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Volume 3

REPÚBLICA VELHA
1889-1930
Tomo 1
HISTÓRIA GERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Nelson Boeira (UERGS) e Tau Golin (PPGH-UPF)


Coordenação Geral

Diretores de volumes

Fernando Camargo (UPF) Ieda Gutfreind e Heloisa Reichel (Unisinos).


Livro 1: Colônia

Helga Iracema Landgraf Piccolo (UFRGS) e Maria Medianeira Padoin (UFSM)


Livro 2: Império

Ana Luiza Setti Reckziegel (UPF) Gunter Axt (Instituto Hominus)


Livro 3: República Velha – 1889-1930 – Tomos I e II

René Gertz (PUC/RS)


Livro 4: República – da Revolução de 1930 à Ditadura Militar (1930-1985)

Arno A. Kern (PUC/RS) e Tau Golin (UPF).


Livro 5: Povos Indígenas

Conselho Geral

Adelar Heinsfeld, Ana Luiza Setti Reckziegel, Arno A. Kern, Fernando Camargo,
Flávio Heinz, Gunter Axt, Helga Iracema Landgraf Piccolo, Heloisa Reichel,
Ieda Gutfreind, Luís Augusto Fischer, Mário Maestri, Maria Medianeira Padoin,
Nelson Boeira, René Gertz, Sérgius Gonzaga e Tau Golin.

Tau Golin
Editor

Núcleo de Documentação Histórica (NDH) e


Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo (PPGH-UPF)
Edição e pesquisa

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo (PPGH-UPF) e


Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS)
Coordenação

Banrisul
Patrocínio
Ana Luiza Setti Reckziegel
Gunter Axt

Volume 3
REPÚBLICA VELHA
1889-1930
Tomo 1
© 2007, Nelson Boeira; Tau Golin.

Livraria e Editora Méritos Ltda.


Rua Padre Valentin, 564
Passo Fundo, RS, CEP 99070-100
Fone/Fax: 54) 3313-7317
Página na internet: www.meritos.com.br
E-mail: sac@meritos.com.br

Charles Pimentel da Silva


Projeto gráfico e edição

Ademir da Silva
Alessandro Batistella
Carmen N. Pimentel
Jenifer B. Hahn
Moacir Pimentel
Paulo Monteiro
Auxiliares de edição

Alcides Sartori
Gabriela Luft
Hélio Delazzari
Revisão

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei nº 9.610 de 19/02/1998.


Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora,
poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados:
eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

R426 República velha (1889-1930) / coordenação geral


Tau Golin, Nelson Boeira; Diretores dos volumes
Ana Luiza Setti Reckziegel, Gunter Axt. - Passo Fundo:
Méritos, 2007. - v.3 t.1 - ( Coleção História Geral do
Rio Grande do Sul ).

1. História - Rio Grande do Sul – República velha


I. Golin, Tau (Coord.) II. Boeira, Nelson (Coord.)
III.Reckziegel, Ana Luiza Setti (Dir.) IV. Axt, Gunter ( Dir.)
V. Coleção História Geral do Rio Grande do Sul

CDU:981.65
Catalogação na fonte: bibliotecária Marisa Miguellis CRB10/1241

ISBN: 85-89769-35-6

Impresso no Brasil
História Geral do
Rio Grande do Sul

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APRESENTAÇÃO

Ana Luiza Setti Reckziegel


Gunter Axt

O período compreendido pela chamada República Velha, ou Primeira


República, que se estende de 1889 a 1930, sempre recebeu atenção da nossa
historiografia. Quando a massa da produção historiográfica sobre o Rio Grande
do Sul começou a deixar os institutos históricos para ingressar nas universi-
dades e florescer nos cursos de pós-graduação, durante os anos 1970 e 80, já
havia se escrito bastante sobre a República Velha sul-rio-grandense nas pri-
meiras décadas do século XX.
De fato, tratou-se de um momento chave em nosso processo histórico, em
que muitas questões relacionadas àquilo que poderíamos chamar de “identi-
dade cultural gaúcha” foram matizadas. Nessa época, o Estado deu conside-
rável salto de desenvolvimento econômico; a malha ferroviária expandiu-se;
abriu-se a barra do Rio Grande; construiu-se um porto marítimo; o comércio
e o sistema financeiro expandiram-se; a industrialização corporificou-se; a agri-
cultura diversificou-se e o processo de urbanização foi impulsionado, especial- Volume 3
mente em Porto Alegre. Tal efervescência com certeza foi percebida no cam- República Velha
Tomo I
po das artes e da cultura, em menor ou maior grau, dependendo da área, mas
foi a política que condensou os grandes debates e, também, embates.
Personagens como Gaspar Silveira Martins, Júlio Prates de Castilhos,
Antônio Augusto Borges de Medeiros, Joaquim Francisco de Assis Brasil, Apresentação

Raul Pilla, João Neves da Fontoura, Oswaldo Aranha, José Antônio Flores da
Cunha, Getúlio Dornelles Vargas, dentre muitos outros, emprestaram seus
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nomes a cidades, logradouros públicos, instituições diversas e ainda hoje po-
voam o imaginário coletivo, suscitando paixões, dividindo opiniões. A radicali-
zação da política que brotou no Rio Grande feito erupção após a proclamação
da República encharcou todos os poros da atividade social. Mesmo quando a
vida parecia seguir seu curso normal, o espectro da guerra e da violência po-
lítica insinuava-se no horizonte e aterrorizava a memória.
A Revolução Federalista, que se estendeu de 1893 a 95, consubstanciou-
se num dos episódios mais dramáticos e sangrentos de nossa história. Durante
anos, para alguns, escrever sobre isso chegou a ser quase um tabu. Lembrar
as atrocidades de um passado de ódios desaçaimados era também revelar a
nossa face incivilizada, evocar fantasmas e atrair o risco de novas represálias
ou perseguições. Mas foi nessa guerra civil, revisitada pela historiografia na
segunda metade do século XX e no início do século XXI, que se jogou o futuro
da República no Brasil. Conectando-se com a Revolta da Armada, a Federa-
lista chegou a conflagrar três estados da nascente Federação, numa avalan-
che de insubordinação que levou o cerco naval e um bombardeio à capital fe-
deral, implantou por breve período a duplicidade de governo nacional, mobi-
lizou o Exército brasileiro, combaliu as finanças nacionais e repercutiu sobre
os países vizinhos.
O desfecho dessa revolução, que deu a vitória ao Partido Republicano Rio-
Grandense (PRR) e ao castilhismo – como se convencionou chamar a corren-
te política e ideológica adunada em torno do líder Júlio de Castilhos –, contri-
buiu para reforçar o regionalismo gaúcho, às vezes até isolacionista – tema,
este, que repercutiu nas artes, sobretudo na produção literária –, e para sedi-
mentar no Estado um modelo institucional peculiar, regido por uma consti-
tuição autoritária e centralizadora e garantido por uma sólida força pública, a
Brigada Militar. Essa peculiaridade institucional fermentou intenso debate.
Enquanto a oposição – vencida, mas não convencida – persistia numa denún-
cia sistemática ao corte autoritário e conservador do governo castilhista-repu-
blicano, a situação arregimentava-se em torno de um discurso de justificativa
do regime de forte influência positivista, o que acabou adensando mais um tra-
História Geral do
Rio Grande do Sul
ço importante da especificidade cultural da formação histórica sul-rio-granden-
se. A doutrina positivista, cunhada pelo filósofo francês Auguste Comte, conhe-
ceu em território sul-rio-grandense um dos campos mais férteis de afirmação
em todo o mundo, o que, certamente, deixou marcas importantes em nosso
Apresentação perfil cultural.
Tais clivagens e particularidades suscitaram desde sempre um intenso
debate historiográfico. A princípio, dividindo os analistas entre aqueles pró ou
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contra Júlio de Castilhos e Gaspar Silveira Martins, aqueles identificados ao
PRR e os mais próximos aos partidos de oposição, sendo os mais célebres o
Partido Federalista e o Partido Libertador. Mais tarde, à luz das novas teorias
sociológicas de informação predominantemente marxistas, discutiu-se se os
governos do PRR foram progressistas ou conservadores, se tinham um pro-
jeto de desenvolvimento econômico alternativo para o estado ou não, e, final-
mente, se estavam ou não imersos na clássica indistinção entre espaço públi-
co e privado e no sistema coronelista de poder, que condicionavam a vida po-
lítica nacional.
Nos últimos anos, as reflexões que avivam tal debate avançaram muito,
graças à descoberta de novas fontes, à cerzidura de novas abordagens, ao
acúmulo de erudição sobre o processo histórico regional e à sofisticação da
ambiência teórica. Não obstante, ainda parecer-mos estar longe de fechar ques-
tão e tudo sugere que a diversidade de interpretações tem-se enriquecido.
Esta obra, portanto, espelha nossa diversidade historiográfica. O leitor
atento encontrará divergências de interpretação entre os autores. Enquanto
alguns afastam a tese de que o sistema coronelista de poder também vigeu no
Rio Grande do Sul, outros reconhecem que ele esteve presente ao nível das
relações de poder, pautando o dia-a-dia do fazer-se da política. Enquanto al-
guns atribuem aos governos do PRR um compromisso sistemático e progra-
mático com a modernização do Estado e a diversificação da economia, outros
acreditam ter se cristalizado uma aliança de frações de classes conservadoras
ao redor do núcleo do poder. Enquanto uns percebem a solidez programática
e a fidelidade partidária, outros tendem a captar uma descontinuidade entre
discurso e prática políticos, enfatizando o clima de insubordinação intestina às
greis e as mudanças de rotas nas políticas públicas. Enquanto uns destacam
os progressos que o período trouxe à economia, outros sublinham nossas ca-
rências infra-estruturais e salientam a falta de iniciativas transformadoras de
parte do governo. Enquanto uns retratam a efervescência cultural no perío-
do, outros esboçam nossa insularidade e nossa precariedade.
Não significa que entre os autores aqui presentes também não existam Volume 3
expressivas convergências. A complexificação do quadro social, por exemplo, República Velha
Tomo I
na esteira de processos como o de urbanização, o de industrialização e o de
imigração, é reconhecida por todos. O aburguesamento e a modernização de
nossa sociedade também são aspectos recorrentes em diversos textos.
Apresentação
De qualquer forma, essa diversidade de análises nos parece sintomática
da vitalidade gozada pelos estudos sul-rio-grandenses, sendo, portanto, con-
veniente representá-la neste espaço. O leitor, ao se debruçar sobre estas pá- 11
ginas, terá uma idéia razoável, não apenas do estado da arte do conhecimen-
to, mas também uma percepção das interpretações multifárias que o colorem.
Os autores foram escolhidos em função da conexão entre os temas pro-
postos e sua reconhecida excelência investigativa. Mas estamos longe de pre-
tender aqui um esforço enciclopédico ou de presumir o esgotamento do assun-
to. Alguns temas não chegaram a ser tratados, seja porque o autor convidado
não tenha podido, por motivos próprios, participar da edição, seja porque, por
orientação metodológica geral da organização da série, não era facultado a um
mesmo autor escrever individualmente mais de um capítulo, estabelecendo,
assim, que alguns precisassem optar entre, por exemplo, desenvolver temá-
ticas específicas relacionadas à política ou à economia, à cultura ou à sociedade,
e assim por diante. Destarte, o fato de não veicularmos nesta edição textos es-
pecíficos sobre, por exemplo, o Poder Judiciário e a Justiça, o Exército, os por-
tos e o sistema de navegação, a indústria de geração e distribuição de energia
elétrica, a indústria têxtil, a metalurgia, enfim, não quer dizer que não exis-
tam pesquisas cuidadosas e bons trabalhos desenvolvidos e publicados atinen-
tes a tais assuntos.
Ademais, certos objetos ainda estão a merecer considerável esforço de
pesquisa para que possamos avançar numa compreensão mais orgânica do
período. As fontes judiciais, por exemplo, restam relativamente pouco explo-
radas pelos investigadores interessados na cultura social gaúcha. Já possuí-
mos muitos estudos sobre células empresariais, bem como biografias, mas este
ainda é um universo a ser desbravado. Sobretudo nas últimas décadas, avan-
çou-se consideravelmente no entendimento da história dos municípios, mas
ainda faz-se necessário um aprofundamento e uma maior sistematização des-
sas informações, sobretudo para o interior do estado. Em que pese tenha sido
um dos períodos mais convulsionados de nossa trajetória, a história militar
ainda tem absorvido poucas atenções. Além disso, inúmeros episódios marcan-
tes ainda esperam por olhares mais aprofundados, como é o caso dos levan-
tes tenentistas de 1924 a 26. Por sua vez, novos estudos econômicos têm sur-
gido, indicando que ainda há muito que evoluir também nessa área. No cam-
História Geral do
Rio Grande do Sul po das relações sociais, estudos sobre gênero, sexualidade, mentalidades e
cotidiano estão a todo o momento reconfigurando a compreensão que fazemos
da cultura. Aliás, os estudos culturais estão entre as grandes novidades histo-
riográficas do momento, como poderá se comprovar nesta edição.
Apresentação
Este volume, em seus dois tomos, portanto, foi um retrato possível do
estado da arte da historiografia sobre a República Velha sul-rio-grandense.
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Um retrato determinado por uma combinação de fatores tão diversos, como
a disponibilidade dos pesquisadores e a existência de pesquisas sólidas a pro-
pósito de múltiplos objetos. Acreditamos, contudo, no mérito da iniciativa, pois
pela primeira vez avança-se consistentemente na sistematização do conheci-
mento sobre o período. Confiamos que o leitor possui em mãos um razoável
guia para a compreensão histórica do período em tela, a partir do qual pode-
rá aprofundar inúmeras questões de seu interesse.
Outro alerta importante diz respeito à fórmula que distribuiu os capítu-
los pelas quatro partes do volume: política, economia, sociedade e cultura.
Conveniente frisar ser compartimentação, por suposto, arbitrária, de sorte
que muitos capítulos, embora alocados numa das quatro partes, acabam tra-
tando de cortes transversais, iluminando um pouco de cada coisa, mas com
foco em determinada matéria. Com referência à divisão temática, consideran-
do a amplitude e transversalidade, política, economia e sociedade abrangem
mais o tomo 1, enquanto que aspectos da sociedade e cultura são assuntos mais
comumente encontrados no tomo 2.
Uma observação curiosa refere-se à vinculação institucional dos articulis-
tas. A maior parte dos pesquisadores reunidos nesta edição ou atua em insti-
tuições de ensino e de pesquisa localizadas fora do eixo metropolitano, ou se-
quer possui uma vinculação institucional exclusiva com uma instituição de
ensino superior. Este quadro indica uma mudança considerável no perfil da
produção intelectual sul-rio-grandense, expressando a pujança crescente do
interior e atestando que a descentralização – geográfica e institucional – da
pesquisa e do conhecimento é hoje uma realidade instalada. Mais do que isto,
sugere que produção intelectual de qualidade também pode ser desenvolvi-
da fora do ambiente acadêmico tradicional por excelência.
Adiante, vale comentar sumariamente cada um dos textos que integram
este volume. Pretendemos, assim, contribuir em alguma medida à navegação
do leitor entre as páginas deste livro.
Ana Luiza Setti Reckziegel não abre este volume por acaso. O seu texto
sobre a Revolução Federalista procura contextualizar a ambiência que cercou
Volume 3
a passagem do Império para a República no Rio Grande do Sul e enfoca o epi- República Velha
Tomo I
sódio que condensou o cadinho de contradições políticas, econômicas e sociais
de forma determinante para a trajetória histórica posterior. A grande contri-
buição do texto de Reckziegel reside em revelar a complexidade das relações
do processo revolucionário com os grupos políticos do vizinho Uruguai, indi- Apresentação

cando que os gaúchos, em ambos os pólos da luta, promoviam uma espécie de


diplomacia paralela à do governo brasileiro.
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Em seguida, Ricardo Vélez Rodríguez debruça-se sobre os contornos da
doutrina castilhista, indicando os pontos de convergência e de divergência e
relação ao positivismo comtista e ao liberalismo clássico. Rodríguez explora o
viés autoritário assumido pelo regime republicano brasileiro a partir da afir-
mação agressiva da doutrina castilhista, marcada, em sua opinião, por traços
caudilhescos. Rodríguez mostra-nos como, no plano ideológico, o castilhismo
bramiu uma fórmula de tutela da sociedade, que acenava com a libertação de-
mocrática enquanto torpedeava o espaço da representação política liberal por
excelência, ajudando a equacionar para parcela da elite brasileira o vácuo dei-
xado pela erosão do poder moderador imperial num contexto carregado pela
indistinção entre espaço público e privado.
Gunter Axt analisa as características próprias da dinâmica de relações de
poder que combinou doses de liberalismo econômico e de autoritarismo sec-
tário no âmbito do sistema coronelista que configurou as práticas políticas na
República Velha brasileira. A tensão entre poderes locais e poder central esta-
dual é analisada à luz de uma proposta de periodização da época castilhista-
borgista, tomando-se em conta, ainda, os instrumentos de coerção enfeixados
nas mãos do presidente do estado pela Constituição de 14 de julho de 1891.
Aspectos da estrutura burocrática do Poder Judiciário e da Polícia, bem como
do sistema eleitoral e do poder infra-estrutural do aparelho de Estado, tam-
bém são abordados. Axt procura sintetizar em sua análise uma percepção sistê-
mica da conexão entre discurso político, prática política e políticas públicas de
Estado, oferecendo uma interpretação sobre o sentido social do estado casti-
lhista-borgista. O tema do intervencionismo de Estado na economia é anali-
sado nessa perspectiva, sendo desvinculado da explicação que atribui as inves-
tidas estatizantes ao peso da ideologia positivista, para identificar composições
e choques de interesses econômicos subjacentes aos grandes conflitos políti-
cos e às ações estatais.
Sérgio da Costa Franco enfoca a trajetória da chamada oposição liberal
ao castilhismo ao longo da República Velha. Franco esboça as principais diver-
gências doutrinárias do Partido Federalista, do Partido Republicano Demo-
História Geral do
Rio Grande do Sul
crático e do Partido Libertador com relação ao PRR, bem como descreve os
principais embates entre os dois grandes blocos político-ideológicos, caracte-
rizando as estratégias de ação da oposição federalista-libertadora.
Encerra a parte dedicada à política deste volume o texto de Margareth
Apresentação Marchiori Bakos. A autora propõe um estudo de caso à cidade de Porto Ale-
gre, entre os anos de 1897-1937, período em que foi o palco de um fenômeno
de continuísmo sui-generis no país: a permanência, ao longo de quarenta anos,
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de apenas três representantes de um partido político – o Republicano Rio-
grandense (PRR) no governo municipal. A análise desse fato pontua as rela-
ções entre o poder político municipal e a construção do espaço urbano, bem
como o grau de ingerência na capital do estado, por parte do governo regio-
nal, diferenciado, em muitos aspectos, segundo sua opinião, das diretrizes
políticas brasileiras.
Marli Mertz abre a parte do volume destinada aos estudos econômicos,
justamente por enfocar aquela que foi a atividade produtiva mais importan-
te no período, a agricultura. Seu artigo pretende explicar o processo de
ocupação agrícola do Rio Grande do Sul, indicando a coexistência de diferen-
tes sistemas agrários, cada qual com suas características próprias, carregan-
do interesses ora convergentes, ora antagônicos: a pecuária, a agricultura fa-
miliar e a agricultura empresarial do arroz.
Eugênio Lagemann detém-se na análise de um dos mais importantes
segmentos econômicos da época, o setor financeiro regional, procurando per-
ceber o seu desempenho no período. O autor destaca as diferenças de natu-
reza entre as instituições da época, indicando a origem social do capital que
as formou, bem como qualificando a sua importância no mercado. Tece consi-
derações relevantes sobre as conexões do setor com outros segmentos da eco-
nomia e, também, com o núcleo do poder, avaliando o comportamento do setor
notadamente frente às crises, como a de 1929, quando se vivenciou o célebre
drama bancário gaúcho, que culminou com a quebra do Banco Pelotense.
Luiz Roberto Targa apóia-se numa visão peculiar do estado sul-rio-
grandense, explicando o perfil modernizante, reformista e vanguardista des-
ta formação estatal a partir de sua análise da política fiscal do PRR. A substi-
tuição do imposto sobre as exportações pelo imposto territorial, para o autor,
revelou uma reforma inédita no âmbito nacional, contribuindo sobremaneira
para garantir a diversificação efetiva da pauta exportadora do estado e para
a estabilização da renda do setor exportador como um todo. Essa reforma ape-
nas se verificara porque o aparelho de Estado teria se autonomizado em re-
lação aos interesses da classe dominante tradicional da região. Para Targa, Volume 3
esta mesma reforma foi, no todo ou em partes, reiteradamente ensaiada nou- República Velha
Tomo I
tros estados da Federação, porém, alhures, jamais foi concretizada. Nesse sen-
tido, o autor não identifica um descompasso entre discurso e prática política
para o período, antevê sucessos da orientação institucional autoritária no que
Apresentação
tange à modernização efetiva do tecido social e afasta-se de uma lógica analí-
tica inspirada pela teoria marxista, ao admitir que a formação estatal possa
autonomizar-se em relação à sociedade.
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Para Adelar Heinsfeld, a expansão da malha ferroviária sul-rio-grandense
fez parte do projeto político republicano sob influência do positivismo. O au-
tor demonstra como o incremento da atividade agrícola, da pecuária e da in-
dústria da carne e derivados demandou a ampliação de ramais ferroviários
pela urgência no escoamento da produção. Além disso, Heisnfeld indica como
as ferrovias, principal meio de transporte da época, desempenharam um pa-
pel fundamental no processo de ocupação territorial e de desconcentração
populacional. Heinsfeld também aborda o conflito entre capital privado e in-
teresse público que conduziu às encampações de 1920, concluindo que o pro-
cesso intervencionista na economia foi desencadeado em virtude da opção
ideológica positivista.
Suzana Bleil de Souza, assim como outros autores deste volume, reme-
te-se ao espaço fronteiriço, uma das marcas socioculturais mais distintivas do
Rio Grande do Sul. O faz, entretanto, privilegiando o aspecto da integração
econômica, de sorte a abordar o difícil e escorregadio tema do contrabando.
Suzana mostra como, no âmbito do espaço platino, as regiões de fronteira ca-
racterizaram-se pela forte presença de vínculos culturais, sociais e econômi-
cos que transcenderam os limites políticos estabelecidos entre os países vizi-
nhos. Seu texto indica como a fronteira uruguaio-rio-grandense articulava-se
de forma complementar e o trânsito de homens, bens e mercadorias variavam
de acordo com a conjuntura vigente. Procurando mostrar o impacto econômi-
co e, também, político dessa economia informal sobre a formação histórica
regional, Suzana revela-nos um mundo com normas próprias e que se desdo-
bra à margem dos relatórios e balanços oficiais sobre a atividade econômica es-
tadual. Seu texto indica como o terreno da política, o setor financeiro, a pecuá-
ria e as vias de transporte podem articular-se entre si.
A indústria da madeira é o tema do capítulo de João Carlos Tedesco e de
Liliane Wentz, para quem este segmento teve uma importância primordial nos
processos de organização econômica, territorial e política durante o período
em tela. As madeireiras foram um dos grandes pilares de acumulação capi-
História Geral do talista no Rio Grande do Sul. A conexão da indústria madeireira com a expan-
Rio Grande do Sul
são ferroviária é um dos temas centrais desenvolvido pelos autores. Da mes-
ma forma, este segmento aparece intimamente relacionado ao processo colo-
nizatório e ao desdobramento das atividades mercantis. Uma das conseqüên-
Apresentação cias sociais dessa combinação de fluxos, segundo os autores, seria a expropri-
ação de caboclos, índios e posseiros, que foram empurrados às fímbrias do ter-
ritório, cedendo espaço para as empresas colonizadoras, o comércio, a pecuá-
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ria e as madeireiras. Os autores sublinham, finalmente, o poder integrador do
setor madeireiro da economia sul-rio-grandense à economia brasileira.
Mercedes Kothe inaugura a seção dedicada à sociedade, tematizando a
situação social dos descendentes de imigrantes alemães, com ênfase à diver-
sidade cultural existente no interior do Rio Grande do Sul, para onde conver-
giu o grosso do fluxo migratório ao longo do século XIX. A maioria, nessas
áreas, manteve usos, costumes e tradições de seus antepassados por mais de
um século, desenvolvendo uma comunidade solidária, criando associações
culturais e esportivas, além de pequenas e médias indústrias e bens de servi-
ços que contribuíram de maneira significativa para o desenvolvimento do Rio
Grande do Sul. Assim, Mercedes estabelece uma conexão entre os fluxos mi-
gratórios vindos da Alemanha, o terreno dos usos e costumes e o processo de
industrialização, temática central para compreensão da dimensão econômi-
ca, mas que, entretanto, não pôde merecer um capítulo próprio neste volume.
Núncia Santoro Constantino trata da imigração italiana como fato social
completo e fenômeno de massas. Núncia analisa o perfil do emigrante e as con-
dições de existência estabelecidas em solo gaúcho. Contextualizando-se os dois
países – Itália e Brasil –, a autora procura identificar os fatores de expulsão e
de atração, em diferentes momentos do período, destacando, ainda, a reper-
cussão da legislação italiana e da legislação brasileira na ocupação de espaços
no Brasil meridional. Política, economia e cultura se fazem, portanto, presen-
tes no esforço analítico de Núncia Santoro.
Thais Wenczenovicz objetiva perscrutar os aspectos econômicos, políticos
e sociais relacionados à imigração polonesa, resumindo desde a viagem ao
Brasil até a posse da terra, passando pelos delicados caminhos de adaptação.
Em sua narrativa ressalta a importância das companhias de colonização. O seu
texto oferece-nos uma rica perspectiva da diversidade étnica e cultural da for-
mação social sul-rio-grandense.
Na mesma linha, Izabel Gritti discute a imigração judaica no Rio Gran-
de do Sul. A autora também relaciona as causas de expulsão e de atração de
emigrantes, no caso judeus, para o Brasil. Em sua narrativa, ganha destaque
Volume 3
o papel da Jewish Colonization Association. Gritti procura analisar as especi- República Velha
Tomo I
ficidades dos assentamentos de Filipson e de Quatro Irmãos, colônias rurais
estabelecidas no interior do Rio Grande do Sul.
Lurdes Grolli Ardenghi analisa a ocupação territorial da região Norte do
Rio Grande do Sul sob a ótica da presença dos caboclos, justamente o contin- Apresentação

gente populacional desapossado em decorrência do incremento do fluxo mi-


gratório europeu e do progresso da atividade econômica, especialmente mer-
17
cantil, agrícola e madeireira. Lurdes evidencia como se dava a forma de sub-
sistência dessas populações, ligada, sobretudo, à extração da erva-mate, ati-
vidade que requeria comportamento nômade e demandava a existência de
ervais públicos. Lurdes mostra como a disputa em torno desses espaços reper-
cutiu sobre o campo da política, fazendo da região norte uma das mais confla-
gradas do período em tela. A autora percebe a capacidade de organização po-
lítica dessas populações e comprova a sua adesão ao bloco oposicionista ao re-
gime castilhista-borgista, indicando, assim, que essa oposição também carre-
gava forte matiz popular. Seu trabalho desmistifica o conceito de terra devo-
luta e desvenda a intercomunicação entre atividade econômica, imigração e
política, denunciando uma das faces mais cruéis da dominação autoritária do
período.
Beatriz Loner analisa a organização e as mobilizações operárias, descre-
vendo a composição do movimento obreiro, suas principais correntes internas
e a sua relação com o entorno comunitário e político. A diversificação da socie-
dade gaúcha é resultado do processo de industrialização e do processo de ur-
banização. A autora esboça o surgimento da classe trabalhadora no Rio Gran-
de do Sul, caracterizando o movimento operário como importante agente na
dinâmica política regional. Loner não parece acreditar em concessões do go-
verno oligárquico ideologicamente comprometido com a incorporação do pro-
letariado à sociedade, mas atribui as conquistas dos trabalhadores a sua mobi-
lização.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Apresentação

18
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Ana Luiza Setti Reckziegel, Gunter Axt .................................................. 9

I. 1893: A REVOLUÇÃO ALÉM FRONTEIRA


Ana Luiza Setti Reckziegel ...................................................................... 23
Polarizações políticas ................................................................... 23
Os federalistas no outro lado da fronteira .................................... 33
Panorama da fronteira uruguaia nos anos 1890 ............................ 38
A revolução sob duas bandeiras: federalistas e blancos ................. 41
Federalistas e colorados .................................................................. 47

II. O CASTILHISMO E AS OUTRAS IDEOLOGIAS


Ricardo Vélez Rodríguez .......................................................................... 57
Núcleo ideológico básico do castilhismo ......................................... 60
Positivismo e liberalismo ................................................................ 69
Positivismo e castilhismo ............................................................. 73
Positivismo ilustrado e castilhismo .............................................. 74
O castilhismo e os liberais ............................................................... 76
Castilhismo, protestantismo e catolicismo .................................... 84 Volume 3
República Velha
III. CORONELISMO INDOMÁVEL: O SISTEMA DE RELAÇÕES Tomo I

DE PODER
Gunter Axt ................................................................................................... 89
O estado da arte ............................................................................ 89 Sumário
Aos inimigos, a lei! ........................................................................ 92
À guisa de periodização ................................................................ 97
19
Institucionalização republicana (1889-95) ............................ 97
Hegemonia castilhista (1895-1903) ....................................... 97
Crise de hegemonia (1903-1907) ........................................... 97
Construção da hegemonia borgiana (1908-13) ....................... 98
Hegemonia borgiana (1913-20) ............................................. 98
Contestações e crise de hegemonia (1921-23) ........................ 101
Recomposição da aliança hegemônica (1923-30) ................... 102
Entendendo a dinâmica de poderes .............................................. 104
Formação do bloco histórico .......................................................... 122

IV. O PARTIDO FEDERALISTA


Sérgio da Costa Franco ............................................................................. 129
Dificuldades para o exercício da oposição .................................... 130
Eleição estadual de maio de 1891 ................................................. 132
Retorno de Silveira Martins e fundação do Partido Federalista .. 133
Reação armada – guerra civil de 1893 a 95 .................................... 136
O congresso de 1896 e o novo programa federalista ..................... 142
A morte de Silveira Martins e seu testamento político ................. 144
O congresso de 1901 em Bagé ........................................................ 147
Um censo partidário em 1905 ........................................................ 148
O pleito de 1906 levou três federalistas à Câmara ........................ 152
Oposições desunidas: pleito estadual de 1907 .............................. 154
As eleições federais de 1909 e 1912: os federalistas perdem
cadeiras ......................................................................................... 155
Reforma da legislação estadual: avanços e recuos dos maragatos . 156
Congresso Federalista de 1917 ...................................................... 159
O caso do federalismo: cisão entre pintistas e cabedistas ............. 161
Candidatura de Assis Brasil ao governo estadual ......................... 164
História Geral do Legislatura de 1925-27: conflito entre federalistas e assisistas ..... 168
Rio Grande do Sul
Em 1928, desapareceu o Partido Federalista e nasceu o Partido
Libertador ..................................................................................... 169

Sumário V. POLÍTICA NA SALA DE VISITAS (1897-1937)


Margaret M. Bakos .................................................................................... 171
Continuísmo político em Porto Alegre .......................................... 172
20
VI. A AGRICULTURA: A ORGANIZAÇÃO DOS SISTEMAS AGRÁRIOS
Marli Mertz, Marinês Zandavalli Grando,
Luiz Roberto Pecoits Targa ....................................................................... 203
A pecuária tradicional ................................................................... 204
A agricultura familiar ................................................................... 210
A lavoura empresarial do arroz ..................................................... 215

VII. O SETOR FINANCEIRO: DAS ORIGENS AO DRAMA BANCÁRIO


Eugenio Lagemann ................................................................................ 225
O desempenho dos bancos ............................................................ 240

VIII. A POLÍTICA FISCAL MODERNIZADORA DO PARTIDO


REPUBLICANO RIO-GRANDENSE (1889 -1930)
Luiz Roberto Pecoits Targa ....................................................................... 247

IX. AS FERROVIAS: NA ORDEM POSITIVISTA, O PROGRESSO


CORRE PELOS TRILHOS
Adelar Heinsfeld ....................................................................................... 273

X. COMÉRCIO E CONTRABANDO NA ARTICULAÇÃO ECONÔMICA


DO ESPAÇO FRONTEIRIÇO PLATINO
Susana Bleil de Souza ............................................................................... 305

XI. A ECONOMIA E A INDÚSTRIA DA MADEIRA


João Carlos Tedesco, Liliane I. M. Wentz ................................................. 335
Industrialização e territorialização da madeira ........................... 336
As irracionalidades e os conflitos no processo de extração e
comercialização da madeira ......................................................... 348

XII. OS DESCENDENTES ALEMÃES


Mercedes Gassen Kothe .............................................................................. 377
Volume 3
República Velha

XIII. IMIGRANTES ITALIANOS: PARTIR, TRANSITAR, CHEGAR Tomo I

(1889-1930)
Núncia Santoro de Constantino ................................................................ 395
Partir ............................................................................................ 396 Sumário

Transitar ....................................................................................... 399


Chegar .......................................................................................... 407 21
XIV. A IMIGRAÇÃO POLONESA
Thaís Janaina Wenczenovicz ................................................................... 419
Polônia: produção econômica e a terra ........................................ 421
A presença polonesa no Rio Grande do Sul ................................ 424
Colonização e povoamento ........................................................... 428
Instalação no lote colonial ............................................................. 432

XV. OS JUDEUS
Isabel Rosa Gritti ....................................................................................... 441

XVI. A QUESTÃO DA TERRA NA OCUPAÇÃO DO NORTE:


CABOCLOS, ERVATEIROS E CORONÉIS
Lurdes Grolli Ardenghi ............................................................................. 465
A emergência dos conflitos ............................................................ 470
A Lei de Terras de 1899 e seus desdobramentos ........................... 474
Poder do campo & poder do mato ................................................. 479

XVII. O MOVIMENTO OPERÁRIO


Beatriz Ana Loner ...................................................................................... 499

REFERÊNCIAS ............................................................................ 527


Fontes primárias .......................................................................... 545
Fontes digitais .............................................................................. 545
Jornais .......................................................................................... 545

OS AUTORES ............................................................................... 547

História Geral do
Rio Grande do Sul

Sumário

22
Capítulo I

1893: A REVOLUÇÃO
ALÉM FRONTEIRA

Ana Luiza Setti Reckziegel

O conflito que opôs federalistas e castilhistas no Rio Grande do Sul, en-


tre 1893 e 95, ocorreu no contexto que abrange a ascensão e a consolidação do
castilhismo à frente do poder político rio-grandense e apresentou, para além
das questões internas adstritas a esse episódio, vinculações internacionais que
tiveram relevância especial no desenrolar dos acontecimentos.

