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3 a edição

creditos.fm Page 4 Tuesday, October 28, 2008 9:44 AM

ISBN — 978-85-225-1111-2
Copyright © Celso Castro e Maria Celina D’Araujo
Direitos desta edição reservados à
EDITORA FGV
Praia de Botafogo, 190 — 14º andar
22253-900 — Rio de Janeiro — Brasil
Tels.: 0800-21-7777 — 0-XX-21-2559-5543
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http://www.fgv.br/editora
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação,
no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei nº 5.988)
1ª edição — 2002
2ª edição — 2002
3ª edição — 2002
R EVISÃO DE O RIGINAIS: Luiz Alberto Monjardim
P ROJETO E DITORIAL: Editora FGV
R EVISÃO : Fatima Caroni e Mauro Pinto de Faria
C APA : Leonardo Carvalho
F OTO DA C APA : Arquivo Ernesto Geisel, Cpdoc/FGV

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca


Mario Henrique Simonsen/FGV

Dossiê Geisel / Celso Castro, Maria Celina D’Araujo (organiza-


dores); Alzira Alves de Abreu... [et al.]. — 3 ed. — Rio de Ja-
neiro : Editora FGV, 2002.
252p.

Inclui bibliografia.

1. Geisel, Ernesto, 1908-1996. 2. Brasil — História — Arquiv-


os. 3. Brasil — Política e governo — Arquivos. I. Castro, Celso
Correa Pinto de. II. D’Araujo, Maria Celina. III. Abreu, Alzira
Alves de. IV. Fundação Getulio Vargas. V. Título.

CDD — 981.0644
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Sumário

Introdução 7
Celso Castro e Maria Celina D’Araujo

Ministério da Justiça, o lado duro da transição 21


Maria Celina D’Araujo

As apreciações do SNI 41
Celso Castro

O Dossiê Ministério da Fazenda do Arquivo Ernesto Geisel:


fontes sobre a gestão de Mario Henrique Simonsen 63
Carlos Eduardo Sarmento e Verena Alberti

O pragmatismo responsável no arquivo do


presidente Geisel 75
Letícia Pinheiro

Educação e cultura no Arquivo Geisel 89


Helena Bomeny

Abertura política e controle sindical: trabalho


e trabalhadores no Arquivo Ernesto Geisel 105
Angela de Castro Gomes
Sum‡rio.fm Page 6 Tuesday, October 28, 2008 2:19 PM

O “Ministério da Revolução” de 1964: previdência


e assistência sociais no governo Geisel 121
Angela de Castro Gomes

As telecomunicações no Brasil sob a ótica do


governo Geisel 149
Alzira Alves de Abreu

O Arquivo Geisel e os bastidores da fusão 159


Marieta de Moraes Ferreira

Bibliografia 169

Sobre os autores 173

Anexos 175
Introdu•‹o.fm
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Introdução

C e l so C a s t r o e M a r i a C el i n a D ’ A r a u j o
Introdu•‹o.fm
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8 DO SSIÊ G E ISEL

ESTE LIVRO EXAMINA parte de um importante acervo documental


sobre a história recente do Brasil: o arquivo pessoal de Ernesto Geisel,
doado em 1998 ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Con-
temporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas por Amália
Lucy Geisel, filha do ex-presidente. O arquivo foi organizado sob nossa
coordenação e está aberto à consulta pública desde junho de 2002.1 O
inventário completo do arquivo pode ser consultado online no Portal
Cpdoc: http://www.cpdoc.fgv.br
Ernesto Geisel, o titular do arquivo, foi o quarto presidente (15-
3-1974 a 15-3-1979) do regime militar iniciado em 1964. Seu governo
destacou-se, no plano político, por um projeto de “abertura lenta, gradual
e segura”, definido já no início de sua gestão. O processo histórico que se
seguiu mesclou medidas autoritárias e liberalizantes, acarretando confli-
tos em dois principais fronts, como Geisel costumava dizer: por um lado,
com a oposição política, representada pelo MDB e por setores de esquer-
da, ainda proscritos, que queriam a efetiva democratização do país; por
outro, com a chamada “linha dura” militar, que se opunha a medidas li-
beralizantes e defendia a continuidade do regime autoritário.
Através de uma ação política marcada por avanços e retroces-
sos, denominados então “casuísmos”, Geisel conseguia ditar o ritmo e o
sentido da transição, controlando ou reprimindo a oposição, quando jul-
gasse conveniente. Também se impôs à linha dura, e isso ficou particu-
larmente claro em dois momentos: quando decidiu pela exoneração do
comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Melo, em janeiro de 1976,
depois da morte do operário Manoel Fiel Filho, em decorrência de tor-
turas a que foi submetido no DOI-Codi de São Paulo, e quando da de-
missão do ministro do Exército, Sílvio Frota, em outubro do ano seguinte.
Vale lembrar que, entre os presidentes militares, Geisel foi o único a ex-
plicitar um conflito com essa pasta, a mais poderosa e temida do regime,
chegando mesmo a demitir seu titular. Esse fato, que inquietou os meios
políticos e militares, foi administrado por Geisel de modo a esvaziar a rea-
ção que dali pudesse advir. Além de enquadrar esse ministério na auto-
ridade da Presidência, Geisel conseguiu fazer seu sucessor, o general
João Figueiredo, ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações
(SNI), apesar das restrições que a linha dura fazia a essa indicação. Foi,

1 Gostaríamos de agradecer a colaboração dedicada e competente, no trabalho de organi-


zação do arquivo, de Priscila Riscado, Carolina von der Wied e Aline Marinho, bolsistas de
iniciação científica do Pibic/CNPq e da Faperj.
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CELSO CASTRO E MARIA CELINA D’ARAUJO 9

aliás, o único presidente do ciclo militar a conseguir fazer o sucessor que


desejava.
O governo Geisel foi ainda marcado por um processo decisó-
rio altamente centralizado e pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento
(II PND), que, à margem da crise internacional do petróleo, buscou dar
continuidade ao desenvolvimentismo, valorizando a ação do Estado como
planejador e empreendedor econômico. No plano externo, o governo
caracterizou-se por uma linha de ação qualificada pelo próprio Geisel
como “pragmatismo responsável”, que em alguns momentos produziu
atritos com a diplomacia norte-americana. Estes e outros aspectos do go-
verno são retratados no arquivo, ainda que de maneira incompleta ou ir-
regular.2
Conseguir a doação desse arquivo para uma instituição volta-
da para a preservação da memória histórica nacional, como o Cpdoc,
foi resultado de uma linha de pesquisa, iniciada em 1992, sobre a par-
ticipação dos militares na política brasileira pós-1964.3 Esse projeto pro-
duziu, num primeiro momento, uma coletânea de textos acadêmicos e
uma trilogia a respeito da memória militar do período 1964-85.4 Essa
experiência nos levou à entrevista de história de vida com Ernesto Gei-
sel, publicada após sua morte com grande repercussão junto à mídia e
à academia.5
Ainda em vida, durante o processo de realização da entrevista,
Geisel nos havia prometido, em diversas ocasiões, que “um dia” seu ar-
quivo seria doado ao Cpdoc. Depois de sua morte e da publicação da en-
trevista, Amália Lucy, historiadora e responsável pela guarda do acervo
do pai, formalizou a doação. Os documentos encontravam-se guardados,
em sua grande maioria, no sítio da família Geisel em Teresópolis. Fizemos
várias visitas ao local, para recolher e transportar o material para o Rio.

2
Para a compreensão desse governo, ver D’Araujo & Castro, 1997; Góes, 1978; e Oliveira,
1994.
3 Essa linha de pesquisa desenvolvida no Cpdoc, em colaboração com Gláucio Soares, con-

tou desde o início com o apoio decisivo da Finep, através dos projetos “1964 e o regime mi-
litar” (1992-95) e “Democracia e Forças Armadas no Brasil e nos países do Cone Sul” (1997-
2000). A partir de 1997, passou também a integrar o projeto “Brasil em transição: um ba-
lanço do final do século XX”, apoiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência
(Pronex). Especificamente para a organização do Arquivo Geisel, contamos com o apoio da
Copene, viabilizado por intermédio de Otto Perrone.
4
Ver Soares & D’Araujo, 1994a, 1994b, 1994c, 1995.
5
Ver D’Araujo & Castro, 1997.
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10 DO SSIÊ G E ISEL

No Cpdoc, há vários anos, sabíamos da importância do material


que compunha esse arquivo. Em 1988, durante a feitura de um guia
sobre os acervos privados dos presidentes da República,6 tivemos um
breve contato com essa documentação, que Geisel trouxe de Teresópolis
para ser examinada, durante dois dias, no Rio, nas dependências da Nor-
quisa, empresa que então presidia. Foi um exame sumário, apenas para
ter uma idéia geral da documentação existente, mas logo ficou evidente
que se tratava de material precioso.
O arquivo possuía uma organização original, que procuramos,
na medida do possível, preservar. A maioria dos documentos textuais, ge-
ralmente classificados como “confidenciais”, foi produzida no período em
que Geisel ocupou a presidência da República. Há também documentos,
embora em menor quantidade e no todo mais lacunares, sobre os perío-
dos anterior e posterior à presidência. O arquivo possui um total de apro-
ximadamente 4 mil documentos textuais, por nós divididos em cinco “sé-
ries”: “Documentos pessoais”, “Antes da presidência”, “Presidência da
República”, “Depois da presidência” e “Documentos complementares”.
Cada série está subdividida em “dossiês” temáticos. A maior série é, de
longe, a “Presidência da República”, correspondente a cerca de 80% dos
documentos textuais. No período anterior à presidência destacam-se os
originais das atas das reuniões do gabinete parlamentarista de Tancredo
Neves. No período posterior, predominam documentos sobre aspectos
da economia brasileira, principalmente energia. A série “Documentos
complementares” inclui principalmente manifestações de pesar pela
morte de Geisel recebidas por sua família. Além dos documentos textuais,
o arquivo também possui aproximadamente 15 mil recortes de jornais
(organizados cronologicamente) e 8 mil documentos audiovisuais (princi-
palmente fotografias).
A documentação do período da presidência da República, ob-
jeto de exame neste livro, é constituída basicamente pela documentação
dos despachos diretos de quase todos os ministros com o presidente, in-
cluindo a pauta dos assuntos a serem tratados e, muitas vezes, lembretes,
informes e anotações feitas pelos ministros sobre esses assuntos. Havia
uma organização prévia no arquivo que separava a documentação por
ministério, e, ao que tudo indica, cada despacho com um ministro era
acompanhado de uma agenda temática e dos respectivos anexos que do-

6
Ver Os presidentes da República: guia dos acervos privados. p. 84-6.
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cumentavam os temas a serem tratados. Muitas vezes, contudo, o arquivo


contém apenas a relação dos tópicos a serem discutidos, sem trazer em
anexo a documentação que seria esperada. A falta de muitos desses ane-
xos é lamentável, e não se pode inferir exatamente o destino que esses
documentos tiveram.
Uma conversa com Heitor Aquino Ferreira, secretário da Presi-
dência da República e responsável pela organização do arquivo, trouxe-
nos a informação de que essa sistemática de apresentar em anexo a docu-
mentação pertinente a cada tema a ser tratado nem sempre teria sido obe-
decida. O ministro do Exército, Sílvio Frota, por exemplo, não levaria qual-
quer documento para os despachos. O grupo de ministros-assessores mais
próximo do presidente, que geralmente se reunia com ele diariamente às
nove horas da manhã, também não preparava agendas, em função da fre-
qüência dos encontros. Esse grupo de quatro pessoas — João Paulo dos
Reis Veloso (Planejamento), João Figueiredo (SNI), Golbery do Couto e
Silva (Casa Civil) e Hugo Abreu (Casa Militar, substituído, ao final do go-
verno, por Gustavo Moraes Rego) — reuniu-se com o presidente, durante
todo seu governo, por 1.737h40min do total de 3.370h49min em que Gei-
sel passou reunido com seus ministros.7 Ou seja, o tempo de reunião desse
grupo de quatro ministros-chefes representa mais do que a soma do de
todos os outros 17 ministros.
O senador Petrônio Portela, porta-voz do presidente entre os
parlamentares e a classe política em geral nas negociações acerca do an-
damento do processo de abertura política, função então conhecida como
“Missão Portela”, foi também um freqüentador assíduo de reuniões com o
presidente cujo teor não está documentado no arquivo.
Ainda segundo Heitor Ferreira, ao final da gestão de Geisel não
foi feita qualquer seleção ou descarte de documentos, e tudo que estava
em sua guarda foi enviado ao presidente. Ainda segundo Heitor, apesar
das lacunas, deveríamos “dar graças a Deus” por termos tal quantidade
de documentos, e acrescentava acreditar ter sido Geisel o presidente da
República a deixar mais registros para a história.
Devemos apontar ainda três características gerais da documen-
tação referente à Presidência da República. Primeiro, o fato de que a
maior parte do arquivo é constituída por documentos acumulados por

7
Os dados estão no quadro “Despachos com os ministros de Estado”, reproduzido no
anexo 9.
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12 DO SSIÊ G E ISEL

Geisel, e não por ele produzidos. Segundo, a pequena quantidade de


correspondência (cartas ou telegramas). Terceiro, o fato de que, apesar
de os documentos estarem inseridos num arquivo pessoal, de natureza su-
postamente privada, possuem também caráter público. Trata-se, afinal, da
documentação referente a registros de reuniões de ocupantes de cargos
públicos, onde eram decididas questões nacionais. Essas características
não são exclusividade do Arquivo Geisel. Quando se examinam os arqui-
vos mais recentes recebidos pelo Cpdoc, nota-se uma diminuição signi-
ficativa da quantidade de correspondência, quando comparados aos ar-
quivos mais antigos, da era Vargas. Parece-nos óbvio que a difusão do
telefone e as facilidades de transporte e de comunicação tiveram impacto
significativo nesse sentido. Já o caráter ambiguamente público e privado
da documentação é comum a muitos arquivos pessoais de homens pú-
blicos depositados em nosso acervo.8
A documentação que foi doada ao Cpdoc cobre praticamente
todas as principais questões nacionais do período que dependiam de de-
cisão do presidente da República, e através de sua leitura pode-se acom-
panhar parte do processo de tomada de decisões políticas referentes a
todos os setores da vida nacional, em sua instância máxima. Em alguns
documentos, Geisel fazia comentários e anotações à margem, permitindo
desse modo reconstituir o encaminhamento que dava aos assuntos.
Quando isso não acontece, ficamos ao menos sabendo — o que não
deixa de ser importante — que assuntos eram levados, e como eram le-
vados, ao presidente, para sua decisão. Trata-se, acima de tudo, de um
tipo de documentação raramente disponível para a pesquisa histórica,
mesmo se considerarmos o conjunto de acervos de ex-presidentes da Re-
pública.
O fato de o Arquivo Ernesto Geisel despertar tanto interesse
para a pesquisa histórica é, por outro lado, motivo para que os pes-
quisadores redobrem cuidados metodológicos ao abordá-lo. É preciso
evitar, acima de tudo, aquilo que poderíamos chamar, inspirados em
Marx, de “fetichismo do arquivo”, atribuindo-lhe alguma virtude má-
gica que o torne autônomo e auto-suficiente, levando-nos a ignorar
outras fontes sobre o mesmo assunto e prescindindo de uma reflexão

8 Um conjunto de textos interessantes para se pensar essas questões foi reunido no nº 21


(1998) da revista Estudos Históricos, que tem como tema “Arquivos pessoais”. Os textos
estão disponíveis para consulta via internet no Portal Cpdoc.
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CELSO CASTRO E MARIA CELINA D’ARAUJO 13

sobre os limites e as características da constituição de cada acervo do-


cumental. Na memória preservada como de interesse histórico há
sempre um processo seletivo que determina o que é e o que não é re-
levante de ser guardado: nunca se guarda “tudo”. Além disso, é im-
portante também perceber como o material é guardado. No caso em
questão, privilegiou-se a seleção e o arquivamento daquela documen-
tação que, em princípio, era trazida pela maioria dos ministros nos
despachos, para decisão do presidente — embora não se possa preci-
sar se toda a documentação que lhe foi apresentada foi de fato guar-
dada em seu arquivo ou em qualquer outro lugar. É com essa e outras
precauções em mente que devemos nos aproximar do arquivo, e foi
com esse cuidado que os autores das avaliações preliminares aqui reu-
nidas examinaram-lhe os documentos.
Neste livro, demos prioridade a questões referentes a assuntos
políticos do governo, por serem aqueles com que os autores dos capítulos
estão mais familiarizados e por constituírem o objeto principal de suas
preocupações de pesquisa. Os pesquisadores reunidos para essa primeira
leitura estavam, em sua maioria, vinculados ao já mencionado projeto
apoiado pelo Pronex, que tem o Cpdoc como instituição-sede.
Os dossiês examinados foram os dos ministérios da Justiça, Fa-
zenda, Relações Exteriores, Educação, Previdência, Trabalho e Comu-
nicações, além de relatórios do Serviço Nacional de Informações. Tam-
bém incluímos um texto sobre a fusão dos estados do Rio de Janeiro e
Guanabara, feito a partir da leitura de documentos incluídos nos dossiês
da Justiça e do SNI. O conjunto desses dossiês representa aproximada-
mente a metade dos documentos da série Presidência da República.
Gostaríamos de enfatizar, no entanto, que não trataremos de várias
áreas que mereceriam estudos específicos por parte de especialistas,
como por exemplo a documentação referente a agricultura, saúde,
energia e transportes, entre outras. O leitor encontrará a seguir uma pe-
quena cronologia da vida de Ernesto Geisel e um quadro de seus mi-
nistros. Ao final dos capítulos, apresentamos uma pequena coletânea de
documentos citados nos textos e que serve também como amostra da ri-
queza e importância do arquivo.
Este livro dá o primeiro passo no exame de uma documentação
que certamente ajudará a conhecer melhor um dos períodos decisivos de
nossa história. Pretende, ainda, estimular a realização de novas pesquisas
em torno do acervo e desse governo. Afinal, esta é a missão primordial
de uma instituição como o Cpdoc.
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14 DO SSIÊ G E ISEL

Cronologia — Ernesto Geisel

1907 Nasce em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul (3-8), filho do imi-
grante alemão Augusto Guilherme Geisel e de Lydia Beckmann Geisel. É o
mais moço de cinco irmãos: Amália, Bernardo, Henrique, Orlando e Ernesto.

1921 Ingressa por concurso no terceiro ano do Colégio Militar de Porto


Alegre, onde estuda durante quatro anos.

1925 Ingressa na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro (31-3),


onde seus irmãos Henrique e Orlando cursavam o terceiro e último ano.

1928 Declarado aspirante-a-oficial da arma de artilharia (20-1). Classifi-


cado no 1o Regimento de Artilharia Montada, na Vila Militar do Rio de
Janeiro (2-2). Promovido a segundo-tenente (9-8).

1929 Transferido para o 4o Grupo de Artilharia a Cavalo, em Santo Ângelo,


no Rio Grande do Sul (6-4), comandado por seu ex-instrutor na Escola Mili-
tar, capitão Júlio Teles de Meneses.

1930 Promovido a primeiro-tenente (14-8). Adere ao movimento revolu-


cionário deflagrado em 3 de outubro contra o governo de Washington
Luís e segue, comandando uma bateria, para a frente de Itararé, na fron-
teira entre Paraná e São Paulo. Vai em seguida para o Rio de Janeiro,
onde encontra os amigos Juracy Magalhães, Jurandir Mamede e Agildo
Barata, que haviam feito a revolução no Nordeste.

1931 Escalado para levar uma bateria de artilharia à Paraíba, segue para
o Nordeste e, por indicação de Juarez Távora, é nomeado diretor-geral do
Departamento de Segurança Pública e secretário-geral do governo do Rio
Grande do Norte, na interventoria de Aluísio Moura (17-3). Retorna à sua
bateria de artilharia na Paraíba (19-6). Participa, em Recife, do combate ao
levante do 21o Batalhão de Caçadores, que visava a depor o interventor
federal em Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti (29-10). Nomeado
membro do Conselho Consultivo do Estado da Paraíba na interventoria de
Antenor Navarro (dezembro).

1932 Segue com sua bateria para o vale do Paraíba, a fim de dar com-
bate aos revolucionários paulistas, e se integra ao destacamento coman-
dado pelo coronel Daltro Filho (julho). De volta à Paraíba, é nomeado
secretário da Fazenda, Agricultura e Obras Públicas do estado pelo novo
interventor Gratuliano de Brito.

1935 Classificado no Grupo-Escola de Artilharia, no Rio de Janeiro, então


comandado pelo general Álcio Souto (26-2). Promovido a capitão (12-9).
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CELSO CASTRO E MARIA CELINA D’ARAUJO 15

Participa do combate ao levante comunista na Escola de Aviação Militar,


no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro (27-11).

1938 Matriculado na Escola das Armas, hoje Escola de Aperfeiçoamento


de Oficiais (março).

1939 Conclui o curso da Escola das Armas, em primeiro lugar (3-2). Desig-
nado instrutor-chefe de artilharia e comandante da bateria dos cadetes que
faziam o curso da arma de artilharia na Escola Militar do Realengo (8-2).

1940 Casa-se com sua prima, Lucy Markus (10-1). O casal mora primeiro
numa pensão, na rua Conde de Bonfim, e depois aluga uma casa no Rea-
lengo. Nasce seu filho Orlando (novembro).

1941 Ingressa, junto com seu irmão Orlando, na Escola de Estado-Maior


(2-4) e divide com este e as respectivas famílias uma casa alugada em
Botafogo. Na Escola de Estado-Maior, conhece o capitão Golbery do
Couto e Silva.

1943 Muda-se para um apartamento alugado em Ipanema. Promovido a


major (14-5). Conclui o curso da Escola de Estado-Maior (30-7), que é
abreviado devido à entrada do Brasil na guerra e à organização da FEB.
Assim como seus irmãos Henrique e Orlando, não é convocado para parti-
cipar da FEB, fato que atribui ao preconceito por ser a família de origem
alemã. Designado adjunto do Estado-Maior da 3a Região Militar, em Porto
Alegre, então comandada pelo general Salvador Cesar Obino (22-9).

1944 Vai para os Estados Unidos (16-9), onde faz o curso de comando e
estado-maior em Fort Leavenworth e o curso de ligação com a força aérea
em Key Field, além de estágios em outras escolas militares.

1945 Nasce sua filha Amália Lucy (janeiro) em Estrela, no Rio Grande do
Sul, onde dona Lucy aguardava, junto dos pais, sua volta dos Estados Uni-
dos. Retorna dos Estados Unidos (maio). Designado chefe de gabinete do
general Álcio Souto na Diretoria de Motomecanização do Ministério da
Guerra (28-6). Auxilia o coronel Ulhoa Cintra nas operações militares feitas
no Rio de Janeiro por ocasião da deposição de Vargas (29-10).

1946 Designado para a 1a Seção da Secretaria Geral do Conselho de Segu-


rança Nacional (11-7). A função de secretário-geral do Conselho de Segu-
rança cabe ao chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, na
época o general Álcio Souto.

1947 Designado adido militar junto à embaixada do Brasil em Montevi-


déu (30-7), onde permanece dois anos e meio com a família.

1948 Promovido a tenente-coronel (25-6).


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16 DO SSIÊ G E ISEL

1950 Retorna do Uruguai e é designado adjunto da 3a Seção (de opera-


ções) do Estado-Maior das Forças Armadas (28-2), então chefiado pelo
general Salvador Cesar Obino.
1952 Já no segundo governo Vargas, acompanha o então chefe do Emfa,
general Góes Monteiro, em viagem diplomática a Buenos Aires. Matricu-
lado na Escola Superior de Guerra.
1953 Membro do corpo permanente da ESG (12-1), aí reencontra Gol-
bery do Couto e Silva. Promovido a coronel (8-4). Diploma-se no Curso
Superior de Guerra (15-12).
1954 Recusa-se a assinar o “Manifesto dos coronéis” por considerá-lo um
ato de indisciplina (fevereiro). Designado comandante do 8o Grupo de
Artilharia de Costa Motorizada, no Rio (27-4).
1955 Nomeado subchefe do Gabinete Militar da Presidência da Repú-
blica no governo João Café Filho (1-2). O chefe do Gabinete Militar era
Juarez Távora, e o ministro da Guerra, o general Lott. Designado coman-
dante do Regimento Escola de Artilharia em Deodoro, no Rio de Janeiro,
onde servira como capitão (28-5). Assume a superintendência geral da
refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão, São Paulo (17-9). Não aprova
o golpe de 11 de novembro, chefiado pelo general Lott, colocando-se em
campo oposto ao de seu irmão Orlando, que apóia o movimento.
1956 Designado comandante do 2o Grupo de Canhões Antiaéreos, em
Quitaúna, São Paulo (19-3).
1957 Morte de seu filho Orlando aos 16 anos, atropelado por um trem
(28-3). Designado chefe da 2a Seção (de informações) do Estado-Maior do
Exército (30-4). Na ocasião, o coronel Golbery era subchefe da 3a Seção
(de operações). Nomeado membro do Conselho Nacional do Petróleo
como representante do Ministério da Guerra (15-7), torna-se a partir de
então partidário do monopólio e defensor da Petrobras.
1960 Nomeado chefe da 2a divisão do gabinete do ministro da Guerra,
marechal Odílio Denys, quando este substitui Lott, que se desincompatibi-
liza para se lançar candidato à presidência da República (16-2). Seu irmão
Orlando é o chefe de gabinete do ministro Denys.
1961 Promovido a general-de-brigada (29-3) no início do governo Jânio
Quadros. Jânio mantém Denys no Ministério da Guerra e Orlando Geisel
como chefe de gabinete deste. Assume o Comando Militar de Brasília e o
comando da 11a Região Militar (13-4). Com a renúncia de Jânio (25-8), é
nomeado chefe do Gabinete Militar da Presidência da República pelo presi-
dente interino Ranieri Mazzilli. Com a posse de João Goulart, exonera-se e
fica adido à Secretaria do Ministério da Guerra (11-9), aguardando função.
Introdu•‹o.fm
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CELSO CASTRO E MARIA CELINA D’ARAUJO 17

1962 É convocado pelo ministro da Guerra, João de Segadas Viana — ao


lado de quem tinha lutado na Revolução de 1932 —, que lhe oferece o
comando da Artilharia Divisionária da 5a Divisão de Infantaria, em Curi-
tiba (19-2). Nessa função, ocupa interinamente em várias ocasiões o
comando da 5a Região Militar e entra em atrito com o comandante do
III Exército, general Jair Dantas Ribeiro.

1963 Com a volta do presidencialismo, determinada pelo plebiscito (6-1),


e a nomeação de Jair Dantas Ribeiro para o Ministério da Guerra, é nomeado
subdiretor da Diretoria da Reserva. Algum tempo depois é designado sub-
chefe do Departamento de Provisão Geral do Exército (8-10).

1964 Assim como seus irmãos Henrique (já na reserva) e Orlando, e seu
amigo Golbery, integra o grupo militar que se opõe a Goulart e tem como
líder o general Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército.
Após o golpe militar e a eleição de Castelo Branco pelo Congresso (11-4), é
nomeado chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, passando
automaticamente a chefiar também a Secretaria Geral do Conselho de
Segurança Nacional (15-4). Orlando Geisel exerce sucessivamente impor-
tantes comandos, e Golbery passa a chefiar o SNI quando este é criado (13-
6). João Batista Figueiredo dirige a Agência Central do SNI, no Rio de
Janeiro. Promovido a general-de-divisão (25-11).

1966 Promovido a general-de-exército (25-11).


1967 Pouco antes da posse de Costa e Silva (15-3), é nomeado ministro
do Superior Tribunal Militar (8-3). Na mesma época, Golbery vai para o
Tribunal de Contas.

1969 Problemas de saúde o afastam de suas funções de maio a novembro,


razão pela qual acompanha a distância os problemas da doença e morte de
Costa e Silva e da escolha do general Médici para sucedê-lo. Convales-
cente, recebe e aceita o convite de Médici para exercer a presidência da
Petrobras. Aposenta-se do Superior Tribunal Militar (27-10), passa para a
reserva e assume a seguir o novo posto (14-11). Orlando Geisel é nomeado
ministro da Guerra, Golbery permanece a princípio no Tribunal de Contas, e
Figueiredo é nomeado chefe do Gabinete Militar. Nos três anos e meio em
que preside a Petrobras, são diretores da empresa Shigeaki Ueki, Leopoldo
Miguez de Melo, Faria Lima e Aroldo Ramos; por seu gabinete passam,
entre outros, Ivan de Sousa Mendes, Moraes Rego, Humberto Barreto e Hei-
tor Aquino. No final do período, retoma o contato com Golbery, que se apo-
senta do Tribunal de Contas e se torna conselheiro e diretor da Dow
Chemical.
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18 DO SSIÊ G E ISEL

1973 Anunciado oficialmente por Médici como seu candidato à sucessão


presidencial (18-6), demite-se da Petrobras para se desincompatibilizar
(11-7). Homologadas, pela Arena, as candidaturas de Geisel à presidência
da República e do general Adalberto Pereira dos Santos à vice-presidên-
cia (14-9). Muda-se para a casa pertencente ao Ministério da Agricultura,
no Jardim Botânico do Rio, e aí começa a preparar o governo, com a
ajuda de Golbery, Moraes Rego e Heitor Aquino. Na escolha dos minis-
tros, decide não manter seu irmão Orlando à frente do Ministério da
Guerra.

1974 São eleitos, pelo Congresso Nacional, Geisel e Adalberto Pereira


dos Santos, por 400 votos contra 76 dados ao deputado Ulisses Guima-
rães e ao jornalista Barbosa Lima Sobrinho, do Movimento Democrático
Brasileiro — MDB (15-1). Posse na Presidência da República (15-3). Pri-
meira reunião do ministério (19-3). Foram os seguintes os ministros esco-
lhidos por Geisel: Gabinete Civil: general Golbery do Couto e Silva;
Gabinete Militar: general Hugo Abreu; Ministério do Exército: general
Vicente Paulo Dale Coutinho (substituído em maio por Sílvio Frota);
Marinha: almirante Geraldo Henning; Aeronáutica: brigadeiro Joelmir de
Araripe Macedo; Fazenda: Mario Henrique Simonsen; Planejamento:
João Paulo dos Reis Veloso; Justiça: Armando Falcão; Relações Exterio-
res: Antônio Azeredo da Silveira; Trabalho: Arnaldo Prieto; Educação:
Nei Braga; Saúde: Paulo Almeida Machado; Agricultura: Alysson Pauli-
nelli; Indústria e Comércio: Severo Gomes; Minas e Energia: Shigeaki Ueki;
Transportes: Dirceu Nogueira; Comunicações: Euclides Quandt de Oli-
veira; Interior: Rangel Reis. O chefe do SNI, general João Batista Figuei-
redo, adquire status de ministro (1-5). Luiz Gonzaga do Nascimento e
Silva é nomeado primeiro titular do recém-criado Ministério da Previ-
dência e Assistência Social (1-7). Reatamento das relações diplomáticas
com a República Popular da China (15-8). A Lei no 6.151 estabelece o
II Plano de Nacional de Desenvolvimento — II PND (4/12).

1975 Assinado em Bonn o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha (27-6). Anun-


ciada a autorização para contratos de risco entre a Petrobras e empresas
estrangeiras para a prospecção de petróleo na plataforma continental do
país (9-10). Divulgada nota oficial do II Exército comunicando que o jorna-
lista Wladimir Herzog fora encontrado morto numa das celas do DOI-Codi
em São Paulo (26-10). O Brasil reconhece o governo angolano pró-comu-
nista do Movimento Popular pela Libertação de Angola (10-11).

1976 Divulgada nota oficial do II Exército comunicando que o operá-


rio José Manoel Fiel Filho fora encontrado morto nas dependências do
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CELSO CASTRO E MARIA CELINA D’ARAUJO 19

DOI-Codi em São Paulo (19-1). Exonera o general Ednardo D’Ávila


Melo do comando do II Exército, em São Paulo, e nomeia para seu
lugar o general Dilermando Gomes Monteiro (19-1). Sancionada a cha-
mada Lei Falcão, que reduzia a propaganda política no rádio e na tele-
visão (24-6).
1977 Severo Gomes deixa o Ministério da Indústria e Comércio (8-2) e
para seu lugar vai Ângelo Calmon de Sá. Levado à votação no Congresso
o anteprojeto elaborado pelo governo para a reforma do Poder Judiciá-
rio, que acaba não obtendo os 2/3 necessários à sua aprovação (30-3).
Anuncia, após reunião com o Conselho de Segurança Nacional, o recesso
do Congresso Nacional, por força do Ato Complementar no 102 (1-4). O
Congresso ficou fechado por 14 dias, durante os quais o presidente decre-
tou a reforma do Judiciário e baixou uma série de medidas políticas que
ficaram conhecidas como “pacote de abril”. Uma dessas medidas foi a
extensão do mandato presidencial para seis anos, a partir do sucessor de
Geisel. Demite o ministro do Exército, general Sílvio Frota, aspirante a
candidato à presidência da República, e o substitui pelo general Fernando
Belfort Bethlem, comandante do III Exército (12-10). Comunica oficial-
mente que o general João Figueiredo, chefe do SNI, será indicado como
seu sucessor (31-12).
1978 O presidente norte-americano Jimmy Carter visita o Brasil, dei-
xando clara a insatisfação com a política brasileira de direitos humanos e
com o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha (janeiro). Greve dos metalúrgicos
de São Bernardo do Campo (SP) projeta Luís Inácio da Silva, o Lula, como
nova liderança no cenário nacional (maio). O Congresso aprova as medi-
das políticas propostas pelo governo: revogação do AI-5 e do Decreto-lei
no 477, restabelecimento do habeas-corpus para crimes políticos, permis-
são para o reinício das atividades políticas de cidadãos cassados há mais
de 10 anos, entre outras (20-9).
1979 Posse do general Figueiredo na presidência da República (15-3).
1980 Assume a presidência da Nordeste Química S. A. — Norquisa, tor-
nando-se posteriormente presidente do Conselho de Administração da
Companhia Petroquímica do Nordeste — Copene (junho).
1996 Falece no Rio de Janeiro, vítima de câncer (12-9).
1997 Publicação de Ernesto Geisel, resultado de longa entrevista conce-
dida a Maria Celina D’Araujo e Celso Castro entre 1993 e 1995 (Editora
FGV).
1998 Doação do Arquivo Geisel ao Cpdoc.
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20 DO SSIÊ G E ISEL

O ministério Geisel (15-3-1974 a 15-3-1979)

Ministério Titular Período

Aeronáutica Joelmir de Araripe Macedo início — fim


Agricultura Alysson Paulinelli início — fim
Casa Militar Hugo de Andrade Abreu início — 4-1-1978
Gustavo Moraes Rego Reis 6-1-1978 — fim

Casa Civil Golbery do Couto e Silva início — fim


Comunicações Euclides Quandt de Oliveira início — fim
Educação e Cultura Nei Amintas de Barros Braga início — 31-5-1978
Euro Brandão 31-5-1978 — fim
Estado-Maior das Antônio Jorge Correia início — fim
Forças Armadas
Exército Vicente de Paulo Dale início — 24-5-1974
Coutinho
Sílvio Frota 28-5-1974 — 13-10-1977
Fernando Belfort Bethlem 13-10-1977 — fim
Fazenda Mario Henrique Simonsen início — fim
Indústria e Comércio Severo Fagundes Gomes início — 8-2-1977
Ângelo Calmon de Sá 8-2-1977 — fim
Interior Maurício Rangel Reis início — fim
Justiça Armando Ribeiro Falcão início — fim
Marinha Geraldo Azevedo Henning início — fim
Minas e Energia Shigeaki Ueki início — fim
Planejamento João Paulo dos Reis Velloso início — fim
Previdência Luiz Gonzaga do início — fim
Nascimento e Silva
Relações Exteriores Antônio Francisco Azeredo início — fim
da Silveira
Saúde Paulo de Almeida Machado início — fim
SNI João Batista de Oliveira início — fim
Figueiredo
Trabalho Arnaldo da Costa Prieto início — fim
Transportes Dirceu Araújo Nogueira início — fim
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Ministério da Justiça, o lado


duro da transição*

M a r ia C e li n a D ’ A r a u j o

* Agradeço a leitura e os comentários de Celso Castro, Mauro Lopez Rego e Angela de Cas-
tro Gomes.
Maria Celina Daraujo.fm Page 22 Tuesday, October 28, 2008 2:24 PM

22 DOSSIÊ GEISEL

DURANTE TODA A REPÚBLICA, o Ministério da Justiça foi o espaço pri-


vilegiado para as articulações políticas do governo. Essa característica foi
especialmente forte no decorrer da República democrática de 1946. Sin-
tomaticamente, nesse período, a pasta foi em geral ocupada por políticos
advindos do Partido Social Democrático (PSD), o maior partido governis-
ta. Mais do que isso, a distribuição regional dos ministros acabava por
atender aos estados mais fortes da Federação do ponto de vista político e
econômico. Assim, a pasta acabou sendo reduto principalmente dos re-
presentantes de Minas Gerais, São Paulo e estados do Sul.1
O peso do Ministério da Justiça não foi diferente durante o re-
gime militar. Coube-lhe fazer a defesa da “Revolução” e formular as
peças jurídicas que procuraram dar institucionalidade e embasamento
aos atos de exceção. Para tanto, contou com a presença de figuras como
Gama e Silva e Alfredo Buzaid. Todos, a seu modo, deixaram seu nome
na história como protagonistas do regime autoritário e fizeram da pasta o
canal através do qual as decisões do arbítrio pudessem ser apresentadas
como razões de Estado.
Tendo em vista esse histórico de politização, era de se esperar
que, durante o governo Geisel, a pasta da Justiça se convertesse em es-
paço especialmente relevante para o processo de abertura, sendo tal go-
verno o que mais se destacou pelo esforço de “transição” do regime au-
toritário para um de “normalidade institucional”, para usar o arcabouço
conceitual do próprio Geisel em suas memórias.2 No entanto, quando se
examinam os documentos relativos ao Ministério da Justiça que integram
o arquivo do ex-presidente, a impressão que fica é bem diferente. Segun-
do esses registros, as medidas de endurecimento do regime teriam pre-
valecido sobre aquelas que preconizavam a democratização. O que se
extrai desses documentos é a defesa e o aperfeiçoamento do regime mi-
litar e a crítica “às incompreensões” da oposição, cujo lado institucional e
legal era o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Certamente esse
direcionamento tem a ver com a figura do ministro Armando Falcão, po-
lítico cearense de recorte autoritário que, apesar de uma longa trajetória
política no decorrer da República de 1946, ao lado de Juscelino Kubits-
chek, desenvolveu laços de lealdade ao regime militar, a quem serviu
como adepto de primeira hora. Mas a atuação do ministério reflete tam-
bém uma política do governo, ou pelo menos uma estratégia de ação do

1
Ver Hippólito, 1985.
2
Ver D’Araujo & Castro, 1997.
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MARIA CELINA D’ARAUJO 23

presidente, para conduzir um processo de mudança sem desautorizar os


aliados que sustentavam as bases do regime.
Conhecido pela liderança do processo de abertura política, a
imagem do governo Geisel que sai desses papéis é a que enfatiza o con-
trole político, a repressão à esquerda e à oposição, e a censura à impren-
sa. O ministério ali retratado situa-se mais como espaço de ação da “linha
dura” do que como a esfera que comandou a mudança. Dito de outra
forma, espelha mais o lado duro da ação do governo, pois efetivamente o
governo Geisel usou os poderes excepcionais da ditadura, fechou o Con-
gresso, cassou mandatos e comandou operações violentas contra os co-
munistas. De toda forma, é inquietante pensar que o historiador que se
baseasse apenas nesses documentos acabaria concluindo que esse fora
apenas mais um governo do regime militar e que o país sairia dele mer-
gulhado nas mesmas trevas que encontrou. Na verdade, o arquivo, po-
deríamos dizer, retrata mais o perfil e a atuação do ministro e do grupo
militar a ele vinculado do que a ação mais global do governo no plano
político.3
Desnecessário dizer que, para complementar esse quadro que
aqui se apresenta de forma parcial, fragmentária e contraditória, seria ne-
cessário consultar outras fontes. A imprensa do período, apesar dos atro-
pelos da censura, mostra um Brasil mais aberto e disposto a mudar do
que os documentos deixados no arquivo. Além disso, para uma melhor
compreensão do momento, seria importante o acesso a informações
sobre a atuação de outra figura-chave, o general Golbery do Couto e Sil-
va, que, ao que tudo indica, cumpriu no governo o papel oposto ao de
Armando Falcão, servindo como o interlocutor para as negociações e
concessões envolvendo a abertura. Mas o que esse arquivo revela é ex-
pressivo por apresentar as ambigüidades da distensão e o papel de cada
ator, institucional ou pessoal, nesse processo. A literatura assinalou que a
abertura se fez como uma longa caminhada de marchas e retrocessos.
Foi a mais longa das transições do período e a que mais sofreu momentos
de marcha à ré.4 O arquivo corrobora essas teses.
O cenário se construiu mediante a determinação do presidente
quanto a uma mudança nos rumos políticos do país, mas mantendo ni-
chos diferenciados de poder que atendiam a várias posições políticas in-

3Ver Falcão, 1989 e 1995.


4
Para uma revisão da literatura sobre o tema da transição, ver a introdução em Soares &
D’Araujo, 1995.
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24 DOSSIÊ GEISEL

teressadas tanto na mudança quanto na manutenção do status quo. No


centro do processo havia a liderança de Geisel, mais afeito à manutenção
da ordem e da disciplina do que seus antecessores, ainda que não parti-
lhasse dos valores democráticos que estavam na agenda dos liberais e
dos democratas. Por tudo isso, o dossiê do Arquivo Geisel referente ao
Ministério da Justiça retrata apenas um lado da história, mas um lado
real, que precisa ser lembrado para se ter na memória como agem e pen-
sam os que não prezam os valores da liberdade.
A documentação do Ministério da Justiça está organizada em
oito pastas nas quais constam três anexos, produzidos antes da posse, que
resumem as diretrizes políticas do futuro governo. Nesses anexos, Arman-
do Falcão apresenta, a seu modo, o teor das conversas que tivera com
Geisel em inícios de outubro de 1973, logo depois da indicação do gene-
ral como candidato do partido governista, a Aliança Renovadora Nacio-
nal (Arena), à presidência da República, e que definem a linha de ação a
ser imprimida pelo ministério.
No primeiro deles (VIII A-1),5 de 9-10-1973, Armando Falcão
lembrava as vantagens do Brasil em relação aos demais países da Amé-
rica Latina. Aqui gozávamos o privilégio da paz, a “Revolução” controlara
os “fatores de intranqüilidade”, e recuperara-se uma democracia ativa,
realista e forte. Dentro desse quadro, apresentava dois cenários para o
governo. O de “democracia e desenvolvimento”, que seria ainda prema-
turo, e o de “desenvolvimento e segurança” a que o governo teria que se
ater. Essa seria a posição apoiada pela população nas urnas, enquanto a
oposição minguava “de eleição em eleição”.
Segundo seu raciocínio, do ponto de vista político, as eleições
ainda não haviam sido moralizadas, mas o Congresso não estava esvazia-
do nem a classe política desprestigiada, apesar dos comentários usuais a
esse respeito. Na verdade, a “Revolução” sempre prestigiara o Congresso
e se não o extinguiu foi porque não quis. O que se chamava de esvazia-
mento do Congresso era, para o futuro ministro, produto de três fatores:
o trabalho em comissões, a ausência de grandes oradores e a supremacia
do Executivo, fenômeno universal. Tudo indicava que a relação com o
Congresso melhoraria no novo governo, pois o “futuro presidente gosta
de ouvir, aprecia auscultar, dialoga, deixa à vontade o interlocutor, son-
da, perquire e pergunta”.

5
Todos os documentos citados neste capítulo são do dossiê EG/pr 1974.04.24.
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MARIA CELINA D’ARAUJO 25

Nessa análise, a Arena, base de sustentação do regime, enfren-


tava um processo de luta interna que precisava ser controlado para que
o país não voltasse ao facciosismo dos tempos de pluripartidarismo. A pa-
lavra de ordem nesse caso, adianta Falcão, era “unidade, unidade, uni-
dade”. Quanto ao MDB, não aceitava a “Revolução”, não se comportava
como uma “oposição inglesa” e também estava dividido. Os autênticos
eram “irrecuperáveis para a Revolução”. Concluindo, “a Revolução não
precisa do MDB”.
Para Falcão, seria necessário dialogar mais com o Congresso,
evitar o decurso de prazo, os decretos-leis, garantir a iniciativa do Parla-
mento através da Arena, estimular os ministros a comparecerem ao Con-
gresso para esclarecimentos — à exceção dos militares, claro —, convidar
os presidentes da Câmara e do Senado a participarem das reuniões mi-
nisteriais e parlamentares da Arena a integrarem as comitivas presiden-
ciais. Enfim, nessa quase promessa de governo de partido único, o gover-
no não poderia prometer uma abertura que não pudesse cumprir. Era
preciso, antes de mais nada, garantir a ordem.
Em 22-11-1973, novo relato de Armando Falcão intitulado “O
problema da liberdade de manifestação do pensamento e de informação.
Jornal, revista, rádio, televisão. Livro, cinema e teatro” (VIII A-3). O do-
cumento é rico em citações sobre liberdade de imprensa e censura desde
o Império Romano, examina as constituições e a legislação brasileiras a
esse respeito para concluir que “não há restrições legais impeditivas ao
trabalho pacífico, criador e bem inspirado”. Não havia, contudo, um con-
trole central sobre o uso da legislação, “a necessária centralização de co-
mando e a devida unidade de ação”. Não haveria da parte do governo
“uma intervenção que não disfarce, quase sempre, dúvida, vacilação e
fuga à responsabilidade funcional”. Faltava em suma “um plano de con-
duta” que impedisse as medidas contraditórias que a censura vinha to-
mando. Sugeria atenção especial para a imprensa do Rio de Janeiro e de
São Paulo, onde a infiltração comunista era intensa mas possível de ser
controlada.
Em função desse quadro, sugeria algumas medidas: grupos de
trabalho para examinar a legislação e propor soluções para aprimorar a
censura, implantação de sistemas de controle para abusos de liberdade,
incentivo à convivência do governo com a imprensa e maior contato do
governo com os donos de jornais e de cadeias de rádio e de televisão.
Em janeiro de 1974, Armando Falcão apresentava a Geisel
outro relato sugerindo novo decreto-lei ampliando as exigências quanto
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26 DOSSIÊ GEISEL

ao registro de jornais, empresas radiofônicas e outros meios de comuni-


cação. Mas lembra que o governo já assumia tendo em mãos instrumen-
tos para combater a “má imprensa”.
Nota-se, antes da posse, a nítida preocupação do futuro minis-
tro em desenvolver ações que permitissem o aprimoramento da “Revo-
lução” e que reforçassem os instrumentos para o controle do governo
sobre a oposição. Quando o governo tem início, as temáticas dessa pasta
se diversificam, mas essas preocupações permanecem na linha de frente.
É o que se depreende desses papéis, que começam a escassear já em
1976 e são raros para o ano de 1978, último ano de governo e no qual as
medidas liberalizantes se acentuam.
No momento governamental, além do tema da fusão dos esta-
dos do Rio de Janeiro e da Guanabara, tratado em outro capítulo deste li-
vro, a ação do ministério registra ainda temáticas referentes a Igreja Ca-
tólica, corrupção, Revolução dos Cravos em Portugal, legislação eleitoral,
reforma do Judiciário, repressão à esquerda e ao movimento estudantil,
e outras que sinalizam a orientação do ministério e o que ali era consi-
derado relevante. No exame desse material será possível, em alguns mo-
mentos, saber a opinião de Geisel, e em outros, apenas informar-se sobre
a ação do ministro.
A falta de informações sobre o que pensava o presidente acerca
de cada um dos assuntos tratados pode causar certa angústia ao pesqui-
sador, ajudando a alimentar a imagem fechada e enigmática que Geisel
deixou. De toda forma, o que deve ficar presente é que, se houve “exa-
geros” nas cores que o ministro quis dar ao Brasil de sua gestão, também
é certo que em momento algum Armando Falcão foi desautorizado pelo
presidente. Outros o foram, como Severo Gomes e Sílvio Frota. Isso cor-
robora a imagem de que Geisel, que não era um democrata, era um
amante da ordem, tendo poupado aqueles que não ousaram questionar
publicamente seu projeto e sua liderança. Em seu depoimento, Geisel
chegou a insinuar que Armando Falcão teria feito o “trabalho sujo” do
governo, enquanto outras lideranças dariam andamento ao projeto de
distensão “lenta, gradual e segura”.

