tornou realidade, as imagens de TV tornaram-se a narrativa do que é - não há nada
fora das imagens - até a morte e a morte da guerra se tornaram - como ocorreu na Guerra do
Vietnã - imagens em uma tela (e aqueles que realmente morreram alcançaram seu fim e glória
por um relatório na TV”[3]. A imagem gira em torno de si mesma, precede e, deste modo, dá
origem à realidade (precessão do simulacro), é “"uma imagem sem referente, uma construção
artificial sem modelo, sem protótipo e incapaz de se apresentar como um modelo" ou, como
destaca Russo, na estética moderna não temos mais a querela da proibição das imagens, temos
agora uma situação onde “toda distinção entre visível e invisível é tecnicamente consumada, em
que tudo pode e deve ser visto e, de modo blasfemo Deus substituído por Hollywood e pela
Internet, a imagem tornou-se uma metástase do mundo como panvisibilidade”[4]. Além destes
estudos há que se mencionar o clássico de Freedberg, orientado[5] por um diálogo entre a
psicologia, as neurociências, a história da arte e a antropologia. Buscando ver as especificidades
da recepção da imagem e as reações psicológicas a elas, sua tese central é que as imagens
exercem um grande “poder” emocional e psicológico sobre seus receptores. A partir dessas
análises chegou-se a uma certa concordância de que as noções de cópia e de modelo foram
destruídas no imaginário social.

Mesmo sendo diferente o nosso percurso neste ensaio, nos chama a atenção a dramática
afirmação de Deleuze, em se referindo ao O Sofista de Platão: “à força de investigar o simulacro
e de se debruçar sobre seu abismo, Platão, no clarão de um instante, descobre que ele não é
simplesmente uma falsa cópia, mas que põe em questão as próprias noções de cópia e de
modelo”[6]. Esta é a situação com a qual nos defrontamos hoje: o solo das relações na vida social
e política contemporânea se esvanece na medida em que as noções de cópia e de modelo
desapareceram totalmente, abrindo as portas para a construção do imaginário da pós-verdade[7].
O problema de análises como as de Debord, Baudrillard e Perniola reside no fato de serem
elas marcadas pelo materialismo e pelo positivismo. Isso lhes retira a possibilidade de alcançar
um horizonte espiritual mais profundo, impedindo-as de ver como assustadora é a realidade
encoberta pelas falsas imagens ao tornar-se algo que abala não só as vidas pessoais, mas,
sobretudo, a vida social e a esfera política, ou o que aquilo resta delas. Sem verdade e sem
referentes, o homem perdeu a capacidade de se relacionar consigo mesmo, com a comunidade e,
por fim, com a esfera pública. Seu caminho o defronta, no presente, com a destruição completa
da noção mesma de humanidade.
É catastrófico pensar que não se pode mais confiar em nada e em ninguém, ou que a
palavra perde o sentido, que verdade e mentira, falso e verdadeiro, real e imaginação, são
esfacelados. É assustador não se ter mais o solo da verdade factual, para utilizar a expressão
arendtiana, sobre o qual se constrói a política como arte de atingir o bem comum. É terrível se
perder a percepção acerca de se o visto no ecrã do televisor ou no do celular corresponde ao real
ou a uma montagem; se os vilões são verdadeiramente vilões e se os bons são realmente bons; se
as pessoas mentem, ou não. A resolução para muitos parece estar em deixar de se preocupar com
a verdade, esta incômoda figura, e assumir a posição de “porque se preocupar com a verdade se
ela não existe mais?”. Para dar conta desses dilemas as ciências sociais criaram o conceito de
“verdade socialmente construída”[8].
No mundo da pós-verdade os homens perdendo o contato com o fundo espiritual de suas
vidas, ou seja, com Deus, perderam o caminho de casa, o caminho de sua morada espiritual.
Perderam também a percepção do real e, assim, a compreensão de si próprios como seres
humanos. A centralidade cabe agora a imagens que se fetichizam envolvendo suas vidas como
um furacão, que tudo destrói por onde passa. As consequências da destruição da percepção da
verdade para a espiritualidade humana, assim como para as relações intersubjetivas e sociais, são
ainda inalcançáveis, pois se não há real e se esvanecidas foram as noções de falso e de
verdadeiro estamos em pleno reino previsto pelo personagem de Dostoievski, Ivan Karamazov,
no qual “se Deus morreu, tudo é permitido”.
Sabe-se apenas que isso é algo que, efetivamente, parece estar ocorrendo hoje no caos
espiritual e imagético em que mergulha a sociedade ao adentrar em uma labiríntica Torre de
Babel, onde imagens desconexas e experiências de vida se entrecruzam em uma velocidade
espantosa ancoradas sobre uma potente tecnologia que se faz prótese de comportamentos
individuais e sociais marcados pelo vazio e pela violência. Ao falarmos do imaginário da Torre
de Babel ingressamos no imaginário do Apocalipse. Chega-se à borda da autodestruição pela
tecnologia forjada por seres espiritualmente imaturos para com ela lidar.
Para nos aproximarmos de uma compreensão dessa situação e suas consequências,
desejamos aqui tecer uma hermenêutica espiritual da imagem. Aqui a palavra espiritual carrega
consigo não só a busca de um sentido, de uma orientação, por trás e adiante da imagem e da vida
humana que a produz, mas também, e antes de tudo, a crença de que há um mundo invisível aos
nossos olhos, para além dos nossos sentidos, convivendo com um mundo visível. Dionísio, o
Areopagita diria que os ícones são “representações visíveis de espetáculos misteriosos e
sobrenaturais”. Isso também é verdadeiro para as imagens de modo geral, sagradas ou não,
icônicas ou pagãs, construídas pelos homens ou feitas por mãos não humanas (akeropita).
Sendo assim, a perspectiva que orienta este ensaio vai na contramão das visões de fundo
materialista e niilista que sustentam, em maior ou menor medida, as abordagens contemporâneas
acerca do estatuto da imagem e que, ao final e ao cabo, restringem a questão a expressões seja de
um modo de produção específico, seja de uma ausência de real, seja de uma inautenticidade do
ser. Todas estas percepções, em razão dos limites de compreensão impostos por suas bases
epistemológicas, caem no mesmo vazio que identificam no atual papel da imagem. Os
diagnósticos da imagem como simulacro e como espetáculo, permanecem superficiais a
hermenêutica deles oriunda não consegue fazer uma análise mais densa que supere o vazio, a não
ser aquelas, já sabidas, de união da cultura com a filosofia, como no caso de Perniola, que de
resto, já se encontram em Martin Heidegger ou, mais recentemente, em Mondzain[9], que
bebendo em fontes da antropologia e da psicanálise, aborda a imagem em sua relação com o
sujeito, seja constituindo-o, seja destituindo-o. Ainda assim, se tratam de percepções presas à
matriz racionalista ocidental marcada por uma visão da imagem impregnada pelo subjetivismo
que brota dos pensamentos kantiano, husserliano, heideggeriano e dos chamados mestres da
suspeita - Nietzsche, Freud e Marx; mais precisamente, a imagem como imago do indivíduo, sem
qualquer estatuto de autonomia possível, mas dependente total em sua constituição da relação
como o homem. A nosso ver esta é uma visão redutora da imagem que impede qualquer análise
mais profunda acerca do seu poder sobre a sociedade e sobre os indivíduos. A razão desse
reducionismo tem como raiz o longo processo de construção de uma concepção de mundo que
rompe com o teocentrismo em favor de um antropocentrismo que envolverá toda a cultura
ocidental.
O que se faz necessário destacar é que se temos imagens, como os ícones e demais
imagens religiosas e artísticas, que abrem portas para o infinito e são manifestações da energia
divina, podemos considerar também, que temos aquelas que abrem as portas para a emergência e
para o crescimento do misterioso mal. É inegável o poder que têm as imagens de disseminar
comportamentos sociais desagregadores, particularmente com o alento propiciado pela
tecnologia. Há uma relutância das ciências humanas em perceber o quanto nos dias atuais as
imagens, replicadas velozmente, conduzem as massas a comportamentos violentos e
inconscientes, propagando no mundo uma cultura de medo, de morte e de destruição. Como
então podemos refletir acerca da imagem hoje? A questão, que se coloca desde a antiguidade, foi
perdida ou subestimada pelo pensamento ocidental.
Deste modo, a nossa proposta aqui é de, orientados por uma hermenêutica espiritual,
abrirmos a discussão acerca do estatuto da imagem na vida do homem e do seu papel na vida
social. O debate com pensadores tais como os Padres da Igreja, Florenski, Bulgakov, Tarkovski,
Corbin, Evdokimov, pode vir a contribuir vigorosamente, como chaves hermenêuticas, para a
compreensão acerca do au-delá da imagem e dos seus impactos espirituais e éticos para além dos
puramente estéticos. Para isto nos deteremos em duas dimensões da questão: a imagem como
janela aberta para o infinito e a imagem como energia.
Conclusão do Capítulo:

Este ensaio pretende abrir uma discussão acerca da questão da imagem em sua relação
com a ética. Sua hipótese central, construída em diálogo com diversas vertentes do
conhecimento, é que as imagens são portadoras de energia. Da relação dos homens e da
sociedade com elas podem derivar pensamentos e comportamentos orientados para a violência
ou para a harmonia entre os seres.
Antes de tudo trata-se aqui de uma visão que tem como eixo a percepção de Dostoievski
de que se Deus morreu tudo é permitido, ou seja, a centralidade e precessão da relação dialógica
do homem com Deus, de sua presença ou de sua ausência, é que determinará sua relação não só
com o outro, mas com a produção e com a recepção das imagens. Uma intrincada rede de
relações entre os homens e as imagens é expandida para a sociedade e gera comportamentos que
se replicam ad infinitum.
Assim, nosso fio condutor é a ideia de que a imagem é portadora de energias e, ao mesmo
tempo, uma janela que pode, a depender do seu caráter, ser aberta para a luz divina ou para as
trevas; para Deus ou para o demoníaco; para a harmonia ou para o caos; para a vida ou para a
destruição e para a morte.
CAPÍTULO II- DA IMAGEM EM CORBIN E EM DURAND

O mundo Imaginal
Todos aqueles que se aventuram pelo mundo da imagem e do imaginário irão se defrontar
com Corbin, Eliade e Durand. Em nossa caminhada isso não foi diferente. Nela o que retivemos
e que consideramos de especial importância para os fins deste ensaio foi a concepção de mundo
imaginal proposta por Henry Corbin e que, de per si, já é uma importante janela para a
compreensão da nossa relação com a imagem. Corbin (1903-1978), foi um dos maiores
estudiosos do misticismo islâmico no Ocidente. Primeiro tradutor de Heidegger na França,
utilizou deste a concepção de hermenêutica para aprofundar a compreensão das místicas sufis e
xiitas. Notório crítico da Igreja Católica Romana, rejeitava a Encarnação de Cristo e a Trindade,
se filiando mais à espiritualidade docetista e vendo no Cristo uma epifania do mundo angélico.
Sua visão do homo misticus, precedendo ao homo religiosus de Eliade, o levou a buscar na
espiritualidade oriental, assim como na gnose e na maçonaria, a resposta para suas inquietações.
Corbin participou no início do século XX, no Ocidente, das discussões sobre imagem e
imaginário que brotaram no Círculo de Eranos, do qual fizeram parte Carl Jung, Mircea Eliade e
Gilbert Durand. As investigações desses intelectuais redundaram em obras monumentais e se
deram como reação ao racionalismo ocidental que, para eles, ao impedir o desenvolvimento de
um conhecimento espiritual milenar, trouxe catastróficas consequências para a humanidade. Suas
reflexões se constroem à margem, e, ao mesmo tempo, em diálogo com o saber ocidental. As
teorias que brotaram de Eranos têm como fio condutor, por um lado, a crítica ao racionalismo,
incluindo aquele que se imiscuiu na Igreja ocidental, e, por outro, a busca de um conhecimento
esotérico e gnóstico em diálogo com as religiões e místicas orientais, em um esforço para
alcançar também outras dimensões da espiritualidade do homem que não só o cristianismo.
Embora suas diferenças, o que os une é a percepção da existência de uma realidade invisível para
além dos sentidos físicos.
Corbin ao abordar a questão da espiritualidade islâmica ingressará no campo da energia e
do mundo invisível. Para os propósitos desta discussão, é muito importante sua concepção de
mundo imaginal (mundus imaginalis,) que os teósofos do Islã denominavam de “oitavo
clima”[10]; concepção esta que abre portas para se compreender o fenômeno da imagem para além
de sua materialidade e visibilidade e para interpretá-la como vinculada a um mundo invisível.
A hermenêutica espiritual de Corbin o conduz ao mundo espiritual, à realidade
suprassensível, ao mundo das coisas invisíveis pelos sentidos humanos. A concepção de
realidade do mundo imaginal irá beber nas fontes do platonismo persa presente em Sohravardi e
em Ibn Arabi e se refere a uma realidade infinita que extrapola todas as tentativas de redução
intelectual. Corbin se afasta da palavra imaginário, utilizada por seus companheiros do Círculo
de Eranos, Mircea Eliade e Gilbert Durand[11]. Este último, por exemplo, defenderia com vigor o
termo “imaginário” como, de resto, os demais membros do Círculo, sob a perspectiva de uma
hermenêutica marcada pela instauração de um sentido, ao contrário da hermenêutica da suspeita
e da desconstrução presente no pensamento ocidental. Mas, as reservas de Corbin em relação ao
imaginário se dão, sobretudo, pelas ambiguidades que, segundo ele, o termo carrega, não dando
conta da presença de uma realidade intermediária e mediadora para além do mundo sensível. Seu
ponto de partida será a identificação no sufismo de Ibn Arabi de um mundo com três dimensões:
o universo apreensível pela percepção intelectual, o universo perceptível pelos sentidos e, entre
eles, um mundo intermediário, o mundo imaginal (mundus imaginalis), ontologicamente
situado entre os planos sensorial e inteligível, mundo das ideias-imagens, das figuras-arquétipos,
tão real e objetivo quanto o mundo inteligível e sensível, “constituído por uma matéria real e
dotado de uma extensão real, ainda que em estado sutil e imaterial com respeito à matéria
sensível e corruptível”[12].
O mundo imaginal é alcançado pelo homem em estado de oração. É através dela, como
ato da imaginação criadora, que Deus se epifaniza ao e através do homem. É através da prece
que se revela a dimensão imaginal, ou melhor dizendo, que se abrem as portas para o invisível:
Pois a oração não é petição de nada: é a expressão de um modo de ser, é
um meio de existir e de fazer existir, ou seja, de fazer aparecer, de "ver" o
Deus que se revela; vê-lo, não sua Essência, é claro, mas na forma que ele
precisamente revela ao revelar-se mediante essa forma e nela. E é isso que,
antecipadamente, refuta a objeção daqueles que, totalmente inconscientes
da natureza da imaginação teofânica como criação, propõem que um Deus
que é "criação" de nossa Imaginação não pode ser mais do que irreal e que,
portanto, a oração dirigida a ele carece de sentido. É precisamente porque
ele é essa criação para quem ora, e para isso e por isso é que existe. A
oração é a forma mais elevada, o ato culminante da imaginação criadora[13].

O órgão da oração é o coração, um órgão psicoespiritual que concentra a energia (Himma).


A função da oração é compartilhada entre Deus e o homem, pois a Criação é compartilhada por
“aquele que se mostra (motajallî) e aquele a quem se mostra (motajallà laho); a oração é um
momento, uma recorrência por excelência da Criação (tajdîd al Khalq)”[14]. E é na oração que o
mundo imaginal se revela como imagem para aquele que crê.
Temos, pois, em Corbin uma exaltação filosófica da imagem[15] que possui sua função
noética e cognitiva própria, qual seja a de nos dar acesso a uma região específica do ser, ao
mundo imaginal, ou seja, ao “universo espiritual de substância luminosa”[16]. O acesso a essa
dimensão se dá unicamente pela imaginação criadora, ou imaginação ativa, a qual é um órgão
de percepção que não deve ser confundido com a fantasia, com a imaginação no sentido comum
do termo, com as construções irreais, ou com a criação artística: “o órgão deste universo é
precisamente a imaginação ativa; esse é o lugar das visões teofânicas, o cenário em que
acontecimentos visionários e histórias simbólicas ocorrem em sua verdadeira realidade”[17].
É muito importante a crítica que Corbin tece à cegueira do Ocidente e em especial aos seus
teólogos, os quais, por serem marcados pelo agnosticismo e pelo nominalismo, são impedidos de
compreenderem as visões extáticas e os sonhos dos profetas (Hadith da visão). As interpretações
teológicas e filosóficas orientadas pelo racionalismo banalizam as imagens e, ao convertê-las em
alegorias inofensivas, não conseguem aceder à experiência visionária. Como não lembrarmos
aqui de Franz Rosenzweig e sua crítica à teologia ocidental que, segundo ele, a fim de se fazer
reconhecer como objetivamente “científica”, tenta matar a revelação e o milagre, considerando-
os como “filhos bastardos”[18]?
O importante é que há em Corbin uma discussão acerca do estatuto da imagem que não
pode ser desprezada. Sua posição pode ser melhor compreendida quando, se referindo às visões
que Moisés tem de Deus, ele contrapõe o nominalismo de Algazali ao teofanismo de Ibn´Arabi.
O nominalismo e agnosticismo, cujo exemplo está em Algazali, e que se se faz atual,
transformam a imagem teofânica em mera alegoria o que é uma maneira de retirar-lhe a
importância e colocá-la no gueto da superficialidade inofensiva.
a imagem é uma aparição teofânica. Isso pressupõe a ideia de âlam al-
mithâl (mundus imaginalis). Pressupõe a imaginação teofânica que
tentamos analisar aqui: a antropomorfose não ocorre no nível terminal do
mundo sensível (físico, histórico), mas no nível do Anjo e do mundo
angélico. Portanto, o que está em jogo aqui é o estatuto mesmo da Imagem,
assim como a validade de suas certificações. O sentido das teofanias não é
nem o literalismo (do antropomorfismo que atribui predicados humanos à
divindade), nem o alegorismo (que faz desvanecer a imagem ao “explicá-
la"); não é tashbîh, nem ta'wîl; não é idolatria, nem iconoclasmo[19].
É a imaginação criadora que abre as portas para o mundo imaginal revelado nas epifanias,
nas teofanias, nas visões e nas experiências místicas. Embora simbólico, este mundo jamais
poderá ser concebido como mera alegoria. Isso porque símbolo e alegoria têm sentidos distintos
para Corbin: a alegoria é uma operação racional que não implica em alteração de consciência, o
símbolo, pelo contrário, é a “cifra de um mistério” e em sua inesgotabilidade exige um outro
nível de consciência. “O símbolo “nunca é ‘explicado’ de uma vez por todas, mas sim, deve ser
continuamente decifrado, tal como uma partitura musical nunca é decifrada para sempre, mas
sim, sugere uma execução sempre nova”[20].
A questão da energia em Corbin
A questão da energia em Corbin revela uma aproximação com o Oriente cristão, que é
percebido por ele como um caminho de mediação com o Ocidente[21]. Embora seus fundamentos
gnósticos, sua aproximação da sofiologia de Florenski e de Bulgakov é evidente. Todos se
inscrevem, por diversos caminhos, em uma contracorrente na qual a busca de uma
espiritualidade perdida se coloca contra o pensamento ocidental e contra a modernidade
marcados pela racionalidade instrumental, pelo cálculo e pela perda de capacidade de diálogo
com o Absoluto. Assim temos que em Corbin encontraremos os temas da energia e do nome de
Deus, também abordados pelos ortodoxos. A energia da palavra está, por exemplo, em
Ibn’Arabi:
As aptidões visionárias de Ibn'Arabî já estão se manifestando nessa época. Ele
cai gravemente doente e a febre o mergulha em uma letargia profunda. O
consideram morto, enquanto ele, em seu universo interior, é assediado por um
grupo de personagens ameaçadores e infernais. Mas aqui surge um ser de beleza
maravilhosa, suavemente perfumado, que repele com força invencível as figuras
demoníacas. "Quem é você?", pergunta Ibn'Arabi. "Eu sou a sura Yasîn". Seu
infeliz pai, angustiado junto ao seu leito, recitava naquele momento essa sura (a
36º do Alcorão) que se salmodia especialmente para os moribundos. Que a
palavra proferida emita energia suficiente para que a forma pessoal que
corresponde a ela tome corpo no mundo intermediário ou sutil, não é em
absoluto um fato insólito para a fenomenologia religiosa. Esta foi uma das
primeiras ocasiões em que Ibn'Arabî penetrou no âlam al-mithâl, o mundo das
imagens reais e subsistentes, o mundus imaginalis ao qual já nos referimos
anteriormente[22].
Assim, a palavra é vista como tendo uma dimensão ontológica que se manifesta através da
imaginação criadora e da energia que emana da oração abrindo as portas para o mundo angélico,
para o mundo imaginal, o qual não é fantasia, mas sim uma realidade que, por falta de melhor
termo, chamamos de “objetiva”:
O próprio Ibn'Arabî nos dará a explicação desses fatos em páginas que
analisaremos aqui e que descrevem os efeitos da energia criadora produzida
pela concentração do coração (himma). Também é importante lembrar esse
episódio quando estudamos o "método de oração de teofanismo" de Ibn'Arabî, o
diálogo de uma oração que é criadora por ser simultaneamente oração de Deus e
oração do homem[23].(...) A cosmologia do sufismo tem uma dimensão, ausente
em nosso esquema do mundo, capaz de explicar este tipo de fatos, porque
preserva a realidade "objetiva" desse mundo suprassensível onde se manifestam
os efeitos de uma energia do coração e cujo órgão é a imaginação ativa[24].
Esses são temas que, partindo da experiencia religiosa cristã oriental, já se encontravam na
sofiologia de Florenski e de Bulgakov, como veremos mais adiante.
Corbin foi o primeiro tradutor de Heidegger para o francês e se viu instigado pela
fenomenologia daquele, a qual reconheceu ter aberto portas para o beco sem saída criado pelo
materialismo e pelo positivismo. É certo que Heidegger colocou a hermenêutica e não a lógica
abstrata ou o materialismo histórico no centro do ser humano e do conhecimento, mas, Corbin
buscou avançar rumo a uma hermenêutica espiritual[25] que recusa a separação entre a filosofia e
a revelação, como ocorreu no Ocidente a partir da Renascença. Sua concepção de mundo
imaginal, embora os limites impostos pelo seu gnosticismo e esoterismo, é importante para a
compreensão do estatuto da imagem.
Gilbert Durand e a questão do mundo imaginal
Também pertencente ao Círculo de Eranos, Gilbert Durand, retomará a questão do mundo
imaginal em A Virgem Maria e a alma do Mundo[26], buscando explicar essa realidade
intermediária através da psicocosmia platônica presente no platonismo persa analisado por
Corbin. O mundo imaginal é o mundo das hierarquias celestes que “formam um mundo ‘à parte’,
que não é nem o da fisis, nem o das puras intelectividades, um mundo precisamente ‘visionário’,
onde os inteligíveis adquirem um corpo e os corpos se espiritualizam”. Durand, como Corbin,
concede destaque à dimensão ontológica do mundo imaginal, o qual seria mais real do que a
própria realidade perceptiva “cujas aparências ele guarda, para manifestá-las nas ordens do
inteligível”. Para ele, a filosofia ocidental sempre rejeitou a presença de um mundo intermediário
“entre o universo da percepção e o intelecto”, conferindo, antes, valor à inteligência (a lógica) e à
percepção (o empirismo), ou seja, “a filosofia do Ocidente sempre escamoteou o império da
imagem”[27]. E aí como tinha indicado Corbin, a preferência do Ocidente, através da Igreja, deu-
se pela escolástica de Averroes contra a visão da existência de mundos intermediários de
Avicena.
Ao contrário de Corbin, em retomando o termo imaginário Durand[28] lhe confere uma
conotação positiva como instaurador do sentido, daí tecer uma dura crítica à sua destruição pelo
mundo moderno, no qual, como aponta, novas formas de iconoclastia se manifestam, já não
somente pela eliminação da imagem, mas pelo seu excesso, pela sua banalização e pelo
esvaziamento de seu sentido. Ao analisar o imaginário da Virgem Maria, Durand promove uma
resistência da cristologia cristã, enaltecendo a importância do tema da Virgem Mãe, a qual se
apresenta como manifestação do Bem em meio as trevas e ao mal. O espantoso para Durand é
que este Bem precise, de acordo com a mentalidade ocidental, ser justificado, exaurido,
investigado e explicado:
A questão que se coloca aqui é a da manifestação do Bem no nosso mundo de
geração e de corrupção; da manifestação da ordem harmônica no mundo sensível
e visível. Sem dúvida, hoje é preciso um esforço para propor o problema da
justificação por assim dizer ‘invertido’. Nossos séculos orgulhosos da
modernidade exigem justificação do devenir, do envelhecimento, da morte, do
mal que atinge a soberba humanista[29].
Essa soberba não consegue vislumbrar a existência de uma realidade espiritual, daí que faz
tão significativo hoje esse belo ensaio de Durand que afirma a existência de uma realidade
(ousia) intermediária entre o Mesmo e o Outro. Essa realidade em termos marianos, em primeiro
lugar, se manifesta através de signos da ordem, da harmonia e da beleza. Seria mesmo, para
Durand, como os lírios do campo e os pássaros do céu, uma “’prova estética’ da existência do
Bem soberano”. Em segundo lugar, a realidade da Virgem é plural e correspondente à Alma do
Mundo dos antigos. Em terceiro lugar, é epifania da totalidade ordenada, equilibrada, saudável e
harmônica. Finalmente, escapando à dialética do Mesmo e do Outro, do Falso e do Verdadeiro,
típicos do racionalismo moderno, essa realidade funda um mundo de conhecimento em que, “ao
contrário do nosso terrível relativismo moderno afirmando que ‘nada é verdadeiro’, diz que ‘tudo
é verdadeiro’”[30]. Justamente por escapar do abismo intelectualmente construído entre o
inteligivel e o sensível, essa realidade é inacessível à razão dialética.
Duas dimensões estão presentes no imaginário da Virgem Maria: ela é, ao mesmo tempo,
ícone e aparição. Desde o início, sob o patrocínio de São Lucas, o primeiro iconógrafo, Maria é
ícone para as comunidades primitivas, ícone para as academias de pintura e como ícone chegou
até os nossos dias. Ela também é aparição em termos corbinianos, é a manifestação
fenomenológica na qual “o ato da visão e seu objeto são a mesma realidade”[31]. Ela será a
intermediária, a articulação visionária segundo Durand, entre os dois mundos, entre o céu e a
terra, correspondendo à Alma do Mundo (Anima Mundi). O imaginário mariano teria uma
realidade arquetípica e o combate por esta, como sendo uma luta pela Alma do Mundo, é o duplo
combate que se exige no mundo atual: contra o “nada é verdade” do monoteísmo unidimensional
apofático e contra o “tudo é permitido” do agnosticismo cientificista de um “saber confiante nas
flutuações relacionais exclusivamente dialéticas”[32].
Correto está Durand a propor a luta necessária pela defesa de uma visão do mundo que
contemple a percepção da realidade do mundo imaginal, realidade não vislumbrada pelos olhos
cegos da teologia apofática em que mergulhou a teologia cristã ocidental e pelo cientificismo
acadêmico relativista contemporâneo. Porém, perguntamos, seria o caminho da gnose proposto
por Durand e por Corbin (como de resto, pelos demais membros do Círculo de Eranos tais como
Eliade, Jung e Scholem, homens de “mente gnóstica”) o caminho correto? Não cairíamos nas
mesmas armadilhas intelectuais e no afastamento da experiência de diálogo com Deus?
A ilusão de Heidegger
Consideramos que existem dois elementos primordiais nos estudos do Círculo de Eranos,
especialmente em Corbin, que podem conduzir não só ao afastamento de uma real experiência
religiosa, como também ao caos espiritual. O primeiro é a influência de Heidegger e o segundo a
gnose. Ambos, oriundos da busca de liberdade e do anticlericalismo, podem redundar, ao final,
em uma posição anticristã.
Com relação a Heidegger, existem divergências se essa influência se manteve, ou não,
efetivamente sobre Corbin. Para Fakhoury foi especialmente Berdyaev quem exerceu impacto
sobre Corbin para que ele ‘transcendesse a finalidade da morte na filosofia de Heidegger”[33].
Tom Cheetham[34] também concorda com Fakhoury que Corbin transcendeu Heidegger, adotando
deste uma hermenêutica em diálogo com a teologia e para além da morte. Para Jambet[35] Corbin
estabelece um casamento entre Heidegger e a gnose, a qual o conduziu a superar o ser-para-a
morte do heideggerianismo, em uma espécie de fusão onde a “‘situação hermenêutica’ torna-se
uma ‘situação gnóstica’”.
Mas, ao contrário das visões acima, para Wasserstrom, Henry Corbin não somente não se
afasta de Heidegger, como através dele “explodirá” o monoteísmo:
Em sua grande conferência em Eranos em 1976, reproduzida como o ensaio título
naquela coleção, [Corbin] utilizou Heidegger para explodir o monoteísmo em
termos filosóficos, assim como empregou Jung para implodir o monoteísmo em
termos psicológicos. Ao conciliar essa dupla de apóstolos incendiários de
Nietzsche Corbin realizou sua tarefa paradoxal de ter seu Islã e de imolar isso
também[36]. [...]. Poucos meses antes de sua morte, confessou em uma carta sentir
que determinadas esferas da cultura estavam mais próximas do “mundo
imaginal”: “eu acredito que este mundo imaginal é o lugar do renascimento dos
deuses, da teogonia grega, bem como da teogonia celta que, com os gregos e os
iranianos, são as mais próximas da nossa consciência”[37].
E aqui cabe uma digressão que tem como ponto de partida, para nós, a seguinte pergunta:
será que o horizonte epistemológico heideggeriano pode conduzir ao encontro de um sentido
para a vida? Neste caso, retomemos a altamente pertinente crítica feita a Heidegger por Martin
Buber, que participou em 1934 dos encontros de Eranos antes de sua partida para a Palestina.
Comparando Kierkegaard e Heidegger, Buber enfatizará tanto a secularização que o último faz
do primeiro quanto o caráter não dialógico da filosofia heideggeriana, na qual o ser é
monológico, centrado em si e, no máximo, portador de uma solicitude para com o outro,
solicitude essa que não o dispõe interiormente para uma relação essencial, uma relação Eu-Tu.
Em Heidegger o voltar-se para o outro não rompe os limites do ser, não enseja uma experiência
dialógica. Ao contrário, em Heidegger o homem, vivendo em um sistema fechado, ao ser
desviado da relação com o Incondicionado divino, segundo Buber, também é desviado da relação
com os outros homens. Assim, a questão da autenticidade em Heidegger pressupõe um homem
que só pode estar em relação consigo mesmo. Esse nada mais é do que o retrato do homem
contemporâneo, solitário, isolado da totalidade da vida, fruto de uma visão do mundo marcada
pelo “Deus está morto” nietzschiano. Em Heidegger a relação com o mundo é técnica e utilitária,
a relação com os homens é apenas de solicitude e a relação com Deus, ou com Mistério, é
totalmente ausente.
[Heidegger]tratou de nos proporcionar um saber sobre o homem mediante a
análise de sua relação consigo mesmo. De fato, ele levou a cabo esta análise
assentada sobre o isolamento dessa relação para com todos os demais
comportamentos essenciais do homem. Mas assim não se chega a saber o que é o
homem; somente se chega a conhecer os seus contornos, ou seja, a sua fímbria, o
homem que chegou à borda do Ser. Quando em minha juventude estudei a
Kierkegaard, o seu homem me deu a impressão de um homem em seu limiar. O
homem de Heidegger é um grande passo, a partir de Kierkegaard, um passo
decisivo em direção ao abismo onde começa o nada[38].