Polarizações políticas
Nos anos anteriores à proclamação da república, o Partido Liberal, es-
teio da maior parte do contingente político que viria a formar o Partido Fede-
ralista, configurou-se o mais influente no estado, dominando a Guarda Nacio-
nal, o Legislativo provincial e a maioria dos governos municipais.
A grande liderança desse grupo era Gaspar Silveira Martins, nascido em Volume 3
República Velha
1834, em Bagé, fronteira com o Uruguai. A propriedade de seu pai estendia- Tomo I
se pela República vizinha e fora local de encontro histórico entre os fundado-
res do Uruguai independente, Juan Antonio Lavalleja e José Fructuoso Ri-
vera. Muito embora Silveira Martins fosse batizado em Melo, no Departamen- I.
1893: a revolução
to de Cerro Largo, seus pais o tornaram brasileiro ao mandá-lo estudar no além fronteira
Norte e Centro do Brasil (em São Luís e Rio de Janeiro, no curso secundário,
e em Recife, na faculdade de Direito). Depois de curto estágio como advoga- 23
do na capital imperial, retornou ao Rio
Grande justamente no momento em
que os rótulos partidários tradicionais
estavam sendo reavivados, e ganhou
as eleições à Assembléia Provincial de
1861, aos 26 anos (LOVE, 1971, p. 25).
Já em 1872, elegeu-se para a Câ-
mara dos Deputados, na qual sua ora-
tória fez sucesso logo de início junto
aos segmentos mais afeitos a reformas
no regime. Reivindicava, em seus dis-
cursos, eleições diretas, responsabili-
dade ministerial, descentralização ad-
ministrativa, liberdade religiosa total
e emancipação de escravos. No mesmo
ano, Silveira Martins assumia o con-
trole da Assembléia Provincial, tor-
nando-se seu líder incontestável e edi-
Júlio de Castilhos e sua família. ficando o Partido Liberal em bases
Museu Júlio de Castilhos, Porto Alegre.
cada vez mais sólidas na província rio-
grandense.
Em 1880, depois de rápida passagem pelo Ministério do Visconde de Si-
nimbu, como ministro da Fazenda, no qual incompatibilizou-se por defender
o direito de voto aos não-católicos, entrou para o Senado. A próxima década
testemunhou a conversão de Silveira Martins de liberal a federalista, bem
como o enfrentamento tenaz do tribuno com Júlio de Castilhos, então líder do
Partido Republicano Rio-Grandense (PRR).
Os anos 80 culminariam com o desabamento do edifício monárquico que
a duras penas mantinha-se frente aos novos tempos. As transformações
socioeconômicas que tiveram início em 1850 com a extinção do tráfico negrei-
ro e seguiram com o crescimento das camadas médias, com o desenvolvimento
História Geral do
Rio Grande do Sul
da cafeicultura, com um incipiente desenvolvimento urbano-industrial e que
se refletiram no âmbito político com a dissensão entre militares e Império, de-
terminariam a sentença de morte da Monarquia, obsoleta e incapaz de adap-
tar-se às exigências da conjuntura.
Ana Luiza Setti
Reckziegel O processo de transformações econômicas e sociais pelo qual passava o
Brasil também ecoou na província sulina. Mediado por um grupo de jovens
gaúchos egressos das faculdades de Direito do centro do país, contaminados
24
pelo desejo de mudanças no regime político, o ideal republicano afirmou-se no
Rio Grande com a fundação do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), em
1882. Em sua maioria, esse grupo era formado por filhos de estancieiros da
Campanha – Joaquim Francisco Assis Brasil, Antônio Augusto Borges de
Medeiros, José Gomes Pinheiro Machado – sendo que os dois primeiros go-
vernariam o Rio Grande e o último seria o mais importante representante do
estado no Senado Federal.
Júlio de Castilhos, que posteriormente converteu-se no grande nome do
republicanismo gaúcho, apresentava algumas diferenças de seus pares, a co-
meçar por sua origem social, pois não fazia parte do grupo de abastados fazen-
deiros da Campanha, tendo nascido na Serra. Indicado, na convenção do PRR
de 1883, para redator do futuro jornal republicano, Castilhos, apesar de recu-
sar o cargo, esforçou-se, juntamente com Antão de Farias, Demétrio Ribeiro,
João Pedro Alves e Ramiro Barcellos, para que A Federação fosse lançada no
início do ano seguinte. Dono de estilo enérgico e direto, exercitou através das
colunas do jornal republicano o vigor e a rigidez no trato com os adversários,
tornando-se seu redator a partir de 1885.
O PRR, que de início adotou praticamente as mesmas coordenadas de
seu congênere paulista, o PRP, pouco a pouco começou a diferenciar-se, prin-
cipalmente em função da radicalização de algumas de suas posições. Através
das páginas de A Federação, deu-se cobertura aos incidentes que compuse-
ram, a partir de 1883, a chamada “Questão Militar”, num estilo de redação
agressivo e questionador do papel submisso reservado ao Exército na políti-
ca nacional. O republicanismo gaúcho, da mesma forma, diferenciou-se do
paulista na medida em que na defesa da abolição da escravatura recusou a cláu-
sula que previa indenização aos proprietários de escravos. A postura do PRR
consolidava-se no sentido de não admitir concessões às mudanças que se ali-
nhavam no horizonte nacional.
Mesmo prestigiado por setores da opinião pública, os republicanos consti-
tuíam minoria na província quando foi proclamado o 15 de Novembro. Os lí-
deres republicanos Júlio de Castilhos e Ramiro Barcellos convenceram, en-
Volume 3
tão, o visconde de Pelotas, oriundo do Partido Liberal, a aceitar a indicação ao República Velha
Tomo I
Governo Provisório para assumir o comando. Tal governo designou Castilhos
à Secretaria do governo estadual, indicando que o poder seria compartido com
a nova geração de políticos engajados no ainda incipiente PRR (CABEDA et al., I.
2004, p. 19-21). 1893: a revolução
além fronteira
Os liberais resignaram-se a contragosto com a nova situação, porém o
PRR mostrou uma postura sectária e contrária aos adesistas de última hora.
25
Começava assim a grande derrubada dos liberais dos cargos públicos, e a subs-
tituição das posições de comando Visconde de Pelotas levaram os secretários
de estado a promover uma série de atos administrativos, organizando nova
estrutura policial e retirando poderes do presidente provisório em benefício
do chefe de Polícia (CABEDA et al., 2004, p. 21). A 9 de fevereiro de 1890, pres-
sionado tanto por antigos liberais quanto por republicanos, o visconde trans-
feriu por decreto o poder a Castilhos, que, mais uma vez usando de cautela,
apontou o general Júlio Anacleto Falcão da Frota como presidente do Esta-
do (FRANCO, 1988).
O governo do general Frota durou apenas alguns meses. Em função de
desacordos com a política emissionista do ministro Rui Barbosa e temendo que
o Banco Emissor do Sul fosse entregue à oposição, Frota renunciou no início
de maio. Nessas circunstâncias, o governo de Deodoro nomeou em substitui-
ção a Frota um militar desvinculado da região, o general Cândido Costa. Em
função de ele encontrar-se no Rio de Janeiro, assumiu o novo vice-presiden-
te, Francisco da Silva Tavares – indicado para o cargo de fiscal do Banco Emis-
sor e francamente hostilizado pelos castilhistas (TABORDA, 1993). Apesar dos
esforços de governar com uma coalizão de antigos conservadores e liberais e
até de republicanos, Silva Tavares conquistou poucas adesões e seu curto perío-
do de governo foi extremamente conturbado, levando-o a renunciar (CABEDA
et al., 2004, p. 22-23).
O clima político no Rio Grande do Sul se acirrava, tendo inclusive alguns
órgãos de imprensa suspendido suas publicações com temor de represálias.
Somente Castilhos, à frente de A Federação, provocava os inimigos, atribuin-
do a Tavares a pecha de “tirano”. Nesse ínterim, assumiu o governo estadual
o general Carlos Machado de Bittencourt, comandante das Armas. Finalmen-
te, em 24 de maio, o general Cândido Costa chegou a Porto Alegre e tomou
posse do governo e restabeleceu as garantias de manifestação políticas. Ainda
assim, Castilhos permaneceu na Secretaria do Interior e Justiça, dando segui-
mento ao aparelhamento da máquina pública por partidários do PRR. No pla-
no nacional, Castilhos apoiou a eleição de Deodoro da Fonseca como presiden-
História Geral do
Rio Grande do Sul
te constitucional numa declarada estratégia de efetivar uma aliança com o go-
verno federal para que sustentasse a consolidação do PRR à frente do poder
estadual.
Em 16 de março de 1891, depois de ter sido aceita por Deodoro a exone-
Ana Luiza Setti
Reckziegel ração do presidente Cândido Costa, assumiu o vice-presidente, Fernando
Abbott, responsável pelo ato nº 192, que regulava as eleições e a composição
à Constituinte. A nova Constituição foi aprovada em 14 de julho e também nes-
26
COSTA, 1922.
sa data foi eleito, de forma indireta, Júlio de Castilhos para
presidente do estado.
O estilo autoritário de governo de Castilhos, que tinha no
positivismo seu aparato ideológico (RODRIGUES, 1980), coin-
cidia um tanto com a forma que Deodoro da Fonseca dirigiu
os primeiros anos da recém-instalada república. Apesar de ter
nomeado o liberal, visconde de Pelotas para presidente do es-
tado, Deodoro colocou Castilhos num posto-chave, o de secre-
tário de Governo, que lhe permitia controlar a nomeação dos
funcionários. Detendo esse poder, Castilhos provocou um ver-
dadeiro expurgo dos liberais dos cargos municipais e esta-
duais. Delegados de Polícia e comandantes de unidades da
Fernando Abbot
Guarda Nacional também foram exonerados. Ficava clara a
intenção de montar uma eficiente máquina de controle políti-
co, para a qual os liberais apresentavam o maior entrave.
Da mesma forma que o presidente apresentava dificuldades no trato com
o Legislativo Federal, o republicano sulino, por sua vez, fez aprovar um pro-
jeto de constituição estadual, obra exclusivamente sua, restringindo as funções
do Legislativo à votação orçamentária, criação, aumento ou supressão de tribu-
tos e à autorização do governador a contrair empréstimos (FRANCO, 1988, p. 27).
A par dessas coincidências, quando Deodoro decidiu pela suspensão das
atividades do Congresso Nacional, em 3 de novembro de 1891, Castilhos
imediatamente apoiou o golpe, estampando nas páginas de A Federação o ma-
nifesto de Deodoro e garantindo ao presidente que a ordem seria mantida no
estado.
A posterior destituição de Castilhos, em função de sua identificação com
o golpe deodorista – a qual ele justificava pelo temor de uma guerra civil – dei-
xou o poder a um triunvirato formado por Assis Brasil, Barros Cassal e Luis
Osório que ocupou a presidência do estado até junho de 1892, e que depois foi
pejorativamente alcunhado pelo líder do PRR de ¨governicho¨.
Os primeiros momentos do governo de Júlio de Castilhos já tinham opor- Volume 3
tunizado antever seu autoritarismo, provocando rupturas entre os antigos com- República Velha
Tomo I
panheiros fundadores do PRR, como foi o caso de Assis Brasil e Barros Cassal,
Borges de Medeiros e Ramiro Barcelos. A oposição crescia. Antes formada pe-
los antigos donos do poder, notadamente os liberais liderados por Silveira I.
Martins, contava agora com os dissidentes do próprio partido republicano. 1893: a revolução
além fronteira
A oposição reuniu-se em Bagé, lançando oficialmente o Partido Federa-
lista em fevereiro de 1892. Os federalistas agrupavam-se em torno de seu lí- 27
der, Silveira Martins, e articulavam uma possível volta ao governo rio-granden-
se, pronunciando-se, naquele momento, claramente como oposição aos casti-
lhistas. Alheio à pecha de “monarquista”, Silveira Martins defendia a república
parlamentarista, falando inclusive na possibilidade de convocação de um ple-
biscito para escolher o sistema de governo (JACQUES, [s.d.], p. 139).
Naquela oportunidade, todos tramavam. Os federalistas teciam estraté-
gias para serem reconhecidos como força política, a fim de disputar o mando
no estado, e esforçavam-se para se defenderem das acusações que lhes asso-
ciavam aos monarquistas – aliás, o principal argumento dos castilhistas para
a sistemática perseguição aos federalistas. Os castilhistas, por sua vez, arqui-
tetavam a derrubada do governicho, pretendendo a recondução do PRR ao
poder – para o quê tiveram o apoio do presidente Floriano, que se dispôs a
transigir para assegurar a estabilidade da república presidencialista.
Iniciavam-se, nesse quadro, os preparativos para o golpe. Em março de
1892, em Monte Caseros, na Argentina, um grupo de republicanos emigrados
realizou um encontro no qual decidiram pela ação revolucionária contra a pre-
sidência do estado. O governicho ficava cada vez mais acuado e sem meios de
ação: de um lado, os castilhistas pressionando para sua derrubada; de outro,
os federalistas organizavam-se em partido próprio, praticamente excluindo os
republicanos dissidentes (FRANCO, 1988, p. 123).
A instabilidade política no Rio Grande do Sul repercutia no país vizinho,
estando as autoridades uruguaias atentas aos acontecimentos gaúchos. Este
fato estava estreitamente ligado com o envolvimento de lideranças políticas
uruguaias na contenda gaúcha.
No que diz respeito à Revolução Federalista, foram identificados neste
estudo Gumercindo Saraiva e seu irmão, Aparício Saraiva, ou Saravia con-
forme grafia de seu país, como os nomes de maior importância no arranjo fede-
ralista-uruguaio.
A historiografia discute a questão da nacionalidade de Gumercindo: uru-
guaio ou brasileiro? Parece não haver dúvida quanto ao local de batismo de
História Geral do
Rio Grande do Sul Gumercindo, uma vez que foi encontrada sua certidão na Câmara Eclesiástica
do Bispado de Pelotas, em 1923 (FONSECA, 1957, p. 53). Entretanto, o local de
batismo não correspondia necessariamente, naquela época, ao de nascimen-
to. Muitos casos ocorriam de nascimentos no Uruguai e batismo no Rio Gran-
Ana Luiza Setti
Reckziegel de do Sul e vice-versa. Tal questão reafirma que a fronteira rio-grandense-uru-
guaia não era percebida enquanto divisão de modos e costumes de vida, sen-
28
do habitual ser nascido em um lado e batizado em outro.
Estado-maior do Exército Federalista. Em pé: Artur Maciel, Estácio Azambuja e Domingos
Ribas. Sentados: Mateus Collares, Aparício Saraiva, Gumercindo Saraiva e Cizério Saraiva.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. RUAS; BONES, 1997.

O pai de Gumercindo, dom Chico Saraiva, nasceu no Brasil e se estabe-


leceu depois de algum tempo no Uruguai. A bibliografia coincide na afirmação
de que é por volta da década de 1840 que dom Chico traslada-se para a Repú-
blica Oriental, instalando-se na região de Pablo Páez e Cordobés (Ibidem, p. 56).
Provavelmente, a passagem de dom Chico ao Uruguai deveu-se ao fato
de, tendo ele lutado ao lado dos farrapos e, sendo estes vencidos em 1845, ter
ficado difícil sua situação no Rio Grande. Por outro lado, encaminhava-se o fim Volume 3
da Guerra Grande a qual havia determinado uma queda no preço das terras República Velha
Tomo I
uruguaias, o que as tornava atrativas à compra.
Restringindo o estudo deste capítulo às versões correntes, o próprio Gu-
mercindo ora declarava-se brasileiro, ora oriental. Em várias oportunidades I.
1893: a revolução
ele se referiu aos brasileiros como compatriotas, de onde poderia deduzir-se além fronteira
fosse brasileiro. No entanto, noutra circunstância, sua esposa, por ocasião do
registro de nascimento de sua filha, Corália, em 1893, quando Gumercindo es- 29
COSTA, 1922.
tava lutando na revolução rio-grandense, declarou ser a me-
nina “filha legítima da declarante e de seu esposo
Gumersindo Saraiva, oriental, de quarenta e um anos de ida-
de, estancieiro e domiciliado nos Estados Unidos do Brasil”
(FONSECA, 1957, p. 57).
Depreende-se, dessa maneira, que fosse a nacionali-
dade de Gumercindo brasileira ou uruguaia, o caudilho pa-
recia sentir-se à vontade igualmente de um lado ou de outro
daquele espaço fronteiriço. Foi essa situação de trânsito es-
pontâneo, de ligações comuns, de interação nos assuntos
daqui e de lá ostentada pelos homens dessa região, que aju-
Gaspar Silveira Martins dam a compreender as imbricações desses caudilhos nas
querelas políticas entre dois territórios.
O episódio que determinou a vinda de Gumercindo ao
Rio Grande do Sul, em 1883, refere-se a um incidente que teve com os irmãos
Lopes, na estância La Pandorga, em Puntas de Olimar, próxima da fronteira
gaúcha. Carmelo e Rufino Lopes eram estancieiros da região e filiados aos co-
lorados, mesmo partido do chefe de Polícia da localidade. Certa ocasião, abrin-
do os alambrados do campo dos Saraiva, adentraram com uma tropa de mil
e tantas cabeças que colocaram em pastoreio. Reagindo, Gumercindo ordenou
a retirada do gado e, no calor da discussão, um dos irmãos Lopes, Carmelo,
saiu ferido com um tiro presumivelmente disparado por Gumercindo. Em
função da ameaça de prisão decretada pelo chefe de Polícia, Gumercindo de-
cidiu emigrar para Santa Vitória do Palmar, onde os Saraiva eram proprie-
tários da estância Curral de Arroios. Aqueles campos, Gumercindo conhece-
ra já aos treze anos de idade quando dom Chico ali permaneceu durante a in-
vasão do colorado Venâncio Flores ao Uruguai, em 1865. Ligado ao Partido
Blanco, dom Chico decidiu deixar Cerro Largo, então invadido pelos colora-
dos que, por sua vez, eram apoiados pelo Império brasileiro. O outro lado da
fronteira significava sempre uma alternativa atraente, fosse para evitar as
condições de guerra, fosse para solucionar questões pessoais. Do lado de cá,
História Geral do
Rio Grande do Sul Gumercindo iniciou sua carreira política, etapa culminante em sua biografia.
Em meados de 1889, os liberais de Gaspar Silveira Martins ascenderam
novamente ao poder na província rio-grandense. Para Santa Vitória do
Ana Luiza Setti Palmar, o vice-presidente em exercício, Prestes Guimarães, nomeou Gumer-
Reckziegel cindo Saraiva delegado de Polícia, que já exercia a função de coronel da Guarda
Nacional no município. Ao mesmo tempo, o Império ofereceu a Gumercindo
30 o título de barão de Santa Vitória do Palmar, o qual não foi aceito pelo caudi-
lho, possivelmente conflitado pela sua formação republicana no Uruguai e seu
atrelamento a um partido monárquico no Brasil.
Em razão da proclamação da república no Brasil, em novembro de 1889,
Gumercindo retornou de uma estada no Uruguai e declinou das funções
administrativas que vinha exercendo no município de Santa Vitória, recolhen-
do-se à sua estância em Curral de Arroios. Posteriormente, começou a ser as-
sediado pelo Partido Republicano para aderir as suas fileiras e, na falta de uma
decisão, o próprio Assis Brasil foi ter com ele em Santa Vitória. Nessa entre-
vista, Gumercindo esclareceu que, apesar de não ser contra a república, não
concordava com a aliança feita entre republicanos e elementos do extinto Par-
tido Conservador – principalmente no que tocava à administração de Santa
Vitória que, por então, estava nas mãos destes últimos. Informado da posição
do caudilho, Júlio de Castilhos não aceitou transigir. Encerravam-se aí as con-
versações entre Gumercindo e o PRR, iniciando-se o curso de um período de
intranqüilidade e violências no Rio Grande do Sul, que se abriu com o golpe
que reinstalou Castilhos no governo do estado, em 17 de junho de 1892.
O golpe de junho havia sido preparado praticamente desde março daque-
le ano, assegurando a adesão da milícia estadual e a neutralidade da guarni-
ção do Exército Nacional. Por seu turno, o presidente da República quando
viu a liderança do governicho ser entregue ao visconde de Pelotas (identifica-
do com os gasparistas aos quais Floriano devotava acirrado ódio, fosse por des-
confiar de seus propósitos restauradores, fosse pela postura parlamentarista
do tribuno liberal, o que era mais provável), concordou, ao menos tacitamen-
te, com o plano proposto por Castilhos. A imprensa uruguaia repercutiu o gol-
pe e, de maneira perspicaz, aludiu à aliança castilhista-florianista mencionan-
do que se anteriormente havia desentendimentos “hoje estão abraçados, em-
penhados em oprimir o povo rio-grandense!” (El Dia, 12/04/1893).
À deposição de Pelotas seguiu-se uma duplicidade de governos: o do PRR,
em Porto Alegre e o dos federalistas, em Bagé, sob o comando do general Joca
Tavares. Juntamente com Bagé, apenas Livramento e Passo Fundo ofereciam
Volume 3
resistência à revolução. No entanto, diante da superioridade das forças repu- República Velha
Tomo I
blicanas que marcharam sobre estas localidades, foi impossível manter a re-
sistência.
A fase que se seguiu à revolução foi de verdadeiro descalabro. Persegui- I.
ções, prisões e assassinatos foram o método usado pelos castilhistas numa ver- 1893: a revolução
além fronteira
dadeira estratégia de aniquilação do inimigo. Acuados, os federalistas não ti-
veram como resistir e, como solução da hora, emigraram ao Uruguai.
31
A extensão do poder de que dispunha Castilhos não foi possível de ser
mensurada sem levar-se em conta a conjuntura socioeconômica em que se in-
seriu. A província sulina atravessava grave crise econômica com o declínio das
exportações quase à metade. A Campanha, tradicional reduto de grandes
propriedades e de onde efetivamente saíam os quadros políticos de mando
provincial, afetada por essas alterações, perdeu importância para outras áreas
que então se desenvolviam, notadamente a Serra e o Litoral.
A nova configuração de forças possibilitou que o projeto de governo estru-
turado por Júlio de Castilhos fosse atraente. Seu discurso privilegiava não só
o atendimento aos interesses tradicionais, mas, também, as aspirações dos no-
vos atores que entravam em cena. As próprias estatísticas sustentavam o pro-
jeto castilhista voltado para atender a um leque maior de reivindicações, que
não aquelas ligadas aos setores tradicionais.
Em relação à ocupação demográfica das regiões gaúchas, o censo de 1890
apontava uma mudança: de 1872 a 90 a população da Serra havia aumenta-
do 159%, enquanto a do Litoral 72% e a da Campanha 93%. Em 90, somente
um quarto da população do estado vivia na Campanha e dois quintos na Ser-
ra. Em termos do grau de alfabetização, havia uma significativa diferença nos
percentuais do Rio Grande dos colonos e do Rio Grande das estâncias: 58%
dos habitantes de Porto Alegre e 54,7% dos habitantes de São Leopoldo eram
analfabetos; contra 84% dos moradores de São Borja (LOVE, 1971, p. 59).
A zona da Campanha sofria um processo de descenso, tanto de influên-
cia política, quanto de condições econômicas. Paradoxalmente, porém, isso
ocorria em pleno processo de modernização da atividade produtiva naquela
região, para o qual contribuíam novidades como a cerca de arame, as ferrovias
e a introdução de novas raças de gado. Simultaneamente a essas inovações,
declinava a necessidade de mão-de-obra nas estâncias, o que ocasionava sig-
nificativo número de desempregados, gaúchos que, sem outra opção, facilmen-
te seriam incorporados às fileiras revolucionárias. Fenômeno similar ocorreu
nos departamentos do Norte uruguaio na trilha do aperfeiçoamento tecnoló-
História Geral do gico da atividade pecuária.
Rio Grande do Sul

Os federalistas no outro lado da fronteira


Ana Luiza Setti
Reckziegel Voltando às condições políticas do Rio Grande após o golpe que reconduz
Castilhos ao poder, tornava-se impossível à oposição manter-se no estado, tal
32
foi a fúria dos castilhistas contra as propriedades e a vida dos federalistas. A
resistência era muito difícil, ainda mais quando contraposta ao
apoio que os castilhistas recebiam das tropas federais.
A sanha de perseguição republicana foi responsável pelo
imenso êxodo da oposição rumo ao Uruguai, numa saída esti-
mada em mais de dez mil pessoas entre junho de 1892 e feve-
reiro de 93. No país vizinho, os federalistas mantinham boas
relações tanto com o Partido Blanco, quanto com os colorados
e muitos deles possuíam propriedades naquele país. Em le-
vantamento realizado no ano de 1890, a listagem de proprie-
tários de terra e de capital investido nos departamentos de
Cerro Largo e Rivera apontou para um forte predomínio da
nacionalidade brasileira nesses departamentos, enquanto que Gumercindo Saraiva,
aproximadamente
as inversões realizadas perfaziam quase 60% do total, diante com 25 anos.
de modestos 30% dos uruguaios (PETRISSANS, 1987, p. 73). Acervo da Família.
RUAS; BONES, 1997.
Foi do Norte do Uruguai que Silveira Martins comandou
a invasão ao Rio Grande do Sul. Os preparativos à incursão
foram realizados com relativa tranqüilidade naquele país, alheio, na práti-
ca, aos apelos do governo brasileiro para que coibisse as atividades dos revo-
lucionários. A troca de correspondência diplomática naquele período foi in-
tensa e atestou o quanto um possível apoio uruguaio aos federalistas era te-
mido. O relacionamento entre o governo rio-grandense e as autoridades uru-
guaias na medida do desenrolar dos acontecimentos, tornava-se cada vez
mais tenso.
O governo de Castilhos, logo após a saída dos líderes federalistas do es-
tado – levando consigo montante considerável de armamento – solicitou ao go-
verno oriental o internamento daqueles, bem como seu desarmamento. As
providências uruguaias, de acordo com o relato da Legação brasileira em Mon-
tevidéu, deixaram muito a desejar. O lº secretário da Legação, Pedro Candido
Afonso de Carvalho, em correspondência ao ministro das Relações Exterio-
res do Brasil, Custódio José de Mello, referiu-se às acusações que fez junto ao
Ministério das Relações Exteriores uruguaio sobre as atividades do chefe políti- Volume 3
co de Rivera, coronel Escobar, no sentido de que estaria acobertando os revol- República Velha
Tomo I
tosos gaúchos. Aquele ministério não apenas negou as acusações, como ainda
atribuiu a Escobar a mais estrita neutralidade.
As explicações dadas pelas autoridades uruguaias não foram suficientes I.
1893: a revolução
para convencer o secretário que desconfiava ter Escobar prevenido os líderes além fronteira
federalistas locais, Rafael Cabeda e Ismael Soares, que havia ordens de inter-
nação contra os mesmos. Além disso, Carvalho afirmava que a situação evo- 33
luía para um “conflito internacional”, demonstrando com suas
observações um apurado senso de percepção, logo no início da
revolução, ao indicar a possibilidade de deterioração das rela-
ções entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai.
A imprensa também acompanhava com extremo interes-
se o desenrolar dos acontecimentos. O jornal El Siglo publica-
va matérias sobre a presença do coronel federalista Amaro da
Silveira e de Ferrera Diana, além de outros, na cidade de Melo
– departamento de Cerro Largo. Estariam ali à espera da oca-
sião favorável para invadir o Rio Grande (El Siglo, Montevi-
Aparício Saraiva, chefe do
Partido Blanco no Uruguai.
déu, 06/07/1892).
Referindo-se ao mesmo assunto, outra folha de Montevi-
déu, El Telegrafo Marítimo, noticiava que os federalistas
Cabeda e Paulino Vares haviam passado ao território brasileiro apesar de
haver ordem do governo uruguaio para que fossem internados. Também fa-
zia constar que o coronel Ladislau Amaro e outros federalistas estavam em
Melo com intenção de passar para Bagé (El Telegrafo Marítimo, 05/07/1892).
A solicitação de internamento dos federalistas era premente para o governo
castilhista, uma vez que se configuravam explícitos os contatos existentes entre
partidários de Silveira Martins e lideranças dos departamentos fronteiriços.
A imprensa uruguaia seguia especulando sobre o aumento do número de
refugiados rio-grandenses no Uruguai, estimando que em Rivera e San Eu-
gênio era grande o contingente de exilados federalistas fugidos “das bárbaras
perseguições da gente da situação imperante naquela anarquizada província”,
em referência ao Rio Grande. A Legação Brasileira, por sua vez, informava ao
Ministério das Relações Exteriores que calculava em torno de 15 mil o número
de emigrados, declarando que apenas nos departamentos de Cerro Largo e
Treinta y Três ultrapassavam os dois mil.
Os argumentos do governo do Rio Grande para pressionar as autorida-
des uruguaias a tomarem medidas enérgicas, a fim de coibir a ação dos fede-
ralistas em seu território, consistiam na exigência da neutralidade devida pe-
História Geral do
Rio Grande do Sul
los países limítrofes nos conflitos internos do estado.
Os protestos brasileiros foram tão incisivos que os as autoridades uru-
guaias decidiram nomear uma comissão ministerial para averiguar as denún-
cias junto à fronteira. No entanto, a comissão alegou que, devido à extensão
Ana Luiza Setti
Reckziegel da fronteira, seria impossível coibir todos os avanços dos revolucionários, ati-
tude que contribui ainda mais para a insatisfação do governo castilhista com
o governo vizinho.
34
Dessa maneira, a certeza da revolução iminente levou a todo um traba-
lho de fortalecimento do aparato de segurança estadual. Em ato de 16 de agos-
to aumentou-se o efetivo da Guarda Cívica; outro, de 8 de setembro, abriu um
crédito especial para atender às despesas de manutenção da ordem pública;
ainda em setembro criou-se, em caráter provisório, uma guarda municipal
para cada cidade do estado, sob ordens do delegado de Polícia local. Outra pro-
vidência tomada pelo governo rio-grandense foi a abertura de uma linha de
crédito para pagamento de despesas relativas à manutenção da ordem. No rol
dessas resoluções, extinguiu-se a Guarda Cívica e criou-se a Brigada Militar.
Dentre as medidas tomadas com a finalidade de assegurar a ordem e
impor a resistência aos federalistas, uma muito interessante se referia à cria-
ção de um crédito especial para despesas secretas da Polícia. A designação de
“agentes secretos” foi a solução adotada pelo governo do Rio Grande para apu-
rar tanto os passos dos federalistas quanto o envolvimento das autoridades
uruguaias com os mesmos. Das informações obtidas pelos agentes, levantou-
se inclusive suspeitas sobre a colaboração de membros da Legação Brasileira
em Montevidéu com os próceres federalistas.