A censura e a defesa do regime


A censura e a colaboração da imprensa são, como vimos, temas
nobres no arquivo e por isso mesmo os primeiros a povoar a agenda do
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MARIA CELINA D’ARAUJO 27

ministro. Armando Falcão começa sua gestão convidando os jornalistas


Roberto Marinho e Ruy Mesquita (empresas O Globo e O Estado de S.
Paulo, respectivamente) para almoços, ocasiões em que aborda a estra-
tégia do governo no campo da comunicação. A censura ficaria toda cen-
tralizada no Ministério da Justiça, que faria reuniões secretas com os mi-
nistros militares e o do SNI. Essa decisões foram aprovadas por Geisel.
Ruy Mesquita, de acordo com o relato do ministro, não aceitava censura,
autocensura ou censor. Falcão acabou trocando o censor de O Estado de
S. Paulo por um “melhor e mais bem pago” como compensação pelas
barganhas de Mesquita. Enquanto isso, Roberto Marinho se prontificava a
articular reunião com empresários para elogiar a política econômica do
governo.
O apoio da imprensa não foi procurado apenas por meios per-
suasivos. Falcão propõe a Geisel um levantamento, junto ao Ministério da
Fazenda e a bancos estaduais e privados, das dívidas das empresas jor-
nalísticas — Geisel anota à mão: “muito bom”. Há vários documentos re-
portando-se ao tema. A imprensa alternativa que prolifera nesse período
será um dos argumentos a alimentar as teses do ministro quanto à neces-
sidade de maiores rigores na legislação sobre a censura e sua aplicação.
Nesses levantamentos bancários fica demonstrado que o Banco Nacional,
do “revolucionário” Magalhães Pinto, estava financiando periódicos alter-
nativos e de “esquerda” como Pasquim, Crítica e Opinião. O Jornal do
Brasil é outro que incomoda o ministro, particularmente quando dá uma
coluna ao político cassado Carlos Lacerda. Falcão propõe diálogo duro
com os dirigentes desse periódico: estariam passando para o lado do ini-
migo, e “inimigo não pode receber favores do governo”. E mais, sugere a
Geisel usar contra o JB “todas as armas de que dispomos”: revogar con-
cessão de TV, cortar créditos, fazer cobrança de contribuições sociais,
impor censura prévia (III-23).
Segue-se amplo levantamento de toda a legislação de exceção
que permita cassar, fechar jornais e punir qualquer ato contra a seguran-
ça nacional. É agendado novo encontro com Nascimento Brito, do JB,
para tratar do “caso” Lacerda. A denúncia das “mordomias” do governo,
feita por esse jornal e por Veja, dá margem a nova ação da Polícia Fede-
ral, via censura. Logo em seguida, Nascimento Brito é vítima de uma
campanha veiculada pelo Sindicado dos Jornalistas, através dos Diários
Associados, que anuncia estar seu jornal em estado falimentar. Nascimen-
to Brito procurou o ministro para pedir-lhe que impedisse a veiculação
dessas notícias. Segundo Falcão, o jornalista lhe pedira “providências ca-
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28 DOSSIÊ GEISEL

bíveis com punição para os infratores”. E essa foi a oportunidade para o


ministro replicar: o JB agredia o governo através de “colunistas, articula-
dores e homens que foram íntimos auxiliares de João Goulart”. Propõe
explicitamente uma reciprocidade: o governo defenderá o JB se este de-
fender o governo.
No início de 1976, há nova investida de Falcão sobre o JB,
quando o ministro relata a Geisel outra conversa com Nascimento Brito,
em que procurou “estancar, pelo argumento, a investida oposicionista
que vem marcando nos últimos tempos a linha daquele matutino”. Fal-
cão rotulava o jornalista de ciclotímico, o que se refletiria no jornal. Sa-
lienta a Geisel a importância de ter esse jornal ao lado do governo, pois
“faz opinião na classe média para cima, e é melhor tê-lo conosco do que
contra nós”. Falcão relata também encontro de Nascimento Brito com
Sílvio Frota, ministro do Exército, que também reclamou da linha do jor-
nal, das “críticas injustas” ao governo, tendo ressaltado a importância do
papel das Forças Armadas no combate à subversão. Para os dois minis-
tros, o JB estaria servindo ao seu próprio inimigo, ou seja, aos inimigos
do capitalismo.
A ação do ministro do Exército contra a liberdade de imprensa
torna-se bem clara quando da demissão do general Ednardo D’Ávila
Melo do comando do II Exército, em janeiro de 1976, depois da morte de
dois prisioneiros durante interrogatório nas dependências do DOI-Codi
de São Paulo (o jornalista Wladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Fi-
lho). Nessa ocasião, o jornalista Alberto Dines escreveu para O Estado de
S. Paulo um artigo que chegou às mãos do ministro do Exército antes de
ser publicado. Elogioso à atitude de Geisel, o corajoso artigo condenava
a tortura e prisões em dependências policiais e militares e comparava os
métodos de repressão dos militares brasileiros aos da União Soviética.
Frota escreveu ao ministro Falcão pedindo que o artigo fosse proibido:
“Peço sua ação discreta mas enérgica para evitá-lo, sem transpirar. Não
deve também ser chamada atenção para o artigo porque poderá inspirar
alguém a publicá-lo. É, como você vê, um ultraje” (V-24). No dia seguin-
te, em 22 de janeiro de 1976, o artigo foi publicado na Folha de S. Paulo
sob o título “Uma vitória da Arena”. Frota reclama das providências não
tomadas e pede que jornalista e jornal sejam enquadrados na Lei de Se-
gurança Nacional. Não foi atendido.
A preocupação em cativar a imprensa é também correspondi-
da, às vezes, pelo interesse de empresários em bem servir ao regime. Esse
é o caso de Sílvio Santos, que em meados de 1975 envia carta a Geisel
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MARIA CELINA D’ARAUJO 29

solicitando concessão de uma rede de TV que ficaria a serviço de uma


“programação de qualidade”. E concluía: “Esteja certo de que eu não
vou decepcioná-lo. Pode confiar” (III-26).6 De fato, a programação da TV
desse empresário é citada algumas vezes pelo ministro da Justiça como
exemplo de padrão de qualidade para outras emissoras.
O que se observa ainda é o dilema das empresas jornalísticas
em querer fazer seu negócio ser rentável sem desagradar ao governo.
Esse é o caso de O Globo e de Última Hora. No caso deste último, Ar-
mando Falcão informa ao presidente que o diretor, Ary Carvalho, consi-
derado “um dos nossos”, visando a aumentar as vendas, contratou jorna-
listas de esquerda, tais como Alberto Dines e Henfil. Em meio a isso,
documentos do arquivo evidenciam as ambigüidades, os avanços e retro-
cessos no processo de abertura. Ao lado do manifesto de escritores, jor-
nalistas, cineastas, professores, músicos e artistas pedindo, em janeiro de
1977, a revogação dos atos de censura, temos um dossiê da polícia sobre
o jornal Opinião. Estudos simultâneos mostram dados oficiais sobre a cen-
sura: dos 9 mil livros publicados em 1976, 219 foram denunciados e 74
censurados, a maioria estrangeiros. Dos 4.740 filmes examinados, seis
foram proibidos, enquanto foram censuradas 29 das 989 peças de teatro.
Quanto à música, apenas 1% teria sido afetado. Uma nota ao fim desses
dados registrava que parte dos trabalhos liberados havia sofrido cortes
que teriam preservado a “unidade da obra” (VII-2).
O último documento dedicado ao tema da censura à imprensa
escrita é o telegrama de Ruy Mesquita respondendo a uma nova ordem
de censura da Polícia Federal em setembro de 1978:

“O meu sentimento foi de profunda humilhação e vergonha, senti ver-


gonha, senhor ministro, pelo Brasil, degradado à condição de uma re-
publiqueta de banana ou de uma Uganda qualquer por um governo
que acaba de perder a compostura. Parece incrível que os que decre-
tam hoje o ostracismo forçado dos próprios companheiros da revolu-
ção que ocuparam ontem os cargos que ocupam hoje não cogitem
cinco minutos do julgamento da história; o senhor, senhor ministro,
deixará de sê-lo um dia. E então, senhor ministro, como aconteceu na
Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, ou na Rússia de Stálin, o
Brasil ficará sabendo a verdadeira história deste período em que a re-
volução de 64 abandonou os rumos traçados pelo seu maior líder, o

6
O documento está reproduzido no anexo 3.
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30 DOSSIÊ GEISEL

marechal Castelo Branco, para enveredar pelos rumos de um caudi-


lhismo militar que já está fora de moda inclusive nas repúblicas hispa-
no-americanas. Cheio de vergonha por ver meu país degradado a esta
condição, subscrevo-me humilhado, Ruy Mesquita, diretor de O Jornal,
A Tarde e do Estado de S. Paulo.”

As telenovelas foram também objeto privilegiado da ação dos


censores. O primeiro caso a preocupar seriamente o governo foi o da no-
vela Roque Santeiro, de Dias Gomes, liberada inicialmente com cortes
para o horário posterior às 22h. Falcão relata a Geisel que Roberto Ma-
rinho “não se conformou com a decisão”. Na conversa, Falcão argumen-
tara que, mesmo sendo o jornalista o “melhor e mais constante aliado do
governo na campanha de comunicação social, não pude atendê-lo”. O
parecer da censura, de 16-5-1975, era draconiano. Exigia lotes de 30 ca-
pítulos para serem examinados antes de irem ao ar e estabelecia os cortes
a serem feitos nos primeiros 10 capítulos.7 Pouco depois o ministério
apresentava ao presidente minuta de portaria que reforçava a censura às
novelas, exigindo que cada capítulo gravado fosse cotejado com o texto
original.
Paradoxalmente, as telenovelas que mais preocupavam o go-
verno eram as da Rede Globo. Em meados de 1976, Falcão escreve a Ro-
berto Marinho pedindo providências, tanto em relação ao erotismo quan-
to às “mensagens adversas”. Estudos do ministério sobre o impacto das
novelas na sociedade eram freqüentes. Neles se mostrava como mensa-
gens sociais, políticas e morais poderiam aí estar presentes direta ou, na
maior parte do tempo, subliminarmente. Chamava-se a atenção dos
donos das empresas de comunicação para esse aspecto. Mas, como essa
era uma atividade das mais lucrativas para as TVs, a censura acabava se
tornando um obstáculo financeiro. É certamente por essa razão que Ro-
berto Marinho tanto intercede junto ao ministro pedindo compreensão
dos censores.

Clérigos, estudantes, comunistas e advogados


Outro ator importante durante o processo de transição foi a
Igreja Católica. No entanto, nos papéis do arquivo, a atenção dada pelo

7
Ver, no anexo 4, parecer da censura, de 20-8-1975, sobre o mesmo tema.
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MARIA CELINA D’ARAUJO 31

governo a questões relativas à terra, aos índios ou mesmo aos padres es-
trangeiros que acabaram sendo expulsos do país não tem a dimensão que
o historiador gostaria de encontrar. Chamam a atenção, contudo, as con-
versas de Armando Falcão com d. Eugênio Sales, que elogia a sincerida-
de do governo ao admitir que existem presos políticos e tortura no país.
Nessas ocasiões, o cardeal posiciona-se contra o divórcio e a legalização
dos jogos, solicita mais respeito aos direitos humanos e sugere que o
combate à subversão seja feito pela polícia, e não pelos militares. Em se-
tembro de 1975, d. Eugênio, segundo o ministro, começou a promover
reuniões com empresários e políticos para discutir “problemas gerais do
Brasil”. Solicita a Armando Falcão permissão para convocar também mi-
litares para esses encontros. Geisel coloca um ponto de interrogação
nesse tópico, e Falcão se diz contra. Sobre d. Evaristo Arns, as referências
o qualificam como “inconveniente” por seu envolvimento com a anistia e
com iniciativas de “interesse dos inimigos do governo.”
O movimento estudantil, antigo estorvo para o governo, conti-
nuou merecendo atenção especial dos órgãos de informação. Recortes
de jornais mostram a retomada do movimento em vários estados, espe-
cialmente em São Paulo, o que é lido como a retomada da subversão. O
movimento estudantil fica associado também ao de intelectuais e aos de
grupos de defesa dos presos políticos. As denúncias de torturas e maus-
tratos nas prisões tornam-se uma questão que atinge diretamente a insti-
tuição militar, merecendo a atenção do governo, conforme se infere de
relatórios de consultores jurídicos. Ao mesmo tempo, Geisel decide não
responder, perante a ONU e a OEA, às denúncias da Anistia Internacio-
nal contra a situação dos direitos humanos no Brasil. Ou seja, seguindo
seu estilo de mando, esse seria um tema a ser tratado domesticamente.
As investidas policiais e militares contra o Partido Comunista do
Brasil, na clandestinidade, foram intensas durante o governo Geisel e cul-
minaram com o “cerco da Lapa” em dezembro de 1976, quando três
membros da direção do partido foram assassinados e outros seis presos.
Os preparativos para essa caçada estão parcialmente registrados no ar-
quivo. Por ele se vê que o diretor-geral do Departamento Federal de Jus-
tiça, Paulo Emílio Queiroz Barcelos, nomeado para cuidar do assunto,
atuaria em conformidade com as orientações do ministro do Exército, Síl-
vio Frota. Este, em várias ocasiões, transmite sua preocupação com o
tema. Em março de 1975, adverte que as informações sobre anistia, de-
saparecidos, prisões ilegais e tortura inquietam os militares em São Paulo,
conforme lhe relatava o comandante do então II Exército, general Ednar-
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32 DOSSIÊ GEISEL

do. Nessa mesma ocasião, Armando Falcão reúne-se com os chefes mili-
tares de São Paulo, que expressam seu descontentamento com a impren-
sa paulista. Ednardo pede mais controle da censura, além de cortes de
crédito e de publicidade. O general propõe ainda a criação de uma
Agência Brasileira de Notícias para atuar com a Agência Nacional, a edi-
ção de um livro branco da subversão e a cassação dos parlamentares do
MDB que tiverem apoio do PC (II-33).8
Nos meses seguintes, aparecem estudos sobre prisão perpétua e
pena de morte e sobre a Lei de Segurança Nacional, de modo a torná-la
mais rígida. Pelas sugestões apresentadas, qualquer seqüestro seria consi-
derado crime contra a segurança nacional, e ameaça de seqüestro seria
punida com pena de reclusão de dois a quatro anos. Na proposta alega-
se haver “recrudescimento de fatos criminosos, consistentes em seqües-
tros de adultos e crianças”. Ao lado dessa proposta, Geisel escreve “Não!”
(IV-8). Portanto, não admira que, nesse ímpeto de caça às bruxas, os fatos
em São Paulo tenham culminado com os dois assassinatos que levaram à
queda do comandante do II Exército no início de 1976.9
A necessidade de combate à subversão foi também o tema do
discurso de Armando Falcão na Conferência Nacional de Secretários de
Segurança dos Estados, realizada em março de 1975. Ali o ministro de-
clarava que a subversão não acabara, apenas mudara de tática, seguindo
orientações estrangeiras, com rearticulação na clandestinidade e “infiltra-
ção solerte e disfarçada”. Nesse mesmo mês são apresentados ao presi-
dente dados de investigações sobre a ação dos comunistas dentro do
MDB em vários estados, envolvendo a prisão de vários parlamentares. O
intuito do inquérito é mostrar que os comunistas estão usando o partido
como meio para chegar ao poder. Ali se afirma que o PCB seria o orien-
tador da linha política do MDB, e que este seria o meio para a “eminên-
cia vermelha” no Brasil.10

8
O documento está reproduzido no anexo 2.
9 Em outubro de 1975, o jornalista Wladimir Herzog foi morto nas dependências do DOI-
Codi em São Paulo. Em janeiro seguinte, no mesmo local, foi assassinado o operário Manoel
Fiel Filho. Essas duas mortes estão na origem da exoneração, pelo presidente da República,
do comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Melo.
10
O bipartidarismo tutelado imposto pela ditadura acabou fazendo do MDB o único canal
possível para a participação das oposições e da esquerda. Mas esse partido, aqui identifica-
do como expressão do comunismo, era formado principalmente pela oposição moderada e
por liberais sob a liderança de Ulisses Guimarães (1916-92), o político mais identificado com
a imagem combatente do partido.
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MARIA CELINA D’ARAUJO 33

O tratamento dado às liberdades políticas e aos direitos huma-


nos pelo Ministério reflete mais o pensamento da “linha dura” do que
uma postura mais ousada em relação à abertura. Isso fica claro quando o
assunto são os presos políticos. No arquivo aparece, por exemplo, o caso
do pedido de habeas-corpus a favor do preso político, menor de idade,
César Queiroz Benjamin, mencionado no arquivo como “Menininho” e
“terrorista dos mais perigosos”. O desembargador Luiz Antônio de Andra-
de, presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ga-
rante a Armando Falcão que o “problema morrerá, por falta de base para
apreciar”. Dias depois vem a comunicação de que o pedido não foi con-
cedido.11
Contrariamente ao Ministério da Justiça, a Ordem dos Advo-
gados do Brasil é uma presença constante a demandar o estado de di-
reito. Logo no início do governo, em maio de 1975, em carta ao minis-
tro da Justiça, o presidente da OAB, José Ribeiro de Castro Filho, pede
que o governo observe o uso da lei, da justiça e do habeas-corpus e so-
licita o fim das prisões clandestinas e da incomunicabilidade dos presos.
A posição do ministro é que o presidente da República não tenha con-
tato direto com a OAB, onde estão “homens como Sobral Pinto, Heleno
Fragoso, Evaristo de Moraes Filho e outros inimigos jurados da Revolu-
ção”. Esses contatos são feitos pelo próprio ministro, que relata a Geisel
não serem os dirigentes da OAB contra a “Revolução”, e sim contra a
tortura. Falcão declara a Geisel estar procurando uma forma de cooptá-
los. Em agosto do mesmo ano, Falcão comunica a Geisel que não par-
ticipará do encontro da entidade que tem os direitos humanos como
tema, pois não gostaria de se expor nem expor o governo. Geisel con-
corda.
No decorrer de 1975, em novo encontro com o presidente da
OAB, agora o jurista Caio Mário da Silva Pereira, a entidade intercede
por um advogado preso. Armando Falcão afirma que a lei “é para todos”
e que é “virtualmente impossível, porém, no Brasil e em qualquer país do
mundo, evitar totalmente a prática eventual de excessos, que o governo
não admite e tudo faz para coibir”. O jurista pede que a OAB seja des-
vinculada do Ministério do Trabalho e Falcão concorda, desde que se
submeta ao Tribunal de Contas, o que os representantes dos advogados
recusam.

11
Após várias negociações, César Queiroz Benjamin deixou o país sob proteção oficial.
Maria Celina Daraujo.fm Page 34 Tuesday, October 28, 2008 2:24 PM

34 DOSSIÊ GEISEL

A relação da OAB com o governo vai gradativamente se tor-


nando mais crítica. Em fins de 1976, Sobral Pinto critica declarações do
ministro da Justiça, que afirmara haver democracia no país. Em carta, o
jurista afirma que não há independência dos poderes Legislativo e Judi-
ciário e que o país está tomado pelo militarismo. Esse foi o tom assumido
pela OAB, que de fato liderou, com legitimidade social e política, grande
parte da campanha pela redemocratização do país.
Líderes políticos exilados e cassados são também presença
constante nas anotações do ministro. Entre eles, Jânio Quadros, que
consulta se pode voltar a ser professor — Geisel manda ver a legisla-
ção; Juscelino Kubitschek, acusado em várias ocasiões de enriqueci-
mento ilícito (V-34) e cujas memórias publicadas na época preocupam
o ministro; João Goulart, que viria a morrer pouco depois; e Lysâneas
Maciel e seus contatos com o Conselho Mundial de Igrejas e com a es-
querda.
A preocupação com o “inimigo comunista”, segundo o ministro
ainda presente e ativo e pouco combatido pelo governo, seria aliás a tô-
nica do manifesto do ministro Frota quando exonerado da pasta do Exér-
cito em 12-10-1977. Falcão pede parecer jurídico aos consultores do mi-
nistério sobre como agir em relação aos que vazaram o documento para
a imprensa. O parecer conclui que não há como punir esses responsá-
veis: não se poderia punir quem denuncia comunistas, além do que o do-
cumento não injuriava ou difamava autoridades (VII-35). Nesse episódio
venceu a posição do presidente no sentido de desprestigiar o ministro
recém-demitido.

A Arena e as eleições de 1976


Alguns registros informam o descontentamento militar com os
salários em função do aumento do custo de vida. Mas, a avaliar pelo dos-
siê da pasta da Justiça, o grande aliado a ser permanentemente cativado
é a Arena. Vários documentos anunciam o descontentamento do partido
com o governo, especialmente no tocante a distribuição de cargos, par-
ticipação no ministério e influência em órgãos públicos. As cisões nos es-
tados também são anunciadas como um problema a ser enfrentado para
garantir a unidade do governo e, particularmente, para não ameaçar a
vitória do governo nas eleições. Sobre isso, Armando Falcão chega a
pedir a Geisel “providências rígidas” (VI-16).
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MARIA CELINA D’ARAUJO 35

Desde o início o ministério manterá uma linha de ação clara no


sentido de manter aceso o sentido da “Revolução” e a legitimidade do
governo. Para tanto são várias as sugestões de Falcão: realizar pesquisas
de opinião para aparelhar a Arena e o governo com informações que es-
pelhem as aspirações populares; efetuar uma “sintonia fina” entre a atua-
ção do governo e as demandas dos eleitores; promover a informação e a
“doutrinação indireta”; dar “orientação revolucionária” aos governadores
nomeados em 1974 (Geisel concorda); institucionalizar a “Revolução”
através de uma reforma da Constituição que produzisse um “modelo po-
lítico brasileiro”; manter e aprimorar o bipartidarismo; fortalecer a Arena
e instruir seus quadros a serem mais agressivos no Congresso na defesa
do governo; impor o comando do governo sobre o Congresso; fazer reu-
niões periódicas com os governadores. Em meados de 1975, os entendi-
mentos políticos visando a transformar a Arena na instituição líder na
condução do processo político ganham novo fôlego com a preeminência
de duas figuras: Petrônio Portela, de corte centrista e líder do governo no
Senado, e José Bonifácio, notório anticomunista e líder do governo na
Câmara. As instruções aos dois são no sentido de não dar espaço ao MDB
para tomar posição vantajosa: à Arena deveria caber a iniciativa.
Iniciam-se reuniões semanais dos dois líderes do governo com o
presidente da Arena, Francelino Pereira, e o ministro da Justiça, visando
à “ação política uniforme das forças do governo”. “Nossa preocupação
há de ser a Revolução. Nossa meta, o fortalecimento da Arena, pela coe-
são do partido, com vistas ao triunfo em 1976 e 1978.” Entusiasticamente,
continua sugerindo outras medidas: dinamizar a atuação das bancadas;
auscultar tendências da opinião pública; usar melhor os meios de comu-
nicação. Sobre este último ponto, declara (IV-17):

“A Arena é o partido do governo. O governo é o dono real da televi-


são e do rádio, que apenas dá em concessão a particulares. Os pró-
prios jornais, com raríssimas exceções, dependem do governo para
viver e sobreviver. É mister utilizar essas armas incríveis com inteligên-
cia e habilidade. Foi um erro permitir o uso da televisão e do rádio na
campanha eleitoral de 1974.”

A legislação eleitoral precisaria ser mudada pois, segundo o mi-


nistro, nenhum governo ganharia eleição com a televisão “martelando”
contra ele. Era necessário mudar a lei para que TV e rádio não fossem
mais “o aríete que derruba qualquer fortaleza”.
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36 DOSSIÊ GEISEL

Dessas preocupações surgiu a Lei Falcão, que vigorou a partir


da campanha para as eleições municipais de 15-11-1976 até o fim do re-
gime militar. A nova lei, que impedia o acesso dos candidatos à TV e ape-
nas permitia a leitura de seus currículos e a apresentação de suas fotos,
tinha como alvo privilegiado o MDB. Para o ministro, a campanha do
MDB em 1974 fora “uma incitação à desordem”, ao explorar “demagogi-
camente” problemas do custo de vida, do INSS, do BNH etc. (IV-17). Em
relato a Geisel, Armando Falcão expressa assim seu ponto de vista (V-28,
de 28-1-1976):

“V. Exa. conhece meu pensamento acerca da propaganda eleitoral,


através do rádio e da televisão: devemos restringi-la, limitá-la ao nível
justo, não oferecendo ao adversário a principal arma que, sem sombra
de dúvida, lhe assegurou considerável avanço no pleito de 15 de no-
vembro de 1974, pela exploração insidiosa de dificuldades gerais, insa-
náveis a curto prazo. (...) É notório que a oposição quer transformar
um simples pleito municipal em manifestação plebiscitária nacional agi-
tando de ponta a ponta o país na base da demagogia e da má-fé.”

À margem desse libelo, Geisel escreve a lápis que se deve


aguardar projeto legislativo a respeito.
Temas que foram notícia nas primeiras páginas dos jornais da
época aparecem no arquivo retratando o acompanhamento que o gover-
no, através da Comissão Geral de Investigações ou da Polícia Federal,
dava a esses assuntos. Entre eles, escândalos financeiros, como os casos
Abdalla, Banco Halles, BNH (e Ângelo Calmon de Sá), DNER (e Mário
Andreazza) e Delfim Netto (e a embaixada de Paris), e também casos po-
liciais, como o assassinato da menina Ana Lídia, em Brasília, o que moti-
vou uma preocupação do governo quanto ao problema das drogas e da
criminalidade no país já não estar tão ligado à subversão, mas certamente
dizer respeito à segurança nacional.
A reforma do Judiciário, que aparecia desde o início do gover-
no como prioridade, envolvia questões políticas e criminais. O que se ale-
gava nos despachos era a necessidade de tornar a Justiça mais ágil, ba-
rata e eficiente. Para tanto foi pedido ao Supremo Tribunal Federal um
projeto que, após o trabalho em várias comissões, resultou na emenda
constitucional enviada ao Congresso em novembro de 1976. Apesar de
ser uma prioridade, a documentação a esse respeito é escassa. Apenas
em abril de 1977, quando o governo decretou a reforma por ato de ex-
ceção, é que vamos encontrar no arquivo projetos e substitutivos, bem
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MARIA CELINA D’ARAUJO 37

como as notas de Falcão ao presidente para instruir o discurso que anun-


cia o “pacote de abril”.12

Política externa

No plano externo, o fato mais marcante é a Revolução dos Cra-


vos em Portugal, ocorrida em 25-4-1974, ou seja, pouco mais de um mês
após a posse de Geisel. Os pedidos para que o Brasil receba exilados
desse país começam imediatamente, e o primeiro do arquivo chega pelas
mãos de Roberto Marinho. O jornalista intercede pelo almirante Enrique
dos Santos Tenreiro, pedido inicialmente descartado por Geisel, mas con-
cedido um ano e meio depois. Preocupava ao governo o fato de aquela
revolução estar sendo capitalizada por exilados e cassados brasileiros.
Aqui a ação do ministério é pedir a colaboração da imprensa para que
não dê guarida à opinião desses políticos nem acolhida a políticos e mi-
litares portugueses, depostos ou vencedores. Assim, temos a recusa do
marechal Denys — acatada por Geisel — a permitir uma visita de Mário
Soares ao Brasil. O ministro das Relações Exteriores também entra em
cena para pedir a Armando Falcão que proíba a circulação do Depoimen-
to de Marcelo Caetano, depois que a Editora Record imprimira 50 mil
exemplares. Caetano alega que é imigrante comum, que o livro será ven-
dido apenas em Portugal e protesta dizendo que devolverá todas as me-
dalhas que recebeu do Brasil. A saída seria simples, segundo Falcão:
transformar Marcelo Caetano e Américo Tomás em exilados políticos.
Um personagem português muito presente nos registros do ar-
quivo é o general Antônio Spinola, que visitou o Brasil em 1975, com

12 Em 1-4-1977, através do Ato Complementar nº 102, o governo decretou o recesso do


Congresso Nacional por duas semanas e a reforma do Judiciário (que não recebera apro-
vação do MDB), baixando também uma série de medidas políticas, como a extensão do
mandato presidencial para seis anos, a mudança na composição do Colégio Eleitoral de
forma a garantir maioria para o governo e a eleição indireta de um terço do Senado (o se-
nador “biônico”). Antes de seu anúncio à noite, o “pacote” fora discutido pela manhã em
reunião do Conselho de Segurança Nacional com a presença de todos os ministros, que por
unanimidade aprovaram o uso do AI-5 como saída para o governo impor suas diretrizes e
quebrar a resistência da oposição. O conselho entendia que estava em curso uma contes-
tação revolucionária. A ata da reunião do CSN que tratou do assunto também se encontra
no Arquivo Geisel, no dossiê EG/pr 75.05.02, referente ao Gabinete Militar, e está reprodu-
zida no anexo 6.
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38 DOSSIÊ GEISEL

passaporte brasileiro, e foi recebido por Armando Falcão. Procurava


apoio do Brasil e, em especial, ajuda do SNI, para combater o comu-
nismo em Portugal. Nas várias visitas que fez ao ministro, insistia em seu
plano anticomunista e, diante das negativas do governo brasileiro, dizia
que procuraria outros países. De concreto, o que queria Spinola? Apoio
secreto a seu projeto, apoio que o Brasil estaria dando aos anticomu-
nistas da Argentina (III-23); organizar a colônia portuguesa para resistir
ao novo governo lusitano, a exemplo do que era feito nos Estados Uni-
dos; permissão para abrir uma estação de rádio em Pernambuco, de
onde transmitiria discursos contra-revolucionários para Portugal. Spino-
la dizia contar com o apoio de vários países — Espanha, Alemanha Oci-
dental, França, Estados Unidos e Paraguai. Mas, a inferir pelos despa-
chos, todas as solicitações foram negadas. Não deixa de ser intrigante,
contudo, que várias personalidades da “Revolução” de 1964 tenham
aderido ao Movimento de Apoio aos Imigrantes Portugueses — Maep,
organizado nessa época. Entre elas, Plínio Salgado, Abreu Sodré, Alfre-
do Buzaid e Miguel Reale.
Sobre a Argentina aparecem algumas outras referências que
evidenciam a preocupação do governo brasileiro com o país vizinho. Em
agosto de 1975, a Polícia Federal e o Quartel-General do III Exército, no
Rio Grande do Sul, discutem a posição a ser tomada em relação aos exi-
lados argentinos que procuram o Brasil. Da mesma forma, vê-se que o
ministro Azeredo da Silveira e o embaixador argentino intercedem junto
a Falcão para impedir que a revista Veja publique matéria sobre a vida
pessoal da presidente da República argentina, Isabelita (Maria Estela de
Péron). Mas nada consta do dossiê da Justiça sobre o golpe militar na-
quele país, em 1976.
Tema polêmico da diplomacia brasileira foi o voto sionista do
Brasil na ONU, em novembro de 1975, contrariando a orientação norte-
americana. Assim como a questão da anistia, esse era para o presidente
um assunto igualmente doméstico. Em bilhete a Geisel, Armando Falcão
informa que a TV Globo irá colaborar com o governo não transmitindo
ao vivo a votação. Confirmando o que declarou em suas memórias, pou-
cos dias depois, atendendo a pedido da comunidade judaica, o ministério
manda recolher no Rio de Janeiro e em São Paulo cerca de 2 mil exem-
plares do livro O protocolo dos sábios de Sião (V-17).13

13
O episódio é narrado pelo presidente em D’Araujo & Castro, 1997:342-3.
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MARIA CELINA D’ARAUJO 39

Conclusão
Existem vários aspectos políticos do governo Geisel que em
princípio deveriam ser abordados pela pasta da Justiça, mas cujos regis-
tros não são ali encontrados. Não há, por exemplo, referências aos en-
tendimentos visando ao fim do AI-5, em dezembro de 1978, nem infor-
mações substantivas sobre a Missão Portela nem sobre a sucessão
presidencial. Sabemos que a escolha do sucessor, general João Batista Fi-
gueiredo, foi feita com antecedência de um ano e que suscitou sérias di-
vergências entre os militares.
A historiografia tem registrado o papel das conversações parla-
mentares e a importância que algumas figuras tiveram nesse governo,
como Petrônio Portela, Thales Ramalho e Golbery do Couto e Silva, for-
tes articuladores dos entendimentos para um retorno à “normalidade ins-
titucional”. Os documentos aqui focalizados e nosso conhecimento sobre
o período nos levam a enfatizar algumas mudanças que sinalizam um
novo perfil ou um revigoramento de algumas instituições políticas brasi-
leiras a partir desse momento. A primeira é que o Ministério da Justiça,
cujo desgaste político já vinha se verificando desde o início do regime mi-
litar, deixa de ser definitivamente o espaço das grandes negociações po-
líticas. O processo de abertura, marca maior desse governo, não foi ali
concebido nem articulado. Os ministérios que passam a ganhar notorie-
dade a partir de então são aqueles vinculados à área econômica.
A segunda mudança diz respeito a uma nova valorização do
papel do Congresso. A redemocratização foi amplamente negociada por
lideranças parlamentares em aliança com setores do Executivo, coman-
dados por Golbery. Esse fato reforça a tese defendida pela literatura de
que a ditadura brasileira, ao contrário das demais da América Latina,
sempre procurou ganhar legitimidade através de um Parlamento aberto,
ainda que esse fosse apenas um funcionamento formal. De toda forma, a
abertura que se fez através do Parlamento acabou valorizando certos lí-
deres e dando-lhes legitimidade política. Do Congresso saíram as lideran-
ças que iriam conduzir parte do processo político, quer do ponto de vista
da situação, quer da oposição, como Marco Maciel, José Sarney, Tancre-
do Neves e Ulisses Guimarães.
Finalmente, vale lembrar que a aridez dos temas do arquivo é
às vezes amenizada por situações patéticas à época ou mesmo até hoje.
Vamos relatar dois casos. O primeiro diz respeito a uma coincidência de
datas. No ano de 1975, a data religiosa de celebração do Dia Nacional de
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40 DOSSIÊ GEISEL

Ação de Graças caiu em 27 de novembro, pois desde 1949 essa celebra-


ção acontecia na última quinta-feira do mês de novembro. Esse era o
mesmo dia de comemoração da vitória militar sobre o levante comunista
de 1935, mais conhecido como “intentona”. Isso criou um problema para
os militares, a presidência e o ministério. Geisel escreve à margem do re-
latório que lhe traz o problema: “Parece-me difícil dar ‘Graças’ num dia
em que se recorda a tragédia de 1935.” Mas, como calendários militares
e papais não são passíveis de mudança, as datas se celebraram no mesmo
dia, e o governo se fez representar em ambas. A nota do presidente para
o Dia de Ação de Graças dava graças ao fato de o Brasil não ter sido to-
mado pelo comunismo, e a nota do ministro do Exército, alusiva à inten-
tona, lembrava o quanto o comunismo continuava infiltrado entre nós.
A segunda situação diz respeito a outra armadilha do poder ou,
mais precisamente, ao fato de o governo tornar-se presa da censura que
ele próprio concebeu e arquitetou. A propaganda política sempre fora
controlada de maneira a impedir manifestações que não fossem as dos
partidos tutelados pelo sistema bipartidário, e mesmo estas tinham de ser
previamente analisadas pela censura. Em meados de 1976, perto, portan-
to, das eleições municipais de novembro, o ministro Armando Falcão,
preocupado com os resultados eleitorais, concebe uma campanha de
apoio ao governo e à Arena tendo como mote: “Vote. Vote bem. Há um
Brasil indo para frente.” Como levar ao ar essa campanha? Quem a assi-
naria? O ministro pede o parecer do procurador-geral da República,
Henrique Fonseca de Araújo, que conclui pela impossibilidade legal de o
governo fazer campanha política. Esta, de acordo com a lei, estava res-
trita aos partidos políticos (VI-27).
Claro que em outros momentos essas exigências legais seriam
desconsideradas, como muitas vezes o foram, antes e durante esse gover-
no. Mas aqui se vêem indícios de deterioramento institucional do regime,
do emaranhado de regulamentos que acabavam por inibir a expressão
da sociedade e, por fim, a própria autonomia do governo. Era como se a
ditadura acabasse cortando as pernas com sua própria machadinha. Este
é, em geral, o destino das ditaduras.
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As apreciações do SNI

C e l s o C a s t ro
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42 DO SSIÊ G E ISEL

O DOSSIÊ SOBRE O SNI do Arquivo Geisel (EG/pr 74.03.03) é compos-


to, em sua quase totalidade, de documentos intitulados “Apreciações su-
márias”. Além das “apreciações”, ocasionalmente há algum informe ou
outro tipo de documento isolado. A periodicidade desses documentos foi
semanal durante a maior parte do governo Geisel, embora no início
tenha sido mais espaçada, variando entre 10 e 20 dias. A série está bas-
tante completa, cobrindo praticamente todo o governo Geisel.
As “apreciações” eram preparadas inicialmente pela Agência
Central (Brasília) e, a partir de agosto de 1975, no gabinete do chefe do
SNI, general João Figueiredo. Segundo informação de Heitor de Aquino
Ferreira, o próprio general Figueiredo redigia a maior parte das “aprecia-
ções”. De qualquer forma, ele era sem dúvida o responsável final pela au-
torização para que os documentos, sempre classificados como “confiden-
ciais”, fossem difundidos para as agências do SNI e para a Presidência da
República.
A estrutura das “apreciações” compreende diferentes “campos”
que eram objeto de análise pelo SNI, principalmente no “campo inter-
no”: político, subversão, psicossocial, econômico. Às vezes aparece tam-
bém o “campo externo”. Essa divisão reproduzia a estrutura de análise de
informações do SNI, e é de se supor que sua redação inicial fosse de res-
ponsabilidade dos chefes dessas seções ou subseções, sendo depois revis-
ta e consolidada no Gabinete. As análises estão concentradas na política
e na “subversão”; a economia e as questões internacionais têm destaque
muito menor.
Raramente faz-se menção, nesses documentos, a alguma ação
operacional do órgão. Não há, por exemplo, relatos de escutas telefôni-
cas ou de observação sigilosa de pessoas. Muitas vezes, as “apreciações”
apenas sumariam discursos no Congresso ou aquilo que saiu na impren-
sa, transcrevendo e comentando trechos de matérias, em especial edito-
riais de jornais e opiniões de colunistas — a coluna de Carlos Castello
Branco talvez seja a campeã em citações. Uma frase comum é: “Da aná-
lise do volumoso noticiário produzido...”
O texto também possui, muitas vezes, um tom bajulatório em
relação à figura do presidente, e a “Revolução” aparece sempre como in-
questionavelmente positiva, pairando acima das paixões e divisões políti-
cas. Mesmo assim, há muitas passagens em que são feitas, de fato, “apre-
ciações” sobre assuntos considerados relevantes. Há sugestões mais ou
menos veladas de ações que deveriam ser tomadas pelo governo e ava-
liações sobre personagens que atuam contra ou a favor do regime militar.
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CELSO CASTRO 43

Desse modo, se através dessas apreciações sabemos pouco sobre os mé-


todos de ação do SNI, podemos obter informações relevantes sobre a
visão da política brasileira de pelo menos uma parcela da chamada “co-
munidade de informações”. Como os documentos eram enviados para
todas as agências do SNI, podemos imaginar que serviram para homoge-
neizar a visão dessa parte da “comunidade de informações”.
A seguir, são comentados alguns temas que se destacaram
numa leitura preliminar da documentação.1

A classe política sob suspeita


As “apreciações” sempre procuram assinalar o caráter ainda
“revolucionário” que o país estaria vivendo, mesmo considerando-se o
projeto de “abertura” assumido por Geisel. A partir desse pressuposto é
que são julgadas todas as manifestações consideradas de oposição ao
governo, quer legais, quer “subversivas”. O primeiro documento do
dossiê, de março de 1974 (I-1),2 analisa a repercussão junto à classe po-
lítica, principalmente junto aos líderes do MDB, do pronunciamento
feito por Geisel na primeira reunião ministerial. O analista assinala que
a repercussão foi “marcadamente positiva”, com os políticos destacando
a “abertura política”, embora “abstendo-se de comentar as passagens
alusivas à responsabilidade que toca à classe política no melhor enca-
minhamento do processo político nacional”. O informe critica ainda os
políticos por terem destacado uma frase do discurso de Geisel, “o má-
ximo de desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indis-
pensável”, ignorando o fato de que se tratava de uma expressão de con-
teúdo relativo, e não absoluto, que poderia vir a ser utilizada no futuro
para criticar atos do governo.
Comentando em maio de 1974 o processo de escolha dos
novos governadores, o analista lamenta o fato de que o governo, embora
forte o suficiente para poder escolher livremente, teria escolhido o cami-

1 Será freqüentemente utilizado, no texto a seguir, o termo “analista” para referir-se a um hi-
potético autor das apreciações. Trata-se de recurso utilizado apenas para facilitar a exposi-
ção. Não se deve perder de vista, no entanto, que as apreciações eram de autoria coletiva
(embora a responsabilidade final fosse do chefe do SNI) e que, durante o período, prova-
velmente mudaram os responsáveis pela elaboração desses documentos.
2
Todos os documentos citados neste capítulo estão no dossiê EG/pr 1974.03.03.
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44 DO SSIÊ G E ISEL

nho mais difícil, “atribuindo papel relevante à opinião da classe política”


(I-3). Três fatores principais são apontados como fonte dessas dificulda-
des: a falta de unidade da Arena em alguns estados; o imediatismo do
comportamento de muitos líderes políticos, que não priorizavam o inte-
resse nacional; e a “pouca ou nenhuma aceitação da influência de políticos
na condução de problemas nacionais, por parte de setores revolucioná-
rios, particularmente militares”. O papel decisivo no campo político de-
veria ser exercido pelo presidente da República, bem acima do “papel
importante, porém acessório, desempenhado pelos políticos”.
Essa prevenção contra a classe política, existente desde o início
do governo, referia-se não apenas ao MDB, mas também muitas vezes à
Arena, partido governista considerado muito dividido internamente, fraco
na defesa do governo e do regime e com muitos quadros fisiológicos. De
qualquer forma, a grande superioridade da Arena no Congresso parecia
dar ao analista a tranqüilidade de que, pelo menos pela via institucional, a
“Revolução” não seria derrotada. Em junho de 1974, ao comentar as esco-
lhas da Arena para os governos estaduais, o analista afirma que se a missão
comandada por Petrônio Portela conseguira obter pleno êxito em alguns
estados, em outros estados, porém, os candidatos escolhidos sofreriam res-
trições dentro do próprio partido governista — são citados: PR, ES, PB, RN,
GO e MA (I-6).
Em seguida, o analista comenta que o MDB mantinha-se atento
a toda e qualquer cisão na Arena e que o partido “não tem pretenção a
[sic] vencer as eleições de nov/74”, mas pretende aumentar a represen-
tação nas assembléias legislativas dos estados e principalmente conseguir
1/3 da Câmara Federal.
Mais adiante, já em setembro, logo após o início da campanha
eleitoral, o analista ainda avaliava com segurança que: “Há muitos anos
o Brasil não realiza eleições em ambiente de expectativas políticas tão
favoráveis” (I-12). A “apreciação” seguinte (I-13, de 5-10-1974) afirma
terem-se confirmado as previsões de que o “grupo ideológico” do MDB,
principalmente na Guanabara (o deputado Lysâneas Maciel passa a ser
constantemente criticado nas “apreciações”), iria se aproveitar do horá-
rio de propaganda gratuita eleitoral para contestar o regime, pregando
o fim do AI-5 e da censura. A Arena, em contrapartida, estaria fazendo
uma “tênue defesa” do governo e do regime. No entanto, o otimismo
continuava grande em relação ao resultado das eleições. O analista
apresenta um interessante quadro com as estimativas das eleições para
deputados federais e estaduais nos estados. Uma comparação entre a
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CELSO CASTRO 45

previsão do SNI e o resultado final das eleições sugere quão forte deve
ter sido o susto:

Nº de deputados federais Previsão de resultado Resultado das


antes das eleições feita pelo SNI eleições de 1974

Arena 223 238 a 265 204

MDB 87 99 a 126 160

Fonte: para o resultado das eleições de 1974, Schmitt (2000).