À conclusão semelhante chegará Lukacs, para quem Heidegger desenvolve uma filosofia
diante da qual nos defrontamos

com um problema semelhante ao de Kierkegaard, embora sem Deus, sem Cristo e


sem alma. Heidegger tenta criar uma filosofia teológica da história adequada ao
“ateísmo religioso”. Daí que desapareçam nele todos os momentos intrínsecos da
teologia, incluindo os kierkegaardianos, deixando apenas o andaime teológico,
agora completamente vazio[39].

Do lado do pensamento ortodoxo, que será abordado neste estudo, há uma evidente
ignorância de Heidegger quanto aos russos e uma rejeição destes em relação a ele, neste último
caso também pelo vazio ao qual nos conduz a sua filosofia. Assim temos, por exemplo
Viacheslav Ivanov para quem:

A filosofia moderna é a filosofia do medo. Kierkegaard foi o primeiro a apontar


o medo como como uma sombra inseparável da negação de Deus. Heidegger, o
mais renomado dos filósofos contemporâneos, faz do medo o centro do suas
especulações. Mas para ele, o medo é um arauto do verdadeiro transcendente,
que é o nada. O ser, cujo tempo é um atributo essencial, resume-se em sua
opinião a fenômenos; no final, o ser torna-se tão aborrecido quanto esses
fenômenos. Por que não se deveria preferi-lo e nada mais buscar? [. . .] Ainda
assim, apenas um único passo separa essa contemplação do transcendente da
chamada teologia negativa ou apofática, da doutrina dos místicos que nos falam
da escuridão de Deus; um único passo, mas este passo torna-se um abismo se
implicar a determinação inicial da vontade íntima[40] .

Heidegger, tão idolatrado no Ocidente, certamente está na raiz tanto das teologias
secularizadas quanto das ciências humanas em seu estágio atual. Todas romperam o contato com
Deus e com Cristo, todas conduziram à desumanização e ao vazio, com consequências sociais
terríveis para a sociedade, para a Igreja e para a fé. Os efeitos da propagação de tal pensamento
sobre a humanidade a partir da intelectualidade eclesiástica e acadêmica, se fez e se faz sentir
cada dia mais densamente, chegando a um estágio de violência inaudita de uns contra os outros,
seja sob a forma de fundamentalismos religiosos, seja sob a forma do crime na esfera política ou
na sociedade. Estamos diante do trágico vazio em que o pastor foi ferido e as ovelhas
dispersas[41]. E o pastor foi ferido não apenas pelos assaltantes externos, mas por aqueles que
dizem falar em seu nome. Tendo como pano de fundo este quadro é que devemos retomar a
marcante crítica de Berdyaev contra o vazio da filosofia ocidental moderna e, por extensão,
contra Heidegger e Freud:

A filosofia de Heidegger é uma filosofia do nada. Nada é não-existente. Isto é,


uma ontologia de nada como o último segredo místico do ser, uma filosofia do
desespero, do pessimismo absoluto. Este tipo de filosofia é característico do
nosso tempo. Os mesmos motivos, embora de modo mais brando, podem ser
vistos em Jaspers. O melancólico e trágico kierkgaardiano exerce sobre filosofia
moderna uma influência em direção a uma ontologia do niilismo, que não se
encontra em Kierkegaard ele mesmo. A imersão na existência humana, em vez de
revelar o homem, manifesta a sua decomposição e decadência. O que a metafísica
é em Freud é a metafísica da morte e do nada. O único instinto maior do que o
sexo e capaz de estar contra ele, é o instinto da morte[42].

A questão é que, sedutoramente poderíamos dizer, esse vazio é camuflado por elementos
gnósticos, no sentido de despojar o Deus bíblico do Seu Mistério, como enfatizou Buber. Esses
elementos que, assim como os pagãos e anticristãos estão presentes em Heidegger, irão também
reaparecer naqueles sobre os quais ele exerce sua influência, como, por exemplo, em Mircea
Eliade com sua ênfase na centralidade cósmica do "Ser no mundo"[43] assim como no sagrado
“saturado com o ser”. Destaque-se também o forte anticristianismo de Heidegger, o que torna
ainda mais surpreendente, senão escandaloso, o fato de ele ser tão citado e tão idolatrado por
teólogos ocidentais!
As conotações pseudorreligiosas e, acima de tudo, pseudomísticas e
epistemológicas presentes no trabalho de Heidegger explicam, entre outras
coisas, porque, apesar do seu ateísmo - mais implícito do que explícito - seu
sistema de pensamento será recebido com grande respeito e até mesmo veneração
por importantes setores de crença, tanto católicos como protestantes. Citemos
como exemplo representativo a influência que Heidegger exercerá sobre Rudolf
Bultmann e sua teologia existencialista ou sobre Karl Rahner[44].

Hugo Ott, um dos mais brilhantes alunos de Heidegger, também enfatizaria o fato de que
sua filosofia, ao ter declarado Deus morto, rejeitou toda ética do Décalogo. Porém, o fato de ele
ter criado uma filosofia para além de Atenas e de Jerusalém, cairia no gosto dos teólogos e dos
historiadores da religião, como Corbin, Scholem e Eliade[45]. Aliás, tendo caido no gosto do
homem deste século, Heidegger só poderia exercer grande atração e influência sobre as mentes
vaidosas, posto que seu hermetismo, citado à exaustão, confere não poucos louros e honras
àqueles que supostamente conseguem “decifrá-lo”. Mas esse hermetismo é, na verdade, fruto de
um discurso ambíguo, assentado não apenas numa base pseudomística e pseudorreligiosa, mas,
em uma ambiguidade fundamental tão ao gosto da mentalidade acadêmica presente nas
Universidades e nos seminários ocidentais. Hans Jonas, outro ex-aluno de Heidegger, ilustra
muito bem isso com o relato que faz sobre uma conferência que deu intitulada “Heidegger e a
Teologia”, que foi execrada por teólogos europeus, alemães em particular, pelas ideias abaixo...
É simplesmente devastadora a exortação de Jonas aos cristãos! E também é inusitado, em se
tratando de ser ele uma pessoa de origem judaica e, por isso mesmo, é algo que deveria ser
considerado seriamente pelos teólogos:
Representa a linguagem de Heidegger, não em O Ser e o Tempo, tão utilizado por
Bultmann em sua obra exegética, mas aquela linguagem oracular do Heidegger
tardio, um meio de expressão adequado para articular a teologia? Esse era o
pressuposto básico positivo do qual partia originariamente a conferência. Os
teólogos de fala alemã que simpatizavam com a filosofia defendiam a tese de que
finalmente o pensamento filosófico lhes oferecia novamente a possibilidade de
expressar sua teologia cristã – em lugar da linguagem antiquada do Novo
Testamento e da Bíblia - com a linguagem mais moderna da filosofia mais atual
e na moda. Do mesmo modo que havia acontecido com Hegel, agora seria o caso
com Heidegger. Este pressuposto eu o refutei desde o princípio, e isso com o
argumento contrário segundo o qual a filosofia heideggeriana junto com a
linguagem que havia inventado era, em sua essência, demasiado pagã, e que os
teólogos cristãos ignoravam onde estavam se metendo. Além disso, destaquei
que resultava paradoxal que tivesse que ser um judeu, um filósofo não
cristão, quem protegesse os teólogos de um casamento ou de uma aliança que
não podiam resultar senão funestos para a essência cristã. O ilustrei mediante
expressões e argumentações do Heidegger tardio, que comparei com as da
mensagem bíblica. “Acaso a teologia”, eu interpelava meu auditório através da
filosofia heideggeriana, “se deixará seduzir em solo alheio, mas perigoso graças à
envoltura do misterioso, o tom da inspiração que faz mais difícil reconhecer esse
paganismo que os das filosofias pura e simplesmente profanas? “Amigos meus,
teólogos e cristãos”, gritei-lhes, “Acaso não vedes com quem vós estais? Não
percebeis o profundo caráter pagão do pensamento heideggeriano? Que a
teologia permita a esse inimigo -- um inimigo manifestamente nada
desprezível, do qual poderia apreender tanto acerca do abismo que separa o
pensamento da fé mundanos – penetrar em sua sancta sanctórum, me
surpreende. Ou, me expressarei de modo reverente, ultrapassa minha
razão[46].
Ainda seria o mesmo Hans Jonas quem detectaria que os motivos da atração que
Heidegger exerce sobre o pensamento ocidental, a sua “capacidade hipnótica”, derivam da
“‘natureza impenetrável’ de seu discurso. Assim os alunos tinham a sensação de que apesar de
não compreendê-las, por trás das palavras de Heidegger havia ‘algo digno de compreender-
se’”[47]. Mas, apesar das advertências de Hans Jonas, tal hipnose exerceu e continua a exercer seu
poder entre os teólogos cristãos, principalmente na atual fase de eclipse do cristianismo presente
na chamada teologia pós-moderna ou ontoteologia[48]. O pensamento de Hans Jonas é um
diagnóstico muito preciso e revelador da natureza da maior parte da chamada intelectualidade.
Nada a não ser a ignorância, ou ainda, uma profunda vaidade, é que pode levar tais intelectuais
ao casamento funesto que Jonas tinha percebido. Temos com Heidegger um pensamento que é
revestido de grande verborragia, de obscuridades intencionais, de ambiguidades e de
ambivalências, para fazer-se incompreendido e venerado por um mundo carente de sentido e cujo
escape é enaltecer a razão especulativa desse homem que rompeu o diálogo com Deus
dedicando-se a florilégios verbais, pseudoprofundos, também eles vazios de sentido.

Heidegger recorre às mesmas deformações especulativas que reprova na filosofia


tradicional, mas com a diferença que enquanto esta opera com conceitos lógicos,
ele elege as brumas terminológicas e conceptuais. Mas o ápice desta demagogia
consiste em glorificar estas brumas como a prova da superioridade de seu
pensamento sobre o dos demais[49].
O certo é que a filosofia heideggeriana, cujo germinar alcançaria seu epílogo no regime
nazista, como bem descreveu Víctor Farías[50], se apresentou desde sempre anticristã e
contaminada de paganismo, mas seu fascínio e ilusão têm perdurado. Henri Meschonnic, como
Berdyaev, anteriormente mencionado, ressaltará isso:
Eu queria fazer um comentário sobre o que Adorno tinha tocado no jargão de
autenticidade. Mostrar que Heidegger não sabe ler um poema, não sabe ver uma
pintura. O que muitos ainda não parecem entender. E por que tantos filósofos
franceses de esquerda têm um discurso heideggeriano reacionário, sem saber,
porque o niilismo de Heidegger torna possível tomar por uma atitude de crítica o
que é uma atitude de rejeição. Rejeição da verdade na história, por exemplo.
Quanto tempo durará a ilusão de Heidegger? A ilusão Heidegger já dura muito
tempo. Ela durará enquanto se permanecer enganado, ou seja, também cúmplice e
beneficiário, dessa grande impostura do pensamento[51].

Certa vez, em uma carta dirigida ao poeta Apollon Maikov e escrita em 1870, durante seu
exílio em Dresden, Dostoievski se referia aos intelectuais universitários que queriam a guerra e
se alvoroçavam por ela, quando a população parecia pouco interessada. O escritor, cuja profecia
em torno da arrogância intelectual se concretizaria com a escritura de Os Demônios, deixa um
veredicto sarcástico, porém verdadeiro, sobre o clima que atinge a intelectualidade:

Mas os professores universitários são extraordinariamente arrogantes. Encontro-os


todas as noites na biblioteca pública. Um desses doutores, muito influente em
seus cabelos grisalhos, exclamou antes de ontem, em alto e bom som: “Paris deve
ser bombardeada!”. É esse o resultado de seus anos de estudo – se não for de
estudo é fruto de sua estupidez. Podem ser muito escolarizados, mas são
assombrosamente limitados![52]

Queremos com essas opiniões contribuir para que o leitor desperte ou, pelo menos, tenha
acesso a uma visão crítica sobre um pensamento que deixa atrás de si um cemitério de ruínas
para a cultura ocidental, as quais são tanto mais trágicas dado o alcance e poder dessas ideias
sobre as universidades, sobre o conhecimento construído no último século e, por fim, sobre a
sociedade.
A liusão da gnose
Não é nossa pretensão discutir, nos estreitos limites deste ensaio, as origens, ramificações
e desdobramentos da gnose, elementos discutidos por scholars como Hans Jonas[53], Ioan
Couliano, Ugo Bianchi e mais recentemente por Harold Bloom. A palavra gnose há séculos vem
sendo alvo de debates e de formulações polissêmicas, confundida com gnosticismo. Assim que
as diferenças entre ambas, deram origem a muitas discussões que culminaram na reunião de
famosos experts no, igualmente famoso, colóquio de Messina em 1966[54]. Resumidamente dir-
se-ia que gnosticismo identificará um fato historico que diz respeito a diversas correntes e
sistemas de pensamento surgidas a partir do século II D.C, enquanto que gnosis diz respeito ao
“conhecimento dos mistérios divinos reservado a uma elite”[55]. Gnosis em grego significa
conhecimento, que na Igreja primitiva tinha, como lembra Leloup, a conotação existencial
judaica, dizendo respeito à experiência de unicidade com Deus, “Ora, a vida eterna consiste em
que conheçam a ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo que enviaste” ( João 17,3)[56]. Existe,
contudo, uma falsa gnose, “uma gnose heterodoxa, uma pretensa gnose, dirá Santo Irineu.
Aquela que vai contra essa unidade do Real e que oporá Deus e o homem e, por consequência, o
Espírito e a matéria, o corpo e a alma”[57]. É para essa “falsa gnose”, que são tecidas as críticas
aqui apresentadas, incluindo, a mais consistente de todas, para nós, que é a de Martin Buber. A
característica principal da gnose (no sentido de falsa gnose) é o seu “intento de instrumentalizar o
Espírito Santo para fins humanos utilitários”[58]. Além disso, a característica presente em todas as
suas variantes é o dualismo que oculta a presença da graça de Deus no mundo, vendo este como
separado Dele. Sendo o mundo material degradado, recuperar a integração com Deus é tarefa da
gnose. Para romper com esta separação buscam-se vários métodos que transformam o Criador e
Seu Mistério em um objeto a ser atingido e manipulado. Será este dualismo fundamental que
encontraremos na formulação simbólica da coincidentia oppositorum:
A implicação mefistotélica de coincidentia oppositorum é “gnóstica” no sentido
etimológico da “gnose” - ela supõe um "conhecimento" além do conhecimento
humano. Mas sem o reconhecimento das limitações do conhecimento humano,
perdemos a pouca orientação disponível para nós. [...]Para cada passo
fantasmático na dimensão imaginal, nos despojamos de alguma confiança
concomitante, perdemos capacidade adicional para coordenar a direção ética e
racional[59].
Certamente esse será o principal resultado da gnose: não o ecumenismo como pretendido
por Corbin, mas o caos, o andar sem rumo e sem coordenação. Uma ilusão não percebida por
Jambet quando afirma “que bela liberdade, nas gnoses iluminadoras, a sinfonia do maniqueismo,
do cristianismo oriental, de Platão, Plotino, Proclus. Eis que toda geografia [espiritual] se
embaralha e revela-se transformada”[60].
Martin Buber tecerá a crítica ao princípio gnóstico da unificação dos opostos – o bem e o
mal, o feminino e o masculino (que redundará no simbolismo da androginia) - presente no
círculo de Eranos, em Corbin, em Eliade, assim como em Jung, a quem particularmente Buber
critica apontando, com lucidez, o grande perigo de integração do mal e da eliminação da
consciência como encontrado na psicologia junguiana. Nesta, a alma integrada no Self, integra os
opostos do bem e do mal, ao fazer isso dispensa a consciência como tribunal e pode-se dizer
mesmo que a noção de bem e de mal desaparece, ocorrendo a emergência da “função positiva do
mal”. O Decálogo é finalmente rasgado e o solo para Eichmann[61], que não consegue distinguir
o bem do mal, está pronto:
Jung concebe o Self, que é o objetivo do processo de individuação, como a “união
nupcial de metades opostas” na alma. Isso significa, acima de tudo, como foi dito,
a “integração do mal”, sem a qual não pode haver totalidade no sentido deste
ensinamento. A individuação, assim, realiza o completo arquétipo do self, ao
contrário do que no simbolismo cristão é dividido em Cristo e no Anticristo,
representando a sua luz e os seus aspectos escuros[62].
Certamente que na conciliação de opostos reside o germe do mal, dissolvendo-se este na
integração de polos, o que elide todo o trabalho da consciência em julgar o certo e o errado. Na
mandala junguiana Deus é substituído pela totalidade do homem e, deste modo, abrem-se as
portas para o relativismo que envolve o mundo atual, com as consequências sociais disso
decorrentes: violência e criminalidade crescentes e generalizadas. E esta é uma das dimensões
centrais dessa gnose em sua procura por um Deus acessível pelo conhecimento,
instrumentalizado pelo homem. Daí que nesse espírito de busca por um renascimento espiritual
em uma Europa pós-iluminista esvaziada de espiritualidade e virada de costas para o
cristianismo, autores como Nietzsche e Heidegger tenham tido tanto impacto. Para aqueles que
buscavam suprir o vazio provocado pela ruptura do diálogo com Deus, só restavam caminhos
gnósticos e/ou tentar buscar em um autor como Heidegger uma espiritualidade impossível de ser
extraída.
Não esqueçamos que o fundamento da gnose é a busca de liberdade no conhecimento de
Deus, para além dos dogmas, dos concílios, ou de modo mais direto, em se falando da Igreja
Católica Romana, do Vaticano e da sua vinculação com o poder mundano, com o Estado. Se o
fundamento da busca gnóstica, a liberdade, é aparentemente legítimo, no entanto, ela também,
como a teologia, pode cair em um caminho cego, provocado pelo orgulho do conhecimento e
pela falta de percepção da experiência de séculos de uma comunidade, que embora soterrada em
vários momentos pelos limites dos homens (e, sem dúvida, cada dia mais abalada por estes),
ainda carrega consigo, tanto na Igreja do Oriente quanto do Ocidente, o fermento dos Padres da
Igreja, dos Santos, dos místicos ou de um Santo contemporâneo, como São Pio de Pieltrecina que
surge como um signo visível de Cristo diante do sofrimento de sua Igreja, como o foi Francisco
de Assis há séculos atrás. O caos da gnose não conduziu ao aumento da paz e entendimento entre
os homens, antes contribuiu para descristianizar o Ocidente, com a ajuda, é claro, de vários
membros da hierarquia da própria Igreja que contribuíram para isso. Porém, há uma Igreja e uma
tradição apostólica que antes que a liberdade em manipular o universo e o conhecimento de
Deus, busca na humildade a recepção de Seus signos e de Suas mensagens.
Conclusão do capítulo:
O niilismo que alimenta Heidegger e a gnose são mais próximos do que parecem. Daí que
a presença de ambos no pensamento corbiniano, não deva causar surpresa. Aqui faz-se
importante retomar Couliano cujas conclusões embora voltadas para o gnosticismo ocidental, são
a nosso ver perfeitamente cabíveis para o pensamento gnóstico do grupo de Eranos. Inicialmente
o que temos é uma separação entre ambos: o niilismo é antimetafísico e descontrói a
transcendência, enquanto o gnosticismo, sendo metafísico, é a afirmação extrema dela ao negar o
mundo físico. Porém, há algo a uni-los: o fato de que ambos buscam desconstruir a mesma
transcendência judaico-cristã. São, assim, duas formas diversas de niilismo e seu ataque mais
visível, como destaca Couliano, são as Escrituras cristãs, “a personificação para ambos de uma
transcendência falaciosa”[63].
Assim, na medida em que apontam caminhos desconstrutores do cristianismo, a gnose e o
heideggerianismo estão conectados. Logo, não deixa de causar aturdimento ver estudos
teológicos contemporâneos[64], católicos e protestantes, buscarem em Heidegger uma
espiritualidade (no sentido de diálogo com Deus) inexistente, deixando de lado o fato que a sua
concepção de transcendência, além de ser anticristã, é totalmente terrena, “é uma transcendência
na imanência”, como bem pontuou Urbano Zilles[65], despida de caráter religioso, voltada para
os homens, para o futuro. Para Buber o que temos em Heidegger e em Jung, é a apologia de
“uma nova religião, de pura imanência psíquica, a única que ainda pode ser verdadeira”[66] no
contexto desse gnosticismo. O impacto de Heidegger continua sendo enorme sobre o pensamento
ocidental, incluindo sobre aqueles que a ele se contrapõem[67]. Lembremos aqui de Levinas, que
passa a vida em luta contra a ontologia de Heidegger, mas cuja ética é tão permeável a Heidegger
como aponta Henri Meschonnic[68]. Em tempos onde Jesus é escorraçado a seguir sozinho pelas
ruas escuras como na Parábola do Grande Inquisidor, de Dostoievski, Heidegger é e continuará a
ser, por um tempo não sabido, um ídolo.
Assim, a questão do estatuto da imagem sofreu, do século XX até agora, por inúmeros
desvios por parte do Ocidente: o materialismo (Debord), o niilismo (Baudrillard), a gnose e o
heideggerianismo (Corbin, Durand). Embora essas percepções contenham elementos importantes
para discussão, pergunta-se até que ponto tais análises serviram de solo para múltiplas e confusas
experiências existenciais e espirituais que tentam dominar a imagem ou banalizá-la, a ponto de
não se perceber que uma de suas dimensões é o fato de ser marcada por uma energia que ao
receptor envolve, abrindo para universos espirituais insuspeitados.
CAPÍTULO III-EM TORNO DA QUESTÃO DA ENERGIA
A questão da energia é central para a argumentação que aqui desenvolvemos em torno da
hipótese de que as imagens conduzem energias. Retomemos o sentido filosófico como presente
no Dicionário Houaiss onde em Aristóteles energia significa “ação de um motor (físico ou
metafísico) que permite a atualização de uma potencialidade”, ou seja, energia diz respeito à
ação e não é apenas a posse de uma potencialidade, mas o seu exercício. Na Metafísica (Livro
IX, Parte 6) Aristóteles distingue ato (energia) de movimento (kinèsis). Um ato é o seu próprio
fim, um movimento tem um fim definido e exige um tempo. Por exemplo, ver, andar, pensar, são
atos; construir uma casa, esculpir um mármore, são movimentos[69]. Aqui, porém, não será o
sentido aristotélico, mas o cristão que importará, em especial como relação aos temas abaixo,
centrais para nossa reflexão. Cabe observar que, em meio a dúvida acerca das influências
filosóficas gregas sobre a questão das energias parece haver um consenso que - embora haja uma
influência da concepção platônica de Ideia, juntamente com a aristotélica de energia - aos
Padres da Igreja coube, a partir de São Paulo, uma longa elaboração teológica feita no âmbito da
tentativa de cristianizar o pensamento grego[70], na verdade “os Padres ‘teologizaram’, como São
Gregório de Nazianzo coloca, ‘na maneira dos Apóstolos, e não na maneira de Aristóteles’
(Hom. 23. 12)”[71].