Piquete de maragatos orientales. Em primeiro plano, Aparício Saraiva.


RUAS, Tabajara; BONES, Elmar. A cabeça de Gumercindo Saraiva. Rio de Janeiro: Record, 1997.

Volume 3
República Velha
Tomo I

I.
1893: a revolução
além fronteira

35
A desconfiança de que os agentes encarregados das investigações em
Montevidéu lançaram sobre o encarregado da Legação, embaixador Alvim, foi
de extrema significação ao rumo que iriam tomar as relações tanto entre Rio
Grande e governo federal, quanto entre o estado rio-grandense e o Uruguai.
De uma possível avaliação do então presidente Fernando Abbott sobre a in-
formação recebida, pode-se desenhar duas conclusões: a primeira, de que a Le-
gação Brasileira em Montevidéu não era confiável, pois seu titular mantinha
estreito relacionamento com o líder do movimento que visava desestabilizar
o governo gaúcho; a segunda, de que, em face disso, as autoridades rio-
grandenses deveriam encaminhar com maior autonomia as coordenadas de
sua política com o Uruguai.
O embaixador Alvim, premido pelos inequívocos sinais de desconfiança
de parte das autoridades do Rio Grande do Sul, demonstrava total desconten-
tamento com tal ingerência, considerando-a indébita, e queixava-se diretamen-
te ao ministro das Relações Exteriores.
Antes mesmo de a revolução ser deflagrada já se notava um indício de
mal-estar entre os diplomatas brasileiros no Uruguai, como foi o caso de Alvim
e as medidas tomadas pelo Rio Grande do Sul. Se, como parece, a gestão das
autoridades brasileiras na capital uruguaia não satisfazia a expectativa do Rio
Grande, nada mais ao estilo da tradição deste estado do que gerir por seus
próprios meios a sua política externa. Adviria daí um tipo de relacionamento
com o país vizinho que não contemplaria as bases ditadas pelo Ministério das
Relações Exteriores, mas sim colocar-se-ia à margem deste, desenvolvendo-
se uma verdadeira diplomacia marginal.
As críticas ao procedimento do governo uruguaio no que diz respeito à
presumível conivência com os federalistas, também ganhavam as páginas dos
jornais republicanos
do interior do esta-
do. Muito à vonta-
de, não poupavam
críticas e ataques aos
História Geral do
Rio Grande do Sul

Ana Luiza Setti


Reckziegel Acampamento.
Aparício Saraiva ao
centro, com a cuia de
chimarrão.
36
uruguaios – como foi o caso da imprensa de Pelotas – a qual atribuía ao país
vizinho a responsabilidade de acobertar os federalistas em qualquer “tentati-
va audaz, brutal e selvagem”. As palavras duramente ofensivas demonstravam
que uma disputa pelo poder político estadual ganhava as cores de uma con-
tenda internacional.
Os achaques sofridos pelos uruguaios através da folha de Pelotas reper-
cutiram no país vizinho não somente no âmbito diplomático, mas também no
circuito da imprensa montevideana, que se pronunciou de forma bastante ás-
pera contra o ocorrido. Ao protestar contra as insinuações do jornal peloten-
se, qualificando-as de “caluniosas para o governo e deprimentes para a nação”,
aprofundou o tom das críticas ao governo rio-grandense ao imputar-lhe res-
ponsabilidade sobre a publicação. Consideravam os ataques formulados por
um órgão de imprensa inspirado nas autoridades locais que administravam
em nome do governo central do Rio Grande como verdadeiras ameaças e in-
solente provocação. Em tom de extrema contundência, o periódico La Nación,
porta-voz do governo uruguaio, publicou editorial no qual afirmava que

as autoridades rio-grandenses podem desejar que o Governo Oriental ponha-


se a serviço delas para perseguir os emigrados; porém, sabem que não podem
pedi-lo e, sobretudo, sabem que não poderiam consegui-lo, porque ante nos-
so governo não há nem pode haver senão cidadãos brasileiros, que, enquanto
se submeterem às disposições de nossas leis, e cumprirem com elas, obser-
vando a ordem e dedicando-se aos seus negócios pessoais, têm direito à pro-
teção e ao amparo que a todo habitante garantem as instituições da República
(La Nación, Montevidéu 13/12/92).

Ao que parece, o governo uruguaio falava pela voz do diário dizendo aqui-
lo que a diplomacia oficial não se arriscava a dizer em seus ofícios de governo
a governo. O embate retórico ganhou toda a sua dimensão quando os federa-
listas efetivamente invadiram o Rio Grande, em fevereiro de 1893, declaran-
do guerra ao governo estadual. Aí, a crise além-fronteiras agravou-se substan- Volume 3
cialmente. Isso prova que a situação de fronteira viva com o Uruguai, e todas República Velha
Tomo I
as implicações que disso decorrem, concedeu ao Rio Grande do Sul, uma con-
dição até certo ponto privilegiada, se considerarmos que o conflito de 1893 –
cujas raízes atrelavam-se à disputa pelo poder local – desencadeou um atrito I.
1893: a revolução
de proporção internacional. Tal situação, somada à necessidade de fortaleci- além fronteira
mento das instituições republicanas, foi decisiva para a mobilização do gover-
no federal em função dos interesses da máquina castilhista. 37
Na sua relação com o governo federal, no entanto, o Rio Grande do Sul
permanecia atrelado a um velho dilema: autonomia ou subordinação? Para-
doxalmente, constata-se que concomitantemente às solicitações de interven-
ção do governo federal junto ao governo uruguaio a fim de exigir pelas vias di-
plomáticas a manutenção da neutralidade daquele país no confronto gaúcho,
o PRR foi, paulatinamente, configurando um estilo de governo diferenciado
dos demais partidos republicanos da federação, fosse por sua condição peri-
férica, fosse por seu autoritarismo. Isso refletiu-se também na escala de seu
relacionamento internacional. Os sucessos de l893, no patamar das vincula-
ções externas, prepararam caminho para uma experiência de diplomacia sui
generis, a qual dispensaria a mediação do próprio Ministério das Relações
Exteriores.
Uma vez invadido o Rio Grande pelos federalistas através da Fronteira,
o conflito espalhou-se por outras regiões do estado, como a Serra e o Litoral,
tendo essas, porém, envolvimento menos direto na contenda. Da mesma for-
ma ocorreu no Uruguai, onde os departamentos do Norte foram o palco prin-
cipal das agitações federalistas e sentiram de perto o efeito das alianças con-
traídas entre caudilhos locais e revolucionários de Silveira Martins. Compre-
enderemos melhor esse fato se situarmos os departamentos do Norte uru-
guaio, os chamados “departamentos blancos”, no contexto sociopolítico uru-
guaio.

Panorama da fronteira uruguaia nos anos 1890


O Uruguai da década de 1890 apresentou mudanças muito significativas
em relação aos períodos anteriores, principalmente em termos de crescimento
demográfico. A população, que na década de 1850 era contabilizada em cerca
de 130 mil habitantes, alcançava, no fim daquele século, quase um milhão. As
causas deste boom populacional podem ser atribuídas a vários fatores, entre
os quais o alto crescimento vegetativo e os elevados índices de imigração. A
abundância de alimentos num país que os produzia e tinha dificuldades de
História Geral do
Rio Grande do Sul colocá-los totalmente no mercado mundial, particularmente a carne, e tam-
bém os aperfeiçoamentos sanitários, contribuíram à rápida elevação do con-
tingente populacional.
Ana Luiza Setti
Em termos econômicos, o país seguia exportando carne de gado, em for-
Reckziegel ma de charque, ao Brasil e Cuba; a novidade era a exploração de ovinos, prin-
cipalmente em função do valor adquirido pela lã no mercado têxtil. O desen-
38
volvimento do setor financeiro teve tal importância, que acabou equiparando-
se em influência aos grandes proprietários de terras. Colaborando para essa
prosperidade econômica estavam as ferrovias, inexistentes ainda na década
de 1860, mas plenamente implantadas entre 1884 e 92.
Ao lado desse processo de modernização econômica, adveio séria crise
que atingiu a Campanha em proporção maior, pois atrás da modernidade ocul-
tavam-se tremendos desajustes: desenvolvimentos econômicos desiguais de
uma região para outra, do Litoral ao Norte fronteiriço; esplendor pecuário jun-
to ao raquitismo agrícola e industrial; riquezas enormes aos estancieiros e em-
pobrecimento cada vez mais agudo à população rural trabalhadora (BARRAN;
NAHUM, 1993).
A paulatina desocupação a que esteve condenado o pobrerio rural teve
origem na adoção de novas técnicas de produção, como, por exemplo, o cerca-
mento das propriedades que passaria ma exigir um número cada vez menor
de peões para controlar o gado; a introdução da máquina de tosquiar, que fa-
cilitava e reduzia o tempo necessário à tarefa, diminuindo em cinqüenta por
cento a mão-de-obra antes ocupada; a utilização dos bretes, que simplificaram
as atividades de marcar, castrar, descornar e classificar, que, entre as ativida-
des da estância, era o que mais demandava pessoas para o trabalho. O consi-
derável aumento das linhas férreas também contribuiu para abortar a ocupa-
ção da peonada, uma vez que suprimiu, em parte, a carreta, a diligência e a
tropa de gado, atividades típicas daquela gente.
As transformações ocorridas nas estâncias foram responsáveis pelo agra-
vamento da miséria da classe trabalhadora rural, que foi confinada ao pueblo
de las ratas, tal eram as condições a que estavam submetidos em sua maioria.
Essa conjuntura foi mais perceptível naqueles departamentos onde pre-
valecia a criação de gado vacum, cuja demanda por mão-de-obra era bastan-
te inferior àquela da lida com o gado lanar. Entre 1891 e 92, em Cerro Largo,
departamento onde predominava o vacum, havia um peão para cada 1.054
hectares; já em Soriano, com abundância de lanares, a porcentagem era de
um peão para cada 664. Um estancieiro do departamento de Treinta y Três,
ocupava duas vezes e meia menos mão-de-obra do que outro em Flores. Como Volume 3
se percebe, os departamentos do Norte, nos quais a criação era predominan- República Velha
Tomo I
temente vacum, foram os mais atingidos no processo de pauperização da clas-
se trabalhadora rural: Artigas, Salto, Tacuarembó, Cerro Largo, Rivera,
Treinta y Três e Paysandú, quase todos do Norte e fronteiriços, âmbito do la- I.
tifúndio tradicional. 1893: a revolução
além fronteira
Ao ser expulsa das estâncias, à peonada não restava muitas alternativas
de ocupação. As mulheres dedicavam-se aos serviços domésticos nas fazendas 39
Trincheiras da resistência ao cerco de Bagé.
Acervo Attila Taborda, Bagé.

e povoados do interior como lavadeiras, cozinheiras e mucamas. Esse, porém


era um mercado cuja oferta de trabalho superava em muito a demanda, ten-
do de ser muito disputado. Aos homens cabiam tarefas sazonais, serviços tem-
porários, como a safra, nos departamentos agrícolas, ou a tosquia, nos depar-
tamentos de criação. O aumento da pobreza determinou que essa classe optas-
se por atividades ilícitas, como a prostituição, o jogo e o contrabando, secular-
mente vigente naquela zona fronteiriça.
Como última opção de trabalho aparecia o engajamento nos corpos da Po-
lícia ou do Exército. O soldo, no entanto era muito baixo e além do mais pra-
ticamente nominal, uma vez que de antemão ficavam comprometidos com a
alimentação e a moradia, descontadas pelo governo; isso sem citar o fato de
que eram pagos com atrasos de três e até quatro meses. Este era o último re-
curso ao qual lançava-se mão, após o fracasso das outras escassas opções.
Este quadro de empobrecimento das peonadas e de seu desejo de derru-
História Geral do
Rio Grande do Sul bar as cercas que lhes tomavam a oportunidade de colocação nas estâncias, o
pobrerio disponível, em face das circunstâncias, engrossou as fileiras revolucio-
nárias, participando numa luta que se não era a deles, lhes proporcionou “aire
limpio y tripa gorda”, como eles próprios referiam-se. Com isso, não estamos des-
Ana Luiza Setti
Reckziegel cartando a existência de um significativo conteúdo emocional de adesão à divisa
blanca, não mensurável, porém característico das relações que se estabeleceram
na política da zona fronteiriça, cujo cunho individual e afetivo era fato.
40
Acampamento de
combatentes federalistas
no município de Bagé.
Acervo Attila Taborda, Bagé.

É certo que a circunstância de os federalistas traçarem suas estratégias


de guerra, municiarem-se e servirem-se de homens para seus exércitos em
solo uruguaio não foi possibilitada, exclusivamente, pelas condições socioeconô-
micas daquela região. O Uruguai de então, possuía, na verdade, duas instâncias
governamentais paralelas: a de Montevidéu, nas mãos do Partido Colorado, e
a de Cerrito, do Partido Blanco, cujo líder vinha a ser Aparício Saraiva.

Volume 3
A revolução sob duas bandeiras: República Velha
Tomo I
federalistas e blancos
Até este momento, procurou-se evidenciar o caráter de interconexão que I.
historicamente se estabeleceu entre Rio Grande do Sul e Uruguai, notada- 1893: a revolução
além fronteira
mente entre a chamada “zona de fronteira”. Do mesmo modo, percebeu-se que
durante os períodos de convulsão revolucionária, fosse de um lado, fosse de
41
outro da fronteira, o
inter-relacionamento rio-
grandense-uruguaio
pode ser encarado numa
dimensão ainda mais
significativa. O rasgo
temporal que compreen-
de a Revolução Federa-
Casa de Gaspar Silveira Martins, em Melo, Uruguai.
Local de reunião dos federalistas. lista não foi diferente em
termos da imbricação bi-
lateral, no entanto, apre-
sentará uma particularidade: em nenhum momento anterior as ligações de
um grupo de rio-grandenses com uma facção de uruguaios causou tamanho
constrangimento internacional ou gerou crise tão significativa no relaciona-
mento diplomático. A diferença desse momento foi marcada por um fato inu-
sitado em termos das relações Brasil-Uruguai, configurado pela relativa au-
tonomia com a qual o governo rio-grandense encaminhou o diálogo com o go-
verno estabelecido em Montevidéu, o qual consistiu numa verdadeira diplo-
macia marginal.
A revolução eclodiu no dia 2 de fevereiro de 1893, quando os federalistas
liderados por Gumercindo Saraiva, passaram a Fronteira rumo a Bagé com
mais de 400 homens, em grande parte brasileiros, usando divisas vermelhas,
mas também com número considerável de orientais, que ostentavam divisas
brancas, demonstrando sua vinculação com o Partido Blanco.
Os preparativos de invasão vinham sendo feitos desde o ano anterior, com
mobilizações de federalistas que recebiam apoio nos departamentos de Cerro
Largo, especialmente na cidade de Melo e de Rivera, e também de um número
significativo de rio-grandenses que possuía propriedades nesses locais, como era
o caso de Silveira Martins e Leopoldo Maciel, ou que ali estavam instalados como
foi o caso do médico Ângelo Dourado.
Os líderes federalistas faziam constantes encontros preparatórios para a
História Geral do insurreição. A casa de Gaspar Silveira Martins, em Melo, transformou-se no
Rio Grande do Sul quartel-general dos revolucionários. As reuniões estendiam-se noite adentro,
tratando da obtenção do armamento e de contribuições pecuniárias de fazen-
deiros da região. Junto aos estancieiros da Fronteira foi conseguido montan-
Ana Luiza Setti te significativo para os recursos de guerra. Foi o caso de doações vindas de Ri-
Reckziegel vera, Salto e San José. Aqueles que não contribuíam com dinheiro, ofereciam
os títulos de suas propriedades ao comitê revolucionário e também homens
42 para a luta.
A imprensa de Montevidéu descrevia a situação em que se encontrava a
Fronteira em artigos extensos e detalhados. Ainda no mês de fevereiro, o jor-
nal El Dia informava que as incorporações às forças federalistas eram mui-
tas e vinham das cidades de Santana, Caçapava, Dom Pedrito – onde uma for-
ça do Exército havia auxiliado os federalistas na tomada da cidade, Bagé – na
qual parte do 5º Regimento de Cavalaria sublevou-se e aderiu às tropas de Silva
Tavares – ocorrendo o mesmo em São Borja. As autoridades de Rosário, con-
forme a folha publicava, também haviam desertado e aderido aos federalistas.
Isso era indício de que a revolução era fato e triunfava. Quanto à participação
dos uruguaios, registrava o diário: “Dia a dia aumentam os voluntários orien-
tais no exército revolucionário” (El Dia, 28/02/1893).
O noticiário da capital uruguaia dava conta de que da localidade de San
Eugênio haviam partido em tropa a maior parte dos muitos federalistas que
há tempo ali habitavam. Em Santana do Livramento, da mesma forma, reu-
niam-se numerosas forças revolucionárias, comandadas por David Silva. Este
vinha a ser cunhado de Rafael Cabeda, o grande líder federalista de Santana
do Livramento. Eram sócios num estabelecimento comercial, Silva & Cabeda
Filhos, no qual David Silva exercia a função de gerente, enquanto Rafael tinha
a seu cargo o setor contábil. Cabeda iniciou sua trajetória política filiando-se
ao extinto Partido Liberal e elegendo-se vereador à Câmara Municipal de Li-
vramento. Com a implantação da república e a conseqüente exoneração das
autoridades municipais ligadas aos liberais, muitas figuras políticas locais
transferiram residência para Rivera. Entre essas, estava Rafael Cabeda, ami-
go pessoal de Silveira Martins.
Cabeda exerceu importante papel na organização da resistência fede-
ralista nessa zona da Fronteira, contando com uma colaboração de muita re-
levância, a do chefe político de Rivera, coronel José Nemencio Escobar, do
Partido Colorado, que concedeu aos rebeldes ali instalados todo o tipo de fa-
cilidades.
A acusação de colaboracionismo com os federalistas imputada à cidade
de Rivera, parece merecer crédito. Era fato que ali as autoridades uruguaias
Volume 3
faziam vistas grossas às atividades dos insurrectos rio-grandenses. O inten- República Velha
Tomo I
dente de Santana, Sebastião Barreto, ou Tatao Barreto como era também co-
nhecido, relatava ali se evidenciava “a proteção escandalosa que as autorida-
des desta fronteira dão aos revoltosos” (Arquivo Histórico do Itamaraty – Go- I.
vernos Repartições, Autoridades Regionais e Locais. Livramento, 25/02/1893). 1893: a revolução
além fronteira
Às palavras do intendente de Livramento somam-se os artigos veicula-
dos pela imprensa, corroborando o fato de os federalistas organizarem-se em
43
solo uruguaio e terem o aval das autoridades, situação peremptoriamente ne-
gada pelas instâncias superiores daquele país. Em relação a tais acontecimen-
tos, Castilhos telegrafava a Floriano e, indignado, relatava que “autoridades
orientais não procuram salvar nem mesmo as aparências, protegendo aber-
tamente plano invasão” (Arquivo Nacional - AP 08, Cx 8L-2, Pac-3/RS - Porto
Alegre, 16/02/1893).
As vinculações entre federalistas e uruguaios transformaram-se numa
questão constante na pauta das discussões diplomáticas, cujo destaque foi
imenso na imprensa de ambos os países. Os brasileiros exigiam a manuten-
ção da neutralidade, enquanto que os uruguaios cobravam a violação de seu
território pelas tropas castilhistas que, segundo eles, o adentravam em per-
seguição aos federalistas.
O governo castilhista fazia o possível para guarnecer a Fronteira, envian-
do batalhões de soldados para tentar impedir a constante passagem dos fede-
ralistas de um lado a outro. Entretanto, os recursos estaduais para a forma-
ção das tropas escasseavam e, entendendo ser essa uma função do governo de
Floriano Peixoto, as autoridades rio-grandenses solicitavam a verba federal
para custearem as despesas com a vigilância da Fronteira. A correspondên-
cia remetida a Floriano pelo presidente Castilhos atesta sem sombra de dú-
vida que este último pressionava o presidente da República a mandar os re-
cursos atrelando o conflito com os federalistas a uma questão de segurança
nacional. A República, segundo o mandatário gaúcho, corria riscos devido à
ação restauradora dos seguidores de Gaspar Silveira. O conflito local, assim,
nas palavras de Castilhos, tomava a proporção de atentado às instituições re-
publicanas.
O presidente gaúcho não poupava as palavras quando se dirigia a Floria-
no, dizendo-se disposto a fazer tudo “pela estabilidade do país e felicidade do
Rio Grande, cujos destinos interessavam vivamente à república”, aludindo ao
peso que o estado sulino representava no concerto nacional. As alterações ocor-
ridas no Rio Grande não deixariam de ecoar no equilíbrio da ainda instável re-
pública. Ora, as condições vigentes no estado, cuja oposição preparava-se para
História Geral do
Rio Grande do Sul disputar o poder e mantinha-se estacionada além-fronteiras nacionais, com
sérios indícios de conivência estrangeira, significavam um manancial enorme
a ser explorado por Castilhos em benefício de sua consolidação no poder. Afi-
nal, sob sua perspectiva, estava-se diante de uma situação muito complexa,
Ana Luiza Setti
Reckziegel que envolvia o âmbito da segurança fronteiriça, sendo que, a partir da inclu-
são do componente internacional a questão tomava caráter nacional. Ou seja,
o Rio Grande não só estava ameaçado pela anarquia da contenda doméstica,
44
como também estava à mercê da ingerência ex-
terna. Esse era o quadro pintado com as tintas
castilhistas.
Os pleitos de Castilhos junto a Floriano
eram, geralmente, de duas ordens: aqueles
relativos aos recursos financeiros necessários
ao armamento das tropas para enfrentar os
federalistas e aqueles cuja função consistia em
alarmar o governo federal a respeito da inte-
gridade da república, imputando aos federa-
listas a pecha de monarquistas e separatistas, e
ao vizinho Uruguai a intenção de anexionista. Acampamento de soldados de Aparício
Saraiva na guerra civil de 1893-95.
Ao contrário do que uma análise mais
apurada possa indicar, os apelos de colaboração
ao governo federal não retiravam das mãos de Castilhos o controle de suas
estratégias de ação. Através da correspondência analisada, por exemplo, per-
cebe-se que Castilhos tinha clareza sobre as atitudes que deveria tomar quanto
aos revolucionários, bem como frente ao suposto envolvimento dos uruguaios
junto aos federalistas. O diálogo mantido com o presidente faziam, sim, par-
te de uma política de bom relacionamento, porque: em primeiro lugar, o pre-
sidente devia a Floriano seu retorno ao poder estadual em junho de 1892, quan-
do o presidente foi conivente com o golpe que derrubou o governicho; em se-
gundo lugar, as verbas federais permitiriam financiar todas as modificações
instituídas com a finalidade de reforçar o aparato de segurança do estado, com-
pletamente centralizado nas mãos de Castilhos, e em terceiro lugar, as manifes-
tações do governo federal de apoio à causa do PRR avalizavam suas ações fren-
te aos inimigos.
As circunstâncias que determinaram o apoio dos blancos à guerra tra-
vada pelos federalistas contra o governo de Júlio de Castilhos têm, além das
identificações fronteiriças em nível sociocultural e econômico, um componente
fundamental que vem a ser representado pela posição do Partido Blanco na Volume 3
cena política uruguaia no início da década de 1890. República Velha
Tomo I
Superior à existência de motivações comuns, fosse interesses econômi-
cos, fosse um programa político ideologicamente similar, o apelo à violência
revolucionária é que representou o papel de liame unificador entre os federa- I.
listas de Gaspar Silveira Martins, em 1893, e os blancos de Aparício Saraiva. 1893: a revolução
além fronteira
Não se tratava somente de assalto ao poder, mas o mote dessas revoluções foi
o dilema centrado na impossibilidade da disputa política. Ora, se tomarmos 45
Castilhistas da Divisão do Norte. Batalha do Pulador (Passo Fundo).
Arquivo Histórico Regional – UPF.

o caso gaúcho veremos um governo despótico que se adonou do poder atra-


vés de um golpe, em 1892, e, a partir daí, desencadeia uma perseguição sem
trégua à oposição. Por sua vez, a situação uruguaia dizia respeito a um país
dividido praticamente em dois grandes feudos. O governo de Cerrito, insta-
lado no departamento de Cerro Largo, representativo dos interesses da cam-
panha, e o governo instalado em Montevidéu, ao redor do qual gravitavam os
negócios da cidade-porto.
A atitude de Herrera y Obes agravou a onda de insatisfação que atingia
o Partido Blanco, melhor dizendo, a ala tradicionalista do partido, capitanea-
da por Aparício Saraiva. O caudilho representava a liderança personalista de-
História Geral do
Rio Grande do Sul
saparecida desde a morte de Timoteo Aparício. O fenômeno caudilhista não
estava aniquilado, voltando a atrair a massa de despossuídos, cuja represen-
tação irregular seria exercida pelos caudilhos. A partir de 1891, quando se
criou a Comissão Militar do Partido Nacional, com o objetivo de desvanecer
Ana Luiza Setti
Reckziegel os antagonismos entre os elementos civis e caudilhescos, os blancos da Cam-
panha converteram-se em milícia disposta à revolução. Se nesse momento
ainda faltava o caudilho de dimensão nacional, a atuação de Aparício Saraiva
46
na guerra civil gaúcha, de 1893, seria o grande ensaio que o prepararia para
liderar as revoluções de 1897 e 1904 em seu próprio país.

Federalistas e colorados
No que tange às conexões existentes entre federalistas e governo uru-
guaio, informava-se que Gaspar Silveira Martins e o presidente Herrera y Obes
encontravam-se assiduamente no Hotel Nova Barcelona, no qual o federalista
hospedava-se, em Montevidéu. O contato realizado entre os dois era atribuí-
do ao embaixador Mello e Alvim, da Legação brasileira em Montevidéu, que
era acusado pelos agentes secretos do castilhismo de traição.
As acusações sobre o embaixador Mello e Alvim agravaram-se a ponto de
o mesmo ser substituído em agosto de 1893. Telegramas cifrados de Monte-
vidéu ao Rio de Janeiro indicavam a presença de espiões na própria Legação, im-
buídos de informar tudo quanto lá se passava. Não recomendavam confiança se-
quer no ministro interino e pleiteavam a vinda em caráter de urgência do novo
designado (Arquivo Nacional, AP08 -Cx 8L-4, pac-4, 14/07/1893 - Montevidéu).
Nos primeiros meses de guerra, as autoridades rio-grandenses travaram
longa luta junto ao Ministério das Relações Exteriores com o intuito de reti-
rar o embaixador brasileiro da Legação em Montevidéu. Vitorino Monteiro,
ex-presidente gaúcho que posteriormente foi nomeado à Legação no Uruguai,
escrevia ao marechal Floriano declarando que o ministro Alvim constituía-se
em sério obstáculo aos interesses gaúchos. O interessante nesta correspondên-
cia é notar que Vitorino considerava Alvim perigoso em função de “suas sim-
patias pelos inimigos da república, o que não nos surpreende pelas suas idéias
monárquicas” (Arquivo Nacional - AP 08, Cx 8L-2, Pac-3/RS, Porto Alegre, 21/
02/1893).
Se, no entanto, o ministro Alvim pendesse simpatias para com a causa
federalista esse não seria um privilégio exclusivamente seu, visto que a impren-
sa brasileira, principalmente do Rio de Janeiro e de São Paulo, indignava-se
com o arbítrio político dos castilhistas no Sul. Constituía-se em tema comum Volume 3
República Velha
nos jornais do centro do país a condenação ao governo rio-grandense e, não Tomo I
raras as vezes, a imprensa manifestou-se no sentido de solicitar a intervenção
federal no governo de Júlio de Castilhos. A esse propósito, também a Câma-
ra e o Senado haviam se pronunciado a favor de uma mediação por parte do I.
1893: a revolução
governo central. além fronteira
Contudo, à medida que surte efeito a campanha que o PRR desencadeou,
atrelando os federalistas ao movimento monárquico restaurador, enfraqueceu 47
a hipótese de intervenção no Rio Grande. Ao contrário, Floriano enviou todos
os esforços para suprir os castilhistas de quadros para enfrentar a revolução
e garantir a consolidação da república.
As gestões para a substituição do embaixador Alvim tornaram-se mais
agressivas à medida em que os revolucionários federalistas alcançavam êxi-
to em suas escaramuças. O próprio Júlio de Castilhos teceu considerações jun-
to a Floriano nos seguintes termos:

Permita-me lembrar-vos necessidade urgente retirada Alvim Montevidéu, pois


que continuo receber informações que dizem que ele comunica Gaspar tudo
quanto sabe, de modo que esse aventureiro está a par das resoluções e or-
dens do vosso governo. Parece imprescindível colocar Montevidéu ministro que
seja verdadeiro amigo República, inteligente, ativo, criterioso e enérgico. Nes-
te caso penso achar-se amigo Vitorino Monteiro .