A primeira “apreciação” depois das eleições de 1974 (I-15, de


18-11) não esconde uma profunda insatisfação e expõe a tese de que as
eleições não fortaleceram a democracia, pois o voto não foi “esclareci-
do”, e a campanha pautou-se por interesses pessoais, e não nacionais.
Critica a legislação eleitoral, que teria estimulado “o voto de protesto” e a
vitória da oposição, e conclui com uma nota sombria e ameaçadora:
tudo indicava que o governo poderia “sentir-se futuramente obrigado a
medidas extremas destinadas a garantir a continuidade do processo revo-
lucionário”.
O quadro torna-se ainda mais sombrio num documento avulso
(I-17, de 25-11) em que são aprofundadas as reflexões sobre o impacto
das eleições de 1974, mostrando como elas afetaram os militares, deixan-
do-os em dúvida sobre que atitude tomar, principalmente nos estados
com maioria oposicionista na assembléia estadual (AC, SP, RS e RJ), em
casos de contestação aos princípios da “Revolução”.
O fantasma de uma nova surpresa nas eleições de 1978 ganhou
corpo e perdurou. No final de 1975, o analista escrevia assim sobre a pos-
sibilidade de vitória do MDB nas eleições (II-16, de 17-11):

“Ninguém ignora no país (...) a possibilidade de um 'impasse institucio-


nal' (esta é a expressão mais normalmente empregada) ante uma vitó-
ria oposicionista, em 1978, que torne praticamente impossível o exer-
cício de um governo revolucionário, assim entendido o governo que se
proponha dar continuidade ao processo iniciado em 1964 e que não se
extinguiu em seus propósitos e conseqüências.”
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46 DO SSIÊ G E ISEL

Antes, porém, seriam realizadas as eleições municipais de 1976.


Contra o pano de fundo da surpresa de 1974, os anos de 1975 e 1976
foram marcados pela preocupação com uma possível nova vitória eleito-
ral do MDB. O partido oposicionista estaria, segundo as “apreciações”, rea-
lizando uma propaganda eficaz, especialmente junto a estudantes, mulhe-
res e meios sindicais, contando com o apoio decisivo de militantes das
esquerdas. A capacidade de recuperação eleitoral da Arena é seguida-
mente posta em dúvida. A avaliação é que o partido revelava “uma ati-
tude de surpresa e apatia” após as eleições de 1974 (II-2, de 12-6-1975).
Afirma-se claramente que a Arena falhara no papel “que sempre lhe foi
atribuído e que nunca exerceu satisfatoriamente, de fazer-se o sustentá-
culo político da Revolução de 31 de março de 1964” (II-9, de 29-9-1975).
Uma apreciação de 25-8-1975 (II-4) refere-se à escolha do pre-
sidente do Diretório Nacional da Arena, Francelino Pereira, recém-feita
por Geisel, afirmando tratar-se de político “praticamente desconhecido
em todo o país”, “um nome que, por si só, não confere maior destaque
ao Partido e no qual ainda não se identificaram características de uma li-
derança autônoma, embora se lhe reconheçam atributos políticos para
vir a exercê-la em futuro próximo”. Com isso, o analista reconhece (e la-
menta) que a força da Arena dependa exclusivamente da atuação direta
do presidente da República: “Não fosse a presença aglutinadora da Pre-
sidência da República — já referida anteriormente e indispensável na
conjuntura revolucionária que ainda vivemos —, e a Arena, muito pro-
vavelmente, já se teria esvaído nos choques entre os interesses de gru-
pos”.3 A conclusão é que, nessa conjuntura, “pouca esperança existe de
que a Arena possa vir a transformar-se num partido realmente capaz de
ganhar a confiança popular e de atrair a juventude aos seus quadros”. Ao
final de 1975, persiste essa avaliação: “Pouca confiança se deposita numa
possível recuperação eleitoral da Arena; o tempo disponível parece curto
e a disposição de ânimo dos arenistas, de um modo geral, não se apre-
senta promissora” (II-21, de 22-12).
O MDB passa a ser cada vez mais acusado de não limitar-se a
ser oposição, assumindo uma postura “anti-revolucionária”, de contesta-
ção ao regime. Por exemplo, numa apreciação de 12-4-1976, o analista se
remete a uma nota do Diretório Nacional do partido protestando contra
as recentes cassações de parlamentares, entre eles Lysâneas Maciel: “Não

3
No documento II-9, de 29-9-1975, há um interessante quadro das facções da Arena em
cada estado.
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CELSO CASTRO 47

importa que mais numerosa seja a tendência moderada no âmbito do


MDB; em todas as ocasiões mais sérias (...) o Partido tem falado pela voz
dos seus radicais”. A avaliação (advertência?) em relação às eleições que
se aproximavam é clara: “Existem acentuadas dúvidas — a partir da con-
figuração do quadro político atual — sobre a possibilidade de que as elei-
ções municipais de novembro deste ano se realizem com o mínimo de
tranqüilidade indispensável ao exercício consciente do voto e à concreti-
zação de resultados que preservem a Revolução de 1964”.
É evidente, em várias “apreciações”, o incômodo que causa no
analista a expressão “estado de direito”, defendida pela oposição e mesmo
por alguns arenistas. O reduzidíssimo espaço concedido ao exercício de
qualquer tipo de oposição ao regime militar fica claro no seguinte trecho
do mesmo documento — uma pérola do pensamento autoritário:

“Preconizar a revogação do AI-5, por exemplo, não chega a ser con-


testação. Mas lutar sistematicamente por essa revogação porque o Ato
seria um instrumento de arbítrio apenas aplicado para a manutenção
de privilégios, já é uma atitude contestatória. Desejar a anistia não é
contestação; desejá-la, porém, como forma de corrigir as injustiças co-
metidas pela revolução, já é outra coisa. Assim, se os propósitos enun-
ciados pelo MDB, somente eles, podem ser considerados — com boa
vontade — expressivos da oposição que lhe cumpre realizar, as ações
partidárias têm ido mais além, na prática seguida de contestação. Ad-
mite-se difícil, talvez impossível, a convivência harmônica do MDB
com os termos e as regras revolucionárias.”

Essa distinção entre oposição e contestação ganha em clareza e


substância em outra apreciação (V-17, de 11-5-1977):

“Verifica-se, assim, que alguns líderes emedebistas prosseguem na es-


calada da radicalização, sempre a esgrimir as palavras como se entre
oposição e contestação apenas houvesse um problema de semântica e
não uma revolução com força ainda atuante, capaz de disciplinar-se e
de disciplinar consoante os interesses do país, ampliando ou restringin-
do as limitações existentes, consideradas necessárias ao nosso atual es-
tágio de desenvolvimento.”

Diante dessas perspectivas sombrias, é de se imaginar o alívio


do analista com o resultado razoável, do ponto de vista do governo, das
eleições de 1976. O MDB obteve vitórias em importantes centros urba-
nos, mas não alcançou o sucesso esperado em estados importantes. Às
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vésperas das eleições, já havia indícios de que isso poderia ocorrer. Se-
gundo a apreciação de 8-11-1976 (IV-19), os levantamentos realizados
mês a mês pelas agências regionais do SNI indicavam que a situação da
Arena, em termos eleitorais, melhorava em todo o país. Conhecidos os
resultados, a maioria obtida pela Arena em número de prefeituras e ve-
readores era atribuída “à firmeza, determinação e empenho pessoal do
presidente Geisel”, que se envolvera pessoalmente na campanha.
Embora em tom bem mais aliviado, as análises seguintes discor-
rem longamente sobre os debates referentes a reformas políticas. O ana-
lista considera “difícil — talvez até impossível” o aperfeiçoamento político
a partir da sobrevivência dos dois partidos políticos legalmente existentes,
vistos como inautênticos e sem perspectivas de virem a ser autênticos:
“Os dois partidos já configuram uma experiência que parece esgotada na
dissonância com o processo revolucionário” (III-14).
Os esforços da direção da Arena para fazê-la porta-voz e instru-
mento da “Revolução” não são considerados efetivos a ponto de consegui-
rem “dominar ou relegar a segundo plano as contradições internas, provo-
cadas por forte tendência partidária de caráter liberalizante, ultrapassada e
desajustada dos rumos políticos que a Revolução já definiu como irrever-
síveis”. O MDB, por outro lado, “tanto já contemporizou com seus radicais
que dificilmente encontrará meios de compatibilizar-se com o processo re-
volucionário”. Com isso, cada vez mais seria generalizada a convicção da
necessidade de uma reforma partidária que extinguisse as atuais legendas.
O diagnóstico de que o bipartidarismo estava esgotado não se
modifica com os resultados das eleições de novembro de 1978, conside-
rados pelo analista “totalmente satisfatórios” (VIII-24).

As muitas faces da subversão


Além das preocupações com a oposição política legalmente con-
sentida, as “apreciações” acompanham de perto qualquer manifestação
considerada “subversiva”. Os documentos, no entanto, trazem pouquíssi-
mas informações factuais sobre ações do governo no combate às “ativida-
des subversivas”. O interessante é perceber como o perigo, aos olhos do
analista, podia assumir as mais diferentes formas.
A luta armada contra o regime militar já havia sido quase total-
mente derrotada ao iniciar-se o governo Geisel. Restava apenas a guerri-
lha na região do Araguaia, em fase final de destruição. No primeiro do-
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cumento do dossiê, de março de 1974 (I-1), há alguns dados sobre a


Operação Marajoara. O documento informa que, dos 90 terroristas inici-
almente levantados, restariam na área apenas cerca de 20, “tendo sido
destruídos 54 depósitos de suprimentos de vários tipos e neutralizada ou
destruída a rede de apoio que utilizavam”. Por causa disso, continua o
documento, “a moral [dos guerrilheiros] é baixa”, e os militares estariam
apenas esperando a melhoria das condições meteorológicas na área para
“reinício das operações visando à destruição dos elementos que ainda se
encontram na região”. Em maio, outro documento (I-3) informa que con-
tinuam as buscas “visando à captura e destruição dos terroristas remanes-
centes e que ainda se encontram dispersos em toda a área”.
A partir desse ponto, notícias sobre a possibilidade de novas
ações de guerrilha escasseiam, embora a preocupação continuasse laten-
te por algum tempo. Numa reunião sobre segurança interna da “comu-
nidade de informações”, ocorrida em 3-9-1974 (I-11), foi relatado o rece-
bimento de uma denúncia, por parte do Ciak (serviço de informações da
Coréia do Sul), sobre a existência de um núcleo de guerrilha no Sul do
Brasil que estaria mantendo contatos com guerrilheiros argentinos e uru-
guaios. Os participantes da reunião não deram muita credibilidade ao as-
sunto. (Mas é interessante ver que a “comunidade” podia receber infor-
mações até da Coréia do Sul.)
Até o final do primeiro semestre de 1975 ainda há referências
esparsas a rumores de possíveis tentativas de se reativar grupos guerri-
lheiros sob o comando do PCdoB, mas que acabam não tendo continui-
dade (I-8 e II-2). A ênfase das organizações da esquerda “subversiva” pas-
sara a ser outra: “o trabalho preparatório de massa”, de caráter “psicológico”
e desenvolvido principalmente através de panfletagem. A mudança de
orientação e de tática, da guerrilha para um “‘trabalho de massa’ difuso,
sub-reptício, junto ao meio estudantil e operário”, teria dado a falsa im-
pressão, para muitos brasileiros, de que “o problema ‘subversão’ já se en-
contra ultrapassado” (I-10, de 15-8-74).
Entre os grupos sociais presentes nas apreciações, o movimento
estudantil, mesmo severamente atingido nos anos que se seguiram ao AI-5,
é dos mais assíduos. O tom geral é que mesmo os diretórios legalmente
constituídos estariam “distorcendo” e “desvirtuando” suas finalidades, prin-
cipalmente (mas não exclusivamente) através de manifestações contra a
política educacional do governo. O movimento estudantil era considerado
um dos pontos mais vulneráveis à “infiltração esquerdista”, que os utilizaria
como instrumento do “Movimento Comunista Internacional”. Este buscaria
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“doutrinar”, “arregimentar” os estudantes, incitando também, quando fosse


considerado conveniente, a realização de atos como paralisação de aulas,
concentrações, redação de manifestos e pichações. Seguindo as “aprecia-
ções”, vemos que em 1977 o crescimento do movimento estudantil teria
atingido “níveis não alcançados desde 1968”, com a sofisticação das técni-
cas de mobilização e uma aproximação mais estreita com o operariado
(VII-8, provavelmente de janeiro de 1978).
Outra presença constante nas “apreciações” é o “clero progres-
sista” da Igreja Católica. Paulo Evaristo Arns, Hélder Câmara, Aloísio Lors-
cheider, Tomás Balduíno e Pedro Casaldáliga são muitas vezes citados. A
CNBB e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) são as instituições mais
criticadas. Toda a cúpula da CNBB atuaria “de acordo com os princípios
defendidos pela esquerda clerical” (II-6), e o Cimi teria “uma ousada e ne-
fasta atuação” (VII-22). O cardeal Arns é o alvo mais constante, por sua luta
em favor dos direitos humanos. Escrevendo pouco tempo depois da morte
de Wladimir Herzog, o analista afirma: “Ultimamente, o comportamento
do cardeal arcebispo de São Paulo (SP) vem revelando, além da perda de
compostura eclesiástica, um apoio aberto à atuação de subversivos e uma
ininterrupta pregação revanchista” (II-22, de 29-12-1975).
As apreciações afirmam desde o início do governo que a “infil-
tração” comunista na mídia em geral e na imprensa em particular era “um
fato inconteste e inquietador”. Tratar-se-ia de infiltração “inteligente”, a fim
de “influir na opinião pública, ora de forma direta, ora de forma subliminar
através de uma técnica aprimorada, visando a orientá-la de acordo com as
diretrizes traçadas pelo MCI”. A “máquina esquerdista” estaria presente em
todos os jornais do país, especialmente os do Rio e de São Paulo, bem
como na Associação Brasileira de Imprensa (I-13, de 5-10-1974).
A difusão pela mídia de assuntos sexuais, eróticos e pornográfi-
cos também era atribuída a “profissionais esquerdistas infiltrados nos di-
ferentes meios de comunicação”, e o resultado poderia ser terrível: “Den-
tro da estratégia psicossocial é de se prever a progressiva capitulação do
público-alvo (a juventude brasileira como um todo e a família de modo
particular) em face da agressão sistematizada e global empregada” (I-7,
de 15-6-1974). O analista também demonstra preocupação com a “onda
de ‘pornochanchadas’ e erotismo que, há muito tempo, tomou conta do
cinema nacional” (III-10, de 15-3-1976). Até mesmo o modo do apresen-
tador do Jornal Nacional da TV Globo, Cid Moreira, podia ser conside-
rado suspeito. O analista critica aquilo que percebe como deliberada
“formalidade”, “falta de expressão” e de ênfase do apresentador na leitu-
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CELSO CASTRO 51

ra das notas oficiais do governo dando explicações sobre a censura à no-


vela Roque Santeiro e sobre a morte de Herzog. O objetivo seria “esva-
ziar” os pronunciamentos oficiais (II-15, de 10-11-1975).
Tóxicos e “subversão” também aparecem relacionados nas “apre-
ciações”. Um relatório afirma que esse setor é coordenado “por um movi-
mento mundial, verdadeira Máfia, que visa, além de lucros vultosos, a cor-
romper a juventude no afã de arrefecer o moral nacional, segundo os
ditames da guerra revolucionária” (I-8, de 15-6-1974). A queda do preço
da cocaína, que teria resultado em aumento do consumo, pode ser inter-
pretada também, “do ponto de vista da subversão, como subvenção que
estaria sendo concedida aos produtos, para estimular a sua disseminação e
forçar maior degradação na juventude” (I-9, de 25-6-1974).
Fica evidente, pelos exemplos citados, que o olhar da repressão
está voltado não apenas para a oposição estritamente política, mas para
qualquer manifestação cultural considerada desviante. Na visão do ana-
lista, a categoria “subversão” era ampla, assumindo as mais diferentes for-
mas, embora pudesse sempre ser reduzida, no fundo, a uma estratégia
comunista. O anexo 8 reproduz, como exemplo, uma apreciação especial
de 2-1-1978, apresentando um retrospecto da opinião pública em 1977 e
as perspectivas para 1978 (VII-1).

Problemas na área militar


As preocupações do SNI não se limitavam aos civis. Embora
não sejam freqüentes nas “apreciações”, há várias menções a problemas
reais ou potenciais no “campo militar”. Num regime autoritário coman-
dado por militares, qualquer ameaça de quebra de autoridade no interior
da própria instituição militar era um fato grave, e as “apreciações” refle-
tem bem a intensidade dessas preocupações.
Logo após o resultado das eleições de 1974, um documento
(I-17, de 25-11) ressalta a preocupação com a “desuniformidade de pen-
samento” militar, “existindo desde os elementos exaltados até os que jul-
gam que não há clima para manter a luta contra a atividade comunista”.
Muitos militares argumentavam que a política externa adotada e a falta
de “apoio superior” (isto é, de Geisel) estariam “comprometendo a luta
anticomunista”.
Essa passagem já seria suficiente para caracterizar a falta de
apoio de parte significativa dos militares ao processo de abertura política
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de Geisel. Mas um trecho posterior do mesmo documento aponta uma


conseqüência “prática” dessa situação que ganha relevo quando pensa-
mos naquilo que ainda iria ocorrer nos anos seguintes:

“A bem da verdade é necessário que se afirme ter sido observada uma


falta de coordenação entre os Centros de Informações Militares ou até
mesmo entre o CIE e os DOI/Ex ou, o que será mais nocivo, uma falta
de confiança em informar aos escalões superiores a verdade quando
um elemento é preso para averiguações.”

O documento termina enfatizando a necessidade de uma dire-


triz clara do governo para assegurar uniformidade de atuação por parte
dos comandos militares de área e de guarnição.
Outro documento (II-9, de 29-9-1975), de que consta o item “Ati-
vidades contra a subversão. Histórico. Práticas antigas e atuais”, torna-se
ainda mais interessante pelo fato de ter sido produzido menos de um mês
antes do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, durante torturas, no
DOI-Codi de São Paulo. Vejamos seus principais pontos.
O analista faz um histórico da luta contra a subversão no Brasil
desde antes de 1964. Após essa data, as Forças Armadas, “embora muitas
vezes ao arrepio da lei, não tiveram outra alternativa senão a de chamar
a si o combate, rápido e enérgico, aos diferentes agrupamentos anti-re-
volucionários”. No entanto, o material em que os IPMs e a Comissão
Geral de Inquéritos tiveram de se basear — os fichários dos Deops esta-
duais e do Dops federal — possuíam “registros imprecisos e por vezes
tendenciosos”. Somado à falta de tempo e de experiência, isso explicaria
a ocorrência de “muitas falhas”, “algumas injustiças” e “inúmeros erros”
que foram apontados pela Justiça Militar. Se essa experiência proporcio-
nou a muitos oficiais das Forças Armadas, especialmente do Exército,
aprendizado nessas atividades, por outro lado criou “um entusiasmo que
os levou a buscarem permanecer na área específica da luta contra a sub-
versão, na qual, por razões conjunturais, foram conduzidas muitas ações
fora dos trâmites normais da Justiça Militar, no âmbito da tropa e de QG
de alguns Grandes Comandos”.
Desativada a Comissão Geral de Inquéritos, as Forças Armadas
teriam continuado envolvidas no combate à subversão, mas sem que fos-
sem estabelecidas diretrizes claras para conduzi-lo. Com isso, acentua-
ram-se “a descoordenação entre os diferentes órgãos e corpos de tropa e,
em particular, as diferenças quanto à intensidade da atuação e do grau
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CELSO CASTRO 53

de respeito à legislação vigente”. A polícia acabou afastada do combate à


subversão, que permaneceu, na maioria dos casos, em mãos militares.
Com o recrudescimento do movimento estudantil e o início do
“terrorismo” em 1968/69, foram criados os Codis, com o objetivo de “coor-
denar, uniformizar e controlar as ações dos diferentes setores envolvidos,
sob a supervisão e a responsabilidade dos Comandos Militares de Área”.
Pouco depois, foram criados os DOIs, em bases semelhantes à da Opera-
ção Bandeirante surgida em São Paulo. Esta teve um grau de independên-
cia muito elevado que, somado à conjuntura da época, resultou em “certa
gradual deformação no enfoque dado ao trato com os prisioneiros, tenden-
te a nivelar todos com os terroristas mais perigosos e duros”. Essas carac-
terísticas teriam terminado por se transferir, em maior ou menor grau, aos
DOIs. Os DOIs logo passaram a ter efetivos próprios, desvinculando-se das
segundas seções dos comandos de área. Segundo o analista, à época ha-
via, só no Exército, 708 pessoas (entre as quais 12 tenentes-coronéis, 24
majores e 47 capitães) previstas para lotarem os 12 DOIs constituídos, con-
tando com verbas próprias e instalações separadas das organizações mili-
tares locais. No entanto,

“Apesar deste avanço na técnica do combate à subversão, tem-se ve-


rificado ainda alguma descoordenação e falta de oportuno e seguro
controle da atividade por parte dos comandos responsáveis. As princi-
pais causas desses fatos parecem residir na já apontada deformação no
trato com os prisioneiros por parte de elementos antigos na atividade
e, portanto, calejados na oposição aos ardis adotados pelos subversivos
e terroristas, e na excessiva preocupação com a ‘compartimentação’,
que conduz cada órgão a julgar-se dono do assunto que lhe chega ao
conhecimento. Este último fator pode ser bem retratado pelo fato de
que até simples equipes de interrogatório têm utilizado ameaças a pre-
sos para que não falem nada quando interrogados, em função do na-
tural rodízio estabelecido pelas escalas de serviço, por outra equipe.”

Desse modo, continua o texto, os “escalões executantes” agi-


riam de maneira muitas vezes “deformada”, não percebendo que a opi-
nião pública não mais aceitava métodos que em outras conjunturas mar-
cadas por grandes agitações e “atos terroristas” teriam sido recebidos
“com certa naturalidade”. Hoje, ao contrário, esses atos seriam contra-
producentes e ajudariam a radicalizar e aumentar a oposição. Isso tam-
bém dificultaria remeter novamente o problema da subversão à área do
Ministério da Justiça. Pior ainda, esses escalões saberiam também “livrar-
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54 DO SSIÊ G E ISEL

se do eficiente controle dos escalões superiores, o que, nos últimos dois


anos, tem conduzido a situações delicadas até o nível presidencial”.
O documento foi citado extensamente porque resume algumas
das principais características da situação dos órgãos de informações e re-
pressão no período, em grande parte contrários à distensão política. Nele
estão claramente assinalados: a existência de parcela significativa de ofi-
ciais, especialmente do Exército, que se especializaram na luta contra a
“subversão” e nela quiseram permanecer; a rotina de ações “ao arrepio
da lei” e de “deformações no trato com os prisioneiros” (entre outros eu-
femismos para a tortura); o elevado grau de independência, comparti-
mentação, descoordenação e até mesmo competição entre os diferentes
órgãos de informação e repressão, e a dificuldade em mantê-los sob con-
trole pelos comandos militares de área — ou seja, a tradicional cadeia mi-
litar de comando.
Esse histórico da luta contra a “subversão” termina mencionando
a ocorrência, no passado, de “situações delicadas até o nível presidencial”,
que, no entanto, não são reveladas. Mas logo viria uma situação certamen-
te das mais “delicadas”. A apreciação de 3-11-1975 (II-14), que cobre a se-
mana da morte de Herzog, afirma que esta havia sido “uma das mais car-
regadas de tensão, dentre todas as que já passou o atual governo”. Afirma
que a maioria dos militares era favorável a uma “escalada da repressão”
como resposta a uma suposta “escalada da subversão”, mas reconhece que
“a maioria do povo” não apoiava essa postura por não reconhecer como
real uma escalada subversiva. O autor do texto não põe em questão, em
momento algum, que o assassinato de Herzog teria sido suicídio: “Um jor-
nalista, comunista confesso, suicidou-se em dependência militar. O Coman-
do Militar responsável dá a versão rigorosamente exata do episódio”. Vem,
então, a triste conclusão, que o analista aponta a contragosto: a opinião pú-
blica, na sua maioria, não acreditou na palavra oficial.
O analista lamenta o descrédito da palavra oficial, no caso a do
Exército. O texto assinala ainda que o culto ecumênico em intenção de
Herzog transcorreu em calma no que se refere à manutenção da ordem
pública, mas que causava apreensão como movimento contestatório. O
cardeal arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, aparece como al-
guém “definitivamente comprometido com a subversão”.
O analista reconhece, novamente através de eufemismos, a rea-
lidade da tortura: “Não há como deixar de reconhecer os excessos, inú-
teis e contraproducentes em sua maioria, que muitas vezes têm sido pra-
ticados pelos órgãos de segurança”. E mais: “Seria faltar à verdade deixar
Celso Castro.fm Page 55 Tuesday, October 28, 2008 2:25 PM

CELSO CASTRO 55

de reconhecer que prisões têm sido feitas sob a forma aparente de se-
qüestros, maus-tratos têm sido aplicados aos prisioneiros, prazos legais
não têm sido obedecidos, comunicações sobre as prisões não têm sido
feitas como recomenda a lei”.
Segundo o analista, era imperativo submeter o combate à sub-
versão “à estrita observância dos dispositivos legais”. Há também o claro
reconhecimento de que os Codis estavam falhando em sua missão de co-
ordenação, o que resultava em “distorções nas atividades dos DOI”.
Dessa forma, esses órgãos estariam vivendo uma “autonomia demasia-
da”, na qual “poderão, talvez, ser encontradas as razões de muitos exces-
sos cometidos”.
Documentos posteriores mostram alívio com o fato de que, após
ter atingido seu ápice no ato ecumênico liderado por d. Paulo Evaristo Arns,
a “crise Herzog”, como é chamado o episódio, arrefeceu. No entanto, o ce-
nário nacional aparece repleto de elementos negativos, entre eles uma afir-
mação lacônica que recebeu um sinal de interrogação de Geisel, à mar-
gem do documento: “Existem indícios de diluição do princípio de auto-
ridade” (II-21, de 22-12-1975).
O “enquadramento” dos órgãos de informação e repressão era,
sem dúvida, uma das maiores preocupações de Geisel à época. Há no
dossiê um documento de 1975, sem data precisa, intitulado “Estudo
sobre o problema da subversão no Brasil”, que foi preparado, a pedido
de Geisel, pela Agência Central do SNI. O documento também traz pro-
postas para a “Consolidação das medidas de segurança interna em tem-
pos de paz” (II-23). O documento reconhece explicitamente a ilegalidade
de ações dos órgãos de informações das Forças Armadas, que

“nem sempre têm seguido, à risca, o que determina a legislação em vi-


gor, particularmente em relação ao Capítulo III do Decreto-lei nº 898,
de 29-9-1969 (LSN — Do processo e julgamento). Tal fato — segundo
se alega — ocorre por força do tipo de operações específicas de infor-
mações, que requerem sigilo, rapidez e devem ajustar-se também à tá-
tica da atuação subversiva. As prisões e detenções, nesses tipos de ope-
rações, comumente não têm conduzido à abertura de inquéritos. Estes,
quando abertos, o têm sido a partir de informes e informações colhidas
naquelas operações.”

Em relação à proposição de novas diretrizes para o combate à


subversão, o documento afirma que as então vigentes, de 17-3-1970, per-
maneciam válidas; o que faltava era uma “melhor definição da estrutura
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56 DO SSIÊ G E ISEL

de segurança interna em tempo de paz e um plano objetivo capaz de acio-


ná-la”. Eram propostos, entre outros pontos, o reforço de medidas pre-
ventivas no combate à repressão; a coordenação, no nível nacional, das
medidas de segurança interna; melhor definição das responsabilidades
em relação ao planejamento e execução das medidas de segurança in-
terna; e melhor compatibilização dos textos legais com as ações desen-
volvidas nesse campo.
Do ponto de vista do governo, um dado complicador era o re-
conhecimento da existência de uma maioria militar contrária à abertura
política. A “apreciação” de 2-1-1976 (III-1) afirma que os militares “em
sua maioria” eram favoráveis “ao endurecimento do regime, sob pretexto
de que o governo não tem aplicado, com o necessário vigor, os instru-
mentos de defesa, punitivos, postos à sua disposição”. O analista informa
serem favoráveis a esta última tendência alguns políticos, parte minoritá-
ria da opinião pública e “os militares, em sua maioria”. Geisel sublinhou e
escreveu à margem: “Será mesmo?”
Em meio a esse clima, ocorre outra morte no DOI-Codi de São
Paulo, agora do operário Manoel Fiel Filho, assassinado no dia 19-1-1976
sob tortura em circunstâncias semelhantes às de Herzog. Na longa entre-
vista concedida por Geisel ao Cpdoc, ele conta que recebeu a notícia da
seguinte forma:

“Eu estava no Riacho Fundo. Era um domingo, nove, 10 horas da noi-


te, eu estava me preparando para dormir, quando tocou o telefone.
Era o Paulo Egídio, governador de São Paulo. Ele me contou que tinha
havido um segundo enforcamento. Passei uma noite de cão. Não dor-
mi, irritado, pensando em como iria agir. Não falei com ninguém. Fi-
quei deitado, me virando na cama e matutando no que iria fazer. E vi
que a solução era tirar o Ednardo do comando do II Exército. De
manhã cedo mandei um recado para o Frota, o Hugo Abreu e o Fi-
gueiredo irem ao palácio da Alvorada, porque eu queria falar com
eles. Cheguei ao palácio, contei ao Frota o que tinha havido e deter-
minei que preparasse o decreto exonerando o Ednardo do comando
de São Paulo.”4

A primeira “apreciação” após o episódio (III-4, de 23-1-1976)


fala da substituição do comandante do II Exército como “provavelmente
a mais penosa medida de todas quantas até hoje [o presidente] tenha

4
D’Araujo & Castro, 1997:374-5.
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CELSO CASTRO 57

sido compelido a adotar”. E mais adiante: “Por mais grave e difícil, cabe
reconhecer que inexistia outra medida capaz de ser adotada em nível
presidencial e que a intervenção, nesse nível, se impunha em face das
condições criadas”. No entanto, o analista levanta dúvidas sobre a opor-
tunidade (mas não o conteúdo) das declarações do novo comandante do
II Exército, general Dilermando, ao valorizar a dignidade da pessoa hu-
mana e o tratamento que todos merecem, amparados pelos dispositivos
legais. Essas declarações estariam sendo facilmente “exploradas” pela
oposição. O analista termina com uma avaliação (advertência?) do espí-
rito da “comunidade” de informações após o ato de Geisel:

“Como conseqüência das mudanças no Comando do II Exército e das


explorações que se seguiram, cabe assinalar a inquietação que, de
uma forma mais ou menos generalizada, se apossou dos integrantes
dos órgãos de segurança, os quais parecem temer a falta de apoio às
ações repressivas que lhes estão afetas, admitindo muitos a própria
extinção dos órgãos a que pertencem. Esse estado de espírito apre-
senta-se, sem dúvida, totalmente desfavorável à preservação da Re-
volução, pois prejudica a atuação dos principais órgãos responsáveis
pelas ações de segurança interna, que se impõe, como sempre, enér-
gica, oportuna e isenta.”

A apreciação seguinte (III-4, de 2-2-1976) ainda trata do assunto:

“Divulgado o ato de exoneração do Comandante do II Exército, a rea-


ção dos militares em geral foi de estupefação. Na raiz desse estado de
espírito — de assombro — sempre esteve a falta de compreensão ini-
cial relativamente à medida adotada, nunca, porém, tendo ocorrido, à
maioria dos militares, encontrar-se diante de sua recusa ou aceitação.”

O documento também assinala

“a presença, entre os militares, de um pequeno grupo, apenas identifi-


cado por seus objetivos e métodos de ação, que pretendeu, sem êxito,
explorar a substituição do Comandante do II Exército como nela se hou-
vessem consumado uma condenação às Forças Armadas e um sinal de
contemporização com os anti-revolucionários. Este pequeno grupo —
que se pode incluir entre os componentes da direita radical — de longa
data vem se caracterizando por sua participação na panfletagem anôni-
ma em que se veiculam infâmias contra autoridades governamentais e,
ultimamente, contra o governo e o presidente da República. O método
de ação, na presente oportunidade, continuou sendo o dos panfletos
anônimos.”
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58 DO SSIÊ G E ISEL

É possível que esses panfletos sejam os mencionados na “apre-


ciação” de 8-3-1976 (III-9). Num deles o governo é acusado de tendên-
cias socialistas; outro panfleto convida para o “enterro” do ministro do
Exército, em referência à substituição do Comando do II Exército e ao
fato de que Geisel foi quem exonerou diretamente o comandante do
II Exército, não o fazendo por intermédio do ministro do Exército, Sílvio
Frota.
No decorrer de 1976, surgem referências irritadas a declarações
do general Rodrigo Otávio, ministro do Superior Tribunal Militar, em apoio
à liberalização do regime. Na “apreciação” de 23-2-1976 (III-8), por exem-
plo, o analista diz que essas idéias, “talvez úteis, tornam-se prejudiciais por
sua divulgação inoportuna. Não se sabe se é ausência de ‘desconfiômetro’
ou ‘vedetismo’; provavelmente as duas coisas”. Assinala ainda a “falta de
representatividade do orador, em termos de opinião militar”. Em dezem-
bro, Rodrigo Otávio é novamente criticado por seu discurso na posse do
general Reynaldo Mello de Almeida como ministro do STM, em que des-
tacou as imperfeições da Lei de Segurança Nacional e sugeriu a elabora-
ção de uma nova Constituição.
Se o analista sentia-se incomodado com declarações exaltada-
mente favoráveis à “abertura”, certamente eram mais preocupantes as
opiniões contrárias à atuação de Geisel, cada vez mais volumosas, que
partiam da assim chamada “linha dura” militar. É interessante contrastar
a intensidade dessa preocupação, demonstrada por Geisel em sua en-
trevista, com a ausência de qualquer menção, nas “apreciações”, ao
fato de que o ministro do Exército, Sílvio Frota, estava cada vez mais
entrando em rota de colisão com Geisel, ao assumir papel de catalisa-
dor da “linha dura”.
Significativamente, uma lacuna importante no dossiê é a da
“apreciação” imediatamente posterior à demissão de Frota, em 12-10-
1977. Na apreciação de 26-10-1977, referente à semana posterior ao epi-
sódio (VI-24), o analista revela que a exoneração de Frota, embora en-
tendida como “crise político-militar” pela área política, “mostrou, em
pouco mais de uma semana, que produziu, em realidade, efeitos tranqüi-
lizadores na vida nacional”, principalmente com a “afirmação da autori-
dade inconteste” de Geisel. Na seção “Campo Militar”, o ambiente militar
é descrito como “relativamente tranqüilo”, já “refeito da comoção provo-
cada pela exoneração do ministro do Exército”. Assinala, no entanto, que
“grupos de posições mais radicais” ainda faziam panfletagem em unida-
des e estabelecimentos de ensino militar.
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CELSO CASTRO 59

A demissão de Frota parece ter representado um ponto de in-


flexão na atuação da repressão. A “apreciação” de 1-12-1977 (VI-30) traz
uma passagem interessante a esse respeito:

“As acusações cada vez mais candentes de torturas e violências prati-


cadas nas dependências dos DOI levaram Comandos Militares a sus-
pender operações repressivas projetadas. Essa atitude, se por um lado
concorre para maior liberdade de ação das organizações subversivas,
por outro estimula o reinício da atuação de grupos clandestinos radi-
cais de direita, de difícil identificação, cujos primeiros indícios são as
ameaças telefônicas.”

No entanto, por essa época, a preocupação maior do analista


passa a ser com a sucessão presidencial. As candidaturas de Magalhães Pin-
to, disposto a disputar a indicação pela Arena, e do general da reserva
Euler Bentes Monteiro, lançada pelo MDB, são acompanhadas de perto
nas “apreciações”. No entanto, à medida que o ano de 1978 transcorre, a
candidatura do general João Figueiredo, candidato de Geisel, vai se forta-
lecendo, as outras vão se esvaziando, e as “apreciações” tornam-se mais e
mais otimistas.

Lula e o movimento operário

O governo Geisel vai se encaminhando para seu final, e um


fator de perturbação novo é o ressurgimento do movimento operário. A
primeira menção à reivindicação salarial dos metalúrgicos paulistas é de
8-9-1977 (VI-14). Os dirigentes de sindicatos metalúrgicos paulistas es-
tariam realizando reuniões, algumas sigilosas, para unificar a forma de
reivindicar a reposição das perdas salariais referentes a 1973. O analista
diz que os metalúrgicos poderiam tentar um movimento em favor da
implantação de convenções coletivas de trabalho: “Trata-se, não há a
negar, de assunto delicado e que merece acompanhamento cerrado,
porque capaz de estimular postulação idêntica de outras categorias de
operários e ensejar explorações políticas”. Isso, aos olhos do analista,
aconteceria em breve, pois na “apreciação” de 14-9-1977 (VI-16) ele
notava “os primeiros sinais de desvio da movimentação reivindicatória,
para revesti-la de temática política passível de fértil exploração pela
oposição e tornando-a vulnerável à infiltração comunista”.
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60 DO SSIÊ G E ISEL

Pouco depois aparece a informação de que a posição dos me-


talúrgicos de São Paulo sobre reposição salarial ainda não se havia irra-
diado, de forma consistente, a outros centros industriais. Não obstante, o
analista temia novas adesões e, principalmente, “a inoculação do germe
político nas reivindicações operárias, objetivo permanentemente perse-
guido pelos ativistas de esquerda” (VI-19, de 28-9-1977).
Luís Inácio da Silva, o Lula, então presidente do Sindicato de
São Bernardo do Campo, aparece mencionado pela primeira vez na
apreciação seguinte (VI-20, de 5-10-1977). O analista reproduz, com al-
guma aprovação, trechos de uma entrevista à revista IstoÉ, em que Lula
procuraria evitar a exploração política das reivindicações dos operários:
“O estudante mantém o idealismo por quatro anos, depois passa a explo-
rar a classe operária”; “Os resultados das eleições de 1974 e 1976 não
transformaram o MDB no partido dos trabalhadores”.
Uma postura contemporizadora e algo simpática às posições de
Lula aparecem também na “apreciação” de 1-3-1978 (VII-12), sob o título
“Evolução do movimento operário”:

“A reeleição de Luís Inácio da Silva para a presidência do Sindicato


dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema (SP), em chapa única e
com expressivo comparecimento de mais de 90% dos associados, con-
fere ainda maior relevo à sua liderança e, por conseqüência, ao pro-
grama de reivindicações em que pretende se empenhar, definido em
documento entregue ao senador Petrônio Portella. Pelo que tem sido
possível recolher, é grande a aceitação de suas idéias no meio sindical
brasileiro e mesmo em outros segmentos da sociedade não comprome-
tidos diretamente com o confronto patrão-empregado. Suas postula-
ções, para serem atendidas em sua totalidade, exigirão mudanças radi-
cais na política trabalhista do governo. Mas o exame progressivo de
cada uma delas, alimentando um diálogo que transmita confiança na
disposição de aperfeiçoar a legislação em benefício da força do traba-
lho, sem comprometer o desempenho da economia, parece ser a me-
lhor maneira de evitar que outra componente de perturbação da tran-
qüilidade pública se insira na conjuntura delicada de transformações
políticas que a nação está vivendo.”

No entanto, no decorrer de 1978, essa avaliação sobre Lula se


modifica, assumindo tons mais preocupados. A “apreciação” de 17-5-1978
(VII-22) comenta as atividades de Lula na primeira greve de trabalhadores
do Grande ABC:
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CELSO CASTRO 61

“Essa greve, da forma em que está sendo realizada, sem a ação direta
do sindicato para que não possa ser responsabilizado, com o apoio
(dentro da pregação de Luís Inácio da Silva) e inteiramente em obedi-
ência ao preconizado pelo boletim distribuído no dia 1º de maio pela
Arquidiocese de São Paulo, recomendando as paralisações e ‘opera-
ções-tartaruga’, revela a influência que este líder sindical e a Igreja
estão exercendo e que poderá gerar paralisações e greves, de conse-
qüências imprevisíveis para a economia do país.”