Energia como ação de seres espirituais

Com advento do cristianismo, o sentido aristotélico de energeia como atualidade oposta a


potencialidade, ocupará um lugar marginal na teologia. Antes o que esta apresenta é o sentido
de atividade ou operação de uma potência. No Antigo Testamento energia aparece como ação
de Deus em Macabeus (II Mc 3, 24-27; II Mc 3, 29) e no Livro da Sabedoria: (18,22; 15, 11; 7,
25-26; 7, 21-11). No Novo Testamento temos, principalmente nas Epístolas de São Paulo,
energeia no sentido de agir, de fazer, de operar. Será São Paulo que, em contraste com o sentido
grego da palavra, dar-lhe-á uma conotação de ação de seres espirituais: Deus, Satanás, anjos
ou demônios[72]. Esse sentido é que marcará o pensamento cristão e todos os Padres da Igreja o
adotarão. Em suas cartas São Paulo apresenta energia (ação) seja no sentido positivo, como ação
divina, seja no sentido negativo, como ação do mal. Assim temos, segundo Larchet[73]:
No sentido de ação de Deus
Efésios, 4, 15-16. “Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos,
naquele que é a cabeça, Cristo. 16. É por ele que todo o corpo - coordenado e unido por conexões
que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria - efetua
esse crescimento, visando a sua plena edificação na caridade.” No sentido de Sinergia do homem
em sua relação com Deus.
Gálatas, 5, 6. “Estar circuncidado ou incircunciso de nada vale em Cristo Jesus, mas sim a
fé que opera pela caridade.” No sentido de Sinergia do homem em sua relação com Deus.
I Tessalonicenses, 2, 13. “Por isso é que também nós não cessamos de dar graças a Deus,
porque recebestes a palavra de Deus, que de nós ouvistes, e a acolhestes, não como palavra de
homens, mas como aquilo que realmente é, como palavra de Deus, que age eficazmente em vós,
os fiéis.”
Efésios, 1, 11. “Nele é que fomos escolhidos, predestinados segundo o desígnio daquele
que tudo realiza por um ato deliberado de sua vontade.”
Filipenses, 2, 13. “Porque é Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o
querer e o executar.”
Efésios, 3, 20. “Àquele que, pela virtude que opera em nós, pode fazer infinitamente mais
do que tudo quanto pedimos ou entendemos.”
Gálatas, 2, 8 “porque Aquele cuja ação fez de Pedro o apóstolo dos circuncisos, fez
também de mim o dos pagãos.”
No sentido de operar milagres
Gálatas, 3, 5. “Aquele que vos dá o Espírito e realiza milagres entre vós, acaso o faz pela
prática da lei, ou pela aceitação da fé?”
I Coríntios, 12, 8-10. “A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria; a outro, uma
palavra de ciência, por esse mesmo Espírito; 9.a outro, a fé, pelo mesmo Espírito; a outro, a
graça de curar as doenças, no mesmo Espírito; 10.a outro, o dom de milagres; a outro, a
profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim,
a interpretação das línguas.”
Colossenses 2, 12. “Sepultados com ele no batismo, com ele também ressuscitastes por
vossa fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos.”

No sentido de atividade do mal (Satanás)


Efésios, 2 1. “E vós outros estáveis mortos por vossas faltas, pelos pecados que cometestes
outrora seguindo o modo de viver deste mundo, do príncipe das potestades do ar, do espírito que
agora atua nos rebeldes.”
Romanos 7, 5. “De fato, quando estávamos na carne, as paixões pecaminosas despertadas
pela lei operavam em nossos membros, a fim de frutificarmos para a morte.”
II Tessalonicenses, 2, 7. “Porque o mistério da iniquidade já está em ação, apenas
esperando o desaparecimento daquele que o detém.”
II Tessalonicenses, 2, 9. “A manifestação do ímpio será acompanhada, graças ao poder de
Satanás, de toda a sorte de portentos, sinais e prodígios enganadores.”[74]
A energeia de um agente sobrenatural, quando está presente em um ser humano, é mais
facilmente entendida como um poder ou capacidade para certos tipos de ação[75]. Essa associação
entre energia e agentes espirituais feita por São Paulo será retomada pelos Padres da Igreja e
sucessores. Paulatinamente uma teologia será construída a partir de Atanásio de Alexandria,
Basílio da Cesaréia, Gregório de Nissa, São João Crisóstomo, São Cirilo, Pseudo Dionísio o
Areopagita, Máximo o Confessor. Nesse processo de construção de ideias a questão da energia
será vinculada à questão dos Nomes Divinos, assim como à da Luz Divina e à experiência da
graça divina. Será esse um longo percurso que contribuirá para fortalecer no Oriente uma
teologia das energias divinas ausente do Ocidente.
Essência e Energia

Um tema central na teologia bizantina será a distinção entre energia e substância, como o
estabeleceu, entre outros, Gregório Palamas sob influência dos Padres Capadócios. As energias
divinas não são hipóstases e assim não se constituem em realidades independentes, antes a noção
de energia toma lugar então dentro da tríade relacional: “quer seja indiretamente, por intermédio
da noção de potência [(dunamis) = capacidade ou faculdade], ou diretamente, a noção de
energia se encontra em relação com a noção de essência (ousia) ou de natureza divina”[76].
Há uma distinção real entre energia divina e essência divina. Assim, a energia depende e é
subordinada ou inferior à essência que a transcende. A energia não se relaciona com a hipóstase,
somente o faz quanto ao modo de operação ou orientação desta. As três hipóstases (pessoas)
divinas (Pai, Filho e Espírito Santo) têm a mesma energia pois possuem a mesma e única
natureza divina. Os Padres da Igreja, assim como Gregório Palamas, enfatizam que Deus é
incognoscível em Sua essência, mas é cognoscível em Sua energia ou em Suas energias. “Nunca
há uma visão da essência de Deus, radicalmente transcendente, mas sim a mais real participação
das energias divinas incriadas”[77]. Gregório de Nissa, João Crisóstomo e João Damasceno,
contudo, ressaltam que nosso conhecimento das energias divinas é sempre parcial e limitado.
A palavra energia, deste modo, pode dizer respeito tanto à atividade de Deus no mundo
quanto a Seus atributos. Aqui é que a questão das energias divinas se relaciona estreitamente
com a questão dos Nomes de Deus, como veremos mais adiante com Bulgakov, e com a questão
da Luz Divina, pois esta “é uma energia divina e a energia divina se manifesta com frequência
através da Luz”[78].
Para o pensamento patrístico as energias divinas se manifestam no mundo, estão em todas
as partes, envolvem e penetram todas as criaturas. São ao mesmo tempo imanentes e
transcendentes. Incriadas, elas são comunicadas de modo privilegiado aos homens através da
graça pela qual são distribuídos os dons e carismas do Espirito Santo. A Ele elas são ligadas,
mas, Dele são distintas.
Toda essência possui uma energia. A distinção essência – energia se aplica a Deus e não é
somente conceitual, mas é real e objetiva. Assim falamos tanto de energia divina quanto de
energias divinas. A energia divina se manifesta de diferentes e múltiplas formas[79]. E isso,
segundo os Padres e São Gregório Palamas não atenta contra a Unidade e Simplicidade de Deus,
como possam pensar.
Marcante nos Padres gregos e bizantinos, a percepção das energias divinas foi perdida pelo
mundo latino. Dela decorrerá a principal diferença entre as tradições orientais e ocidentais que é
a questão da sinergia, que diz respeito à comunhão com Deus e que não é um ato intelectual,
mas uma ativa participação na vida[80]. Falando mais precisamente, como indica Bradshaw, se
puséssemos em uma palavra a distinção entre Oriente e Ocidente, essa palavra seria
“sinergia”[81]. Apesar de ter pouco lugar no Ocidente, a sinergia como forma de comunhão com
Deus é clara em São Gregório Palamas e em São Paulo. O Ocidente, porém, avançou rumo a
uma percepção da relação entre Deus e o homem como realizável através de meios intelectuais,
percepção que tem seu germe em Santo Agostinho o qual, enfatizando a simplicidade de Deus,
termina por abordar esta relação como acessível por tais meios, algo que será posteriormente
reforçado por São Tomás de Aquino. As consequências disso são profundas para o
desenvolvimento da visão do mundo e da espiritualidade ocidentais.
A ênfase da presença de Deus dentro das criaturas, seja através da participação nas
perfeições divinas ou através da habitação especial da graça, teve que ser
entendida em termos de causalidade eficiente. Isso criou um certo senso de
distância entre Deus e as criaturas - que rapidamente se desenvolveu em um
sentido, não apenas de distância, mas de autonomia. Certamente, não é acidental
que durante os séculos XI e XII, como a Igreja ocidental se desprendia de sua
contraparte oriental, a cultura ocidental como um todo desenvolveu uma posição
nitidamente mais naturalista em áreas como a arte, a ciência, o direito e o
governo, bem como em várias formas de devoção religiosa[82].
Tal naturalismo deu espaço para a percepção filosófica de uma “razão natural”
independente da revelação com consequências sobre a vida religiosa: enquanto a oração e
ascetismo são vistas pelo Oriente como forma de divinização do corpo e da alma, no Ocidente
são vistas como processos disciplinares[83]. A concepção oriental de divinização da pessoa em
corpo e alma está ligada à concepção de sinergia:
A concepção oriental de sinergia depende da compreensão de energeia de duas
formas distintas simultaneamente: como uma atividade que pode ser
compartilhada e como complemento natural e manifestação do ser interior,
pessoal (ousia), daquele que age. Os germes de ambos aspectos deste
entendimento estão presentes em Aristóteles. Energeia como atividade é,
naturalmente, um dos significados aristotélicos regulares do termo, e Aristóteles
também apresenta as energeiai das faculdades da alma como o único caminho
para a compreensão de sua ousia[84].
No centro da elaboração da concepção de energia encontramos São Gregório Palamas para
quem as energias são relativas, ou seja, dependem do poder receptivo das criaturas, não sendo
indicativas da essência, mas da relação com o outro, sendo multiplicadas de acordo com a
diferença do poder receptivo das criaturas. Palamas coloca sob o conceito de energia os dons do
Espirito Santo, a Luz Incriada, as “coisas em torno de Deus”[85], os Nomes Divinos e habitação
do Espírito Santo. Tudo pode ser compreendido como manifestação da essência de Deus através
de suas energias, manifestação da ousia através das energeiai[86]. Daí surgirá um conceito de
imagem diferente do Ocidental, particularmente em Florenski e em Bulgakov, concepção que
será abordada por nós no decorrer desta discussão. De suma importância para nós será a
argumentação de Bradshaw, para quem:

O Oriente não tem conceito de Deus. Ele vê Deus não como uma essência a ser
entendida intelectualmente, mas como uma realidade pessoal conhecida através
de Seus atos, e sobretudo por compartilhar-Se nesses atos. Como eu destaquei,
essa compreensão leva a uma visão distinta do papel do ascetismo e de outras
práticas espirituais. Para o Oriente, estes são vistos não como forma de
disciplinar o corpo, mas como uma contribuição para a divinização da pessoa
como um todo, do seu corpo e de sua alma. Diferença semelhante pode ser
observada em relação à moral religiosa. Para o Oriente, a moralidade não é
principalmente uma questão de conformidade com a lei, nem (em um viés
aristotélico) de alcance da excelência humana através das virtudes. Antes, ela é
uma questão de vir a conhecer Deus, compartilhando Seus atos e manifestando
Sua imagem. É impressionante, a este respeito, que a longa tradição ocidental de
resistência leiga à aplicação clerical da moral não tenha análogo real no Leste.
Neste não se encontra nada como a poesia gótica ou o movimento de amor
cortesão da Idade Média, muito menos a mundanidade estudada por autores como
Boccaccio[87].
Gregório Palamas

A distinção entre essência (ousia) e energia (energeia) foi introduzida como categoria na
filosofia oriental, particularmente com a ocorrência do conflito acerca da adoração do Nome de
Deus (Imyaslavie, Onomatodoxia) iniciado entre os monges russos do Monte Athos.
Ao contrário do discurso filosófico europeu, a tradição ascética ortodoxa oriental
(o hesicasmo), tendo seu centro em Athos, sempre foi baseada em ideias e
intuições energéticas; em particular, o ideal místico (telos) do modo ascético, a
Deificação, sempre foi apreendida intuitivamente como a união energética entre
o homem e Deus. Esta visão energética da Deificação e da comunicação com
Deus, enraizada na prática hesicasta, acabou por resultar no ensino teológico
sobre as energias divinas que foi desenvolvido por São Gregório Palamas no
século XIV[88].

Gregório Palamas (1296-1359) está para a tradição oriental como Tomás de Aquino (1225-
1274) está para a ocidental. Muitos os veem como contrapostos, sendo isso também um dos
elementos de separação entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente[89]. Palamas seria mais intuitivo
e através de sua defesa do hesicasmo como meio para a deificação do homem se afastaria da
lógica, da filosofia e do intelectualismo que dominam a Igreja Ocidental. O centro da teologia de
Gregório Palamas são as questões da essência, da energia e da deificação (theosis). É através das
energias que Deus se manifesta ao homem. Os santos e místicos, por exemplo, têm um vislumbre
de Deus, através da visão de Suas energias, porém não têm acesso à Sua essência que permanece
oculta. A prova de Sua existência está em Suas manifestações e quem não crê nelas também não
crê em Deus. Palamas se afasta de uma concepção intelectualista de Deus, seja de caráter
apofático ou catafático. Sua posição seria existencialista, segundo Meyendorff, pois diz respeito
à percepção da existência de Deus através de Suas energias, sem alcançar a sua essência que
permanece misteriosa e oculta[90].
Ainda segundo Meyendorff, “a distinção em Deus entre ‘essência’ e ‘energia’ - o ponto
focal da teologia palamita - não é senão uma maneira de dizer que o Deus transcendente
permanece transcendente, assim como Ele também Se comunica com a humanidade”[91]. Tal
distinção entre essência e energia torna-se um dos problemas centrais na separação entre as
Igrejas do Ocidente e do Oriente. Como enfatiza Lossky, no Ocidente predomina a visão de Deus
assentada na divina essência da Trindade e nada fora disso, não havendo qualquer lugar, segundo
ele, para a concepção de energia. Mas para Gregório Palamas há algo além: a energia divina,
incriada e coeterna com a substância divina[92]. As energias divinas são agentes da deificação da
criação e compõem uma visão panenteísta de Deus, ao mesmo tempo transcendente (substância)
e imanente (energia). São elas inseparáveis se expressando nos santos e em sua união com
Deus[93]. Temos então que se Deus na visão tomista é inacessível, a não ser que derrame sua
graça sobre o homem, na visão palamita o homem pode ver Deus e com Ele se comunicar através
das energias divinas[94].
O tema central, ou intuição, da teologia bizantina é que a natureza do
homem não é uma entidade autônoma estática e fechada, mas uma realidade
dinâmica, determinada em sua própria existência por sua relação com Deus. Essa
relação é vista como um processo de ascensão e como comunhão - o homem, criado
à imagem de Deus, é chamado a alcançar uma “semelhança divina”. O dinamismo
da antropologia bizantina pode ser facilmente contrastado com as categorias
estáticas de "natureza" e "graça" que dominaram o pensamento cristão ocidental
pós-agostiniano[95].
As consequências dessa posição são imensas para o Leste, pois deixará a marca do
misticismo sempre presente na religião e na arte orientais. O Ocidente, pelo contrário, em sua
teologia privilegiará a lógica e o racionalismo filosóficos deixando de lado a mística e a
experiência bizantinas. Esse abandono talvez esteja na raiz do fato de a teologia ocidental ter
embarcado em um processo de intelectualização, racionalismo e afastamento da relação com
Deus, dando origem tanto ao desencantamento do protestantismo quanto a uma teologia
essencialmente ideológica como é a teologia da libertação[96] presente na América Latina. Esse
caminho do Ocidente marcado pela vinculação com a filosofia e pelo abandono da mística é
fortemente criticado por um pensador como Alexander Kalomiros:
"Protestantes, humanistas, ateus - toda a série de filósofos europeus - todos
se formaram na escola do catolicismo. É por isso que todos eles falam a mesma
língua, a linguagem do racionalismo, e é por isso que, apesar de todas as suas
variações, eles notoriamente se entendem "[97].
Ao se perder a percepção da energia como elemento de comunicação e de união do homem
com Deus se perdeu também a visão da unidade divina de todas as coisas, cujo exceção no
Ocidente temos em São Francisco de Assis. Isto, certamente, é que está por trás de uma tão
profunda e verdadeira afirmação como a de Jean-François Colosimo:
O Deus da Bíblia estava, talvez, ausente de Auschwitz. O Cristo do
Evangelho com certeza estava presente no Goulag[98].
Conclusão do capítulo: Em grande parte, a dificuldade de compreendermos o poder da
imagem decorre da perda da percepção de energia divina. Nos dias atuais a questão é retomada,
afastada da luz cristã original e absorvida pela absorção e mistura esotérica de novas gnoses,
correntes new age e espiritualistas de vertente oriental. A perda para o pensamento ocidental das
noções de energia e de sinergia não é pequena e sem consequências. Se temos imagens, sagradas
ou artísticas, que abrem portas para o infinito e podem manifestar as energias divinas, podemos
considerar também, que na cultura imagética contemporânea, temos imagens que abrem portas
para o mal. É inegável o poder de disseminação, de réplica de comportamentos sociais violentos,
desagregadores, orientados pelo medo, pelo ódio e pela indiferença, provocados pela invasão de
imagens propiciada pela tecnologia midiática. Buscando penetrar neste horizonte é que
abordaremos as obras de Pavel Florenski e de Sergius Bulgakov.
CAPÍTULO IV - PAVEL FLORENSKI: IMAGEM COMO JANELA PARA O
INFINITO
No século XXI, ao mesmo tempo em que ocorreu o avanço no acesso às informações,
houve um aumento acelerado da violência, do crime, do terrorismo e da desagregação social, em
larga medida intermediados pelas imagens e através delas replicados, copiados ad infinitum nas
teias da sociedade ao ponto de não se conseguir distinguir entre o factual e a imagem que do
mundo se cria. Chega-se em um estágio onde o real é precedido pela imagem, algo pressentido
por Baudrillard no que chamou de “precessão do simulacro”.
A sociedade deste século, mais do que as precedentes, se encontra diante da verdadeira
batalha que se trava entre as imagens de agregação e de harmonia contra imagens desagregadoras
e violentas. No final do século XIX e início do século XX, como médiuns iniciais destas
imagens, superando as formas tradicionais de suporte das mesmas (pintura, escultura, etc.)
tivemos a fotografia e o cinema. Posteriormente a televisão, todos exigindo do espectador uma
relação com o tempo específica, o que foi abordado por Walter Benjamin e a noção de “choque”.
Há algum tempo, porém, o espaço desta batalha se deslocou desses meios, embora eles ainda se
façam vigorosamente presentes. As imagens hoje se incorporam como próteses ao corpo humano
mergulhado nos celulares, com a internet indo parar nos relógios, nas geladeiras, nos objetos
diversos que circundam o cotidiano das pessoas. A batalha também é pela memória que
rapidamente se esvai diante da avassaladora enchente imagética no cotidiano do homem. Busca-
se compreender, e não se consegue, o porquê da violência crescente nos comportamentos sociais
que se espalham através das redes sociais. Como previsto por Dostoievski, no sonho de
Raskólnikov em Crime e Castigo, estamos em plena experiência da Torre de Babel. E essa
experiência do caos e da desagregação sociais pode ser melhor compreendida (mas nunca
desvendada totalmente) se dela nos aproximarmos através das noções de janela e de energia que
sustentam para nós a premissa de que:

há um mundo invisível por trás das imagens. Estas abrem portais para
comportamentos que não são meras réplicas psicológicas, meras
imitações ou reações emocionais, mas que são provenientes do
envolvimento sinérgico do espectador com as energias liberadas por
tais imagens, sejam elas agregadoras e de harmonia, sejam elas
destruidoras, caóticas e violentas.