A pressão exercida por Castilhos junto ao presidente Floriano surtiu efei-


to, sendo que Vitorino Monteiro, homem de confiança do presidente gaúcho,
seria nomeado embaixador em Montevidéu no segundo semestre de 1893. Da
Legação, Vitorino acompanharia atentamente os passos de blancos e colora-
dos no que se referia aos interesses do governo castilhista.
O novo embaixador no Uruguai era dono de um estilo bem mais agressi-
vo do que seu antecessor no que tangia à defesa dos interesses do governo rio-
grandense. Dedicou-se com afinco a impedir que armamentos chegassem às
mãos dos rebeldes e atuou diuturnamente junto às autoridades daquele país
para coibir atividades dos revolucionários no território uruguaio. Muito bem
informado sobre os passos dos líderes federalistas, tanto em Melo quanto em
Rivera, manteve assídua correspondência com o presidente Floriano, atri-
buindo como fator de êxito dos federalistas a “escandalosa proteção desse go-
verno e autoridades”, referindo-se aos uruguaios.
Um trunfo de que Monteiro soube valer-se muito bem junto às autorida-
História Geral do
des orientais referia-se à dívida que o Banco da República tinha junto ao Bra-
Rio Grande do Sul sil. A questão de caráter econômico rendeu muitos dividendos políticos ao Rio
Grande do Sul, a partir do momento em que o embaixador entrou nas nego-
ciações para solucionar o problema do débito oriental. Daí em diante, houve
Ana Luiza Setti
um empenho maior das autoridades orientais no que se referia às internações
Reckziegel dos federalistas, o que de fato ocorreu. Vitorino considerou o efeito dessas me-
didas como “uma verdadeira bomba” de “grande efeito moral”, desapontando
e enfurecendo os revolucionários.
48
Apesar do otimismo contido na correspondência do embaixador, consi-
derando exitoso seu gerenciamento contra-revolucionário, Vitorino enfrentou
a hostilidade das manifestações populares em protesto contra o Brasil, ocor-
ridas em Montevidéu, em meados de setembro de 1893. O fato que ocasionou
as alegadas manifestações referia-se ao assassinato do tenente Cardozo, de seu
assistente e do encarregado da aduana em Rivera, Medardo Gonzalez, pelas
forças militares rio-grandenses. Ao que consta, o oficial estava passando na fron-
teira entre Rivera e Livramento – separadas por uma rua apenas –, quando
a tropa brasileira, após ordenar-lhe que parasse, abriu fogo contra ele. Para
atenuar a gravidade do acontecido, presume-se que os corpos tenham sido ar-
rastados para o lado brasileiro.
O assassinato dos oficiais uruguaios causou verdadeira comoção pública,
tendo o povo de Rivera pegado em armas, aprontando-se para um revide. A
imprensa montevideana publicou inúmeros artigos exigindo imediata apura-
ção do caso, visto descrer da versão dada pelo general Isidoro, estacionado com
suas tropas em Livramento.
As queixas contra as invasões e arbitrariedades cometidas pelos brasilei-
ros no Uruguai sucederam-se na correspondência remetida por Alvares Con-
de a Freire, às quais o ministro brasileiro respondeu dizendo-se surpreso so-
bre as repetidas reclamações do governo oriental, suspeitando que foram apre-
sentadas para contrabalançar os justos motivos de queixa que o Brasil tinha
contra a parcialidade das autoridades de Rivera. É incontestável que essas
mesmas autoridades consentiram e consentem em que grupos de revolucio-
nários se preparem para atacar o governo do Rio Grande do Sul.
O governo rio-grandense movia campanha incessante sobre a neutralida-
de uruguaia no conflito, tanto junto à imprensa quanto junto ao governo fede-
ral. A par disso, o titular da pasta das Relações Exteriores encampou a mes-
ma postura, sendo bastante agressivo nas tratativas com o representante do
Uruguai no Rio de Janeiro, ao alegar que as invasões brasileiras seriam reta-
liações ao procedimento do Uruguai. A atitude do ministro configurou-se numa
demonstração de força e de ameaça velada contra o país vizinho, repercutin-
Volume 3
do gravemente em Montevidéu. República Velha
Tomo I
Em longo documento, o ministro das Relações Exteriores da República
Oriental, Manuel Herrero y Espinosa, cientificou o encarregado da Legação
no Rio, Alvares Conde, sobre as reações do governo uruguaio a respeito da po- I.
sição do ministro brasileiro. O presidente Herrera y Obes, havia se sentido ex- 1893: a revolução
além fronteira
tremamente surpreendido e desagradado “com os termos usados por
Felisbello Freire que, no seu entender, indicavam “o propósito do governo do
49
Brasil de não atender nossas justificáveis reclamações, sendo estas de cará-
ter grave [...] como que afetam a soberania e ofendem o decoro nacional.”
É patente que a convulsão entre castilhistas e federalistas havia extrapo-
lado o limite nacional, convertendo-se em elemento de constrangimento inter-
nacional. O ponto de ebulição dessa situação seria atingido com o assassinato
do tenente Cardoso, em Rivera, que acabou por extrapolar a instância diplo-
mática causando verdadeiro furor na população cuja memória foi reavivada
através dos editoriais da imprensa montevideana.
Em protesto ao acontecido em Rivera, uma massa popular reunida na pra-
ça pública de Montevidéu encaminhou-se ao consulado brasileiro gritando pa-
lavras hostis aos brasileiros. De acordo com o relato feito pelo ministro Vitorino,
não chegaram a violências materiais porque a Polícia os impediu, havendo, po-
rém, populares e policiais feridos no distúrbio (Arquivo Nacional – AP08, Cx 8L-
6, Pac 4. 03/09/1893 - Montevideú Vitorino Monteiro a Floriano Peixoto).
Nessas circunstâncias, o mal-estar e a animosidade pouco disfarçada en-
tre uruguaios e brasileiros extrapolavam as instâncias oficiais, popularizando-
se. O trabalho da imprensa, que noticiava passo a passo o andamento da re-
volução e o conseqüente trâmite fronteiriço constituiu-se em subsídio essen-
cial àquelas manifestações, sendo que aumentava, a cada dia, o espaço jorna-
lístico destinado à revolução rio-grandense, que se tornava assunto de cará-
ter internacional.
Guardadas as proporções, pode-se dizer que os federalistas, em 1893, abri-
ram um ciclo revolucionário que, apesar de não convergir à mesma causa, sin-
gularizava-se num ponto de confluência comum. Esse residia não apenas no
fato de blancos e federalistas partilharem a zona de fronteira, quer no seu sig-
nificado econômico, quer no estratégico, mas sim na questão de que, da mes-
ma maneira que a oposição federalista não tinha como se manifestar devido
à hermética estrutura político-repressiva firmada pelo castilhismo, também
os blancos encontravam-se imobilizados em função da manipulação político-
eleitoral realizada pelo governo colorado.
História Geral do Castilhos, por seu turno, dedicou-se integralmente à luta contra federa-
Rio Grande do Sul listas, ditando as regras ao seu combate. Ciente da condição privilegiada de
estado fronteiriço, de importância geopolítica estratégica ao equilíbrio com
seus vizinhos platinos e imposição da hegemonia brasileira na região, o pre-
Ana Luiza Setti sidente gaúcho lançou mão também de outro argumento, além da ameaça res-
Reckziegel tauradora, para desmoralizar os revolucionários: o risco de separação do Rio
Grande do restante do país, expediente recorrente na história gaúcha, e a pos-
sível anexação do estado pela República Uruguaia.
50
Amplamente explorada pela imprensa castilhista, a separação aparecia
como cogitação relevante. O fato de os federalistas articularem-se em territó-
rio uruguaio constituía prova contundente de que planos separatistas vigora-
riam caso os revolucionários fossem vitoriosos. A própria imprensa montevi-
deana dava vazão às suspeitas de separatismo publicando artigos cogitando
diretamente a questão.
A possível separação do Rio Grande e uma futura anexação ao Uruguai
ocupou quase que toda a imprensa do Rio da Prata. As declarações dos emi-
grados causaram enorme polêmica, e os jornalistas, à procura de declarações
diretas de Barros Cassal, ouviram do ex-presidente a respeito da separação
que “não desejava, entretanto, romper o laço de união com o Brasil”.2
Outras declarações davam conta de que o propósito dos federalistas não
era dividir o Brasil, mas isso poderia ser inevitável se o restante do país “por
prostração de espírito, resignar-se a suportar o governo da força” (MENA
SEGARRA, 1977, p. 19).
A nomeação de Vitorino Monteiro à Legação no Uruguai inaugurou um
período onde as gestões brasileiras naquele país concentraram seus esforços
em torno dos interesses do governo do Rio Grande do Sul. Vitorino fez as ve-
zes de um lídimo representante dos interesses castilhistas, marginalizando as
questões diplomáticas que não estivessem estreitamente vinculadas à guer-
ra civil gaúcha, como verificaremos em seguida.
Designado ao cargo máximo da Legação brasileira em Montevidéu,
Vitorino Monteiro foi um diligente representante dos interesses do governo
rio-grandense. Tanto, que os demais diplomatas residentes na capital uru-
guaia tinham-no como “ministro especial do presidente Castilhos”.
Os procedimentos do embaixador Monteiro repercutiram de forma ne-
gativa em alguns jornais do Rio de Janeiro, especialmente no Jornal do Brasil
que, no intuito de verificar in loco o que ocorria no Sul, enviara um correspon-
dente a Montevidéu e também a outras localidades do Rio Grande.
O repórter reconstituiu em seus artigos a trajetória de Vitorino Montei-
ro na capital uruguaia, desde sua chegada ali. Apontava que praticamente toda Volume 3
a imprensa montevideana havia recebido o representante brasileiro “de lan- República Velha
Tomo I
ça em riste”, atribuindo-lhe a autoria de diversas publicações nos jornais de
Pelotas, Rio Grande e Porto Alegre, contra o então presidente Julio Herrera
y Obes. Tais acusações, no entanto, não conseguiram ser provadas, mas nem I.
por isso a imprensa deixou de fazer-lhe uma guerra sem tréguas. Efetivamen- 1893: a revolução
além fronteira
te, tinha seus motivos para tal. Vitorino tratou logo de se aproximar do presi-
dente Herrera y Obes e sobre ele exercer sua influência. Desse modo, obteve,
51
entre outras coisas, a prisão de Silveira Martins e o fornecimento de armas e
munições para suprir tropas legalistas no Rio Grande. Entretanto, o governo
uruguaio também tinha seus interesses nessa aproximação, tirando dividen-
dos quando das negociações sobre a dívida entre o Banco de Crédito Popular
do Rio e o Banco Nacional Uruguaio. Com o aval de Floriano, Vitorino resol-
veu a questão das pendências financeiras entre os dois países, num arranjo
que a imprensa brasileira qualificou de “desastroso”.

Um dos expedientes usados por Victorino para cooptar a colaboração das


autoridades orientais foi o oferecimento de periódicos banquetes, que se tor-
naram célebres em Montevidéu. Para essas ocasiões eram dispendidas verda-
deiras fortunas, despesas as quais sequer eram justificadas pelo ministro. Outro
método de ação de Vitorino consistia em arregimentar informantes, dentre eles
um em especial era um telegrafista de nome Vianna, do Partido Blanco, que lhe
comunicava a cópia de todos os telegramas que passavam por sua repartição.

Algumas atitudes do ministro Monteiro, contudo, não eram bem vistas


pela sociedade montevideana. Por ocasião dos bailes de carnaval, por exem-
plo, Vitorino promoveu um baile de máscaras no palacete da Legação ao qual
ele próprio compareceu fantasiado. Como era praxe, os eventos realizados
pelo diplomata tinham sempre o intuito de tirar alguma vantagem junto à
cúpula política oriental e isso não passava despercebido, o que causava indig-
nação e menosprezo a sua pessoa, tida como inescrupulosa.
Em face à conjuntura de guerra no Rio Grande, tornava-se difícil a subs-
tituição de Vitorino, sendo que vários dos indicados recusaram a proposta em
função da grande tensão existente na área fronteiriça. Mesmo assim, tanto a
imprensa quanto significativo número de políticos brasileiros pressionavam
pela saída do embaixador e argüiam a necessidade da nomeação de alguém
de reconhecida significação diplomática, dados os interesses que estavam em
jogo junto ao Uruguai.
Na análise da correspondência de Vitorino Monteiro para Floriano e,
História Geral do
Rio Grande do Sul
posteriormente, a Prudente de Morais, evidencia-se de maneira peremptó-
ria que sua gestão alinhou-se, acima de qualquer outra coisa, com os interes-
ses do governo de Júlio de Castilhos. As negociações com o governo uruguaio,
a compra de armamentos a preços muito superiores aos de mercado, as con-
Ana Luiza Setti
Reckziegel cessões realizadas em troca de favores das autoridades locais e os dispendio-
sos banquetes que oferecia na Legação custaram, além de numerário exorbi-
tante, sensível perda de direção do trabalho diplomático no Uruguai. Nesse
52
contexto, o conflito entre castilhistas e federalistas, estrategicamente extrapo-
lado para a instância internacional, tomou a primazia na gestão de Vitorino
Monteiro, em prejuízo, inclusive, de outras questões muito importantes ao
Brasil, as quais visavam não tão somente proveitos ao Rio Grande.
Exemplo disso foram as negociações sobre a dívida que o Uruguai tinha
com o Brasil, contraída por ocasião da Guerra Grande, em 1851, e até ali não
sanada. Aproveitando-se da oportunidade, o governo daquele país soube con-
duzir a defesa de seus interesses junto ao embaixador, que, por seu turno, como
estava muito mais afinado com os assuntos do governo rio-grandense do que
com os do próprio Itamaraty, não contemplou a contento os interesses brasi-
leiros no acordo.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, no entanto, percebia cla-
ramente a situação, a ponto de confidenciar que

A política brasileira no Rio da Prata não pode continuar a servir exclusivamente


aos interesses e paixões do governo do dr. Júlio de Castilhos e a ser por ele
dirigida [...]. É preciso dar uma nova direção a esses negócios e restabelecer o
regime de direito em nossas relações com o Rio da Prata. Para isso o governo
tem necessidade de um homem que aos sentimentos de patriotismo nacional
alie forte educação jurídica e energia inquebrantável de caráter; de um homem
cuja palavra recorde o “ut lingua numem passit ita jus esto”. Sem isso não se
poderá procurar solução conveniente para as dificuldades no Rio Grande.

Nas impressões do ministro, confirma-se que, paralelamente ao Itama-


raty, o governo rio-grandense encaminhava uma diplomacia marginal no
Prata, centrada na defesa de suas conveniências e em grande medida desco-
nectada com a pasta das Relações Exteriores no Rio de Janeiro. Ali estava o
ministro Monteiro para aceder o parecer dos contemporâneos que o identifi-
cavam absolutamente servil ao castilhismo.
O ano de 1895 iniciava-se sob clima de tensão significativa entre os dois
Volume 3
países, agravado pelos abusos cometidos pelos castilhistas que promoviam su- República Velha
cessivas violações do território oriental respondidas com duras críticas tanto Tomo I

por parte da diplomacia quanto da opinião pública uruguaia.


Em face desse constrangimento internacional, que tentava ser ameniza- I.
do de todas as maneiras pelos representantes brasileiros em Montevidéu, o 1893: a revolução
além fronteira
governo uruguaio entendeu ser oportuno encaminhar negociações a respeito de
antigas reivindicações até então ignoradas pelo Brasil. Em clima de barganha
53
velada, o Uruguai iniciou uma campanha de entendimento sobre três questões
cuja resolução reputava fundamental para o relacionamento bilateral.
Instruindo o ministro plenipotenciário, Carlos de Castro, na missão que
desempenharia junto ao governo brasileiro, o titular da pasta de Relações Exte-
riores do Uruguai, Jayme Estrázulas, referia-se às circunstâncias que nortea-
vam os entendimentos bilaterais. Os assuntos pendentes referiam-se especi-
ficamente a três ordens: o tratado sobre a navegação comum na lagoa Mirim
e no rio Jaguarão; o convênio comercial e acordo aduaneiro; e a dívida prove-
niente de empréstimos feitos ao Uruguai em diferentes ocasiões.
As orientações que o ministro oriental dava ao plenipotenciário Carlos de
Castro quanto ao encaminhamento dessas questões, principalmente no tocan-
te à primeira e à última, eram cuidadosamente detalhadas.
Quanto à navegação da lagoa Mirim e do rio Jaguarão, argumentava-se
que na condição de estado ribeirinho o Uruguai via-se privado de navegar nas
águas comuns aos dois países em função do estabelecido pelo Tratado de Li-
mites de 1851. Referiam-se os orientais às “condições dolorosíssimas” nas quais
foi celebrado o acordo, que à época só importava aos orientais “salvar a todo
transe a independência nacional, seriamente ameaçada por Rosas”, sendo que
“a esta necessidade imperiosa era preciso subordinar todo o resto”.
As conversações com o Brasil passavam ainda pelos argumentos de que,
mais do que interesses materiais, contemplar-se-ia uma questão política res-
ponsável pelo aprofundamento de novo laço de união entre os países, ao pas-
so que “mantida a situação atual, conserva-se latente uma causa de profundo
mal-estar, de receios e ainda de desconfianças sobre a sinceridade dos senti-
mentos amistosos do Brasil para com este país.”
Contudo, não seria dessa vez que o Uruguai readquiriria o direito de li-
vre navegação reivindicado sobre as águas do Jaguarão e Mirim. Apesar de o
Peru e a Bolívia terem obtido a concessão de navegação do Amazonas nessa
época, o Uruguai somente veria contemplada esta questão durante a gestão
do barão do Rio Branco, no histórico acordo de 1909.
Sobre o convênio comercial não houve maiores dificuldades de acertos,
História Geral do
Rio Grande do Sul ficando estipulada uma redução recíproca de impostos. O Brasil comprome-
tia-se a congelar as taxas aduaneiras sobre o charque uruguaio, igualando-as
às cobradas sobre o charque argentino. Em troca, o Uruguai beneficiou a im-
portação de produtos agrícolas brasileiros: reduziu em 20% o imposto sobre
Ana Luiza Setti
Reckziegel a erva-mate e manteve estabilizada a taxa de importação sobre o tabaco bra-
sileiro. Apenas o açúcar e a aguardente não receberam tratamento privile-
giado. No caso do açúcar, foi porque a concessão de vantagens implicaria es-
54
tabelecer diferenças com nações européias de onde também se importava o
mesmo produto e com as quais havia tratados de mais favorecida; a respeito
da aguardente a causa estava no protecionismo que recebia a produção nacio-
nal (AROCENA, 1988, p. 115).
A discussão sobre o acordo da dívida visava resolver definitivamente aque-
la causa. O governo oriental alegava que o Brasil nem sequer havia conside-
rado as tentativas de negociação a que se propôs o Uruguai. Alegavam que os
empréstimos haviam sido feitos sob condições especiais e a par de interesses
comuns, como, por exemplo, em 1851, 65, 67 e 68 para atender às prementes
necessidades da guerra em que ambos os países estavam empenhados.
Baseavam-se no raciocínio de que a dívida com o Brasil tinha natureza
essencialmente política, já que na época o Uruguai não tinha recursos para
preparar-se para a guerra. O concurso do Uruguai nas contendas serviu para
que o Brasil aplacasse os focos de instabilidade no Prata e pudesse voltar-se à
administração de seus assuntos internos.
A proposta feita pelo Uruguai para o acerto da dívida consistia num des-
conto de 50% do montante total de dez milhões de pesos. Os cinco milhões re-
sultantes, na opinião dos orientais, eram ainda muito superiores ao capital pri-
mitivo da dívida com o Brasil. O acordo oferecido pelo Uruguai era idêntico
ao mantido com a França, a diferença estava em que este país não tinha inte-
resses políticos que o vinculassem a esta república, ao contrário do Brasil.
Tanto o acordo comercial quanto o da dívida chegaram a uma solução de-
finitiva alcançada em outubro de 1896, em convênio firmado entre o ministro
Carlos de Castro e o chanceler Dionísio de Castro Cerqueira, porém, sua ra-
tificação ficou suspensa devido à morte do presidente Idiarte Borda e às mu-
danças que daí decorreram.
O fato é que as negociações, iniciadas em 1893, sofreram com o desgaste
causado pelas marchas e contramarchas que a revolução rio-grandense pro-
vocava nas relações entre os dois países. Na medida em que os emigrados fede-
ralistas trasladavam-se ao Uruguai e este país reclamava das constantes vio-
lações de seu território pelas forças castilhistas, criava-se um clima pouco pro- Volume 3
pício à finalização dos acordos propostos. Por outro lado, a prioridade que a República Velha
Tomo I
legação brasileira em Montevidéu dava aos assuntos relativos ao Rio Grande
sem dúvida contribuiu à demora nas negociações, que, coincidentemente, so-
mente foram efetivadas após a pacificação do estado sulino. I.
À guisa de conclusão, pode-se dizer que a aliança estabelecida entre fede- 1893: a revolução
além fronteira
ralistas gaúchos e blancos da fronteira uruguaia foi um fator de alarme e te-
mor ao governo castilhista. A fim de rastrear todos os movimentos dos fede-
55
ralistas no Uruguai e interceder junto ao governo oriental, as autoridades rio-
grandenses conseguiram colocar na embaixada brasileira naquele país diplo-
matas de sua inteira confiança, que tiveram como tarefa precípua a defesa dos
interesses gaúchos.
A consolidação da hegemonia do PRR, então ameaçada pela oposição
federalista em armas, passava não apenas por questões de política interna,
mas, também, tinha que considerar o equilíbrio nas relações com o país vizi-
nho, que poderia converter-se numa séria ameaça aos propósitos castilhistas
de aniquilamento do federalismo que ali se asilava. As estratégias do gover-
no castilhista no trato com o Uruguai oscilaram do mais contundente antago-
nismo, com acusações múltiplas que iam desde a proteção dispensada aos re-
voltosos até supostas intenções de anexação do Rio Grande, ao envio de emis-
sários secretos e ao trato diplomático do embaixador Vitorino Monteiro.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Ana Luiza Setti


Reckziegel

56
Capítulo II

O CASTILHISMO E AS
OUTRAS IDEOLOGIAS

Ricardo Vélez Rodríguez

O castilhismo constituiu a mais agressiva ideologia política que se desen-


volveu no Rio Grande do Sul e que, pela sua forma aguerrida, terminou pola-
rizando o debate em torno da forma republicana que deveriam adotar as no-
vas instituições emergentes do golpe militar de 15 de novembro de 1889, a
qual derrubou o Império. Certamente, na inspiração do castilhismo, a Repú-
blica passou a ser uma instituição autoritária. As reformas getulianas, que for-
mataram as nossas instituições de maneira a superar o patrimonialismo
oligárquico da República Velha, não deram ensejo a uma forma liberal de Re-
pública, mas a uma modalidade de patrimonialismo estamental, que preten-
deu modernizar, de cima para baixo, toda a sociedade. Emergiram daí surtos
modernizadores (Estado Novo, com o próprio Getúlio, entre 1937 e 45; Ciclo
Militar de 64, Programa de Metas, de Juscelino), que não conseguiram tornar
a sociedade brasileira plenamente democrática e modernizada, mas que a Volume 3
estruturaram de forma muito diferente da “política do café com leite” do ciclo República Velha
Tomo I
inicial. Surgiu do momento getuliano um Estado nacional intervencionista e
modernizador, mas a sociedade, eternamente tutelada, não viu surgir, do seu
seio, uma economia plenamente capitalista. O Brasil tornou-se, após o ciclo de II.
64, uma economia industrial, mas não plenamente configurada como nação O castilhismo e as
outras ideologias
desenvolvida, dados os entraves colocados pelo estamento burocrático e a clas-
se política do Estado patrimonial à livre-iniciativa e à consolidação do capita-
57
lismo de mercado. Ainda nos debatemos, neste início de milênio, com as in-
certezas de um Estado patrimonial administrado como patrimônio de poucos.
O patotismo, que forma como que a segunda natureza do nosso eu coletivo,
ainda enxerga o Estado como botim a ser distribuído entre amigos e apanigua-
dos, nessa ciranda orçamentívora de mensalões, nepotismo, salários exorbi-
tantes, aposentadorias privilegiadas e as mais descaradas manifestações da
tradicional corrupção ibérica.
Dada a força que o castilhismo teve na nossa história republicana, inte-
ressa muito entender os seus alicerces ideológicos. Adotarei, acerca da ideolo-
gia, um conceito prático elaborado por Pascal Lamy, uma das expressões
mais lúcidas do atual pensamento político francês. Para esse autor, não pode
haver projeto nacional no mundo contemporâneo, sem que os grupamentos
políticos apresentem uma plataforma ideológica. O mencionado autor a en-
tende como

Uma certa visão de mundo. Levando em consideração que atravessamos uma


fase política muito difícil, pois o pessimismo é grande – mais na França do que
na Europa, e mais na Europa do que alhures. É preciso não negligenciar esta
variável. Como um avião que tem necessidade de ar sob suas asas, o ar da po-
lítica é a antecipação, um certo sentido do futuro, um projeto! (2005, p. 10).

Ora, o Brasil republicano consolidou-se ao ensejo de um embate ideoló-


gico ferrenho, entre duas concepções de mundo: a liberal e a positivista hete-
rodoxa, representada pelo castilhismo. O combate foi ganho, com inegável
vantagem, pela visão positivista heterodoxa. A idéia de representatividade
pode ser considerada a mais característica da ideologia política liberal, sinte-
tizada inicialmente por John Locke (1632-1704) em seu Segundo tratado so-
bre o governo (ensaio relativo à verdadeira origem, extensão e objetivo do go-
verno civil), editado na coleção Os Pensadores em 1973. O Legislativo, para
Locke, constitui o poder político fundamental no governo, devendo ser forma-
História Geral do
do por representantes dos proprietários, e competindo-lhe a função de legis-
Rio Grande do Sul lar. Os outros poderes (Executivo, Federativo e Judiciário) devem, segundo
ele, fazer cumprir as leis no interior do próprio país e com relação às demais
nações e, de outro lado, reprimir a inobservância das mesmas. O sentido fun-
Ricardo Vélez damental da comunidade política e das leis que dela emanam é proteger os
Rodríguez interesses dos indivíduos que, através do trabalho, apropriaram-se dos bens
materiais. Em relação à organização política, há um ponto que salta à vista na
58
obra do pensador inglês: a preocupação por aperfeiçoar os mecanismos con-
dizentes a um exercício autêntico da representação. Prova clara disso foi a
Constituição que Locke (1967) redigiu para a colônia de Carolina do Norte, na
qual dá normas precisas e minuciosas até à saciedade para regulamentar a re-
presentação dos proprietários no exercício do governo. A preocupação liberal
básica, porém, aparece mais viva no processo histórico que origina, na Ingla-
terra, o parlamento e seu desenvolvimento, ao longo dos séculos XVII e XVIII
(CHEVALLIER, 1973, p. 101 et seq.).
A ideologia de Locke penetrou no panorama cultural luso-brasileiro du-
rante o século XVIII, a partir da Reforma Pombalina, sendo Luiz António
Verney (1713-1792) o principal canal de comunicação (VERNEY, 1950). Porém,
apenas na segunda década do século XIX apareceu, no campo da filosofia po-
lítica, uma sistematização visando adaptar o liberalismo lockeano à peculia-
ríssima estrutura da monarquia portuguesa: trata-se do trabalho realizado por
Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), inspirado na aplicação que dos prin-
cípios liberais realizou, na França, o grande constitucionalista e pensador
político Henri-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) (CONSTANT DE
REBECQUE, 1997). Com a sua contribuição, Pinheiro Ferreira pretendia cum-
prir a missão encomendada por D. João VI, que era de transformar a monar-
quia absoluta em constitucional (PAIM, 1984, p. 15-33). Efetivamente, o pen-
sador luso elaborou um modelo político no qual adaptava a idéia fundamen-
tal do sistema liberal concebido por Locke, ou seja, a idéia de representação.
Pinheiro Ferreira assumiu, ainda, os elementos tradicionais suscetíveis de
serem conservados para conseguir a estabilidade política. Desse modo, o no-
tável constitucionalista português concebeu as formas adequadas de colabo-
ração entre a monarquia e as Côrtes, no exercício do Poder Legislativo.
A presença de um político da têmpera de Pinheiro Ferreira e a consagra-
ção do princípio da monarquia constitucional, na Constituição imperial de
1824, criaram um pólo positivo, acima do processo de radicalização política em
curso, fornecendo o elemento orientador do amplo debate que animou a elite
ao longo de aproximadamente três decênios. Dele, resultaria o consenso acer-
ca da aceitação da idéia liberal, à luz da qual seriam concebidas as instituições
que deram ao Brasil, com o Segundo Reinado, seu mais longo período de es- Volume 3
República Velha
tabilidade política (BARRETTO, 1973). O sistema que os estadistas brasileiros Tomo I
elaboraram foi fruto da crítica e da experimentação, possuindo, como
preocupação fundamental, o aperfeiçoamento da representação. Dentro desse
contexto, explicava-se a idéia do poder moderador como representativo da tra- II.
O castilhismo e as
dição nacional, encarnando, portanto, os interesses permanentes do povo, cuja outras ideologias
representação, no campo dos interesses mutáveis, estava assegurada pelo par-
lamento (OLIVEIRA TORRES, 1964; 1968; 1973, p. 180-206). 59
Com a chegada da república, surgiu a ideologia política de inspiração posi-
tivista, que em seus pontos fundamentais se opunha à concepção política de
inspiração liberal, predominante durante o império. A ideologia política posi-
tivista baseava-se no pressuposto de que a sociedade caminhava inexoravel-
mente rumo à estruturação racional. Essa convicção e os meios necessários
para sua realização seriam alcançados mediante o cultivo da ciência social.
Ante tal formulação, eram possíveis duas alternativas: ou empenhar-se na edu-
cação dos espíritos para que o regime positivo se instaurasse como fruto de um
esclarecimento, ou simplesmente impor a organização positiva da sociedade
por parte da minoria esclarecida. Sustentou a primeira atitude, principalmen-
te, Luis Pereira Barreto (1840-1923), o que corresponde ao chamado “positi-
vismo ilustrado”; a segunda foi a alternativa de Júlio de Castilhos, seguido por
Borges de Medeiros (1864-1961) no Rio Grande do Sul, e por José Gomes Pi-
nheiro Machado (1851-1915) e Getúlio Vargas (1883-1954) em nível nacional.
Essa última foi a versão da ideologia política de inspiração positivista que pre-
valeceu, cujas repercussões se fazem sentir ainda hoje (BARRETO, 1967; PAIM,
1979; 1981; BARROS, 1967).
O castilhismo constituiu, portanto, uma variante heterodoxa do positi-
vismo inicialmente sistematizado por Comte e seguido fielmente, no Brasil,
pelos denominados “positivistas ilustrados”. Nessa sua ascensão na luta das
idéias – luta denominada por Sílvio Romero de “surto de idéias novas” –, o
castilhismo travou combate com cada uma das principais ideologias de seu
tempo.
Adiante serão identificados os momentos mais importantes dessa luta,
colocando o castilhismo frente as mais importantes ideologias políticas da épo-
ca, que se tornaram presentes na história sul-rio-grandense.

Núcleo ideológico básico do castilhismo


Para Júlio de Castilhos, como para todo o pensamento positivista, a fa-
História Geral do
Rio Grande do Sul lência da sociedade liberal consistia em basear-se nas transações empíricas,
fruto da procura dos interesses materiais dos indivíduos unicamente. Faze-
mos referência, neste ponto, a todas as críticas que Castilhos fez aos liberais
Ricardo Vélez
gaúchos, assim como à polêmica mantida por ele na Constituinte da Repúbli-
Rodríguez ca. Justamente o líder gaúcho propunha ao Congresso Constituinte a instau-
ração de um regime moralizador, baseado não na preservação de sórdidos in-
teresses materiais, mas fundado nas virtudes republicanas. Ao perceber que
60
sua proposta não teve nenhum efeito em nível nacional,
decidiu encarnar a sua idéia no governo do Rio Grande
do Sul, e conseguiu o seu propósito.
Em contraste com a condição imposta por Silvestre
Pinheiro Ferreira, no sentido de que os encarregados do
Congresso, como organismo máximo do governo, deviam
saber representar corretamente os interesses de grupos
ou classes respectivos, Júlio de Castilhos põe como con-
dição fundamental do governante a absoluta pureza de
intenções, que se traduz na ausência de interesses mate-
riais. Assim, a moralidade do governante possui valor de José Gomes Pinheiro Machado
primeira magnitude, caracterizado por Castilhos como
consistindo numa “imaculada pureza de intenções”, úni-
co mérito do verdadeiro estadista. Em relação a esse
ponto, frisa Castilhos:

Se porventura me pode ser atribuído algum mérito, este consiste, unicamente,


na imaculada pureza de intenções com que tenho procurado tornar-me órgão
fiel das aspirações republicanas e devoto servidor do Rio Grande do Sul, minha
estremecida terra natal, que me domina pelo mais profundo afeto e que pode
exigir de mim todos os sacrifícios pessoais pela sua felicidade (1897).