Ao final do governo Geisel, Lula aparece como “atualmente o


líder sindical de maior projeção no país”, que teria a intenção de “utilizar
o movimento operário como força de pressão política contra o governo”
(VIII-24, de 25-11-1978).
Podemos concluir essas primeiras impressões de leitura com a
observação de que o governo se via, nessas “apreciações”, sofrendo vários
tipos de oposição, em diferentes fronts. A “área militar” aparece sempre
preocupada e desconfiada com a liberalização do regime, quando não di-
retamente contrária. A classe política dividia-se entre o MDB, dominado
por elementos “radicais”, e a Arena, quase sempre fraca e falha na defesa
do governo e da “Revolução”. A sociedade civil também aparece na opo-
sição: estudantes, sindicalistas, imprensa, empresários. Ou seja, da leitura
dessas apreciações ficam dúvidas sobre a origem e a qualidade do apoio
efetivo que Geisel recebia — se recebia — em favor de seu projeto de dis-
tensão lento, gradual e seguro, na forma em que o concebeu.
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O Dossiê Ministério
da Fazenda do Arquivo Ernesto Geisel:
fontes sobre a gestão de Mario Henrique Simonsen

C a r lo s Ed u a r d o S a r m e n t o e Ver e n a A lb e r t i
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64 DO SSIÊ G E ISEL

O titular da pasta
Antes de ocupar a pasta da Fazenda, Mario Henrique Simonsen
(1935-97) já tinha atuado algumas vezes na esfera pública, tanto formal
quanto informalmente. Em 1964 foi colaborador de Roberto Campos e
de Octavio Gouvêa de Bulhões, ministros do Planejamento e da Fazenda
do primeiro governo militar, na elaboração do Programa de Ação Eco-
nômica do Governo (Paeg), lançado em novembro. Nesse período tam-
bém colaborou com o recém-criado Escritório de Pesquisa Econômica e
Social Aplicada (Epea), atual Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(Ipea), subordinado ao Ministério do Planejamento. Com o jurista José
Luís Bulhões Pedreira, trabalhou na instituição do Sistema Financeiro de
Habitação (1964) e da Lei de Mercado de Capitais (1965). Ao mesmo
tempo, desde 1961 dava aulas de aperfeiçoamento a economistas no
curso que em 1966 viria a ser a Escola de Pós-Graduação em Economia
(EPGE) da Fundação Getulio Vargas. Ao ser convidado por Ernesto Gei-
sel para a pasta da Fazenda, ainda tinha no currículo, além de larga atua-
ção no setor privado, a presidência do Movimento Brasileiro de Alfabeti-
zação (Mobral), que exerceu de 1970 a 1974. Mario Henrique Simonsen
tinha 39 anos quando assumiu o Ministério da Fazenda.
As 17 pastas que contêm o conjunto de documentos relativo ao
Ministério da Fazenda do Arquivo Ernesto Geisel são compostas de des-
pachos do presidente com seu ministro e de documentos anexos.1 Os as-
suntos “típicos” dos despachos são: acompanhamento dos índices de
custo de vida e das taxas de inflação, execução do orçamento monetário
e balança comercial.2 Igualmente recorrentes são: política salarial,3 polí-

1 Os documentos citados neste capítulo referem-se, salvo indicação em contrário, ao dossiê


EG/pr 1974.03.28.
2
Nos despachos, o primeiro item é geralmente relativo aos índices de custo de vida. Até
1978, tratava-se do índice do Rio de Janeiro, mas a partir de maio desse ano figura também
em alguns despachos o índice do custo de vida nacional do Ministério da Fazenda, calculado
pela Coordenadoria de Assuntos Econômicos do órgão, com base em índices regionais de al-
gumas capitais. No despacho de 15-5-1978 (XIV-12), Simonsen faz uma breve avaliação dos
índices então disponíveis (FGV, Fipe, Ministério do Trabalho), afirmando que a partir do ano
seguinte o IBGE passaria a calcular índices de custo de vida nacionais.
3 Importante no que concerne à política salarial é o documento em que Simonsen submete

ao presidente Geisel o anteprojeto de lei reformulando a sistemática de cálculo do reajuste sa-


larial (II-2, de 14-10-1974). Segundo o ministro, “a principal inovação é a reconstituição do sa-
lário pela média dos últimos 12 meses”. Acompanha o documento um histórico da fórmula da
política salarial, intitulado “Nota sobre a política salarial”, desde o Paeg, passando por 1968,
até 1974.
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CARLOS EDUARDO SARMENTO E VERENA ALBERTI 65

tica monetária, execução financeira do Tesouro, controle de preços, in-


cluindo a atuação da Comissão Interministerial de Preços (CIP),4 ingresso
de capitais e reservas internacionais,5 preços de petróleo e derivados.
Aparecem também documentos em que o ministro discute assuntos es-
pecíficos, como projetos de reforma e de criação de tributos,6 o antepro-
jeto de Lei das Sociedades Anônimas (1976) e alternativas de política
cambial.7
Algumas exposições de motivos são particularmente interessantes
porque revelam um ministro que propõe soluções a partir de seu conheci-
mento especializado, introduzindo muitas vezes as sugestões técnicas com
retrospectivas sobre o assunto (por exemplo, nos casos da política salarial
ou das medidas de combate à inflação).8 O pesquisador voltado para a his-
tória das políticas econômicas no Brasil pode encontrar material de análise
nos documentos em que Simonsen, ele mesmo um formulador de política
econômica, traça um histórico dessas políticas.9 Há também diversas aná-
lises de conjuntura nacional e internacional,10 documentos provenientes
de reuniões de organismos internacionais (FMI, BID etc.) e relatórios de

4
Por exemplo, I-2 (abril de 1974).
5 Reservas internacionais, imposto de renda e empréstimos são assunto de despacho de 20-
5-1974 (I-8), por exemplo.
6
Entre os documentos relativos a assuntos tributários estão, por exemplo, a nova tabela do
desconto do imposto de renda na fonte (VI-13) e a alteração de imposto de renda de pes-
soas físicas (XI-3, de 18-11-1976; e XVII-1, de 13-11-1978).
7
A política cambial é discutida, por exemplo, no despacho de 27-11-1978 (XVII-2), no qual
o ministro analisa as alternativas das minidesvalorizações e da maxidesvalorização com
compensações.
8
Não faltam, nesse conjunto, documentos altamente técnicos, recheados de fórmulas, como
é o caso de documento encontrado no despacho de 7-4-1975 (IV-8) sobre indicadores de in-
flação e a fórmula da política salarial. Alguns documentos podem ser vistos como verdadeiras
aulas sobre determinados assuntos, como por exemplo “Política monetária, juros e inflação” e
“Focos de pressão de demanda e dispêndios governamentais”, ambos no despacho de 27-9-
1976 (X-4), “Tautologias e modelos em economia” (X-7, de 18-10-1976) e “Aspectos atuais da
inflação brasileira” (XI-11, de 21-3-1977).
9 O documento intitulado “Perspectivas — 1974”, por exemplo, traça um retrospecto da

economia desde 1964, apontando as necessidades para o futuro próximo (II-10, dezembro
de 1974).
10 Em I-6 (maio de 1974) há impressões conjunturais colhidas em reuniões com empresá-

rios, por exemplo, e em V-7 e VI-3 encontra-se a conferência proferida por Mario Henrique
Simonsen na Escola Superior de Guerra (ESG), em julho de 1975, intitulada “A conjuntura
brasileira e o panorama econômico mundial”. Há também outras palestras proferidas na
ESG, como “Balanço de pagamentos e inflação” (XII-5, de 11-7-1977) e “O crescimento eco-
nômico e seus fatores limitativos” (XIV-13, de 19-5-1978).
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66 DO SSIÊ G E ISEL

viagens (durante as ausências de Simonsen, era o ministro interino José


Carlos Freire que despachava com o presidente, havendo também alguns
desses despachos no dossiê).11 Em relação à conjuntura internacional, a
crise do petróleo tende a ser, nos primeiros meses do período, um dos as-
suntos principais.12
Nesse conjunto de documentos, merece particular atenção a ex-
posição de motivos apresentada por Simonsen em abril de 1974, discutin-
do o delicado problema de uma possível manipulação das taxas inflacioná-
rias oficialmente divulgadas no último ano do governo Médici. Em face das
repercussões posteriores em torno dessa questão,13 é importante ressaltar
que a documentação que se encontra depositada no arquivo pessoal de
Ernesto Geisel ajuda a elucidar a conjuntura e o contexto nos quais se ar-
ticularam os principais argumentos apresentados tanto pelo titular da pasta
da Fazenda quanto pelo seu antecessor, Antônio Delfim Netto. Basicamen-
te, o problema tinha a ver com índices que denotavam forte pressão infla-
cionária nos meses iniciais do governo Geisel. Para Simonsen, as razões
que motivavam tal fenômeno encontravam-se na chamada “inflação repri-
mida” dos últimos meses de 1973.
Segundo o novo titular da pasta da Fazenda, “em 1973, o go-
verno, procurando aproximar-se da meta de 12% de inflação, reprimiu o
máximo possível os aumentos de preços via tabelamentos e controles. A
política monetária, ao contrário, mostrou-se fortemente inflacionista, com
uma expansão de meios de pagamentos, na conceituação mais restrita,

11
Sobre viagens ao exterior, ver, por exemplo, I-6 (maio de 1974) e I-14 (junho). Às vezes
os relatórios de viagem são acompanhados de papers do ministro, como no despacho de
10-3-1975 (IV-6), de que faz parte o texto “Current aspects of the Brazilian economy”, e no
despacho de setembro de 1975, em que se encontra o trabalho “Remarks on today’s Brazil-
ian economic policy”, apresentado em reunião no FMI. Outro documento de interesse é o
paper “A política econômica do governo Geisel e os investimentos estrangeiros”, contendo
um apanhado da economia brasileira desde 1964 e que foi apresentado em seminário sobre
investimentos no Brasil, em Paris, em abril de 1975 (V-1). Destaque-se também “Balance of
payments, problems of developing countries”, de abril de 1976 (IX-3).
12
Em outubro de 1974, por exemplo, o ministro apresenta ao presidente documento (II-1)
sobre a situação econômica mundial, redigido a partir de reunião do FMI onde estavam mi-
nistros da Fazenda, presidentes de bancos centrais e muitos banqueiros e assessores. O con-
senso geral era de que “o mundo ocidental jamais enfrentou situação econômica tão crítica
desde a grande depressão da década de 1930”. O documento relata os debates na reunião
e os contatos feitos por Simonsen com outros ministros, representantes e banqueiros, além
de resumir a imagem da política econômica brasileira no exterior.
13
Ver Carneiro, 1990.
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CARLOS EDUARDO SARMENTO E VERENA ALBERTI 67

de 46,8%. A existência de filas de consumidores, a falta de matérias-pri-


mas caracterizavam tipicamente uma inflação reprimida de demanda. A
abertura dos preços no primeiro trimestre de 1974 representou assim a
conseqüência do excesso de procura existente no final do ano passa-
do”.14 Dessa forma, era imprescindível que o governo que então se ini-
ciava se dedicasse ao esclarecimento das “reais” causas da pressão infla-
cionária observada nos quatro primeiros meses de 1974, investindo
prioritariamente na adoção de uma política econômica com fortes preo-
cupações antiinflacionárias, pautando-se por “uma linha de austeridade,
preservando o equilíbrio do orçamento e a disciplina da política salarial,
reduzindo apreciavelmente a taxa de expansão monetária”.15
O diagnóstico e a terapêutica propostos por Simonsen esbar-
ravam em alguns dos pilares da legitimidade presidencial de Ernesto
Geisel. Inicialmente, a versão de que as causas do crescimento inflacio-
nário residiam numa possível gestão equivocada da política econômi-
ca no governo Médici implicava uma temerária quebra da disciplina e
da hierarquia interna do alto comando do “sistema” militar. Embora os
argumentos de Simonsen não tivessem ganho muito destaque e reper-
cussão à época, não tardaram a ser rechaçados por Delfim Netto. Con-
siderando o posicionamento assumido por seu sucessor como um exem-
plar caso de hedge perante as incertezas do cenário macroeconômico, o
ex-ministro sustentava sua argumentação na impossibilidade de se exer-
cer qualquer forma de manipulação sobre os índices oficiais elaborados
pela Fundação Getulio Vargas.16

14
“Nota sobre o problema inflacionário em 1974”, despacho sem data (I-4). Ver também
carta de Octavio Gouvêa de Bulhões a Mario Henrique Simonsen, discutindo a fórmula de
cálculo dos índices de inflação pela FGV, despacho de 6-5-74 (I-6).
15
Idem.
16 Em entrevista concedida ao Programa de História Oral do Cpdoc em junho de 2001, Delfim

Netto afirmou: “Essa história de inflação reprimida era uma das conversas moles do Mario Si-
monsen, o maior hedge que ele já fez na vida. Ele escreveu um documento para o Geisel, que
depois foi usado pelo Dieese e por outros, dizendo que havia uma ‘inflação reprimida’. Eu
disse a ele: ‘Procura nos jornais as filas!’ Nunca existiram! O problema todo foi que, como os
preços eram medidos no Rio — o índice era da Fundação Getulio Vargas —, sempre se man-
teve o abastecimento no Rio razoavelmente atendido. Não existia no Rio, nem em lugar ne-
nhum, fila para comprar carne. Então, como dizer que a carne estava com o preço controla-
do? O relatório do Mario foi um documento sigiloso que ele mandou para o Geisel e que
depois veio num rodapé, escrito em inglês, por alguém do Banco Mundial. E aí se transfor-
mou num grande issue, porque no Brasil tudo que é escrito em inglês é verdade. Eu e o Mario
sempre nos divertimos, ele nunca levou muito a sério aquele negócio. É claro que era desa-
gradável para ele e para o governo a inflação ter passado de 15 para 32, 33%, o que foi um
efeito, realmente, da crise do petróleo”.
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68 DO SSIÊ G E ISEL

Por outro lado, a preocupação com o ajuste corretivo das ten-


dências inflacionárias colidia frontalmente com o projeto geiseliano de
promover o crescimento econômico e fomentar a autonomia científica
tecnológica do país conforme as diretrizes preconizadas pelos PNDs e
pelo PNDCT. Afinal, para Geisel, o combate à inflação jamais se cons-
tituiu num verdadeiro problema para a sua administração. Sua preocu-
pação era com a manutenção do êmbolo desenvolvimentista, mesmo
que para isso fosse necessário contrariar o “equilíbrio do orçamento” ou
comprometer-se com o gerenciamento de um crescente endividamento
externo.17 Dessa forma, as premissas preconizadas por Simonsen em
1974 foram relegadas a um segundo plano das prioridades da gestão do
cenário da economia brasileira na era Geisel.
Os casos específicos tratados nos despachos com o presidente
são, entre outros: indústria de calçados,18 contencioso com o Reino
Unido sobre desapropriação de terrenos de estrada de ferro, quebra do
Banco Halles,19 relatório de missão ao Irã,20 tentativa de venda da Re-
frigeração Consul à Philips, fundos de incentivo Finor e Finam e rela-
ções comerciais com os EUA, especialmente no que tange aos produtos
têxteis.21 Entre as instituições financeiras citadas estão, além do Grupo
Halles, o Grupo Ipiranga, o Grupo Aplik, a Rio Financeira, o Bank of
Tokyo, o Grupo Financilar Lume, o Banco Sumitomo, a Financeira He-
misul, o Grupo Teruszkin e os bancos Econômico, Socopa e Interconti-

17 O presidente Geisel comentaria em seu depoimento aos pesquisadores do Cpdoc/FGV

que “Simonsen de vez em quando arrancava os cabelos e vinha a mim com o problema da
inflação. Pensávamos na inflação, procurávamos adotar medidas para reduzi-la, mas não
era o problema número um do governo. Nosso problema número um era desenvolver o
país, dar emprego, melhorar as condições de vida da população. Para tanto, tivemos que
recorrer ao crédito externo, que na época era muito favorável. Havia muito dinheiro dis-
ponível no exterior, proveniente da reciclagem da receita auferida pelos países da Opep, os
célebres petrodólares. E o Brasil tinha muito crédito” (D’Araujo & Castro, 1997).
18
Documentos sobre as negociações comerciais entre Brasil e EUA, de 11-5-1976, encon-
tram-se na pasta VIII.
19
Sobre o Banco Halles, ver, por exemplo, I-3 (abril de 1974) e I-9 (maio).
20
No despacho de 2-6-1975 (V-3), por exemplo, há o relatório da missão ao Irã chefiada
pelo presidente do Banco do Brasil, Ângelo Calmon de Sá, em maio de 1975.
21
No que tange às relações comerciais com o exterior, Simonsen contava com Francisco
Dornelles, então presidente da Comissão de Estudos Tributários Internacionais (Ceti) do Mi-
nistério da Fazenda. É de sua autoria, por exemplo, o documento “Código de subsídios e di-
reitos compensatórios”, relatando reuniões realizadas em Washington, em junho de 1978,
com delegação norte-americana no Gatt (XV-4, de 26-6-1978).
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CARLOS EDUARDO SARMENTO E VERENA ALBERTI 69

nental — material de valor para uma análise do cenário econômico-fi-


nanceiro do período.
Num conjunto relativamente uniforme de documentos como
este, alguns chamam a atenção justamente por serem diferentes do pa-
drão esperado. Numa conjuntura altamente estatizante, é possível encon-
trar, no despacho de 24-2-1975 (IV-3), uma proposta de Mario Henrique
Simonsen em direção contrária, intitulada “Algumas medidas de impacto
desestatizante”: “O governo federal se disporia a vender a um grupo pri-
vado com maioria de capital nacional uma empresa estatal (a Acesita
seria um bom caso). É possível que nenhum grupo se habilitasse, mas va-
leria pelo menos a intenção”. Sobre esse assunto, aliás, Simonsen apre-
sentou ao Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), em setem-
bro do mesmo ano, um documento intitulado “Notas sobre o problema
do capital estrangeiro no Brasil”, em que defendia a liberdade de ação
das empresas multinacionais no país, sendo porém contestado pelo então
ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, favorável à proteção da
indústria nacional. As atas das reuniões do CDE não constam, entretanto,
do Arquivo Geisel.
Ainda que o ministro envidasse esforços no sentido da abertura
da economia para o capital estrangeiro, em meados de 1975 o governo
Geisel adotou uma medida contencionista e protecionista bastante incisi-
va: o depósito prévio de 100% sobre o valor de todas as importações, à
exceção do petróleo, tema que foi objeto de alguns despachos com o mi-
nistro da Fazenda.22 Esses documentos, ao lado de outros, como os que
discutem medidas antiinflacionárias,23 revelam um período de práticas de
política econômica bastante específicas.

22
Por exemplo, os despachos de 3-11-1975 (VI-7) e 20-12-1975 (VI-10). No primeiro há um
documento de Simonsen defendendo a propriedade da medida. Quase dois anos depois,
em despacho de 5-9-1977 (XIII-2), o ministro tornaria a defender o depósito prévio, julgan-
do que ainda não deveria ser extinto. A medida torna a ser objeto de comentários no des-
pacho de 30-10-1978 (XVI-2), ao lado da instituição do depósito prévio de Cr$22 mil para a
obtenção de visto de saída no passaporte. Os depósitos prévios sobre a importação e o tu-
rismo serão apontados, em documento redigido ao final do governo Geisel, como medidas
de emergência que introduziram distorções na economia brasileira (XVII-13).
23
Sobre as medidas para conter a inflação, podem ser consultados o despacho de 8-3-1976
(VII-4), momento em que a inflação teria chegado ao nível mais explosivo registrado desde o
início do governo Geisel, o despacho de 12-7-1976 (IX-4), em que são propostas medidas para
que a inflação anual não exceda os 40%, e o despacho de 27-9-1976 (X-4), em que o ministro
discorre sobre as reações psicológicas naturais a medidas antipáticas de desaquecimento.
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70 DO SSIÊ G E ISEL

Outra ênfase da gestão de Mario Henrique Simonsen na pasta


da Fazenda foi a preocupação com o mercado de capitais. Ao lado de
documentos que visavam a regulamentação do open market,24 encontra-
se a exposição de motivos de autoria de Simonsen encaminhando o pro-
jeto de criação da Comissão de Valores Mobiliários.25 Além disso, a idéia
dos cupons para o racionamento da gasolina, que ficaram conhecidos
como “simonetas” mas acabaram não sendo adotados, está sugerida no
despacho de 27-12-1976 (XI-4).
A partir do segundo semestre de 1976, diante dos indicadores da
economia, Mario Henrique Simonsen passa a insistir em “uma profunda re-
visão de todos os objetivos e prioridades da atual política econômica”.26 O
despacho de 6-9-1976 é particularmente interessante nesse sentido. A in-
flação é mais uma vez a preocupação principal. O documento “Radiografia
da inflação brasileira” sustenta que toda inflação crônica encerra um misto
de componentes de demanda, custo, acidentalidades e realimentação, de-
vendo-se saber localizar o componente dominante a cada instante.27 Sendo
fatores de realimentação as correções salarial, monetária e cambial, estas
duas últimas essenciais, conclui o ministro que, para combater a inflação, é
necessário mudar a política salarial (com efeito, ele irá sugerir que em 1977
os salários aumentem somente 25%). Já a componente fiscal do desaque-
cimento da demanda seria “um corte drástico dos programas de investi-
mentos previstos no II PND”. Essas preocupações retornam à pauta no do-
cumento “O problema da credibilidade externa brasileira” (X-11), onde se
lê: “Sem nenhum exagero pode-se dizer que o Brasil está à beira de perder
toda a credibilidade internacional paciente e duramente construída a partir
de 1964”. Segundo o ministro, as autoridades do FMI e do Bird estariam
em dúvida quanto à firmeza do governo em sustentar um duro programa
de austeridade, lembrando que em 1975 o governo recuara diante da im-
popularidade causada por um pequeno desaquecimento. Graças ao “rela-
cionamento amigável” de membros do governo com o FMI, diz Simonsen,
“é possível evitar que as instituições publiquem qualquer relatório desfavo-

24 Como os incluídos nos despachos de 9-2-1976 (VII-1) e 23-8-1976 (X-1), por exemplo.
25
Documento datado de 24-6-1976 (IX-1).
26
Documento “Objetivos de política econômica”, constante do despacho de 6-9-1976 (X-3).
27 Mais adiante, em documento intitulado “Problema da inflação brasileira: desempenho no

primeiro trimestre e perspectivas para 1977” (XI-12), Simonsen concluiria que o que temos
é “um tipo sui generis de inflação”.
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CARLOS EDUARDO SARMENTO E VERENA ALBERTI 71

rável ao Brasil. Mas não é possível impedir que a comunidade financeira in-
ternacional participe das mesmas dúvidas e apreensões”.
A inflação mantém-se como tema predominante, levando o mi-
nistro a sugerir, em despacho de 16-5-1977 (XII-1), que qualquer aumen-
to de preços controlados pelo governo dependa de prévia homologação
do ministro da Fazenda. Segundo ele, a culpa pela inflação é sempre atri-
buída ao ministro da Fazenda, malgrado a divisão de atribuições entre os
órgãos — os ministérios da Fazenda, responsável pela supervisão da po-
lítica monetária, pela arrecadação de impostos e pelo CIP, da Agricultura
e do Planejamento e o Conselho Nacional do Petróleo — e a concentra-
ção do comando do combate à inflação nas mãos do presidente, com as-
sessoria do CDE.28
No último ano do governo Geisel, os salários voltam a ser con-
siderados por Simonsen fatores determinantes da inflação, agora diagnos-
ticada como predominantemente uma inflação de custos. Diz o ministro
no despacho de 20-3-1978: “Um combate mais rápido à inflação só se
conseguiria de uma forma: baixando substancialmente as taxas de reajus-
tamento salarial”. O cálculo do reajuste salarial poderia ser feito pela
ORTN, e não mais pelo índice de custo de vida, sendo possível, se neces-
sário, até mudar a fórmula das ORTNs. A esse respeito, porém, observa:
“Obviamente, a sugestão acima é tão correta do ponto de vista técnico
quanto inoportuna do ponto de vista político” (XIV-10).
Os despachos ao longo de 1978 mostram como a atuação do
ministro se pauta cada vez mais por uma inserção no quadro político. Em
junho, diante das primeiras greves de vulto desde 1964, realizadas pelos
metalúrgicos de São Bernardo do Campo e que projetaram o presidente
do sindicato, Luís Inácio da Silva, como nova liderança no cenário nacio-
nal, Simonsen não só defende a manutenção das fórmulas de política sa-
larial e a proibição do direito de greve,29 como dedica parte de seu des-

28
As queixas dirigidas a outros setores do governo não tão preocupados com a contenção
da inflação se repetem em outros despachos, em especial quando se trata do Ministério da
Agricultura, ocupado por Alysson Paulinelli. Ver, por exemplo, os despachos de 26-6-1978
(XV-4) e 21-8-1978 (XV-7).
29 “Como não é concebível uma greve contra a aritmética, o princípio da fórmula é incom-

patível com o direito de greve em negociações salariais. As recentes paralisações do traba-


lho em São Paulo têm que ser, por isso, consideradas como ilegais.” E adverte: “se a infla-
ção de custos forçada pelos sindicatos aumentar, caminhar-se-á para a hiperinflação, como
no Brasil de João Goulart, no Chile de Allende ou na Argentina de Isabelita Perón” (despa-
cho de 12-6-1978, XV-2).
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72 DO SSIÊ G E ISEL

pacho ao tema “tutela governamental e abertura política”. Para fazer


frente às greves é necessário, segundo ele, aumentar o diálogo entre o
Ministério do Trabalho e os empresários paulistas, não alterar a lei salarial
e “ativar os órgãos de segurança para a identificação de quem está por
trás das paralisações ilegais”. Outra opção seria instituir o direito de greve
e abolir a fórmula salarial, para que as negociações partam do zero. Mas
essa hipótese, afirma Simonsen, pressupõe uma sociedade adulta, e não
adolescente, tutelada pelo Executivo.
A inclinação não apenas para a análise, mas para a ação política
fica bastante clara em documento anterior, datado de novembro de 1977
(XIV-1),30 no qual o ministro arrola as medidas a serem levadas a efeito
para permitir que o partido do governo ganhasse as eleições parlamentares
de novembro de 1978. Aproveitando “as lições da experiência de 1974”
(quando o MDB saiu fortalecido como oposição nas eleições de novem-
bro), Simonsen sugere uma série de medidas para impedir que em 1978
“ocorra aquilo que representa a vocação natural do bipartidarismo: a al-
ternância no poder”. Pelo menos até 15-11-1978 o governo não deveria
anunciar aperto de créditos e salários, cortes de programas e aumentos de
impostos. Com o mesmo propósito, o último dos reajustes de preços dos
derivados de petróleo deveria ser deixado para dezembro. Os candidatos
da Arena deveriam ser políticos de ampla base popular, “para que o elei-
torado não se vingue votando no MDB”; o AI-5 deveria ser incorporado à
Constituição na forma de salvaguardas, e dever-se-ia recorrer à “válvula de
segurança da Lei Falcão”. Palavras como “desaceleração” e “desaqueci-
mento” deveriam ser omitidas do vocabulário governamental, evitando-se
também apelar aos “respectivos antônimos”. Para não frustrar o eleitorado,
as medidas simpáticas deveriam ser anunciadas no momento de sua con-
cretização (e não prometidas com antecedência, para depois correr-se o
risco de não poder realizá-las), enquanto as medidas antipáticas simples-
mente não o seriam, ficando embutidas nos procedimentos de rotina.
Essa inclinação de Mario Henrique Simonsen para o aconselha-
mento no plano político pode ser confirmada por outro documento repro-
duzido no anexo 6, a ata da 52a sessão do Conselho de Segurança Nacio-
nal, de 1o de abril de 1977, que deliberou o fechamento do Congresso,
medida que antecedeu a decretação do “pacote de abril”. Concordando
com o ministro-chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, Simonsen su-

30
“Algumas diretrizes de política econômica para 1978”, reproduzido no anexo 7.
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CARLOS EDUARDO SARMENTO E VERENA ALBERTI 73

gere que durante o recesso parlamentar sejam feitas também reformas po-
líticas, e não apenas as reformas no Poder Judiciário, principal objeto da
reunião. De seu lugar de ministro da Fazenda, parece transmitir uma preo-
cupação dos setores econômicos do país:

“Perguntas sobre o futuro político da nação hoje pairam em vários cé-


rebros, inclusive em todo o setor econômico, que de alguma forma
tem pontos de interrogação sobre como serão solucionados esses pro-
blemas políticos essenciais que estamos tendo à frente. A mim me pa-
rece absolutamente essencial que nesse período de recesso do Con-
gresso seja exatamente equacionado o modelo político.”

Em seu pronunciamento à nação, o presidente Geisel deveria


mostrar “que o país necessita não apenas da aprovação da reforma do
Judiciário, mas também, como disse o ministro Golbery, da criação de
uma nova estrutura, um novo modelo constitucional nos múltiplos aspec-
tos políticos que garantam a tranqüilidade da nação por vários anos”.
As últimas três pastas relativas ao dossiê Ministério da Fazenda
contêm documentos interessantes no que tange às expectativas de Mario
Henrique Simonsen para o governo de João Figueiredo, eleito pelo Co-
légio Eleitoral em outubro de 1978 para assumir a presidência da Repú-
blica em março seguinte. Um deles é uma carta de Simonsen ao general
Figueiredo, datada de agosto de 1978 (XV-8), encaminhando, conforme
combinado, uma série de documentos preparatórios (que infelizmente
não estão anexos) para a visita que o futuro presidente faria ao Ministério
da Fazenda. Inflação, correção monetária, fórmula salarial e abertura po-
lítica são alguns dos temas dessa carta em que o ministro deixa claro o
que, a seu ver, merecia especial interesse do futuro presidente.31 Chama
a atenção também a defesa que Simonsen faz, em outro documento
(XVII-9), do papel de coordenação da política econômica que deveria
caber à Seplan no novo governo — justamente o órgão que o ministro
iria assumir a partir de março de 1979.
Um dos últimos documentos do dossiê (XVII-12) consiste num
balanço das realizações do governo no campo econômico, sendo pro-
vavelmente o discurso proferido por Simonsen por ocasião do encerra-

31 Outros documentos reforçam a importância desses temas para o governo que se iniciaria

em 1979, do ponto de vista de Simonsen: XVII-6, XVII-9 e XVII-13 (que trata também das
medidas de política cambial, como mini e maxidesvalorização).
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74 DO SSIÊ G E ISEL

mento de sua gestão. O ministro sublinha alguns aspectos: a viabilização


do modelo brasileiro de desenvolvimento logo após a crise do petróleo;
a manutenção do crescimento da produção e do emprego; e o enfren-
tamento do problema energético. Com relação a este último ponto,
chama os contratos de risco de “um passo de extrema coragem políti-
ca”, e o acordo nuclear, de passo “de ampla visão internacional”, além
de citar o Programa Proálcool. Já as taxas de inflação “pouco confortá-
veis”, diz o ministro, “me deixaram em segunda época, obrigando-me a
um exame de recuperação no governo do presidente eleito João Batista
de Figueiredo”.
Essa manifestação, que também revela um pouco do ácido
senso de humor do titular da Fazenda, sintetiza os principais problemas
enfrentados na gestão da política econômica do governo Geisel, clara-
mente identificados a partir da documentação que integra esse dossiê. Si-
monsen, que inicialmente tentou fazer prevalecer sua idéia de que era
necessário um rígido ajuste macroeconômico para conter a expansão da
base monetária e, por conseqüência, a pressão inflacionária, teve seus ar-
gumentos rechaçados pela prioridade dada por Geisel ao tema do cres-
cimento econômico e do desenvolvimento. Ciente dos limites de viabili-
dade da tentativa de impor a sua própria pauta ao presidente, incumbiu-
se então da missão de tentar buscar soluções que equacionassem o com-
plexo problema proposto por Geisel: viabilizar o crescimento, mesmo que
ao custo de um progressivo endividamento, cuidando ainda para que
não houvesse completo descontrole na política monetária e no equilíbrio
do balanço de pagamentos. Ao se despedir do governo Geisel, Simonsen
se preparava para a sua “segunda época”, onde a adoção de uma política
econômica mais austera e restritiva representaria uma inescapável e do-
lorosa necessidade.
Leticia Pinheiro.fm Page 75 Tuesday, October 28, 2008 2:32 PM

O pragmatismo responsável no arquivo


do presidente Geisel*

L et í ci a P in h ei r o

“E quem vai ser o ministro para enfrentar


garbosamente todos esses ‘abacaxis’?”1

* Para Gerson Moura, que me ensinou a olhar os arquivos para melhor ver adiante.
1 Anotação de Ernesto Geisel em documento de 4-10-1973 (XIV A-1), resumindo os princi-
pais assuntos de política externa que teriam lugar no seu governo. Todos os documentos ci-
tados neste capítulo são do dossiê EG/pr 1974.03.18.
Leticia Pinheiro.fm Page 76 Tuesday, October 28, 2008 2:32 PM

76 DO SSIÊ G E ISEL

HÁ CERCA DE 10 ANOS, pesquisei sobre a política externa do governo


Geisel para elaborar minha tese de doutorado. Meu objetivo era anali-
sar o modo pelo qual as decisões haviam sido tomadas, a fim de melhor
explicar seu conteúdo.2 Na ocasião, a impossibilidade de acesso à prin-
cipal documentação dos arquivos públicos, a inexistência de arquivos
privados cobrindo o período que estivessem disponíveis à consulta e até
mesmo a resistência de alguns atores principais desse processo a con-
ceder entrevistas me levaram a uma exaustiva busca de alternativas. As-
sim, além das fontes tradicionais, como obras já publicadas, jornais, pe-
riódicos especializados, biografias etc., lancei mão do recurso do sigilo
da fonte toda vez que, nas entrevistas que logrei realizar, a divulgação
do nome do entrevistado impedisse a utilização da informação. Conco-
mitantemente, foi preciso realizar um incansável trabalho de cruzamen-
to das informações, reconstituição dos fatos, retomada de depoimentos,
enfim, atividades que, por vezes, me traziam à memória os bons roman-
ces de Conan Doyle. Não tenho dúvidas de que tive sucesso na minha
investigação, não apenas por haver conseguido, segundo meus exami-
nadores, defender meu argumento com fundamentação teórica e em-
pírica, mas também porque acabei criando novas fontes de pesquisa.
Desde então, não só foram publicadas algumas entrevistas
sobre o período,3 mas também alguns arquivos privados que cobrem
total ou parcialmente o tema foram ou estão em via de ser abertos à con-
sulta. Entre estes, destaca-se o arquivo pessoal do presidente Ernesto Gei-
sel.4 Não é difícil, portanto, imaginar o entusiasmo com que recebi o con-
vite para analisar a documentação referente à política externa brasileira
que compõe esse acervo. Além de excelente oportunidade para confir-
mar minhas hipóteses, seria uma forma de completar a investigação feita
no passado, quando, em nome da parcimônia, optei por analisar o pro-
cesso decisório envolvendo apenas três temas de política externa. Para
mim, pessoalmente, foi uma oportunidade para refletir sobre a substância
e a interpretação das fontes.

2
Ver Pinheiro, 1995.
3 A mais importante é, sem dúvida, a realizada com o próprio presidente Ernesto Geisel (ver
D’Araujo & Castro, 1997). Na ocasião, tive a grata satisfação de poder contribuir com al-
guns dados e interrogações sobre a política externa do período, que foram posteriormente
elaborados pelos entrevistadores e encaminhados ao presidente.
4
Igualmente importantes são o arquivo do ministro Azeredo da Silveira e o do embaixador
Paulo Nogueira Batista, ambos depositados no Cpdoc.
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LETÍCIA PINHEIRO 77

Pois bem, um arquivo cujo primeiro documento do dossiê Re-


lações Exteriores enumera os procedimentos mínimos a serem seguidos
no relacionamento do Brasil com os países do Cone Sul sem dúvida su-
gere ao estudioso da política externa brasileira a qualidade substantiva do
acervo. A propósito, tal documento (I-1) afirma nada termos contra o de-
senvolvimento das relações da Bolívia e do Uruguai com a Argentina,
desde que não acarretassem prejuízos para o Brasil. Afirma, igualmente,
não haver intenção de fazer desses países satélites do Brasil; e que Brasil
e Argentina não eram rivais, devendo relacionar-se proveitosamente. En-
fim, que toda negociação deve ser realista e proporcionar resultados bons
para ambas as partes.
O documento seguinte (I-2) só vem reforçar as promessas de
que o arquivo se constitui em privilegiada fonte de informações para pes-
quisa. Trata-se de uma cuidadosa apreciação, provavelmente de autoria
de Araújo Castro, então embaixador do Brasil em Washington, sobre a
política externa dos Estados Unidos, o papel fundamental aí desempenha-
do por Henry Kissinger e as perspectivas do relacionamento entre Brasília
e Washington.
A despeito desse começo promissor, entretanto, nenhum arqui-
vo pessoal pode, sozinho, “dar conta da história”, mesmo considerando a
qualidade substantiva dos documentos que reúne. Inúmeras razões
podem explicar essa insuficiência. Entre elas, gostaria de sublinhar aquilo
que já se disse sobre o papel do titular no processo de escolha dos do-
cumentos a serem guardados, ou seja, seu papel como “eixo de sentido
no processo de constituição do arquivo”.5 Por isso mesmo é essencial
atentar para o perigo de se cair nas armadilhas criadas por quem produz
sua própria biografia, pois geralmente é o titular dos arquivos quem tem
a prerrogativa de decidir o que deve ficar para a história. Enfim, é preciso
se precaver contra os perigos de uma interpretação equivocada dos pro-
cessos históricos decorrente da auto-representação ou produção de si
mesmo presente no conjunto dos documentos arquivados. Isso para não
falar em outros vetores de intervenção, como a ação de assistentes do ti-
tular, familiares e/ou arquivistas que, ao fim e ao cabo, podem interferir
substantivamente no arranjo final dos documentos, dando-lhes uma ima-
gem diferente da realidade.6

5
Heymann, 1997.
6
Ibid., p. 44-6.
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78 DO SSIÊ G E ISEL

Contrabalançando essa tendência, entretanto, é bom lembrar


que, embora os arquivos privados tendam a supervalorizar a atuação de
seu titular e, logo, o papel do indivíduo na história, suas ações serão sem-
pre “pautadas em intenções que são escolhas em um campo de possibi-
lidades que tem limites, mas oferece alternativas”.7 Ou, nas palavras do
velho Marx em O 18 de brumário: “Os homens fazem sua própria história,
mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua
escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado”.
Enfim, essa breve avaliação do conteúdo do arquivo do presi-
dente Ernesto Geisel ou, mais precisamente, da documentação relativa à
política externa ao longo de sua administração se guiará por dois princí-
pios: nem tudo é, necessariamente, como parece ser e, no entanto, tudo
sempre pode querer dizer alguma coisa. Com isso estou sugerindo que,
embora reconhecido o valor informativo de cada documento, o pesqui-
sador deverá sempre examiná-lo à luz das condições de sua produção e
de sua guarda, ou seja, à luz de outras variáveis que explicam os fenô-
menos políticos sobre os quais, como se sabe, incidem inúmeros vetores.
Ao mesmo tempo, estou sugerindo que a investigação analítica é também
constitutiva da realidade, ou seja, ao interpretar as fontes e produzir co-
nhecimento, o analista também cria realidade.
Começo, portanto, discutindo o que a natureza dessa documen-
tação, sua apresentação e a intervenção por ela sofrida sugerem ao pes-
quisador, para depois fazer alguns comentários a respeito de seu conteú-
do substantivo. Com isso, meu objetivo é, simultaneamente, fazer uma
reflexão sobre as fontes de pesquisa e, ao me referir ao conteúdo de al-
guns documentos desse arquivo, estimular o leitor a consultar o acervo e
a fazer, ele próprio, suas reflexões.

Os documentos tal como se apresentam


e o que sugerem
Cerca de 90% dos documentos que constituem o dossiê Rela-
ções Exteriores do Arquivo Ernesto Geisel são os chamados “Roteiros
para despacho direto com o senhor presidente da República”, de agora

7
Gomes, 1998.
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LETÍCIA PINHEIRO 79

em diante chamados apenas de “Roteiros”. Elaborados pelo Itamarati,


esses “Roteiros” deveriam originariamente estar acompanhados de ane-
xos intitulados “Informações para o senhor presidente da República”, onde
todos os temas ali relacionados eram descritos e analisados a fim de co-
locar o presidente a par de seu desenvolvimento. No entanto, a grande
maioria desses “Roteiros” encontra-se desfalcada desses anexos. Como
se não bastasse, quando anexada, boa parte dessas “Informações” se re-
sume apenas às suas primeiras folhas. Embora se possa pensar que, no
ato de guardar os documentos que hoje compõem o seu arquivo, o pre-
sidente Geisel ou alguém a ele ligado tenha deliberadamente omitido
alguns papéis ou mesmo propositadamente concedido maior destaque
a outros na intenção de construir uma certa imagem para a história, não
há evidências concretas a respeito de nenhuma dessas duas hipóteses.
Ainda com relação a esse tipo de documentação, deve-se ter em
mente o fato de ser originária do Itamarati e nela constarem unicamente as
considerações dessa instituição a respeito do tema em foco.8 É verdade
que essa característica não é uma exclusividade do Arquivo Geisel. A maio-
ria dos arquivos privados é, de fato, composta de documentação produzida
por outrem, e não pelo titular, a não ser nos casos em que este decide
guardar cópias dos documentos remetidos.9 Seja como for, o fato é que, ao
fim e ao cabo, a consulta à documentação sobre política exterior do arqui-
vo fornece ao pesquisador muito mais a posição da agência diplomática
que a do seu titular, o presidente Geisel. Um segundo ponto a ser destaca-
do é que a própria natureza desse documento, ou seja, uma exposição de
fatos e argumentos relacionados a um determinado tema em formato de
relatório, sugere uma espécie de sistematização de um processo muitas
vezes ainda em andamento e, por isso mesmo, indefinido, incompleto, ao
contrário do que as “Informações” inúmeras vezes dão a entender. Em ou-
tras palavras, se por um lado a consulta a esse material ajuda o pesquisador
a entender a ordenação, a sistematização ou mesmo a solução do proble-
ma por parte do Itamarati, por outro ela quase nunca revela o dia-a-dia do
processo decisório, a troca de idéias entre a secretaria e as missões diplo-
máticas ou entre a secretaria e suas divisões. Enfim, praticamente não ofe-
rece indícios da disputa intraburocrática que também contribui para o con-
teúdo da política. Caberia, pois, perguntar até que ponto o que chegava ao

8
Continuo referindo-me aqui às “Informações” que acompanham os “Roteiros”.
9
Ver Heymann, 1997:20.
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80 DO SSIÊ G E ISEL

presidente no formato das “Informações” não era muitas vezes aquilo que
a secretaria gostaria que ele lesse. A esse respeito, não custa lembrar um
velho político brasileiro que aconselhava nunca enviar uma carta sem
antes negociar a resposta.
Há, por outro lado, uma observação a ser feita a propósito des-
ses documentos que reafirma sua importância histórica e, sem dúvida, os
qualifica como preciosos: tendo em vista os atuais critérios de acesso aos
arquivos públicos brasileiros e, em particular, aos arquivos do Ministério
das Relações Exteriores, a possibilidade de consultar documentação clas-
sificada como secreta-exclusiva, ou seja, aquela de mais alto grau de si-
gilo, como é o caso dos documentos em questão,10 ganha em valor e se
torna um irrecusável convite a todo e qualquer pesquisador da política
externa brasileira.
Mas, como já foi dito, um arquivo privado tende a revelar mais
claramente o pensamento dos interlocutores do seu titular que o dele
próprio. A não ser que haja, implícita ou explicitamente, a intenção de
constituir um acervo como parte de um projeto autobiográfico, como tão
bem notado por Fraiz (1998) com relação ao arquivo de Gustavo Capa-
nema. Mas, no caso do arquivo Geisel, é bastante escassa a presença de
material expressando textualmente sua visão a respeito da política exter-
na. Ainda assim, deve-se sublinhar a existência dos resumos das reuniões
de Geisel e de seu chanceler Azeredo da Silveira com representantes de
diversos países em visita ao Brasil ou com autoridades dos países que o
presidente visitou, como Portugal, Inglaterra, França, Estados Unidos,
México, Venezuela, Alemanha etc. Embora também desigual na sua qua-

10 Embora muita coisa tenha mudado nos últimos anos e não mais ocorram casos seme-

lhantes ao do historiador Hélio Silva, que, após ver negado seu pedido de acesso à docu-
mentação referente à participação do Brasil na II Guerra, soube que poucos anos depois o
pesquisador norte-americano Stanley Hilton conseguiu autorização para examiná-la (ver
Penna Filho, 1999), o fato é que a documentação sigilosa datada de até 60 anos atrás en-
contra-se ainda hoje potencialmente inacessível ao público. Isso se deve ao fato de que, se-
gundo a Lei nº 8.159 de 1992, que implantou a política nacional de arquivos, “o acesso aos
documentos sigilosos referentes à segurança da sociedade e do Estado será restrito por um
prazo máximo de 30 anos, a contar da data de sua produção, podendo esse prazo ser pror-
rogado, por uma única vez, por igual período”. Pois bem, desde que o acervo do MRE en-
contra-se dividido em cinco categorias distintas, conforme a natureza e o grau de sigilo do
assunto tratado no documento, sendo os secretos-exclusivos justamente os restritos à con-
sulta por um período de 30 anos, renováveis por mais 30, os documentos dessa categoria
provenientes do Itamarati que compõem o Arquivo Geisel e que, portanto, se encontram
disponíveis à consulta escaparam dessa determinação.
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LETÍCIA PINHEIRO 81

lidade substantiva — em alguns casos, trata-se de interessantíssimos acer-


tos de posições,11 e em outros, apenas referências elogiosas feitas reci-
procamente pelos mandatários —, não resta dúvida de que, ao percorrer
esses resumos, o pesquisador parece realizar aquele desejo recôndito de,
por um breve momento, se transformar em testemunha invisível de uma
conversa secreta entre chefes de Estado.
Mas se não é possível encontrar nesse arquivo o que seriam as
fontes ideais de uma pesquisa sobre o pensamento do presidente Geisel
— ou seja, extensos e elaborados registros de posições, reflexões, diários
e opiniões do presidente a respeito de cada tema ou pelo menos dos
principais temas de política externa ao longo de sua gestão — e se muitos
documentos estão incompletos, o fato é que sobre diversas questões Gei-
sel emitiu sua opinião ao acrescentar uma sucinta nota a lápis no canto
direito da primeira página de cada documento. Algumas vezes, apenas
uma pequena e, eventualmente, jocosa observação;12 outras vezes, per-
guntas substantivas a respeito do tema; outras, ainda, retumbantes vetos
a consultas13 ou sugestões14 a ele encaminhadas; ou, por fim, pura e sim-
plesmente, seu desagrado para com alguma questão.15
Tal como os livros de segunda mão, alguns documentos depois
de lidos adquirem, digamos, outra identidade. Tornam-se documentos

11 Por exemplo, o resumo do encontro entre Geisel e o presidente de Portugal, Ramalho Ea-
nes, quando se tratou das disputas políticas no interior de Angola e Moçambique, da ocu-
pação indonésia no Timor Leste — um fait accompli, nas palavras de Eanes —, da decisão
do Brasil de evitar as tentativas da Frente Timorense de Libertação Nacional de visitar o
país, da candidatura de Portugal à CEE etc. (X-9).
12
Como a seguinte nota a respeito da troca de farpas entre o ministro Silveira e o embaixador
Araújo Castro por causa do sistema de seleção do pessoal diplomático, no qual não fora in-
cluído nenhum dos funcionários então sob chefia deste último: “Que lambada!” (III-1).
13
Por exemplo, a recusa de Geisel a institucionalizar o Clacso (III-19).
14 À sugestão do Itamarati para que o ministro da Agricultura comparecesse à Conferência

Mundial de Alimentos da ONU, Geisel responde afirmando tratar-se de “lero-lero”, donde


ser dispensável a ida do ministro (II-6). E à declaração da União Democrática Timorense de
que, se Portugal não tivesse condições de reassumir a administração de Timor e conduzir
seu processo de descolonização, ela “estaria disposta a solicitar a sujeição daquele território
à tutela da ONU, tendo o Brasil como potência administradora”, Geisel responde com um
rotundo “não” à margem da folha (V-22).
15
Por exemplo, no texto do discurso que o Itamarati preparou para que ele lesse por oca-
sião da visita do presidente Senghor ao Brasil, anotou: “Golbery, não gostei. Acho que deve
ser inteiramente reformulado. Por que exaltar o negro? Por que poesia?” (VIII-16). Ou, ain-
da, ao se manifestar sobre a visita do presidente do Gabão ao Brasil: “O que fazer? Não se
pode evitar!” (IV-15).
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82 DO SSIÊ G E ISEL

distintos, novos, por assim dizer, visto que neles se incluem notas, subli-
nham-se frases, enfim, manifesta-se espanto, endosso ou discordância por
meio de interrogações, exclamações, vistos, comentários. No caso da do-
cumentação aqui examinada, a intervenção manuscrita do próprio presi-
dente Geisel deu-lhe, portanto, o caráter de uma nova documentação, di-
ferente daquela que lhe chegou às mãos. Como resultado, grande parte
do dossiê pode ser lida como um diálogo entre o remetente do do-
cumento — em geral o ministro Azeredo da Silveira —, seu destinatário —
o atento leitor Ernesto Geisel — e, algumas vezes, também o membro de
seu governo a quem o presidente finalmente o encaminhava.
A propósito, a marginalia da documentação desse acervo tam-
bém revela muito do método de trabalho do presidente, podendo servir
ao pesquisador como guia na análise do processo decisório durante sua
gestão, já que nos “Roteiros” Geisel indica para quem deveriam ser reme-
tidas as “Informações”, ou seja, os anexos em formato de relatório. Assim
ficamos sabendo, por exemplo, que os temas de política externa não
eram examinados unicamente por Geisel e Azeredo: Heitor de Aquino,
seu secretário, Hugo de Abreu, chefe do Gabinete Civil, e principalmente
Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete Militar, também participa-
vam de sua apreciação.
De fato, freqüentemente assuntos dessa área eram levados à
consideração do general Golbery do Couto e Silva. Geisel dá-lhe infor-
mações e pede-lhe opinião sobre quase todos os temas, pondo-o também
a par das instruções ou sugestões que porventura já tivesse encaminhado
ao Itamarati. Além disso, os documentos revelam uma enorme afinidade
de pontos de vista entre Geisel e Golbery. A propósito, um dos documen-
tos que melhor expressa essa convergência, embora nesse caso não
tenha sido possível deduzir o tema, é um bilhete de 27-10-1976 (VI-35)
em que Geisel diz a Golbery:

“Peço que V. examine a documentação anexa. No comunicado con-


junto há alguns exageros de linguagem que talvez convenha cortar.
Transmita, depois, ao Silveira a conclusão desse exame e minha apro-
vação mesmo daquilo que você achar que se deva objetar.”

Embora esse não seja propriamente um fato novo,16 o que se


coloca é até que ponto ele não mascara, tanto quanto revela. Constatar a

16
Vários autores já atestaram a presença de Golbery no processo de formulação de política
externa. Ver, por exemplo, Góes, 1978.
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LETÍCIA PINHEIRO 83

presença e a proeminência de Golbery no processo de formulação da po-


lítica externa é, sem dúvida, uma informação valiosa, mesmo que já co-
nhecida. Outra coisa, entretanto, seria constatar igualmente o veto à par-
ticipação de outros atores no processo como um todo. Ou seja, em que
pese ao relevo de Golbery no processo decisório, este passa por diversas
fases, de modo que é necessário não perder de vista a importância rela-
tiva dos atores que porventura participaram das outras fases. Voltaremos
a esse ponto mais tarde. Por hora basta sublinhar esse aspecto.