Para melhor compreendermos isto, é inestimável a contribuição dos ortodoxos russos


Pavel Florenski e Sergius Bulgakov acerca dos ícones, envolvendo a questão da essência e da
energia, relação-chave no discurso cristão oriental[99]. Florenski e Bulgakov se integram na
corrente que impregna, com a sofiologia de Soloviev e sua metafísica da unitotalidade, o
pensamento teológico russo a partir do final do século XIX. A sofiologia, embora a polêmica no
seio da ortodoxia em torno da existência, ou não, de ramificações gnósticas no conceito, elimina
a dualidade e abismo entre Deus e a Criação. A Sabedoria (Sophia) constitui-se em uma metaxis
entre Deus e a criação. Assim ela é o rosto de Deus voltado para a Criação e desta em relação a
Ele[100]. A Criação não se opõe a Deus, mas antes é santificada por Ele. Soloviev, Florenski e
Bulgakov restauram a intimidade de Deus com a Criação/humanidade. Neles, homem e natureza,
são necessários para a salvação do mundo. O caráter cósmico da sofiologia encontra-se nessa
intimidade, nesta ligação entre todas as coisas da criação, separadas e esmagadas pelo pecado,
pela ganância, pela inveja e pela maldade humanas. A Sabedoria é o véu divino que envolve
delicadamente a relação entre o Criador e as criaturas. Embora, à primeira vista isso lembre a
relação Eu-Tu de Martin Buber, o caráter da sofiologia é distinto, pois na relação dialógica
buberiana falta o acento cristão presente nos russos: o Cristo que se fez carne, padeceu, morreu e
ressuscitou, não só pelo homem, mas por toda a Criação. Nessa corrente de pensamento é que se
inscreve o Padre Pavel Florenski.
Um dos maiores intelectuais russos do início do século XX, executado pelas forças
soviéticas durante a II Guerra Mundial, Florenski elaborou uma teosofia do ícone fundamental
para se compreender o poder da imagem. Para ele a forma icônica, mesmo que aparentemente
distorcida, porque parte de uma perspectiva invertida é, na verdade, expressão da Sophia
(Sabedoria) celeste que se manifesta na terra. O ponto de partida de Florenski será o Credo
Niceno-Constantinopolitano: “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da
terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”. Pensar au-delá da imagem visível ou percebida faz
parte da tradição bizantina em que se insere Florenski que dialogará com Dionísio, o Areopagita
(Pseudo Dionísio), com Máximo, o Confessor, com São João Damasceno e também com o
pensamento platônico.
Dionísio, o Areopagita adota uma concepção peculiar acerca da matéria. Ao contrário dos
que nela veem o mal, Dionísio afirma que como tudo o que é criado e como todas as criaturas ela
se une ao Ser, Dele procede e para Ele retorna como em um círculo, expresso na simbólica do
sol. A natureza em si não contém o mal. O que, por vontade própria e por ignorância se afasta da
luz é o mal, que não tem substância em si mesmo e nem tem poder de criação. O mal não
existe enquanto Ser, pois só o Bem (Deus) é Ser. O mal é o não-ser que por debilidade,
ignorância e impotência se afasta do Bem que tudo cria. Esta visão integradora da natureza, do
homem e de todas as coisas criadas no cosmo divino deixará, junto com a de São Máximo
Confessor, uma profunda marca na visão de mundo e na espiritualidade bizantinas. Nessa
cosmologia integradora as imagens inscritas na matéria são signos do mistério de Deus e do
sublime; rastros do infinito e do mundo invisível. É importante aqui retermos a questão da
inscrição da imagem em um suporte material, à qual mais abaixo voltaremos. Dionísio, em
seus textos sobre liturgia, promove uma revalorização do mundo sensível e de sua
interpenetração com o mundo inteligível (invisível). Isso tem implicações importantes para a
percepção acerca da relação do homem com a matéria, com a natureza e com a arte[101].

Porque nossa compreensão não pode ser elevada à imitação e à contemplação


imaterial das hierarquias celestes se não for ajudada pelos meios materiais,
segundo sua natureza, considerando as belas imagens que vemos como um signo
de sublimes mistérios, os bons cheiros que percebemos como signos da
comunicação intelectual, as luzes materiais como sinal da copiosa efusão de luz
imaterial, as diferentes disciplinas sagradas correspondem à plena capacidade
contemplativa do entendimento, as ordens dos graus aqui abaixo correspondem
ao estado perfeito e de acordo com o divino, a recepção da Sagrada Eucaristia é
signo da participação com Jesus, e tudo o mais, que nos é concedido de maneira
simbólica, mas aos seres do céu é dado de forma transcendente[102].
Máximo, o Confessor compartilhará com Dionísio o Areopagita, a crença em “um vívido
sentido de interpenetração do sensível e do inteligível”[103], em que este se reflete naquele. Os
logoi, como palavras divinas, encarnadas no tempo e no espaço e manifestadas no mundo visível,
exigem serem lidos, daí a expressão “livro da natureza” no qual leríamos a palavra de Deus, o
mundo inteligível, através da manifestação sensível da criação. Mundos não separados, mas com
os logoi instilando sentido no visível, pois [104]“todo o mundo espiritual parece misticamente
impresso em todo o mundo sensível através de formas simbólicas, para aqueles que são
capazes de ver isso e, inversamente, todo o mundo sensível está espiritualmente explicado no
espírito, nos princípios que ele contém”[105].
Contudo, o primeiro estudo cristão sistemático sobre as imagens é de São João
Damasceno[106] e nele se encontra também a imagem visível como reveladora de coisas
invisíveis. A imagem representa e não se confunde com a pessoa imaginada. O propósito da
imagem é revelar e representar algo oculto: “a imagem foi concebida para um maior
conhecimento, e para a manifestação e popularização de coisas secretas, como um benefício puro
e ajuda na salvação, de modo que, mostrando as coisas e tornando-as conhecidas, podemos
chegar às coisas ocultas, desejando e imitando o que é bom, evitando e odiando o que é o mal”.
Na tipologia que São João Damasceno faz das imagens ressaltam-se aquelas que são a expressão
material de coisas invisíveis a nossos sentidos. A própria criação é a expressão corpórea de Deus
invisível.
Essa tradição terá implicações diretas na filosofia de Pavel Florenski, cujo ponto de partida
será a relação entre os mundos visível e invisível. Para Florenski a alma humana é a verdadeira
base sobre a qual podemos apreender esta ligação entre dois mundos. Interiormente isto pode ser
experienciado em segundos, quando estes mundos estão tão próximos de nós que podemos vê-los
tocarem-se. Em tais momentos o véu da invisibilidade é levantado e podemos sentir o mundo
invisível respirando sobre nós e ambos os mundos “se dissolvendo um no outro”[107].
Em uma visão antípoda à visão ocidental freudiana, Florenski adentra na questão do
mundo invisível através do sonho, onde o tempo em outra dimensão é experienciado de modo
totalmente diferente do que ocorre no mundo visível. Podemos pensar aqui no princípio da
relatividade onde cada dimensão tem um tempo diferente que se move com diferentes
velocidades. Para ele o sonho é puro significado envolvendo com uma fina membrana de
materialidade a ligação entre dois mundos, o celestial e o terreno, o visível e o invisível.
Mantendo as proporções a obra de arte é como o sonho, ou seja, é uma ligação entre dois
mundos: o terreno e o celestial. A arte é “o sonho materializado, separado da consciência
ordinária cotidiana”[108] e as imagens provenientes da experiência com a arte são de duas
naturezas, segundo Florenski: ascendentes e descendentes. As primeiras se dirigindo da terra em
direção ao céu e as segundas, fazendo o sentido contrário, obedecendo a direção céu-terra. As
imagens de ascensão são as produzidas por nós e as de descenso são provenientes do reino de
Deus. Ambas cruzam os limites entre os dois mundos, seja se elevando ao mundo celeste, seja
reentrando no mundo terreno através da experiência da vida mística cristalizada nos limites
desses mundos.
Materialmente esse entrecruzamento de mundos dar-se-ia no templo ortodoxo que, para
Florenski, seria “a escada de Jacob, conduzindo do visível para o invisível”. No templo “o
conjunto do altar já é (em sua totalidade) o lugar do invisível, a área à parte deste mundo”,
melhor dizendo, o santuário da Igreja é o “testemunho do mundo invisível”. Esse mundo, que no
sentido corbiniano seria o mundo imaginal, Elémire Zolla em seu prefácio à edição italiana do
livro clássico de Florenski, La porte regali, chamará de mundo intermédio[109], ou seja, o mundo
onde ocorre a conexão entre o visível e o invisível e no qual se pode experienciar um “contato
ontológico” com a realidade transcendente. Na experiência de criação artística a alma e a
consciência do artista ascendem às regiões celestes[110]. Aqui o mundo terreno é o símbolo sob o
qual se encontra uma realidade espiritual invisível, mais substancial e real do que a terrena.
Florenski, volta assim Dionísio, o Areopagita e sua percepção dos ícones como “imagens
visíveis e misteriosas de visões sobrenaturais”[111].
O limite e a ligação entre esses dois mundos será a iconóstase[112] que é, ao mesmo tempo,
uma realidade material e espiritual. Ela é a parede que separa os dois mundos, a ligação entre o
visível e o invisível. “Iconóstase é visão. Iconóstase é uma manifestação dos santos e dos anjos –
angelophania - uma aparência manifesta de testemunhas celestiais que incluem, em primeiro
lugar, a Mãe de Deus e o próprio Cristo incarnado; testemunhas que proclamam o que está do
outro lado da carne mortal. A iconóstase são os próprios santos”[113]. O espaço material da
iconóstase é, de per si, o lugar do invisível e o altar é o próprio céu, um lugar noético, inteligível,
lugar do sacrifício celeste e espiritual, inacessível e transcendente em relação ao próprio templo.
O altar só pode ser delimitado por suas testemunhas, presentes na iconóstase, que são os santos.
Eles, embora sejam visíveis no mundo terreno através dos ícones, permanecem no mundo
invisível: “por isso que eles são também as testemunhas do mundo invisível, testemunhas pelo
que são, por seu próprio aspecto, por seu semblante. Eles vivem conosco e estão disponíveis para
comunicação, muito mais disponíveis do que nós mesmos (...)”[114].
Em sua passagem rápida pela terra, marcada pela fragilidade sensorial da matéria, o ser
humano precisa da imagem sagrada para se elevar ao mundo celestial como identificou São João
Damasceno. O templo e o ícone são necessários para a ligação do homem com Deus neste tempo
que ainda não é o messiânico. Quando tal tempo chegar, então, as imagens sagradas não serão
mais necessárias, “quando isso acontecer, a iconóstase material se tornará obsoleta, na medida
em que toda a imagem deste mundo, incluindo a fé e a esperança, será suprimida, e
permaneceremos na pura caridade contemplando a eterna glória de Deus”[115].

“Como através de uma janela vejo a Mãe de Deus, a mãe de Deus em pessoa, é a ela
mesma que rezo face a face, e não à sua figuração”[116]. Ao dizer isso Florenski reafirma que o
ícone é a janela através da qual se atinge o mundo celestial. Embora não seja uma visão
espiritual, pois esta tem por si própria uma realidade, com ela coincide. Quando o ícone fica à
parte dessa visão espiritual se esgota na matéria de que é feito. Não tem sentido, assim como
uma janela que se abre para uma parede também não o tem. O ícone é a janela que se abre para
a luz, embora não seja ele mesmo a luz. Como uma janela só é janela por sua ligação ontológica
com a luz para a qual se abre, assim também é o ícone. Se a janela não se abre para a luz ela é
simples madeira e vidro, se o ícone é “separado da visão espiritual não é de modo algum um
ícone, mas um pedaço de madeira pintado”.[117] A noção de símbolo em Florenski adota aqui
um sentido ontológico, pois para ele o símbolo não é a representação de algo ausente, mas é
portador de um sentido do qual é inseparável, do contrário não seria um símbolo, mas uma
simples matéria morta. Assim como “uma janela é luz ou então mera madeira e vidro, mas nunca
simplesmente uma janela”, o ícone é inseparável da supra realidade que revela.
Visão do invisível, para o Pseudo Dionísio, signo de Deus no mundo, a matéria do ícone se
abre com o aprofundamento da visão espiritual do homem. O ícone materializa as imagens
celestiais e daí Florenski o abordar sob o prisma de uma materialização do testemunho em dois
níveis: em primeiro lugar, o ícone, de per si, é a materialização das Testemunhas que estão diante
do trono de Deus, ou seja, a madeira pintada é testemunha de ideias suprassensíveis que
permitem ao homem vislumbrar a realidade celestial. Em segundo lugar, “o pintor de ícones
torna-se a testemunha dessas Testemunhas, dando-nos as imagens de sua visão”. Toda essa
dinâmica do testemunho ocorre através de padrões formais envolvendo linhas e cores, portanto,
de uma incrustação na matéria (a madeira) de pigmentos e vernizes naturais simbolizando a
Terra como signo de Deus e fazendo emanar a luz do semblante sagrado do santo, ou, como
afirma Florenski, “a mais persuasiva prova filosófica da existência de Deus é aquela que os
livros nunca mencionam, cuja conclusão talvez possa expressar melhor o significado completo:
existe o ícone da Santíssima Trindade de Santo Andrei Rublev; logo, Deus existe”[118].

O ícone é uma janela aberta para o céu e, ao mesmo tempo, uma testemunha do céu.
Aqui temos a precedência do Criador sobre as obras da criatura que passam a ser testemunhas da
realidade divina. Florenski traslada o sentido do ato de testemunhar da pessoa para a matéria
inerte. Se o mártir é pessoa encarnada que testemunha o Senhor, o ícone é matéria pintada que
também testemunha o Senhor. Quando dotado desse sentido, o ícone é janela para o invisível
celestial. Desprovido desse sentido o ícone é simples matéria, um pedaço de madeira com linhas
e cores.
Assim, podemos dizer que a imagem icônica é inseparável do protótipo, deste ela é um
signo e não meramente uma obra de arte, mas sim a evocação da realidade essencial, uma “onda
evocada pela realidade essencial”, assim como “toda a nossa vida se comunica com a essência da
realidade em uma série de ondas contínuas: porque nós podemos nos comunicar com uma
essência apenas através de suas energias e nunca diretamente com a própria essência. E porque
um ícone faz a luz de uma pessoa iluminada aparecer para nós, ele é uma energia”. Na
visão cósmica da realidade, a terrena e a espiritual, o protótipo e a imagem, “a ontologia e o
ícone são totalmente contíguos”[119].
A dessacralização das imagens

A crítica de Florenski à visão moderna da relação entre o homem e o ícone é muito


contundente e há dois aspectos nela que devem ser notados. O primeiro diz respeito à concepção
da relação com o ícone como sendo algo meramente “subjetivo” e “psicológico”. Segundo ele,
esta é uma nova forma de iconoclasmo que despreza “a conexão ontológica entre o ícone e o
protótipo” negando-lhes toda a veneração e vendo mesmo nela uma idolatria[120]. Infelizmente,
em especial nos dias atuais, esta será a postura da maior parte da crítica ocidental à relação com
as imagens, reduzindo-a aos aspectos sociológicos, filosóficos ou psicológicos e desprezando a
sua dimensão espiritual.
O segundo aspecto da crítica de Florenski se refere ao fato de que o ícone tem um sentido
invisível, logo, encará-lo como uma simples obra de arte, como o faz o positivismo ocidental, é
“criminoso” e cai no mesmo iconoclasmo dos antigos. Note-se que atualmente esse iconoclasmo
por indiferença convive com outras formas de iconoclasmo que vão da oposição às imagens
(como em várias correntes protestantes ou, mais recentemente, na “politicamente correta”
Comunidade Europeia) até aquela que acompanha a banalização da imagem produzida pelo
aparato tecnológico contemporâneo.
Sob esse viés, o Ocidente moderno comprova o quão atual é a crítica de Florenski: não só
nas artes plásticas, mas também na arquitetura religiosa o que assistimos é a completa
dessacralização arquitetônica dos templos que tomaria conta da Igreja Católica Romana, onde a
arte perdeu a conexão com a realidade espiritual. Como exemplo tomemos um Santuário mariano
mundialmente famoso como o de Fátima onde, ao lado da Basílica, um templo subterrâneo foi
construído sem nenhuma imagem sacra, despido de qualquer elemento simbólico de ligação
entre o visível e o invisível. Isso é mais espantoso por se tratar de um lugar onde houve uma
manifestação concreta da Mãe de Deus para a humanidade. A ausência de espiritualidade que
contaminará a arte religiosa contemporânea que não consegue mais atingir sua destinação
fundamental que é conectar o homem com o sagrado. Chegamos, após um longo processo a uma
terrível crise espiritual que se espelhará nas catedrais e nas igrejas católicas ocidentais
contemporâneas, muito distantes de uma arquitetura do sagrado que seguiu em séculos passados
os cânones tradicionais da construção em forma de cruz[121].
Tarkovski, em 1984, referindo-se ao museu do Vaticano, faria uma ácida crítica à relação
da Igreja ocidental com a arte contemporânea:

[no Museu do Vaticano] há um número imenso de salas consagradas à pintura


religiosa contemporânea. Há que se ver isto, pois é horrível. Não compreendo
porque estas - perdoem-me- obras estão dispostas sobre as paredes de um tal
museu. Como isso pode satisfazer às pessoas religiosas e em particular a
administração da Igreja católica. Isto tudo é, simplesmente, espantoso[122].

Hoje, como as artes plásticas religiosas contemporâneas do Museu do Vaticano, a


arquitetura das igrejas se perdeu em hexágonos, poliedros, triângulos e outras formas totalmente
estranhas e distantes da cruz. Arquiteturas superficiais, vazias de sentido, sujeitas a “delírios
estéticos”[123] ou ao que, Fredric Jameson chamou de “intensidades” para dar conta de uma
estética que expressa relações sociais evanescentes e superficiais[124]. Tarkovski, por sua visão
marcada pela fé percebe com mais clareza do que Jameson, que essas obras são produtos de uma
“consciência atrofiada” do homem atual, típica, como ele destaca, dos personagens de
Dostoievski. Uma consciência “incapaz de crer”, que padece de “ausência de espiritualidade” e
da “impossibilidade de esperar a graça”[125].
A Filosofia da Perspectiva de Florenski
Diante da razão instrumental os mistérios da imagem escapam, como água escoando pelos
dedos das mãos. Diante deles cabe uma hermenêutica espiritual, como a de Florenski, que
envolve antes de tudo a aceitação da presença dos mundos visível e invisível coabitando
juntos (como identificado pelos Padres da Igreja e pela mística cristã); dimensões com
experiências distintas de tempo e de espaço, algo que foi vislumbrado por ele em sua filosofia da
perspectiva nas artes figurativas. Os estudos de Florenski além de nos servirem como chaves
para a compreensão acerca da relação entre a imagem e os dois mundos, são de especial
importância ao perceberem o impacto que teve sobre a cultura ocidental a visão de espaço
assentada na perspectiva linear a qual teve seu correlato em termos de ideias na filosofia kantiana
e nas que depois dela se seguiram como partes de um longo processo de secularização e
desencantamento do mundo.
Assim é que defendendo a perspectiva invertida dos ícones como propícia para a relação
mística, Florenski tecerá fortes críticas à arte figurativa ocidental. Contrapondo a perspectiva do
quadro renascentista à perspectiva invertida do ícone[126], ele nos indica que no primeiro caso
temos uma abstração que não corresponde ao olhar fisiológico e ao espaço euclidiano como o
são na realidade, pois o olhar se movimenta em diversas direções e o espaço euclidiano é
homogêneo, isótropo, tridimensional, infinito e ilimitado, logo, é poli prospectivo. O olhar do
pintor perspectivo é monocular e soberano, diz respeito a uma visão a partir da posição subjetiva
do artista, tomando-a como o real e desconsiderando o espaço euclidiano, se impondo como
única, logo falsa, segundo Florenski, verdade sobre o real.
Além disso, a percepção ocidental de que a descoberta e uso da perspectiva linear seria um
“progresso” da visão e da pintura é desmistificada por Florenski ao afirmar que o seu uso já se
encontrava em antigas civilizações, como a egípcia, e mesmo no Renascimento nem todos os
pintores a usavam exclusivamente. Alguns, como Leonardo Da Vinci, oscilavam entre o uso de
mais de uma perspectiva, ora a linear, ora a invertida, por vezes acolhendo as duas na mesma
obra pictórica. Assim é que várias questões se levantam:
A perspectiva, de fato, expressa a natureza das coisas, como sustentam os seus
defensores, e, portanto, deve ser sempre e em todos os lugares vista como o pré-
requisito incondicional para a veracidade artística? Ou é apenas um esquema e,
além disso, um dos vários possíveis esquemas de representação, correspondendo,
não a uma percepção do mundo como um todo, mas sendo apenas uma das
possíveis interpretações do mundo, ligada a um sentimento específico de e para a
compreensão da vida? Ou, mais uma vez, a perspectiva, a imagem perspectiva do
mundo, a interpretação perspectiva do mundo, é uma imagem natural que flui de sua
essência, uma verdadeira palavra do mundo, ou é apenas uma particular ortografia,
uma das muitas construções que é característica daqueles que a criaram, relativa ao
século e à visão de mundo daqueles que a inventaram, e expressão de seu próprio
estilo - mas de forma alguma excluindo outras ortografias, outros sistemas de
transcrição, correspondentes à visão do mundo e estilo de outros séculos? [127]
Ora, essas questões não são simples filigranas estético-perceptivas, elas, na verdade
remetem a profundas transformações espirituais e éticas que irão determinar os destinos da
cultura ocidental e da oriental. E sobre isso queremos nos deter neste momento. Note-se que
Florenski estabelece uma relação entre perspectiva e visão espiritual do mundo destacando que
do modo como se constitui esta relação irão brotar os valores que conformarão o homem e a
sociedade. Para ele a maturidade religiosa e espiritual de um povo irá se expressar na forma e na
técnica pictóricas:

A ausência de uma perspectiva linear entre os egípcios, assim como, em um


sentido diferente, entre os chineses, demonstra a maturidade de sua arte, e mesmo a
sua superação senil, em vez de uma infantil falta de experiência. Isso demonstra a
libertação da perspectiva, ou uma recusa, desde o início, em reconhecer o seu poder
- um poder que, como veremos, é característico do subjetivismo e do ilusionismo -
em favor da objetividade religiosa e da metafísica supra pessoal. De modo
contrário, quando a estabilidade religiosa de uma Weltanschauung se desintegra e a
metafísica sagrada da consciência popular é corroída pelo julgamento individual de
uma única pessoa com seu único ponto de vista e, além disso, com um único ponto
de vista precisamente neste momento específico - então também aparece uma
perspectiva, que é característica de uma consciência fragmentada. Porém,
inicialmente isto não acontece na arte pura, que é, essencialmente, sempre mais ou
menos, metafísica, mas na arte aplicada, como um elemento de decoração, que tem
como tarefa não a verdadeira essência do ser, mas a verossimilhança para a
aparência.
Pois a tarefa da pintura não é duplicar a realidade, mas dar a mais profunda
penetração de sua arquitetura, de seu material, do seu significado. E a penetração
deste significado, deste material da realidade, sua arquitetônica, é oferecida ao olho
contemplativo do artista em contato vivo com a realidade, pelo crescente costume e
empatia do mesmo com essa realidade, enquanto que a decoração teatral quer, o
tanto quanto possível, substituir a realidade por uma aparência externa[128].

A arte que se desenvolve a partir da Renascença tem como correspondentes filosóficos


Descartes, Hegel e, como ponto máximo, Kant e seu idealismo subjetivo. Como a filosofia, a arte
pictórica passa a ser assentada no sujeito. Nesse momento a separação entre Deus e o mundo e o
primado do homem são estabelecidos, até se chegar à decretação da morte de Deus pela arte
contemporânea. O artista, assim como o filósofo, se encontra preso à sua subjetividade e sua
visão não apenas não corresponde ao real, como o subverte. O homem perde a capacidade de
olhar para o divino, passando a predominar no Ocidente uma visão que conforma o mundo ao
que é unilateralmente visto pelo sujeito, como se esta fosse a única forma de apropriação
possível do espaço, a visão subjetiva, isto é, unicamente do ponto de vista do artista. Assim, a
visão orientada pela perspectiva linear, segundo Florenski, irá se relacionar com a visão
filosófica e, por fim, com a visão espiritual que chega aos nossos dias marcada pelo extremo
relativismo moral e absolutamente cega para a existência de uma verdade superior.
Contemporaneamente imperam a morte do homem e do sentido sagrado da pessoa. Como
alertava Florenski, quão perigoso se mostra isso que se chama de “humanismo”, quantas
atrocidades atualmente ele justifica (eutanásia, aborto, negação da natureza humana, etc.).

Baseado nisto, sugere-se (e o que é mais perigoso, sugerido


inconscientemente) como completamente auto evidente ou absolutamente provado
por alguém em algum lugar, que não existem formas na natureza, no sentido de
cada forma vive em seu próprio pequeno mundo, pois em geral não existe realidade
que tenha um centro em si e que esteja sujeita às suas próprias leis. Portanto,
sugere-se que tudo que é visível e perceptível é apenas um simples material para
preencher algum esquema regulatório geral imposto a partir de fora, uma função
cumprida pelo espaço euclidiano-kantiano. Consequentemente, todas as formas na
natureza são essencialmente e apenas formas aparentes, impostas por um esquema
de pensamento científico sobre um material impessoal e indiferente, isto é, elas são
essencialmente como quadrados no papel milimetrado da vida, nada mais. E,
finalmente, o que é logicamente a primeira premissa, pressupõem um espaço que é
qualitativamente homogêneo, infinito e ilimitado, um espaço que é, portanto, sem
forma e sem individualidade. Não é difícil ver que essas premissas rejeitam a
natureza e o homem de uma só vez, embora por uma ironia elas se baseiem nos
slogans chamados de “naturalismo” e de “humanismo”, coroados pela proclamação
formal dos “direitos do homem e da natureza”[129].