Pureza de intenções que constituiu o título de glória de Castilhos depois


de sua morte, segundo Getúlio Vargas, e que estava diretamente vinculada ao
engrandecimento do Rio Grande. Vale a pena salientar a conexão que se es-
tabelece no texto seguinte entre pureza, santidade, sabedoria e bem público.
É santo quem é puro; é puro quem é sábio e é sábio quem promove o bem pú-
blico. Eis um trecho da oração fúnebre de Getúlio, pronunciada diante do tú-
mulo do patriarca:

O Brasil, colosso generoso, ajoelha soluçando junto da tumba do condor al- Volume 3
República Velha
taneiro que pairava nos píncaros da glória. Júlio de Castilhos para o Rio Grande Tomo I
é um santo. É santo porque é puro, é puro porque é grande, é grande porque
é sábio, é sábio porque, quando o Brasil inteiro se debate na noite trevosa da
dúvida e da incerteza, quando outros Estados, cobertos de andrajos, com as II.
O castilhismo e as
finanças desmanteladas, batem às portas da bancarrota, o Rio Grande é o ti- outras ideologias
moneiro da Pátria, é o santelmo brilhante espargindo luz para o futuro. Tudo
devemos ao cérebro genial desse homem. Os seus correligionários devem-lhe
61
a orientação política. Os seus coetâneos, o exemplo de perseverança na luta
por um ideal; a mocidade deve-lhe o exemplo de pureza e honradez de caráter
(VARGAS, 1967, p. 192-193.).

A “pureza de intenções”, que se poderia traduzir como “sensibilidade para


com a coisa pública, deixando de lado os interesses individuais”, constitui, se-
gundo Castilhos, a essência das aspirações republicanas. O imperativo cate-
górico do líder gaúcho foi assim explicitado por Arthur Ferreira Filho:

[Para Júlio de Castilhos] a República era o reino da virtude. Somente os puros,


os desambiciosos, os impregnados de espírito público, deveriam exercer fun-
ções de governo. No seu conceito, a política jamais poderia constituir uma
profissão ou um meio de vida, mas um meio de prestar serviços à coletividade,
mesmo com prejuízo dos interesses individuais. Aquele que se servisse da política
para seu bem-estar pessoal, ou para aumentar sua fortuna, seria desde logo indigno
de exercê-la. Em igual culpa, no conceito castilhista, incorreria o político que usasse
das posições como se usasse de um bem de família [...]. Como governante, Júlio
de Castilhos imprimiu na administração rio-grandense um traço tão fundo de aus-
teridade que, apesar de tudo, ainda não desapareceu (1958, p. 149).

Muitos são os textos de inspiração castilhista nos quais se apregoa a pu-


reza de intenções e o desinteresse pessoal como virtudes supremas do políti-
co. Eis mais um, de autoria do editorialista de A Federação, que destaca a ação
política e educadora de Castilhos:

Termina hoje o seu mandato de presidente do Rio Grande do Sul o benemé-


rito republicano dr. Júlio de Castilhos. Historiar o governo de Júlio de Casti-
lhos é escrever um manual de educação cívica. O eminente cidadão [...] reve-
lou as mais altas qualidades políticas durante o seu período presidencial, qua-
lidades que, reunidas às que patenteou como homem da propaganda, como
apóstolo intransigente de uma doutrina [...], imprimem ao seu nobre caráter
História Geral do um tom de pureza verdadeiramente exemplar. A sua personalidade [...] é carac-
Rio Grande do Sul
terizada sempre pelo mais amplo desinteresse material, pelo ódio aos sofismas
com que a consciência contemporânea explica as mais funestas capitulações do
dever. Em todas as páginas de sua vida [...] transluz esse culto raro da moral,
Ricardo Vélez esse concentrado desejo de tornar a sua ação benéfica à comunidade em que
Rodríguez vive. Hoje, no Rio Grande do Sul, graças à ação educadora de Júlio de Casti-
lhos, o povo possui uma idéia elevada dos seus deveres políticos, tem cons-
ciência nítida da sua responsabilidade, do valor do seu voto, da necessidade
62
indeclinável da sua interferência nos destinos do estado

COSTA, 1922.
e da nação (Editorial de A Federação, edição de 7 de
fevereiro de 1898).

Para Júlio de Castilhos, em síntese, o governante deve


ter como primeira característica a absoluta pureza de inten-
ções, que equivale à total ausência, nele, dos sórdidos inte-
resses materiais. Somente assim poderá dar-se, em quem
dirige a sociedade, a capacidade para perceber cientifica-
mente qual é o sentido da racionalidade social, que se revela,
como já tinha salientado Comte, unicamente perante as
Júlio de Castilhos
mentes livres dos preconceitos teológicos e metafísicos. Vic-
tor de Britto caracteriza muito bem a concepção castilhista
de república quando afirma que para esta tradição

A autoridade saída do consentimento geral dos povos


não passa de uma fórmula grotesca, cuja impotência e incapacidade para a so-
lução dos magnos problemas, oferecidos pela civilização hodierna, dia a dia vão
se afirmando na consciência dos homens esclarecidos. A obsoleta democracia
foi-se com a bancarrota da metafísica. A sociedade precisa ser regida pelas mesmas
leis, (precisa ser) submetida aos mesmos métodos positivos das matemáticas e
da biologia. Isso de soberania popular, de governo do povo pelo povo, são
conceitos vãos, criados para estorvar a ação da autoridade no estudo das ques-
tões sociais, cuja solução só se deve inspirar na necessidade histórica e na
utilidade pública (1908, p. 48-49.).

O princípio básico para o castilhismo é o de que a sociedade caminha


inexoravelmente para a sua estruturação racional. Atinge-se essa convicção
e os meios necessários para a sua realização por meio do cultivo da ciência so-
cial, que é privilégio de personalidades carismáticas, que devem impor-se nos
meios sociais onde se encontram. Quando uma personalidade esclarecida pela Volume 3
ciência social assume o governo, pode transformar o caráter de uma sociedade República Velha
Tomo I
que levou séculos para se constituir. A ação política de Castilhos inscreveu-se
nesse contexto: não consultou a opinião do povo, nem sequer indagou acerca
das condições de receptividade do meio para sua ação, porque, impelido por II.
O castilhismo e as
um móvel poderoso (consistente na visão científica sobre a sociedade e acer- outras ideologias
ca da missão que nela lhe correspondia realizar), soube aproveitar o concurso
dos fatores predominantes e, de acordo com eles, influir nas multidões, sen-
63
do por elas seguido de maneira irrefreável. A crise do governo representati-
vo, para o regime castilhista, provém daqui: se a única alternativa para a estru-
turação racional da sociedade é a imposição do governante esclarecido, qual-
quer outro tipo de organização social, que não for o seu, torna-se necessaria-
mente caótico. Daí a feroz crítica que os castilhistas desataram contra o par-
lamentarismo (sistema “para lamentar”, segundo o deputado Germano
Hasslocher), como expoente número um do governo representativo.
À luz de todos esses conceitos, estrutura-se o de “bem público”. Assim
como, para os pensadores liberais, esse era efeito da conciliação dos interes-
ses individuais, conciliação que se concretizava no Parlamento, como organis-
mo representativo daqueles, para Castilhos o bem público só poderia ser en-
contrado onde se achasse a essência mesma da sociedade ideal, que ele enten-
dia em termos de “reinado da virtude”. Para Castilhos, o bem público confun-
dia-se com a imposição, por parte do governante esclarecido, do governo mo-
ralizante, que fortalece o Estado em detrimento dos egoístas interesses indi-
viduais e que velasse pela educação cívica dos cidadãos, origem de toda mo-
ral social. Eis os elementos que constituem o bem público, na ideologia casti-
lhista, segundo o editorial do jornal A Federação, órgão do Partido Republi-
cano Rio-Grandense, chefiado por Castilhos:

A completa reorganização política e administrativa do Estado, moldada de har-


monia com o bem público, e subordinada à fecunda divisa de conservar melho-
rando; a sua prosperidade material atestada pelas inúmeras obras postas em
execução e por outros tantos fatos auspiciosos; o crescente desenvolvimento
das indústrias [...]; a estabilidade do seu crédito [...]; a considerável amortiza-
ção da sua dívida [...]; o numerário acumulado no seu Tesouro; a sua progres-
siva educação cívica, em que se fortalece o ininterrupto aperfeiçoamento moral
deste povo glorioso: tudo isso resume a brilhante atualidade do Rio Grande
do Sul (Porto Alegre, edição de 27 de setembro de 1897).

Em outras palavras, para Castilhos o bem público consistia no fortaleci-


História Geral do
Rio Grande do Sul mento do Estado, à luz do princípio da continuidade administrativa, expres-
so no dístico “conservar melhorando”. Esse fortalecimento deve-se dar em to-
dos os campos: obras públicas, desenvolvimento industrial, estabilidade das
finanças públicas, amortização da dívida do Estado, preservação da poupan-
Ricardo Vélez
Rodríguez ça oficial, educação cívica dos cidadãos (para que melhor correspondam ao for-
talecimento das instituições estaduais). Não se menciona a preservação dos
interesses dos indivíduos. Para ser bom cidadão, como para ser bom gover-
64
nante, o indivíduo deve se despir de toda forma de egoísmo, identificado com
a defesa de interesses materiais de índole pessoal. É o rousseaunianismo mais
acabado. O castilhismo converteu-se, destarte, na forma gaúcha mais acaba-
da de fanatismo republicano, ou de jacobinismo. Mais adiante serão analisa-
das as conseqüências que derivam dessa feição doutrinária do sistema casti-
lhista.
A liberdade das pessoas, segundo a doutrina castilhista, está condicio-
nada a elas se inserirem no contexto dos interesses do Estado. Como para ser
bom cidadão o indivíduo deve despir-se dos seus interesses pessoais, resta
apenas a identificação com a coletividade. Nesse processo de identificação com
o núcleo do poder, as denominadas “classes conservadoras” têm, para o casti-
lhismo, uma posição de destaque. Tais classes são as que

Produzem e trabalham, o comércio e o proletariado, a indústria e as artes,


[que] agremiam-se ao redor do presidente do Rio Grande, ajudando-o, desta
ou daquela forma, a organizar nossa terra (MOACYR, 1893).

Essas classes conservadoras, amantes da ordem, foram conquistadas por


Castilhos junto com os elementos revolucionários ou radicais, em cuja ativi-
dade – segundo Pedro Moacyr – “preponderava a procura do progresso à
outrance sobre as necessidades de manutenção da ordem” (Ibidem, 1893).
Dessa forma, o líder gaúcho conseguiu estabelecer o equilíbrio social en-
tre a mocidade e a velhice, os progressistas e os conservadores. Fora do con-
texto do bem público que, como vimos, identifica-se com a moralização (ou seja,
com a renúncia dos cidadãos aos interesses individuais), a segurança e pros-
peridade do estado, não pode haver liberdade para as pessoas. Daí porque o
castilhismo combateu tão duramente todos aqueles que ousaram exercer a li-
berdade fora da tutela do Estado: grandes produtores rurais, grandes comer-
ciantes, profissionais liberais e intelectuais.
Em ordem a conseguir a moralização da sociedade, o governante deve,
segundo a doutrina castilhista, exercer uma tutela sobre ela, a fim de que os Volume 3
República Velha
seus membros se amoldem à procura do bem público. Esse papel educativo Tomo I
caracteriza o estadista conservador que, além de governante exemplar, deve
ter “a convicção do apóstolo e a justiça do magistrado” (Editorial de A Fede-
ração, Porto Alegre, edição de 27 de agosto de 1897), a fim de estabelecer o II.
O castilhismo e as
equilíbrio entre as forças sociais e conseguir a harmonia entre a liberdade indi- outras ideologias
vidual e a autoridade. A tradição castilhista insiste em que o próprio povo pro-
cure essa liberdade sob tutoria. Como frisa Victor de Britto, 65
O pobre povo só aspira a que o deixem viver em paz, com as parcelas de
autonomia que a organização social lhe permite para a harmonia possível entre
a liberdade individual e a autoridade constituída (BRITTO, op. cit., p. 51).

Os direitos dos indivíduos, bem como a legislação, estão, em qualquer


momento, submetidos ao bem público. Nas épocas de perigo para a seguran-
ça do Estado no cumprimento da sua missão moralizadora, o governo deve
orientar a sua conduta “nos princípios fundamentais da ordem, segurança,
salvação, existência da sociedade”. Segundo tais princípios, a legislação deve
ser empregada nos casos normais. Quando, porém, põe-se em perigo a segu-
rança pública, deve-se fechar todos os códigos “para aplicar o texto vigoroso de
uma lei mais alta”, que diz respeito à salvação coletiva. Sobre isso, escrevia
Pedro Moacyr (1893):

Em toda essa confusão de uma sociedade violentamente arrancada de sua paz,


de seu trabalho normal, de seu rápido progresso por uma revolução de sa-
queadores, assassinos e anarquistas, é mister que o povo não deixe um instan-
te de ver claro e tenha juízos firmes sobre a situação. [...] Republicanos e
homens até indiferentes à luta partidária têm uma meia atitude patriótica em
face do procedimento do governo quando ele vê-se coagido a ir procurar nos
princípios fundamentais de ordem, de segurança, de salvação, de existência da
sociedade, a orientação de sua conduta. Essa atitude é a da adesão, é a do
mais franco aplauso. Não estamos fazendo uma defesa original de ilegalidades
do governo e açulando-o a saltar por cima de todas as garantias; mas, entre as
pretensões criminosas de quaisquer indivíduos e o supremo interesse público,
preferimos este último, sem falsas reservas. Seja a legislação empregada nos
casos normais. Quando as situações, porém, se anormalizam, máxime em ca-
ráter extremo, violento e decisivo dos destinos de um povo, à autoridade é
lícito, é indispensável fechar as páginas de todos os códigos para aplicar o texto
vigoroso de uma lei mais alta, que é a mesma expressão da harmonia social, a
História Geral do lei da conservação, a lei da salvação coletiva. Por isso mesmo que somos adeptos
Rio Grande do Sul
entusiastas da política conservadora, nosso ponto de vista é esse: na paz, o
respeito de todas as leis, de todas as fórmulas, de todos os preceitos; na
guerra, o emprego oportuno, rápido, eficaz, de todas as garantias extraordiná-
Ricardo Vélez
Rodríguez
rias para a sociedade ameaçada. Não admitimos o suicídio do governo na as-
fixia de um código, quando o povo se debate nas agonias de uma revolução.
O poder público está mais do [que] justificado.
66
Em conseqüência, mais do que das leis escritas ou das Constituições,
para o castilhismo a guarda do bem público depende do zelo e do esclarecimen-
to do governante iluminado pela ciência social e ornado com uma “pureza de
intenções” que lhe permita superar o proveito individual, em prol da coisa
pública. Nesse sentido, como frisa Victor de Britto,

[...] o povo, dentro do qual estão as forças produtoras, é levado a concluir


que a questão de bem governar ou mal governar não depende das constitui-
ções, mas sim, dos homens, dos governantes; que mais vale agüentar uma
Constituição, mesmo defeituosa, desde que o poder esteja nas mãos de um
homem honesto, patriota e bem intencionado, do que a mais bela composi-
ção escrita do liberalismo mais puro entregue a um ambicioso, a um degene-
rado, capaz de rasgá-la no primeiro momento de impulsividade para satisfação
de interesses inconfessáveis (1908, p. 52-53).

Vale a pena destacar, aqui, a mudança sofrida pelo conceito de bem pú-
blico, segundo a tradição castilhista. Tanto que para o pensamento liberal o
bem público desprendia-se da preservação dos interesses dos indivíduos, que
abrangiam, basicamente, a propriedade privada e a liberdade. Para Castilhos,
o bem público subordina os interesses dos indivíduos, para tornar-se algo de
impessoal. O bem público, para os castilhistas, acontece na sociedade morali-
zada pelo Estado forte, que impõe o desinteresse individual em benefício da
segurança pública. É claro que esse bem-estar traduziu-se, no Rio Grande do
Sul, no fortalecimento desmedido do governo sobre as pessoas, com o conse-
qüente desenvolvimento de uma sólida burocracia a serviço do partido único.
É justamente nessa reação antiindividualista do castilhismo, que há um
de seus traços mais significativos, que o tornam uma filosofia política conser-
vadora. Ao sentar, como ponto de partida, que a racionalidade social consiste
na unanimidade ao redor do governo forte, fica fechada a porta para aceitar o
dissenso como ponto de partida, a fim de se chegar, paulatinamente, e median-
te a negociação entre os interesses particulares, a consensos que garantam a Volume 3
governabilidade. Para os castilhistas, vale o princípio rousseauniano de que República Velha
Tomo I
a felicidade do povo decorre da adoção de um ponto de vista único, por parte
da sociedade. Conseqüentemente, qualquer dissenso é tratado como crime de
lesa felicidade geral. A dissidência, segundo considerava Rousseau no seu II.
O castilhismo e as
Contrato social, deve ser banida. O castilhismo, em conseqüência, é uma es- outras ideologias
pécie de rousseaunismo caboclo, do gênero do praticado por Simon Bolívar,
e deixa aberta a porta ao democratismo ou democracia totalitária. 67
Os preconceitos castilhistas contra o individualismo e, de outro lado, a
hipervaloração do Estado tutelar, terminaram colocando-o no seio das gran-
des reações do século XIX contra o espírito liberal, como as protagonizadas na
obra de Joseph de Maistre (1753-1821), Luis de Bonald (1754-1840) ou na do
próprio Comte, como destacamos no início desta apresentação. Tanto na sua
reação à razão individual quanto no desprezo devotado ao interesse material,
Castilhos é conservador, justamente ao propugnar, em ambos os casos, por
uma volta ao passado pré-liberal. Essa é, como Mannheim (1966, p. 302-313)
demonstra, uma atitude típica da mentalidade conservadora. Baseando-nos
nesse autor, poderíamos assinalar mais uma característica do pensamento
castilhista: sua resistência à teorização. A atuação política de Castilhos teste-
munha isso, bem como a dos seus seguidores. O patriarca, bacharel em Di-
reito, caracterizava-se por ser um hábil propagandista e um divulgador de ma-
nifestos e artigos incendiários, mais do que por se desempenhar como um teó-
rico. Pinheiro Machado foi considerado “o maior constitucionalista prático do
Brasil”, ao passo que Borges de Medeiros e Getúlio Vargas (na passagem de
ambos pelo governo do Rio Grande do Sul) deixaram apenas obra legislativa
que continuava as premissas da Constituição castilhista. Não poucas foram as
investidas deles contra a denominada “metafísica liberal” de juristas da talha
de Rui Barbosa.
Uma última anotação para ampliar um ponto que insinuamos anterior-
mente. Ao nos referirmos ao positivismo de Pereira Barreto, dizíamos que a
essência daquele residia na convicção de que a maldade humana provinha da
ignorância, sendo possíveis mudanças induzidas pela educação, sem recorrer
à violência. Contrasta com essa feição humanística a índole autoritária e tute-
lar do castilhismo, que levava os seus arautos a desconfiarem da capacidade dos
indivíduos para efetivarem mudanças alicerçadas nas luzes da razão; para Cas-
tilhos e os seus seguidores, o processo pedagógico apregoado por Pereira Barreto
seria algo de inútil, restando como único meio para moralizar a sociedade, a im-
posição pela força do líder carismático. Mais do que educação, os castilhistas
História Geral do
Rio Grande do Sul
pretendiam um enquadramento vertical dos cidadãos, comandado pelo chefe
do Estado. Qualquer discussão ou qualquer forma de organização da sociedade,
fora da prevista pelo líder máximo, era a priori descartada como contrária à
moralidade pública. Os traços totalitários que assomam no castilhismo deitam
Ricardo Vélez
Rodríguez suas raízes no medo à razão e à liberdade dos cidadãos. Consoante com o
roussoismo que animava ao castilhismo, a única atitude de quem dissente se-
ria, como frisava o próprio Castilhos, “uma sincera penitência”.
68
Positivismo e liberalismo
A concepção política de Castilhos, inspirada no positivismo, opunha-se ra-
dicalmente à sustentada pelo liberalismo que inspirou o Segundo Reinado,
cuja síntese inicial tinha sido feita de maneira precursora por Silvestre Pinhei-
ro Ferreira. Para o pensador português, como para a filosofia liberal clássica
inspirada em Locke, aquilo que leva os homens a entrar em sociedade é, fun-
damentalmente, o interesse de preservação da própria vida e das proprieda-
des, o que seria impossível no estado de natureza, que segundo a ficção em-
pregada pela filosofia política do século XVII, precedia ao estado de sociedade.
Esse interesse de preservação é comum a todos os que integram a sociedade
e expressa a finalidade que os homens perseguiram ao constituí-la, sendo, por
outro lado, a primeira manifestação da justiça social. A propósito, frisa Pinheiro
Ferreira:

Nada pode ser justo, senão o que é conforme ao fim que os homens se pro-
puseram quando se uniram em sociedade, isto é, o interesse-comum ou geral
de todos os que a compõem (1973, p. 14).

Contudo, o interesse-comum, o qual dá origem à sociedade, não é algu-


ma coisa que se dê sem esforço. O bem público, que é expressão desse inte-
resse-comum, no entanto, consegue-se enquanto houver uma conciliação das
opiniões e interesses diversos que professam os membros da sociedade. Só
através desse processo conciliatório chega-se a um consenso que evite a guer-
ra civil e que conduza à obtenção da felicidade possível. Assim como para Locke
era claro esse processo como único meio para superar a turbulência política
que antecedeu ao Bill of Rights, para Pinheiro Ferreira era claro, também,
como fórmula política que permitisse consolidar o governo, deixando para trás
as lutas intestinas. O filósofo português era tributário, nesse ponto, do pensa-
mento de Constant de Rebecque. Vale a pena lembrar, aqui, texto clássico des-
se pensador, que exprime perfeitamente a teoria liberal acerca do bem públi-
Volume 3
co e a representação de interesses individuais. Frisa Constant, na sua obra República Velha
Tomo I
Princípios de política, de 1815:

O que é o interesse geral senão a transação que se faz entre os interesses II.
O castilhismo e as
particulares? O que é a representação geral, senão a representação de todos os outras ideologias
interesses parciais que devem transigir naquilo que lhes é comum? O interesse
geral é diferente, sem dúvida, dos interesses particulares, mas não é contrário
69
a eles. Fala-se, sempre, como se uma pessoa ganhasse o que os outros per-
dem; o geral não é senão o resultado desses interesses combinados; deles
difere como um corpo difere das suas partes. Os interesses individuais são os
que mais concernem aos indivíduos; os interesses dos distritos são os que
mais concernem a estes. Ora, são os indivíduos e os distritos os que com-
põem o corpo político; são, conseqüentemente, os interesses desses indiví-
duos e desses distritos os que devem ser protegidos. Ao protegê-los a todos,
suprimir-se-á de cada um deles o que prejudica aos demais, disso resultando o
verdadeiro interesse público, que coincide com os interesses individuais, uma
vez que lhes foi tirado o poder de se prejudicarem mutuamente. Cem deputa-
dos nomeados por cem distritos de um Estado levam, ao seio da assembléia,
os interesses particulares, as preocupações locais dos seus representados. Essa
base é útil a eles: forçados a deliberarem juntos, logo percebem os sacrifícios
respectivos que são indispensáveis. Esforçam-se para diminuir a extensão des-
ses sacrifícios, e nisso reside uma das maiores vantagens da forma de sua de-
signação. A necessidade acaba sempre por uni-los numa transação comum, e
quanto mais fragmentadas tiverem sido as eleições, a representação consegue
um caráter mais geral. Se for invertida a gradação natural, se for colocado o
corpo eleitoral na cúpula do edifício, os nomeados por ele deverão se pronun-
ciar em relação a um interesse público cujos elementos desconhecem, [pois]
lhes é incumbida a tarefa de conciliar interesses cujas necessidades ignoram ou
desprezam. Convém que o representante de um distrito atue como órgão do
mesmo, que não abra mão de nenhum dos seus direitos, reais ou imaginários,
senão depois de tê-los defendido; que seja parcial na defesa dos interesses de
que é mandatário, porque se cada um for parcial nessa defesa, a parcialidade de
cada um, unida e conciliada, terá as vantagens da imparcialidade de todos
(CONSTANT DE REBECQUE, 1970, p. 46-47).

Para Pinheiro Ferreira, é claro que a finalidade de todo mandato que con-
fere poder político consiste em representar certas ordens de interesses. Por
isso, deve haver tantos mandatos quantos diversos forem os interesses a se-
rem representados, a fim de evitar os conflitos internos na sociedade. A pro-
História Geral do pósito, frisa:
Rio Grande do Sul

O fim de todo mandato é representar certas ordens de interesses. Daqui se-


gue-se que a diversidade dos mandatos não pode provir senão da diversidade
Ricardo Vélez
Rodríguez dos interesses que o mandatário é chamado a representar. Toda a questão se
reduz, pois, a saber em quantas sortes se devem dividir os interesses para
serem bem representados. Considerando a questão sob este ponto de vista, a
70
solução torna-se fácil, porque é evidente, por uma parte, que devem dar lugar
a outros tantos mandatos distintos aqueles interesses que pedirem, cada um,
diferente especialidade de conhecimentos; e, por outra parte, que também de-
vem ser cometidos a diferentes mandatários os interesses pertencentes a di-
versas pessoas, e que possam achar-se em conflito (FERREIRA, 1973, p. 27).

De acordo com os princípios anteriormente expostos, o Congresso, como


organismo máximo do governo, deve representar os grupos de interesses fun-
damentais da sociedade, ou seja, os do comércio, os da indústria e os interes-
ses gerais de todas as classes, aqueles vinculados ao serviço público. São elei-
tores para cada uma das mencionadas secções em cada cantão, os cidadãos ali
estabelecidos que, por razão de seus empregos ou profissões, formem parte
da ordem de interesses que deva ser representada pelo deputado respectivo.
É fundamental, aliás, que os deputados possuam os conhecimentos neces-
sários para corretamente representarem a ordem de interesses correspon-
dentes. Em relação a esse ponto, escreve Pinheiro Ferreira:

O que, porém, distingue essencialmente o nosso método do que vulgarmente


está recebido, é que nós exigimos, em cada deputado, a especialidade do
conhecimento requerida para bem representar cada uma das três sortes de in-
teresses relativos às três secções de que se deve compor o Congresso Legis-
lativo (Ibidem, p. 28).

A finalidade principal perseguida por Pinheiro Ferreira é a moderação


que permita adaptar as conquistas do liberalismo à peculiar situação da mo-
narquia portuguesa, a qual buscava reformar a própria nobreza. É digno de
menção o interesse do pensador para cercar de garantias a instituição do man-
dato popular, por meio de toda uma legislação que firmasse as condições para
o seu desenvolvimento.
Assim como para os liberais o elemento fundamental na organização da
sociedade era o equilíbrio de interesses, para Augusto Comte (1798-1846), o Volume 3
que mais pesa é a organização moral da mesma. Para ele, a crise da sociedade República Velha
Tomo I
liberal deve-se fundamentalmente por ter dado mais prelação ao jogo dos in-
teresses políticos, do que à reforma das opiniões e dos costumes. O positivismo
destaca que o mal na sociedade não radica na agitação política, mas na desor- II.
O castilhismo e as
dem interior, mental e moral. Já se insinua aqui qual é o caminho que a hu- outras ideologias
manidade deve percorrer na busca da regeneração social. A propósito, escre-
via Comte:
71
Atacando a desordem atual na sua verdadeira fonte, necessariamente mental,
constitui, tão profundamente quanto possível, a harmonia lógica, regenerando,
de início, os métodos antes das doutrinas, por uma tripla conversão simultâ-
nea da natureza das questões dominantes, da maneira de tratá-las e das condi-
ções prévias de sua elaboração. Demonstra, com efeito, de uma parte, que as
principais dificuldades sociais não são hoje essencialmente políticas, mas, so-
bretudo morais, de sorte que sua solução possível depende realmente das
opiniões e dos costumes, muito mais do que das instituições, o que tende a
extinguir uma atividade perturbadora, transformando a agitação política em
movimento filosófico (1973, p. 75).

Comte é enfático ao afirmar que não poderão ser satisfeitos plenamente


os interesses populares, sem antes levar em conta, como elemento de primei-
ra ordem, uma reorganização espiritual da sociedade. O jogo de interesses
materiais da sociedade liberal fica curto, justamente na medida em que des-
conhece a dimensão espiritual das necessidades humanas que, no que diz res-
peito às classes populares (denominadas por Comte de “proletários”), encami-
nham-se para a educação positiva e o trabalho organizado. A propósito, frisa
Comte:

A justa satisfação dos interesses populares depende, hoje, muito mais das
opiniões e dos costumes do que das próprias instituições, cuja verdadeira re-
generação, atualmente impossível, exige, antes de tudo, uma reorganização
espiritual (Ibidem, p. 92).

O movimento político, logicamente, deverá tornar-se, antes de tudo, um


empreendimento filosófico que impulsione a regeneração espiritual da socie-
dade. Esse trabalho de renovação interior se concretizará na implantação, atra-
vés da difusão do método positivo, de regras de conduta mais de acordo com
História Geral do a busca de uma harmonia moral fundamental. O efeito dessa iniciativa é as-
Rio Grande do Sul
sim caracterizado pelo pensador francês:

Ricardo Vélez Seu primeiro e principal resultado social consistirá em formar solidamente uma
Rodríguez
ativa moral universal, prescrevendo a cada agente, individual ou coletivo, as regras
de conduta mais adequadas à harmonia fundamental (Ibidem, p. 91-92).
72
Tanto Comte quanto a maior parte dos positivistas salientavam que, para
a identificação da sociedade com o espírito positivo, era necessário um proces-
so educativo, à luz da ciência e da mesma filosofia positiva.

Positivismo e castilhismo
O castilhismo firmou-se como uma versão positivista diferente do com-
tismo, ou do positivismo tout-court. Como filosofia política atuante, a ideolo-
gia castilhista criou um modelo político que se perpetuou no Rio Grande do
Sul ao longo de mais de três décadas, e que exerceu forte influxo no contexto
da República Velha e posteriormente. Essas diferenças provêm, sem dúvida,
das peculiares condições históricas da sociedade gaúcha, bem como da própria
personalidade autoritária de Castilhos. Afinal de contas, o Sistema de polí-
tica positiva de Comte não passava de um modelo teórico, ao passo que os
castilhistas puseram em prática um regime político.
Assinalemos as principais diferenças entre o sistema castilhista e o mo-
delo político proposto por Comte, agrupando-as em quatro pontos:
1) Enquanto, para Comte, a assembléia política gozava de um certo ca-
ráter corporativo, pois devia ser constituída por deputados escolhidos
pela agricultura, pela manufatura e pelo comércio, para os castilhistas
a Assembléia Estadual estava composta, indistintamente, por todos
os grupos sociais, aglutinados ao redor do Partido Republicano Rio-
Grandense, que era imaginado como agremiação partidária única,
uma vez que não se tolerava o pluralismo partidário e, muito menos,
o funcionamento da oposição.
2) Enquanto Comte insistia em que a renovação mental e social devia pre-
ceder à organização política, pois a reconstrução temporal precisava
ser antecedida pela regeneração espiritual, os castilhistas davam pre-
ferência à renovação política, da qual esperavam a mudança moral e
espiritual.
Volume 3
3) Enquanto para Comte não havia identidade entre os poderes sacerdo- República Velha
Tomo I
tal, educador e industrial, de um lado, e o Estado, de outro, no casti-
lhismo há uma tendência unificadora dos três em torno do Estado.
Efetivamente, ainda que não encontremos, de parte dos castilhistas, II.
um pronunciamento explícito nesse sentido, nota-se a tendência a con- O castilhismo e as
outras ideologias
verter tudo em função estatal. Isso aparece claramente nas políticas
de colonização. Essa era entendida por Castilhos como obra educadora
73
do Estado, a fim de afeiçoar os colonos à nova pátria. Também obser-
vamos esse fenômeno na luta dos castilhistas contra os grupos econômi-
cos particulares, que pudessem gozar, eventualmente, de liberdade
perante o Estado, como no caso da Viação Férrea Auxiliaire, que ter-
minou sendo encampada pelo estado durante o governo de Borges de
Medeiros1.
4) A despeito da plena liberdade de expressão apregoada por Comte, sem
que o poder público pudesse favorecer nenhuma opinião, achamos,
pelo contrário, no sistema castilhista, o escancarado favorecimento da
doutrina estatal, através da imprensa do Partido Único e da persegui-
ção, sem piedade, aos jornais da oposição2, isso sem falar nos mecanis-
mos constitucionais que garantiam a inquestionabilidade das decisões
do chefe do Estado na elaboração das leis.
Em síntese, o castilhismo diferencia-se do comtismo em virtude de des-
tacar incisivamente a presença dominadora do Estado nos diferentes campos
da vida social, ao mesmo tempo em que era criada toda uma infra-estrutura
econômica, política e jurídica para perpetuar tal estado de coisas. O castilhismo
mostrou-se mais decididamente totalitário que o comtismo.