Os documentos e o que eles dizem

Se a marginalia tem valor substantivo, mas não definitivo, não


há o que discutir quando se trata do texto principal dos documentos. Em
primeiro lugar, os “Roteiros” simplesmente relacionam tudo que fez parte
da agenda de política exterior do governo Geisel. Além disso, constata-se
aí o centralismo do presidente, pois independentemente do grau de aten-
ção conferido a cada tema, o fato é que tudo passou por suas mãos,
desde assuntos da mais alta importância, como o restabelecimento de re-
lações diplomáticas com a República Popular da China, até questões in-
finitamente menos essenciais, como cartas de agradecimentos por remo-
ção de embaixadores.
Entre os principais temas de política externa total ou parcialmen-
te cobertos pela documentação, cabe citar: o voto anti-sionista na ONU;17
as questões envolvendo a América Latina, em particular a Argentina;18

17
Os documentos IV-35 e V-25, por exemplo, tratam do processo que levou a esse voto e
de sua repercussão internacional. O documento III-3, resumindo reunião entre assessores
do MRE e do Departamento de Estado, trata da divergência entre os dois países quanto à
questão palestina. Nele se diz que “no caso brasileiro, nem podemos aceitar o princípio da
conquista territorial pela força, nem podemos aceitar a desconsideração do aspecto político
da questão palestina, nem podemos apoiar que o conflito israelo-árabe possa ser causa de
uma guerra global”. A respeito do conjunto do documento, apenas um breve comentário
de Geisel para Golbery: “É grave!”
18
Apenas como ilustração, os documentos sobre a América Latina tratam da exportação de
equipamento militar para os países do continente; do aproveitamento dos rios da bacia do
Prata, do Tratado de Limites do Rio da Prata entre Argentina e Brasil e suas conseqüências
para o Brasil; da questão da Antártida (II-20, entre outros); da animosidade entre Montevi-
déu e Buenos Aires, por um lado, e da convergência entre Montevidéu e Brasília, por outro
(III-2); da colaboração argentino-brasileira no combate à subversão (VI-48); das negocia-
ções tripartites entre Brasil, Paraguai e Argentina sobre Itaipu e Corpus etc.
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84 DO SSIÊ G E ISEL

energia nuclear;19 a descolonização africana; as relações Brasil-Estados


Unidos; e o restabelecimento de relações diplomáticas com a República
Popular da China. Gostaria de me deter um pouco nestes três últimos.
A documentação guardada sobre o restabelecimento de rela-
ções diplomáticas com a RPC permite acompanhar alguns passos do pro-
cesso de decisão. Ainda assim, é fundamental somar os dados revelados
pela documentação desse acervo às evidências de outras fontes, quando
então fica claro justamente o que falamos anteriormente a respeito da im-
portância de atores distintos nas diferentes fases que compõem o proces-
so decisório. Senão vejamos.
Pelo documento II-4, de julho de 1974, ficamos sabendo que
em abril desse ano um memorando do secretário-geral do Conselho de
Segurança determinara a realização de estudos e apresentação de pare-
cer sobre as conseqüências e repercussões do possível estabelecimento
de relações diplomáticas com Pequim. No parecer então produzido (Es-
tudo Sucinto n.028/1a SC/74 de 9-4-1974), faz-se referência ao fato de
que nos últimos três anos a secretaria já vinha aconselhando um relacio-
namento mais ameno com Pequim, desde que em harmonia com os in-
teresses da segurança e do desenvolvimento. Isso poderia ser feito atra-
vés da liberação do intercâmbio econômico, mas era necessário cautela
com relação ao estabelecimento de relações diplomáticas, embora não se
considerasse tal possibilidade totalmente inviável. Por fim, esse parecer
resume a posição de cada um dos membros do Conselho de Segurança:
seis eram favoráveis ao reatamento (incluindo os ministros da Justiça, do
Interior e do Gabinete Civil); cinco eram favoráveis, mas sugeriam medi-
das genéricas relativas à segurança do país (incluindo os ministros da
Agricultura e da Saúde); seis eram favoráveis, mas sugeriam medidas es-
pecíficas também relativas à segurança que prevenissem “infiltrações cul-
turais alheias à formação brasileira” — conforme o ministro da Educação
e Cultura —, ou que evitassem “atividades que venham a contrariar ou

19
Há a esse respeito um roteiro para a reunião com o presidente da República contendo in-
dicações sobre as conversas com a Alemanha e os Estados Unidos sobre a criação de uma
indústria nuclear no país (III-20). Outro documento muito interessante é o que fala do apoio
dos socialistas europeus, liderados por François Mitterrand, à manutenção dos termos do
acordo nuclear Brasil-Alemanha, inclusive como meio de demonstrar maioridade européia,
e também do interesse de Mitterrand em encontrar-se com um emissário do governo bra-
sileiro sob promessa de não tocar em assuntos ligados a direitos humanos (VII-13, reprodu-
zido no anexo 5).
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LETÍCIA PINHEIRO 85

simplesmente arranhar os princípios básicos da Revolução de 31 de mar-


ço” — de acordo com o ministro das Minas e Energia; finalmente, cinco
membros — entre eles os chefes do Estado-Maior das Forças Armadas,
do Estado-Maior da Marinha e do Estado-Maior do Exército — teriam
feito um “pronunciamento sobre o problema”, ou seja, não recomenda-
vam o restabelecimento, mas, caso isso ocorresse, deveriam ser tomadas
algumas medidas de cautela.
Também constam desse dossiê outras informações indicando a
contribuição substantiva de agentes diplomáticos na análise e posterior via-
bilização dessa decisão (II-4 e II-7). De fato, o estudo feito pela secretaria
foi redigido com base na exposição de motivos preparada pelo Itamarati e
no relatório de autoria do conselheiro Bettencourt após seu retorno da Chi-
na.20 Além disso, conforme depoimento de Saraiva Guerreiro, ao chegar
ao Brasil para assumir as funções de secretário-geral do Itamarati, em 8 de
abril desse mesmo ano, ele foi informado por Silveira que já se decidira
pelo reatamento de relações com Pequim.21 Assim, reunindo as informa-
ções de diferentes fontes, podemos dizer que Geisel, ao dirigir-se ao Con-
selho de Segurança, visava de fato obter a confirmação de sua decisão em
favor do reatamento por meio dos mecanismos formais da arena decisória.
E, mesmo com a reticência de alguns ministros militares na reunião de
maio do mesmo ano, essa decisão foi implementada em agosto de 1974.22
Por fim, como já indicado em trabalho anterior,23 para reco-
mendar o restabelecimento de relações diplomáticas alegaram-se moti-
vos de ordem política e diplomática — coincidência de posições relativas
ao mar territorial de 200 milhas, meio ambiente, desarmamento etc. —,
mais que motivos de ordem econômica (II-4).
Já com relação à questão colonial, é interessante observar que,
respondendo a um comentário do Itamarati a respeito das vantagens de
natureza econômica decorrentes de um eventual apoio do Brasil à Frente
Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Geisel reafirmou sua decisão
de se manter eqüidistante dos grupos que lutavam pelo poder em Ango-
la, tendo observado, em setembro de 1975: “Devemos esperar a consti-
tuição do governo independente de Angola que vai exercer, de fato, o

20
Ver Pinheiro, 1993.
21 Entrevista com Saraiva Guerreiro (Rio de Janeiro, 12-11-1991).
22
Ver Pinheiro, 1993:258-9.
23
Ibid.
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86 DO SSIÊ G E ISEL

poder” (IV-26). Geisel confirmava assim o compromisso de reconhecer a


independência do país, não importando quem estivesse no poder, con-
forme fora acertado pelo embaixador Ítalo Zappa, então chefe do Depar-
tamento de África, Ásia e Oceania do Itamarati, com os principais líderes
do movimento de libertação angolana em princípio do mesmo ano.24
Nessa ocasião se definira a política de “ao vencedor, as batatas”, confor-
me a feliz expressão do então representante especial do Brasil junto ao
governo de transição em Angola, embaixador Ovídio Andrade Melo.25
Também vale a pena destacar a convergência de opiniões
entre Geisel e o embaixador da França no Brasil, a respeito do presi-
dente Jimmy Carter. Na ocasião, Geisel teria notado “que o presidente
Carter dá, às vezes, a impressão de não estar preparado para exercer a
liderança que cabe aos Estados Unidos em razão de seu poder. A polí-
tica exterior de Carter parece fragmentada, resultado, talvez, de um as-
sessoramento disperso e pouco coordenado”. Ao que Poniatowski teria
dito “ser esse, exatamente, o diagnóstico francês sobre o presidente
norte-americano” (XI-14).
De fato, são as relações com os Estados Unidos que, sem dúvi-
da, merecem um comentário especial. Assim, procurando não me deixar
levar pela tentação de iniciar aqui um novo capítulo, gostaria de mencio-
nar algumas questões tratadas pela documentação do acervo a esse res-
peito.
Na categoria dos documentos em que o leitor vivencia a ex-
periência de ser um observador invisível de um encontro de cúpula,
temos os resumos da audiência concedida por Geisel à sra. Rosalyn Car-
ter em Brasília em 7-6-1977 (VII-41). É muito interessante observar o diá-
logo a respeito da questão dos direitos humanos. Na oportunidade, Gei-
sel reitera a necessidade de o Brasil lutar contra a ameaça comunista
interna, como que justificando a violação desses direitos; além disso,
lança mão da propalada democracia racial no Brasil como motivo de
orgulho nacional, contrapondo-se dessa forma — sem obviamente dizê-
lo — aos problemas raciais norte-americanos. A sra. Carter não conse-
gue sair da “saia justa”, como se costuma dizer, e, abdicando de sua po-
sição de ataque, reconhece que a questão era, de fato, um problema
em seu país e nada mais acrescenta.

24
Entrevista com Ítalo Zappa (Rio de Janeiro, 10-2-1992).
25
Entrevista com Ovídio Andrade Melo (Vassouras, 10-1-1992).
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LETÍCIA PINHEIRO 87

No plano mais substantivo, um documento muito interessante é


o que resume uma reunião entre assessores do Itamarati e do Departa-
mento de Estado norte-americano, ocorrida em janeiro de 1975. Entre as
inúmeras observações ali registradas, uma reafirma a correção da opção
pela política de não-alinhamento automático, haja vista as divergências
de opinião entre Brasília e Washington a respeito de diversos temas, tais
como o significado da détente, a proliferação nuclear, a crise do petróleo,
a crise financeira etc. (III-3).
Também são dignos de nota os documentos que tratam da vi-
sita de Kissinger ao Brasil (V-14 e V-20) e a carta de Azeredo da Silveira
a Geisel sugerindo modificações de forma e de conteúdo no Memorando
de Entendimento Brasil-Estados Unidos que seria assinado no mês seguin-
te, em fevereiro de 1976 (V-8).
Mas talvez nada se compare à documentação referente ao episó-
dio envolvendo o secretário de Estado norte-americano Cyrus Vance, que,
por ocasião de seu encontro com o presidente Geisel, deixou para trás as
notas de seu roteiro de conversa (VIII-28). Graças a esse esquecimento,
aparentemente involuntário, o governo brasileiro ficou ciente da estratégia
do governo Carter de, nas palavras do Itamarati, “criar um clima artificial
de rivalidade e de emulação entre os avanços nucleares da Argentina e do
Brasil, de forma a insinuar que se faria necessária uma renúncia por parte
de ambos os países aos métodos de reprocessamento” (IX-3).
Esses exemplos parecem suficientes tanto para reafirmar a qua-
lidade substantiva do arquivo Geisel quanto para demonstrar a necessi-
dade de tomá-los como evidências de um processo que também envolve
outras variáveis ausentes do acervo em questão. Seja como for, deverão
estimular pesquisadores a buscar novas evidências e mais esclarecimen-
tos sobre o “pragmatismo responsável”.

Conclusão
Isto posto, será que a abertura dos arquivos do presidente Er-
nesto Geisel provocará um debate de teor revisionista sobre a política ex-
terna do seu governo?
Com base no que mais detidamente pude examinar nos docu-
mentos, as informações que deles constam na realidade reafirmam uma
série de hipóteses e conclusões elaboradas por diversos autores acerca
do conteúdo do “pragmatismo responsável”, incluindo eu mesma. Ao res-
Leticia Pinheiro.fm Page 88 Tuesday, October 28, 2008 2:32 PM

88 DO SSIÊ G E ISEL

tabelecer relações diplomáticas com a China, o Brasil buscou não apenas


satisfazer objetivos econômicos, mas também ganhar um aliado político
em questões globais e assim aumentar seu poder de barganha internacio-
nal. O Brasil honrou a promessa de reconhecer a independência de An-
gola no dia 11-11-1975, embora o MPLA estivesse no controle do gover-
no, assim abrindo mão de vantagens econômicas decorrentes de um
apoio prévio a um grupo rival. O Brasil, enfim, apostou desde o início do
governo Geisel no não-alinhamento automático aos Estados Unidos como
um princípio de sua política externa.
Claro que a divulgação de alguns documentos ajuda a enten-
der melhor esses e outros processos e a corrigir eventuais equívocos de
importância variada, embora estes sejam, em sua maioria, sem gravida-
de. A abertura ao público dos arquivos do ex-presidente Ernesto Geisel
não deverá se constituir num divisor de águas na área de estudos sobre
a política externa do período, embora caiba esperar a realização de
novas pesquisas que aprofundem temas já abordados e outras que
abram linhas de investigação sobre temas pouco explorados ou total-
mente ignorados até hoje.
Helena Bomeny.fm Page 89 Tuesday, October 28, 2008 2:34 PM

Educação e cultura no Arquivo Geisel

H e le n a B o m e n y
Helena Bomeny.fm Page 90 Tuesday, October 28, 2008 2:34 PM

90 DO SSIÊ G E ISEL

NO ARQUIVO GEISEL DEPOSITADO NO CPDOC, seis pastas com do-


cumentação relativa ao Ministério da Educação e Cultura dão conta dos
assuntos que chegaram à Presidência — e, mais importante, que foram
conservados pelo titular do acervo. Trata-se de volume razoavelmente
pequeno em se tratando de um ministério que então acumulava as polí-
ticas para a educação e a cultura no Brasil da segunda metade da década
de 1970. Certamente os arquivos do próprio ministério e/ou do titular da
pasta da Educação darão uma pista mais completa para que se possa
acompanhar em maior profundidade e minúcia a política desenhada
para os dois campos. As questões consideradas estratégicas são encami-
nhadas ou tratadas diretamente através dos despachos do ministro com o
chefe de Estado. Esse fato, já por si, cria um interesse especial para a do-
cumentação ali contida. E um apanhado geral do que consta nas referi-
das pastas pode ser importante para a decisão de futuros pesquisadores
interessados no tema.
A documentação referente aos assuntos da cultura é bastante
selecionada. Um extenso documento (52 páginas) que trata de um plano
de restruturação da política cultural (Plano Nacional de Cultura) pode ser
um bom roteiro para pesquisas que tenham como objeto de interesse a
recuperação da política governamental para o setor cultural com foco na
institucionalização da política para a cultura no Brasil dos anos 1970 (III-
33).1 Outros poucos documentos tratam da relação, sempre tensa, entre
a produção cultural e artística e a censura.
São em pequeno número os documentos que mencionam a re-
lação com a censura. Aqui o destaque vai para um deles em particular: o
relato feito pelo ministro Ney Braga de sua “conversa franca” com os
compositores Chico Buarque de Holanda, Sérgio Ricardo e Hermínio
Bello de Carvalho, documento saboroso pela reprodução dos comentá-
rios dos compositores a respeito do nonsense das decisões tomadas e das
justificativas apresentadas pelos censores no Brasil (II-14).2 “Chico Buar-
que de Holanda”, relata o ministro, “aludindo à ausência de critérios,
exemplificou com a música de sua autoria, produzida recentemente, e
proibida pela censura, pelo fato de conter um verso que diz: ‘João ama
sua filha’. Segundo alegou o censor, ‘quem ama sua filha está cometendo
incesto’ e, com base nessa conceituação, proibiu a música”.

1
Todos os documentos citados neste capítulo referem-se ao dossiê EG/pr 1974.04.10/1.
2
O documento foi reproduzido no anexo 1.
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HELENA BOMENY 91

A conversa relatada foi de fato franca, e os compositores, na voz


de Chico Buarque, expuseram sua opinião sobre o regime, admitindo isen-
tar o presidente Geisel de muito do que se passava na área das interdições,
mas chamando a atenção para a ação daqueles que, do segundo escalão da
burocracia governamental, “executam a censura e que se consideram po-
derosos”. O relato não se restringiu às intervenções sobre a liberdade de cria-
ção; tocou ainda nos problemas de cumprimento dos direitos autorais, des-
respeitados pelas emissoras de radiodifusão e corrompidos nas sociedades
arrecadadoras. A demanda dos compositores era o estabelecimento de
uma política de Estado que fiscalizasse e garantisse à classe artística o que
lhes era devido por seu trabalho e pela difusão deste. A conclusão de Chico
Buarque, relatada pelo ministro, é sintomática daquela atmosfera: “Disse
que era a primeira vez que conversava assim com um ministro de Estado,
enquanto que seus contatos com as autoridades policiais são constantes...”
No conjunto de documentos há um impresso que noticia o tra-
balho de uma comissão interministerial para examinar os problemas re-
ferentes à produção e distribuição de discos de músicas de autores nacio-
nais, bem como as manifestações da Ordem dos Músicos, da Sociedade
Brasileira de Intérpretes e Produtos Fonográficos (Socinpro) e da Socie-
dade de Música Brasileira (Sombrás).
Na área da cultura incluem-se também o esporte, a comunica-
ção, o teatro, o cinema, a literatura e o folclore. O volume de documen-
tos é pequeno porém representativo. Alguns deles tratam da política de
reedição de títulos pela Brasiliana, em convênio com o Instituto Nacional
do Livro. Clássicos do pensamento social brasileiro mereceram a atenção
do ministério no projeto de reedição pela Editora Nacional. Tavares Bas-
tos, Antonil, Capistrano de Abreu e Basílio de Magalhães estão entre os
relacionados para reedição. O Informe no 4/78 (VI-1) trata da reedição
de obras clássicas sobre o passado brasileiro, em virtude do interesse ma-
nifestado pelo presidente Geisel quando em visita ao Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro (IHGB). O MEC solicitou ao IHGB a lista do que de-
veria ser reeditado e este relacionou, como já em processo de edição ou
recém-editadas, seis obras clássicas: Primeiros livros de história do Brasil
(Carta de Caminha); Cultura e opulência do Brasil, de Antonil; Cartas je-
suíticas e História do Brasil, de frei Vicente do Salvador; Sermões brasilei-
ros, do padre Antônio Vieira, com prefácio e notas de Pedro Calmon; e
História da América portuguesa, de Sebastião Rocha Pita.
Da política cultural em favor do teatro, o arquivo registra a
Campanha das Kombis, tão conhecida à época, ao menos na cidade do
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92 DO SSIÊ G E ISEL

Rio de Janeiro, iniciativa que tinha a finalidade de baratear o preço dos


ingressos de teatro, incentivando a Política Nacional de Cultura e facili-
tando o acesso do público em geral a “uma forma séria e importante” de
manifestação cultural. O Serviço Nacional de Teatro e a Fundação Nacio-
nal de Arte (Funarte) do Ministério da Educação e Cultura contribuíam
com recursos financeiros para subsidiar o valor dos ingressos, estimulan-
do assim a Associação dos Empresários a realizar esse evento que, segun-
do o documento, “tem alcançado resultados benéficos para a própria
imagem do governo” (Informação no 40/76, 9-12-1976, IV-21).
“A criação da Fundação Nacional de Arte (Funarte), vinculada
ao Ministério da Educação e Cultura, é a manifestação concreta do go-
verno federal de sua preocupação com o setor cultural.” Assim principia
o documento intitulado “Nota — Fundação Nacional de Arte” (III-26),
que trata da estruturação de um órgão, provido de recursos e maleabili-
dade administrativa, que possibilite a expansão das atividades governa-
mentais, apoiando e incentivando a cultura. O documento enfatiza o as-
pecto descentralizador que deveria marcar a organização administrativa
do órgão. Estariam submetidos à Funarte os seguintes órgãos da adminis-
tração direta: Serviço Nacional do Teatro (SNT); Campanha de Defesa
do Folclore; Comissão Nacional de Belas Artes; Orquestra Sinfônica da
Rádio Ministério da Educação e Cultura.
A área do cinema mereceu igual consideração no documento
(Informação no 25/78, de agosto de 1978, VI-12) que tem a Embrafilme
como objeto de atenção. Criada pelo Decreto-lei no 862, de 12-9-1969,
parcialmente alterado pela Lei no 6.281, de 9-12-1975, teve seu primeiro
estatuto aprovado pelo Decreto no 78.198, de 22-7-1976, substituído pelo
de no 81.028, de 5-5-1978. A criação do Conselho Nacional do Cinema
(Concine), para atender à parcela de atividades que cabia ao INC e que
não cabe à Embrafilme (funções consultivas e orientação normativa), está
igualmente registrada no acervo documental em questão.
Os documentos relativos à área da cultura, em sua expressiva
maioria, reificam o esforço de racionalização e institucionalização do
campo da política cultural na diretriz adotada pelo governo Geisel, que
distinguiu essa gestão no conjunto dos governos militares.

A estratégia política do ensino superior


A conjuntura de um governo e o estilo de liderança de um
homem têm sido repetidamente invocados sempre que se procede a um
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HELENA BOMENY 93

balanço da política científica do Brasil da década de 1970. O governo Er-


nesto Geisel e a liderança de José Pelúcio Ferreira nos órgãos de fomen-
to à ciência e tecnologia personificam a respectiva evocação. O econo-
mista José Pelúcio esteve, durante a gestão de Hélio Beltrão no Ministério
do Planejamento (1966-69), à frente do Funtec, fundo do BNDES voltado
para a indústria, que deveria financiar a instalação de centros de pós-gra-
duação ou pesquisa no Brasil. Com a ida de Reis Velloso para o lugar de
Beltrão, Pelúcio assumiu a função de secretário-geral do ministério, e em
seguida, a presidência da Finep (1971-75 e 1975-79). Também o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado
no final dos anos 1960, funcionou durante a década de 1970 sob forte ins-
piração de Pelúcio; foi por essa experiência que criou o Funtec, já dentro
do BNDES. Em entrevista concedida ao Cpdoc, Reinaldo Guimarães faz
esta apreciação: “Quando foi para a Finep em 1971, moldou a ação do
FNDCT, responsável por praticamente tudo o que temos em termos de
pesquisa e pós-graduação; a maior parte da capacidade instalada data
daquela década”.3 A contingência do encontro de uma liderança especí-
fica com um governo que se pautou pelo projeto de racionalização e mo-
dernização da administração pública, com forte ênfase em ciência e tec-
nologia, propiciou o que Reinaldo Guimarães classificou como fomento
em política científica sem paralelo em outras décadas. O Brasil do “mila-
gre” do início dos anos 1970 daria lugar ao “Brasil potência”, ideal que
orientou a formulação política e ideológica do governo Geisel e que re-
sultou na singular capacidade instalada em ciência e tecnologia.
O governo Geisel se seguiu ao primeiro ciclo da reforma uni-
versitária de 1968. Os seis anos completos de vigência da reforma já in-
dicavam seu desenrolar em todos os cursos, desde aqueles com quatro
anos de duração até os mais longos, com seis anos. Ao lado de todo o
aparato repressivo associado a essa conjuntura da vida acadêmica uni-
versitária — sendo o Decreto no 477 a expressão mais evidente da polí-
tica restritiva —, alguns desdobramentos da reforma já se faziam sentir.
Um deles, o mais realçado por Newton Sucupira, foi o deslanchar da pós-
graduação. Embora o parecer que a tenha constituído date de 1965 (Pa-
recer no 977-65), foi no artigo que prescrevia a indissociabilidade entre
pesquisa e docência, na implementação da reforma de 1968, que se in-

3
Entrevista concedida ao Cpdoc para o projeto História da Capes (Rio de Janeiro, novem-
bro de 2001).
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94 DO SSIÊ G E ISEL

centivou a proliferação dos cursos e o estabelecimento e a institucionali-


zação de um programa nacional de pós-graduação no país.4
A pós-graduação foi defendida como uma necessidade impera-
tiva por razões que afetavam diretamente não apenas o desenvolvimento
da ciência no Brasil, mas o pleno desempenho da própria graduação.
Não era mais admissível a manutenção de um quadro docente de ensino
superior sem formação continuada e sistemática. A pós-graduação daria
uma dinâmica inteiramente nova à própria graduação. A dinâmica de in-
teração entre elas foi vista como o condicionante do florescimento e da
consistência de ambos os níveis. Ao menos é assim que se registra a ur-
gência de sua implementação no Parecer no 977-65, que teve como re-
lator Newton Sucupira.
O tema do final da década de 1960 e de toda a década de 1970,
se o que está em foco é o ensino superior, foi o problema do acesso à
universidade, da democratização do ensino superior. E, de fato, o remé-
dio indicado corria o risco de provocar novos males. A ampliação desor-
denada da rede privada de ensino e o aumento de vagas na rede pública
desafiaram as instâncias públicas de fiscalização a manter um padrão de
qualidade paralelamente ao crescimento progressivo da oferta de cursos.
O disciplinamento do processo de expansão do sistema de ensino supe-
rior com instrumentos próprios para elevar a qualidade do ensino minis-
trado é fala recorrente do ministro da Educação e Cultura, Ney Braga. O
pesquisador interessado nesse tema encontrará documentos no acervo
Geisel. Enquanto até 1975 o Conselho Federal de Educação vinha auto-
rizando, em média, cerca de 300 cursos por ano, em 1976 foram autori-
zados menos de 50. Essa informação consta do Informe no 3/77, de 15-2-
1977 (V-2). O documento menciona, ainda, que em 1975/76 o Conselho
concedeu reconhecimento a mais de mil cursos, autorizados em período
anterior a 1973, que se encontravam em condição irregular de funciona-
mento. O Informe no 11/77 (V-6) trata da compatibilização da ação dos
conselhos estaduais de Educação com o Conselho Federal de Educação
no que tange ao controle da expansão do ensino superior. Dados dispo-
níveis no próprio arquivo indicam a disposição do governo de controlar a
expansão desordenada do ensino superior:

4
Sobre o Parecer nº 977-65 e a atuação de Sucupira no desenho do ensino superior no
Brasil, ver Bomeny, 2001.
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HELENA BOMENY 95

Número de cursos/habilitações não-reconhecidos


e com turmas formadas em
Instituições
Jan. Jan. Jan. Jan. Nov.
1974 1975 1976 1977 1977

Universidades federais 239 215 145 72 2


Universidades estaduais 69 58 49 21 —
Universidades particulares 183 137 93 36 1
Estabelecimentos isolados e
federações de escolas 1.299 990 678 219 3
Total 1.790 1.400 965 348 6

Fonte: Documento EG/pr 74.04.10 (V-20), Arquivo Ernesto Geisel, Cpdoc/ FGV.

Essas informações mais gerais têm o objetivo de registrar o que


ficou posteriormente reconhecido como a marca do governo Geisel com
relação à educação: forte ênfase no desenvolvimento de uma política para
o ensino superior no país. Foi igualmente intencional no sentido de carac-
terizar o período Geisel como o de um governo que quis deixar sua marca
na racionalização e aprimoramento de uma estrutura funcional qualificada
pela formação de recursos humanos e de um quadro técnico-especializado
da burocracia. A modernização administrativa, a formação de recursos hu-
manos para a saúde, a criação de Programa Institucional de Capacitação
Docente (PICD), a modernização hospitalar, a atuação do Mobral no pro-
grama de educação para higiene e saúde, a criação de cursos de enferma-
gem e nutrição, em nível de pós-graduação e especialização para essas áreas,
bem como de pós-graduação em engenharia sanitária, até então inexisten-
te no país, aprovado em 1976 pelo Conselho Federal de Educação, tudo
isso ilustra a tônica que a documentação contida no acervo oferece ao pes-
quisador interessado no balanço do período. Há, por exemplo, um do-
cumento intitulado “Preparação de recursos humanos para a área de saú-
de”, datado de 17-8-1976 (IV-14), que consiste na descrição de um amplo
programa de preparação de pessoal para área de saúde em todos os níveis:
ensino de 1o e 2o graus, treinamento dos técnicos de saúde do INPS, pro-
jeto para clientela de 220 mil pessoas. Constavam do projeto treinamentos
especiais fora das escolas formais, que não poderiam a curto prazo suprir
as necessidades oriundas de carências acumuladas. Tal programa previa,
Helena Bomeny.fm Page 96 Tuesday, October 28, 2008 2:34 PM

96 DO SSIÊ G E ISEL

em nível de pós-graduação, a implantação do Sistema Nacional de Resi-


dência em Medicina, com o objetivo de permitir o treinamento de um mí-
nimo de 20% dos concluintes dos cursos de medicina em programas de re-
sidência.
O conjunto dos documentos que tratam do ensino superior e da
pós-graduação é substancial no sentido de identificar o propósito estratégi-
co daquele governo de institucionalizar nacionalmente o campo da produ-
ção científica e tecnológica nas mais distintas áreas do conhecimento. Cur-
sos especiais para qualificação de recursos humanos nas áreas de saúde
(medicina, enfermagem etc.), educação e engenharia foram anunciados
como prioridade e, em alguns casos, apresentados como estatística de in-
vestimento no setor. O Informe no 2/78, de 14-3-1978 (VI-01), transmitido
ao presidente da República pelo ministro da Educação, trata da qualifica-
ção do pessoal de saúde como iniciativa do ministério em colaboração à
implementação do Sistema Nacional de Saúde (Lei no 6.229, de 1975). O
objetivo era proporcionar às instituições integrantes do sistema recursos
humanos de nível auxiliar em número e qualificação adequados. A coope-
ração do Ministério da Educação consiste em definir o que seria sua área
de competência no grande projeto de modernização dos quadros de ad-
ministração e de assistência públicas no país. Nesse campo de racionali-
zação e modernização de competências técnicas, a Capes liderou o projeto
de formação de pessoal de nível superior. A documentação contida no
acervo permite compreender melhor a extensão desse investimento e tam-
bém as dificuldades que as agências tinham de vencer para implementar o
programa geral. Um desses obstáculos era exatamente a estabilidade finan-
ceira necessária para não haver solução de continuidade dos programas
de bolsas no exterior.
Os documentos disponíveis no arquivo podem ser úteis para ava-
liar o que o próprio governo considera como realizações de seu programa.
No que se refere ao ensino superior, as principais medidas adotadas na
área e sumariadas num dos documentos são: racionalização e ordenamen-
to do sistema nacional de ensino superior (contenção drástica da expansão
desordenada; regularização de cursos sem reconhecimento; fortalecimento
das instituições em funcionamento que tenham demonstrado idoneidade e
capacidade nas áreas públicas e privadas); apoio substancial (financeiro,
qualificação de pessoal docente, fomento do desenvolvimento científico e
tecnológico do país); programas de apoio e incentivo ao corpo discente
(programa de crédito educativo). Nesse particular, destacam-se os documen-
tos que tratam de investimento em infra-estrutura universitária, compreen-
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HELENA BOMENY 97

dendo a construção ou reforma de unidades específicas do campus, com-


pra de equipamentos, reforma hospitalar, ampliação de ambientes físicos
para pesquisa e magistério etc. É preciso lembrar que os “excedentes” das
décadas anteriores foram substituídos por um volume considerável de es-
tudantes com acesso liberado ao ensino superior.
A expansão acelerada do Sistema Federal de Ensino Superior,
cujo número de matrículas iniciais aumentou de 75 mil em 1966 para 212
mil em 1973, um crescimento anual de 14,5%, não foi acompanhada de
ampliação correspondente do espaço físico destinado a receber essa
nova clientela. O investimento não era apenas uma expectativa, mas uma
exigência que a realidade já impunha ao administrador público.5 Num
dos documentos do arquivo, “Previsão de recursos para a construção dos
campi universitários” (II-10), a associação entre implantação da reforma
universitária e necessidade de investimento de infra-estrutura é explícita:

“A implantação da reforma universitária tem, provavelmente, recebido a


maior sobrecarga de repercussões originadas da demora na construção
dos campi. Essencialmente dependente da integração física das ativida-
des acadêmicas e da centralização das atividades administrativas e de
apoio, a aplicação de seus postulados básicos vem sendo demorada, em
face da dispersão das unidades de ensino, geralmente por pontos espar-
sos dos espaços urbanos. Dentro desse quadro, tem-se tornado difícil a
solução ordenada das estruturas acadêmicas e administrativas, desde a
concepção da escola até a do centro integrado de ensino, pesquisa e ex-
tensão.”

A estratégia de implantação da pós-graduação foi matéria para


um Plano Nacional de Pós-Graduação e é possível encontrar no arquivo
ao menos quatro documentos que tratam do assunto. As orientações
estão expressas na intenção de consolidar as bases institucionais do siste-
ma de pós-graduação, no aprimoramento da qualidade dos cursos em
funcionamento, na ampliação de eficiência do sistema vigente e na pro-
moção de um crescimento planejado do próprio sistema. O apoio da
Finep nesse período foi fundamental para que tais metas fossem cumpri-
das ou, ao menos, decisivamente consideradas. A Capes e o Departa-
mento de Assuntos Universitários são os órgãos chamados a assumir res-

5 Sobre o sistema universitário nesse período e a expansão da pós-graduação, examinada a


seguir, há uma vasta bibliografia. Ver, por exemplo, Velloso, 2002; Guimarães, 1997; Gui-
marães & Caruso, 1996; Bomeny, 2001.
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98 DO SSIÊ G E ISEL

ponsabilidade maior nesse programa de expansão com eficiência e


qualidade na formação de pessoal de nível superior para as muitas áreas
de conhecimento e intervenção de que o país já dispunha. Não apenas a
área tecnológica recebeu incentivos substanciais; os programas das áreas
de ciências humanas e humanidades em geral tiveram então seu momen-
to de mais destaque no que diz respeito ao fomento, apoio técnico e su-
porte financeiro. A atuação da Finep no sentido de estimular e sustentar
programas de pós-graduação e instituições de pesquisa, além de pesqui-
sas nas universidades, é uma indicação desse investimento. Integrar, na
universidade, educação e pesquisa, docência e pesquisa foi o desdobra-
mento da reforma de 1968 que de forma mais incisiva explica a decisão
política de alto investimento na pós-graduação.

Movimento estudantil
Como titular do MEC, Ney Braga desempenhou papel político
importante no sentido de amortecer conflitos e neutralizar reações estu-
dantis que, embora em menor intensidade no governo Geisel, eram ainda
tributárias de políticas repressivas dos governos anteriores. Embora tenha
sido uma gestão em que a mobilização estudantil recuperou uma força que
não se via desde 1968, o tom da documentação do arquivo e os próprios
movimentos não traduzem a radicalidade do período mais duro do regime
militar.
Os despachos do ministro da Educação com o presidente Geisel
trazem alguns documentos sobre a mobilização política da juventude, cha-
mando sempre a atenção para o sucesso da desmobilização progressiva ve-
rificada ao longo do período. Os documentos, em sua maioria expressiva,
tratam o movimento estudantil pelo lado negativo de uma participação ra-
dicalizada que deve ser neutralizada. A mobilização foi tratada como rea-
ção contrária ao regime, identificada pelo radicalismo de lideranças e por
aspectos danosos à saúde da convivência estudantil. Nesse momento da
vida política brasileira, o ritmo da mobilização é ascendente e a documen-
tação reflete essa tendência.
Em seis documentos do dossiê é possível tomar contato com a
avaliação e o acompanhamento, por parte do governo, da mobilização dos
estudantes. Os títulos indicam o caráter de relatório que os documentos
têm: “Situação estudantil” (III-18), “Situação na área educacional” (III-23),
“Problema estudantil” (V-16), “Movimento estudantil” (V-08). Num dos do-
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HELENA BOMENY 99

cumentos, texto de saudação aos universitários, o ministro apresenta for-


malmente a resposta do presidente Geisel ao memorial que os universitá-
rios fizeram chegar às suas mãos, onde um dos pontos diz respeito
precisamente ao movimento estudantil, ou por outra, sobre o papel do es-
tudante na vida política do país e, na formulação do ministro, “a sua pre-
paração para o exercício da cidadania e da liderança social”. Ney Braga
afirma ser “a questão objeto de reflexões constantes deste Ministério”. Me-
didas objetivas estão em via de elaboração, adianta o ministro, “no sentido
de superar os problemas decorrentes da separação entre a representação
estudantil e a associação dos universitários em diretórios” (fevereiro de
1975, III-08). Fica claro, no entanto, pela apreciação dos outros documen-
tos, que o limite de tal mobilização será rigorosamente observado: “a legis-
lação sobre a representação estudantil e a organização dos diretórios não
sofrerá qualquer alteração. (...) O Ministério não reconhece a existência de
qualquer diretório ou órgão estudantil constituído sem a observância da
disciplina legal em vigor” (Aviso-Circular Reservado no 335, 12-5-1977,
V-8). O acompanhamento do movimento estudantil em cada estado, em
cada reunião de agremiação discente, e os termos utilizados para retratar o
que está sendo observado (“desenvolvimento do processo de agitação de
uma pequena parcela da população universitária”, entre outros de igual
teor) são sintomáticos da preocupação do governo em responder à mobi-
lização dos estudantes. Um dos parágrafos do Informe no 44/77 (V-16)
pode ser reproduzido como síntese representativa do teor político e da es-
tratégia que o ministério do governo Geisel elegeu para responder ao mo-
vimento estudantil:

“Além de muitas outras ações que se refletem, no presente imediato,


para a melhoria de nossas condições de ensino, as aqui relacionadas
estão contribuindo para reduzir a onda de contestação que se forma-
va em relação à situação das nossas instituições de ensino superior. O
que ouvimos, hoje, não encontra eco na grande maioria do alunado
brasileiro.”

As muitas ações são designadas no documento: investimento da


ordem de Cr$700 milhões para construção e instalação dos campi univer-
sitários; política de diversificação dos cursos oferecidos; programas de
aperfeiçoamento administrativo das universidades e das instituições isola-
das de ensino superior; atividades de extensão universitária; Plano de Clas-
sificação de Cargos, atingindo 35 mil professores do sistema federal; rigor
Helena Bomeny.fm Page 100 Tuesday, October 28, 2008 2:34 PM

100 DO SSIÊ G E ISEL

na autorização de funcionamento de cursos, diminuindo a taxa de cresci-


mento do ensino de 3o grau em favor da qualidade dos cursos disponíveis
etc. A opção propositiva, ou, pela própria definição do ministro, “a ação
preventiva” do ministério com relação a uma política de fomento às insti-
tuições de ensino superior foi diagnosticada como estratégica para o con-
trole da mobilização política estudantil. Os relatos sobre o movimento ar-
quivados nas pastas de educação não correspondem à conjuntura política,
ainda muito repressiva, principalmente no biênio 1975-77. Exemplo disso
foi o episódio que envolveu a morte de Wladimir Herzog e Manoel Fiel
Filho na prisão em São Paulo e cujo resultado foi a demissão, pelo presi-
dente Geisel, do comandante do II Exército, Ednardo D’Ávila Melo.
A documentação disponível no dossiê MEC do Arquivo Geisel é
insuficiente para a recuperação da relação entre estudantes e regime po-
lítico, e o material disponível sobre mobilização estudantil não dá pistas
muito ricas sobre a tensão entre o movimento estudantil e o sistema de
segurança. Como já bem chamaram a atenção Soares e D’Araujo (1994c,
1995), há nesse período um certo descolamento entre o discurso do go-
verno e o sistema de repressão, que age em certos momentos de forma
autônoma com relação ao próprio governo. Nesse aspecto, especifica-
mente, a documentação não espelha a dinâmica da conjuntura política
daquele momento.
O episódio do “Réquiem” é outro exemplo de como essas ques-
tões aparecem na documentação. Trata-se de matéria publicada na re-
vista Veja e diz respeito ao Decreto no 477. Em informe (no 28/78, 1-8-
1978, VI-12) ao presidente da República, o ministro Ney Braga faz uma
apreciação do artigo “Réquiem para o 477”, publicado pela revista Veja
na sua edição daquela semana de agosto. A história é um pouco mais
longa. Veja teria tido acesso a um documento interno do ministério —
documento de 180 páginas, aparentemente um levantamento geral da
política para o ensino superior como subsídio aos futuros administradores
— e dado destaque na referida matéria ao Decreto no 477, tema que, se-
gundo o ministro, ocupa duas páginas do documento em pauta. O infor-
me considera sensacionalista a matéria de Veja com o argumento de que
“o título da referida reportagem dá destaque desproporcional a um as-
pecto específico que, no documento em causa, comparece como tema
para aprofundamento futuro em apenas duas páginas”.
O tema da socialização política está concentrado no empenho
pela difusão das disciplinas educação moral e cívica (EMC) e organização
social e política brasileira (OSPB), mobilização controlada e orientada se-
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HELENA BOMENY 101

gundo princípios e valores a serem transmitidos através de um processo


continuado de educação cívica. Como é de conhecimento público, o De-
creto-lei no 869, de 12-9-1969, institui a obrigatoriedade da educação
moral e cívica, disciplina obrigatória e prática educativa em todos os
graus e modalidades dos sistemas de ensino do país. Nas pastas de edu-
cação do Arquivo Geisel encontramos documentos que fazem menção a
essa decisão do regime militar, enfatizando a necessidade de preparar
professores-coordenadores capazes de dar aos programas de EMC e
OSPB a dinâmica flexível e diversificada que os cursos em vários níveis
exigiriam. O investimento nessa disciplina, incluindo convênios com ins-
tituições como Fundação Getulio Vargas e Universidade Mackenzie para
sua implementação mais efetiva, está registrado em documentos disponí-
veis no acervo Geisel (Informe no 3/78, 14-3-1978, VI-1).
Com a saída de Ney Braga para as eleições de 1978, assume o
Ministério da Educação, em maio de 1978, o paranaense de Curitiba
Euro Brandão (1924-2000). O verbete do Dicionário histórico-biográfico
brasileiro chama a atenção para um aspecto importante que, em grande
medida, pode igualmente ser estendido ao ministro Ney Braga: a forma
constrangedora com que os integrantes do governo da “distensão” teriam
que lidar com as práticas repressivas que ainda vigoravam no país, par-
ticularmente no campo da organização e mobilização estudantis. Esta-
vam em questão e eram matéria de conturbada reação governamental
tanto as associações e agremiações estudantis, proibidas por decreto e
alvo de perseguição pelas forças da repressão, quanto a mobilização es-
tudantil, que a despeito da proibição continuava sob controle das forças
policiais. Um dos documentos do acervo, na breve gestão de Euro Bran-
dão, pode ser interessante para a recuperação dessa atmosfera que, a
despeito das divergências dentro do governo sobre a manutenção da po-
lítica repressiva e em particular do Decreto no 477, continuava marcada
pelas reações e decisões dos governos militares anteriores a Geisel, espe-
cialmente pelo governo Médici.

Educação básica: a outra face do “Brasil potência”


“O Mobral é um projeto criado pela Revolução e com ela iden-
tificado (...).” Esta afirmação está no despacho de 13-4-1976 (IV-5), “Projeto
de apoio do Brasil à Guiné-Bissau no campo da alfabetização”, e traduz
com fidelidade os esforços do governo Geisel dirigidos para a educação bá-
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102 DO SSIÊ G E ISEL

sica. Como vencer o analfabetismo, como criar mecanismos para alfabeti-


zação em massa? A ação do Mobral teve seus opositores contumazes e não
pôde ser considerada um projeto bem-sucedido do governo militar à épo-
ca, muito menos nos momentos subseqüentes ao regime militar. Darcy Ri-
beiro foi um de seus críticos mais ilustres, mas não esteve sozinho nessa em-
preitada. A ligeireza com que procedia nos programas de alfabetização de
adultos, o afã de identificar numericamente o sucesso do programa e a
falta de consistência no aprendizado do que se ministrava através do mo-
vimento de alfabetização foram as críticas mais freqüentes que fizeram à
época e também posteriormente os educadores e intelectuais envolvidos
com os temas da educação. Mas o dossiê MEC do Arquivo Geisel indica
que o Mobral tinha ainda sua força como programa político e ideológico
que o governo queria fortalecer. O despacho em questão trata da proposta
do ministério de apoiar a Guiné-Bissau num projeto de alfabetização, mar-
cando a presença do Brasil no mundo “como país que entende e pratica a
solidariedade internacional dentro de padrões inatacáveis”, ao mesmo
tempo que identificaria o Mobral com o que o documento classifica como
“projetos ambiciosos”, que “exacerbam o sentimento patriótico”. Segundo
outro documento, de 11-5-1976 (IV-07), referente ao mesmo tema, “a ima-
gem do Mobral cresceria extraordinariamente, respondendo a críticas, a
objeções, a restrições, que vêm sendo feitas no exterior”.
No campo da educação fundamental — compreendendo 1o e
2o graus — as questões de mais relevo na documentação estão relacio-
nadas ao esforço de alfabetização em massa, com apresentação do índice
nacional de analfabetismo na casa dos 16,5%, guardadas as proporções
desiguais por região (Sudeste com 12,05% e Nordeste com 24,5%), e ao
programa de profissionalização no 2o grau, atendendo à Lei no 5.692, de
11-8-1971, que prescreve como orientação proporcionar formação tec-
nológica a grande parte dos alunos de 2o grau, formação que os habilite
a se empregar ou prosseguir em estudos superiores. O início do do-
cumento (Informação no 59/77, 22-11-1977, V-19) que trata da implanta-
ção do ensino profissionalizante no nível de 2o grau é ilustrativo da ori-
entação do governo:

“Norteada pelo pressuposto de que a educação não pode mais restrin-


gir-se ao campo dos estudos gerais, de caráter propedêutico, uma vez
que os conhecimentos tecnológicos se tornaram indispensáveis à adap-
tação do indivíduo ao meio, foi que a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de
1971, veio indicar os novos rumos a seguir no ensino de 1º e 2º graus,
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HELENA BOMENY 103

visando a proporcionar a grande parte dos alunos de 2º grau, cujo nú-


mero atinge hoje a mais de 2 milhões, uma formação tecnológica que
os habilite, ao concluírem um curso de nível médio, a se empregarem
ou prosseguirem em estudos superiores.”