Subjacente ao pensamento de Florenski temos a contraposição entre platonismo e


kantismo, entre duas visões de mundo que, segundo ele, são antípodas e que correspondem a
fases distintas da existência espiritual da humanidade. A primeira manifestada em uma
cosmovisão que integra o homem e o invisível, a criação e o espiritual. Em Platão o fenômeno é
vinculado à substância, a aparência ligada à essência e por trás da aparência há algo a ser
revelado. Em Kant tem-se uma visão fragmentada da realidade e do homem, obscurecendo a
dimensão invisível, espiritual, e sobrepondo à mesma o império do cálculo racional. Em Kant, a
aparência se liga à ilusão e à falsificação. Tal distinção profunda entre as visões do mundo estaria
na base da divergência quanto à relação com a arte e a imagem por parte do Oriente e do
Ocidente cristãos.

O Oriente primou por imagens que estimulassem a espiritualidade e não a sensualidade.


Como lembra Bulgakov, a forma do ícone é supramundana e, para aqueles acostumados à
perspectiva linear, ela pode parecer abstrata e árida, mas no ícone “não se ouvem as vozes nem
se cheiram as fragrâncias deste mundo”[130]. Já no mundo ocidental, a visão kantiana deu origem
à perda de percepção do sagrado e do mais profundo sentido ocultado pela imagem, conduzindo
ao positivismo e demais correntes que chegam aos dias atuais guiando homens cegos. Como
Florenski e Bulgakov, Tarkovski nos lembra dessa perda da visão espiritual em O Sacrifício,
película que começa com um lamento de Alexander ao contemplar um ícone da Virgem Maria:

ALEKSANDER (voz em off): Fantástico! Que aristocratismo estranho, que


sabedoria e espiritualidade e, ao mesmo tempo, uma simplicidade de espírito
quase infantil. A combinação de profundidade e simplicidade. Incrível! Como
uma prece...
E, agora, tudo isso está perdido! Nós não sabemos mais nem rezar... [131]
Os sentidos espirituais da imagem: chaves para o mundo contemporâneo.
A partir da distinção entre aparência e essência e de seu diálogo com os Padres da igreja,
Florenski nos ajuda a compreender as dimensões visíveis e invisíveis da imagem, ou seja, suas
manifestações no mundo sensível vistas a partir de sua relação com o mundo invisível. Essas
dimensões são de crucial importância para entendermos a relação do homem e da sociedade
contemporâneos com a imagem. Ressalte-se que aqui não estamos diante de uma filosofia como
a de Merleau Ponty[132] e sua fenomenologia do aparecer, da visibilidade que esconde uma
invisibilidade, como um dado geométrico que vemos, dependendo do ângulo, duas faces,
permanecendo duas invisíveis, mas, presentes e daí Merleau-Ponty falar de uma invisibilidade
ligada à visibilidade.
Em Florenski outra será a acepção de invisível e será, antes de tudo, assentada na fé, que
também não é a “fé perceptiva” de Merleau-Ponty, mas sim a fé herdada dos Apóstolos e dos
Padres da Igreja que se revela no momento em que os discípulos chegam ao túmulo vazio de
Jesus.

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de


madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do
túmulo. Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo,
aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não
sabemos onde o colocaram”.
Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. Os dois corriam
juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro
ao túmulo. Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.
Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo.
Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça
de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte.
Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao
túmulo. Ele viu, e acreditou.
De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele
devia ressuscitar dos mortos. (Jo 20, 1-9).

O mundo invisível não está só limitado por nossa visão física, mas pela visão
espiritual que diz respeito à fé em outra vida, em outra dimensão. A comprovação disso, para o
cristão, é a Ressurreição do Cristo que vence a morte, a corrupção e finitude da matéria.
Florenski nunca descurou disso e o ícone será para ele a porta para a realidade transcendente. É
sobre esta percepção do visível/invisível que elabora uma tipologia das formas sob as quais a
relação com a imagem se apresenta: o rosto, a máscara e o semblante.
O rosto (litsó) é o que vemos na realidade terrena, é “quase um sinônimo da palavra
fenômeno”. É o que se manifesta diante da consciência do homem e diz respeito não só ao rosto
humano, mas também a outros seres e realidades como a natureza, por exemplo (o “rosto da
natureza”)[133].
O semblante (lik) é feito à semelhança de Deus, vem da plenitude divina, tem substância
metafísica e vincula-se ao bem.

O semblante é a semelhança com Deus feito realidade no rosto. Quando uma


semelhança com Deus aparece diante de nós, temos o direito de dizer: aqui está a
imagem de Deus; mas a imagem de Deus significa que está presente Aquele que
mostra essa imagem, seu Arquétipo. O semblante por si mesmo é o testemunho
desse Arquétipo; aqueles que transfiguraram seus rostos em semblantes anunciam
os mistérios do mundo invisível sem palavras, com seu próprio aspecto[134].

Exemplos seriam a transfiguração do rosto de Jesus, contemplada pelos discípulos, ou a de


São Serafim de Sarov. É quando a beleza espiritual, a beleza celeste de uma realidade se revela,
quando o arquétipo, ou imagem no sentido platônico se mostra aos olhos humanos. Florenski
aplica essa definição ao ícone apontando que “em sua essência” ele “não é outra coisa senão
semblante (lik) e nada mais que semblante (lik)”[135]. Na literatura de Dostoievski a representação
do semblante encontraremos em O Idiota, no príncipe Michkin, expressão da “beleza que salva”
vinculada à verdade e ao bem. Encontramos também em Sonia Semionovna de Crime e Castigo,
em quem, após a corrupção do pecado, como Madalena, a luz de Deus se desenvolve a tal ponto
que sua alma se transfigura pela misericórdia praticada para com os outros que vivem em meio a
dor e a abjeção[136].
O extremo oposto do semblante será a máscara (lichina). Aqui Florenski retoma o sentido
original da palavra máscara significando “algo que assume um aspecto semelhante a um rosto,
parecido com um rosto, que se faz passar por um rosto e por tal é aceito, mas em seu interior está
vazio, tanto no sentido da materialidade física quanto no da substancialidade metafísica”[137].
O rosto é a manifestação de uma certa realidade, um mediador entre o que conhece e o
conhecido que se manifesta como fenômeno diante de nossos sentidos, de nossa visão. Sob o
rosto podemos encontrar a imagem de Deus. A máscara é justamente o oposto, sob ela não temos
nada, apenas o vazio. Porém, a máscara nos engana pois faz-nos pensar que há algo sob ela,
indica falsamente o que não existe. Em seu significado moderno a máscara é uma “impostura”
como diz Florenski, porém, é uma impostura lúgubre pois no seu fundo há “algo terrífico”. E
qual o significado de terrífico para Florenski? Aqui ele recorre à palavra larva que na mitologia
romana era um

cadáver astral, “vazio”, inanis, um cliché sem substância deixado pelos mortos, ou
seja, uma força escura, impessoal, vampiresca, que busca sangue fresco e um
rosto vivo para manter-se e ganhar vida, rosto ao qual esta máscara astral poderia
aderir, absorvendo e suplantando esse rosto pelo seu próprio ser[138].

Destaque-se que o vazio que caracteriza o pseudorreal, como lembra Florenski, sempre
esteve presente na sabedoria popular como vinculado ao mal e à impureza. O maligno, o impuro,
carece de espinha dorsal, carece de substancialidade, pois só o bem é real. A substância do
homem é a imagem de Deus, mas este quando deixa entrar o pecado, eclipsa a luz divina e seu
rosto passa a ser então, uma mescla de luz e trevas. Quando o pecado se apodera da
personalidade humana, esta deixa de ser a janela através da qual brilha a luz de Deus e passa a
ser marcada pela escuridão. A manifestação fenomênica da pessoa se separa de sua substância
divina, passa a ser uma casca, vazia de sentido: “o ‘fenômeno’ no sentido que é comum a todos
os povos, no sentido platônico, eclesial, da aparência ou revelação da realidade, se transformou
no ‘fenômeno’ kantiano, positivista, ilusionista[139]. (...) a concepção kantiana aponta para o mal e
para o pecado”. Na razão que calcula, na razão kantiana, reside o mal que, para Florenski, tudo
fragmenta privando o homem da possibilidade de perceber o cognoscível. O homem perde o
contato com o Absoluto e a profecia dostoievskiana, presente na frase “se Deus morreu tudo é
permitido”, se realiza. Estamos diante do império da máscara, uma visão do mundo assentada
na mentira e no vazio, que dominará a cultura, não somente a ocidental, mas em tempos de
globalização financeira e tecnológica, dominará o mundo e fará do homem um ser incapaz de
perceber a luz divina.
A abordagem de Florenski é diametralmente oposta à dos estudiosos e analistas antes
citados (Baudrillard, Penella, Debord, Mondzain, etc.) pois aqueles se restringem a analisar o
drama humano em sua relação com a imagem a partir de referenciais que, ao final, têm em sua
origem Kant e na proclamação da morte de Deus. Pelo contrário, Pavel Florenski tem como
ponto de partida e orientação fundamental a convivência de dois mundos criados por Deus, o
visível e o invisível, daí que suas ideias têm para nós do século XXI um poder de explicação que
efetivamente foi perdido pelas modernas ciências humanas, que se construíram, aliás, sobre a
fragmentação trazida pelo kantismo.
No seio dessa discussão, cabe destacar a análise de Florenski traz à luz sobre a ligação
entre imagem e mal, com este tomando conta dos indivíduos até o ponto de uma total e
irreversível escravidão de suas almas. O que Hannah Arendt chamava de “banalidade do mal”
tem como correlato na hermenêutica espiritual do Padre Florenski a máscara, que em tempos de
revelação, como os atuais, prospera cada vez mais.

À medida que o pecado toma posse da pessoa, o rosto não é mais uma janela da
qual a luz de Deus brilha e, cada vez mais, mostra as manchas de sujeira em seus
próprios cristais. O rosto é desvinculado da pessoa, de seu princípio criador,
perde a vida e se torna rígido, como uma máscara dominada pela paixão.
Dostoiévski mostrou muito bem a expressão de máscara de Stavrogin, uma
máscara pétrea em vez de um rosto; este é um dos passos desta decomposição da
pessoa. E a seguir, uma vez que o rosto se tornou uma máscara, de acordo com a
concepção kantiana nós não podemos descobrir nada sobre o númeno e, de
acordo com os positivistas, não temos base para afirmar sua existência. Uma vez
que, de acordo com o Apóstolo, “têm marcado a fogo a sua própria
consciência”[140] e que nada, nem um só raio único da imagem de Deus, chega a
se manifestar na superfície da pessoa, não sabemos se acaso já terá se produzido
o julgamento de Deus e se já terá sido retirada a sua imagem por parte Daquele
que concedeu à pessoa o sinal da semelhança divina. É possível que não, que o
talento ainda esteja preservado sob o véu de poeira escura, ou é possível que sim,
que a pessoa se tenha tornado semelhante por muito tempo àquilo que carece de
espinha dorsal[141].

Em meio a vida terrena essas almas já podem estar mortas. Nelas o arrependimento
verdadeiro não surge nunca e quando se mostra é por um artificio da mentira, origem de todo o
mal e por esse motivo o demônio é considerado o “pai da mentira” (Jo 8, 44). Na grande
literatura a configuração perfeita do que se tornou semelhante “àquilo que não tem espinha
dorsal” encontramos no esteticamente belo Stavrogin, o mais perverso personagem
dostoievskiano que será a expressão da máscara: desprovida de sentido, carregando em si o mal
que nada mais é do que o vazio pois possui materialidade física, mas não tem substância
metafísica. A máscara de Stavrogin é uma ilusão, uma fraude, enganosa, sedutora e idolátrica.
Seu alcance sedutor e destruidor não atinge apenas seu círculo íntimo, mas chega à esfera
pública. Não à toa Dostoievski deu à sua obra o título de Os Demônios (em algumas traduções
Os Possuídos ou Os Possessos). O ponto de partida será a mentira que se propagará e que fará
dessa obra mais do que, como limitadamente, alguns supõe, uma profecia da Revolução
Bolchevique. Muito mais do que isso, Os Demônios é uma profecia sobre o nosso século, sobre a
assunção do eidolon e o seu predomínio sobre o eikon, do ídolo sobre o ícone, da falsa sobre a
verdadeira imagem. Afinal, o ídolo concentra em si todas as paixões humanas, “os ídolos são
ícones de paixões e pecados e são indignos de veneração”[142]. Esse é o sentido da proibição do
Antigo Testamento em fazer imagens, que se refere ao ídolo, à expressão da “falsidade da
imagem humana que apareceu como uma consequência da perda pelo homem da pureza de sua
humanidade”[143].

O pensamento de Florenski é muito importante para compreendermos o poder da imagem


no mundo contemporâneo, pois nos encontramos em pleno império da máscara, no reino da
falsidade que prospera com o apoio da profusão de imagens ad infinitum, suportada pelo
desenvolvimento incessante da tecnologia. A emergência de tal império da hipocrisia ainda não
foi devidamente abordada. Com limites, dele se aproximaram as hermenêuticas filosóficas de
Gadamer e de Ricoeur. Para Gadamer[144] a mendacidade torna-se um obstáculo intransponível
para qualquer compreensão. Ela é diferente do erro e da mentira, verificáveis e corrigíveis. Além
do que esta última, a mentira, é ato consciente do mentiroso; a hipocrisia, ao contrário, revela
uma cisão na personalidade do homem, dela o hipócrita perde a consciência e não há como
revertê-la. “Raça de víboras”, essa é uma das muitas expressões duras proferidas pelo Cristo nos
Evangelhos contra esta categoria de seres humanos. Nenhuma misericórdia e complacência se vê
para com eles. Perdoados eram os ladrões arrependidos, perdoadas eram as prostitutas e os
demais pecadores, mas não há misericórdia para com o falso, isto porque, a cisão de sua
personalidade impede o seu arrependimento. A hermenêutica é uma tarefa impossível diante da
mendacidade. Além de Gadamer, Paul Ricoeur[145] identificará três dimensões na hipocrisia: a
denegação diante do outro (o que acusa); a denegação diante de si mesmo que implica em fugir
de si, se esconder com má fé, dissimular e, finalmente, o fazer parecer, o esconder seu verdadeiro
caráter ou reais intenções. Numa espécie de mea culpa, posto que antes denunciara os excessos
da culpabilidade, Ricoeur indica que, anteriormente o comportamento hipócrita, simulado,
ocultador, poderia vir a se quebrar com a emergência de um sentimento de culpabilidade, que se
fazendo consciente, poderia levar à responsabilidade. Mas este sentimento desapareceu da
sociedade contemporânea e com ele desapareceu uma “culpabilidade estruturante” que de certo
modo sustentaria o edifício social pois conduziria à responsabilidade de uns para com os
outros[146] , segundo Ricoeur.
Ora, um cenário dessa natureza abriga a ascensão do eidolon e o desaparecimento do
eikon. Desaparece o semblante em favor da profusão de máscaras que, vazias de sentido, são
aberturas para o nada e para a morte. A morte, ponto ideológico central no nazismo, será no
século XXI endeusada pela ciência, pelas leis e pela cultura. Assim prosperarão o aborto, a
eutanásia e o transumanismo, expressões da derrocada do ser humano como Imago Dei.
Imagem como Janela para o Divino

Para Florenski, o ícone, ao não se submeter à perspectiva linear, possibilita, através de sua
forma, a abertura da visão e da sensibilidade humanas para as realidades fundamentais que o
homem contemporâneo já não consegue ver em sua cegueira espiritual. O ícone atinge seu
objetivo
quando conduz nossa consciência ao reino espiritual onde vemos “visões
misteriosas e sobrenaturais”. Se esse objetivo não for atingido - se nem o olhar
demorado e empático, nem o olhar rápido e intuitivo evocam no observador a
realidade do outro mundo (como o cheiro pungente de algas no ar evoca em
nós o oceano ainda distante), então nada pode ser dito sobre esse ícone, exceto
que ele não conseguiu ingressar entre as obras da cultura espiritual e que seu
valor é, portanto, meramente material ou, na melhor das hipóteses,
arqueológico[147].
Na visão espiritual que o crente tem do ícone durante a prece ele não é somente uma janela
através da qual se atinge o rosto dos santos, mas para Florenski, é uma porta através da qual os
santos entram no mundo empírico. O que vem através do ícone não é uma invenção da
subjetividade do observador, mas sim uma realidade objetiva e autônoma seja para a visão
espiritual, seja para a visão corporal daquele que ora. Importante é destacar o fato de que a arte
icônica, na percepção de Florenski, é, antes de tudo, uma relação entre o ícone, o crente e o
pintor. De um lado, o pintor é inspirado pelo céu e sua obra não é sua; de outro lado, o ícone
através de sua materialidade toca o crente e abrindo-lhe as janelas para o invisível:

Tal é o efeito, então, de grande ícone de Santo Andrei Rublev, a Santíssima


Trindade; assim como, também, é a expressão incomparável do ícone conhecido
como a Santa Mãe de Vladimir. Estes grandes ícones - que em uma única
pincelada esmagam mesmo o mais cruel, o mais insensível olhar - mesmo esses
ícones não se distinguem de todos os outros ícones. Usando tais ícones como a
medida da mais elevada pintura de ícones, podemos dizer preliminarmente: todos
os ícones possuem em si mesmos o poder da revelação espiritual, embora alguns
véus sejam quase impenetráveis[148].

Alguns veem em Florenski uma regressão ao Concílio de Nicéia no que diz respeito à
identidade mágica entre imagem e protótipo, se afastando do uso catequético que a imagem adota
no ocidente e caindo em uma espécie de magicização, fetichização e, mesmo, prática pagã com o
ícone, diante do qual se rezava na Rússia antiga e se reza até hoje, beijando-o e pedindo-lhe cura
e proteção. Para essa perspectiva de análise, do pensamento de Florenski sobre o ícone emerge
um ídolo estético-artístico, uma entidade que parece anular os limites entre a arte e a vida que ela
deveria representar[149]. Na verdade, tais práticas, vistas como estranhas para a mentalidade não-
crente, também se fazem presentes na relação do fiel no Ocidente com as imagens de santos e
são aspectos da relação com a imagem que o intelectualismo dos críticos não consegue perceber.
Mas, no caso específico de Florenski se faz evidente a ligação estreita entre as questões
ético-espirituais e as de ordem técnica como fio condutor do seu pensamento, ou seja, a mudança
na técnica pictórica em sua relação com a crise de sentido da arte e da vida, algo que,
posteriormente, Paul Evdokimov também endossaria em sua crítica acerca do impacto da
perspectiva sobre a arte ocidental que, a partir do século XIII com Giotto, Duccio, Cimabue e
com o “intelectualismo dominicano” de Fra Angélico, embora se torne “ mais refinada, mais
refletida em seu elemento imanente, torna-se menos propensa à recepção direta do
transcendente”[150]. Evdokimov que, como Florenski e Bulgakov, foi um forte crítico dessa
mudança formal, chegaria a denunciar a “falsa magia” da arte abstrata, grau máximo a que
chegou a ruptura entre a arte, o artista e o Criador.

Os fantasmas sempre podem nos oferecer uma certa alegria estética. Eles vagam
pelos vestígios do mundo fragmentado, mas o interesse por eles é bastante débil.
Kandinsky ou Paul Klee podem alcançar uma grande musicalidade simplesmente
porque eles são geniais, mas o homem que olha essas obras nunca é acolhido
neste mundo carente de toda presença e de face. O olho pode ouvir até as
vozes do silêncio; no entanto, a ausência colorida não faz nada além de distrair e,
no final, cansar. É possível entrar em comunhão, esboçar um gesto de ternura
para com uma das mulheres pintadas por Picasso e a quem o padre Sergio
Bulgakov chamou de "cadáveres de beleza", pode-se sentir o desejo de rezar
diante do quadrado de Malévitch?[151]

A vinculação entre técnica e crise espiritual também será abordada por um artista
contemporâneo profundamente espiritualizado como Tarkovski, que vê a crise da arte como
sendo primordialmente espiritual e, neste sentido, a origem do problema não residiria
propriamente no avanço da técnica, pois o cinema é produto disso. Antes, para Tarkovski, em
sua leitura de Florenski, o avanço tecnológico irá responder à necessidade vital e espiritual da
humanidade em determinada fase da sua história:

“Tudo que há de novo na arte surgiu em resposta a uma necessidade


espiritual, e sua função é fazer aquelas indagações que são de suprema importância
para nossa época. Lembro-me, a esse respeito, de uma curiosa observação feita pelo
padre Pavel Florenski, em seu livro A iconóstase. Ele diz que a perspectiva invertida
das obras daquele período não decorria do fato de os pintores russos de ícones
desconhecerem as leis da ótica que haviam sido assimiladas pelo Renascimento
italiano depois de terem sido elaboradas, na Itália, por Leon Batista Alberti.
Florenski argumenta, de modo convincente, que não era possível observar a
natureza sem vir a descobrir a perspectiva, estando esta, portanto, destinada a ser
descoberta. No momento, porém, ela podia não ser necessária — podia-se ignorá-la.
Assim, a perspectiva invertida na antiga pintura russa, a rejeição da perspectiva
renascentista, expressa a necessidade de lançar luz sobre certos problemas
espirituais que os pintores russos se colocavam, ao contrário dos artistas do
Quattrocento italiano. (A propósito, afirma-se que Andrei Rublev teria realmente
visitado Veneza, e, neste caso, ele deve ter tomado conhecimento do que os pintores
italianos estavam fazendo em termos de perspectiva.). O cinema foi a primeira
forma de arte a nascer em decorrência de uma invenção tecnológica, em resposta a
uma necessidade vital. Foi o instrumento de que a humanidade necessitava para
ampliar seu domínio sobre o mundo real. Pois a esfera de ação de qualquer forma de
arte restringe-se a um aspecto da nossa descoberta espiritual e emocional da
realidade circundante”[152].
Conclusão do capítulo

O pensamento de Florenski nos fornece chaves importantes para a compreensão do poder


da imagem. Se o ícone abre as janelas para experienciar o infinito divino, as imagens, de
qualquer natureza podem nos abrir janelas para mundos espirituais celestiais ou infernais, a
depender do que elas expressam e da relação que com as mesmas estabelecermos. Se o ícone
veicula a luz que brota do santo nele pintado, imagens religiosas outras, como as estátuas de
santos usadas no Ocidente, também podem ser janelas para o divino. O contrário, também deve
ser considerado. Socialmente as imagens podem matar por seu uso emocional pelo “mercado de
imagens”, como já indicou Mondzain[153], e que do ponto de vista estético foi denunciado por
Wim Wenders[154]. Espiritualmente, contudo, no plano que está invisível aos olhos, mas cuja
manifestação se torna presente na ação dos homens, as imagens podem abrir portais para o mal.
CAPÍTULO V - SERGEI BULGAKOV E A QUESTÃO DA ENERGIA
Sergei Bulgakov (1871-1945) constrói uma teologia do ícone e do Nome de Deus em
muito inspirada pelo amigo Pavel Florenski. No seu pensamento se encontra um ponto
importante para nossa discussão que foi elidido do pensamento ocidental: a questão da energia.
Indo além de Florenski, Bulgakov teorizará, no campo teológico, a questão da energia que brota
da imagem santificada do ícone. Isso é muito importante porque podemos a partir da sua reflexão
abrir perspectivas para a compreensão do poder das imagens, não apenas as santificadas, mas
também as imagens do mal cada vez mais poderosas em um mundo cuja vida social, psíquica e
espiritual dos homens está mergulhada em tecnologias e em um mercado de bens culturais
produtores das mesmas. Tendo este cenário é importante retomar a ligação entre imagem e
energia no pensamento de Bulgakov:

“A energia divina se irradia do ícone de Cristo assim como do Nome Divino


de Jesus. O ícone não é apenas uma imagem e o Nome de Deus não é apenas
uma palavra: eles são modos através dos quais essa energia divina se irradia
para nós. Estes dois modos de revelação estão presentes juntos quando oramos
diante de um ícone, especialmente quando veneramos Cristo em Seu ícone
enquanto proclamamos mentalmente Seu Santo Nome. A energia divina deve ser
entendida em um sentido misticamente físico: o semblante no ícone brilha, e essa
radiação entra em nosso centro espiritual, em nosso coração, iluminando-o. O
mesmo se dá com o Nome de Deus: quando o pronunciamos, a energia divina nele
contida entra em nosso coração, deificando-nos”[155].

Tendo como centro a ideia de energia divina Bulgakov estabelece o nexo entre o ícone (a
imagem) e o nome de Deus. O nome, como o ícone, “é uma encarnação das Divinas energias,
uma teofania, uma revelação Divina que imprime sua imagem em nós”[156]. A questão sobre o
Nome de Deus se inscreveu na controvérsia chamada de Imiaslavie (significando “louvar o
nome”), ocorrida no seio da Igreja Ortodoxa Russa e até hoje não resolvida, e se refere a um
movimento denominado de onomatodoxia, corrente dogmática que afirma que o Nome de Deus é
o próprio Deus. Bulgakov e Florenski apoiaram decisivamente esse movimento no início do
século XX. Para Bulgakov

Desde que o Nome de Deus contém a Divina energia e manifesta a presença de


Deus, se pode dizer que, praticamente e energeticamente, o Nome de Deus é
Deus. Mais precisamente, no Nome de Deus está presente o Poder de Deus, o
qual é inseparável da Essência de Deus e neste sentido é Deus[157].