Positivismo ilustrado e castilhismo


Para Pereira Barreto, a ciência é a única que pode capacitar o indivíduo
para uma adequada organização da sociedade. A propósito, frisa:

Só a ciência, derramando por todas as classes opiniões uniformes, poderá tra-


zer a uniformidade de governo. E não nos cansaremos de o repetir, as mudan-
ças de forma de governo, que observamos na história, são todas devidas à

1 No tempo do primeiro governo de Borges de Medeiros, os transportes ferroviários eram


administrados, no Rio Grande do Sul, por uma companhia particular, a “Auxiliaire”. Borges
História Geral do conseguiu que a União encampasse os mencionados transportes, para transferi-los ao esta-
Rio Grande do Sul do, através de arrendamento, tendo denominado esse programa de “socialização dos servi-
ços públicos”.
2 Segundo testemunha a magnífica obra intitulada Os crimes da ditadura, de autoria de Rafael
Cabeda e Rodolpho Costa, 1902 (reeditada com o título: Os crimes da ditadura – A história
contada pelo dragão, por Coralio B. P. Cabeda, Ricardo Vaz Seeling e Gunter Axt. Porto
Ricardo Vélez Alegre: Procuradoria Geral de Justiça, Memorial, 2002), foram muitos os jornais empastelados
Rodríguez ou simplesmente destruídos no Rio Grande ao longo da ditadura castilhista, bem como
inúmeros os assassinatos de jornalistas, líderes sindicais, estancieiros, chefes políticos opo-
sicionistas, trabalhadores rurais, comerciantes etc. O castilhismo, certamente, não podia
conviver com o natural pluralismo das sociedades modernas. Daí a onda de violência
74 desatada pelos castilhistas, a fim de enquadrar todo mundo numa unanimidade irreal.
maneira diferente em que, nos diversos tempos, o espírito humano encarou o
mundo e o próprio homem (BARRETO, 1967, p. 149).

Só através da assimilação do espírito positivo por parte da sociedade,


conseguir-se-á compreender o sentido da evolução de todas as grandes épo-
cas históricas. Isso porque a nova filosofia é a única capaz de explicar suficien-
temente o conjunto do passado. Mas a principal aplicação do positivismo, em
tanto que verdadeira teoria da humanidade, dá-se no fato da sua aptidão
espontânea para sistematizar a moral humana (COMTE, 1973, p. 77-78).
Ao considerar esse processo de assimilação do espírito positivo por par-
te da sociedade, Pereira Barreto salienta que isso implica eliminação das idéias
antigas, próprias dos regimes teocráticos e metafísicos. Essa eliminação é pos-
sível sem acudir à violência, pois a idéia é independente do indivíduo e é mais
importante do que ele, porque o supera, ao não ser produto de um mero su-
jeito individual, senão efeito da ação coletiva. Tal impessoalidade da idéia, na
concepção de Pereira Barreto, leva-o a “interpretar benignamente a história”,
sem atacar as pessoas que professam idéias atrasadas. Sobre isso, frisa:

Podemos eliminar a teologia sem ofender as pessoas do sacerdócio; podemos,


igualmente, eliminar a realeza, sem ofender individualmente os reis, antes, pelo
contrário, proclamando, sem hesitação, os grandes serviços efetivos que pres-
taram à causa da humanidade (BARRETO, 1967, p. 151-152).

Ponto no qual, aliás, Pereira Barreto diferencia-se fortemente de Júlio de


Castilhos, para quem as idéias achavam-se encarnadas nas pessoas: o líder
gaúcho, efetivamente, combatia as pessoas dos seus adversários com o mes-
mo rigor com que se opunha às suas idéias. Essa “interpretação benigna da his-
tória” leva Pereira Barreto a concluir que “as más ações dos homens são devi-
das mais à ignorância do que à maldade”. Aqui radica o caráter ilustrado do
positivismo de Pereira Barreto: se a maldade, de um lado, radica na ignorân-
cia, e se, de outro lado, as idéias erradas podem ser combatidas sem atacar o Volume 3
indivíduo que as professa, sendo possível conseguir transformações nesse cam- República Velha
Tomo I
po sem acudir à violência, nada melhor do que um acertado processo peda-
gógico para moralizar a sociedade.
Tanto para Comte quanto para Pereira Barreto é claro que esse trabalho II.
O castilhismo e as
educativo, tendente a moralizar a sociedade transformando as mentes e os outras ideologias
costumes dos indivíduos, é algo que deve preceder a qualquer tentativa de or-
ganização política. Comte dizia que a escola positiva deve propagar
75
A única instrução sistemática que pode, de agora em diante, preparar uma ver-
dadeira reorganização, primeiro mental, depois moral e, por fim, política (COMTE,
1973, p. 94).

A esse respeito afirma também o filósofo de Montpellier:

A tendência correspondente dos homens de Estado a impedir, hoje, tanto quanto


possível, todo grande movimento político, encontra-se, aliás, espontaneamente
conforme às exigências fundamentais de uma situação que só comportará
realmente instituições provisórias, enquanto uma verdadeira filosofia geral não
vincular suficientemente as inteligências. Desconhecida pelos poderes atuais,
essa resistência instintiva colabora para facilitar a verdadeira solução, ajudando a
transformar uma estéril agitação política numa ativa progressão filosófica, de
maneira a seguir, enfim, a marcha prescrita pela natureza, adequada à reorgani-
zação final, que deve primeiro ocorrer nas idéias para passar em seguida aos
costumes e, finalmente, às instituições (Ibidem, p. 75.).

Para Pereira Barreto, por sua vez, a anarquia política, legada pelo libe-
ralismo e as tendências metafísicas, radica em que estas representações ins-
piravam-se mais na imaginação do que num conhecimento real das leis que
dominam o desenvolvimento histórico da sociedade. Faz-se necessário, pois,
um reto conhecimento das ditas leis, assim como uma adequação da vontade
a elas, para que as iniciativas políticas tenham algum sentido. O positivista bra-
sileiro salienta, de outro lado, que, enquanto a sociedade liberal reduzia a le-
gislação a uma simples projeção subjetiva do legislador, na sociedade positi-
va, pelo contrário, consistiria no reconhecimento passivo, por parte do legis-
lador, das tendências espontâneas de sua respectiva sociedade. De qualquer
forma, para Pereira Barreto é claro que o progresso não provém da legislação,
mas da própria estrutura ôntica da sociedade. Por isso reconhece que, quan-
to maior seja o conhecimento científico da realidade social por parte de quem
História Geral do faz as leis, tanto mais acertadas estas serão.
Rio Grande do Sul

O castilhismo e os liberais
Ricardo Vélez
Rodríguez Como tivemos oportunidade de assinalar em estudo sistemático do posi-
tivismo sul-rio-grandense, publicado no início dos anos 80 do século passado
(VÉLEZ RODRÍGUEZ, 1980, p. 144-151), o castilhismo, como doutrina política
76
transformada na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, teve um opo-
sitor de peso: o liberalismo. No plano nacional, pensadores importantes como
Rui Barbosa (BARBOSA, 1932) e Sílvio Romero (ROMERO, 1912; 2001), entre
outros, fizeram uma crítica sistemática à ideologia castilhista. No plano esta-
dual, os dois mais importantes críticos foram Gaspar da Silveira Martins (1835-
1901) e Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938).
O castilhismo, certamente, inseriu-se no contexto sociológico em que
emergiu a República, com a confusão entre público e privado nas práticas
administrativas e políticas. Se, por um lado, os castilhistas tiveram grande
sensibilidade no trato com os dinheiros públicos, não tiveram, de outro lado,
a mesma delicadeza em face dos interesses diversificados dos cidadãos. Quem
se inscrevesse no círculo de ferro da proposta castilhista poderia vingar. Quem
não o fizesse simplesmente era jurado de morte ou veria fechadas todas as por-
tas para defender os seus interesses. Essa confusão entre público e privado,
típica do “complexo de clã” que, segundo Oliveira Vianna, afetou a formação
sul-rio-grandense (como, de resto, às outras regiões bra-
sileiras) (VIANNA, 1987), é a raiz secreta da violência que Assis Brasil
se abateu sobre os pampas gaúchos, quando cruzada com
a ideologia tutelar castilhista. Diríamos que o castilhismo
exacerbou a tendência excludente das práticas patrimo-
nialistas no Rio Grande do Sul. A propósito, muito acer-
tadamente escreveu o historiador Gunter Axt, na intro-
dução à obra Os crimes da ditadura:

As páginas que se seguem são ricas em testemunhar


que a falta de distinção objetiva entre espaço público
e espaço privado, característica estrutural presente na
sociedade brasileira desde os tempos coloniais, com-
promete o exercício da cidadania, enfraquecendo garan-
tias individuais e coletivas. Quando esta indistinção é
exacerbada, quando os instrumentos de mediação dos
Volume 3
conflitos são inteiramente aparelhados por um único República Velha
segmento social, ou facção política, e utilizados em Tomo I

seu benefício exclusivo, não se conformando os seto-


res prejudicados com a submissão aos esquemas de ex-
II.
ploração, então a violência que já é intrínseca a um sis- O castilhismo e as
tema em que a cidadania é frágil, pode explodir de for- outras ideologias
ma incontrolável (2002c, p. 26).
77
Ajudou muito à configuração autoritária do regime castilhista, de outro
lado, a personalidade nitidamente intolerante do patriarca gaúcho. Sérgio da
Costa Franco, um dos mais importantes estudiosos da vida de Castilhos, ca-
racterizou assim essa faceta da personalidade do líder:

A orientação de Castilhos [...] era profundamente sectária. Traçava ele uma fronteira
intransponível entre os republicanos e os que o não tinham sido, sem cogitar
de apelos à concórdia. E a colaboração que solicitava era submissa e passiva
(FRANCO, 1967, p. 64).

Silveira Martins sintetizou as suas diferenças com o castilhismo no seu


Testamento político (1902). Mais do que uma crítica teórica à ideologia domi-
nante no Rio Grande do Sul, o tribuno liberal deixou escrita uma resposta al-
ternativa, no terreno do direito constitucional, à Carta Estadual de 14 de ju-
lho de 1891, que, redigida inteiramente por Júlio de Castilhos, instaurava a
“ditadura científica” nos pampas gaúchos. Dois pontos saltam à vista no tes-
tamento de Silveira Martins: em primeiro lugar, o fortalecimento do governo
representativo, que o tribuno define claramente dentro dos marcos da repú-
blica presidencialista, e, em segundo lugar, o fortalecimento da União sobre
os estados, delineando um regime de centralização administrativa. Ambas as
propostas estão fortemente influenciadas pela problemática vivida pelo esta-
do durante a ditadura castilhista. É evidente que os dois aspectos que se des-
tacam no documento opõem-se diametralmente aos dois vícios fundamentais
da Carta gaúcha, ou seja: em relação ao estado do Rio Grande, a negação do
governo representativo e a sua substituição por uma ditadura do Executivo
hipertrofiado; em relação à União, a sujeição desta aos interesses autoritários
do chefe do Estado sulino.
Contrapondo-se à acumulação de poderes em mãos do presidente, à con-
seqüente perda de funções da Assembléia Legislativa e aos vícios do sistema
eleitoral gaúcho, anomalias que configuravam o atentado contra o governo re-
presentativo na Carta de 14 de julho, Silveira Martins fortalece o papel do
História Geral do
Rio Grande do Sul
Congresso Nacional adotando o regime parlamentar, atribuindo-lhe a função
primordial de legislar, bem como a de vigiar a vida política dos estados, espe-
cialmente no relativo às Constituições, a de fiscalizar a política econômica dos
mesmos e a de regular a marcha do Executivo, mediante a eleição do presi-
Ricardo Vélez
Rodríguez dente da República, a fiscalização das funções ministeriais e a escolha dos pre-
sidentes dos estados. Além disso, o tribuno gaúcho fortalece a representação,
assegurando os mecanismos legais que a tornem possível. Esses mecanismos
78
seriam o estabelecimento de um novo e mais amplo quociente eleitoral na com-
posição da Câmara dos Deputados, bem como a unidade do direito e do pro-
cesso e a adoção de uma lei eleitoral única para todo o país.
Respondendo à perda de poder da União pretendida pelos castilhistas
para favorecer a ditadura instaurada pelo seu chefe, Silveira Martins propu-
nha várias medidas, como o fortalecimento da Federação, mediante a amplia-
ção dos casos de intervenção federal nos estados; a já mencionada fiscalização
das constituições estaduais pelo Senado Federal; a adoção da unidade do di-
reito e do processo; a instauração da Justiça Federal como tribunal de última
instância para as decisões das magistraturas locais; a atribuição, ao Supremo
Tribunal Federal, da missão de abrir processo e efetivar o julgamento, no caso
dos crimes políticos dos altos funcionários da União e dos estados; a amplia-
ção dos recursos orçamentários federais; a proibição aos estados de contrair
empréstimos externos, sem prévia autorização do Senado Federal; a proibi-
ção, aos presidentes dos estados, de organizar polícias com caráter militar (em
alusão à Brigada Militar organizada por Castilhos).
Em síntese, Silveira Martins luta pela implantação, no Brasil, de uma Re-
pública Federativa com o Executivo centrado no presidente, mas de base po-
lítica representativa e parlamentar. A proposta de Silveira Martins, ajustan-
do-se à concepção liberal de governo, confere a primazia do poder público ao
Legislativo, ao qual deve se submeter o Executivo, garantindo, de outro lado,
a independência do Judiciário, com o fim de promover o bem-estar dos cida-
dãos e superar, definitivamente, a crise do governo representativo encarna-
da no regime castilhista.
Joaquim Francisco de Assis Brasil, que era cunhado de Castilhos, mas
de quem logo se afastou, logo após a proclamação da República, em decorrên-
cia do evidente autoritarismo daquele, condensou a maior parte das suas crí-
ticas ao castilhismo, numa obra que se tornou clássico do pensamento consti-
tucional brasileiro, intitulada: Ditadura, parlamentarismo, democracia (es-
crita a partir do discurso pronunciado no Congresso do Partido Republicano
Democrático, aberto em 20 de setembro de 1908, na cidade de Santa Maria).
Ao explanar o projeto do programa do partido, Assis Brasil criticou o regime Volume 3
castilhista, detendo-se especialmente na análise da Constituição de 14 de ju- República Velha
Tomo I
lho de 1891.
Assis Brasil não aceitava a razão alegada por Castilhos de que o autorita-
rismo da Carta de 14 de julho obedecia à difícil situação por que passava o Rio II.
O castilhismo e as
Grande durante os primeiros anos da década de 1890. Ora, considerava As- outras ideologias
sis Brasil, para controlar a desordem teria bastado o estado de sítio, consis-
tente na “faculdade de declarar suspensas as garantias constitucionais, admi-
79
tida e usada por todas as nações liberais” (ASSIS BRASIL, 1908, p. 31). No ma-
nifesto que Assis Brasil publicou em 1891, ao deixar o Governo Provisório do
Rio Grande do Sul, depois do golpe de Estado de Deodoro da Fonseca, o libe-
ral gaúcho mostrava o seu pleno desacordo com a doutrina contida na Carta
sul-rio-grandense, com as seguintes palavras:

Desde que tive conhecimento da extravagante mistura de positivismo e dema-


gogia contida no projeto de Constituição para este Estado, projeto de cuja
redação eu também fora oficialmente encarregado, mas que foi exclusivamente
composto pelo Sr. Castilhos, sem a minha colaboração, sem a minha assinatu-
ra, sem a minha responsabilidade (Idem, 1896, p. 64).

Em 1898 Assis Brasil afirmava, de forma irônica, que tinha cometido um


“lapsus linguae” ao chamar de positivista a Constituição gaúcha, pois apesar
de ser apoiada intransigentemente pelos positivistas, era apenas

Um código de ditadura política, vestido com aparências de democracia exage-


rada, e nada mais. O preclaro legislador [fica claro o sarcasmo de Assis Brasil]
não se permitiria a extravagância, sem precedente positivo na história, de
impor como lei fundamental de um povo, composto de diversas crenças,
de diferentes religiões, de confissões distintas, a cartilha de uma seita
(Ibidem, p. 67-68).

O aspecto que mais salta à vista da crítica assisista à Carta de 14 de ju-


lho é a repulsa à concentração de poderes no presidente do estado, sendo
esta anomalia a peça-chave para identificar a ditadura castilhista. Tal modo
absolutista de governo, efetivamente, constitui um sistema que, segundo
Assis Brasil,

Exclui a separação de poderes e, principalmente, a existência de uma Assem-


História Geral do
Rio Grande do Sul
bléia cujas resoluções ou leis devam obrigatoriamente ser observadas pelo
Poder Executivo. [...] No Rio Grande não há governo constitucional, porque
o Poder Executivo também exerce as funções do Legislativo e domina o Judi-
ciário (Ibidem, p. 67).
Ricardo Vélez
Rodríguez
A Carta castilhista era mais um código ditatorial, que tinha como finali-
dade perpetuar no poder o Partido Republicano Rio-Grandense.
80
A presente Constituição do Rio Grande foi concebida e decretada em previsão
de tempos revoltosos e difíceis que, segundo a opinião do seu autor e de
muitos outros republicanos ilustres, reclamava a concentração de poder nas
mãos do chefe do governo. [...] Eu mesmo ouvi do legislador da Constituição
que o seu projeto tinha dois fins: o primeiro era criar um aparelho capaz de
agüentar a onda opositora que começava a invadir; o segundo era tapar a boca
aos então dissidentes republicanos, a cuja frente se achava o nosso velho be-
nemérito companheiro Demétrio Ribeiro (Ibidem, p. 31).

Assis Brasil parte para identificar, passo a passo, na Carta castilhista, os


pontos em que esta se afasta da tradição constitucionalista liberal, para gerar
um código próximo do despotismo. O poder legislativo está nas mãos do che-
fe do estado, por força do art. 20 da Constituição gaúcha. Tal poder de legis-
lar é inquestionável. Pelo art. 32, o presidente deve publicar os projetos de lei
a fim de que sejam apreciados pelos cidadãos para as emendas corresponden-
tes; o mesmo art. 32 dispõe que o presidente aceita ou rejeita as emendas apre-
sentadas, conforme o seu arbítrio. Trata-se, frisa Assis Brasil, “de uma limi-
tação anódina ao poder absoluto do presidente”. De outro lado, o mesmo ar-
tigo oferece uma espécie de “cautela” à população, cautela puramente aparen-
te. Efetivamente, conforme o dispositivo constitucional, a lei, uma vez promul-
gada, será revogada, se contra ela se pronunciarem a maioria dos conselhos
municipais; mas as condições em que isso pode ser feito não são especificadas,
além do fato, de todos conhecido, de que nas câmaras municipais era sobera-
no o poder do partido do governo, sendo banida qualquer tentativa da oposi-
ção de conseguir eleger maiorias naqueles corpos colegiados. A verdade é que,
segundo a Constituição castilhista, “os Conselhos Municipais são fabricados ao
sabor do ditador”, conforme adverte Assis Brasil. De um lado, baseando-se nas
atribuições que a esses conselhos confere o art. 20 da Carta, os presidentes
do Rio Grande só admitem que prevaleçam as eleições municipais, quando
proclamam vencedores os súditos incondicionais de sua soberana vontade. De
outro lado, o presidente do estado tem direito de vida e morte sobre os muni- Volume 3
cípios. O art. 62 permite-lhe decretar, sem fórmula de juízo, a anexação de uns República Velha
Tomo I
a outros, e o art. 20 lhe dá a possibilidade de mobilizar a força policial dos
municípios e usá-la. Mas, acima de tudo, o que confere ao Executivo estadual
poderes arbitrários é o fato de estar nas suas mãos o poder de fazer as leis e II.
O castilhismo e as
pô-las em execução, poder que, segundo Assis Brasil, “serve para tudo, inclu- outras ideologias
sive para suprimir direta ou indiretamente a própria existência das muni-
cipalidades”. A situação é mais grave ainda, frisa o liberal gaúcho, quando se
81
leva em conta que os representantes à Assembléia do estado não gozam do po-
der de legislar, mas possuem, simplesmente, funções orçamentárias. Assis
Brasil (1896, p. 85) conclui:

É preciso, pois, convir em que, perante os textos e o espírito da nossa Cons-


tituição estadual, o presidente reúne e exerce, de direito e de fato, os poderes
Executivo e Legislativo. O presidente exerce também, de direito e de fato, o
Poder Judiciário. Enquanto na maioria das nações livres o Ministério Público é
indicado pelas autoridades judiciais superiores, assim como também vários juí-
zes (no caso de nomeação pelo governo, todos têm suficientes garantias para
trabalhar com total independência), no Rio Grande, o artigo 60 da Constitui-
ção atribui ao presidente a nomeação dos membros do Ministério Público. Assim,
se os promotores querem conservar-se nos cargos, devem converter-se em
instrumentos do despotismo legal imperante, já que, além de designados pelo
chefe do estado, estão submetidos a serem removidos por ele mesmo (art.
95, parágrafos 2 e 3), gozando o procurador-geral da faculdade de indicar pro-
motores interinos, fato que torna o cargo virtualmente de livre-demissão. As-
sim se explicam dois fatos que afetam gravemente a administração de justiça no
Rio Grande: em primeiro lugar, as perseguições realizadas pelo governo esta-
dual aos que trataram de cumprir honestamente suas funções; em segundo lu-
gar, que houvesse juízes que não julgassem jamais contra o modo de pensar,
ou contra as pretensões do presidente. A vergonhosa dependência em relação
ao chefe do estado foi sofrida também pelos intendentes municipais. Não há
municipalismo, não há poder municipal, não há autonomia O que há é somen-
te o que, em verdade, deve existir só na ditadura: é o ditador. Toda a Cons-
tituição está feita para ele e opera por ele.

A concentração dos poderes públicos nas mãos do presidente do estado


é reforçada pelas disposições da Constituição sobre as eleições. Por força de
tais disposições,

História Geral do
Rio Grande do Sul O presidente pode fazer eleitorado especial, pode estatuir o processo da elei-
ção e, por cima de tudo, pode ainda ser eleito e reeleito pela própria máquina
por ele montada. [...] O artigo 9o exige, para a reeleição do presidente, três
Ricardo Vélez
quartas partes do eleitorado e, logo adiante, o art. 18, parágrafo 3, exige três
Rodríguez quartas partes dos sufrágios. Não é a mesma coisa: eleitorado é a soma dos
eleitores; sufrágios são os votos. O candidato que captar três quartas partes
dos votos pode não ter por si uma quarta parte do eleitorado, sobretudo numa
82
terra em que o absenteísmo floresce por estar o povo convencido da inutilida-
de de votar (Ibidem, p. 85).

Levando em consideração o desgaste natural que sofre todo governo, é


impossível que um presidente seja reeleito pelos três quartos do eleitorado;
de forma que o fato de possibilitar essa disposição equivale a admitir a coação
e a fraude na reeleição. Igual insensibilidade perante os processos democráti-
cos comporta a cláusula constitucional que estabelece a nomeação do vice-pre-
sidente por parte do chefe do estado.

Bom ou mau no cargo, o que é inadmissível é o critério do despotismo, se-


gundo o qual a magistratura suprema é propriedade de um homem e pode ser
objeto de sucessão testamentária (Ibidem, p. 241-242).

Encontramos uma boa síntese do pensamento do liberal gaúcho Assis Bra-


sil acerca da Constituição castilhista, no Manifesto de 19 de dezembro de 1891:

Temos, na Constituição, a ditadura e a democracia; mas a ditadura sem os


caracteres de estabilidade e competência, que o mestre (Augusto Comte) lhe
exige, porque fica sujeita aos azares da eleição, que pode dar os mais extrava-
gantes resultados; e a democracia exagerada para nossa atual situação, a demo-
cracia que se confunde com a demagogia e que, como ele (Castilhos), só pode
ser favorável ao despotismo. O que eu proporia, em lugar disso, seria um go-
verno democrático, no sentido de fundar-se no voto da maioria do povo, atual-
mente (e quem sabe por quanto tempo ainda?) critério único para a instituição
e apoio dos governos; queria também que esse governo fosse representativo,
no sentido de não serem as principais funções desempenhadas pelo povo di-
retamente; e queria mais, que esse governo não fosse parlamentar, no sentido
de não se considerar delegação da Assembléia, caráter que lhe tiraria a estabi-
lidade e independência, sem o que nem mesmo pode haver exata responsabi-
lidade (ASSIS BRASIL, 1896, p. 68-69). Volume 3
República Velha
Tomo I
Era claro, para o ilustre gaúcho, que o que importa garantir num gover-
no são duas coisas: a representação do povo e o controle do poder por parte
do mesmo, a fim de evitar o despotismo. Em repetidas oportunidades, Assis II.
O castilhismo e as
Brasil salientou que a causa da turbulência política no Rio Grande era a dita- outras ideologias
dura castilhista. Quando o poder legítimo dos povos é usurpado por um tira-
no que pretende tirar-lhes a liberdade, cessam todos os vínculos de obediên- 83
cia e é legítima a rebeldia, pois desapareceu a razão de ser do governo. Essa
consiste, para o liberal gaúcho, em conservar a vida e as propriedades dos ci-
dadãos, para os quais a liberdade é o maior bem, porque é o fundamento de
tudo.

Castilhismo, protestantismo e catolicismo


A posição castilhista em face dos grupos religiosos foi, aparentemente, to-
lerante. Se os opositores liberais, gasparistas e assisistas foram tratados a ferro
e fogo, o líder gaúcho, no entanto, reconheceu a liberdade de crenças e tole-
rava o funcionamento das várias igrejas, com uma condição apenas: que não
estorvassem os seus planos. Qualquer um que se colocasse contra os interes-
ses do castilhismo, ou seria eliminado, ou não contaria com nenhum tipo de
segurança ou de garantia legal. Essa situação de verdadeira anomia levou
Rafael Cabeda e Rodolpho Costa a escreverem, em 1902:

A criminalidade, no Rio Grande do Sul, maior que em toda a União, provém


exclusivamente do regime ditatorial e da instituição do júri, que, no estado rio-
grandense, foi transformada em uma lei de exceção, que ilude até a concessão
do direito de habeas corpus garantido pela Constituição Federal. [...] As auto-
ridades são as que mais roubam, matam e degolam, ostensivamente, sem que
se tenha para quem apelar, porque elas recebem ordens para assim procederem
[...]. Nessas condições, numa época em que o cidadão não tem a menor ga-
rantia, e a sociedade acha-se entregue ao arbítrio, quem se anima a condenar,
a voto descoberto, os que não sendo autoridade seguem os exemplos desta?
[...] Ninguém, por certo. Resulta daí a impunidade geral, o direito que, no
estado natal, é livremente exercido contra os adversários do governo, sem o
menor embaraço por parte do Poder Judiciário, de matar e roubar, à vontade,
em nome da República (CABEDA; COSTA, 2002, p. 35-36).

História Geral do
Rio Grande do Sul
Na reunião do Congresso Constituinte que preparou a primeira Carta re-
publicana, no Rio de Janeiro, entre novembro de 1890 e fevereiro de 91, Casti-
lhos, chefe da bancada gaúcha, propugnou pela derrogação das várias restri-
ções que o projeto governamental opunha aos direitos civis e políticos dos reli-
Ricardo Vélez
Rodríguez giosos. O que perseguia com essa medida o líder sul-rio-grandense? Sem dú-
vida, pretendia reforçar a sua posição política, primeiro no Rio Grande do Sul
84 e, depois, em nível nacional. Retirado o eleitorado clerical da obscuridade a
que estava condenado pela lei imperial, ainda que não fosse muito coerente
com a doutrina positivista de separação da Igreja e do Estado, Castilhos po-
dia conseguir o apoio de um potencial político até então morto. O fato de en-
contrarmos católicos como Lacerda de Almeida no Congresso Constituinte do
Rio Grande, em 1891, discutindo, ao lado dos castilhistas, o projeto de Cons-
tituição apresentado por Castilhos e aprovando-o nos seus pontos capitais –
o Catecismo constitucional rio-grandense (ALMEIDA, 1895) de Lacerda de
Almeida é fiel testemunho disso – prova, claramente, que Castilhos sabia para
onde ia ao reivindicar a participação política do clero. Não esqueçamos, de outro
lado, que Castilhos, já desde então, interessava-se em conquistar a boa von-
tade das colônias sul-rio-grandenses, onde os elementos católico e luterano
eram bastante fortes.
De outro lado, Castilhos sempre deixou claro o seu respeito em relação
à religião, como quando se dirigiu aos responsáveis pela Devoção do Menino
Deus (que tinham escolhido Castilhos, em 1900, à sua revelia, para integrar a
mesa administrativa dessa confraria), com as seguintes palavras:

Por saudável impulso orgânico e por educação laboriosa, posto que ainda exí-
gua, sinto intransigente aversão à irreligiosidade, qualquer que seja a sua espé-
cie. [...] Conceber a sociedade sem religião é tão absurdo como julgá-la capaz
de subsistir sem governo. [...] Creio firmemente que não deve decrescer, um
só instante, o sincero respeito tributado à Igreja Católica, atentos e relembra-
dos, sempre, os serviços imortais que a tornam credora legítima da perene
gratidão humana (CASTILHOS, 1979, p. 28).

Essa profissão de fé não impediu os seguidores de Castilhos de persegui-


rem, quando necessário, fiéis e sacerdotes que incomodassem com reclama-
ções relativas a direitos humanos. Vítimas da politicagem castilhista foram,
em 1890, o notável jornalista Carlos von Koseritz, bem como o vigário capitu-
lar do Rio Grande do Sul e o vigário de Canguçu. Esse último fora agredido Volume 3
República Velha
pelo delegado de Polícia, que Tomo I

o ameaçava de expulsão daquela vila e de transformar a Igreja Matriz em estre- II.


baria, fato que se consumou durante a Revolução de 1893, por parte do já O castilhismo e as
outras ideologias
então intendente Bernardino da Silva Mota. Essa profanação é inédita na histó-
ria do Brasil (CABEDA; COSTA, 2002, p. 43).
85
Júlio de
Castilhos e
deputados
constituintes
de 1891.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Ricardo Vélez
Rodríguez

86
COSTA, 1922.
A tolerância dos castilhistas em face de outras denomi-
nações religiosas fica clara com o fato de que, nas fileiras de
entusiastas seguidores de Castilhos, encontravam-se jovens
de formação protestante, como era o caso de Lindolfo
Leopoldo Boeckel Collor (1890-1942), membro ativo da Igre-
ja Episcopal, que teria grande destaque na denominada “se-
gunda geração castilhista” (que acompanhou Getúlio Vargas
na chegada ao poder, em 1930).
O castilhismo, em face da religião, viveu, portanto, uma
situação contraditória, que poderia ser explicitada assim: to-
lerância religiosa, intolerância política. O próprio Lindolfo Lindolfo Collor
Collor terminou sendo expulso das fileiras do castilhismo
pelo mais jovem rebento dos seguidores de Castilhos, Getúlio Vargas, quan-
do o brilhante fundador e primeiro titular do Ministério do Trabalho opôs-se
às práticas já conhecidas no Rio Grande, de empastelamento de jornais
contrários à ditadura varguista. Collor terminou sendo exilado, após ter pas-
sado vários anos na prisão decretada por Vargas. Regressou do exílio em 1942,
para morrer pouco tempo depois (REALE, 1991).