Para acelerar o processo, o MEC firmou contrato de coopera-


ção técnica com a Fundação Getulio Vargas para implantar habilitações
básicas nos setores industrial, de comércio, de serviços e agropecuário
em todo o país. Com relação ao 2o grau, a profissionalização dos cursos,
tema que dominou toda a década, foi a decisão governamental que mais
teve impacto nesse nível de escolaridade.
O Departamento de Ensino Fundamental do MEC lidava à
época com um problema que ainda hoje representa um desafio ao siste-
ma educacional brasileiro: a defasagem entre idade e série, distorção que
exige grande esforço de adequação pedagógica e provocada em grande
medida pela retenção, na 1a série do 1o grau, dos alunos que não ven-
cem a barreira da alfabetização. A qualidade do sistema educacional já
estava então na berlinda, mas não tinha o espaço público de discussão
que presenciamos a partir da década de 1990.
Uma nota final a respeito desses dois níveis de ensino vai para a
política de produção de materiais didáticos. A década de 1970, sobretudo
no início, assistiu à proliferação de materiais didáticos, ao incentivo ao
parque editorial com a justificativa de contornar dificuldades na exe-
cução dos programas oficiais de educação. O Instituto Nacional do Livro
e o Ministério da Educação participaram de convênios desse teor, e al-
guns documentos guardados no arquivo podem auxiliar na recuperação
do programa de produção de livros didáticos, programa que também foi
alvo de muitas críticas e, não raro, de muita suspeição, particularmente
no que diz respeito ao favorecimento de editoras mediante um volume
nada desprezível na escala de produção e venda desses materiais ao go-
verno federal para distribuição às escolas de todo o país.
O que se pode reter da leitura de toda essa documentação é
que a década de 1970 será sempre referência em estudos que se concen-
trem na recuperação do crescimento econômico e na institucionalização
de políticas para o desempenho e a formação de capital humano no Bra-
sil. A expansão do sistema educacional em suas múltiplas dimensões —
primário, secundário e superior (incluindo o programa de pós-gradua-
ção) — é um dos exemplos dessa constatação. Os documentos do Arqui-
vo Geisel podem ser úteis no sentido de mapear e identificar o sentido, a
extensão e a confiabilidade dos rumos de tal crescimento.
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Abertura política e controle sindical:


trabalho e trabalhadores no
Arquivo Ernesto Geisel

A n g el a d e C a s t r o G om es
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106 DO SSIÊ G E ISEL

Um pouco de história...

As questões que envolvem a organização do mercado de traba-


lho num país, ou seja, as relações legais que vão presidir os contratos fir-
mados entre patrões e empregados e toda a série de direitos e deveres
que cada parte assume perante a outra, bem como perante o Estado e a
sociedade, costumam ser parte fundamental e também conflituosa da his-
tória do que nos habituamos a chamar de acesso à cidadania. No caso,
de uma dimensão da cidadania vinculada aos direitos sociais (diferencia-
dos dos civis e políticos, mas a estes vinculados), que dizem respeito, por
exemplo, à educação e à saúde, mas que também, em grande parte, an-
coram-se nos “direitos do trabalho”. Esses direitos, por sua vez, abarcam
uma série de domínios, pois podem significar a criação de normas regu-
ladoras para os que estão trabalhando (horários, férias, salários etc.) e
para os que não mais trabalham (aposentadorias, pensões etc.), além de
incluir questões ligadas à organização do próprio mundo do trabalho
e suas manifestações (associações de empregados e de patrões, gre-
ves etc.). Em suma, um amplo e variado conjunto de questões práticas e
absolutamente cruciais para a organização econômica, social e política
de qualquer país que precisam ser institucionalizadas legalmente.
Internacionalmente, esse processo exigiu a criação de instâncias
formais que se especializassem no trato dos direitos do trabalho, com des-
taque para aquelas onde atua o Estado, ator relevante na instituição des-
ses direitos, bem como em sua fiscalização e permanente transformação.
Por tal razão, um momento importante na constituição dos direitos do
trabalho num país é a criação de uma instância governamental de âmbito
nacional especialmente encarregada de regulamentar tais direitos: o Mi-
nistério do Trabalho. Mas, como os direitos do trabalho se transformam,
geralmente ampliando-se para abarcar maior número de trabalhadores
ou para reconhecer novas demandas sociais, os ministérios do Trabalho
também se transformam, assumindo formatos organizacionais diversos e
postulando para si objetivos específicos, conforme a conjuntura histórica
nacional e internacional em que se insere a sua atuação.
No Brasil não foi diferente.1 O primeiro ministério desse tipo
nasceu como Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,2 um dos atos

1Para uma pequena trajetória do Ministério do Trabalho, ver Gomes, 1992.


2
A Revolução de 1930 começou no dia 3 de outubro, e a criação do ministério, através do
Decreto-lei nº 19.433 de 26-11-1930, deu-se portanto menos de dois meses depois.
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ANGELA DE CASTRO GOMES 107

principais e mais simbólicos da chamada Revolução de 1930, que assina-


lou o fim da República “Velha”, conforme terminologia dos próprios “re-
volucionários”. “Velha”, entre outras razões, porque não encarava ques-
tões “novas”, como a necessidade de instaurar direitos sociais, entre os
quais os do trabalho, fundamentais para o desenvolvimento de um país
que precisava se modernizar.3 Tarefa urgente que, para os dirigentes po-
líticos do momento, cumpria ao Estado liderar. Economia, trabalho e mo-
dernização eram a tríade que presidia o novo ministério, não por acaso
reunindo sob a égide do Estado os “empregados e os empregadores”,
também segundo a terminologia que então se consagrou. O Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, ao lado do Ministério da Educação e
Saúde, ambos ministérios revolucionários, marcavam, no Brasil, o início
de um período tanto de forte intervenção estatal quanto de efetiva im-
plementação de direitos sociais.
Até os anos 1960, atravessando os anos da experiência liberal-
democrática iniciada em 1945, quando a força do Estado recua, mas os
direitos sociais são mantidos ao lado dos políticos, esse é o formato da
pasta. A primeira alteração que ela vai sofrer data de fins do governo Jus-
celino Kubitschek e vincula-se à aprovação da Lei Orgânica da Previdên-
cia Social, que tramitou no Congresso Nacional por 13 anos, de 1947 a
1960. Com sua aprovação, o “Ministério da Revolução” desdobra-se em
dois: o da Indústria e Comércio e o do Trabalho e Previdência Social.
Esse novo formato indicava a crescente importância das questões da pre-
vidência social no Brasil, processo que não seria interrompido pelo mo-
vimento militar que eclodiu em 1964, inaugurando uma nova experiência
de autoritarismo no país. É no curso dessa experiência, precisamente
quando da chegada à presidência do general Ernesto Geisel, em 1974,
que a pasta sofre uma nova alteração. Desta feita, e ainda em função do
crescente espaço que as questões previdenciárias vinham ganhando, ela
se desdobra mais uma vez: Trabalho sob um comando e Previdência e

3
Durante a chamada República Velha, houve luta dos trabalhadores por leis que regulas-
sem o mercado de trabalho, resistências do patronato e debates no Congresso, com a apro-
vação de algumas importantes medidas legislativas, ainda que elas fossem desrespeitadas.
Cabe citar uma lei de acidentes de trabalho, a fundação de caixas de Aposentadorias e Pen-
sões para ferroviários, um Código de Menores, uma lei de férias e também a criação de um
Departamento Nacional do Trabalho. Todas essas iniciativas são sistematicamente obscure-
cidas pelos políticos do pós-1930, que formulam um discurso no qual somente após a Re-
volução de 1930 a “questão social” foi enfrentada no Brasil.
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108 DO SSIÊ G E ISEL

Assistência Social sob outro. Em 1o de maio de 1974, Dia do Trabalho, o


presidente anunciou sua primeira medida de peso nessa área tão estraté-
gica para as relações entre Estado e sociedade.
Um pouco antes, contudo, em 15-3-1974, um novo ministro as-
sumia a antiga pasta, inclusive para conduzir seu desdobramento, que de-
veria realizar-se o mais breve possível. Era Arnaldo Prieto, gaúcho, for-
mado em engenharia e com experiência política que datava dos anos
1940, como vereador do Partido Democrata Cristão (PDC). Mas sua car-
reira só deslanchara nos anos 1960, quando foi secretário do Trabalho e
Habitação de Ildo Meneghetti, governador eleito pelo Partido Social De-
mocrata (PSD) do Rio Grande do Sul, opositor ferrenho do então presi-
dente da República João Goulart, também gaúcho, mas do Partido Tra-
balhista Brasileiro (PTB). Com o movimento de 1964, que derruba Jango,
e com o AI-2 (de 1965), que dissolve o sistema partidário vigente desde
1945, Prieto filia-se à Aliança Renovadora Nacional (Arena), elegendo-se
deputado federal para o mandato de 1965-74. É nesse momento, quando
se destaca como uma das principais lideranças do partido do governo,
que é escolhido por Geisel para a chefia do ministério.
Prieto assume em contexto não muito favorável. Os anos de
1973/74 são os do conhecido “primeiro choque do petróleo”, que deses-
tabiliza a economia internacional e assinala o fim do chamado “milagre
brasileiro”. Além disso, e também por isso, segundo a própria expectativa
dos atores políticos envolvidos no ministério, esperava-se um certo res-
surgimento de “oposições” ao regime militar, sobretudo na área trabalhis-
ta e sindical. Aliás, um dos argumentos que se vislumbra na documenta-
ção sobre a conveniência do desdobramento da pasta é a necessidade de
o ministro concentrar-se em “questões trabalhistas”, afastando-se das nu-
merosas e complexas “questões previdenciárias”.
A centralidade e a importância políticas dessa expectativa só
podem ser dimensionadas em função do grande projeto de fundo do
governo Geisel: realizar uma “abertura lenta e gradual” do regime, pre-
parando o terreno para uma “futura e segura” saída de cena dos mili-
tares. Algo que poderia ser aproximado da gerência política de Vargas
na primeira metade dos anos 1940, quando conduziu transformações
no interior do Estado Novo, transformações que envolveram uma estra-
tégica interlocução com trabalhadores, patrões e seus sindicatos. Guar-
dadas todas as proporções e diferenças de conjuntura, o mesmo tipo de
cuidado povoava as mentes do presidente, do ministro e de seus asses-
sores. O espaço sindical e trabalhista tinha que receber atenção muito
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ANGELA DE CASTRO GOMES 109

especial em função dos graves problemas da economia e da conveni-


ência de flexibilização de controles explícitos, paralelamente à necessi-
dade de manter a vigilância política, de modo a impedir o retorno da
subversão e da ameaça comunista.

O Ministério do Trabalho no Arquivo Geisel


Proponho-me realizar aqui uma espécie de mapeamento do
material documental disponível no arquivo privado do presidente Geisel,
referente à gestão de Arnaldo Prieto no Ministério do Trabalho. A do-
cumentação está reunida em cinco pastas, sendo assim pouco volumosa.
Nelas existem, praticamente, apenas as agendas de despacho entre o mi-
nistro e o presidente, o que significa um conjunto de temas a serem tra-
tados entre ambos, quinzenalmente. A composição do material é a de
uma listagem inicial — espécie de índice de assuntos —, seguida de um
brevíssimo resumo de cada item relacionado anteriormente. Esse mate-
rial foi certamente preparado sob supervisão direta do ministro e retido
por Geisel junto à sua própria documentação.
A questão, para o pesquisador, é que, na maioria absoluta das
vezes, todos os assuntos agendados e resumidos não são acompanhados
de qualquer documentação anexa e/ou complementar, mesmo quando,
pelos rápidos resumos, fica-se sabendo que ela existia e constituía parte
fundamental do despacho. Isso ocorre, por exemplo, quando o ministro
encaminha resultados de trabalhos realizados por comissões, relatórios
sobre eventos ou mesmo quando anexa jornais, como o da Confedera-
ção Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), para serem exa-
minados pelo presidente. A inexistência desses anexos, portanto, empo-
brece muito a documentação. Por que isso ocorre é impossível saber
exatamente. Pode-se especular um pouco, até porque nos fundos do-
cumentais referentes a outros ministérios isso não acontece de maneira
tão cabal quanto na pasta do Trabalho. Mas pode-se afirmar que foram
mantidas, rigorosamente, todas as agendas de despachos.
De toda forma, isso torna a documentação pobre e extrema-
mente fragmentada, impossibilitando o pesquisador de recolher material
mais substancioso ou fazer reflexões mais seguras. Ela pode, portanto, ser-
vir como material paralelo e complementar, e não como núcleo do-
cumental para o debate de uma questão formulada para investigação.
Justamente por isso o trabalho com a documentação do ministério foi
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110 DO SSIÊ G E ISEL

árduo e difícil. A única estratégia viável era realizar um mapeamento dos


temas mais constantes e importantes visando a orientar futuras pesquisas,
e não um debate sobre algum tema que, aos olhos do investigador, se
destacasse em meio à documentação. Para tanto, as agendas de despa-
chos foram lidas uma a uma, fazendo-se anotações que permitissem, pos-
teriormente, verificar a incidência (quantitativa e qualitativa) dos assuntos
tratados. Feito isso, os temas mais freqüentes foram analisados em seu
desdobramento pelas agendas, o que lhes deu uma certa periodização e re-
levância. É exatamente isso que se irá apresentar, a partir daqui, ao leitor.

Os despachos e seus temas


O primeiro tema que se impõe é o próprio desmembramento
do ministério. Fica-se então sabendo que Prieto considera fundamental
que o governo, imediatamente após a medida, deixe claro que vai tomar
providências importantes na área trabalhista, devendo o novo ministério
concentrar-se em algumas metas mais específicas, como o aprimoramen-
to da formação de mão-de-obra; questões de higiene, medicina e segu-
rança do trabalho; o reaparelhamento das delegacias regionais do Traba-
lho; maior atenção aos órgãos de fiscalização profissional; e, finalmente,
maior assistência às organizações sindicais (I-9, Agenda de 27-7-1974).4
Além disso, em função do desmembramento, o ministério vai
sofrer toda uma reestruturação administrativa, inclusive com a criação
de novas secretarias, como a de Emprego e Salários e a de Relações de
Trabalho. O interessante, contudo, é constatar, pelo acompanhamento
das agendas, como esse processo de reorganização foi lento, chegando
a cobrir praticamente todo o período do governo Geisel. Assim, vê-se
que apenas em março de 1977 a Seplan aprovou efetivamente uma
nova estrutura para o ministério já existente e em funcionamento desde
maio de 1974. Mas, até abril de 1978, a implementação dessa estrutura
foi postergada por recomendação explícita do próprio Geisel, que não
aceitava a criação de novos órgãos na administração pública. Por con-
seguinte, apenas em maio de 1978 o ministro Prieto recebeu autoriza-
ção presidencial para implementar a nova estrutura burocrática propos-
ta e aprovada. Contudo, ficam pendentes alguns problemas, em função
das novas despesas criadas, o que indica dificuldades ainda existentes

4
Todos os documentos citados neste capítulo são do dossiê EG/pr 1974.03.26/1.
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ANGELA DE CASTRO GOMES 111

para a plena efetivação do modelo ministerial após quatro anos de fun-


cionamento (V-5, Agenda de 11-5-1978).
Outro tema de importância inequívoca é a representação bra-
sileira na Organização Internacional do Trabalho (OIT). A documentação
revela a preocupação do governo com essa organização, o que se traduz,
por exemplo, na presença do país em todas as conferências ocorridas
entre 1974 e 1979 e, principalmente, no interesse do próprio presidente
em que o Brasil nela ocupasse lugar de destaque. Com tal objetivo, toda
uma estratégia será montada, envolvendo a Presidência da República e
os ministérios do Trabalho e das Relações Exteriores.
A figura-chave nessa questão de política nacional e internacio-
nal, mas não apenas nela, como se verá, é o ministro do Tribunal Supe-
rior do Trabalho (TST), Arnaldo Sussekind. Segundo depoimentos de
Geisel e de Sussekind,5 teria sido ele o nome cogitado para a pasta do
Trabalho. Mas, devido a razões de ordem pessoal, o convite não foi acei-
to. Ex-ministro do governo Castelo Branco, Arnaldo Sussekind tinha ínti-
ma convivência com tudo que era ligado ao direito do trabalho, desde a
década de 1930-40, quando, ainda muito jovem, integrara a comissão
que elaborou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Ex-
perimentado em assuntos do gênero também em fóruns internacionais,
Sussekind integrava então a Comissão de Peritos da OIT, uma comissão
de teor técnico, formada por pessoas de reconhecido saber jurídico em
matéria trabalhista.
Pela documentação das agendas de despachos do ministério,
secundadas e enriquecidas pelo relato de Sussekind, pode-se acompa-
nhar o desenrolar dos acontecimentos. Ainda em inícios de 1974, o pre-
sidente da República chama o ministro do TST para uma conversa e lhe
pergunta por que o Brasil não fazia parte do Conselho de Administração
(CA) da OIT, se era um de seus primeiros membros e importante país la-
tino-americano. A resposta de Sussekind foi simples e imediata: porque o
Brasil não fora eleito, o que teria surpreendido Geisel.
Aqui é interessante chamar a atenção para dois pontos. Primei-
ro, cumpre entender o que é esse Conselho de Administração. Trata-se
da instância mais importante da OIT, correspondendo a uma direção co-
legiada e restrita dessa organização. O CA é integrado por 10 países-
membros não-eletivos e por 18 países-membros eleitos para um mandato
que se renova de três em três anos. A eleição segue uma lógica de re-

5
Ver D’Araujo & Castro, 1997:267. Depoimento oral concedido a Angela de Castro Gomes
e Elina Pessanha por Arnaldo Sussekind (maio/jun. 2000).
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112 DO SSIÊ G E ISEL

presentação continental e orienta-se por um gentlemen’s agreement, uma


vez que as indicações realizadas pelos integrantes de uma região costu-
mam ser aceitas pela OIT.
O segundo ponto é o interesse de Geisel, que evidentemente
estava disposto a realizar esforços para que o Brasil integrasse o CA da
OIT. Esse ponto é mais difícil de explicar, para além das razões óbvias da
visibilidade internacional que tal posição confere a um país, sobretudo
quando este vive sob um regime autoritário acusado de desrespeito aos
direitos humanos de seu povo.
Para o Brasil integrar o CA da OIT, o que era mais viável através
do voto dos membros latino-americanos, era necessário armar toda uma
estratégia que ultrapassava a área dos assuntos trabalhistas e envolvia di-
retamente o Ministério das Relações Exteriores, sob a direção de Azeredo
da Silveira. Tal estratégia começa a ser montada com a ida da comissão
brasileira à Conferência da OIT de 1974, sob a chefia do próprio ministro
Prieto. Vê-se pelos despachos que ele desejava assumir pessoalmente as
questões nessa área, até então concentradas nas mãos do consultor jurí-
dico do Ministério do Trabalho. Uma operação que implicava esvaziar
gradativa e prudentemente os poderes desse posto, reforçando a posição
do ministro internacionalmente. Pela documentação percebe-se que a
OIT começaria a coordenar a assistência técnica voluntária de país a país,
e o Brasil já atuara no âmbito latino-americano através do Serviço Na-
cional de Ensino Industrial (Senai), que tinha competência na formação
de mão-de-obra, uma das metas traçadas pelo ministério.
Prieto vai à conferência e, em seu balanço, considera a viagem
proveitosa. A situação do Brasil teria melhorado ante a OIT, sobretudo na
questão dos trabalhadores rurais, especialmente em função da atuação
dos sindicatos no Funrural. Observa, contudo, que a OIT ainda apontava
como falha em nosso sistema a não equiparação entre a previdência ur-
bana e a rural. Mas, além disso, a conferência dá-lhe a oportunidade de
convidar o diretor-geral da OIT a uma visita ao Brasil, a ser realizada
antes das eleições para os novos membros do CA. O diretor de fato vem
e visita Brasília, onde é recebido por Geisel, e também o Rio de Janeiro.
Em ambas as ocasiões é ciceroneado por Arnaldo Sussekind e, do que se
pode depreender, fica bem impressionado. Paralelamente, o Ministério
das Relações Exteriores concatena suas démarches, que se concluem com
êxito, pois em junho de 1975 o Brasil é eleito para o CA da OIT, sendo
Sussekind seu representante. Para sua vaga na Comissão de Peritos, que
não devia ser perdida, é aprovado pela OIT o nome de Cesarino Júnior,
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ANGELA DE CASTRO GOMES 113

também com vasto passado de realizações no campo do direito do tra-


balho. Verifica-se, contudo, pela documentação, que esse nome não era
o preferido do governo brasileiro, em razão de observações que ele re-
cebera do Serviço Nacional de Informações (SNI). A preferência recaía
em José de Segadas Viana ou Victor Russomano, mas nem Geisel nem
Prieto objetam à escolha da OIT.
Pouquíssimas são as informações das agendas sobre o que se
passou nas conferências realizadas de 1975 a 1978, destacando-se, nesta
última, a preocupação com a permanência do Brasil no CA e as arti-
culações feitas para se conseguir a reeleição de Arnaldo Sussekind. De
toda forma, o que se pode afirmar é que a OIT foi um locus estratégico
para o desenvolvimento de uma diretriz para a área do trabalho no go-
verno Geisel. Isso faz pensar, mais uma vez, na importância que tinha
esse organismo internacional ao denunciar o desrespeito dos países a
acordos firmados no âmbito dos direitos internacionais dos trabalhadores.
Outra iniciativa importante do governo Geisel e da gestão de Prie-
to, e que também envolve diretamente Arnaldo Sussekind, é a reforma da
CLT. Nada mais compreensível do que chamar o antigo membro da co-
missão responsável pelas normas originais, e que vinha acompanhando sua
aplicação por décadas, para presidir a comissão encarregada de alterá-las
cerca de 30 anos depois. Esse trabalho tem início em julho de 1974, com a
formulação dos convites aos demais membros que comporiam a comissão,
todos definidos como autoridades no campo do direito do trabalho no Bra-
sil. A comissão é instalada em agosto de 1974, e a documentação das agen-
das dá notícias de sua atuação até meados de 1977. Logo, os debates e es-
tudos se estenderam por três anos. Fica-se sabendo que a comissão
recebeu 974 sugestões sobre pontos para reformas, vindas predominante-
mente de sindicatos, de universidades e da Justiça do Trabalho. Em feve-
reiro de 1975, um primeiro relatório foi apresentado, sistematizando as
idéias básicas do grupo, que consistiam em não alterar direitos e obriga-
ções reconhecidas pela CLT, modificando apenas alguns aspectos pontuais
identificados como extremamente necessários. Porém, esse relatório não
foi anexado à documentação, nem há comentários sobre o que se preten-
dia alterar no decorrer das reuniões.
O único ponto mencionado é uma possível extinção da repre-
sentação classista na Justiça do Trabalho. Mas toda a área sindical se
une, empregadores e empregados, em defesa de sua manutenção, o
que tem o apoio do ministro Prieto. Em setembro de 1976, ele pede a
Arnaldo Sussekind uma cópia dos resultados dos trabalhos da comissão
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114 DO SSIÊ G E ISEL

até aquele momento, orientando-o a assinalar o que estava sendo alte-


rado, para facilitar a leitura do presidente Geisel. Seguem-se menções a
capítulos que tratam da higiene do trabalho e do trabalho da mulher;
da segurança e medicina do trabalho, do funcionamento dos sindicatos,
coincidentemente questões definidas como metas de ação do ministério
desde o início da gestão de Prieto. Mas, como de costume, nada foi
anexado à documentação.
Sabe-se que, em 9-12-1976, Geisel sanciona lei que altera dis-
positivos da CLT. Segundo a literatura pertinente, houve certa flexibiliza-
ção da legislação de controle dos sindicatos, pois desde então o Ministé-
rio do Trabalho deixou de intervir na aprovação de seus orçamentos e
em sua movimentação financeira. Mas continuou havendo um rígido
controle sobre tais associações de empregados, sobretudo porque foram
mantidos o poder de veto contra candidatos à diretoria e a exigência do
atestado de ideologia. Também não ocorreram mudanças no que se re-
fere a questões já em debate na época, como o enquadramento sindical
e a cobrança do chamado imposto sindical, ambos criticados pela OIT,
uma vez que o Brasil assinara convenções que os condenavam, mas in-
sistia há anos em não cumpri-las.
De toda forma, as agendas mostram que o tema sindical ocupa-
va amplo espaço nos despachos e nas preocupações governamentais.
Desde o início da gestão ministerial, havia a intenção de devolver as ad-
ministrações sindicais sob intervenção a diretorias formadas por membros
associados. Isto é, o governo queria substituir o controle direto do sindi-
cato, através de diretorias compostas de interventores, por uma forma in-
direta de controle, o que implicava a realização de eleições e a presença
de novas lideranças. Essa orientação era, aliás, convergente com a que
presidia os trabalhos da comissão revisora da CLT, desejosa de assegurar
maior autonomia à administração dos sindicatos, o que certamente não
se faria com a presença de interventores do governo.
Em despacho de 8-8-1974, Prieto faz um rápido balanço dessa
questão, informando ao presidente que havia 6.600 entidades sindicais
no país, 200 das quais se encontravam sob intervenção, algumas desde
1971, mas outras desde 1966. Para o ministro, embora proporcionalmen-
te o número fosse pequeno, tratava-se de uma situação que não devia se
perpetuar, por nítido interesse do governo. Isso porque a maioria desses
sindicatos estava sob intervenção devido a vacância de cargos, irregula-
ridades administrativas ou mesmo acefalia completa. Muito poucos, na
verdade, tinham interventores por razões políticas de segurança nacional.
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ANGELA DE CASTRO GOMES 115

Sendo assim, era preciso criar condições para que essas entidades voltas-
sem a se administrar, mesmo que se corresse alguns riscos calculados.
Caso contrário, ainda segundo o ministro, era melhor partir para outras
soluções, que podiam incluir desde a fusão com outro sindicato até a cas-
sação da carta sindical. O que o governo não devia mais desejar era
manter sine die interventores nesses sindicatos.
O acompanhamento dos despachos mostra que foram tomadas
medidas no sentido de diminuir as intervenções sindicais, exercendo-se
sempre uma cuidadosa vigilância. Um dos exemplos citados é o Sindicato
dos Estivadores de Santos, categoria considerada rica, forte e tradicional-
mente muito politizada, que precisava ser mantida sob observação. Não
obstante essa orientação de fundo, ainda se realizam intervenções, como a
ocorrida em setembro de 1975 no Sindicato dos Condutores de Veículos
Rodoviários e Anexos de São Paulo, por denúncia de envolvimento de seus
dirigentes com o Partido Comunista. Além desse fato mais incisivo, as agen-
das de despachos evidenciam uma ação de vigilância e fiscalização dos sin-
dicatos permanente, cuidadosa e com claro teor político-ideológico. Vê-se
que as delegacias regionais do Trabalho, como por exemplo a de São Pau-
lo, estavam entrosadas com os serviços de informação e segurança, ambos
sempre prontos a tomar as providências cabíveis no caso de envolvimento
de líderes sindicais com o comunismo. O comunismo e o Partido Comu-
nista são os inimigos identificados como ameaça visível, embora se possa
incluir aí um espectro mais amplo de entidades subversivas.
É nesse contexto que se pode entender o pedido de apoio en-
caminhado ao ministério pela Comissão de Rearmamento Moral, que
possuía um centro de treinamento de mão-de-obra em Petrópolis. Presi-
dida pelo general Calimeiro Santos, em março de 1975 ela é recomen-
dada a Prieto por Juarez Távora. Em sua carta, o ex-tenente dos anos
1930 e experimentado político esclarece que conhecia e ajudava tal co-
missão desde quando era ministro da Viação e Obras Públicas. Conside-
rava que, naquele momento, a realização de um simpósio sindical sobre
os princípios morais que deviam orientar o sindicalismo brasileiro era
algo extremamente oportuno, pois, como escreve: “Acompanhei a alguns
anos atrás, pessoalmente, as atividades do Rearmamento Moral na Suíça
e no Brasil e julgo-as um dos melhores antídotos contra a contaminação
das massas trabalhadoras pela infiltração comunista” (II-5, carta anexa ao
item 5 da Agenda de 3-4-1975).
Com o mesmo tipo de preocupação, em abril de 1975, o minis-
tro menciona o VIII Congresso da Liga Mundial Anticomunista, a se rea-
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116 DO SSIÊ G E ISEL

lizar no Rio de Janeiro. Já em junho de 1976, Prieto anuncia a criação de


um Centro Nacional de Treinamento de Líderes Sindicais, que funciona-
ria até o fim desse ano, com bastante sucesso, segundo suas avaliações. A
iniciativa torna-se conhecida como Projeto Brasília, uma vez que recebia,
na capital federal, delegações sindicais de vários estados. No total vieram
1.294 sindicalistas, e o balanço foi tão animador que há menções à pos-
sibilidade de estendê-la, em 1977, a lideranças de empregadores. Em
todos os casos mencionados, porém, não há como saber mais sobre tais
projetos.
Durante os anos de 1977 e 1978, sente-se muito pouco a pre-
sença do movimento sindical nas agendas de despacho. Contudo, algu-
mas menções fornecem indícios da crescente importância política da atua-
ção dos sindicalistas. Em julho de 1977, por exemplo, Prieto comparece a
Niterói, no estado do Rio de Janeiro, para uma reunião de lideranças e
anota no despacho com o presidente sua constatação de infiltrações com
claros objetivos políticos. Também há indicações de reuniões ocorridas
em São Paulo entre o governador do estado e líderes sindicais, em outu-
bro de 1977 e abril de 1978, para discutir questões salariais. No caso
desta última, o ministro anota que foi pesada, estando presentes, além
dele mesmo, o governador Paulo Egídio, o ministro da Fazenda e vários
presidentes de federações de trabalhadores (V-3, Agenda de 13-4-1978).
A questão salarial é evidentemente crucial para o ministério,
embora esteja além de sua alçada, uma vez que é nítida a importância do
ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen. É interessante constatar
a existência de estudos para determinar os aumentos a serem concedidos
pelo governo, bem como de uma espécie de inquérito, em janeiro de
1978, visando colher informações sobre a política salarial em outros paí-
ses. Para tanto foram elaborados um roteiro e, em julho de 1978, um pri-
meiro relatório contendo dados referentes a sete países (V-1, Agenda de
9-1-1978; V-7, Agenda de 6-7-1978).
A questão salarial tem como pano de fundo a crise econômica
que se anuncia e a preocupação governamental com seu impacto no em-
prego. Durante todo o ano de 1977, a questão do desemprego está em
pauta, mas nota-se que seu agravamento é constantemente negado, a
despeito do desaquecimento da economia. Em maio de 1977, por exem-
plo, encontra-se no arquivo um documento confidencial intitulado “Re-
percussões sobre o nível de emprego provocadas pelas medidas de polí-
tica monetária e de alteração nos investimentos públicos (de Cr$40
bilhões) nos programas e projetos para o ano de 1977” (IV-6). Participam
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ANGELA DE CASTRO GOMES 117

do estudo várias empresas estatais, e a conclusão é que os programas não


serão interrompidos e que a reprogramação não significará “uma dimi-
nuição da atividade laboral”. Contudo, uma observação final esclarece
que as previsões tranqüilizadoras dependem de como se comportará o
setor privado ante os cortes do setor público, bem como do andamento
das políticas monetárias. O documento também afirma que “o encareci-
mento do custo de produção e a falta de capital de giro poderão gerar a
curto e médio prazo um processo de conseqüências imprevisíveis sobre o
emprego”.
Talvez se possa ver parte dessas conseqüências no fim do ano
de 1978, quando os despachos entre o presidente da República e o mi-
nistro do Trabalho mencionam a ocorrência de greves. Apenas mencio-
nam, uma vez que não há maiores comentários. Sabemos que o Decreto-
lei no 1.632, de 4-4-1978, proíbe greves nos serviços públicos e atividades
essenciais da segurança nacional, e que portarias ministeriais, de setem-
bro de 1978, proíbem dirigentes e lideranças sindicais de participar de
reuniões de caráter intersindical. Sabemos também que, em maio de
1978, 150 mil metalúrgicos do estado de São Paulo fazem uma greve que
atinge as maiores empresas da região. No quadro da legislação vigente
(Lei no 4.332), tal greve era ilegal, mas o governo Geisel não utilizou in-
tervenção policial. Permitiu que se estabelecessem negociações entre em-
pregados e empregadores, o que projetou o nome do líder sindical Luís
Inácio da Silva, o Lula, propiciando uma experiência fundamental para a
história do sindicalismo brasileiro.6
Finalmente, um último tema merece registro, tendo em vista as
agendas de despacho ministeriais. Diz respeito a uma das metas traçadas
para o novo Ministério do Trabalho, envolve a Secretaria de Mão-de-
Obra e possui um bom número de registros. Trata-se da formação de
mão-de-obra, definida como atribuição da pasta do Trabalho, e não da
pasta da Educação — competência que já fora disputada nos anos 1940,
quando da criação do chamado “sistema dos S”, isto é, os serviços nacio-
nais de ensino industrial e comercial materializados no Senai, Senac, Sesi
e Sesc.

6
Em 1979, após o fracasso das negociações, o Sindicato dos Metalúrgicos convocou nova
greve, que teve a duração de 15 dias, resultando, desta feita, na intervenção do Ministério
do Trabalho no sindicato.
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Na gestão de Prieto, ficou novamente estabelecido que ao Mi-


nistério da Educação competia toda a área de educação formal, profissio-
nal ou não, de crianças e jovens. Cumpria ao novo Ministério do Traba-
lho expandir a educação/formação profissional de adultos em todo o
território nacional e para todas as ocupações econômicas. Assim, Prieto
assume o programa intensivo de preparação de mão-de-obra, que estava
sob controle da pasta da Educação, e em fevereiro de 1975 dá início à
instalação do Serviço Nacional de Formação Profissional Rural (Senar),
visto que até então a área rural não era coberta pelo “sistema dos S”. Tal
entidade seria efetivamente instalada em março de 1977, juntamente
com o Conselho Federal de Mão-de-Obra e, em agosto do mesmo ano, o
Conselho Nacional de Política de Emprego. Tais esforços indicam a jun-
ção de dois centros de interesse político do governo Geisel, isto é, uma
atenção específica ao trabalhador rural e um investimento sistemático em
medidas voltadas para a formação de mão-de-obra. Entretanto, o que se
pode perceber pela documentação do arquivo é que o Senar não teve
maior desenvolvimento, pois em abril de 1978, mais de um ano após sua
instalação, o ministro discute com o presidente a necessidade de mudar
sua figura jurídica, pois, tal como estava estruturado, não vinha conse-
guindo cumprir suas finalidades.
Uma situação que parece em tudo distinta daquela do Senai e
do Senac, com décadas de experiências tidas como bem-sucedidas.
Exemplos colhidos dos registros são a inauguração do Centro de Forma-
ção para Turismo e Hospitalidade do Senac, no Pelourinho, na cidade de
Salvador, Bahia, em inícios do ano de 1975, e o encontro que reuniu 35
das maiores empresas do país que mantinham convênio com o Senai, em
novembro de 1974.
Em meio a esses acontecimentos, ainda em fevereiro de 1975, o
Ministério do Trabalho inicia estudos destinados a criar incentivos fiscais
para empresas que desenvolvessem, por conta própria, programas de
treinamento de mão-de-obra. Segundo diagnósticos preliminares, mais
de 100 empresas com mais de 500 empregados poderiam se interessar.
Em março do mesmo ano, um relatório conclui que o melhor instrumen-
to para tanto seria uma lei, cuja elaboração envolvia o ministro da Fa-
zenda e do Planejamento. Cerca de um ano depois do início dos estudos,
em fevereiro de 1976, realiza-se um seminário sobre a nova lei de in-
centivos fiscais, em São Paulo, no Instituto de Organização Racional
do Trabalho (Idort). Mais de 400 empresas comparecem, o que supera
as expectativas do ministro e, a seu ver, mostra que a nova lei pode
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ser um sucesso. Em março de 1976 já está definido o regulamento da Lei


no 6.297, e em maio do mesmo ano ocorre novo e concorrido encontro
em São Paulo para debatê-la. Finalmente, em abril de 1978, Prieto faz um
pequeno balanço do impacto da lei, após dois anos de vigência, e infor-
ma a Geisel que mais de 3 milhões de trabalhadores foram treinados por
empresas sob tal incentivo governamental, o que era muito auspicioso.

Observações finais
Primeiramente, cabe destacar que o Ministério do Trabalho do
governo Geisel foi concebido essencialmente como órgão normativo do
Poder Executivo, isto é, voltado para a elaboração e aplicação da legis-
lação trabalhista. Nisso deveria se distinguir de outros ministérios direta-
mente executivos, ou seja, cujo objetivo era a implementação de políti-
cas, e não a formulação de normas. Aliás, segundo o próprio presidente,
em entrevista concedida anos após o término de seu governo, essa era
uma característica também dos ministérios da Saúde e da Educação,
igualmente destinados a orientar e estimular ações.7
Outra observação refere-se ao que se pode intuir das relações
travadas entre presidente da República e ministro do Trabalho. Não são
muitas as indicações, mas verifica-se que Prieto é extremamente cuidadoso,
submetendo a Geisel o texto de seus discursos, sobretudo aqueles proferi-
dos em ocasiões como as conferências da OIT e o Dia do Trabalho. Assim,
é bem possível que aguardasse a leitura do presidente e incorporasse su-
gestões. Por outro lado, as poucas anotações feitas pelo próprio Geisel nos
papéis se restringem a uma negativa ou a um encaminhamento, por exem-
plo, a Golbery do Couto e Silva. Do mesmo modo, quase não há do-
cumentos confidenciais e, repetindo, tampouco anexos. Assim, a impressão
que tem o pesquisador é que essa documentação foi esvaziada, o que a
torna burocratizada e interessante apenas para usos pontuais.
Para concluir, pode-se mencionar também a presença de alguns
outros temas nas agendas. Por exemplo, o reaparelhamento das delegacias
regionais do Trabalho, a importância da formação de médicos do trabalho
ou as numerosas ações do Senai, Senac, Sesi e Sesc, cujos orçamentos pas-
saram a ser submetidos ao Ministério do Trabalho, o que não ocorreu sem

7
D’Araujo & Castro, 1997:317.
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120 DO SSIÊ G E ISEL

resistências. Finalmente, o que é bem compreensível, verifica-se que o mi-


nistro viaja muito e que tem permanentes preocupações políticas em tais
viagens. Com freqüência deseja capitalizar iniciativas de seu ministério
(como a criação do Senar) para fins eleitorais da Arena. Outras vezes, in-
forma o presidente sobre o clima político num determinado estado, com
cuidados particulares no que se refere ao ambiente sindical e à sua movi-
mentação, caracterizada como política em relação ao governo. Mas tudo
isso é muito fragmentado e pouco consistente. O trabalho nessa documen-
tação é de garimpeiro: trabalho duro, que exige conhecimento e sorte.
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O “Ministério da Revolução” de 1964:


previdência e assistência sociais
no governo Geisel

A n g el a d e C a s t r o G om es
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122 DO SSIÊ G E ISEL

Mais um pouco de história...


No Brasil, quando Getúlio Vargas chegou ao poder, em outubro
de 1930, desencadeou-se todo um esforço político para demarcar que se
iniciava, para o país e seu povo, um novo tempo. As forças civis e militares
que derrubaram a República, desde então não só “primeira” mas também
“velha”, desejaram mostrar que vinham para ficar e para mudar. Eram for-
ças que se chamavam de “revolucionárias” e que quiseram logo demons-
trar sua capacidade de realizar transformações importantes. É nesse con-
texto inaugural da Revolução de 1930 que são criados, ainda no fim desse
mesmo ano, dois ministérios: um para a Educação e Saúde, e outro para o
Trabalho, Indústria e Comércio. Embora ambos assinalassem a entrada do
governo federal em áreas de atuação até então pouco freqüentadas e
igualmente cruciais para as condições de vida da população, foi o segundo
ministério, conhecido muito mais como “o do Trabalho”, que recebeu a
designação de o “ministério da revolução”. Isso porque era esse ministério
que deveria, efetivamente, além de concentrar a gestão do processo de in-
dustrialização do país, coordenando as relações entre empresários e gover-
no federal, voltar-se para a regulamentação dos novos direitos do trabalho.
Quer dizer, era o principal locus que garantia, em nome do Estado, a im-
plementação de um vasto conjunto de normas legais que atingia a popu-
lação vinculada ao mercado de trabalho brasileiro: tanto os que trabalha-
vam quanto os que deixassem de trabalhar.
Sinal dos tempos... Dos tempos da década de 1930, que sucedia
à quebra da bolsa de Nova York em 1929, acompanhada da derrocada
de economias nacionais fundadas na agroexportação, como a do Brasil.
Uma década que consagrou o intervencionismo estatal em assuntos eco-
nômicos e sociais e que também indicou uma efetiva orientação prote-
tória dos poderes públicos em questões de trabalho. Ameaças à econo-
mia privada — como falências, desemprego, doenças etc. — deviam ser
tratadas como questões de interesse público, cabendo ao Estado a res-
ponsabilidade de gerir as “incertezas” que punham em risco toda a socie-
dade. Isso ocorreu mesmo em países como os Estados Unidos — sob o
governo Roosevelt —, pátria do individualismo e da iniciativa privada,
por excelência. E ocorreu também em muitos outros países europeus e
não-europeus, que adotaram ou não regimes políticos totalitários e auto-
ritários. Ou seja, os tempos eram de montante da intervenção do Estado
na sociedade, em particular nas questões de trabalho, indústria e comér-
cio. Daí, o “ministério da revolução” de 1930.
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No Brasil dos anos 1963/64, quando civis e militares se aliaram


para derrubar uma outra República, desta feita a “quarta” e desde então
chamada de “populista”, quiseram igualmente demonstrar que vinham
em nome de grandes transformações. Também se chamaram de “revolu-
cionários” e buscaram realizar mudanças na estrutura de organização e
atuação do Estado, passando a destacar-se aí os ministros das áreas eco-
nômicas, como o do Planejamento e o da Fazenda. Mas não batizaram,
formal ou informalmente, nenhum ministério como “o da revolução”,
como o haviam feito seus predecessores. Os tempos, naturalmente, eram
outros. O mundo não assistia a uma explícita montante de autoritarismo,
como nos anos 1930, mas o apoio (e não o exemplo) dos Estados Unidos
esteve presente para o êxito da nova empreitada “revolucionária” que se
expandiria pela América Latina.
Mas, de certa forma, 1964 também teve seu “ministério da revo-
lução”. Mediante uma determinada leitura do processo político que se ini-
cia em março de 1964 e perdura por mais de 20 anos, talvez seja possível
considerar que, em 1974, quando Geisel chega ao poder, finalmente a re-
volução cria um espaço ministerial compatível com aquela designação. Tal
ministério era o da Previdência e Assistência Social. Ele fora estabelecido
como um desdobramento do Ministério do Trabalho, que assim perdia atri-
buições que eram de sua alçada desde os anos 1930, ou seja, aquelas re-
ferentes aos benefícios previdenciários, que evidentemente envolviam mui-
tos recursos financeiros e políticos. Uma alçada que envolvia os direitos dos
trabalhadores e de suas famílias, pois abarcava questões vinculadas ao afas-
tamento temporário do mercado (por doença, licença-maternidade etc.)
ou definitivo (por invalidez ou morte). De toda forma, e esse é o ponto que
se quer fixar, o espaço de ação da previdência social diz respeito à prote-
ção social daqueles que têm relações formais com o mercado de trabalho.
Tal preocupação, portanto, já era objeto de regulamentação estatal há dé-
cadas, a qual se foi expandindo ao longo do tempo, ainda mais sob o go-
verno Geisel, como veremos a seguir.
Assim, não é propriamente aí que está a novidade “revolucioná-
ria”, e sim na assistência social. Isto é, esse novo ministério deveria voltar
sua cobertura de proteção social para toda uma vasta população que não
tinha como base de direitos o exercício de relações de trabalho. Isso signi-
ficava incluir segmentos sociais definidos “fora” do mundo do trabalho, “fo-
ra” das categorias profissionais regulamentadas e reconhecidas legalmente
desde os anos 1930. Quer dizer, uma nova nomenclatura e lógica de inclu-
são em projetos sociais estavam sendo estabelecidas, abrangendo mães, cri-
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124 DO SSIÊ G E ISEL

anças, idosos, deficientes e menores, entre outros. Com essa mudança, um


conjunto de políticas sociais, ainda que já existentes, adquiria outro estatu-
to, como é o caso daquelas destinadas à alimentação e abrigo desses novos
clientes. No limite, esse ministério estabelecia como seu objetivo a univer-
salização da proteção social garantida pelo Estado, especialmente no que
dizia respeito à preservação da saúde, ou melhor, ao atendimento médico.
Convenhamos, não é pouco, sobretudo para um país com as di-
mensões territoriais e os problemas sociais do Brasil. Um projeto tão am-
bicioso, ainda que sua execução fosse concebida como “lenta e gradual”,
a exemplo da abertura política que o presidente Geisel queria implemen-
tar, teria que ter sólidos antecedentes. Ao menos é o que um historiador
desconfia. Desconfiança fundamentada, nesse caso, pois certamente é
possível recuar as reflexões sobre o processo de criação do Ministério da
Previdência e Assistência Social para o início dos anos 1960 e para antes
do movimento civil e militar de 1964. Uma trajetória que, não por acaso,
se entrelaça com a do ministro que ocuparia essa pasta: Luiz Gonzaga do
Nascimento e Silva.