Sob este viés, a sacralização do ícone ocorre quando é nomeado, deixando de ser uma
simples arte religiosa para transformar-se em um objeto sagrado. Aí reside a distinção entre arte
religiosa e arte sacra. A partir de então imagem e nome passam a ser repletas de sentido
religioso. Não são meras representações da divindade, mas são a divindade mesma.

Um ícone sagrado não é apenas uma imagem, um artefato humano, uma


fotografia; ele é também um portador do poder de Deus e um hieróglifo santo do
Nome de Deus. E o próprio Nome, o Nome de Deus, não é apenas um meio de
designação escolhido com base em considerações de conveniência, não é apenas
um "símbolo" vazio ... é também um ícone Divino em palavra, um símbolo
sagrado cuja essência consiste em ter duas Naturezas. O Nome de Deus não é
apenas um meio para designar ou invocar a Divindade, mas também um ícone
verbal, e é por isso que é santo[158].

Como ressalta Jakim,” o Nome é uma encarnação das energias Divinas, uma teofania,
uma revelação Divina que imprime sua imagem em nós”. Para Bulgakov “mais precisamente, no
Nome de Deus está presente o Poder de Deus, o qual é inseparável da Essência de Deus e neste
sentido é o próprio Deus”. Com o seu livro clássico The Name of God, Bulgakov, se introduziu
na controvérsia que abalou a Igreja Ortodoxa no início do século XX, acusando os
"onomatoclastas" de quererem destruir o Nome de Deus do mesmo jeito que os antigos
iconoclastas queriam quebrar os ícones em pedaços”. Sua força de argumentação vem do
testemunho de Santo Hilário cuja experiência com a Oração de Jesus o levou a acreditar que "o
Nome de Deus é o próprio Deus e pode fazer milagres"[159].
Assim é que em Bulgakov a imagem visual do ícone como porta para o infinito se
completa com a imagem verbal. Em Bulgakov a questão do Nome de Deus está ligada à da
imagem e, em sua teologia, em diálogo com Florenski, ele também irá enfatizar a condição do
ícone como cópia de uma protorrealidade, hipóstase de uma realidade oculta e, como os pais da
Igreja proclamam (…) “A honra conferida ao ícone se refere à sua protoimagem, e aquele que
venera o ícone venera a hipóstase retratada nele”[160].
Muito longo foi o percurso da relação do homem com a imagem sagrada. A questão tem
sua origem no mundo pagão com as esculturas de deuses e com os ícones de falsos deuses, daí
que “a arte foi a ponte conectando a iconografia pagã com a iconografia cristã”[161]. As primeiras
imagens cristãs vamos encontrar nas Catacumbas Romanas apresentando símbolos como o peixe,
o cordeiro, a pomba, etc., assim como as imagens de Cristo e da Virgem Maria. Paulatinamente
se tornaram difundidas as pinturas de ícones, principalmente no quarto século, tornando-se
habitual e se constituindo em tradição bem antes que qualquer reflexão dogmática a respeito
fosse feita pela Igreja. Bulgakov faz uma análise das imagens pagãs e estabelece uma relação
entre o mal e a forma estética, que ele classifica como demonismo.

Certamente, essas revelações genuínas da arte religiosa pagã foram complexas e


obscurecidas em grau extremo pela ambiguidade religiosa, senão pelo
demonismo absoluto, que caracterizava o paganismo. A arte pagã precisava ser
exorcizada e esse exorcismo foi realizado pelo cristianismo. Como resultado
direto desse exorcismo, a arte como tal sofreu uma perda, mas, em troca, deixou
de ser possuída. Para a teologia cristã, a iconografia pagã já tinha colocado a
questão geral sobre a natureza dos ícones das deidades e se eles são possíveis,
bem como sobre os caminhos da arte como forma especial do conhecimento de
Deus” (...). Para a cristandade, era claro que o paganismo com sua adoração de
ídolos era fatalmente possuído pelos demônios[162].

O certo é que a questão do ícone irá ultrapassar a teologia e alcançar a antropologia pois
diz respeito à concepção que do homem e de Cristo tem a sociedade. Ao final, essa
controvérsia de séculos se estrutura sobre uma oposição fundamental: de um lado “a ausência de
imagem e, portanto, a não representatividade da Divindade” e de outro, “Sua ‘imagem criada de
acordo conosco’ através da Sua humanização e, daí a sua retratabilidade”[163]. Tal questão foi
resolvida pelos defensores do ícone através de uma conciliação: na medida em que Deus é
inacessível e transcendente não pode ser retratado, mas na medida em que se revela nas coisas do
mundo, na Sua criação, pode ser retratado, em especial pelo fato de ter se revelado na face do
Cristo encarnado.
Na verdade, o iconoclasmo é no fundo uma negação do Cristo, e como para os antigos,
uma heresia. Diante dos ataques dos iconoclastas, os apologistas ortodoxos da veneração dos
ícones (os patriarcas Nicéforo e São Teodoro Estudita) enfatizarão que o iconoclasmo é uma
heresia cristológica, que nega a Encarnação de Cristo, pois se Ele foi verdadeiramente homem
então, consequentemente, poderia ser retratado em imagens e segundo São Teodoro Estudita, “se
Cristo é composto por duas naturezas, ele é, claro, tanto retratável quanto irretratável”. Sua
retratabilidade como homem é conectada por Teodoro com Sua genuína corporeidade natural,
“assim, é possível ter uma imagem artificial de Cristo, com a qual Ele tem uma semelhança”, daí
a retratabilidade de Sua natureza humana[164].

Por seu turno, a negação da imagem encontrará grande suporte na teologia


apofática, segundo Bulgakov. No catolicismo romano ela está ela na raiz da dessacralização da
Igreja, expressa em uma sistemática eliminação da veneração dos santos, das imagens dos
templos, e na construção destes obedecendo a moderna arquitetura, sem qualquer vinculação
com o sagrado. Seu ponto final é a abolição dos sacramentos como meios salvíficos, reduzindo-
os a meros símbolos. Em tal teologia, como diz Bulgakov, Deus não tem relação nenhuma com o
mundo. Ela se faz presente de modo místico em Jacob Boheme e de modo secularizado em
Hegel.

O NÃO apofático é uma escuridão na qual todas as imagens são extintas e,


portanto, apenas a proibição do Antigo Testamento permanece em vigor: você
não fará qualquer ídolo para si mesmo, ou qualquer semelhança - e, portanto,
qualquer imagem. (...) na Palavra de Deus nós não encontramos uma doutrina
apofática da falta de conhecimento de Deus, mas uma afirmação antinômica tanto
de Sua invisibilidade quanto de Sua visibilidade[165].
Deus é revelado ao mundo na Sophia, que é a imagem de Deus na criação.
Portanto, o Deus que é correlativo à criação não é o Deus sem imagem, invisível,
incognoscível e, portanto, não representável; antes, ele é o Deus revelado que tem
a sua própria imagem, e esta imagem de Deus é a protoimagem da criação...
Nesse sentido, na doutrina do ícone, é preciso tomar como ponto de partida não a
tese apofática da invisibilidade e da ausência de imagem de Deus, mas a doutrina
sofiológica de Sua imagem e da coimagem do mundo a essa imagem. Deus
esboçou Sua imagem na criatura, e essa imagem Divina é, portanto,
representável. Isso derruba a premissa principal dos iconoclastas, a saber, que
Deus é sem imagem e irrepresentável, uma premissa a qual os veneradores de
ícones também aceitaram por descuido e equívoco[166].

A teologia apofática não pode ser tomada, segundo Bulgakov, como premissa na
concepção do ícone. Fazer isso seria eliminar “a própria possibilidade do ícone”[167]. Para
reforçar essa negação do apofaticismo, Bulgakov recorre a São Paulo quando este diz que “desde
a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se
tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar.” Romanos
(1,20).
O ícone é, portanto, o lugar de encontro entre o mistério e a revelação, entre o material e o
espiritual, entre a transcendência e a imanência. Melhor dizendo, na visão de Bulgakov, é uma
antinomia que contém a fórmula de revelação de Deus no mundo, pois nela temos a visibilidade
do invisível, neste caso, através da obra de arte. Será sempre, então, o ícone um objeto de
revelação e não de conhecimento. Sua profundidade é incognoscível, logo só pode ser desvelada.
Esse caráter antinômico de dimensões que se tocam e em que o imanente e o transcendente se
interpenetram sem perder suas especificidades é para Bulgakov a fórmula da sofianicidade do
mundo: “a única Sophia existe na eternidade imobilizada e no tornar-se temporal”[168].
Mas, o que é o ícone? “O ícone é, em primeiro lugar, um objeto de arte”. Isso é inelutável,
tanto que para Bulgakov a condenação do ícone como feita pelo Concílio de 754 teve um aspecto
ainda mais “pernicioso” do que a própria iconoclastia; foi a condenação da arte mesma, pois
“Deus se revela na arte”[169]. Posteriormente, já no Sétimo Concílio Ecumênico, em 787, como
não poderia deixar de ser, a defesa do ícone ficou atrelada à defesa da arte.
A questão do Sagrado Mistério do Nome de Deus

Basílio de Cesaréia em sua polêmica contra o bispo ariano Eunômio (que negava a Jesus a
essência divina do Pai pelo fato de ter sido nascido de mulher), abordará a relação do Nome de
Deus com as energias divinas, que não são a essência, mas sim realidades em torno da essência.
Seu irmão, Gregório de Nissa, no âmbito da mesma polêmica contra Eunômio, abordará a
questão dos Nomes de Deus também como portadores de energias divinas. Basílio indicará que
os nomes que a Si mesmo Jesus se chamou, assim como os conceitos que atribuímos a Deus não
são vazios de sentido, pelo contrário, são portadores de energias divinas:

“Ademais, devido às múltiplas formas da graça em relação a nós, graça


concedida aos suplicantes por bondade, conforme a sua multiforme sabedoria (cf. Ef
3,10), a Escritura designa o Senhor por muitas outras denominações. Ora ela o
denomina pastor, ora rei; ora ainda médico, esposo, caminho, porta, fonte, pão,
machado, pedra. Estes nomes, porém, não designam a natureza, mas, como já disse,
a múltipla energia que ele transmite, por misericórdia para com a sua própria obra,
àqueles que a pedem, em suas particulares necessidades”[170].

Para Dionísio o Areopagita os nomes divinos são formas humanas de celebrar Deus, mas,
isso não esgota o fato de que eles correspondem a uma realidade objetiva independente da
realidade subjetiva do intelecto que os contempla[171]. Com São João Damasceno, contudo,
chegamos a um ponto importante para nossa reflexão: a percepção das energias divinas
presentes tanto nos Nomes de Deus, quanto nos ícones e nos objetos santos.

Desde a antiguidade, Deus o incorpóreo e incircunscrito nunca foi retratado.


Agora, no entanto, quando Deus é visto revestido de carne, e conversando com os
homens (Br 3,38)[172], eu faço uma imagem do Deus a quem eu vejo. Eu não
adoro a matéria, Eu adoro o Deus da matéria, que se tornou matéria para o meu
bem, se dignou a habitar a matéria e trabalhou a minha salvação através da
matéria. Eu não vou deixar de honrar essa matéria que trabalha a minha
salvação. Eu venero-a, mas não como Deus. Como Deus poderia nascer de coisas
inanimadas? E se o corpo de Deus é Deus pela união, é imutável. A natureza de
Deus permanece a mesma de antes, a carne criada no tempo é vivificada por uma
alma lógica e racional. Eu honro toda a matéria, além disso, eu a venero. Através
dela, cheio, por assim dizer, com um poder divino e graça, minha salvação veio a
mim. Não foi três vezes feliz e três vezes abençoada madeira da Cruz, matéria?
Não era a sagrada e santa montanha Calvário, matéria? O que dizer da rocha
vivificante, o Santo Sepulcro, a fonte de nossa ressurreição: não eram
importantes? Não é o santíssimo livro dos Evangelhos, matéria? Não é a mesa
abençoada que nos dá o pão da vida, matéria? Não são da matéria de ouro e prata
que a cruz, a placa do altar e os cálices são feitos? E antes de todas essas coisas,
não são o corpo e o sangue de nosso Senhor, matéria? Ou acaba-se com a
veneração e culto devido a todas estas coisas, ou submete-se a tradição da Igreja,
no culto as imagens, honrando a Deus e Seus amigos, e seguindo esta a graça do
Espírito Santo”[173](...). Mas eu venero e respeito também todo o resto da matéria
que procurou a minha salvação, enquanto cheia de energias e de graças santas.
Não é talvez matéria o lenho da cruz três vezes bendita?[174]
Porque é importante retomar essa questão em pleno século XXI? Porque ao termos
chegado ao ponto de nossas vidas quase que totalmente mediadas por imagens e pela tecnologia
que as produz, não podemos escapar da conclusão que a degradação da imagem veio
acompanhada da degradação da palavra nos atos de falar e de escrever e da perda da percepção
de sacralidade da imagem e do Nome de Deus. A cultura contemporânea está marcada por
imagens e palavras violentas rapidamente disseminadas, provocando e aumentando o ódio e a
separação entre as pessoas, em processos que envolvem desde as relações interpessoais, os
grupos comunitários, chegando até a destruição mesma da esfera política. Tudo, enfim, mediado
pelas tecnologias de comunicação.
Como Florenski, Bulgakov nos deixa chaves importantes para a reflexão acerca do papel
das imagens visuais e verbais no mundo contemporâneo. Para ele a questão do ícone cai em dois
extremos: ou a sua rejeição total, vendo-o como um signo puramente humano e psicológico e daí
idólatra, segundo os iconoclastas; ou, no outro extremo, a total divinização do ícone, deixando de
perceber a separação entre imagem e divindade e, assim, caindo de facto na idolatria. A
resolução objetiva desse impasse é a mesma para a questão do Nome de Deus, ou seja, reside na
doutrina da energia e da encarnação da Palavra. A base ontológica dessa doutrina está no homem
como imagem e semelhança de Deus que é “o verdadeiro fundamento de toda iconicidade
realizada pelo homem, seja pela palavra ou de outra forma, pela pintura, pela escultura, etc.”[175]

Dentro da tradição ortodoxa o Nome de Deus é teofórico, ou seja, o Nome é o portador,


ele mesmo, do divino. Isso vale também para os predicados que a ele aportamos: Providência,
Criador, Sagrado, Pai, etc. Logo, Deus se revela de diversas maneiras, tanto em imagens quanto
em nomes. É disso que trata Dionísio Areopagita[176]. O predicado que aportamos a Deus mantém
o seu núcleo, ao mesmo tempo imanente e transcendente. O nome se revela e como teofania é
um predicado, “um novo nome para o inefável e inominável”.
Assim temos que a manifestação de Deus no mundo é a energia que não pode ser
confundida com a Sua essência que transcende o mundo. Os atos de Deus se revelam no homem
através do ato de nomear, sendo os Nomes Divinos manifestações da energia divina. Temos,
deste modo, que admitir a condição ontológica da palavra, pois de modo geral as coisas falam de
si através do homem e não este denomina as coisas. Deus age se revelando e Se nomeando a Si
mesmo através do homem, de seus lábios. Em falando o Nome de Deus, o homem responde ao
ato de Deus e manifesta a energia divina. Esta é uma atitude dialógica, para retomar um pouco a
base conceitual de Martin Buber, dialógica no sentido de que responder a Deus nomeando-O
exige abertura e responsabilidade (responsabilidade também como resposta à chamada de Deus
por parte do homem). O ato de nomear a Deus é, ao mesmo tempo, diferente da energia e
inseparável dela. Diferente porque o homem atualiza com seu ato de fala essa energia;
inseparável porque esta fala por si mesma no homem e o ato de designar a Deus passa ser, deste
modo, a encarnação humana dessa energia.

“A Palavra se fez carne” recebe aqui uma interpretação em sentido amplo. A


encarnação da Palavra é a realização não apenas da encarnação de Nosso Senhor
Jesus Cristo, mas também dos atos de nomear que são feitos pelo homem em
resposta ao ato de Deus. Por essa razão, os Nomes de Deus não podem ser
considerados como criações puramente humanas, como nomes inventados pelo
homem. Supor isto não é apenas um mal-entendido acerca da natureza do nome,
mas também a maior das blasfêmias[177].
É neste sentido que podemos compreender a reação de Alexander Soljenitsin quando falar
o nome de Deus se tornou crime durante o totalitarismo comunista. Em meio a esse drama, em
1971, Soljenitsin escreve uma nota explicativa à edição estrangeira de uma de suas grandes
obras, Agosto de 1914:
Neste momento este livro não pode ser publicado em nossa pátria senão na
Samizdat [edição clandestina datilografada e distribuída entre leitores]. Este fato
se deve a razões de censura, inacessíveis ao juízo normal do ser humano pelo
simples fato de que seria necessário escrever a palavra Deus obrigatoriamente em
caixa baixa. Eu já não posso me curvar diante de semelhante humilhação. A
ordem de escrever Deus em caixa baixa é uma banal mesquinhez ateística,
uma baixeza. E os crentes e não crentes concordarão que, quando se escreve
Direção Regional de Abastecimento com iniciais maiúsculas e KGB ou
REGISTRO CIVIL – em caixa alta, poder-se-ia permitir o emprego de uma letra
maiúscula para escrever o conceito que traduz a suprema força criadora do
Universo. Isso já sem falar de que a palavra “deus” em caixa baixa, na boca ou
nas concepções das pessoas de 1914, soaria historicamente falso[178].
Conclusão do capítulo:

O debate sobre o nome de Deus contém a questão não apenas sobre a sacralidade do
simbólico, mas sobre o seu mistério. O iconoclasmo adota muitas roupagens e a destruição da
imagem e do símbolo cristão se faz seja pela proibição do mesmo, seja por sua banalização. O
objetivo nos dois processos é destruir a ligação do homem com Deus, destruir a sua fé.
Se a imagem de Deus e o Seu nome são energias, ao destruí-las destruímos um dos
caminhos possíveis da relação do homem com o divino ocorrer.
Subjacente às questões do Nome de Deus e do ícone, o que temos é a luta contra a
secularização impiedosa e contra o desaparecimento dos sacramentos. Florenski afirmava que se
os opositores à deificação do Nome de Deus, os onomatoclastas, estivessem corretos, quanto à
asserção de que “Deus é uma palavra e nada mais”, a conclusão lógica é que “isso significaria o
fim de qualquer possibilidade de sacramento, oração, e mesmo do culto em si, e sob a cobertura
da piedade se levaria ao mais irrestrito positivismo”[179]. A disputa permanece atual também no
seio da Igreja do Ocidente, que luta contra um processo que a partir de dentro busca a eliminação
dos sacramentos e do principal deles, a comunhão eucarística[180].
Hoje, temos um mundo devastado espiritualmente, devastação que partiu potencialmente
de uma Europa que, negando suas raízes cristãs, em nome das teias totalitárias e cegas do
“politicamente correto”, proíbe a exibição pública de qualquer imagem ou gesto religioso cristão.
Porém, diferentemente do tempo de Soljenitsin, hoje o totalitarismo se mostra sutil: ele é
capitalista e “democrático”. Por isso mesmo, à prova de fugas. Nele, o ataque ao Nome de Deus
e aos símbolos cristãos se manifesta de modo difuso, nem sempre direto. Nos países da
Comunidade Europeia ocorre através da proibição de imagens sacras, de crucifixos, de gestos
públicos de fé, etc. A velha Europa, que Dostoievski considerava, já em sua época, como um
cemitério das ruinas da religião cristã, tende a se tornar um deserto. Estamos diante de mais uma
etapa, talvez a última, não se sabe, da longa agonia do cristianismo, para usar a expressão de
Miguel de Unamuno[181], agonia que é universal e que é individual; luta interminável, combate
sem fim...
CAPÍTULO VI - PARA ALÉM DO ÍCONE

Em 1994, em no pequeno povoado de Boardman, no Oregon, Estados Unidos, milhares de


pessoas assistiram à aparição da Virgem Maria ocorrida através de um singular meio. Uma
jovem de 23 anos, chamada Irma, foi a primeira a vê-la, em um quadro de 1,50cm x 1,80cm
pregado à parede de seu trailer, onde morava com os pais. O quadro a óleo retratava uma
paisagem desértica e crepuscular em tons laranja-avermelhado e preto. Era feio, grande e de
gosto duvidoso. Comprado a 5 dólares em uma loja de usados, a partir daquela manhã, em 03 de
fevereiro de 1994, a tela iria mobilizar milhares de pessoas, pois do seu lado superior direito uma
imagem da Virgem Maria surgiu, de véu e mãos postas.
A imagem da Madona permaneceu fixa por horas, com mudanças apenas no
brilho, ora diminuindo, ora aumentando de intensidade. “Então Ela virou a
cabeça”, lembrou-se Irma. “era quase de noitinha, e Ela um tanto lentamente
virou a cabeça para o outro lado. Alguém disse que esse era o jeito de ela nos
pedir que rezássemos, que nos aproximássemos de Deus. E foi nesse momento
que percebi como éramos maus. Nunca íamos à igreja, nunca rezávamos”[182].
Nas circunstâncias acima uma imagem abriu a porta para o transcendente. Aquela não era
uma imagem sacra, ela não estabeleceu o contato com o divino por seu aspecto formal, técnico
ou por seu conteúdo, antes, ela foi veículo para a invasão do misterioso transcendente sobre o
plano material. Plano esse de “mau gosto” e “mesmo repulsivo”, segundo o testemunho de Irma.
E isso ocorreu contra todos os desejos e expectativas dos que vivenciaram o evento milagroso.
As centenas de pessoas que chegavam caiam de joelhos e, antes mesmo de ver a aparição,
choravam e rezavam. Já não viam o deserto de cactos, viam apenas a Madona.
Em 2018, em Belém do Pará, na Amazônia brasileira, há décadas que, todas as terça-
feiras, perto de 30 mil pessoas se dirigem para o Santuário de Nossa Senhora do Perpétuo
Socorro em busca do consolo, de cura e de salvação espiritual e material, pelas mãos da Virgem,
cuja imagem é uma réplica em tamanho grande do original grego, provavelmente do século XV,
de origem desconhecida, que se encontra na Via Merulana em Roma. A devoção ao ícone de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro atravessa o mundo. Seu maior Santuário, e com maior
número de fiéis, encontra-se nas Filipinas. O da Amazônia é o segundo maior do mundo em
número de fiéis e são milhares os testemunhos de milagres e de graças alcançados por parte
daqueles que fazem a sua novena e que se ajoelham e rezam diante da imagem. A cópia do ícone
na Amazônia fica suspensa na parede ao fundo da Igreja, sobre o sacrário, sendo vista por todos
(embora não tocada). Além de ser de um tamanho muito superior ao original, a cópia tem uma
moldura incompatível esteticamente com um ícone.
Na mesma cidade de Belém, ocorre, anualmente no mês de outubro, a maior procissão
católica do mundo: o Círio de Nazaré. Cerca de dois milhões de pessoas se juntam nas ruas da
cidade em um cortejo em devoção à Nossa Senhora de Nazaré. São milhões de testemunhos de
um percurso espiritual amparado na fé. O que vai à frente do Círio nada mais é do que uma
pequena imagem da Virgem, de 20 centimetros, aproximadamente, encontrada por um nativo de
nome Plácido José de Souza, no ano de 1700, às margens de um pequeno igarapé chamado de
Murutucu[183]. Cabe notar que para além da imagem original que fica na Basílica Santuário de
Nossa Senhora de Nazaré, há várias que são chamadas de “imagens peregrinas”, feitas em gesso
e que circulam pela cidade nas procissões e nas visitas que a Virgem faz aos locais públicos. Há,
além disso, milhares de réplicas, seja em gesso, seja em resina, que estão espalhadas pelas casas
dos moradores da cidade e dos peregrinos e que são vendidas. São também incontáveis os casos
de uma relação especial que se estabelece entre essas imagens e os fiéis que as possuem, com
testemunhos de milagres diversos. O artista, como ninguém, nos fala dessa relação maternal e
misteriosa
É de sonho e de pó
o Destino de um só
Feito eu perdido em pensamentos sobre o meu cavalo
É de laço e de nó
De gibeira o jiló
Dessa vida, comprida, a sol.

Sou caipira Pirapora Nossa Senhora De Aparecida


Ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida.

O meu pai foi peão,


Minha mãe solidão,
meus irmãos perderam-se na vida em busca de aventuras.
Descasei e joguei, investi desisti
Se há sorte, eu não sei, nunca vi.

Sou caipira Pirapora Nossa Senhora de Aparecida


Ilumina a mina escura e funda, o trem da minha vida.

Me disseram porém
que eu viesse aqui
pra pedir em romaria e prece paz nos desaventos
como eu não sei rezar
só queria mostrar
meu olhar, meu olhar, meu olhar.