Concluindo:
O castilhismo foi caracterizado, nestas páginas, como uma ideologia po-
lítica inspiradora de um governo autoritário, não-representativo, que propu-
nha a liberdade e as garantias dos indivíduos ante o supremo interesse da se-
gurança do estado, identificando-se com a agremiação política governante, no caso,
o Partido Republicano Rio-Grandense, assumindo forte caráter moralista e con-
servador. No cume de todo o sistema castilhista encontrava-se a figura do líder ca-
rismático, que sabia para onde deveria guiar os destinos da sociedade, sendo
consciente do papel salvador que lhe cabia, frente à crise em que o liberalismo sui-
cida submergiu os povos, após a Revolução Francesa. É notável como essa concep-
ção encarnou-se no pensamento e na obra política de Castilhos e de seus seguido-
Volume 3
res, ficando concretizada na Constituição de 14 de julho de 1891. República Velha
Tomo I
O castilhismo não pode ser reduzido ao comtismo, nem ser por ele explica-
do totalmente. Como ideologia política atuante, a concepção de Castilhos criou um
modelo de governo que se perpetuou no Rio Grande do Sul por mais de três dé- II.
O castilhismo e as
cadas, e que exerceu forte influência no contexto da República Velha e, posterior- outras ideologias
mente, revestido de algumas características peculiares que o diferenciaram do com-
tismo, provenientes, sem dúvida, das condições históricas do Rio Grande do Sul 87
e do caudilhismo de Castilhos. Afinal de contas, o Sistema de política positiva de
Comte não passava de um modelo teórico, ao passo que os castilhistas realizaram
na prática um regime político.
É paradoxal que os ideólogos absolutistas, ao mesmo tempo em que negam
a liberdade, apregoam a libertação. Tal acontece com Castilhos, por exemplo, quan-
do pretende livrar a sociedade sul-rio-grandense das farpas do parlamentarismo
monárquico, justamente negando a liberdade mediante a implantação de um re-
gime autocrático. Esse despropósito é efeito da falta de compreensão do que
realmente é a libertação, a qual não consiste em outra coisa senão no exercício da
liberdade, de tal forma que, como frisa Roque Spencer, “só se libera quem é livre”
(BARROS, 1971, p. 341). Da mesma forma, só pode ser libertadora uma ideologia
política baseada no reconhecimento da liberdade. A ideologia liberal, fundamen-
talmente uma filosofia da liberdade, é a ideologia por excelência da libertação.
O autocratismo castilhista não entrou em jogo ao acaso, ou como simples
transposição de uma doutrina estrangeira. Preencheu um vazio na elite dirigen-
te brasileira, aliviando-a da má consciência de haver contestado radicalmente a
monarquia, sem dar solução ao problema fundamental equacionado por ela: a re-
presentação. Ao instituir a tutela como base da ordem social, ao mesmo tempo em
que dava à nova elite um bom argumento para se perpetuar no poder, Castilhos
exonerava-a dos freios morais e políticos da sociedade liberal, expressados no par-
lamento e nas liberdades. De um universo moral e social baseado na autoconsciên-
cia e na responsabilidade do indivíduo, passou-se a uma nova ordem fundada na
entidade anônima da coletividade, com sério detrimento para a afirmação da pes-
soa. Tinha-se dado um passo atrás no esclarecimento alcançado pela consciência
brasileira durante o império, acerca da liberdade e da representação.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Ricardo Vélez
Rodríguez

88
Capítulo III

CORONELISMO INDOMÁVEL:
O SISTEMA DE RELAÇÕES DE PODER

Gunter Axt

O estado da arte
Com a proclamação da república e a institucionalização do novo regime,
a combinação entre fortalecimento dos poderes estaduais, formação de qua-
dros oligárquicos regionais, supressão do poder moderador imperial e preser-
vação dos esquemas informais de poder, encharcados de patrimonialismo e
mandonismo, contribuiu para engendrar aquilo que se convencionou chamar
de “sistema político coronelista”. O “coronelismo é um sistema político nacio-
nal, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis” (CARVALHO, 1998,
p. 132). Trata-se de uma “rede de compromissos” (JANOTTI, 1981), segundo a
qual o governo estadual, fortalecido pelo federalismo fiscal e institucional da
República Velha, “garante para baixo o poder do coronel sobre seus dependen-
tes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos”, en- Volume 3
República Velha
quanto “o coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de vo- Tomo I
tos”. No terceiro vértice, “os governadores dão seu apoio ao presidente da Re-
pública em troca do reconhecimento por parte deste de seu domínio no esta- III.
do.” O coronel é um mandão local que “em função do controle de algum recurso Coronelismo
indomável:
estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio o sistema de relações
pessoal e arbitrário, que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade de poder
política” (CARVALHO, 1998, p. 132-3). A expressão do sistema coronelista neces-
89
sariamente pressupõe a convivência de artefatos e estratégias extralegais com
o universo formal do Estado de direito constitucional (LEAL, 1978).
O coronelismo enquanto sistema estabeleceu-se no momento em que os
mandões locais começaram a perder parte de sua força política pessoal e pre-
cisaram recorrer ao governo, que, por sua vez, ainda não era infra-estrutu-
ralmente forte o bastante para afirmar sua presença institucional (MANN,
1984), promovendo o eclipse dos poderes locais e, no limite, garantindo o alar-
gamento da cidadania. O fato da base do poder do coronel ser local, não signi-
fica que ele estivesse submerso no isolacionismo. Muitos coronéis influíam
decisivamente nos rumos da política estadual e mesmo federal. Por outro
lado, embora comprometidos com a rede de poder na qual se conectavam, ha-
via sempre o risco intrínseco de insubordinação (QUEIROZ, 1989).
O sistema coronelista entrou em colapso no final da Primeira República,
à medida que se incrementou no país o processo de urbanização, de indus-
trialização e de crescimento populacional. Paralelamente, o estado foi tornan-
do-se mais interventor e aumentando sua margem de ascendência sobre o
poder privado. Não obstante, apesar da Revolução de 1930 ter liquidado o co-
ronelismo enquanto sistema de dominação política, diversas práticas a ele in-
trínsecas – como o localismo, o mandonismo, o nepotismo, o tráfico de influên-
cias e a corrupção – continuaram desdobrando-se ainda por muitos anos no
contexto da realidade brasileira (QUEIROZ, 1989, p. 187; TOPIK, 1987).
Muito embora o Rio Grande do Sul integrasse a nacionalidade brasilei-
ra, a historiografia insistiu, pelo menos até os anos 80, na vigência de um qua-
dro diverso em relação ao restante do país. Autores como Joseph Love (1975),
Raymundo Faoro (1987), Alfredo Bosi (1996), Miguel Bodea (1979), Céli Pin-
to (1979, 1986), Hélgio Trindade (1980, 93), Sandra Pesavento (1980, 88, 93),
Maria Antonieta Antonacci (1981), Sérgio da Costa Franco (1988), Luiz Rober-
to Targa (1998a) entre outros minimizaram em alguma medida a participação
do estado no sistema coronelista de poder. De um modo geral, o argumento
baseou-se na idéia de que o coronelismo não chegou a se implementar no Rio
Grande do Sul em virtude de o estado ter sido dominado por uma elite políti-
História Geral do
ca de corte moderno, fortemente influenciada pela ideologia positivista, cuja
Rio Grande do Sul prática administrativa, sustentada por uma Constituição autoritária, afirmar-
se-ia na contramão do liberalismo oligárquico, bem como no sentido da inter-
venção do estado na sociedade, desenvolvendo estratégias de diversificação
da economia, de industrialização, de modernização burocrática e de incorpo-
Gunter Axt
ração do proletariado à sociedade. No reforço a essa tese invocou-se, ainda, o
argumento de que o sistema coronelista não se desenvolveria em áreas cuja
atividade econômica baseava-se na pequena propriedade rural, modelo pro-
90
dutivo que, em virtude do processo migratório, constituiu parte da zona de
ocupação do estado.
Muitos textos produzidos entre os anos 1960 e 80 tenderam, assim, a as-
sociar a prática política do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) a uma
aliança estratégica com a burguesia nascente, com a classe média e com a zona
de colonização ítalo-germânica, em oposição ao esquema conservador da opo-
sição federalista, identificada à elite estancieiro-mercantil e às regiões da Cam-
panha e da Fronteira. Ao velho PRR atribuiu-se traços de pureza ideológica,
de coerência programática e de fidelidade partidária, que, combinados, ten-
diam a promover a renovação dos esquemas mentais e a modernização da es-
trutura produtiva da sociedade.
Não obstante a isso, essa linha interpretativa vem sofrendo questiona-
mentos desde os anos 80. Sandra Pesavento (1980) demonstrou com proprie-
dade que a classe dominante gaúcha não era homogênea, sendo sacudida por
divergências internas, mormente aquelas que respeitavam aos interesses nem
sempre convergentes de estancieiros e charqueadores, o que dificultava o es-
tabelecimento de uma correlação automática entre classe social e partido políti-
co. Vélez Rodriguez (1980) observou não haver uma correspondência fácil en-
tre comtismo e castilhismo, sugerindo ter existido um aproveitamento sele-
tivo do positivismo pelo republicanismo gaúcho. Nelson Boeira (1980) perce-
beu a existência de diversos positivismos – o religioso, o político e o difuso –,
identificando, ainda, vários momentos do chamado “positivismo político no
Rio Grande do Sul”. Comprovou, dessa forma, não ser pertinente a referên-
cia a um projeto castilhista estável e homogêneo para todo o período da Re-
pública Velha.
Sílvio Duncan Baretta (1985), ao analisar as causas históricas da violên-
cia e propor uma tipologia da violência coletiva no Rio Grande do Sul na pas-
sagem do império para a república, encontrou na suspensão da tarifa especial
e no combate ao chamado “comércio ilícito” da fronteira uma das causas eco-
nômicas que informaram o conflito de 1893. Além disso, aproveitando os es-
tudos de Jean Roche (1969), Duncan Baretta salientou a especialização econô-
mica das cidades de Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre em torno de um co- Volume 3
República Velha
mércio de tipo importador conectado aos interesses de comerciantes e fazen- Tomo I
deiros do eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Margareth Bakos (1996) concluiu
que na cidade de Porto Alegre o discurso legitimador da política não corres- III.
pondia à prática administrativa, que incorreu no deficit orçamentário, um dos Coronelismo
indomável:
grandes tabus para o discurso castilhista. Em outro estudo de caso, dessa vez o sistema de relações
para duas cidades do norte gaúcho, Loiva Félix (1987) contestou a eficácia do de poder
conceito de “coronel burocrata”, até então largamente utilizado por autores
91
como Joseph Love (1975) e Raymundo Faoro (1987), propondo, a partir daí, a
necessidade de uma retomada dos estudos sobre o coronelismo no Rio Gran-
de do Sul. Finalmente, Eloísa Capovilla (1990), estudando as relações de po-
der durante o período de institucionalização republicana no Litoral Norte do
estado, percebeu, além dos indícios da existência de um sistema coronelista
de poder, a emergência da violência política e das cisões internas dos republi-
canos, o que desmistificava a tese da disciplina partidária e da coerência ideoló-
gico-programática.
Acredito que o PRR costurou mais compromissos conservadores do que
progressistas, esteve longe das decantadas fidelidade partidária e coerência
programática e esteve tão envolvido com as práticas coronelistas como qual-
quer outro agente político da época. Todavia, o modelo político conhecido no
Rio Grande do Sul apresentou inegáveis especificidades. A principal delas diz
respeito ao quadro de institucionalização autoritária e de sistematização do
discurso político-ideológico de justificação do regime, o que trouxe conseqüên-
cias sobre a prática política propriamente dita.

Aos inimigos, a lei!


No dia 25 de junho de 1891, foi solenemente instalada a Assembléia
Constituinte, no antigo casarão colonial da rua Duque de Caxias, em Porto Ale-
gre, que daria origem à primeira Constituição gaúcha. Os 43 deputados
pertenciam à chapa republicana, que fora consagrada no pleito desferido em
5 de maio. Conforme o decreto federal 511, conhecido como “Regimento
Alvim”, os prélios eram tudo ou nada, já que se realizavam por maioria rela-
tiva, em lista completa, o que liquidava as chances de representação das mino-
rias ou dissidências. Além disso, do alistamento de eleitores à apuração dos
votos, o processo eleitoral era entregue a juntas municipais nomeadas pela
situação política dominante, o que abria ensejo a toda sorte de fraudes e ma-
nipulações (LEAL, 1978, p. 225). Assim, com a exclusão formal da oposição, o
PRR legislava sozinho. Tendo a miragem do consenso no horizonte, os repu-
História Geral do
Rio Grande do Sul blicanos castilhistas fundavam os pilares de sua obra institucional num vácuo
inexorável de legitimidade, cuja injunção sobre o porvir ungiria a todos com
os ordálios sangrentos das revoluções civis de 1893 e 1923.
Os trabalhos constituintes foram céleres. Logo na abertura foi apresen-
Gunter Axt tado o anteprojeto, elaborado exclusivamente por Castilhos. Uma comissão
de sete membros, quatro dos quais completamente leigos em matéria consti-
tucional, propôs poucas alterações, que foram em seguida discutidas em ple-
92
nário, onde o consenso foi praticamente a regra, com exceção de um punha-
do de polemistas em poucos aspectos (ESCOBAR, 1922, p. 28). Do projeto ori-
ginal, derrubou-se fundamentalmente apenas a investidura eletiva dos juízes
distritais, indicando uma pequena reação da magistratura togada ao consti-
tucionalismo castilhista, e a extinção do júri. No dia 14 de julho, a Constitui-
ção foi promulgada, Castilhos foi indiretamente eleito presidente do estado
e a Constituinte convertida em assembléia ordinária (FRANCO, 1993b, p. 33).
Muitos foram os pontos polêmicos dessa carta, com destaque aos meca-
nismos de intervenção do poder estadual nos municípios, à elisão do concei-
to liberal de separação dos poderes e à possibilidade de reeleição indefinida
do governante. Com efeito, enquanto o Judiciário era encarado como um “ór-
gão governativo” (CAMPOS, 1903, p. 38-42), submetido à Secretaria do Interior
e Justiça, a Assembléia foi esvaziada de suas prerrogativas legislativas, redu-
zida, na prática, a um conselho honorífico com a função precípua de homolo-
gar a peça orçamentária concebida pelo executivo (PEREIRA, 1923, p. 33; AXT,
2002a).
Durante anos, até a reforma constitucional de 14 de dezembro de 1923,
imposta pelo Pacto de Pedras Altas, que pôs termo à Revolução de 23, discu-
tiu-se a constitucionalidade da Constituição gaúcha no Congresso Nacional.
A Revolução Federalista rebentada em fevereiro de 1893 foi uma resposta das
oposições à centralização política imposta pela Carta de 1891. Com o apoio do
governo federal, da bancada paulista no Congresso Nacional e do Exército,
Castilhos conseguiu manter-se no poder e rechaçou as investidas adversárias.
Contra a sua vontade, foi-lhe imposta pelo sucessor de Floriano Peixoto, Pru-
dente de Moraes, uma ata de pacificação em 23 de agosto de 1895, garantin-
do a anistia aos federalistas. Mas a Constituição de 14 de julho foi mantida e
a oposição lançada em condição minoritária, mesmo porque a sanha de per-
seguição aos vencidos continuou pelo menos até 1899 (FRANCO, 1988, p. 127-
151; ESCOBAR, 1922, p. 42; CABEDA; COSTA, 2002).
O Partido Federalista foi corajosamente reorganizado em 1896, mas limi-
tou-se a integrar a política através da imprensa, abstendo-se sucessivamente Volume 3
dos pleitos até as eleições para a Câmara Federal em 1906, quando, graças à República Velha
Tomo I
aprovação da Lei Rosa e Silva, de 1904, arejaram-se as normas de alistamen-
to e o exercício do voto consagrou três candidatos da oposição: Wenceslau Es-
III.
cobar, Antunes Maciel e Pedro Moacyr, um por cada distrito eleitoral nos quais Coronelismo
se dividia o estado. indomável:
o sistema de relações
Em 1910, os federalistas deram uma mostra de força, conseguindo garan- de poder
tir a vitória de Rui Barbosa sobre o Marechal Hermes em três municípios gaú-
93
chos – Bagé, São Gabriel e Soledade – apesar de toda com-

COSTA, 1922.
pressão do sistema eleitoral. Na órbita estadual, apenas com
a alteração da legislação eleitoral por Borges de Medeiros,
em 1913, os federalistas conseguiram eleger um represen-
tante para a Assembléia. Em 1917, graças ao cálculo do quo-
ciente previsto na lei para garantir a representação das
minorias, elevaram sua participação para três cadeiras.
Esse quadro sofreu novas alterações com o desfecho da Re-
volução de 1923. Depois das eleições de 1924, modificou-se
o equilíbrio de forças entre os partidos no Congresso, com
o aumento do número de deputados federalistas (FRANCO,
Francisco Antunes Maciel 2000; OSÓRIO, 1930a).
Após a Revolução Federalista, Júlio de Castilhos em-
penhou-se em completar a obra de organização do aparelho
de estado. Além da Carta de 1891, o arcabouço institucional foi basicamente
formado pelo Código de Organização Judiciária, lei nº 10, de 10 de dezembro
de 1895; pelo Código de Processo Penal, lei nº 24, de 15 de agosto de 1898, e
pela lei nº 11, de 4 de janeiro de 1896, que regulamentava a organização poli-
cial do estado. Em 1908, o então presidente do estado, Antônio Augusto Bor-
ges de Medeiros, editou ainda o Código de Processo Civil.
Em primeira instância, atuavam os juízes distritais e os juízes de comar-
ca, aos quais estavam subordinados os promotores públicos e os oficiais de jus-
tiça. Em segunda instância, agiam os sete desembargadores do Superior Tri-
bunal de Justiça, transformados em dez pela reforma de 1925. O presidente
do estado reservava para si o poder de nomeação dos juízes distritais, bem
como de gerir a sistemática de promoções para o desembargo. Os juízes da
comarca eram concursados, mas os indícios de manipulação dos resultados dos
concursos eram sólidos, o que possibilitava uma filtragem dos candidatos mais
afinados com as orientações do governo. Juízes que eventualmente divergis-
sem do poder estadual na prolatação de sentenças poderiam sofrer constran-
gimentos na promoção durante a carreira. O presidente também enfeixava o
História Geral do
Rio Grande do Sul
poder de criar ou extinguir comarcas, o que chegou a ser útil para isolar juí-
zes insubordinados com algum trânsito comunitário, como em 1908, quando
Caxias do Sul foi convertida em termo de Bento Gonçalves, apenas voltando
a ser cabeça de comarca em 1919 (AXT, 2004).
Gunter Axt O chefe do Ministério Público, o procurador-geral do estado, era de livre
nomeação do presidente e não dispunha de mandato fixo. Os promotores, por
sua vez, eram na maior parte interinos. Não usufruindo qualquer estabilida-
94
de e garantias funcionais, operavam como verdadeiros delegados do poder
estadual nas localidades, pressionando os administradores. O cargo de pro-
motor era como que um estágio para o exercício da função de juiz da comar-
ca, ou um treinamento para se chegar a uma cadeira da Assembléia dos Re-
presentantes (AXT, 2001c).
Já as nomeações dos juízes distritais tendiam a se fazer com base em in-
dicações sugeridas pelos políticos e poderosos locais. Era uma forma de bar-
ganha que se estabelecia entre o poder estadual e os coronéis locais. À medi-
da, porém, em que a presidência do estado se fortalecia política e burocrati-
camente, o presidente tendia a imprimir mais autonomia em relação aos po-
deres locais ao perfil das nomeações (AXT, 2004).
Cartórios e notariados tendiam a ser distribuídos de forma a premiar os
bons cabos eleitorais do governo do estado e do partido. Quanto ao exercício
da advocacia, muitos ainda eram os rábulas em atividade na época. Todos
deviam a uma provisão do Superior Tribunal de Justiça a autorização para ad-
vogar (Ibidem).
A estrutura policial era composta pela corporação militar congregada na
Brigada e pelas polícias judicial e administrativa, sem mencionar a Guarda
Nacional e os Corpos Provisórios, a chamada Guarda Civil, os quais podiam
ser convocados com apoio dos coronéis sempre que a estabilidade institucional
fosse colocada em cheque. O Rio Grande do Sul possuía um dos maiores con-
tingentes armados na corporação militar estadual, que chegou a reunir 3.200
homens, constituindo-se, sem dúvida, numa garantia especial contra amea-
ças de insurreição da oposição, contra intervenções federais e mesmo contra
a insubordinação de coronéis. Por sua vez, as patentes da Guarda Nacional
eram concedidas pelo governo federal a partir de indicações estaduais. O con-
trole sobre as patentes era fundamental para as facções, pois, além de uma fon-
te de autoridade, concediam ao titular imunidade em face de certos proces-
sos-crime (Ibidem).
A Constituição de 14 de julho de 1891 estabeleceu a superposição das po-
lícias: enquanto a chamada “administrativa” era custeada pelos municípios e
comandada pelos subintendentes, a polícia judiciária compunha-se, nos muni- Volume 3
República Velha
cípios, dos delegados e subdelegados, estando submetida ao secretário do Inte- Tomo I
rior e Justiça, à Chefatura de Polícia e às quatro Sub-Chefaturas Regionais,
as quais podiam dispor dos regimentos brigadianos, embora eles não estives- III.
sem sob seu comando direto. A Brigada Militar, por sua vez, registrava alto Coronelismo
indomável:
grau de fidelidade ao Palácio. o sistema de relações
de poder
Enfim, o autoritarismo da Constituição de 14 de julho de 1891 investiu o
Poder Executivo estadual de formidáveis instrumentos de intervenção nos 95
municípios e de controle do aparato estatal. Mas, ainda assim, o aparelho de
estado continuava não sendo infra-estruturalmente (MANN, 1984) forte o bas-
tante para possibilitar à elite dirigente assenhoreada do comando a implan-
tação de um regime ditatorial e de controle absoluto. Mesmo porque a reali-
dade específica dos distritos rurais, em certos municípios, constituídos de pe-
quenas propriedades pertencentes aos descendentes de imigrantes europeus,
abriu ensejo para que se articulasse uma fonte de poder comunitário com cer-
ta margem de ação frente à compressão do governo estadual e dos poderes
municipais apoiados por este. Por sua vez, em municípios da Campanha, a
proximidade da fronteira criava uma condição de dualidade legal que possi-
bilitava aos habitantes locais também certa esfera de autonomia, na medida
em que podiam eles homiziar-se nas repúblicas vizinhas quando perseguidos,
arregimentar efetivos paramilitares com mais agilidade, além de permitir a
muitos alimentar-se das práticas do contrabando, o qual movimentava infor-
malmente grandes somas e conectava-se a sólidos interesses ramificados por
todo o território estadual. Havia, ainda, aqueles municípios em que a oposi-
ção federalista, na maior parte do território abafada pela guerra civil de 1893,
permanecera forte, representando uma ameaça potencial de subversão do re-
gime. Em outras cidades, simplesmente o poder estadual precisava adminis-
trar a convivência com aliados tão poderosos que seu controle sobre a área ter-
minava embaçado.
Da mesma forma, a progressão da urbanização e da industrialização tra-
zia lentamente à cena política novos sujeitos sociais, cuja capacidade de mobi-
lização, a exemplo dos movimentos operários, criava focos independentes de
pressão que ameaçavam o fechamento do sistema representativo. Na década
de 1920, tornou-se enorme a pressão de segmentos de comerciantes e indus-
triais, que haviam ficado em segundo plano na definição de prioridades eco-
nômicas, por um projeto de amplitude regional, capaz de enfrentar desafios
à acumulação capitalista.
A especificidade do Rio Grande do Sul em relação ao sistema coronelista
nacional estava numa permanente tensão existente entre poder estadual e po-
História Geral do
deres locais, pois a natureza dessa relação era ao mesmo tempo de cooperação
Rio Grande do Sul e de competição, como indicou Loiva Félix (1987), enquanto nos demais estados
a regra foi a acomodação entre esses dois termos. Ou seja, no Rio Grande do Sul,
o comando político regional – também emerso de uma rede de compromissos
coronelísticos – pretendia sedimentar cada vez mais o controle sobre o estado,
Gunter Axt
enquanto que os poderes locais aspiravam escapar do jugo compressor e forjar
chefias relativamente autônomas. Esse embate constituiu-se como guerra de
96 posições, aquilatando vitórias parciais ora para um, ora para outro lado.
À guisa de periodização
A assunção do PRR ao poder, contrariamente ao que pode parecer, não
desencadeou um período de estabilidade e continuidade, apenas encerrado
pela Revolução de 1930. Apesar de a defesa da chamada “continuidade admi-
nistrativa”, que na prática nada mais era do que a eternização dos mandatá-
rios dos cargos públicos eletivos no poder, ter se constituído numa das princi-
pais bandeiras do discurso legitimador do regime pós-Revolução Federalista,
na medida em que funcionaria como um antídoto natural para uma eventual
falta de continuidade dos projetos governamentais, a política regional conhe-
ceu conjunturas diversas, que merecem caracterização.

Institucionalização republicana (1889-95)


Foi o período de maior instabilidade política e administrativa, marcado
pelo governicho cassalista, pela cruenta Revolução Federalista e pela constru-
ção do edifício jurídico. Foi quando se neutralizou a oposição e se formatou o
modelo institucional autoritário, comentado na seção anterior.

Hegemonia castilhista (1895-1903)


Com a derrota e o quase extermínio da oposição, Júlio de Castilhos afir-
mou-se como liderança unipessoal no Rio Grande do Sul, controlando o PRR,
a administração pública, a política estadual e as situações municipais. Casti-
lhos empunhou a presidência do estado até 25 de janeiro 1898, quando o
desembargador Antônio Augusto Borges de Medeiros o sucedeu, por indica-
ção sua. Borges foi reeleito para um segundo mandato, por força do manifes-
to de Júlio de Castilhos de 2 de outubro de 1902, que proclamou essa candi-
datura aos republicanos. Nas eleições, desferidas em 25 de novembro, o Par-
tido Federalista se absteve, e os candidatos dissidentes, entre os quais já se
encontrava Fernando Abbott, republicano histórico e um dos primeiros pre-
sidentes do estado, alcançaram uma margem insignificante de votos. Volume 3
República Velha
Tomo I
Crise de hegemonia (1903-1907)
III.
Até a morte de Castilhos, em 1903, Borges comportou-se como um de- Coronelismo
indomável:
dicado secretário, obedecendo aos desígnios do chefe republicano. Entretan- o sistema de relações
to, diante do desaparecimento de Castilhos, altas lideranças passaram a de poder
questionar a pretensão de Borges de Medeiros de afirmar-se como o herdei-
97
ro político do carisma de Júlio de Castilhos, substituindo-o no comando uni-
pessoal do governo e do partido. Esse embate teve por conseqüência a cisão
republicana de 1906/7 e a tensa campanha eleitoral. Em 1907, Fernando
Abbott lançou-se candidato à sucessão estadual pela dissidência com apoio de
setores do Partido Federalista, frustrando momentaneamente o projeto
borgiano e impondo-lhe um recuo tácito, com a escolha de Carlos Barbosa
Gonçalves como candidato oficial. Borges de Medeiros precisou afastar-se da
administração direta do governo, mas manteve o comando partidário. A elei-
ção de Barbosa Gonçalves provocou uma redefinição de algumas políticas pú-
blicas. Foi quando se passou a criticar as concessionárias de serviços públicos
e se começou a preparar o terreno para as encampações de 1919/20.

Construção da hegemonia borgiana (1908-13)


Entre 1908 e 13, durante o governo de Carlos Barbosa Gonçalves, Bor-
ges de Medeiros permaneceu na chefia partidária e pôde organizar toda uma
rede de compromissos e lealdades no interior. Entre 1903 e 1908, processaram-
se inúmeras substituições de comandos políticos no interior do estado. Tradi-
cionais castilhistas foram hostilizados e substituídos por facções políticas ad-
versárias em diversas cidades. Em troca do alinhamento à política estadual,
durante o tenso período de institucionalização republicana, Castilhos garan-
tira ampla margem de ação aos seus colaboradores nos municípios. Borges de
Medeiros, por sua vez, pretendeu intervir de forma mais sistemática nos muni-
cípios, reforçando o poder administrativo do estado.
A partir de 1910, plenamente superada a crise de hegemonia de 1903 a
1907, a organização da rede de sustentação borgiana foi impulsionada pela es-
treita sintonia estabelecida com o governo de Hermes da Fonseca, politica-
mente controlado por Pinheiro Machado. Enquanto diversos gaúchos eram
lançados em postos-chave da política nacional – como José Barbosa Gonçalves,
que dirigiu o Ministério da Viação, e Rivadávia Corrêa, titular da Pasta da Jus-
tiça – Borges de Medeiros respondia com notável autonomia pelas nomeações
para cargos federais no Rio Grande do Sul (a especificidade da conjuntura foi
História Geral do
Rio Grande do Sul percebida por LOVE, 1975, p. 166).