Um novo ministério para um ministro experiente


Para se começar esse tipo de reflexão, é bom ressaltar, ainda
uma vez, que foi durante o período do chamado primeiro governo Var-
gas (1930-45) que a legislação social e trabalhista ganhou corpo no Brasil.
Essa legislação estava voltada basicamente para uma população de tra-
balhadores urbanos que então crescia em número e que tinha um passa-
do de lutas organizadas remontando, pelo menos, ao início do século XX.
Trabalhadores rurais, trabalhadores autônomos e trabalhadores domésti-
cos, por exemplo, todos muito numerosos e constituindo-se na maioria da
população trabalhadora do país, ficavam fora da cobertura trabalhista e
previdenciária. Esta era oferecida por um conjunto de institutos de apo-
sentadorias e pensões (IAPs), que se organizavam por categorias profis-
sionais: marítimos, ferroviários, bancários, comerciários, industriários etc.
Neles, diferentemente do que ocorria nas antigas caixas de aposentado-
rias e pensões (CAPs), que se organizavam por empresa, o Estado estava
representado na administração, que incluía membros dos “empregadores
e dos empregados”, como se dizia na época.
A forma e o alcance desse tipo de cobertura mantêm-se prati-
camente inalterados até a década de 1960. Logo após o fim do Estado
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ANGELA DE CASTRO GOMES 125

Novo (1937-45), tramitou no Congresso um projeto de lei propondo a


unificação do sistema previdenciário, quer dizer, o fim dos IAPs, mas isso
não aconteceu. A resistência das máquinas burocráticas criadas em cada
IAP, seus laços com o movimento sindical e sua grande diferenciação im-
pediram que o projeto seguisse adiante. Por outro lado, as idéias de es-
tender ao campo a legislação trabalhista, que existiram ainda durante o
Estado Novo, também encontraram forte resistência, desta feita por parte
especialmente dos proprietários rurais. Assim, como já foi mencionado
no capítulo anterior, só no ano de 1960 é que foi aprovada a Lei Orgâ-
nica de Previdência Social, que finalmente uniformizava as normas da
previdência para além das categorias profissionais, mas que não unifor-
mizava o sistema, não extinguia os IAPs. Ou seja, estes não desaparece-
ram, embora ficassem subordinados a uma nova legislação que se arti-
culava à criação de um novo ministério: o do Trabalho e Previdência
Social.
Mas, sem dúvida nenhuma, transformações estavam em curso e
se aprofundaram durante o governo Goulart, particularmente em 1963,
com a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural. No bojo de uma
ampla campanha pelas chamadas reformas de base, o Estatuto do Traba-
lhador Rural colocava, pela primeira vez, o homem do campo no circuito
de proteção social do Estado. Seu grande impacto ocorreu na área da or-
ganização sindical, que foi simplificada e desburocratizada. As experiên-
cias de formação de associações de trabalhadores rurais que estavam em
curso, como a das Ligas Camponesas, multiplicaram-se rapidamente, sur-
gindo inúmeros sindicatos. Isso foi um grande avanço mas, no que diz
respeito à extensão dos benefícios previdenciários, o Estatuto não teve os
mesmos desdobramentos. As resistências continuavam fortes, e não
houve uma adequada e consistente previsão de recursos para o cumpri-
mento da proteção. Na prática, trabalhadores rurais, bem como os autô-
nomos e os domésticos, continuavam excluídos desse tipo de benefício.
Com o movimento de 1964, outras mudanças ocorrem e com
elas entra em cena o futuro ministro Nascimento e Silva. Mineiro, nascido
em 1915 em família de diplomatas, bacharelou-se em direito pela Univer-
sidade do Rio de Janeiro. Quando moço, em 1945, assinou o Manifesto
dos Mineiros, documento tido como simbólico da oposição à ditadura
Vargas e uma espécie de primeiro passo para a articulação das lideranças
que formariam a União Democrática Nacional (UDN), partido antigetu-
lista que militou entre 1945 e 1965 e foi um grande aliado dos militares
em 1964. Nascimento e Silva tornou-se chefe do Departamento Jurídico
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do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1950 e


consultor do ministério do Planejamento e Coordenação Econômica em
1964, sob Roberto Campos, estando pois ligado desde o início à Revolu-
ção de 1964 e ao grupo que ascende com o general Castelo Branco.
É como membro do governo de Castelo que Nascimento e
Silva trabalha na elaboração do chamado Estatuto da Terra,1 de novem-
bro de 1964, assumindo no ano seguinte a presidência de um novo e po-
deroso banco da área social: o Banco Nacional da Habitação (BNH). Daí
dá um grande salto, sendo convidado a presidir o Ministério do Trabalho
e Previdência Social em 1966 e permanecendo no cargo mesmo após a
posse do general Costa e Silva. Sob sua gestão é criado o Instituto Nacio-
nal de Previdência Social (INPS), que unifica efetivamente o sistema pre-
videnciário, acabando com os IAPs. Com tal medida punha-se fim a uma
longa resistência e golpeava-se uma das últimas fontes de poder do mo-
vimento sindical, duramente atingido desde 1964. A partir daí, a previ-
dência torna-se assunto exclusivo da alta burocracia do governo federal.
Completando esse projeto, em 1967, o INPS tira das empresas privadas o
seguro de acidentes de trabalho, que desde os anos 1920 estava sob sua
responsabilidade. Mas, segundo consta, devido a desentendimentos com
outros ministros,2 Nascimento e Silva sai do ministério, sendo substituído
por Jarbas Passarinho.
Nos anos 1970 e sob o governo Médici, novo projeto acentua a
ação dos governos militares junto aos trabalhadores rurais. É a criação do
Fundo de Assistência Rural (Funrural), que efetivamente incluía os traba-
lhadores do campo na previdência, estabelecendo para eles um tipo de
instituição, de administração e de fonte de recursos à parte do INPS. Ali-
mentavam o Funrural impostos sobre os produtos rurais, pagos por pro-
dutores e consumidores, e também um imposto sobre a folha de paga-
mento, pago por empresas urbanas (que naturalmente o repassavam aos

1
É a Lei nº 4.540, de 30-11-1964, que dispunha sobre a reforma agrária a ser realizada pelo
regime militar. Antes dessa lei fora aprovada pelo Congresso, em 9-11-1964, a Emenda
nº 10, que tornava possível a desapropriação da propriedade territorial rural mediante pa-
gamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula
exata de correção monetária. Nascimento e Silva deu forma final ao texto do projeto de lei
que foi para o Congresso.
2
O desentendimento teria sido com os ministros Roberto Campos, do Planejamento, e Oc-
tavio Gouvêa de Bulhões, da Fazenda, em função de um projeto de Nascimento e Silva
que propunha a correção monetária para débitos trabalhistas. Ver Abreu, Beloch et alii,
2001:5.430-2.
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ANGELA DE CASTRO GOMES 127

consumidores). O fundamental a se reter desse tipo de estratégia de ex-


tração dos recursos que mantinha o Funrural é que não se cobravam
contribuições diretas nem de trabalhadores nem de proprietários rurais, o
que evidentemente minimizava oposições, já complicadas pela força do
governo Médici. Concluindo esse processo de inclusão na previdência,
em 1972/73 os empregados domésticos e os trabalhadores autônomos
passam a poder filiar-se ao INPS.
Por alto, pode-se entender a criação do novo Ministério da Pre-
vidência e Assistência Social (MPAS) como uma espécie de coroamento
de um processo que deita raízes na Lei Orgânica da Previdência Social e
no Estatuto do Trabalhador Rural, para fechar seu ciclo com o INPS e o
Funrural.
É nesse contexto que, em 1974, Nascimento e Silva torna-se mi-
nistro novamente. Desta feita, convidado por Geisel, um presidente do re-
gime militar que, assumidamente, tinha simpatias pelo “grupo castelista”.
Um ministro que não tinha passado político parlamentar e que se legitima-
va por várias experiências em altos e importantes cargos de confiança da
alta burocracia estatal. Um ministro experimentado e considerado por Gei-
sel apto a enfrentar os desafios de um ministério que devia, teoricamente,
mudar o patamar de proteção social sob responsabilidade do poder públi-
co no Brasil. Completado o ciclo de cobertura dos que se incluíam no mer-
cado de trabalho, era possível voltar-se para os que nele não se incluíam e
que, no limite, poderiam compreender toda a população do país.

Os papéis da previdência e da assistência


no Arquivo Geisel

A documentação retida pelo presidente Geisel referente ao Mi-


nistério da Previdência e Assistência Social é muito mais numerosa e
substancial que a do Ministério do Trabalho. Compõe-se de 11 pastas
abrangendo o período que vai de 1974 a 1978. Como no caso do Traba-
lho, são agendas de despachos, todas com as mesmas características:
uma folha de rosto contendo a lista de assuntos do despacho do dia, se-
guida de pequenos resumos do que deveria ser tratado em cada um dos
itens. Contudo, à diferença da documentação referente ao Trabalho, o
material trazido pelo ministro como complemento do despacho é, em
muitos casos, mantido. Assim, esse fundo documental reúne discursos, re-
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latórios e outros tipos de documentos que o enriquecem muito mais.


Além dos despachos, o dossiê desse ministério contém alguns documen-
tos avulsos que, devido à ordem cronológica, foram mantidos dentro de
cada despacho.
Por isso mesmo os papéis desse conjunto documental podem
prestar-se a investigações pontuais sobre algumas questões que neles são
recorrentes. Em função desse perfil, a estratégia de trabalho com o dossiê
seguiu uma lógica diferente da utilizada na documentação do Ministério
do Trabalho, a qual não permitia escolhas. Dado o volume do material e
valendo-me de um relatório elaborado pela bolsista que lidou mais dire-
tamente com o arquivo, Priscila Riscado, pude selecionar uma dada pro-
blemática e procurar, nas 11 pastas, os documentos que me permitissem
acompanhá-la. Portanto, trabalhei todo o tempo com um certo conjunto
de documentos, sem submeter à análise o universo de despachos que
compõe o dossiê.
Por motivos que considero quase óbvios, a questão que mais
me interessou foi a montagem do próprio ministério, tanto em seus as-
pectos organizacionais quanto em seus aspectos políticos, quer dizer, os
projetos acalentados pelo ministro e também pelo presidente. Procurei
também encontrar documentos que apresentassem diagnósticos e balan-
ços do que se pretendia realizar e do que se considerava ter sido realiza-
do. Privilegiei assim alguns discursos do ministro proferidos em momen-
tos ou para um público estratégicos e dei destaque especial a um
precioso documento intitulado “Modelo previdenciário brasileiro”, que
certamente data do fim do ano de 1978, fechando a gestão de Nascimen-
to e Silva.
Antes de passar ao exame dos documentos, vale registrar a pre-
sença indiciária do presidente Geisel nos papéis, com pequenas interven-
ções aqui e acolá. Sempre muito discreto, mas também muito efetivo. É o
que se nota quando incentiva Nascimento e Silva a aceitar convites de
prefeitos e a visitar municípios do interior, tendo em vista fortalecer o
partido do governo, a Arena, e o próprio governo do presidente. Ser mi-
nistro da Previdência e Assistência Social era também fazer a propaganda
do regime, no melhor estilo das tradições políticas do país. E, de fato,
Nascimento e Silva fez isso, embora não fosse um político de partido
como o era Arnaldo Prieto. Contudo, certamente não são os papéis do
Arquivo Geisel o melhor lugar para se dimensionar essa ação que pro-
curava transformar políticas sociais em ganhos eleitorais para a Arena.
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O ministro desenha seu ministério


As primeiras medidas de Nascimento e Silva tiveram como ob-
jetivo estabelecer as condições de funcionamento do novo ministério e
também suas áreas de competência. O ano de 1974 é particularmente
dedicado a esse tipo de iniciativa. Já no primeiro despacho do ministro
(I-1), datado de 11 de julho daquele ano, estão relacionadas várias ques-
tões práticas de grande relevo.3 De imediato, propõe a criação de uma
empresa pública de processamento de dados no âmbito do MPAS, con-
siderada absolutamente vital. Sem isso, segundo o ministro, o funciona-
mento do INPS era inviável, pois os numerosos centros de processamen-
to existentes, além de mais custosos, não eram eficientes. Uma grande
empresa poderia não apenas atender a todas as necessidades das entida-
des ligadas ao INPS, mas também prestar serviços a terceiros, tornando-
se, inclusive, autofinanciável. Tal proposta seria aceita sem maiores pro-
blemas, formando a base do que viria a ser o Dataprev.
Outra proposta, também do mesmo despacho, é um pouco
mais ambiciosa e complexa, mas não menos estratégica para o ministro.
Trata-se do estabelecimento de uma coordenadoria de atividades concer-
nentes ao bem-estar social, a ser exercida através de reuniões regulares
entre todos os ministros ligados à magna questão. Ou seja, além dele
mesmo, participariam os ministros da Educação e Cultura, do Trabalho,
da Indústria e Comércio, da Saúde e do Interior. Portanto, como se pode
ver, uma espécie de seleto grupo ministerial que discutiria e deliberaria,
de comum acordo, uma pauta de matérias centrada no bem-estar social.
A idéia de Nascimento e Silva era testar a eficácia do modelo e então
transformá-lo num Conselho do Bem-estar Social que, a exemplo e ao
lado do Conselho de Segurança e Desenvolvimento, estabeleceria as
grandes diretrizes de ação do Executivo.
Além disso, o ministro localiza alguns problemas já diagnostica-
dos e encaminha soluções. Um deles dizia respeito às freqüentes e nume-
rosas queixas e reclamações feitas contra a previdência social, em grande
parte justificadas. Por ter tal percepção e sem prejuízo dos esforços para
a melhoria dos serviços, ele propõe criar um órgão “o mais informal pos-
sível, a que qualquer interessado possa dirigir-se na certeza de merecer
pronta atenção”. Um órgão que procuraria apurar as denúncias e escla-
recer os queixosos, algo semelhante ao ombudsman, uma modalidade

3
Todos os documentos citados neste capítulo são do dossiê EG/pr 1974.07.11.
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moderna de inspeção existente em vários países do mundo. Essa idéia


tem o pronto acordo de Geisel, que, à margem, escreve “sim”.
Como quarto ponto desse primeiro despacho, o ministro situa
uma questão fundamental para o novo MPAS: a “delimitação de áreas de
competência no tocante aos serviços médicos”. Isso significava demarcar
as áreas de atuação entre previdência e assistência social, saúde e educa-
ção no Brasil, uma vez que, em função do tipo de desenvolvimento histó-
rico que a prestação de serviços médicos tivera no país, os três ministérios
atuavam nesse setor, além de diversos órgãos e entidades estaduais e mu-
nicipais. O caso do Ministério da Educação e Cultura tinha relevo, pois vá-
rias escolas de medicina dispunham de hospitais públicos de grande impor-
tância, isso “sem falar na própria formação e aperfeiçoamento do pessoal
médico e paramédico”. No caso do Ministério da Saúde, Nascimento de-
seja que ele se concentre em suas “atribuições tradicionais relativas à me-
dicina coletiva” (saneamento, fiscalização sanitária, combate às endemias
rurais e doenças infecciosas, controle de drogas e medicamentos).
Tal divisão de trabalho conferia ao MPAS todas as atribuições li-
gadas à medicina individual de responsabilidade do governo federal, o
que não excluía um bom entrosamento com os demais ministérios e en-
tidades voltadas para o oferecimento de serviços médicos. A questão era
tão delicada quanto central, e o ministro propunha que o presidente a
encaminhasse, para mais estudos, a uma comissão interministerial, que
daria seu parecer final.
No segundo despacho, de 30 de julho, vê-se que essas sugestões
estão em andamento e que Nascimento e Silva incorpora outros pontos à
agenda. Em relação ao Conselho de Bem-estar Social, Geisel concorda
com o encaminhamento, aos ministros interessados, de um projeto (que
não se encontra anexo) prevendo “a transferência para o Conselho da
competência ora atribuída ao Ministério da Saúde pelo Decreto no 200, de
25-2-1967, de formular e coordenar política nacional de saúde” (I-2, Agen-
da de 30-7-1974). Providência que, sem dúvida, esvaziava o poder do mi-
nistro da Saúde e dificilmente seria recebida sem resistências. Contudo,
nesse mesmo despacho, Nascimento e Silva informa que vinha tendo con-
tatos pessoais com o ministro da Saúde, havendo entre eles uma concor-
dância básica. A pasta da Saúde se voltaria para a “medicina coletiva”, en-
quanto a da Previdência e Assistência Social cuidaria da “orientação,
promoção e controle das medidas de proteção à saúde individual ou assis-
tência médica”. Esse ponto, no que se refere ao novo ministério, era abso-
lutamente crucial, inclusive porque o II Plano Nacional de Desenvolvimen-
to (PND) deveria refletir essa orientação.
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Igualmente importante era outro ponto, também presente nesse


despacho, que dizia respeito aos recursos para o MPAS (I-2, Agenda de 30-
7-1974, doc. suplementar). Para o ministro, a criação do novo ministério
tornava necessária a obtenção de maiores recursos para a assistência so-
cial, que devia crescer. No caso, havia verbas orçamentárias destinadas ao
INPS e à Fundação Nacional do Bem-estar do Menor (Funabem), assim
como uma cota da Loteria Esportiva destinada à Legião Brasileira de As-
sistência (LBA). Mas como tais montantes, em geral, substituíam salários ou
os complementavam de forma substancial, não deviam ser afetados. O que
o MPAS podia utilizar eram as contribuições para serviços (como as desti-
nadas aos serviços nacionais de aprendizagem ou o salário-educação), que
não tinham que acompanhar a evolução dos salários. Tais contribuições
poderiam ter um tratamento distinto daquele adotado até então. Isto é,
todo esse raciocínio é feito para demonstrar a viabilidade de se recolher
parte dos recursos já destinados à assistência social a um Fundo de Assis-
tência Social que os utilizaria segundo critérios estabelecidos pelo Conselho
do Bem-estar Social. A idéia era com eles desenvolver programas específi-
cos, especialmente voltados para a proteção de inativos em geral (velhos,
inválidos, crianças etc.), e também programas conjuntos com outros minis-
térios, como o da Educação, a exemplo dos programas de nutrição infantil,
de merenda escolar etc. Ou seja, uma pauta de efetiva implementação da
assistência social no país, coordenada em nível ministerial e viável porque
dependente muito mais do remanejamento de recursos existentes do que
da criação de novas fontes de financiamento. Idéia desafiadora, que seria
retomada por Nascimento e Silva em algumas oportunidades, ainda no
ano de 1974.
Duas delas merecem destaque. A primeira é um documento in-
titulado “Ministério da Previdência e Assistência Social: esboço de progra-
ma de ação” (I-14), que não está datado, porém há indícios de que seja
anterior a um documento que compõe o despacho de 6-8-1974: uma
cópia do discurso proferido pelo ministro na Escola Superior de Guerra
(ESG), “Política nacional de previdência social” (I-3). Ambos os do-
cumentos têm o mesmo teor, sendo o discurso da ESG bem maior e mais
desenvolvido. O tratamento conjunto traz vantagens, pois o que parece
ocorrer é uma mudança de público: no primeiro caso, um público inter-
no ao governo, que incluía o presidente Geisel; no segundo, um público
mais ampliado, onde se destacavam os militares. No fundamental, os tex-
tos explicitam os projetos do ministro e de seu novo ministério, e é sob
essa ótica que serão comentados.
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No primeiro documento mencionado, o ministro esclarece que


a ação do novo MPAS deverá voltar-se, “de início, à sua implantação e,
ao mesmo tempo, à formulação de um diagnóstico das entidades que o
compõem. Em particular o INPS e o Ipase”. O que o ministro desejava
era implantar uma nova gestão, com prioridade para aspectos gerenciais:
melhor atendimento e mais racionalização. Em relação ao INPS, em es-
pecial, o ministro esclarece que, desde a sua criação, em 1967, ampliara
muito sua ação, passando do atendimento de 7 milhões de trabalhadores
para mais de 14 milhões. Já o Funrural, de 1971, que pelos cálculos ini-
ciais deveria cobrir 20 milhões de trabalhadores, atendia a 13 milhões,
em função do êxodo rural. As projeções realizadas para 1980 indicavam
os mesmos 13 milhões de trabalhadores no Funrural, mas 26 milhões no
INPS. A importância do INPS era óbvia: apenas para se ter uma noção
dos recursos geridos por esse instituto, o ministro informava, nesse docu-
mento, chegarem a Cr$21,3 bilhões, havendo um dispêndio de Cr$19,7
bilhões, com Cr$18,3 bilhões gastos em benefícios e assistência, e menos
de Cr$2 bilhões em administração. Ou seja, o ministro informava ao pre-
sidente e ao governo em geral que, em 1973, o INPS arrecadava muito e
que arrecadava mais do que gastava!
Uma boa notícia que combinava com a montagem de uma es-
trutura ministerial “reduzida e flexível, constituída basicamente de três se-
cretarias normativas e supervisoras (as de Previdência Social e de Assistên-
cia Médica, transferidas do antigo Ministério do Trabalho e Previdência
Social, e outra de Assistência Social, justificada pelo vulto das responsabi-
lidades da pasta nesse campo), e dos órgãos regulares comuns a todos os
ministérios, na forma do Decreto-lei no 200/67”. Economia que se comple-
tava com um tipo de sistema de administração “por objetivos, através da
constituição de grupos de trabalho” e da utilização de recursos técnicos das
entidades vinculadas ao MPAS, especialmente do INPS, cuja máquina,
para o ministro, possuía capacidade ociosa. Ao que parece, Geisel gostou
das diretrizes, pois sublinhou a palavra “objetivos” e anotou ao lado: “por
projeto e programa”. A essas orientações básicas o ministro agrega sua preo-
cupação com uma “reforma administrativa de total descentralização dos
serviços, acompanhada de auditoria técnica e contábil”, necessária para
dar presteza aos atendimentos e não comprometer mais as finalidades da
previdência.
No restante, o mesmo documento situa com precisão e conci-
são os principais projetos do ministro, a começar por sua grande idéia, já
mencionada, de universalização da previdência social. Em poucas linhas
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— à margem das quais Geisel anota: “será bom examinar bem a viabili-
dade econômica” —, Nascimento e Silva esclarece que “já é possível ago-
ra, mediante projeção dos dados do INPS, realizar a universalização da
previdência social, isto é, a sua extensão ao restante da população urba-
na e rural ainda carente de amparo, independente de qualquer correla-
ção com vínculos profissionais ou contribuições pagas, através de um
plano básico que atenda a qualquer pessoa em função exclusiva de suas
necessidades fundamentais nos casos de impossibilidade física ou mental
de angariar meios ao seu sustento” (grifos de Geisel).
Além desse, digamos, superobjetivo, o ministro tem uma pauta
de ação mais específica porém não menos significativa. Três questões aí
se destacam: questões que envolviam resistências antigas e questões que
provocariam novas resistências.
A primeira é a integração plena do seguro de acidentes do tra-
balho no âmbito da previdência. Debate antigo, que remontava aos inte-
resses de seguradoras privadas e que tinha como lastro uma prática que
datava da própria criação do seguro de acidentes, ainda na Primeira Re-
pública. Além dessa total integração, o ministro queria estender tal segu-
ro ao homem do campo, o que era algo novo. Acompanhando as agen-
das de despacho, vê-se que praticamente dois anos depois, em 8 de julho
de 1976, o projeto de lei sobre acidentes de trabalho recebera 21 emen-
das e estava sob ameaça. Anota o ministro para Geisel: “De modo geral,
[as emendas] visam restabelecer o esquema da lei anterior, principalmen-
te no que diz respeito à tarifação individual das empresas. (...) dado o
vulto dos interesses contrariados será conveniente uma articulação espe-
cial com as lideranças do partido do governo para enfrentarmos a defor-
mação que se pretende introduzir no projeto” (VI-1, Agenda de 8-7-1976,
item 2).
A segunda questão tinha um longo e difícil passado: a inclusão
do salário-maternidade no rol dos serviços prestados pela previdência.
Ou seja, no Brasil, até meados dos anos 1970, quem pagava o salário-ma-
ternidade previsto em lei desde os anos 1930 eram as empresas, os em-
pregadores. Isso gerava, como o ministro anota, grande e conhecida dis-
criminação contra a mulher, tanto no que dizia respeito a seu ingresso no
mercado de trabalho quanto à sua permanência nele.
Aliás, conforme depoimento de Arnaldo Sussekind — designa-
do por Geisel para, ao lado do ministro do Trabalho, gerenciar a partici-
pação do Brasil na Organização Internacional do Trabalho —, existia,
nesse exato momento, uma denúncia contra o Brasil justamente no que
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se referia à questão do salário-maternidade.4 Assim, por motivos ligados à


imagem do país no exterior e a antigas e sistemáticas violações dos direi-
tos da mulher pelos empresários brasileiros, o problema é considerado
inadiável. A discriminação de trabalhadoras era uma das denúncias mais
freqüentes nos foros internacionais do trabalho, e todos os países que
deles participavam há muito tinham conhecimento disso. Nesse caso, em-
presários, trabalhadores e governo podiam ser trazidos para o mesmo
campo. Era melhor que o salário-maternidade não mais fosse pago pelo
patronato, e sim pelo INPS, como de fato passou a ser.
A terceira questão era igualmente difícil, pois envolvia a propos-
ta do ministro de absorver os trabalhadores rurais no sistema de previ-
dência urbano. Nesse documento de 1974, o ponto é apenas menciona-
do, em função da migração para os centros urbanos e do interesse
governamental na criação de empresas agropecuárias. Mas, ao longo dos
despachos, vê-se que em 1977 já se travava uma discussão entre o minis-
tro e políticos da Arena (VII-3, Agenda de 4-5-1977). Estes se opunham
ao projeto de Nascimento e Silva por serem “contrários à integração do
Funrural” na previdência urbana. A seu ver, isso representaria o desapa-
recimento do Funrural, considerado uma bandeira política do governo e
da Arena. Isto é, os políticos da Arena, em documento encaminhado por
Francelino Pereira, presidente do partido, posicionam-se francamente
contrários ao “fim” do Funrural, razão suficiente para se contraporem ao
ministro.
Geisel fica preocupado com as reclamações, mas Nascimento e
Silva, em documento na mesma agenda, responde às objeções, alegando
não querer “acabar” com o Funrural nem mesmo alterar os regimes de
benefícios existentes. Explica que o que está propondo é a “unificação
dos recursos da previdência e assistência social em um fundo comum”, o
que, segundo ele, iria beneficiar o Funrural, e não prejudicá-lo. Isso por-
que, devido à pobreza da clientela atendida pelo Funrural, este já não
dispunha de recursos para honrar seus compromissos, e era o INPS que o
estava ajudando financeiramente. Mantendo a autonomia administrativa
dos dois sistemas, mas juntando os seus recursos, ganhava mais o Funru-
ral, e era justamente isso que se pretendia, ao contrário do que enten-
diam os deputados.

4
Entrevista concedida à autora (fita 19, lado A).
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ANGELA DE CASTRO GOMES 135

Daí a proposta de criação do Sistema Nacional de Previdência


Social (Sinpas), que seria estabelecido “com toda a segurança e sem pro-
vocar traumas”. Nesse debate saiu vencedor o ministro: na agenda de 13-
10-1977, o Sinpas é implantado por portaria, reunindo as entidades pres-
tadoras de serviços previdenciários, como o INPS, o Instituto de Pensões
e Aposentadoria dos Servidores Estaduais (Ipase) e o Funrural, com o
que se institui então o Inamps. A unificação seria acompanhada pelo mi-
nistério, e equipes iriam aos estados explicar e orientar as mudanças, sem
prejuízo do pessoal, material e instalações existentes.
Em discurso realizado na ESG em agosto de 1974, o ministro re-
toma as questões já comentadas, mas agrega outras e fala em tom dife-
rente. De início, traça um histórico da previdência social no Brasil, escla-
recendo que foram “circunstâncias” que acabaram por ditar o rumo da
“evolução nesse campo”, fazendo com que o antigo Ministério do Traba-
lho, e não o Ministério da Saúde, se incumbisse dos benefícios e da as-
sistência médica à população brasileira. Essa a origem das incumbências
do recente Ministério da Previdência e Assistência Social, responsável
pelo INPS, o mais importante prestador de serviços médicos do país, e
pelo Funrural. Porém, se a previdência já fora estendida ao homem do
campo e aos trabalhadores autônomos e domésticos, muito ainda restava
a ser feito.
Essa era, por excelência, a obra do governo Geisel, traçada por
ele mesmo no discurso em que empossou o novo ministro. Nascimento e
Silva cita então trechos desse discurso, destacando que nele o presidente
fixara a idéia de uma “ampla e generosa campanha de redenção social”,
basicamente através da ampliação da proteção do Estado aos grupos
mais carentes da população. Enfim, que o movimento revolucionário de
1964 completaria sua missão de modernização do país com as profundas
transformações no campo da proteção social a serem realizadas pelo Mi-
nistério da Previdência e Assistência Social. Daí a inevitável lembrança,
para o historiador, de um novo “ministério da revolução”, dirigido não
apenas aos trabalhadores, mas a todo o povo brasileiro. Se Geisel não
projetara o novo ministério com essa ambição, é ela que o novo ministro
parece nutrir e propagar, desde 1974.
Nesse sentido, o discurso na ESG é pedagógico. Nele, Nasci-
mento e Silva desenvolve, com mais vagar e também com certa retórica,
os pontos de seu projeto de ação, que retoma todos os aspectos enume-
rados no documento enviado a Geisel anteriormente. O destaque é para
a reafirmação de que o plano de custeio da previdência social já permitia
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iniciar um “plano básico para idosos e inválidos” (no valor de metade do


maior salário mínimo do país) que se constituiria na primeira parte de um
conjunto de medidas cuja meta era universalizar gradualmente a previ-
dência. Então, estimava-se que 200 mil pessoas seriam diretamente bene-
ficiadas por um montante de Cr$450 milhões. Tal projeto se transformou
na Lei no 6.179 de 1974 e evidencia bem o impacto da ação social do re-
gime militar, voltado especialmente para os trabalhadores rurais e as fai-
xas mais pobres da população. A tarefa era imensa e os recursos escassos,
demandando escolhas e um trabalho efetivo de racionalização das ações.
As prioridades, além dos idosos e inválidos, eram o “menor desampara-
do” e a assistência à infância até o quinto ano de vida. Programas que,
além da parceria com muitas entidades, teriam na LBA e na Funabem
seus órgãos-chave.
A LBA, particularmente, tem papel crucial nos projetos ministe-
riais, e isso fica claro em discurso que Nascimento e Silva profere por
ocasião do II Encontro Nacional dos Dirigentes da LBA, em 30-8-1976,
fartamente divulgado pela imprensa. O ponto destacado é que essa enti-
dade estava sendo preparada para ser o principal órgão executor de um
programa assistencial de grande envergadura com vistas a “transformar a
massa pré-previdenciária”, permitindo assim o ingresso de cerca de 10 a
25 milhões de pessoas no mercado de trabalho. Esse é o sentido do título
da matéria publicada em O Estado de S. Paulo naquela mesma data (“A
LBA suprirá ausência de INPS”), na medida em que a proteção social era
vista como preparação de grande parcela da população (por exemplo,
com saúde e educação), que assim poderia entrar no mercado de traba-
lho e ser assimilada pela “massa previdenciária”.5
Mas o grande número de pessoas a serem atendidas, chamadas
de “quarto estrato”, isto é, uma população totalmente carente, exigia re-
cursos extraordinariamente volumosos, de que o governo não dispunha.
Por isso o ministro é categórico: “É preciso deixar bem claro, desde o iní-
cio, que a comunidade será a grande responsável pela tarefa assistencial
no país. O governo jamais poderia assumir sozinho esta tarefa, uma vez
que em termos absolutamente formais o que se vai produzir é uma redis-
tribuição de renda, em grande parte voluntária, redistribuição essa que
em inúmeras situações não estará no âmbito do governo”. Assim, os pro-

5
O ministro dá como exemplos os surdos, mudos e deficientes, que deveriam ser conside-
rados “profissionais seletivos em potencial”.
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ANGELA DE CASTRO GOMES 137

gramas lançados deveriam ter certa capacidade de auto-sustentação, e às


estratégias de atendimento de forma convencional (em hospitais, postos
de saúde etc.) deveriam somar-se as realizadas de forma não convencio-
nal (no domicílio das pessoas carentes, por exemplo). Além desse tipo de
assistência, o ministro informa que estavam em teste, na LBA, programas
de alimentação a gestantes e crianças e programas de atendimento em
creches.
Mas toda essa importância propalada pelo ministro não deu à
LBA uma situação confortável. Pelo menos é isso que ele registra em des-
pacho da mesma época com o presidente. Em 8-7-1976, anota na agenda
que a situação da LBA é de “gradativa deteriorização e decomposição es-
trutural”, em função dos insucessos de várias administrações (VI-1). Tenta
corrigir o rumo, nomeando um novo presidente, mas prevê dificuldades,
sobretudo devido à redução da receita da instituição. Mesmo assim, em 13-
10-1977, estava entusiasmado com o programa de distribuição de alimen-
tos industrializados implementado pela LBA nos municípios do “Grande
Rio” e voltado particularmente para gestantes e crianças de até três anos
(IX-6). A seu ver, tratava-se de uma das mais significativas iniciativas da
previdência, sobretudo pelo acompanhamento que o programa previa e
por se planejar sua aplicação na “Grande Belo Horizonte” e em Brasília.

O ministro avalia seu ministério


Em 1974, logo ao tomar posse, Nascimento e Silva afirma que
um de seus objetivos é formular um diagnóstico da situação previden-
ciária do país. A proposta imediata de criação do Dataprev é indicativa
dessa diretriz que, pode-se dizer, se materializa em 1978 num documento
do Arquivo Geisel intitulado “Modelo previdenciário brasileiro” (XII).
Trata-se de um grande álbum com 91 gráficos e quadros, acompanhado
de um folheto contendo o que pode ser considerado a legenda de cada
um deles. O documento não está datado mas, como se refere ao orça-
mento de 1979 e possui dados fechados de 1977, fica evidente que foi
produzido durante o ano de 1978.
Na apresentação do folheto ficamos sabendo que se trata de
um estudo global dos problemas e da situação do novo MPAS, que está
de posse de um “inesgotável manancial de dados” capaz de gerar séries
históricas que descem ao nível de estados, municípios e órgãos locais.
Afirma-se que, com tais dados, o governo pode diagnosticar qualquer
tipo de problema em qualquer tipo de escala, e que o estudo demonstra
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138 DO SSIÊ G E ISEL

como os “governos da Revolução” têm-se destacado na área social, dife-


rentemente dos governos anteriores, que empunhavam essa bandeira
apenas como “atrativo eleitoral”.
Auto-elogios à parte, o documento impressiona pelo volume e
cuidado das informações prestadas. Comentaremos os dados apresenta-
dos segundo sua finalidade — uma prestação de contas e uma propagan-
da do ministro —, mas estes deveriam ser confrontados com outras fontes
de informações, o que não se fará aqui.6
Logo de início o documento informa que a previdência social
movimenta 6% do produto interno bruto (PIB) do país, ou seja, cerca de
65% do orçamento da União, o que dá bem a medida de onde Nascimento
e Silva está falando. Os gráficos e quadros apresentam dados particular-
mente importantes para situar as “realizações” entre 1963, último ano do
governo João Goulart, e 1977, último ano do governo Geisel considerado.
O primeiro conjunto de dados aqui examinado reúne os gráfi-
cos 3 e 4. Vistos em conjunto, eles demonstram o crescimento da cober-
tura previdenciária junto à população economicamente ativa (PEA), ur-
bana e rural, bem como estabelecem termos comparativos para se
dimensionar o próprio ritmo de crescimento da cobertura da previdência
no campo e na cidade, tendo em vista o crescimento da população.
O que salta aos olhos é o brutal avanço da cobertura em 1977,
tendo-se conseguido atender a totalidade dos trabalhadores rurais, intei-
ramente excluídos em 1963. Ou seja, a previdência rural, embora mais
recente, já atendia mais pessoas, proporcionalmente, que a previdência
urbana. Pelos quadros posteriores (5 e 6) fica-se sabendo que, embora a
população rural brasileira representasse 40% do total, sua participação na
renda interna era de apenas 11%, o que evidenciava sua pobreza. Isso re-
forçava o acerto de um programa mais simples para o campo e a neces-
sidade da ajuda do INPS em seu financiamento. Em todo caso, a cober-
tura da PEA das cidades havia crescido muito, embora estivesse longe de
ser integral. Os dados também evidenciavam ser esta a população que
mais crescera, alterando o quase equilíbrio entre PEA urbana e rural exis-
tente em 1963. Além disso, os comentários no folheto alertavam para o
fato (não registrado pelos gráficos) de que boa parte dessa população
“descoberta” no sistema federal podia estar coberta por outros sistemas
previdenciários ainda existentes (estaduais, por exemplo) ou pela Lei
no 6.179 de 1974, que garantia benefícios a idosos e inválidos.

6
Ver, por exemplo, Oliveira & Teixeira, 1985; Delgado, 2001.
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ANGELA DE CASTRO GOMES 139

Gráfico 3
População economicamente ativa

Gráfico 4
Crescimento de população, de urbanização e de
atendimento previdenciário no período 1963-77
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140 DO SSIÊ G E ISEL

Quanto a este último ponto, chama a atenção um gráfico (o de


o
n 41) do álbum mostrando o volume de concessões oferecido pela lei
durante o ano de 1977. Embora não haja informações sobre quantas pes-
soas compõem o universo dos beneficiados, nem qual é sua distribuição
regional pelo país, fica-se sabendo que ele é formado basicamente por
mulheres de mais de 70 anos, provavelmente porque não puderam, an-
teriormente, filiar-se à previdência, como era o caso óbvio das emprega-
das domésticas, só incluídas a partir de 1973. Fica-se sabendo também
que a maior parcela das concessões referia-se aos auxílios por doença e
invalidez; logo, eram as mulheres velhas e doentes que constituíam o
grosso do que a linguagem técnica dos burocratas chamava de “quarto
estrato” social, no caso desse tipo de atendimento.

Gráfico 41
Amparo previdenciário — Lei nº 6.170/74
Maiores de 70 anos
Brasil
Concessão em 1977

18%

82%
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Um segundo grupo poderia ser formado com um conjunto


de cinco gráficos (9, 10, 11, 12 e 13) que desenham um mapa do Bra-
sil segundo a ótica dos mecanismos previdenciários. São quase 20 mi-
lhões de contribuintes, gerando uma receita de mais de Cr$120 bi-
lhões, dos quais pouco mais de Cr$117 bilhões correspondem às
chamadas despesas correntes, sendo Cr$76 bilhões destinados ao pa-
gamento de benefícios e Cr$30 bilhões ao pagamento de assistência
médica. Em todos esses casos, são as regiões Sudeste e Sul que “to-
mam” o mapa do Brasil, sobretudo no caso dos mapas referentes às
receitas, onde as regiões Norte e Centro-Oeste quase desaparecem.
Quer dizer, é do Sudeste e do Sul que vem o dinheiro, gasto também
em grande parte nas mesmas regiões, mas com maior participação de
todas as demais.
Um terceiro grupo de informações seria formado pelos gráficos
14 e 15, que mostram a força de trabalho por setor de atividade e a par-
ticipação de “categorias” no custeio da previdência. Tais gráficos espe-
lham, sob a ótica examinada, a situação da economia do país e, sobretu-
do, o quanto mudou a concepção da previdência desde que ela fora
implantada em 1930 com os IAPs, quando os empregados, os emprega-
dores e a União eram os três grandes contribuintes. Em 1978 e sob o re-
gime do Sinpas, pelo menos segundo os dados do MPAS, são os empre-
gadores os grandes contribuintes, respondendo por quase 63% dos
recursos. A contribuição da União é muito pequena, e as rendas de pa-
trimônio — que tinham sido significativas no início da implantação do sis-
tema — quase nulas.
Ainda no que se refere a questões financeiras, dois quadros
(36 e 37) podem compor um quarto grupo para análise. Mostram o
volume e o tipo de despesas realizadas pelo MPAS no ano de 1977.
Lembrando o enorme volume de recursos que este manipulava, um
total de Cr$117.348 milhões, a informação é que 65% desses recursos
eram destinados a “prestações pecuniárias”, isto é, ao pagamento de
benefícios, como mostram os quatro gráficos que compõem o quadro
37. Neles se vê que a maior parte dos recursos se destinava a auxílios
(auxílio-doença, basicamente), e não a aposentadorias e pensões. No
que diz respeito às aposentadorias por tempo de serviço, vê-se que os
trabalhadores brasileiros nada tinham de “preguiçosos”, como tanto se
propagou, pois apenas 25% do total dos benefícios pagos em 1977
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142 DO SSIÊ G E ISEL

atingiam pessoas que se aposentaram com 30 anos de trabalho ou me-


nos, ou seja, que requereram aposentaria antecipadamente por algu-
ma razão. Portanto, 75% dos aposentados contribuíram e trabalharam
pelo menos mais de 30 anos, tendo 22% trabalhado mais de 35 anos.
No que se refere à distribuição dos benefícios entre ativos e inativos, a
quase totalidade atingia os ativos, muitos dos quais com menos de 15
anos de contribuição e, portanto, mais jovens. Por fim, eram os inati-
vos que recebiam a quase totalidade das pensões pagas pelo MPAS
(67%).

Gráfico 14
Setores de atividades
Brasil — 1976
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ANGELA DE CASTRO GOMES 143

Gráfico 15
Participação no custo da previdência

Voltando ao gráfico das despesas e observando as duas outras


alocações de recursos, pode-se verificar o quanto cresciam os encargos
com assistência médica, que estavam quase chegando à metade do dis-
pêndio com prestações pecuniárias, isto é, montavam a Cr$30.360 mi-
lhões.
Um último conjunto de gráficos pode ser interessante para di-
mensionar os dados que o MPAS apresentava em 1977. Ele reúne, pri-
meiramente, os quadros 67, 68 e 69, oferecendo uma visão mais concreta
dos dispêndios com assistência médica, então distribuídos em três cate-
gorias principais: atendimentos ambulatoriais, consultas médicas e inter-
nações por clínicas. Finalmente, o quadro 84 mapeia os tipos de assistên-
cia médica, vendo-se claramente que a assistência ambulatorial e a
hospitalar, cirúrgica e de clínica absorviam a maior parte dos recursos
(76,5%). Os demais atendimentos eram, portanto, residuais.
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Gráfico 36
Despesa corrente do INPS
(Cr$117.348 milhões)
Brasil — 1977

Outras
Despesa com 9%
assistência médica
(Cr$30.360 milhões)
26%

Despesa com
prestações pecuniárias
(Cr$76.024 milhões)
65%

Em relação aos atendimentos ambulatoriais, totalizando 240 mi-


lhões, fica claro que, em 1977, o setor já está privatizado, pois o MPAS
conta apenas com 36,1% de serviços próprios. O mesmo ocorre com as
consultas médicas, em número de 122 milhões, e nos dois casos os servi-
ços contratados ultrapassam os conveniados. Porém a situação reflete
mais claramente o processo em curso quando se vê o gráfico das inter-
nações por clínicas. Todos os serviços, 7 milhões de internações, são con-
tratados (89,6%), sendo os conveniados (7,9%) e principalmente os servi-
ços próprios (2,5%) inteiramente marginais. Portanto, nota-se que são
fantásticos os números de atendimentos realizados, mas que esse aumen-
to resulta de uma política orientada para contratos e convênios com ins-
tituições privadas na área da saúde administrada pelo MPAS. Não há co-
mentários a esse respeito no documento. Como se trata de questão
extremamente polêmica em seus desdobramentos ao longo das décadas
de 1980 e 1990, aqui só nos resta mencioná-la.
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Gráfico 37
Concessão de benefícios
Brasil
Auxílio-doença, auxílio-reclusão, aposentadorias e pensões — 1977
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Gráfico 67
Atendimentos ambulatoriais
Distribuição dos 240 milhões de atendimentos ambulatoriais
segundo o sistema de prestação
Brasil — 1977

Gráfico 68
Consultas médicas
Distribuição dos 122 milhões de consultas médicas
segundo o sistema de prestação
Brasil — 1977
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ANGELA DE CASTRO GOMES 147

Gráfico 69
Internações por clínicas
Distribuição dos 7 milhões de internações por clínicas
segundo o sistema de prestação
Brasil — 1977

Gráfico 84
Índice de crescimento dos diversos tipos
de assistência médica
INPS — Brasil — 1977
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148 DO SSIÊ G E ISEL

Conclusão
A documentação relativa ao Ministério da Previdência e Assis-
tência Social existente no Arquivo Geisel é numerosa e certamente per-
mite uma série de outras incursões além da aqui apresentada. Nosso ob-
jetivo era tão-somente acompanhar a montagem e a fixação dos principais
projetos do novo ministério, ocupado por um nome de grande experiên-
cia e, como se viu, de muita iniciativa e ambição políticas. Mesmo com
muitos cuidados, uma vez que o material foi examinado apenas seletiva-
mente e poucos documentos foram analisados, o que ressalta do percur-
so é uma ação expressiva diante de questões que se arrastavam, como a
absorção do auxílio-maternidade pela previdência e a inclusão dos segu-
ros de acidentes de trabalho pelo MPAS. É bom lembrar que, no mesmo
momento, o ministro Prieto, da pasta do Trabalho, lançava campanhas
para diminuir o número de acidentes, problema considerado crônico e
cujas causas eram francamente atribuídas ao descaso governamental.
Além disso, a grande proposta do ministro, a universalização da
previdência para os que não tinham laços com o mercado de trabalho,
como idosos, inválidos, crianças etc., demarca claramente um espaço po-
lítico de imenso potencial para a legitimação do regime que se conside-
rava revolucionário e pretendia, ao mesmo tempo, acabar com os resquí-
cios subversivos e conduzir a abertura política. Talvez se possa considerar
o ministro Nascimento e Silva um bom dublê de Geisel: um chefe ambi-
cioso e com indiscutível capacidade administrativa e política. Os papéis
da previdência e as realizações desse “ministério da revolução” consti-
tuem, pois, um campo fértil para se pensar a política social do regime mi-
litar.
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As telecomunicações no Brasil sob


a ótica do governo Geisel

A l z i ra A l v e s d e A b re u
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150 DO SSIÊ G E ISEL

Os militares e as telecomunicações
O governo do presidente Ernesto Geisel deu continuidade ao
processo de ampliação e modernização do setor de telecomunicações,
que vinha sofrendo profundas transformações desde a década de 1960,
em especial após a chegada ao poder dos militares. Explica-se: a doutrina
de segurança e desenvolvimento da Escola Superior de Guerra foi um
dos esteios para a montagem da estrutura e da base técnica das teleco-
municações no país.
No início dos anos 1960, as telecomunicações enfrentavam grave
crise, já que o setor era controlado basicamente por empresas privadas es-
trangeiras que não demonstravam interesse em investir na ampliação de
seus sistemas. Por outro lado, o desenvolvimento econômico e social exigia a
implantação de uma infra-estrutura mais eficiente e capaz de ajudar no apro-
fundamento das transformações em curso. O primeiro passo foi dado com a
aprovação, em 27-8-1962, da Lei no 4.117, que instituiu o Código Brasileiro
de Telecomunicações. O código determinou a formação do Conselho Nacio-
nal de Telecomunicações (Contel), instalado em 1963, e a criação de uma
empresa pública para explorar industrialmente os serviços de telecomunica-
ções. Essa empresa, submetida ao regime de exploração direta da União, foi
criada em 1965 sob a denominação de Empresa Brasileira de Telecomuni-
cações (Embratel) e tinha por finalidade a implantação de uma rede básica
de telecomunicações. Outro passo para a modernização do setor veio com a
Constituição de 1967, que transferiu dos estados para a União o poder con-
cedente dos serviços de telecomunicações. Também em 1967, a reforma ad-
ministrativa criou o Ministério das Comunicações. Em julho de 1972, após
intensos debates parlamentares, foi aprovado o projeto que criava a Te-
lecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), empresa pública federal res-
ponsável pela coordenação dos serviços de telecomunicações em todo o
território nacional. Os debates refletiram as resistências por parte das
concessionárias estaduais e municipais e da própria Embratel, receosas
de perder sua autonomia.
Entre 1969 e 1972, a Embratel instalou a rede básica de tele-
comunicações no país com um sistema de microondas em visibilidade,
que interligou as regiões Sudeste, Sul e Nordeste, e um sistema de mi-
croondas em tropodifusão na Amazônia. Com exceção dos sinais de TV,
o sistema de tropodifusão possibilitou o tráfego de todos os serviços de
telecomunicações entre a região amazônica e as principais cidades do
país.
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ALZIRA ALVES DE ABREU 151

A Embratel ampliou o sistema internacional de telecomunica-


ções, priorizando a utilização do satélite. Com a inauguração, em 1969, da
estação terrena de Tanguá foi possível, através do satélite Consórcio Inter-
nacional (Intelsat), a interligação do Brasil às principais capitais do mundo
e a transmissão ao vivo no país de imagens de TV geradas no exterior. Em
1974, a Embratel inaugurou a Rede Nacional de Telex, dotada de moder-
nas centrais eletrônicas, em substituição à antiga rede operada pela Empre-
sa Brasileira de Correios e Telégrafos.1

Os despachos de Euclides Quandt de Oliveira


no Arquivo Geisel
Ao assumir a presidência em 1974, o general Geisel nomeou
para o Ministério das Comunicações Euclides Quandt de Oliveira, oficial da
Marinha com especialização em eletrônica. Quandt tinha uma carreira pro-
fissional tanto na Marinha quanto em empresas públicas e privadas ligadas
às telecomunicações. Foi presidente do Contel entre 1965 e 1967, presi-
dente da Telebrás entre 1972 e 1974, e se manteve à frente do ministério
durante todo o período Geisel (1974-79).
A documentação existente no arquivo privado do presidente
Geisel relativa ao Ministério das Comunicações está organizada em nove
pastas. O conteúdo da documentação limita-se praticamente ao resumo
dos temas levados pelo ministro ao presidente, para a tomada de decisão,
o que ocorria uma ou duas vezes por mês. A pauta constava, em média,
de cinco assuntos por reunião.
Um aspecto que deve ser ressaltado é que os documentos só
apresentam a voz do ministro, sua visão e seu relato dos diversos assuntos
em pauta. Não há a posição do presidente nem o resultado das decisões
tomadas, assim como não consta da documentação, com raras exceções,
a voz dos diversos personagens envolvidos nas questões tratadas.
Apesar dessas limitações, o arquivo nos permite conhecer os
temas que ocupavam a agenda do ministério, as orientações que estavam
sendo dadas ao setor e os diversos interesses em conflito.
Os temas que aparecem com mais freqüência e que ocupam
maior espaço na agenda das reuniões são os seguintes: as concessões de

1
Ver Araujo & Brandi, 2001.
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152 DO SSIÊ G E ISEL

estações de rádio e TV, a política de nacionalização da indústria de tele-


comunicações, a reforma do Código Nacional de Telecomunicações e a
expansão e modernização dos serviços.