Sou caipira Pirapora Nossa Senhora De Aparecida


ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida
(Romaria: Renato Teixeira)

No mundo todo a presença de ícones milagrosos e de imagens de Nossa Senhora que


operam milagres, que choram sangue ou lágrimas, se multiplicaram no decorrer desses dois
milênios de Igreja, porém, a forma estética e base material das imagens também sofreu uma
mudança. Assim é que na região centro-oeste do Brasil encontramos o Santuário do Divino Pai
Eterno em Trindade, Goiás, onde temos uma devoção que começou por volta de 1840, quando o
casal Constantino Xavier e Ana Rosa de Oliveira encontrou um medalhão de barro,
representando o ícone do Pai Eterno, às proximidades do Córrego do Barro Preto, que mais tarde
recebeu o nome de Trindade, a 18 km da capital Goiânia. Em 1943 se lançou a pedra
fundamental do atual Santuário transformado em Basílica Menor em 2006, a única no mundo
dedicada ao Divino Pai Eterno. Desde 1974, as novenas e a Festa do Divino Pai Eterno já eram
realizadas no local. Este Santuário tem desde 2013 um site[184] no qual além das novenas diárias
celebradas via televisão e via Youtube, são postadas centenas de testemunhos de graças
alcançadas através de novenas e de velas virtuais. Esta nova forma de devoção e de relação com
o sagrado, mediada pela atual tecnologia de produção de imagens chama a atenção, não apenas
pelo alcance geográfico, mas também pelo elevado volume diário de testemunhos de graças
alcançadas postados no site do Santuário. Os dados que dispomos datam de fevereiro de 2016 e
até aquele momento perfaziam mais de 4000 narrativas desde 01 de janeiro de 2013 quando
ocorreu a primeira postagem! Que imaginário é esse composto por elementos totalmente outros
que não os usuais, como o ícone ou a imagem esculpida? Imaginário construido por imagens
virtuais cujo suporte material é a linguagem informática? Isso vai além de todas as experiências
religiosas envolvendo as imagens e foi explorado com profundidade por Andrei Tarkovski em
sua reflexão sobre o cinema[185].
Diante de nós, ocultando o mistério do inefável, diferentes suportes, materiais e virtuais,
com técnicas diferentes, são lugares de hierofanias, portas para o milagre. Mas, o mistério
permanece: o que se oculta por trás das imagens? Pois não são apenas os ícones que abrem para
o transcendente, para o divino. Os casos acima parecem afirmar o contrário. Diante deles
podemos dizer, com Tarkovski, que as imagens visuais podem abrir portas para o divino e,
contrariando Florenski e Bulgakov, isso não se limita ao ícone, tampouco se vincula unicamente
a uma técnica específica, esteja ela, ou não, vinculada a uma prática espiritual.
E assim, voltamos ao nosso ponto de partida e seus dois eixos de abordagem da questão da
imagem, a saber, os temas da janela e da energia, os quais, originalmente circunscritos ao
universo da teologia ortodoxa, estabelecem chaves importantes para a compreensão, a partir de
um horizonte hermenêutico cristão, do poder das imagens sobre a vida social contemporânea.
Obviamente, que a adoção de tal perspectiva, exigirá que a antropologia e a sociologia
contemporâneas rompam com seus cânones cartesianos e materialistas e se proponham a adotar
uma visão antropológica cristocêntrica, perdida que foi esta em meio às origens das ciências
humanas. A moderna percepção do poder da imagem por estas, como vimos no início, se orienta
por vieses redutores, marcadamente materialistas e niilistas, que não dão conta do drama do
homem contemporâneo, pois, ao lado de imagens que conduzem ao Absoluto, ao milagre e ao
divino, encontra-se a dimensão inescapável do mal.
Do acordar ao dormir estamos mergulhados em um universo imagético que coloca
milhares de pessoas nas ruas, que as mobiliza politicamente seja para atos violentos como
pacíficos. Eleições presidenciais em muitos países, hoje são marcadas por imagens multiplicadas
aos milhares nas redes sociais, através de robôs, buscando influenciar, como efetivamente
influenciam, milhões de eleitores. O terrorismo islâmico utiliza de modo eficaz as imagens para
espalhar a cultura do terror. Junto com ele temos também a expansão dos assédios sexuais a
crianças e a jovens, através da pornografia e da violência veiculadas pela internet, que conduzem,
em escala cada vez maior, ao suicídio entre eles. Tiroteios e mortes, assassinatos sem fim, são
transmitidos à exaustão pelas redes sociais e pela televisão, com efeito multiplicador instantâneo.
A morte e a vida perdem o seu mistério e a sua sacralidade; aborto e eutanásia passam a ser as
bandeiras que mobilizam mundialmente as massas a favor dessas práticas.
Esses são exemplos de que, além do divino também encontramos o mal por trás da
imagem. As imagens visuais produzidas por seres humanos doentios e imaturos espiritualmente
para lidar com a tecnologia que criaram, os conduzem para o precipício da autodestruição, e isso
em nome de uma falsa liberdade que fez Tarkovski perguntar, ele que veio de um regime
totalitário: “quanto mais tempo vivo no Ocidente, mais a liberdade me parece curiosa e equívoca.
Liberdade para tomar drogas? Para assassinar? Para cometer suicídio?”[186]. Liberdade para
ofender e massacrar mutuamente através das redes sociais; liberdade para contemplar os reality
shows que prosperam com pessoas cada vez mais obcecadas por assistirem às intimidades umas
das outras. Vive-se entre a exaustão da própria intimidade exposta pelas câmeras dos celulares e
a busca da intimidade do outro; entre o ódio a si mesmo e o ódio aos papéis que o outro constrói
e carrega. Caso se faça uma antropologia dos sentimentos expandidos pelas imagens visuais nas
redes sociais, no cinema, na televisão e na arte contemporânea, nos defrontaremos basicamente
com o medo e com o ódio. Por ora eles estão vencendo a batalha. Uma batalha de imagens
interminável entre adversários que buscam a visibilidade, seja se expondo em suas intimidades,
seja atacando aquelas expostas[187]. Tal luta, porém, é fadada ao fracasso, pois a sonhada
visibilidade é rapidamente ofuscada porque as suas imagens são vazias de sentido. Ao final,
permanecem todos invisíveis uns para os outros porque não conseguem se ver a si próprios como
humanos, melhor dizendo, como próximos, como pessoa encarnada. Veem-se apenas através das
lentes dos papéis sociais. E, mais uma vez, a literatura vem em socorro de nossa cegueira: Ralph
Ellison em seu clássico O Homem Invisível[188] relatou, com décadas de antecedência, o
desaparecimento do homem sob o papel. Sem o perceber, o ser humano mergulhou no império
da máscara, sob o jugo de um poder que elimina o próximo, a imprescindível categoria bíblica
e, ao mesmo tempo, existencial, notemos, da qual Buber e Hermann Cohen [189]fizeram uma bela
fenomenologia e que é a base, o horizonte sob o qual dever erguer-se nossa vivência coletiva,
sob pena de nossa destruição.
A maior profecia acerca disso temos em Crime e Castigo, no sonho de Raskólnikov, em
que surge o imaginário da Torre de Babel[190] e da barbárie e violência que tomariam conta de um
mundo que rompeu com Deus. Na verdade, não sabemos se deixamos de ser bárbaros em algum
tempo na história. Mas, com certeza, a barbárie de hoje é multiplicada velozmente pela
tecnologia. E o fundo de nossa barbárie não é ético, como nos faziam crer os escritos de
Theodor Adorno. A barbárie na qual vivemos é, sobretudo, espiritual. Ao final ela se traduzirá
em uma grande crise da cultura, mas, sua origem é espiritual. Culturalmente residiria no
humanismo renascentista que parecendo ter fortalecido o homem, na realidade o debilitou, fê-lo
perder-se em vez de encontrar-se, como afirmou, dentro do mais puro profetismo russo, Berdiaev
em 1924![191] Tal barbárie tinha sido profetizada anteriormente por Dostoievski: Stavrogin será a
sua máxima expressão.

A barbárie diz respeito ao domínio da máscara (lichina) que se dá quando o


homem, ao perder o contato com Deus, borra ou elimina a Sua imagem.

Porém, como não pode viver sem algo que o religue, o homem ao matar Deus o substitui
imediatamente por ídolos que serão os seus políticos, os seus artistas, as suas ideias, etc. O que é
a secularização senão um vasto processo de idolatria do mundo?
Assim, escuros e vazios de sentido, estabelecem os homens o império da máscara. É por
isso que categorias como espetáculo, na acepção de Debord, ou simulacro, na de Baudrillard,
não conseguem dar conta do grande processo de autodestruição em que mergulhou a sociedade.
O melhor dos mundos não veio através da resolução econômica dos problemas como pensa, e
ainda espera, o marxismo. Tampouco, veio com a liberdade no sentido liberal, ou neoliberal, da
palavra. As alianças que esses blocos ideológicos fazem ocasionalmente com correntes dentro
das Igrejas cristãs, estão fadadas ao fracasso, pois padecem de uma contradição interna que é a
total disjunção entre o cristianismo e as visões assentadas na luta de classes materialista por um
lado e na liberdade egocentrada de outro.
A imagem como janela

Mas, o que buscamos com as noções de janela e de energia? Buscamos uma chave para
nos aproximarmos da compreensão acerca do poder da imagem. Esses são conceitos que não se
esgotam no âmbito da teologia. Com eles podemos pensar na imagem, para além do ícone, como
janela para o divino e, do mesmo modo, podemos pensá-la como janela para o mal.
No primeiro caso, dentro da tradição cristã ocidental encontramos essa propriedade
também em imagens ou em obras de arte que não as de cunho eminentemente sacro, como o
ícone. Foi o que vimos mais acima. Neste âmbito, no caso específico da obra de arte (que não
será abordada com maior profundidade neste volume) tomemos o profundo testemunho espiritual
de Paul Tillich acerca de seu encontro com a Madonna de Botticelli.
Estranhamente, eu primeiro encontrei a existência da beleza nas trincheiras da
Primeira Guerra Mundial. Para tirar minha mente da lama, do sangue e da morte
da frente ocidental, eu folheava revistas de fotos nas livrarias do campo. Em
algumas delas, eu encontrei reproduções das grandes e comoventes pinturas das
eras. Em acampamentos de repouso e nas calmarias nas amargas batalhas, eu me
aconcheguei em abrigos estudando esse “novo mundo” com a luz de velas e
lanternas. Mas no final da guerra eu nunca tinha visto as pinturas originais em
toda a sua glória. Indo para Berlim, corri para o Museu Kaiser Friedrich. Ali na
parede havia uma tela que me confortara em batalha: Madonna com Anjos
Cantando, pintada por Sandro Botticelli no século XV. Olhando para o alto, eu
senti se aproximar um estado êxtase. Na beleza da pintura havia a Beleza em si
mesma. Ela brilhou através das cores da pintura como a luz do dia brilha através
das janelas com vitrais de uma igreja medieval. Enquanto eu estava lá, banhado
pela beleza que seu pintor havia imaginado há muito tempo, algo da divina fonte
de todas as coisas veio através de mim. Eu me afastei abalado. Aquele momento
afetou toda a minha vida, deu-me as chaves para a interpretação da existência
humana, trouxe a alegria vital e a verdade espiritual. Eu o comparo ao que
geralmente é chamado de revelação na linguagem da religião[192].
Não se trata apenas de um efeito emocional sobre alguém, mas como diz o próprio Tillich,
trata-se de uma revelação que se dá através da obra de arte, uma iluminação que vem ao nosso
encontro, como vinha o sol pelas janelas medievais cujos vitrais tinham por princípio filtrar a sua
luz através das cores. Estamos diante não da essência divina, mas sim da Sua energia trazida pela
imagem. Aqui, obviamente, a questão se desprende da forma no sentido da visão perspectiva
(inversa ou linear), como foi discutido por Florenski, e se orienta para a imagem mesma e sua
possibilidade de revelação divina. Correlata ao testemunho de Tillich será a afirmação de Paul
Evdokimov acerca os efeitos espirituais da arte:
O belo vem a nosso encontro, se faz íntimo, próximo, relacionado com a
substância de nosso ser. Não se trata de nenhuma maneira de uma ilusão ou de
uma transferência de nossas emoções subjetivas; não acrescentamos nada à
realidade objetiva de uma revelação, simplesmente somos agarrados por ela,
inclusive sem poder encontrar sempre “palavras poéticas” adequadas à nossa
agitada experiência, pois esta não brota da razão, mas sim do coração em um
sentido pascaliano[193].
A imagem como energia

Bulgakov nos deixará também uma análise importante acerca da questão da energia na
imagem, desta vez associada ao milagre e às sagradas relíquias. A teologia das relíquias de
Bulgakov nos ajuda a compreender o seu poder, a presença da energia divina nelas contida e, ao
mesmo tempo, das energias do mal presentes em sua profanação. Retomar essa questão se faz
importante em um tempo onde o que se denomina arte carrega, em muitos casos, a destruição do
sagrado e da fé em nome da liberdade da máscara. Quando Bulgakov escreve seu ensaio “Sobre
as Relíquias Sagradas”, ele se reporta ao “assalto satânico” promovido pelos bolcheviques contra
os templos e relíquias sagradas, ou seja, contra a imagem. Profanações segundo ele marcadas
pela visão do Anticristo, pelo materialismo e executadas “sob o manto da democracia e do
socialismo”[194]. O objetivo final daqueles “gângsteres satânicos” seria destruir a fé, não só de
alguns, mas de toda a Igreja.
Bem, a história se repete, sendo que hoje, também sob o manto da “democracia”, não a
socialista, como no tempo de Bulgakov, mas a de mercado; ambas materialistas. Atualmente, são
inúmeras e crescentes as profanações de locais sagrados cristãos no mundo todo, destaque-se as
ocorridas na Europa, feitas sob proteção legal, como é caso das capelas universitárias.
Diante dessa realidade, ao olharmos para trás o que vemos é o beco sem saída deixado pela
iconoclastiaa. A destruição da visão sacramental é a consequência desse movimento. Sua
expressão política, que dominou através dos bolcheviques o Leste europeu durante sete décadas,
hoje domina o Ocidente sob o manto da democracia expressa, em muito casos, através de algo
mais suave e à prova de fugas: a liberdade, seja ela estética - para a arte e para o artista – seja ela
política.
Tal cultura corresponde a longo processo histórico em que sacralidade de objetos,
sacramentos e milagres tende a ser perdida e destruída a fé nesses elementos, muitas vezes por
membros do clero que, de dentro da Igreja “ferem o Pastor” e “dispersam as ovelhas”. Assim é
que, diante de um quadro político-cultural deliberadamente anticristão, Bulgakov observa que a
preservação e a veneração de relíquias sagradas estão presentes no cristianismo desde suas
origens. Ao se acreditar que a veneração das relíquias sagradas seja uma superstição
desnecessária, pensamento que envolve, repetimos, alguns dos próprios clérigos cristãos, há uma
inclinação para se tomar o caminho do desaparecimento delas. E aí não se atenta para o fato,
destaca Bulgakov, que o edifício espiritual da Igreja é uno: o ato de desfazer-se de algo,
invariavelmente abalará o edifício todo:
Naturalmente, é difícil pré-decidir que tipo de despojamento é desejado: talvez
haja disposição para despojar todos os sacramentos da Igreja e não deixar nada a
não ser um serviço protestante da palavra. Mas aqueles que de fato não desejam ir
tão longe, mas desejam apenas eliminar a veneração das relíquias sagradas,
devem levar em conta claramente o fato de que todas as coisas estão conectadas
organicamente nos ensinamentos da Igreja, e que é impossível remover uma parte
única disso. E, em particular, a veneração às relíquias sagradas está intimamente
ligada ao dogma fundamental do cristianismo - a encarnação divina em prol da
nossa salvação. A deificação do homem, a divindade humana cristã (se é
permissível usar esta frase), é a base da veneração dos santos, bem como de seus
restos corporais, as relíquias sagradas[195].
A questão das relíquias está ligada à do sacramento como presença real do transcendente:
no sacramento o transcendente entra no imanente; o céu e a terra estão unidos de
tal maneira que deixam de existir em sua separação e oposição. Isto é realizado
total e unicamente pelo poder divino, pela graça de Deus [...].o que opera aqui
não um poder físico, isto é, cósmico, de qualquer ordem, mas um poder divino
supracósmico, que age tanto dentro quanto acima do cosmo, transubstanciando-o,
enquanto deixa seus poderes inviolados. O poder e a energia espirituais são
inseridos dentro de um corpo físico”[196].
A Igreja recebe o poder da santificação, que é o poder divino, o poder do Nome de
Deus. Toda atividade litúrgica, assim como toda ação sacramental, é o poder do
Nome de Deus dado aos sacerdotes que O servem. O Nome é a escada entre a
terra e o céu; pelo Nome são realizadas a santificação e a ação sacramental, que
são apenas uma forma estendida da invocação do Nome. Aqui, não nos propomos
a examinar essa questão em detalhes; nos limitaremos à afirmação de que todas
as santificações são ações misteriosas do Nome, inscrições do sagrado
Tetragrama. Mas as ações deste poder são multifacetadas e concretas e,
portanto, os próprios objetos sagrados são diversos. Em particular, todas as
coisas sagradas cultuais, o templo, os ícones e assim por diante, são inscrições do
Nome. O que é significativo para a santidade do ícone não é a própria
imagem icônica (pois isso seria apenas uma imagem ou esquema), mas a
santificação do Nome, ao passo que a imagem é apenas um hieróglifo do
Nome. O ícone é um sacramento do Nome; esta propriedade do ícone
permaneceu não revelada no Sétimo Concílio Ecumênico, onde a veneração de
ícones foi definida[197].
A imagem do ícone vincula-se ao mistério do Nome de Deus e, se desaparecida para o
homem a sacralidade do Nome, desaparece também a sacralidade sacramental. Daí é apenas uma
questão de tempo para a profanação ocorrer e tudo o que é sagrado desaparecer, inclusive a
sacralidade da vida. Nada mais restará senão a violência de uns contra os outros. Foi isso que
Dostoievski mostrou em Os Demônios. A sua profecia é sobre o mundo sem sacramentos, por
escolha do homem, o mundo marcado pelo vazio do mal, pelo império da máscara. Muitos
analistas restringem a dimensão profética de Os Demônios aos eventos da Revolução Russa,
ocorridos após a morte de Dostoievski. Porém, a dimensão profética dessa obra vai muito além e
diz respeito ao mundo contemporâneo e à vida dos homens em meio a perda da fé.
O mesmo Dostoievski foi amigo e influenciou Soloviev (melhor dizendo, reciprocamente
se influenciaram), que apontou a vinda do Anticristo que ocorrerá em um mundo que a tal ponto
perdeu a noção de valores e de santidade que tal personagem aparecerá como o pacificador, o
homem bom e amigo dos homens, enfim, o redentor. Será um falso Messias, embora do
Redentor verdadeiro, apresente todas as características. Estas, agreguemos comporão a máscara
que se amoldará aos desejos da massa, perdida ela também em meio às suas mentiras. Assim, ele
não surgirá como um deus ex machina, mas virá atraído e em comunhão com o mundo que se
afastou do Cristo. Não sabemos se ele chegou e se chegará em breve, mas os sinais para a sua
recepção clamorosa estão colocados diante de nós neste momento histórico.
Apesar de tudo isso, de modo cristão, só nos resta manter a esperança e a fé de que nossa
cegueira seja curada e se transmute em uma percepção dos sinais do Absoluto. E que isso nos
ajude a reverter a nossa rota rumo ao abismo.
Sexta-feira Santa do ano de 2018.
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NOTAS
[1]
Cf. Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo, Rio de Janeiro, Contraponto
Editora, 1997.
[2]
Cf. Jean Baudrillard, Simulacros e Simulação, Lisboa, Relógio D’ Água, 1991.
[3]
Mario Perniola, Art and its Shadow, London, Continuum, p. viii. (trad.minha)
[4]
Luigi Russo (org.), Vedere l’Invisible; Nicea e lo statuto dell’immagine, Palermo, Aesthetica Edizioni, 1997, p.10
(trad.minha).
[5]
Cf. David Freedberg, The Power of Images: Studies in the History and Theory of Response, Chicago, University of Chicago
Press,1989.
[6]
Cf.Gilles Deleuze, Lógica do sentido, São Paulo, Perspectiva, 2000, p.261.
[7]
Cf. Ralph Keyes, The Post Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life, New York, St. Martin’s Press, 2004.
[8]
Cf. Roberto Martins Ferreira, Popper e os dilemas da sociologia, São Paulo, Annablume, Fapesp, 2008.
[9]
Cf. Marie-José Mondzain. Image, Icon, Economy, the byzantine origins of the contemporary imaginary, California, Stanford
University Press, 2005.
[10]
Cf. Henry Corbin, Lo imaginario y lo Imaginal. Axis Mundi, nº 4, Arenas de San Pedro (Ávila, España), 1995.
[11]
Cf. entre outros, Gilbert Durand, A Imaginação Simbólica, Lisboa, Edições 70, 1995; Mircea Eliade, Mythes, rêves et
mystéres, Paris,Gallimard, 1957; Mircea Eliade, Mito y realidade, Barcelona,Guadarrama,1981; Mircea Eliade, Imágenes y
símbolos, Madrid,Taurus, 1998.
[12]
Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, Barcelona, Ediciones Destino, 1993, p.13 (trad. minha).
[13]
Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.287 (trad. minha).
[14] Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.287 (trad. minha).
[15]
Alain Delaunay, « Imaginal Monde », Encyclopædia Universalis [en ligne], 2014. URL :
http://www.universalis.fr/encyclopedie/monde-imaginal/
[16]
Henry Corbin, Corpo spirituale e terra celeste: Dall’ Iran mazdeo all Iran sciita, Milano, Adelphi Edizioni, 1986, p.153
(trad. minha).
[17]
Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.13 (trad. minha).
[18]
Cf. Franz Rosenzweig, La Estrella de la Redencíon., Ed. e Trad. Miguel Garcia-Baró, Salamanca, Sígueme, 1997.
[19]
Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.315 (trad. minha).
[20]
Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.25 (trad. minha).
[21]
Cf. Hadi Fakhoury, Henry Corbin and Russian Religious Thought, (Tese) Institute of Islamic Studies, McGill University,
Montreal, 2013.
[22]
Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.53 (grifos meus, trad. minha).
[23] Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.54 (grifos meus, trad. minha).
[24] Henry Corbin, La imaginación creadora en el sufismo de Ibn ´Arabî, cit., p.62 (grifos meus, trad. minha).
[25]
Cf. Tom Cheetham, All the World an Icon, Henry Corbin and the angelic function of beings. Berkley, California, North
Atlantic Books, 2012. Cf. também Monica Udler Cromberg, Individuação Espiritual e Hermenêutica Imaginal Henry Corbin,
leitor de Heidegger (Tese) Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Sociais, Depto de Filosofia, Programa De Pós-Graduação em
Filosofia, USP- Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
[26]
Cf. Gilbert Durand, A Fé do Sapateiro, Brasilia, Editora da UNB, 1995
[27]
Gilbert Durand, A Fé do Sapateiro, cit., p.84.
[28]
Cf. Gilbert Durand. O Imaginário, ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem, Rio de Janeiro, DIFEL, 1988.
[29]
Gilbert Durand, A Fé do Sapateiro, cit., p.82.
[30]
Gilbert Durand, A Fé do Sapateiro, cit., p.83.
[31]
Gilbert Durand, A Fé do Sapateiro, cit., p.85.
[32]
Gilbert Durand, A Fé do Sapateiro, cit., p.109.
[33]
Hadi Fakhoury, Henry Corbin and Russian Religious Thought, cit., p. 7.
[34]
Cf. Tom Cheetham, All the World an Icon, Henry Corbin and the angelic function of beings, cit.
[35]
Cf. Christian Jambet, A lógica dos orientais; Henry Corbin e a ciência das formas, São Paulo, Globo, 2006.
[36]
Steven M. Wasserstrom, Religion after Religion: Gershom Scholem, Mircea Eliade, and Henry Corbin at Eranos, Princeton,
NJ, Princeton University Press, 1999, p. 62 (trad. minha).
[37]
Steven M. Wasserstrom, Religion after Religion: Gershom Scholem, Mircea Eliade, and Henry Corbin at Eranos, cit., p.135
(trad.minha).
[38]
Martin Buber, Le problème de l’homme, Paris, Aubier, 1980, p.87 (grifos meus, trad. minha).
Cf. Martin Buber, ¿Qué es el hombre? México, Fondo de Cultura Economica, 1967.
[39]
George Lucáks, El asalto a la razon. La trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler, Barcelona-Mexico,
Grijalbo, 1968, p.420 (trad. minha).
[40]
Viacheslav Ivanov, Sobranie sochinenii, Brussels, Foyer Chrétien oriental, 1971, vol.III, p. 476 apud Robert Bird, Martin
Heidegger and Russian Symbolist Philosophy, Studies in East European Thought 51: 85–108, Kluwer Academic Publishers,
1999 (grifos meus, trad. minha).
[41]
(Mateus 26:31-35; Zc 13:7).
[42]
Nicholas Berdyaev, The Fate of Man in the Modern World, USA, Hesperides Press, 2008, p. 29 (grifos do autor, trad. minha).
[43]
Cf. Steven M. Wasserstrom, Religion after Religion: Gershom Scholem, Mircea Eliade, and Henry Corbin at Eranos, cit.
[44]
Heleno Saña, La filosofia de Heidegger: un nuevo oscurantismo, Madrid, Editorial Verbum, 2016, p. 29 e p.31 (trad. minha).
[45]
Steven M. Wasserstrom, Religion after Religion: Gershom Scholem, Mircea Eliade, and Henry Corbin at Eranos, cit., p.138.
[46]
Hans Jonas, Memorias, Madrid, Losada, 2005, p. 329-330, (trad. minha, grifos meus).
[47]
Richard Wolin, Los hijos de Heidegger: Hannah Arendt, Karl Lowith, Hans Jonas y Herbert Marcuse, Madrid, Ediciones
Cátedra, 2003, p.197 (trad. minha, grifos meus).
[48]
Cf. Conor Sweeney, Sacramental Presence after Heidegger: Onto-theology, Sacraments, and the Mother’s Smile, Eugene,
Oregon, Cascade Books, 2015.
[49]
Heleno Saña, La filosofia de Heidegger: un nuevo oscurantismo, cit., p.207 (trad.minha).
[50]
Cf. Víctor Farías, Heidegger y el Nazismo, México, Fondo de Cultura Económica, 1988.
[51]
Henri Meschonnic, Entretien, Prétexte, HorsSérie n° 12, Hiver 1997, p.82 (trad.minha)
http://meschonnic.blogspot.com.br/search/label/Entretien
[52]
Fiodor Dostoévski, Dostoiévski; correspondência 1838-1880, Porto Alegre, 8Inverso, 2011, p.189.
[53]
Cf. Hans Jonas, La Religion Gnostique; le message du Dieu Étranger et les débuts du christianisme, Paris, Flammarion,
1970.
Ioan P Couliano, The Tree of Gnosis; Gnostic Mythology from Early Christianity to Modem Nihilism. San Francisco, California,
HarperCollins, 1992.
Harold Bloom, Omens of Millennium, New York, Riverhead Books, 1996.
[54]
Cf. Ugo Bianchi (ed.), Le Origini dello gnosticismo. Colloquio di Messina, 13-18 aprile 1966, 2.• ed., Leiden, 1970.
[55]
Cf. José Montserrat Torrents (Introducciones, traduccion y notas), Los Gnósticos. Vols. I e II, Madrid, Editorial Gredos,
1983.
Cf. San Ireneo de Lyon. Contra los hereges, México, Conferencia del Episcopado Mexicano, 2000.Disponível em
http://www.mercaba.org/TESORO/IRENEO/00_Sumario.htm
[56]
Bíblia Católica Online: https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-joao/17/
[57]
Jean-Yves Leloup, O Absurdo e a Graça, Campinas, Verus, 2003, p.183 (grifos meus).
[58]
Horacio Bojorge, Teologías Deicidas, Centro Cultural Católico “Fe y Razón”, Montevideo, 2011, p. 208 (trad. minha).Vide
também na mesma obra a crítica à Teologia da Libertação como exemplo ultimo da gnose na Igreja.
[59]
Steven M. Wasserstrom, Religion after Religion: Gershom Scholem, Mircea Eliade, and Henry Corbin at Eranos, cit., p.81e
p.88 (trad. minha).
[60]
Christian Jambet, A lógica dos orientais; Henry Corbin e a ciência das formas, cit., p. 32.
[61]
Cf. Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém, São Paulo, Companhia das Letras, 1999.
[62]
Cf. Martin Buber, Eclipse of God; studies in the relation between religion and philosophy, New York, Harper & Row,
Publishers, Incorporated, 1952, pp.88-89 (trad. minha). Cf. edição em português:Martin Buber, Eclipse de Deus, Campinas, SP,
Verus Editora, 2007.Cf. concordância com a crítica de Buber por Steven M. Wasserstrom, Religion after Religion; Gershom
Scholem, Mircea Eliade, and Henry Corbin at Eranos, cit., p.213. Cf. também Barbara D. Stephens, The Martin Buber-Carl Jung
disputations: protecting the sacre in the battle for the bounderies al of analytical psychology, Journal of Analytical Psychology,
2001, 46, 455-491.
[63]
Cf. Ioan P. Couliano, The Tree of Gnosis; Gnostic Mythology from Early Christianity to Modem Nihilism, San Francisco,
California, HarperCollins, 1992, p.250 (trad. minha).
[64]
Exemplo de uma abordagem contemporânea sobre os sacramentos, à luz de Heidegger, encontramos em Conor Sweeney,
Sacramental Presence after Heidegger, Onto-theology, Sacraments, and the Mother’s Smile, Eugene, OR, Cascade Books,
Imprint of Wipf and Stock Publishers, 2015
[65]
Cf. Urbano Zilles, Gabriel Marcel e o Existencialismo, Porto Alegre, PUCRS/ Livraria Editora Acadêmica Ltda., 1988, p. 27.
[66]
Cf. Martin Buber, Eclipse of God, studies in the relation between religion and philosophy, cit. p.84 (trad. minha).
[67]
Cf. Marcelo Fabri. Claridade e obscuridade; Heidegger, Levinas e o Deus invisível, Natureza Humana, São Paulo, v. 10, n.
2, p. 73-88, dez. 2008 . Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302008000200003
[68]
Cf. Henri Meschonnic, Ethics and Politics of Translating, Amsterdam / Philadelphia, John Benjamins Publishing Company,
2011, p. 35.
[69]
Cf. Aristóteles, Metafísica, Porto Alegre, Editora Globo, 1969. Cf. também Stoyan Tanev, Energy in Orthodox Theology and
Physics, From Controversy to Encounter, Eugene, OR Pickwick Publications, Wipf and Stock Publishers, 2017. Cf. David
Bradshaw, Aristotle East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, Cambridge University Press, New York, 2004.
[70]
Cf. David Bradshaw, prefácio a Stoyan Tanev, Energy in Orthodox Theology and Physics, From Controversy to Encounter,
Eugene, Oregon, Pickwick Publications, Wipf and Stock Publishers, 2017. Kindle Edition
[71]
Cf. Alexandre Mileant, São Gregório Palamas e a Tradição dos Padres, Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior. Disponível
em https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_gregorio_palamas_e_os_padres_da_igreja.html.
[72]
Cf. Stoyan Tanev, Energy in Orthodox Theology and Physics, From Controversy to Encounter, cit.
[73]
Cf. Jean-Claude Larchet, La Théologie des Énergies Divines, des origines à Saint Jean Damascene, Paris, Éditions du Cerf,
2010, p.87 segs.
[74]
Estas duas últimas passagens dizem respeito em especial à vinda do Anticristo.
[75]
Cf. Stoyan Tanev, Energy in Orthodox Theology and Physics, From Controversy to Encounter, cit.
[76]
Cf. Stoyan Tanev, Energy in Orthodox Theology and Physics, From Controversy to Encounter, cit.
[77]
Cf. Paul Evdokimov, El Conocimiento de Dios en la Tradición Oriental, cit.p.459 (trad. minha).
[78]
Cf. Paul Evdokimov, El Conocimiento de Dios en la Tradición Oriental, cit., p. 459 (trad. minha).
[79]
Cf. Paul Evdokimov, El Conocimiento de Dios en la Tradición Oriental, cit., p.456.
[80]
Cf. David Bradshaw, Aristotle East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, cit. p. 265.
[81]
Cf. David Bradshaw, Aristotle East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, cit. p. 265.
[82]
Cf. David Bradshaw, Aristotle East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, cit., p.266 (grifos meus, trad.
minha).
[83]
Cf. David Bradshaw, Aristotle East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, cit., p.266.
Cf. também Constantinos Athanasopoulos and Christoph Schneider (eds.) Divine Essence and Divine Energies, Ecumenical
Reflections on the Presence of God in Eastern Orthodoxy, Cambridge, James Clarke & Co, 2013.
[84]
Cf. David Bradshaw, Aristotle East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, cit., p.267 (trad. minha).
[85]
“Há também a declaração intrigante nos Capítulos de Maximus em Conhecimento e Economia (freqüentemente citado por
Palamas) que as "coisas em torno de Deus "incluem" o bem e tudo o que o termo "bondade" implica " como a vida, a
imortalidade, a simplicidade, a imutabilidade e o infinito. Esta passagem sugere que os atributos divinos não são auto-
afirmações arbitrárias de Deus, mas modalidades específicas do ato divino de autoconhecimento”. Cf. David Bradshaw, Aristotle
East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, cit. p. 274, (trad. minha).
[86]
Entre os hesicastas esse poder e presença divinos são perceptíveis aos sentidos purificados.
[87]
Cf. David Bradshaw, Aristotle East and West, Metaphysics and the Division of Christendom, cit., p.276 (trad. minha).
[88]
Cf. Sergey Horujy, The Idea of Energy in the Moscow School of Christian Neoplatonism. Disponível em:
http://synergia-isa.ru/wp-content/uploads/2011/08/hor_idea_energy.pdf (trad.minha, grifos meus).
[89]
Cf. Vladimir Lossky, Orthodox Theology: an introduction, Crestwood, NY, St. Vladmir Seminary Press,1978.
[90]
Cf. Jean Meyendorff, Introduction a l’étude de Grégoire Palamas, Paris, Seuil, 1959
[91]
Cf. Meyendorff, John, Introduction to Gregory Palamas, The Triads, USA, Paulist Press, 1983, p.20 (trad. minha).
[92]
Cf. A. N. Williams, The Ground of Union, Deification in Aquinas and Palamas, New York, Oxford University Press, 1999,
p.7.
[93]
Cf. Vladimir Lossky, In the Image and Likeness of God, Crestwood, NY, SVS Press, 1976, p. 95.
[94]
Cf. A. N. Williams, The Ground of Union, Deification in Aquinas and Palamas, cit., p.16.
[95]
Cf. John Meyendorff, Byzantine Theology: Historical Trends and Doctrinal Themes, New York, Fordham University Press,
1979, p.73 (trad. minha)
[96]
Espiritual e epistemologicamente Cristo e Marx são incompatíveis. Só um Ocidente eivado por um racionalismo que coloca o
homem à frente de Deus seria capaz de gerar tal pensamento. De uma ideologia política travestida de teologia para a dissolução
da liturgia e da sacralização, apenas um passo. É um dos dramas da Igreja hoje.
[97]
Alexander Kalomiros, Alexander, Against False Union. Humble Thoughts of an Orthodox Christian concerning the Attempts
for Union of the One, Holy, Catholic and Apostolic Church with the So-Called Churches of the West, Boston, Holy
Transfiguration Monastery, 1967, p.26.
[98]
Jean-François Colosimo, L’Apocalypse Russe, Paris, Fayard, 2008, p. 341, (trad.minha, grifos meus).
[99]
Cf. Sergey Horujy, The Idea of Energy in the Moscow School of Christian Neoplatonism, disponível em http://synergia-
isa.ru/wp-content/uploads/2011/08/hor_idea_energy.pdf
[100]
Cf. Andrew Louth, Modern Orthodox Thinkers: from Philokalia to the present, London, SPCK Publishing, 2015, p. 122.
Ver também Willis Jenkins, Ecologies of Grace: Environmental Ethics and Christian Theology, New York, Oxford University
Press, 2008
[101]
Acerca das implicações do pensamento de Dionísio para com a visão integradora entre homem e natureza cf. John
Chryssavgis, Bruce V. Foltz (ed.), Toward an Ecology of Transfiguration: Orthodox Christian Perspectives on Environment,
Nature, and Creation, New York, Fordham University Press., 2013, p.17.
[102]
Cf. Pseudo Dionisio Areopagita, La Jerarquía Celeste, Obras Completas, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 2007,
p.104-105 (trad.minha).
[103]
John Chryssavgis, Bruce V. Foltz (ed.), Toward an Ecology of Transfiguration: Orthodox Christian Perspectives on
Environment, Nature, and Creation, cit., p.17 (trad. minha, grifos meus).
[104]
Cf. Maximus Confessor, Selected Writings, New York, Paulist Press, 1985, 189, (trad. minha, grifos meus).
[105]
Cf. discussão presente em Bruce V. Foltz, The Noetics of Nature: Environmental Philosophy and the Holy Beauty of the
Visible, cit. p. 181. Cf. tambem John Chryssavgis, Toward an Ecology of Transfiguration: Orthodox Christian Perspectives on
Environment, Nature, and Creation, cit., p. 17.
[106]
St. John Damascene, On holy images; followed by Three sermons on the Assumption, London, Thomas Baker, 1898. Cf.
também São João Damasceno, Apologia contra os que condenam as imagens sagradas, trad. Rafael Rodrigues.
www.apologistascatolicos.com
[107]
Cf. Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, Milano ,Adelphi Edizioni, 1977, p.34, (trad.minha).
[108]
Cf.Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.34, (trad.minha).
[109]
Cf. Elémire Zolla, Prefazione a Cf.Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.12.
[110]
Cf.Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.34.
[111]
Cf.Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.61,( trad.minha).
[112]
Uma iconóstase ou iconostásio (plural: iconóstases) (do gr. eikonostasion, eidonostasis) é uma parede de ícones que efetua a
separação entre a nave e o santuário de uma igreja.
[113]
Cf.Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.56 (trad.minha).
[114]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, Ediciones Sígueme, Salamanca, 2016, p. 65, (trad. minha).
[115]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 62, (trad. minha).
[116]
Cf.Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.64, (trad.minha).
[117]
Cf.Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.61, (trad minha, grifos meus).
[118]
Cf. Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.64, (trad minha).
[119] Cf. Pavel Florensky, Iconostasis, New Hampshire, Oakwood Publications, 1996, p.69, (trad. minha, grifos meus).

[120]“Estes são termos bem estabelecidos na teologia. Mas muitos hoje em dia interpretam erroneamente esses termos como algo
subjetivo e "psicológico", torcendo e falsificando radicalmente o pensamento dos Santos Padres; além disso, sob o pretexto de
defender os ícones, eles recriam uma iconoclastia mais violenta do que aquela forma do século VIII da Igreja derrotada há muito
tempo: pois os iconoclastas antigos eram mais pensativos, intrincados e corteses do que nossos contemporâneos "defensores dos
ícones" que falam sem refletir e assim reduzem a verdade antiga quando argumentam contra racionalistas protestantes. Os antigos
iconoclastas nunca negaram a utilidade espiritual genuína da arte religiosa, aquela arte à qual atribuímos agora o ícone; os
iconoclastas contemporâneos, no entanto, em sua insistência sobre o valor psicológico meramente subjetivo dos ícones como seu
único valor, negam assim completamente a conexão ontológica entre o ícone e o protótipo. E nisso negam toda a veneração dos
ícones - rezar para eles, beijá-los, acender-lhes velas, colocar lâmpadas diante deles, incensá-los através do sacerdote. Nesta
negação, que vê no ícone apenas uma "representação artística" que se refere a si mesma e ao espectador, mas nunca ao seu
protótipo, todas as práticas centenárias do cristianismo tornam-se idolatria criminosa”. Cf. Pavel Florenskij, Le porte Regali;
saggio sull’icona, cit., p.67, (trad minha).
[121]
Cf. Felix Schwarz, Symbolique des Cathédrales, miroirs de l’univers, Paris, Éditions du Huitième Jour, 2002. Cf. também
Georges Duby, O Tempo das Catedrais, a arte e a sociedade 980-142, Lisboa, Editorial Estampa, 1979
[122]
Cf. Andrei Tarkovski, Discours sur l’Apocalypse, 1984, disponível em
http://centrebombe.org/Tarkovsky-Discours.sur.lApocalypse.pdf, (trad. Minha).
[123]
Cf. Pavel Florenskij, Le porte Regali; saggio sull’icona, cit., p.67.
[124]
Cf. Fredric Jameson, Ensaios sobre el posmodernismo, Buenos Aires, Ediciones Imago Mundi, 1991.
[125]
Cf. Andrei Tarkovski, Discours sur l’Apocalypse, cit.
[126]
Cf. Chiara Cantelli, L’icona come metafisica concreta,Neoplatonismo e magia nella concezione dell’arte di Pavel
Florenski, Palermo, Aesthetica Preprint, 2011.
[127]
Cf. Pavel Florensky, Beyond Vision; Essays on the Perception of Art, London, Reaktion Books, 2002, p.207 (trad. minha).
[128]
Cf. Pavel Florensky, Beyond Vision; Essays on the Perception of Art, cit., p.208-209 (itálicos do autor, trad. minha).
[129]
Cf. Pavel Florensky, Beyond Vision; Essays on the Perception of Art, cit., p.216 (trad. minha).
[130]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, Michigan, Wm. B. Eerdmans Publishing Co, 2012, Kindle Edition.
[131]
Cf. Andrei Tarkovski, O Sacrifício, São Paulo, É Realizações Editora, 2012.
[132]
Cf. Maurice Merleau-Ponty, O Visível e o Invisível, São Paulo, Perspectiva, 2003. Cf. também Maurice Merleau-Ponty,
Fenomenologia da Percepção, São Paulo, Martins Fontes, 1999.
[133]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 52, (trad. minha).
[134]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 53, (trad. minha).
[135]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 53, (trad. minha).
[136]
Cf. Katia M.L. Mendonça, Duas luzes em meio à escuridão: Etty Hillesum e Sônia Siemiônovna. In John David Barrientos
Rodríguez, Diego I. Rosales Meana y Ángel Viñas Vera (eds.), La filosofía y el Bien, Agradecimientos a Miguel García-Baró,
Madrid, Ápeiron Ediciones, 2018.
[137]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 54, (trad. minha).
[138]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 55, (trad. minha).
Los romanos llamaban Lemures o Larvas a las almas de los difuntos que durante su vida habían sido malvados o culpables de
algunas fechorías, así como a los espíritus que perdían su condición de Manes, es decir, de seres benévolos y protectores,
convirtiéndose en perseguidores de los vivos por una ofensa de estos. Para congraciarse con los Lemures, se celebraban ritos
expiatorios especiales durante el mes de mayo. Con tal ocasión, el cabeza de familia se levantaba en plena noche, se lavaba tres
veces las manos, daba vueltas por la casa chasqueando los dedos y dejaba caer tras de sí nueve veces habas negras, a la vez que
decía: Manes exire paterni («salid, espíritus paternos»). Se suponía que así los espíritus se detenían para recoger dichas habas.
Entonces, el cabeza de familia pronunciaba otra fórmula mágica, con la cual se les invitaba a salir de la casa. Los Lemures a
veces aparecían incluso de día. Se creía que eran almas de difuntos insepultos, que iban errantes pidiendo sepultura. Cf. J. C.
Escobedo Enciclopedia de la mitologia, Mexico, De Vecchi Ediciones, 2011.
[139]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 57, (trad. minha).
[140]
Florenski se refere a 1Timóteo 4,1-2: "O Espírito diz expressamente que, nos tempos vindouros, alguns hão de apostatar da
fé, dando ouvidos a espíritos embusteiros e a doutrinas diabólicas, de hipócritas e impostores que, marcados na própria
consciência com o ferrete da infâmia.
[141]
Cf. Pável Florenski, El Iconostasio, Una Teoría de la Estética, cit., p. 58, (trad. minha).
[142] Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[143]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[144]
Cf. Hans-Georg Gadamer, Verdade e Método II, Petrópolis, Vozes, 2002.
[145] Cf. Marie de Solemne, Innocente Culpabilité, Paris, Dervy,1998, p.19.

[146]
Cf. Marie de Solemne, Innocente Culpabilité, cit., p.17.
[147]
Cf. Florensky, Pavel. Iconostasis, cit., p. 65, (trad. minha, grifos meus).
[148]
Cf. Florensky, Pavel. Iconostasis, cit., pp. 71-72, (trad. minha).
[149]
Cf. Chiara Cantelli, L’icona come metafisica concreta,Neoplatonismo e magia nella concezione dell’arte di Pavel
Florenski, cit.
Cf. também M. Alpatov, Le icone russe. Problemi di storia e di interpretazione artistica, Torino, Einaudi, 1976.
[150]
Cf. Paul Evdokimov, L'art Moderne ou la Sophia Désaffectée, Revue francaise de l' orthodoxie, Numero special L' Icone, no
32, 1960. Disponível em: <http://www.myriobiblos.gr/texts/french/contacts_evdokimov_moderne.html>.
[151] Cf. Paul Evdokimov, El Arte del icono; Teología de la belleza, Madrid, Publicaciones Claretianas, 1991, p.92, (trad. minha,
grifos meus).
[152]
Cf. Andrei Tarkovski, Esculpir o tempo, São Paulo, Martins Fontes, 1990, p.95.
[153]
Cf. Marie-José Mondzain, Can Images Kill? Critical Inquiry, Vol. 36, No. 1 (Autumn 2009), pp. 20-51
[154]
Cf. Wim Wenders & Mary Zournazi, Inventing Peace, A Dialogue on Perception, London, I.B. Tauris, 2013.
[155]
Cf. Boris Jakim, Introdução a Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit. (trad. minha, grifos meus).
[156]
Cf. Boris Jakim, Introdução a Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha, grifos meus).
[157]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[158]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[159]
Cf. Boris Jakim, Introdução a Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha, grifos meus).
[160]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[161]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[162]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[163]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[164]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[165]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (destaque do autor, trad. minha).
[166]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (em itálico pelo autor, trad. minha).
[167]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[168]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[169]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[170]
Cf. Basílio de Cesareia, Tratado sobre o Espírito Santo, São Paulo, Paulus, 1999, p.52. Cf. também Jean-Claude Larchet, La
Théologie des Énergies Divines, des origines à Saint Jean Damascene, cit., p. 151.
[171]
Cf. Jean-Claude Larchet, La Théologie des Énergies Divines, des origines à Saint Jean Damascene, cit., p. 315.
[172]
"Conhece a fundo os caminhos que conduzem à sabedoria, galardoando com ela Jacó, seu servo, e Israel, seu favorecido.
38.Foi então que ela apareceu sobre a terra, onde permanece entre os homens." Baruc, 3 -Bíblia Católica
Online.https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/baruc/3/
[173]
Cf. São João Damasceno. Apologia Contra os que Condenam Imagens Sagradas. Ed. Apologistas católicos, s/d, p.15. In:
https://portalconservador.com/livros/Sao-Joao-Damasceno-Apologia-Contra-os-que-Condenam-imagens.pdf. Cf. também Jean-
Claude Larchet, La Théologie des Énergies Divines, des origines à Saint Jean Damascene, cit., p. 442.
[174]
Cf., São João Damasceno, Apologia Contra os que Condenam Imagens Sagradas, cit., p.5.
[175]
Cf. Sergius Bulgakov. Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[176]
Cf. Pseudo Dionisio Areopagita, Los Nombres de Dios, Obras Completas, Teodoro H. Martín (ed.), Madrid, Universidad
Pontificia de Salamanca, 2007.
[177]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[178]
Cf. Alexander Soljenitsin, Agosto de 1914, Rio de Janeiro, Edições Bloch, 1973, p.533, (grifos meus).
[179]
Cf. Sergius Bulgakov, Icons and the Name of God, cit., (trad. minha).
[180]
Cf. Horacio Bojorge, Proceso de protestantización del Catolicismo, Revista Arbil, 101, disponível em
http://www.arbil.org/101bojo.htm
Cf. também Alfredo Sáenz, Desacralización de la Liturgia; la Quimera del Progresismo, Editorial Cruz y Fierro, Buenos Aires,
1981, pp. 229-250.
[181]
Cf. Miguel de Unamuno, La Agonia del Cristianismo, Buenos Aires, Editorial Losada, 1938.
[182]
Cf. Randall Sullivan, Detetive de Milagres, Rio de Janeiro, Editora Objetiva,2005, p.19.
[183]
Cf. José Maria Guimarães Ramos, A aparição de Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará, Belém, Ed. Paka-Tatu, 2018.
Cf. Raymundo Heraldo Maués, O homem que achou a santa; Plácido José de Souza e a devoção à Virgem de Nazaré, Belém, Ed.
Basílica Santuário de Nazaré, 2009.
[184]
http://www.paieterno.com.br/site/
[185]
Cf. Andrei Tarkovski, Esculpir o Tempo, cit.
[186]
Cf. Andrei Tarkovski, Esculpir o Tempo, cit., p.216.
[187]
Exemplos devastadores sobre essa situação encontamos em Jon Ronson, So You've Been Publicly Shamed, Pan Macmillan.
Edição do Kindle. Cf. também edição em português Jon Ronson, Humilhado; como a era da internet mudou o julgamento
público, São Paulo, Best Seller, 2015.
[188]
Cf. Ralph Ellison, O Homem Invisível, São Paulo, Marco Zero, 1990.
[189]
Cf. Hermann Cohen, El prójimo, Barcelona, Anthropos Editorial, 2004. Prefácio e Posfácio de Martin Buber.
[190]
Cf. Katia Mendonça, Crime and Punishment: Prophecy and Mercy in Dostoyevsky, Mundo Eslavo, 16 (2017).
[191]
Nicolás Berdiaev, Uma Nueva Edad Media, Buenos Aires, Ediciones Carlos Lohlé,1979.
[192]
Cf. Paul Tillich, On Art and Architecture, New York, Crossroad, 1987 pp.234-235 in Robert K. Johnston, God’s wider
Presence, reconsidering general revelation, Michigan, Baker Academic, 2014, p.110 (trad. minha).

[193]
Cf. Paul Evdokimov, El arte del icono; teología de la belleza, cit., p. 26 (trad. minha).
[194]
Cf. Sergius Bulgakov, Relics and Miracles, Two Theological Essays, William B. Eerdmans Publishing Company,
Cambridge, UK, 2011, Kindle Editions, (trad. minha).
[195]
Cf. Sergius Bulgakov, Relics and Miracles, Two Theological Essays, cit. (trad. minha).
[196]
Cf. Sergius Bulgakov, Relics and Miracles, Two Theological Essays, cit. (trad. minha).
[197]
Cf. Sergius Bulgakov, Relics and Miracles, Two Theological Essays, cit. (grifos meus, trad. minha).

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