As concessões de rádio e TV

As concessões e a renovação de concessões de estações de


rádio e TV foram assuntos que tomaram grande parte do tempo das reu-
niões, principalmente nos dois primeiros anos do governo. A mídia já vol-
tava a ser elemento-chave para a divulgação de plataformas eleitorais e
programas de governo, o que evidentemente determinava a disputa por
essas concessões por parte dos políticos da Arena e do MDB.2
As concessões de emissoras de rádio de ondas curtas e médias
e de TV eram de competência exclusiva da Presidência da República: era
o presidente quem assinava o termo de concessão que lhe era encami-
nhado pelo ministro das Comunicações. Já as concessões de emissoras
de rádio FM eram, por delegação do presidente, distribuídas pelo próprio
Ministério das Comunicações.
A renovação das concessões ou a concessão de novas emisso-
ras de rádio sofriam fortes pressões políticas e eram submetidas à aprecia-
ção do Serviço Nacional de Informações (SNI) e, algumas vezes, do Mi-
nistério da Justiça. A Rádio Cultura de Feira de Santana é um dos
exemplos dessa política. Ao entrar com um pedido de renovação da con-
cessão, a emissora não contou com a aprovação do ministro Quandt de
Oliveira, que argumentou junto ao presidente (I-23)3 que a rádio havia
gravado uma entrevista com o deputado Francisco Pinto, do MDB, o qual
usara termos “ofensivos e injuriosos” ao se referir ao governo, o que de-
terminara a suspensão de suas atividades por 15 dias. Em 21-1-1975 o as-
sunto voltou a ser discutido (III-2), e o ministro reforçou sua orientação
de não recomendar a renovação da concessão porque o proprietário da
emissora, Oscar Marques, do MDB, “já fora explorador de lenocínio”,
além de ter transmitido a entrevista com o deputado Francisco Pinto.
Uma das orientações políticas do ministério era “prestigiar os
governadores dos estados; estes têm sido sempre consultados antes da

2
Ver Lamarão, 1997.
3
Todos os documentos citados neste capítulo são do dossiê EG/pr 1974.04.08.
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ALZIRA ALVES DE ABREU 153

decisão dos editais de concorrência e das renovações de emissoras de ra-


diodifusão que apresentem problemas” (III-12). Por outro lado, o ministro
informava ao presidente que “em quase todos os estados tem havido pro-
cura, por parte de políticos da Arena, de novas estações de televisão e de
rádio, principalmente de rádio. De maneira geral há coincidência de opi-
nião, no que diz respeito ao grupo a receber a outorga, entre o governa-
dor do estado e as diferentes correntes políticas” (V-5). Sugeria ainda que
as outorgas mantivessem o máximo de segurança na parte política.
Mas são as concessões de canais de TV para as diversas cidades
do país que provocam maior disputa política. Podemos apresentar inú-
meros exemplos dessas disputas. Em Goiânia, a Rádio Riviera entrou com
pedido para a concessão de um canal de televisão. O ministro mostrou-se
contrário, pois o governador não apoiava o grupo por considerá-lo sub-
versivo e corrupto, informações confirmadas pelo SNI. Mas o ex-gover-
nador Caiado intercedeu em favor da Rádio Riviera. O ministro então su-
geriu ao presidente não fazer a concessão (III-6). No mesmo despacho foi
discutida a concessão da TV Cuiabá à Rádio Televisão Brasil-Leste Ltda.,
que já detinha o canal de Corumbá. Nesse caso, o governador Garcia
Neto era favorável à concessão. O ministro acrescentava que o grupo era
correto e apoiava o governo. Logo, sugeria ao presidente que assinasse a
outorga do canal de TV à empresa.
Outro exemplo de disputa política por concessão de canal de
TV foi o de São Luís no Maranhão (V-21). José Sarney pediu que o canal
para a cidade não fosse atribuído a um grupo político de inimigos seus e
indicou o grupo Edson Queiroz para receber a concessão. Diante da dis-
puta, o ministro considerou que o assunto só deveria ser resolvido após
as eleições de novembro de 1976.
A concessão de um canal de televisão para João Pessoa teve
quatro candidatos, e um deles era a Rede Globo, representada por um
dos filhos de Roberto Marinho. O ministro mostrou-se contrário à outorga
à TV Globo porque isso significaria aumentar o monopólio da emissora.
Recomendou que a concessão fosse dada ao grupo local Televisão Ara-
puan S.A., que detinha uma estação de rádio (III-3) e tinha o apoio do
governador: “o grupo é correto e apóia o governo” (III-6).
A postura do ministro Quandt de Oliveira em relação à TV
Globo provocou reações por parte de Roberto Marinho e de diretores da
emissora. O ministro relatou ao presidente Geisel, em 15-4-1975 (III-8),
um encontro com Walter Clark em que este “tentou esclarecer um sen-
timento existente entre os dirigentes da Globo de que estavam sendo per-
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154 DO SSIÊ G E ISEL

seguidos pelo ministro”. Em outros despachos o ministro apresentou as


reivindicações da Rede Globo e a sua posição em relação à expansão
dessa empresa (VII-13). Em 14-3-1978 (VIII-1), mostrou que Roberto Ma-
rinho detinha diretamente, ou através de seus filhos ou prepostos, o con-
trole societário de várias emissoras de TV (Rio de Janeiro, São Paulo,
Belo Horizonte, Brasília, Recife e Bauru), 11 estações de rádio em onda
curta em diversas cidades do país, cinco estações de FM, duas estações
em onda curta e uma em onda tropical. A partir desse levantamento,
considerou que, de acordo com o Decreto-lei no 236, Roberto Marinho
poderia chegar ao monopólio da opinião pública; logo, não deveria re-
ceber novas concessões. Mas Marinho insistiu na expansão da empresa e
pediu a concessão da TV de Curitiba e de estações de rádio em onda
média em Brasília e Salvador. Diante da posição do ministro, o empresá-
rio procurou apoio junto a Golbery do Couto e Silva, Nascimento Silva,
Armando Falcão, Francelino Pereira e Ney Braga.
O ministro Quandt de Oliveira relatou ao presidente o encontro
que teve no gabinete do ministro Golbery com Roberto Marinho e Ar-
mando Falcão em 13-7-1978 (VIII-9). Segundo seu relato, o presidente da
Rede Globo expôs todas as atividades que vinha realizando em radiodi-
fusão comercial, teleducação e assistência social e falou do constante
apoio que vinha dando ao governo. Declarou ainda que não vinha tendo
apoio do Ministério das Comunicações, o qual, ao contrário, procurava
cercear o crescimento da Rede Globo, em especial da televisão. Afirmou,
por fim, que precisava continuar a crescer, pois qualquer organização
que deixa de crescer tende a declinar. O ministro expôs então sua política
em relação à radiodifusão explorada pela iniciativa privada e pela televi-
são estruturada em redes nacionais. Essas redes, segundo ele, deviam, ser
estabelecidas em torno de um pequeno núcleo, de propriedade de um
grupo, e as demais emissoras seriam a ele afiliadas. Devia-se procurar
certo equilíbrio entre duas ou três redes, para que nenhuma delas tivesse
condições de exercer um monopólio virtual da audiência de televisão. O
ministro teria dito, ainda nessa reunião, que, “se uma rede de TV vier a
ter índices de audiência, em âmbito nacional, superiores a 80%, ela re-
presentará um virtual perigo, o que não pode ser aceito pelo governo”.
Roberto Marinho discordou dessa argumentação e das restri-
ções à propriedade de empresas de radiodifusão existentes no Código
Brasileiro de Telecomunicações. Afirmou que deveria ser permitido o
crescimento, sem restrições e sem limites, da Rede Globo. Disse tam-
bém que o comportamento da Rede Globo deveria fazê-la “merecedora
Alzira Alves de Abreu.fm Page 155 Tuesday, October 28, 2008 2:44 PM

ALZIRA ALVES DE ABREU 155

de atenção e favores especiais do governo”. Ameaçou vender a Rede


Globo, caso não tivesse apoio para continuar a crescer.
O ministério acompanhou, ao longo desse período, a situação
financeira e de gestão dos Diários e Emissoras Associados, principalmente
a situação da TV Tupi, cujos problemas em geral eram levados ao minis-
tro pelo senador João Calmon (VII-2, VII-4, VII-7, VII-13, VIII-1).
Os problemas para a implantação do canal de televisão do Jor-
nal do Brasil foram relatados ao presidente Geisel em várias ocasiões. O
que sobressai desses relatos é a dificuldade da empresa para cumprir os
prazos de apresentação dos estudos técnicos para se instalar em São
Paulo e no Rio de Janeiro (IV-7, VIII-2, VIII-9).
A venda das televisões e do jornal de Paulo Pimentel, no Pa-
raná, provocou reações do Ministério das Comunicações. O ministro
mostrou ao presidente que Pimentel, que fazia oposição ao governa-
dor Jaime Canet Júnior, na verdade não estava interessado na venda,
mas “apenas querendo ganhar tempo e perturbar” (III-8,VIII-3, VIII-5,
VIII-6).
Quanto ao canal 11 de televisão no Rio de Janeiro, pelo despa-
cho de 14-10-1975 (IV-7) fica-se sabendo que quatro concorrentes se
apresentaram: Sílvio Santos, Grupo Manchete, TV Gazeta (São Paulo) e o
grupo do ex-governador Chagas Freitas. O ministro sugeriu que o canal
fosse outorgado ao Grupo Sílvio Santos, com base nos seguintes argu-
mentos: a) o grupo tinha boas condições financeiras; b) já trabalhava no
setor TV; c) já detinha o controle acionário da TV Record de São Paulo,
o que permitiria um embrião de uma rede nacional; d) tinha melhores
condições de organizar uma rede de TV para competir com as grandes
existentes; e) não tinha trazido dificuldades para os órgãos do governo, e
sim cooperado quando solicitado.
Para se ter uma idéia do volume de solicitações e soluções
dadas pelo ministério nessa área, vale a pena citar os dados apresentados
pelo ministro no relatório de 1978 (IX-7), onde é possível visualizar o nú-
mero das demandas de concessões de rádio e televisão: outorgas de ra-
diodifusão,79; renovação de outorgas de rádio, 36; renovação de outor-
gas de TV, cinco; editais de radiodifusão abertos, 111; estações de radio-
comunicação autorizadas, 7.238; estações de radioamadores renovadas,
15.613. Quanto às emissoras de radiodifusão: cassadas, sete; suspensas,
três; multadas, 50; advertidas, 32; peremptadas, 11.
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156 DO SSIÊ G E ISEL

Outros temas
A política de nacionalização da indústria de telecomunicações
foi outro tema abordado em várias reuniões do ministro com o presiden-
te. Havia a preocupação de manter sob controle de empresários nacio-
nais as indústrias de equipamentos. A compra da Control por uma em-
presa norte-americana levou o Ministério da Indústria e Comércio, que
tinha à frente Severo Gomes, a não autorizar a venda e a determinar a in-
terferência do Ministério das Comunicações e do BNDE para que a em-
presa nacional Gradiente assumisse o seu controle (II-3).
Em despacho de 19-8-1975 (IV-4), o ministro Quandt informou
que, através de portaria, estabelecera que a política industrial para o setor
deveria apoiar indústrias controladas por capitais privados brasileiros para
fabricarem equipamentos para uso do sistema nacional de telecomunica-
ções. Ao mesmo tempo, indicou que a Telebrás deveria organizar um cen-
tro para pesquisar e desenvolver novos tipos de equipamentos a serem fa-
bricados pela indústria brasileira.
Noutro momento (VII-1), o ministro informou que essa política
vinha dando frutos e que já existiam várias empresas, embora o seu fatu-
ramento conjunto ainda atingisse apenas 10% do total do setor. Por sua
determinação, a Telebrás estava autorizada a só auxiliar empresas dando-
lhes garantia de mercado, não lhes oferecendo apoio financeiro, o que
deveria ficar a cargo do setor respectivo. Essa medida era uma forma de
manter a Telebrás dentro de sua atribuição principal, que estava ligada à
prestação de serviços de telecomunicações. No mesmo documento, o mi-
nistro falava das restrições financeiras que existiam no setor de telecomu-
nicações e que afetavam as empresas nacionais em maior profundidade
do que as multinacionais.
Em 1978 (IX-5), a situação financeira de outra empresa preocu-
pava o ministro. Ele dava conta das providências tomadas em relação à
Transit, fábrica de componentes eletrônicos que se encontrava em má si-
tuação financeira. Informava que o assunto deveria ser tratado tendo em
vista a atividade pioneira da empresa, que envolvia alta tecnologia, indis-
pensável para a consolidação da fabricação de computadores e equipa-
mentos de telecomunicações. Em seguida, o ministro informava ao pre-
sidente Geisel que entre outras medidas tomadas para solucionar a crise
da Transit estava a participação da Telebrás e da Digibrás no capital da
Transit (IX-6).
Alzira Alves de Abreu.fm Page 157 Tuesday, October 28, 2008 2:44 PM

ALZIRA ALVES DE ABREU 157

Durante a gestão de Quandt de Oliveira foi também discutida a


reforma do Código Nacional de Telecomunicações, e encontramos no Ar-
quivo Geisel alguns documentos que indicam as controvérsias, as críticas e
os vários interesses em jogo. Um dos dispositivos que provocaram contro-
vérsias foi a proposta da Rede Globo de eliminar todas as restrições à res-
ponsabilidade da emissora por suas transmissões. Por outro lado, ao aten-
der às reclamações das outras emissoras, a revisão provocou reações
contrárias da Rede Globo e da Tupi (II-8). A Associação Brasileira de Emis-
soras de Rádio e Televisão encaminhou sua proposta de alteração do có-
digo, defendendo a fixação de um percentual de programas nacionais e de
programas da própria emissora; era favorável à fixação em 10 anos do
prazo das concessões de TV (pelo código em vigor eram 15 anos); à fixa-
ção de um limite para a programação transmitida e proveniente de uma só
fonte; e à proibição de compra de programas com a participação do ven-
dedor em percentual do faturamento do comprador. Os empresários se
manifestaram contestando o anteprojeto que previa a possibilidade de pu-
blicidade em todas as novas emissoras educativas e oficiais. Eles admitiam
que aquelas emissoras que já estavam veiculando publicidade poderiam
continuar a fazê-lo. Roberto Marinho mostrou-se também contrário ao fato
de terem sido incluídas no código restrições a parentes de primeiro grau
do proprietário no controle de emissoras (VI-1).
Os temas ligados à expansão e modernização das telecomuni-
cações no país passaram pela discussão sobre a implantação do serviço
de telefonia móvel e terrestre e por estudos para a avaliação da conve-
niência ou não da implantação no país de um sistema de satélite domés-
tico de comunicações.
É importante ressaltar que o sistema de discagem direta inter-
nacional (DDI) foi inaugurado em novembro de 1975, ligando inicialmen-
te o Brasil aos Estados Unidos e ao Canadá. Ao terminar seu governo, o
presidente Geisel deixou esse serviço ampliado para 55 países e benefici-
ando mais de 600 localidades brasileiras. Essa expansão foi realizada, se-
gundo o ministro, evitando monopólios e também a divisão do mercado
em combinação com os próprios fabricantes (em detrimento financeiro
das empresas telefônicas e dos usuários). A empresa Ericsson reagiu a
isso desencadeando uma campanha contra a política do Ministério das
Comunicações.4

4
Carta de Euclides Quandt de Oliveira a Heitor Ferreira Aquino. Brasília, 12-11-1973. Pasta
IX, anexos.
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158 DO SSIÊ G E ISEL

O programa de expansão das telecomunicações sofreu forte


corte de investimentos devido a restrições orçamentárias, principalmente
a partir de 1976, o que foi motivo de reclamações do ministro junto ao
presidente.

Conclusão
Ao finalizar a leitura dos papéis sobre telecomunicações, no
dossiê referente ao Ministério das Comunicações do arquivo privado do
presidente Geisel, cabe fazer de imediato algumas observações: a docu-
mentação contém informações relativas a outros temas que não foram
aqui abordados, tais como gestão do setor, reajuste de tarifas, salários dos
funcionários das empresas do setor, planos de investimentos etc. Outra
observação pertinente diz respeito à preocupação demonstrada pelo mi-
nistro em não perder o controle político sobre os canais de rádio e tele-
visão. As críticas ao governo eram mal recebidas e punidas com a não
concessão ou não renovação das concessões. Vale lembrar que foi nesse
período do regime militar que teve início o processo de abertura política,
com a retirada “lenta e gradual” da censura aos meios de comunicação.
Uma última observação refere-se às características do arquivo.
Foram guardados somente os resumos dos temas de despacho. A docu-
mentação recebida e enviada sobre questões ligadas ao setor não consta
do arquivo.
Uma comparação entre os documentos dos vários ministérios,
durante o governo Geisel, pode ajudar a definir melhor características bá-
sicas desse fundo documental. Uma análise comparativa entre a docu-
mentação escrita e a visual viria também enriquecer um estudo sobre o
Arquivo Geisel.
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O Arquivo Geisel e os bastidores da fusão

M a r i et a d e M or a e s F e r r ei r a
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160 DO SSIÊ G E ISEL

Interpretações da fusão
Passados mais de 25 anos, a fusão do estado da Guanabara com
o estado do Rio de Janeiro permanece um tema ao mesmo tempo polê-
mico e tabu. Para muitos, é melhor não lembrar o assunto, fingir que ele
não existiu. Prova disso é que o 25o aniversário da constituição do atual
estado do Rio de Janeiro, em 2000, transcorreu em meio a um grande si-
lêncio. Alguns poucos pesquisadores acadêmicos procuraram ventilar o
tema, mas a mídia e grande parte das autoridades do estado preferiram
calar-se. Já para os que se dispõem a lembrar a fusão e a refletir sobre
ela, trata-se de questão que suscita polêmica.
Na versão oficial do governo Geisel, que decretou a fusão pela
Lei Complementar no 20, de 1-7-1974, e a implantou a partir de março de
1975, a fusão das duas unidades da Federação era justificada com argu-
mentos geoeconômicos e tinha o objetivo de criar um estado forte, tanto
do ponto de vista político quanto econômico, que permitisse um melhor
equilíbrio da Federação. A fusão era assim apresentada como medida de
caráter eminentemente técnico, inscrita num plano estratégico de desen-
volvimento nacional. A própria exposição de motivos da lei complementar
dizia que a “fusão traria progresso e bem-estar não apenas para as popu-
lações dos dois estados, mas também em nível nacional, através da criação
de um novo pólo dinâmico de desenvolvimento”. O melhor equilíbrio fe-
derativo assim produzido teria efeitos benéficos sobre a própria segurança
nacional.
Na visão das elites empresariais cariocas, a fusão também era
uma alternativa desejável. O depoimento de Arthur João Donato, empre-
sário do setor naval e membro da diretoria da Federação das Indústrias
da Guanabara (Fiega), que então passou a ser Firjan, fornece elementos
interessantes no tocante às razões da fusão. Diz ele:

“Mario Henrique Simonsen [ministro da Fazenda do governo Geisel]


foi um grande arauto da fusão. Seu argumento principal era que a
Guanabara, que tinha toda uma dinâmica de desenvolvimento indus-
trial, estava cerceada na possibilidade de descentralização da indústria.
O estado-cidade tinha um desenvolvimento urbano muito intenso, com
outras atividades, com o problema imobiliário, e isso se chocava com a
possibilidade de desenvolver razoavelmente a indústria através de uma
política de descentralização. São Paulo teve seu núcleo industrial, mas
depois a cidade cerceou a indústria paulista, e eles passaram para o
ABC. Mas nós não tínhamos essa possibilidade aqui. Simonsen foi dos
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MARIETA DE MORAES FERREIRA 161

que compreenderam a necessidade de se ter espaço físico para a ex-


pansão da atividade econômica, principalmente no campo industrial, e
afinal a Firjan se rejubilou com isso. Daí por que uma das coisas que
nós fizemos ainda no tempo do Mário Leão Ludolf, e que eu enfatizei
muito quando o substituí na presidência, foi a interiorização da Firjan.
A idéia de um Rio de Janeiro unificado, capaz de abrigar um desen-
volvimento industrial que, a partir da Guanabara, se derramaria para
todo o estado, sempre teve o apoio do Simonsen, que várias vezes se
pronunciou favoravelmente.”1

Há ainda uma outra linha de interpretação, que se consolidou


tanto no senso comum quanto entre os principais políticos de oposição ao
regime militar, que sustenta que a fusão teve como objetivo maior “domes-
ticar” a seção carioca do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Num
quadro de bipartidarismo em que o MDB representava a oposição possível,
e a Aliança Renovadora Nacional (Arena) representava o governo, o esta-
do da Guanabara vinha assistindo, desde 1970, à ascensão de Chagas Frei-
tas e de seus seguidores emedebistas. Chagas Freitas controlava não só o
Executivo estadual, já que fora eleito, então pelo voto indireto, governador
da Guanabara, mas também a bancada do MDB na Assembléia Legislativa
e mais da metade dos representantes cariocas na Câmara dos Deputados.
Aproximavam-se as eleições de novembro de 1974, e o governo antevia a
vitória do MDB em termos nacionais. Sendo a Guanabara o único estado
da Federação governado pela oposição, seria preciso diluir a sua força elei-
toral. A fusão com o estado do Rio, governado pela Arena, era certamente
o caminho mais seguro para alcançar esse resultado. Com a junção das
bancadas carioca e fluminense, além de diluir o peso do MDB da Guana-
bara, o governo estimularia uma cisão interna no partido, forçando dois
importantes caciques a dividir a liderança: Chagas Freitas, o “dono” do
MDB carioca, e Amaral Peixoto, o velho “comandante” da política do es-
tado do Rio.
O depoimento do jornalista Rogério Coelho Neto sobre as elei-
ções de 1974 expressa esse tipo de visão: “A fusão só foi feita porque o
Geisel recebeu uma pesquisa que mostrava que o peso do MDB no esta-
do da Guanabara ia ser muito grande. Eles quiseram mudar isso, diluir
um pouco a coisa”.2

1
História Oral/Cpdoc, 2001.
2
Ferreira, 1998:299.
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162 DO SSIÊ G E ISEL

Minha própria visão, no entanto, é um pouco diferente. Em tra-


balho anterior,3 procuro relativizar esses argumentos chamando a aten-
ção para alguns fatos. Em primeiro lugar, Chagas Freitas foi eleito gover-
nador da Guanabara em 1970, no auge do endurecimento do regime,
com o patrocínio militar. Embora pertencesse ao MDB, não só não se en-
volvia em enfrentamentos com a ditadura, como tinha um ótimo relacio-
namento com o meio militar. Por outro lado, o desenrolar do processo de
fusão mostrou que o regime militar não atuou de forma a efetivamente
enfraquecer o MDB carioca. Diferentemente do esperado, a Arena cario-
ca e seu principal líder engajado na fusão, o deputado Célio Borja, fica-
ram totalmente marginalizados na construção do novo estado. O gover-
nador nomeado por Geisel, Faria Lima, não só não teve nenhum tipo de
iniciativa que auxiliasse a ampliação da esfera de ação dos arenistas no
governo, como permitiu que fossem preservados os esquemas de domi-
nação chaguista enquistados dentro da máquina administrativa. Eviden-
temente, esses argumentos não encerram a discussão, pois permanece de
pé a questão: a quem efetivamente interessava a fusão?

A fusão no Arquivo Geisel


A documentação sobre a fusão preservada no Arquivo Geisel,
ainda que pouco significativa do ponto de vista numérico, fornece dados
interessantes acerca do processo de articulação da medida. O material
relevante é proveniente dos despachos do ministro da Justiça, Armando
Falcão, com o presidente, e de relatórios do Serviço Nacional de Infor-
mações (SNI) sobre o quadro político geral nos meses que antecederam
as eleições de 1974.
De acordo com essa documentação, tão logo se iniciou o go-
verno Geisel, em 15-3-1974, a fusão dos estados da Guanabara e do Rio
de Janeiro emergiu como uma questão importante. Em despacho datado
de 24-4-1974 (I-1),4 Armando Falcão revela a determinação do governo
de enfrentar o problema da fusão ao encarregar o deputado Célio Borja

3
Ferreira & Grynszpan, 1994. Sobre o tema da fusão, ver também: Ferreira, 1998 e 2000;
Ferreira, Rocha & Freire, 2001; Sarmento & Motta, 2001; Motta, 2001; Rocha, 2002; Evan-
gelista, 1998.
4
Todos os documentos citados neste capítulo referem-se aos dossiês Justiça (EG/pr
1974.04.24/1) ou SNI (EG/pr 1974.03.00).
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MARIETA DE MORAES FERREIRA 163

de redigir o anteprojeto de lei complementar. Nesse documento fica


clara a confiança de Geisel na colaboração de Chagas Freitas para levar
adiante o projeto da fusão.
Contudo, a documentação que nos permite traçar um quadro
mais claro dos problemas políticos para o encaminhamento da fusão é a
proveniente do SNI. Os relatórios produzidos nos meses de maio e junho
de 1974 levantam as dificuldades a serem enfrentadas na preparação da lei
complementar que seria aprovada em julho seguinte. O primeiro ponto
destacado no relatório de 5-5-1974 (I-2) é a ausência de unidade de pen-
samento político entre os arenistas. Assim, enquanto “a comissão executiva
da Arena carioca manifestou sua absoluta confiança na decisão do gover-
no federal”, “o presidente da Arena do estado do Rio de Janeiro confirmou
à imprensa sua posição contrária à fusão, acrescentando que as lideranças
políticas daquele estado não aceitariam as teses das vantagens de integra-
ção do estado do Rio à Guanabara”. Em contrapartida, o MDB da Guana-
bara, consciente da irreversibilidade do processo de fusão, em vez de la-
mentar a perda do controle do Executivo estadual, tratou de se estruturar
rapidamente, visando à disputa das cadeiras na Assembléia Legislativa do
futuro estado que resultaria da fusão. Seu objetivo era obter uma represen-
tação legislativa suficientemente forte para exercer efetivo controle sobre
os atos do futuro governo.
Noutro relatório do SNI, datado de 25-5-1974 (I-4), uma primei-
ra avaliação das perspectivas das eleições de 1974 levava o governo a
acreditar que a união das duas unidades da Federação seria benéfica
para sua vitória eleitoral: “O colégio eleitoral da Guanabara é dominado
pelo MDB sob o comando do governador Chagas Freitas. O MDB detém
atualmente 30 das 44 cadeiras da Aleg e dispõe da excepcional máquina
eleitoral, que é o governo do Estado, manipulado habilidosamente pelo
governador (...). Já no colégio eleitoral a ser formado pelo eleitorado do
estado do Rio de Janeiro, a situação é outra. A Arena-RJ detém 25 das
42 cadeiras da Assembléia e o governo do Estado lhe pertence, o que fa-
cilitaria a manutenção”.
No entanto, no mesmo relatório, dando prosseguimento aos
seus argumentos, o SNI alerta para o equívoco desse diagnóstico: “Cha-
gas Freitas, procurando manter o domínio que tem no MDB-GB, passou a
manobrar visando conquistar idêntica posição no diretório regional do
MDB do futuro estado. Emissários seus foram ao estado do Rio e convi-
daram integrantes do MDB-RJ a comparecerem a uma reunião com Cha-
gas Freitas que já se realizou. Ao mesmo tempo, Sandra Salim, articulista
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164 DO SSIÊ G E ISEL

do jornal O Dia, de propriedade de Chagas Freitas, de grande penetra-


ção na baixada fluminense, oferecia os jornais de Chagas para a campa-
nha dos emedebistas na baixada. (...) O líder do MDB fluminense Márcio
Macedo assegurou que o MDB será sem dúvida majoritário nas próximas
eleições (...). A integração do MDB dos dois estados, com o objetivo de
vencer as eleições de 1974, ficará como um marco histórico na política
nacional.” Concluindo, o relatório declarava que a Assembléia Legislativa
que resultaria da fusão GB-RJ dificilmente daria maioria aos arenistas.
Com a mesma orientação de alertar o governo para os proble-
mas que a fusão acarretaria para as eleições de 1974, os relatórios do SNI
de 5 e 15 de junho informavam a respeito das reações dos políticos e do
governador do estado do Rio, Raimundo Padilha, ao projeto de lei com-
plementar, particularmente em relação ao §5o do art. 3o. Dizia esse pa-
rágrafo: “é vedado aos estados que derem origem à lei complementar
prescrita no diploma legal admitir pessoal a partir da data do encaminha-
mento da mensagem ao Congresso”.
Afirmava o primeiro dos dois relatórios (I-5): “Parece digno de re-
alce que, enquanto o governador da Guanabara, do MDB e, portanto, da
oposição, mostra-se conformado com a proibição de novas nomeações, o
governador do estado do Rio, pertencente à Arena, demonstre verdadeiro
desespero ao sentir-se tolhido na criação de novos cargos. Pior ainda, con-
sidera a possibilidade de oferecer empregos como indispensável à vitória
da Arena no próximo pleito eleitoral”.
E dizia o segundo (I-6): “A Arena sairá desgastada na Guanaba-
ra e no Rio de Janeiro com a possível ampliação do contingente eleitoral
do MDB no novo estado a partir do pleito de 15 de novembro de 1974”.
Essas avaliações feitas pelo SNI encontram confirmação em ou-
tros documentos do Arquivo Geisel. Em despacho do ministro Armando
Falcão com o presidente em 5-6-1974, o ministro da Justiça declarava
que o projeto de lei complementar que estabelecia a fusão deveria ser
discutido e votado com urgência, de maneira a não permitir que a opo-
sição pudesse usar a tática de obstrução. Na mesma ocasião, Falcão in-
formava ao presidente a posição do governador fluminense Raimundo
Padilha, que lhe telefonara na noite anterior.
Segundo o documento (I-17), o governador teria dito ao minis-
tro: “a) que recebeu e entendeu a idéia da fusão como uma decisão re-
volucionária, a que não criaria obstáculos; b) que já era difícil a posição
eleitoral do candidato (arenista) ao Senado, Paulo Torres, embora, por dever
de lealdade partidária, eu governador devesse me empenhar por ela;
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MARIETA DE MORAES FERREIRA 165

c) que, agora, com a proibição de nomear e de endividar o Estado, in-


serida no texto do projeto, ficaria pior ainda a situação do novo candida-
to ao Senado”.
Os argumentos apresentados pelo governador fluminense de-
monstram as limitações que a lei complementar a ser aprovada criaria
para os candidatos arenistas. Um caso especial é mencionado: a candi-
datura ao Senado do ex-governador fluminense Paulo Torres, que iria
disputar a vaga com o emedebista fluminense Saturnino Braga. As difi-
culdades do arenista Paulo Torres, percebidas pela Arena do estado do
Rio, seriam confirmadas no momento da realização do pleito, quando Sa-
turnino saiu vitorioso, conquistando 853.772 votos contra 482.976 dados
ao ex-governador fluminense.5
Os problemas acarretados pela fusão para os governos carioca
e fluminense em decorrência da proibição da contratação de funcioná-
rios já concursados foram objeto de outros despachos do ministro da Jus-
tiça com o presidente, ficando sempre clara a aceitação, por parte de
Chagas Freitas, das solicitações do governo federal. Mais de uma vez
ficou evidenciado que o governador carioca se mostrava muito mais cor-
dato que o arenista Raimundo Padilha.
O importante a destacar é que tanto os relatórios do SNI quan-
to os despachos do ministro Armando Falcão mostram que o governo
percebia com clareza os problemas que a fusão traria para as eleições de
1974. Contrariamente ao que se costuma afirmar, ou seja, que a fusão foi
feita para derrotar o MDB, a fusão acabou por derrotar a Arena e forta-
lecer o MDB, que a partir de então passou a controlar não só a cidade do
Rio, mas também o novo estado.
Após a aprovação da Lei Complementar no 20, em 1-7-1974, o
arquivo não contém documentos de maior relevância. O material dispo-
nível são alguns despachos de Armando Falcão relativos a temas admi-
nistrativos, como a montagem de grupos de trabalho para efetivar o pro-
cesso de fusão, a definição da agenda e dos procedimentos para a
escolha do futuro governador do novo estado, e as diretrizes para a atua-
ção deste entre o momento de sua nomeação pelo presidente da Repú-
blica, em 3-10-1974, e sua posse em março de 1975.
Uma vez concretizada a fusão com a posse do governador Faria
Lima, um documento do arquivo parece ratificar a tese de que a fusão não

5
Ver Abreu, Beloch et alii, 2001.
Marieta de Moraes Ferreira.fm Page 166 Tuesday, October 28, 2008 2:46 PM

166 DO SSIÊ G E ISEL

teve como objetivo maior diluir a força do MDB carioca. A “Apreciação su-
mária” do SNI, datada de 17-6-1975 (II-3) e intitulada “O desmantelamento
das forças arenistas no estado do Rio de Janeiro”, chama a atenção para o
comportamento de Faria Lima, “que não propiciava qualquer alento às
hostes arenistas oriundas dos dois estados, Guanabara e Rio de Janeiro,
isoladas e sem rumo”. Nas páginas seguintes são relatadas manifestações
de desapontamento de diversas lideranças arenistas. A segunda parte do
relatório do SNI focaliza a ação do MDB, demonstrando que os “embates
entre chaguistas e amaralistas, antes de enfraquecer o MDB-RJ, parecem
lhe dar maior vigor”. Para finalizar, o relatório apresenta ainda um prog-
nóstico para o futuro: “Desgastado, sem motivação e sem comando, o par-
tido [a Arena] arrasta-se em direção às eleições de 1976”.
Ainda que se possa relativizar o valor dos relatórios de avalia-
ção política do SNI, é inegável que Faria Lima não deu maior atenção
aos aliados do governo. Percebe-se também que as indicações do SNI
não foram tomadas em consideração, nem antes nem depois da fusão.

Considerações finais

Os documentos encontrados no Arquivo Geisel reforçam a tese


de que, para o governo, a fusão era medida de caráter técnico, inscrita
num plano de desenvolvimento nacional. O que se visava com a recons-
tituição da província fluminense transcendia os interesses apenas das po-
pulações dos dois estados e ligava-se a um interesse maior, nacional.
Num documento de quatro páginas não assinado e datado de
9-5-1974 (I-4) são enunciadas as razões da fusão. Eis alguns trechos in-
teressantes, que fornecem indicações acerca das razões maiores do go-
verno:

“Não é, porém, a expansão da metrópole e o maior progresso das


áreas adjacentes e das demais, que formam o todo do Estado, que se
constitui na maior justificativa do que tem por si a natureza e a história.
Mas a formação de uma unidade federada dotada de população e po-
tencial econômico suficientes para, juntamente com os dois outros es-
tados de São Paulo e de Minas Gerais, constituírem a malha política
que cobrirá a área de maior população e de maior densidade econô-
mica do país, que sucede ser, por força da geografia e das caracterís-
ticas de sua formação, a sua área-chave. (...)
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MARIETA DE MORAES FERREIRA 167

Em uma época conturbada, em que antagonismos internos e externos


devem ser superados, no caminho da afirmação brasileira como nação
significativa na ordem mundial, não será demais procurar uma situa-
ção de equilíbrio federativo e de melhor estruturação territorial. (...)

Deve reconhecer-se, entretanto, que uma coletividade — nacional ou


regional, estadual ou simplesmente local — é dotada de memória e de
valores históricos, que precisam ser cultivados, numa fase de transição
de civilização, ativamente preservados com carinho. As tradições flu-
minenses, de que a cidade do Rio de Janeiro sempre foi parte e par-
cela, são uma componente necessária dessa personalidade. Preservá-
las é, para as atuais gerações, dever tão grande quanto o de manter a
integridade territorial da nação. A reunião dos dois Estados — o que
não passa de uma recomposição longamente devida — será, até e so-
bretudo pelo potencial de transformação e de progresso que gera,
mais um fator para que o intenso processo de mudança e moderniza-
ção de nosso país se faça sem atingir as suas características básicas e a
sua inconfundível fisionomia nacional.”

Esse rascunho serviu de base para a elaboração da justificativa


da Lei Complementar no 20, e nele pode ser destacada uma vinculação
entre a fusão dos dois estados e o fortalecimento de um projeto de de-
senvolvimento nacional pautado na idéia de Brasil Grande.
A fusão deveria interferir no equilíbrio federativo ao propiciar
condições para a emergência de um pólo de desenvolvimento de gran-
des dimensões, como o de São Paulo. Seria, assim, um instrumento da
política de diversificação dos pólos industriais e de redução dos desequi-
líbrios regionais.
Segundo esse modelo de representação da identidade nacional,
tratava-se de apagar, ou de diluir, a identidade carioca em favor da recu-
peração de uma outra memória, as tradições fluminenses, de que a cidade
do Rio sempre fora “parte e parcela”. A história colonial da capitania do
Rio de Janeiro e, em seguida, a história da velha província fluminense de-
veriam ser os elementos históricos legitimadores do ato da fusão. A cidade
do Rio de Janeiro deveria esquecer seu passado de capitalidade para re-
tomar uma nova identidade, relacionada a um passado colonial, de motor
de ocupação e desenvolvimento de toda a área adjacente.
Um último documento do arquivo Geisel reforça essa idéia.
Num despacho do ministro Armando Falcão com o presidente Geisel, da-
tado de 12-6-1974 (I-18), foi colocada em pauta uma solicitação do sena-
dor arenista Paulo Torres no sentido da preservação do Palácio Monroe,
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168 DO SSIÊ G E ISEL

antiga sede do Senado no Rio. O ponto de vista do governo federal, ex-


presso através da reprodução dos argumentos de Armando Falcão, era
que seria do agrado oficial “a transferência para Brasília do núcleo da-
quela casa do parlamento que ainda funciona no antigo Palácio Monroe,
no Rio, que está mal conservado internamente e dilacerado pelas obras
do metrô”. O argumento de Paulo Torres era que “o núcleo do Senado
do Monroe é ponto de encontro dos senadores, quando se deslocam
para a Guanabara, e que ficariam tristes se o prédio desaparecesse”.
O desfecho dessa história, todos sabemos, foi a demolição do
Monroe ainda durante o governo Geisel, sob a justificativa de que facili-
taria a construção do metrô. No entanto, percebe-se aqui que o que es-
tava em jogo era outra coisa. O Monroe foi construído em 1906 para aco-
lher a III Conferência Pan-americana, abrigou a Câmara dos Deputados
de 1914 até 1925, e daí até a transferência da capital para Brasília, em
1960, foi a sede do Senado Federal. Palco de instituições e eventos rele-
vantes, o Monroe era um símbolo dos mais importantes da memória do
Rio capital. Sua destruição enquadrava-se no esforço de apagar as mar-
cas de uma representação do Rio como centro da nacionalidade.
Uma nova faceta da fusão emerge dessa documentação. Mais
do que controlar as eleições de 1974 e domesticar a oposição emedebis-
ta, o que estava em pauta era criar um novo pólo de desenvolvimento.
Mas isso significou também mudar o papel simbólico do Rio de Janeiro.
A fusão, em nome de um projeto de desenvolvimento nacional, imple-
mentou estratégias políticas de disciplinarização da cidade do Rio e de di-
luição de uma identidade ancorada num passado de capital do país. A
partir do governo Geisel, a transferência da capital para Brasília estava
definitivamente consumada.
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Bibliografia
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Sobre os autores
Sobre os autores.fm Page 174 Tuesday, October 28, 2008 3:11 PM

174 DO SSIÊ G E ISEL

Alzira Alves de Abreu é doutora em sociologia e pesquisadora do


Cpdoc/FGV.

Angela de Castro Gomes é doutora em ciência política e pesquisadora


do Cpdoc/FGV.

Carlos Eduardo Sarmento é doutor em história e pesquisador do Cpdoc/


FGV.

Celso Castro é doutor em antropologia social, pesquisador do Cpdoc/


FGV e professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio.

Helena Bomeny é doutora em sociologia, pesquisadora do Cpdoc/FGV e


professora do Departamento de Ciências Sociais da Uerj.

Letícia Pinheiro é doutora em relações internacionais e professora do


Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Maria Celina D'Araujo é doutora em ciência política, pesquisadora do


Cpdoc/FGV e professora do Departamento de Ciência Política da UFF.

Marieta de Moraes Ferreira é doutora em história, pesquisadora do


Cpdoc/FGV e professora do Departamento de História da UFRJ.

Verena Alberti é doutora em literatura e pesquisadora do Cpdoc/FGV.


Anexo 1.fm Page 175 Tuesday, October 28, 2008 3:27 PM

Anexo 1

EG/pr 1974.04.10/1, doc. II-14, de 1974 (MEC).


176 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 1 177
178 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 1 179
180 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 1 181
Anexo 2.fm Page 183 Tuesday, October 28, 2008 3:28 PM

Anexo 2

EG/pr 1974.04.24/1, doc. II-33, de 19-3-1975 (Justiça).


184 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 2 185
186 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 2 187
188 D OSSIÊ G EISEL
Anexo 3.fm Page 189 Tuesday, October 28, 2008 3:30 PM

Anexo 3

EG/pr 1974.04.24/1, doc. III-26, de 23-7-1975 (Justiça).


190 D OSSIÊ G EISEL
Anexo 4.fm Page 191 Tuesday, October 28, 2008 3:32 PM

Anexo 4

EG/pr 74.04.24/1, doc. IV-9, de 20-8-1975, incluída no despacho de 25-8-1975 (Justiça).


192 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 4 193
Anexo 5.fm Page 195 Tuesday, October 28, 2008 3:34 PM

Anexo 5

EG/pr 1974.03.18, doc. VII-13, de 25-2-1977 (MRE).


196 D OSSIÊ G EISEL
Anexo 6.fm Page 197 Tuesday, October 28, 2008 4:13 PM

Anexo 6

EG/pr 1975.05.02, doc. I-23, de 1-4-1977 (Gabinete Militar da Presidência da República).


198 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 199
200 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 201
202 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 203
204 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 205
206 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 207
208 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 209
210 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 211
212 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 213
214 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 215
216 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 217
218 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 219
220 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 221
222 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 223
224 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 6 225
Anexo 7.fm Page 227 Tuesday, October 28, 2008 4:15 PM

Anexo 7

EG/pr 1974.03.28, doc. XIV-1, de 14-11-1977 (Fazenda).


228 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 7 229
230 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 7 231
232 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 7 233
Anexo 8.fm Page 235 Tuesday, October 28, 2008 4:16 PM

Anexo 8

EG/pr 1974.03.00, doc. VII-1, de 2-1-1978 (SNI).


236 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 8 237
238 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 8 239
240 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 8 241
242 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 8 243
Anexo 9.fm Page 245 Tuesday, October 28, 2008 4:18 PM

Anexo 9

EG/pr 1974.04.24/2, doc. IV-2, de 15-3-1979 (Atividades do presidente).


246 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 9 247
248 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 9 249
250 D OSSIÊ G EISEL
A NEXO 9 251

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