Hegemonia borgiana (1913-20)


Gunter Axt Ao reassumir a presidência do estado em 1913, Borges de Medeiros con-
solidou novamente o conceito de chefia unipessoal, até então apenas almeja-
do. Dessa vez, respaldou o comando partidário e o controle governativo com
98
uma rede de compromissos solidamente entranhada no interior do estado. De
tal forma, que enfrentou as cisões republicanas de 1915 e 16 sem comprome-
ter o controle sobre o partido.
Em 1915, enquanto o Partido Republicano Conservador (PRC) acumu-
lava contrariedades em nível nacional e o império de Pinheiro Machado se
esboroava, Borges de Medeiros foi acometido de grave enfermidade em maio,
retirando-se para uma chácara próxima à capital, retornando ao governo ape-
nas um ano mais tarde. O retiro do chefe tinha também ligação com o desgas-
te que lhe rondava, pois o comando partidário foi repassado ao fiel dr. Protá-
sio Alves, secretário dos Negócios do Interior e da Justiça, no que se referia
aos assuntos atinentes a algumas cidades, como Livramento, enquanto os de
outras, como Cachoeira do Sul, continuaram sob direção borgiana. A adminis-
tração governamental foi encampada pelo vice-presidente Salvador Pinheiro
Machado, irmão do senador, o qual exercia controle sobre a bancada gaúcha
no Congresso. Consta terem os irmãos chegado a tramar a derrubada de Bor-
ges de Medeiros e a absorção da máquina partidária do PRR, mas tais maqui-
nações teriam esbarrado na fidelidade da Brigada Militar ao presidente e no
assassinato de Pinheiro Machado, no Rio de Janeiro, em 8 de setembro. Além
disso, a disputa da vaga senatorial em agosto de 1915 abriu severo dissídio no
coração do partido. Ramiro Barcellos e seus aliados revoltaram-se diante da
indicação de Hermes da Fonseca por Pinheiro Machado, desencadeando uma
cerrada campanha, a partir de um turbulento comício em julho na capital gaú-
cha, cujo saldo foi de nove mortos e quinze feridos por conta da ação repres-
sora da Brigada Militar (AXT, 2003a, 2005).
A cisão provocou desfalques nas fileiras dos aliados da falange palaciana
em municípios importantes, como Cachoeira do Sul e Santa Maria, repercu-
tindo por todo o estado nas eleições municipais de 1916, o que traduziu, mais
uma vez, a forte queda de braços entre poder estadual central e poder local.
A fraude eleitoral e as intervenções oficiais do palácio, entretanto, operaram
substituições nos comandos de diversos municípios. Borges de Medeiros con-
seguiu suportar os anos difíceis, em que, ainda por cima, o governo estadual Volume 3
distanciou-se da gestão de Venceslau Braz, reelegendo-se presidente estadual República Velha
Tomo I
em 1917, com larga margem de vantagem. O desaparecimento de Pinheiro
Machado fora conveniente para Borges de Medeiros, pois dessa forma pôde
III.
ele retomar o controle sobre a deputação gaúcha na Câmara, além de garan- Coronelismo
indomável:
tir a neutralização de certos dissidentes perigosos que se levantavam novamen- o sistema de relações
te na fronteira, como João Francisco Pereira de Souza, e que gozaram apoio de poder
tácito do senador (SOUZA, 1923, p. 87). Entretanto, o fortalecimento do poder
99
palaciano desmobilizava o partido. Novas e antigas dissidências esperavam a
chance de se pronunciar (AXT, 2003a, 2005).
Durante essa quadra foram também programadas as encampações de
serviços públicos – ferrovia, barra de Rio Grande, porto marítimo e canais de
navegação interior – que tinham por objetivo prático central fortalecer o po-
der infra-estrutural do estado e a capacidade de controle sobre a sociedade
civil, bem como consolidar a hegemonia mercantil pretendida pela fração de
comerciantes e financistas urbano-litorâneos.
Em 1905, em decreto federal, arrendara todas as estradas de ferro do Rio
Grande do Sul à Cie. Auxiliaire de Chemins de Fer, numa operação que con-
tara com amplo apoio do governo estadual. Em 1906, um contrato federal con-
cedera direitos de exploração do porto e da barra de Rio Grande para uma ou-
tra companhia estrangeira. Dois anos mais tarde, entretanto, este modelo de
concessão ao capital estrangeiro passava a ser criticado. Enquanto a Cie.
Française du Port du Rio Grande do Sul desinteressava-se pela desobstrução
dos canais interiores, indicando que não pretendia contribuir para o incremen-
to da navegação interior, a Cie. Auxiliaire mostrava progressiva independên-
cia em relação aos interesses políticos do governo. Além disso, a Cie. Auxiliaire
sinalizava para a concentração do tráfego ferroviário em Santa Maria e para
uma integração com o Prata, o que contrariava as intenções da elite dirigente
e de seus aliados no alto comércio urbano-litorâneo de concentração do fluxo
mercantil estadual em Porto Alegre. A desobstrução dos canais interiores de
navegação fluvial também era estratégica para este projeto de concentração
do fluxo mercantil na capital e não no eixo Santa Maria/Rio Grande/frontei-
ra, como desejavam as concessionárias. Assim, a encampação dos serviços de
transportes tornou-se cada vez mais uma questão de estado (Idem, 2001).
Em defesa do novo discurso intervencionista – que se estruturou a par-
tir de 1908, sem ter, portanto, relação direta com o positivismo que informou
a Constituição de 1891 – foram invocadas teses nacionalistas, socializantes e
desenvolvimentistas. Na prática, entretanto, não eram sentimentos orgânicos.
Ao mesmo tempo em que se atacava o capital estrangeiro no porto e nas fer-
História Geral do
rovias, ele era recebido de braços abertos em 1917, quando da instalação dos
Rio Grande do Sul frigoríficos na Fronteira. Por outro lado, não havia uma política de desenvol-
vimento integrada que levasse em consideração outros aspectos infra-estru-
turais estratégicos da economia. Em 1919, por exemplo, o governo estadual
inviabilizou o projeto de construção de uma grande hidroelétrica no Jacuí, que
Gunter Axt
forneceria eletricidade abundante e barata às indústrias, porque o projeto pre-
judicava os interesses da fração mercantil porto-alegrense, que investira em
pequenas termelétricas na capital, cuja razão de ser, diante do surgimento de
100
uma grande hidrelétrica, perderia sentido. Além disso, mesmo prestando um
serviço de péssima qualidade, ninguém ventilou a hipótese de encampação,
ou socialização, conforme linguagem da época, dos serviços de eletricidade
e bondes das grandes cidades. Assim, é necessário avaliar com reservas o dis-
curso nacionalista e desenvolvimentista do PRR que se afirma a partir de 1908
em torno da proposta de encampação dos serviços públicos (Idem, 1998; 2001;
2002).
Na prática, enquanto ao governo do PRR interessava fortalecer os meios
de controle sobre a sociedade civil, além de nocautear o poder paralelo de gran-
des empresas privadas, cujos interesses não coincidiam com os da elite diri-
gente, aos setores da classe dominante mais próximos do governo – a fração
financeiro-mercantil urbano-litorânea – apoiaram as encampações, apesar do
seu professado liberalismo, por identificar nelas mais uma oportunidade de
aprofundar a hegemonia mercantil da capital sobre o interior do estado, em
especial satelitizando a florescente área da colonização ítalo-germânica e gol-
peando a concorrência estabelecida pelo contrabando de fronteira (Idem, 2001;
Espírito Santo, 1982, p. 10-22).

Contestações e crise de hegemonia (1921-23)


A fórmula adotada para viabilizar as encampações de 1919 e 20 suscitou
uma grave crise financeira entre 1921 e 23, que levou água ao moinho da opo-
sição e desaguou nas contestações da campanha assisista de 22. Ao recorrer
a empréstimos internos junto aos bancos regionais, e lançando mão dos sal-
dos da poupança pública amealhada pelas chamadas “caixas populares”, o go-
verno de Borges promoveu um enxugamento do meio circulante estadual, jus-
tamente num momento em que se liberava a demanda reprimida de impor-
tações no pós-Primeira Guerra Mundial. Isso trouxe uma forte especulação em
moeda estrangeira, inflação regional, alta de juros e arrocho de créditos, pre-
cipitando inúmeras hipotecas sobre o segmento estancieiro, de forma a des-
nudar a opção da elite dirigente pela aliança estratégica com a fração de classe Volume 3
República Velha
dos charqueadores e dos mercadores e financistas urbano-litorâneos. Por Tomo I
outro lado, a inflação e o aumento das taxas dos serviços públicos indispôs a
classe média urbana e o proletariado contra a elite dirigente. A violenta repres- III.
são ao movimento operário promovida em 1919 reforçou o afastamento entre Coronelismo
indomável:
a classe obreira e a elite dirigente, sepultando o quadro de negociação vivido o sistema de relações
em 1917, quando a presidência do estado interveio em uma greve geral, ga- de poder

rantindo benefícios aos trabalhadores e contrariando interesses empresariais. 101


De fato eram conjunturas diferentes: se em 1917 Borges de Medeiros estava
um pouco mais fragilizado por disputas com os coronéis e lideranças partidá-
rias e não desejava abrir outra frente de atrito, dessa vez com os trabalhado-
res urbanos, em 1919, já tinha superado plenamente os efeitos da crise de
hegemonia de 1915 e 16, descartando pruridos com a repressão aos grevistas.
Finalmente, a participação de Borges de Medeiros na chamada “reação re-
publicana”, indispôs com o borgismo o governo nacional de Arthur Bernardes
e o Exército Brasileiro – este, tradicional aliado do castilhismo, mas que, des-
de a Revolução Federalista, encarava o PRR de forma mais crítica (AXT, 2005;
CABEDA, 2005).

Recomposição da aliança hegemônica (1923-30)


Com o Pacto de Pedras Altas de dezembro de 23, que pacificou a revolu-
ção assisista, garantiu-se a permanência de Borges de Medeiros por mais cin-
co anos na presidência do estado. Em compensação, a oposição logrou impor
uma reforma constitucional que alterou a espinha dorsal do constitucionalis-
mo castilhista, pois, entre outras coisas, vedou a possibilidade de reeleição do
presidente, determinou a eleição do vice-presidente do estado, até então in-
dicado, e limitou as intervenções do poder estadual nos municípios. Para ne-
gociar a sua permanência no governo, Borges de Medeiros precisara recorrer
às lideranças partidárias e às famílias oligarcas, o que enfraqueceu o seu co-
mando pessoal e, conseqüentemente, fragilizou as facções que lhe apoiavam
com mais dedicação nos municípios, mas, por outro lado, fortaleceu o parti-
do, que passou a ser menos tutelado pelo chefe. Conseqüência disso, por exem-
plo, foi a imposição dos nomes de Getúlio Vargas e João Neves da Fontoura
como candidatos ao governo estadual em 27. O pacto também diminuiu a com-
pressão sobre a oposição, que experimentou um renascimento, apresentan-
do avanços nas eleições federais de 1924. Finalmente, ao enfraquecer o coman-
do central borgiano, o pacto permitiu um fortalecimento temporário do poder
local (AXT, 2005).
História Geral do
Os gastos do governo com as encampações de 1919 e 20 e, depois, com a
Rio Grande do Sul Revolução de 1923, empurraram o estado para uma situação de pré-insolvên-
cia. Em 1927, o governo não conseguia honrar os depósitos populares que ga-
rantia e entregava aos depositantes uma caderneta, trocada no comércio com
um deságio que, muitas vezes, engolia o benefício do poupador com os juros.
Gunter Axt
O comércio, abarrotado dessas cadernetas, passou a conviver na prática com
uma moeda paralela, gerando uma inflação regionalizada, o que, somado ao
102 ainda pouco encaixe de meio circulante dos bancos, precipitava a alta do cus-
COSTA, 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

III.
Coronelismo
indomável:
o sistema de relações
Borges de de poder
Medeiros.
1922. 103
to de vida e entorpecia as forças produtivas. Foi necessário um grande emprés-
timo de consolidação, em princípios de 1928, no valor de 42 milhões de dóla-
res, para saldar o deficit em conta corrente e a dívida de curto prazo do go-
verno, dívida esta, aliás, escondida pela alquimia orçamentária do Palácio
(AXT, 2002d; 2005a).
Para lograr a contratação desse empréstimo – o maior empréstimo ex-
terno da história do estado e o primeiro captado na praça financeira norte-
americana – Getúlio Vargas valeu-se do prestígio que granjeara como minis-
tro da Fazenda do governo de Washington Luiz, quando fora responsável por
um bem-sucedido plano de estabilização da economia (Ibidem).
Percebendo o desgaste do modelo borgiano de poder, Getúlio Vargas
procurou estabelecer fórmulas de composição. Para legitimar sua base de sus-
tentação, ampliou incentivos à fração dos estancieiros, atendendo demandas
antigas, como a criação de um banco hipotecário – o BERGS, mais tarde Banri-
sul – e a revisão de aspectos da política tributária. Além disso, Vargas perce-
beu que o dinheiro estava trocando de mãos e limitou os incentivos que man-
tinham artificialmente a hegemonia das frações de charqueadores e de mer-
cadores e financistas urbano-litorâneos. O corolário dessa guinada foi a falên-
cia do Banco Popular e do Banco Pelotense. Em compensação, Vargas passou
a admitir mais espaço político para os industriais da área colonial, movimen-
to que esteve na base da fundação da FIERGS em 1930, por Antônio J. Renner
(AXT, 2002d; 2005a. OLIVEIRA, 1936. LAGEMANN, 1985. PESAVENTO, 1985).
Do modelo borgiano, Vargas absorveu a consciência de que a capacidade
interventora estatal na economia e a conseqüente formação de empresas pú-
blicas fortaleciam o poder infra-estrutural do estado e contribuíam para a ma-
nutenção do poder político. Destarte, Vargas, por meio de grandes emprésti-
mos no exterior, saneou o desarranjo provocado nas finanças públicas por Bor-
ges de Medeiros e ampliou o projeto intervencionista, fundando um banco es-
tatal. Tais medidas ampliaram a capacidade de controle do estado sobre a socie-
dade civil e converteram o aparelho de estado num agente econômico de
execução de políticas públicas (AXT, 2002d; 2005a).
História Geral do
Rio Grande do Sul

Entendendo a dinâmica de poderes


Como se deu nesse período a relação entre poder local e poder estadual,
Gunter Axt
considerando um quadro institucional autoritário, a liquidação das chances
reais da oposição de alcançar o poder e o intervencionismo progressivo do es-
104 tado na economia?
Virtualmente afastada a concorrência da oposição federalista, a disputa
política, exacerbada após a morte de Castilhos, acontecia no interior do pró-
prio PRR. As mudanças de situações políticas nos municípios foram, não raro,
processos violentos, pois resultavam da confluência, de um lado, da ambição
de Borges de Medeiros na ampliação de comando, especialmente nas conjun-
turas de 1903 a 1908 e de 1916, e, de outro lado, da ebulição das dissidências,
em disputa pelas vantagens das chefias locais. Por vezes, o clima de confronto entre
partidários degenerou em tropelias, como a tomada do Clube Júlio de Castilhos,
em Santa Maria, em setembro de 1907; ou como os enfrentamentos de 25 de no-
vembro do mesmo ano e o motim de junho de 1917, em Lagoa Vermelha; ou,
ainda, o ataque ao Clube Pinheiro Machado, em Livramento, em 1910.
Quando se tratava de uma rusga confinada ao âmbito municipal, eram
mais improváveis desdobramentos que redundassem em críticas ao regime.
Nesses casos, ambas as facções intra-partidárias digladiavam-se pelo apoio
palaciano e, mesmo que esse fizesse sua opção, permaneceria uma brecha para
a recomposição. Assim foi com as disputas entre os coronéis Heliodoro Bran-
co e Maximiliano Almeida em Lagoa Vermelha, em junho de 1917 (FRANCO,
1996b, p. 17-34). Heliodoro Branco, que fora intendente entre 1892 e 1913, re-
voltado contra a reeleição, em 1916, de Maximiliano Almeida, reuniu cerca de
dois mil homens e sitiou a cidade, exigindo a renúncia do intendente e do Con-
selho, sem, no entanto, mesmo sofrendo severas reprimendas do líder parti-
dário1, deixar de registrar serem todos seus colaboradores fiéis correligio-
nários borgistas2. O confronto armado foi evitado, mas diante da demonstra-
ção de força e prestígio, Heliodoro Branco garantiu a intervenção de um emis-
sário do presidente, o subchefe de Polícia Genes Gentil Bento, que pacificou
os ânimos e mediou um acordo de convivência entre as partes3.
Sempre que uma facção local articulava-se regionalmente, afloravam con-
testações ao governo. Atacava-se, então, a direção unipessoal e a política
econômica de Borges de Medeiros. Mesmo ostracisada pela máquina oficial,
ou esmagada pelo concurso às armas, uma corrente mais contestatória pode-
ria sobreviver, ainda que isto fosse muito difícil, seja aliando-se aos federa-
listas, seja constituindo quistos de resistência, como os Abbott, em São Gabriel, Volume 3
República Velha
ou Assis Brasil, em Cacimbinhas. Cisões locais podiam se engajar em movi- Tomo I
mentos para a derrubada do governo.
III.
Coronelismo
1 Minuta de telegrama de Borges de Medeiros a Heliodoro Branco, Porto Alegre, 2 de julho de indomável:
1917, ABM. o sistema de relações
2 Carta de Heliodoro Branco a Borges de Medeiros, Lagoa Vermelha, 24 de junho de 1917, de poder
ABM.
3 Carta de Genes Bento a Borges de Medeiros, Lagoa Vermelha, 10 de julho de 1917, ABM. 105
COSTA, 1922.
Apesar das rupturas, não eram impossíveis as re-
conciliações, a exemplo do sucedido com os Neves da
Fontoura, os Flores da Cunha e os Vargas, que, em di-
versos momentos, atritaram-se com Borges de Medei-
ros, mas recompuseram as relações oportunamente
(AXT, 2005a). Como símbolo do processo de acomodação
das dissidências, talvez possa ser invocado o caso
Bernardino Mota. Vereador durante o império em Can-
guçu, conflitou-se com os diretores políticos locais, tor-
nando-se colaborador de Castilhos com a proclamação.
Durante o governicho cassalista, foi hostilizado pelos ba-
talhões patriotas, dando o troco na Revolução Federa-
lista. Arrimo castilhista na região, teve um processo judi-
cial, em que foi responsabilizado pelo latrocínio de dois
comerciantes com salvo conduto e membros de prestigi-
osas famílias locais, arquivado a pedido do governo. Mas,
logo depois, ao envolver-se num atentado contra o par-
tidário Leão Terres, foi afastado por Castilhos da direção
General Firmino de Paula e Silva
política municipal. Em fevereiro de 1898, durante os fes-
tejos carnavalescos e apenas um mês após a assunção de
Borges de Medeiros ao governo estadual, tendo desrespeitado a orientação
castilhista e sufragado o nome de Campos Salles nas eleições federais, envol-
veu-se, por motivos privados, numa discussão pelas ruas da cidade e termi-
nou tomando a tiros, auxiliado por seus capangas a cavalo, a estação telegrá-
fica. Pouco depois, acossado pela Brigada Militar, buscou abrigo junto ao ge-
neral Carlos Telles, no comando militar de Bagé, que a essa altura atritava-
se com Castilhos. Em represália, a Justiça gaúcha desarquivou os processos
contra Bernardino datados do período revolucionário e abriu um novo, acu-
sando-o de sedição. Diante do impasse estabelecido entre os governos estadual
e federal, por conselho do próprio ministro da Guerra, Bernardino se homi-
ziou no Uruguai. Por solicitação de Borges de Medeiros, as autoridades orien-
tais prenderam-no, mas não chegando o pedido de extradição do Ministério
História Geral do
Rio Grande do Sul da Justiça depois de um mês de delongas, terminou liberto e permaneceu exi-
lado. Em 1904, entretanto, em meio à ebulição das facções, retornou a Can-
guçu, onde mantinha propriedades, convertendo-se novamente em proséli-
to de Borges, que o brindou com uma sinecura e com o rearquivamento dos
Gunter Axt processos (CABEDA, 2000).
O episódio ilustra bem como disputas pessoais em nível local, inseridas
106 na rede de compromissos coronelísticos, podiam ser amplificadas, ganhando
relevo estadual, nacional e repercutindo, até mesmo, internacionalmente. Ou-
trossim, o caso Bernardino Mota registra como as alianças entre lideranças
partidárias podiam ser dissolvidas ou recompostas, conforme interesses per-
sonalizados, destituídos de compromissos ideológicos ou programáticos mais
sólidos.
Procurando manietar ao máximo as situações municipais, Borges lançava
mão de um feixe de estratagemas, legais e extralegais. As nomeações para car-
gos públicos constituíam-se em moeda de troca com os coronéis. Borges asse-
gurava melhor controle sobre parte do funcionalismo policial e jurídico, além
de inspetores, fiscais e procuradores fazendários ou da Secretaria das Obras
Públicas.
Os chefes de Polícia, em especial, costumavam ser indivíduos de influên-
cia no âmbito da rede de compromissos e aliados do chefe palaciano, como
Firmino Paim, jurista, grande estancieiro, apoiador de Borges por ocasião do
dissídio de 1907, mais tarde seu secretário pessoal e diretor político de Lagoa
Vermelha, Vacaria e São Francisco de Paula, municípios da região serrana nor-
te. O chefe de Polícia coordenava a manutenção da ordem pública, combaten-
do o crime, distribuindo a força policial pelo estado, intermediando negociações
com os coronéis locais ou de grevistas urbanos com o governo e empresários.
Havia, ocasionalmente, chefes de Polícia burocratas, cuja função era ocupar
transitoriamente o cargo, administrando a transferência do mesmo de um para
outro coronel. Em certas ocasiões de crises institucionais envolvendo a força
pública, podia também ocupar o cargo interinamente um membro do Poder
Judiciário (AXT, 2004).
Tinha por auxiliares diretos os subchefes, em número de quatro, corres-
pondendo a cada qual jurisdição específica sobre diferente região do estado.
Embora não comandassem diretamente unidades da Brigada Militar, podiam
requisitar seus efetivos a partir de autorização do presidente (LOVE, 1975, p.
85). As subchefaturas eram geralmente ocupadas por chefes políticos, sobre
os quais o presidente do estado procurava estabelecer uma relação de contro-
le, mas que, de ordinário, baseava-se na cooperação mais do que na subordi- Volume 3
República Velha
nação. Alguns ocupavam o posto na sua própria região de influência, como Tomo I
Firmino de Paula, Victor Dumoncel e Vazulmiro Dutra, para a região de Cruz
Alta e Palmeira das Missões (FÉLIX, 1987, p. 121), ou como Ramiro de Olivei- III.
ra, na de Santa Maria, e, ainda, como João Francisco Pereira de Souza e Fran- Coronelismo
indomável:
cisco Flores da Cunha, na de Livramento. Nesses casos, a nomeação era uma o sistema de relações
demonstração de força das lideranças locais e de sintonia da rede local de com- de poder

promissos dominante com o poder central. Por isso mesmo, em torno da sub- 107
chefatura podiam estalar graves conflitos entre facções, como o ataque ao Clube
Pinheiro Machado, em Livramento, em 1910. Podia, entretanto, acontecer dos
coronéis assumirem o cargo em outra região que não aquela correspondente
a sua área de influência direta, como Genes Bento, que empolgou o comando
sobre a região serrana norte depois que sua chefia política em Canguçu enfra-
quecera. No Planalto Central, aconteceu ainda de Borges de Medeiros indi-
car para períodos curtos bacharéis de direito estranhos à região, a fim de con-
duzir a transição entre um e outro coronel poderoso no comando da subche-
fatura (AXT, 2004).
Os subchefes de Polícia eram muito mais do que funcionários responsá-
veis pela segurança pública, pois exerciam na prática atribuições de agentes
políticos (FÉLIX, 1987). Ramiro de Oliveira, por exemplo, intercedia junto às
lideranças de diversos municípios, como Cachoeira do Sul, Santa Maria, São
Sepé, Santa Cruz, São Francisco de Assis, São Sebastião e outros mais, cos-
turando acordos entre os coronéis em benefício do governo. Nesse caso, o sub-
chefe de polícia agia como um braço do poder palaciano que autopretendia-se
moderador dos conflitos entre as facções (AXT, 2001). No motim de Lagoa Ver-
melha, em 1917, esse foi precisamente o papel desempenhado pelo subchefe
Genes Bento (FRANCO, 1996b, p. 32).
Estavam entre suas atribuições presidir e fiscalizar eleições em comunas
convulsionadas, assim como sindicar conflitos entre autoridades policiais, ju-
diciárias e administrativas. Em Canguçu, durante 1906, a insistência do de-
legado de Polícia, Manoel da Rocha, membro de uma facção dissidente, em
manter presos dois suspeitos por tempo superior ao alvitrado pelo então inten-
dente Genes Bento, que se achava de acordo com o juiz da comarca e o pro-
motor, motivou uma crise política e um choque de competências, apenas apa-
ziguado com a intervenção do subchefe de Polícia tenente-coronel Cristóvão
dos Santos. Essa prerrogativa, todavia, podia extravasar a simples mediação.
Em abril de 1900, em meio a um impasse político local, o subchefe Euclides
Moura interveio no Herval em favor de uma facção. Em julho de 1908, a ação
opressora do subchefe Carlos Nunes Nogueira foi ainda mais violenta na im-
História Geral do posição do candidato palaciano. Em 1913, um subchefe de polícia comunicou
Rio Grande do Sul ao intendente eleito de Rio Grande que Borges de Medeiros decidira pela sua
renúncia (MEDEIROS, 1980, p. 162-178)4.
Os delegados e subdelegados de Polícia eram funcionários escolhidos, ge-
Gunter Axt ralmente, entre comum acordo entre os manda-chuvas locais e o comando pa-
4 Carta de João Paulo Prestes a Cezar Dias, Canguçu, 4 de novembro de 1913, nº 1225; Cartas
de Genes Bento a Borges de Medeiros, Canguçu, 24 de março e 8 de abril de 1906, nºs 1.208
108 e 1.209, ABM.
laciano. Os cargos poderiam ser preenchidos por qualquer cidadão, não haven-
do requisição de diplomas ou necessidade de concurso público. Assim como
em todo o país, no Rio Grande do Sul, o uso político da força pública também
era fundamental para a manutenção do status quo de uma facção (LEAL, 1978,
p. 47-103). Enquanto o poder central tinha controle mais efetivo sobre os sub-
chefes de Polícia, as situações locais aspiravam dominar com mais abrangên-
cia a ação dos delegados e subdelegados, atiçando-os não raro contra a facção
concorrente. Destarte, em torno da figura dos delegados, estabeleciam-se sé-
rios atritos. Podia acontecer de Borges de Medeiros, através do subchefe de
Polícia, nomear delegado um membro da facção oposta àquela que empolga-
va a Intendência, garantindo, dessa forma, um certo equilíbrio de forças en-
tre os grupos rivais. Em muitos casos, por medida de economia, os delegados
ou os subdelegados acumulavam também as subintendências. Esse artifício
era adotado pelas chefias locais para manter a subordinação de distritos di-
fíceis, com forte presença de eleitorado flutuante e/ou federalista, pois a uni-
dade da polícia garantia um comando forte. Os delegados e subdelegados, as-
sim como os subintendentes, eram importantes para a conquista de vantagem
eleitoral (MEDEIROS, 1980). Por isso, davam mão forte à cabala. Nos casos em
que a presença do subdelegado coexistia com a do subintendente, podiam so-
brevir conflitos de competências entre as duas autoridades5.
Os coronéis angariavam aliados entre autoridades públicas, endinheira-
dos locais ou até lideranças comunitárias e religiosas. No interior da facção,
corria o tráfico de influências e o comércio de vantagens. Favoreciam-se con-
tratos para os negócios dos aliados, os advogados eram tratados com privilégios
por serventuários e magistrados, a imprensa elogiava os amigos, para cujos
eventuais crimes havia mais indulgência. Em contrapartida, os membros da
facção oposta eram perseguidos pelas autoridades públicas, espezinhados pela
imprensa alinhada e prejudicados profissionalmente.
As facções nasciam do clima de disputa entre dois ou mais coronéis por
vantagens do sistema político. Vínculos de compromissos, oriundos de laços
de parentesco, relações empregatícias ou trocas de favores dividiam os elei-
tores, autoridades públicas e mandões intermediários. O crescimento de uma Volume 3
República Velha
facção dependia de algum apoio do governo. Os primeiros passos de uma fac- Tomo I
ção eram a fundação de um clube republicano, batizado sempre com o nome
III.
Coronelismo
5 Carta de Moysés Vianna a Borges de Medeiros, Santana do Livramento, 14 de julho de 1913, indomável:
nº 8.224; Carta de Bráulio Oliveira a Borges de Medeiros, Santana do Livramento, 3 de o sistema de relações
setembro de 1917, nº 8.310; Carta de Pelágio de Almeida a Borges de Medeiros, Santa Maria, de poder
4 de dezembro de 1915, nº 8.039; Carta de João Paulo Prestes a Cezar Dias, Canguçú, 4 de
novembro de 1913, n. 1225. ABM.
109
de algum repúblico de escol, e a cotização dos correligionários para fundação
de um jornal, utilizado como veículo de propaganda e de combate aos adver-
sários. O coronel entrava com a maior cota, o que podia representar pesado
ônus financeiro. As facções aspiravam vencer os pleitos locais e dominar os ca-
nais de distribuição de cargos e contratos (AXT, 2004).
Numa sociedade onde a fronteira entre o público e o privado era tênue,
o funcionalismo representava uma fonte de renda e de poder. Na capacidade
de trazer benefícios para a cidade, reunir eleitores e controlar o maior núme-
ro possível de cargos, bem como acessar os canais de distribuição dos mesmos,
residia o termômetro do prestígio de uma facção. As nomeações e os pedidos
eram intermediados pelo chefe, que via nos cargos e nos contratos formas de
compensações pelos gastos realizados de seu próprio bolso nas campanhas elei-
torais6. A distribuição de prebendas obedecia a critérios que levavam em con-
ta o grau de inserção do candidato na rede de compromissos e os serviços pres-
tados à facção e ao partido, sobretudo no consoante às eleições7. O agraciado
retribuía em lealdade ao coronel, mesmo que precisasse desconsiderar algum
preceito ético ou legal8. Desse modo, a rede de compromissos se fortalecia
(JANOTTI, 1981; QUEIROZ, 1989; CARVALHO, 1998). No comando do Poder
Executivo, Borges de Medeiros converteu-se no principal distribuidor de pre-
bendas, condição que soube administrar de forma a forjar lealdades, dobrar
dissidentes e, até mesmo, seduzir oposicionistas9.
Um dos artifícios mais importantes era a indicação de professores. A ins-
trução pública era uma das principais áreas de intervenção do estado, consu-
mindo grandes somas orçamentárias. Além da melhoria nos padrões de vida,
o investimento em educação era uma ferramenta privilegiada de doutrinação
política (MAIA, 1907) e criava, ainda, exércitos de novos eleitores, desde que
a alfabetização constituía um requisito para o sufrágio, projetando o estado em
escala política nacional10.
A criação de aulas e a nomeação de professores consolidavam o domínio
político, distribuindo renda para correligionários e satisfazendo demandas dos

História Geral do 6 Carta de Ramiro de Oliveira a Borges de Medeiros, Santa Maria, 21 de dezembro de 1919, nº
Rio Grande do Sul 8.109, ABM.
7 Carta de Isidoro Neves da F. a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 11 de nov. de 1904, nº
688, ABM.
8 Carta de Aníbal Nunes Pires, Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1903, nº 652, ABM.
9 Carta de Maximiliano Moreira Maciel a Borges de Medeiros, Santana do Livramento, 31 de
Gunter Axt janeiro de 1906, nº 8.176, ABM.
10 Em 1898, quando Castilhos orientou o PRR à abstenção, o Estado contribuiu com apenas
3.000 votos para a presidência do País, mas, já em 1906, esse volume alcançava a cifra de
42.000 votos, quando o Rio Grande ultrapassou a Bahia e se credenciou para assumir a
posição de terceira potência eleitoral (LOVE , 1975, p. 146).
110
eleitores11. O comércio do magistério não tinha a mesma envergadura em to-
das as cidades. Ganhava mais destaque naquelas localidades que possuíam
distritos com colonização ítalo-germânica, nos quais uma facção com apoio pa-
laciano esforçava-se pela afirmação. Assim, por exemplo, ao assumir o coman-
do político em Cachoeira do Sul, o coronel Isidoro Neves da Fontoura, que,
todavia, não ocupava a Intendência nesse momento, advertia ao presidente:

em breve irei até aí para termos a ocasião de conversar amplamente sobre a


política local; pode desde já ficar prevenido que irei carregado de pedidos,
especialmente de aulas12.

Em outra oportunidade, Isidoro dizia com todas as letras:

sendo de grande alcance político a criação de uma aula a mais naquele distrito,
peço-vos que seja mais essa além das que já deixei nota, contemplada no
quadro13.

Se o poder central delegava esta fonte de prestígio aos coronéis era por-
que precisava do seu apoio. Essa dinâmica revela um aparelho de estado infra-
estruturalmente frágil (MANN, 1984), que precisava partilhar sua autoridade
com o poder privado porque, em parte, dele depende politicamente. O comér-
cio do magistério era mais expressivo justamente naqueles distritos menos su-
bordinados (AXT, 2001).
O sonho dos coronéis era a chefia unipessoal, repetindo em escala do-
méstica o que Borges procurava imprimir a todo o estado. Mas para Borges
não era conveniente esse poder nas localidades, pois representaria autonomia
em relação ao seu próprio poder. Assim, manipulava entre as facções locais,
ora fortalecendo, ora enfraquecendo grupos. Autoridades e funcionários pú-
blicos ajudavam a monitorar a ação dos poderosos. A gangorra das facções, em
alternância no comando político e administrativo municipal, dividia a força das
Volume 3
lideranças locais, incrementando o poder do chefe palaciano (FÉLIX, 1987; República Velha
AXT, 2001). Tomo I

III.
11 Carta de Isidoro Neves da Fontoura, Cachoeira do Sul, 29 de setembro de 1904, nº 686, Coronelismo
ABM. indomável:
12 Carta de Isidoro Neves da F. a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 11 de nov. de 1904, nº o sistema de relações
688, ABM. de poder
13 Carta de Isidoro Neves da F. a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 2 de janeiro de 1905,
nº 688, ABM.
111
Mas havia um limite para a eficácia dessa moderação do conflito. Assim
como o excesso de autonomia ameaçaria ofuscar a chefia unipessoal de Bor-
ges de Medeiros, o exacerbamento das tensões poderia gerar intranqüilida-
de política e institucional. Mas, além disso, o excesso de submissão poderia
implicar desmobilização do partido governista, o que sempre poderia ser ex-
plorado pela irrequieta oposição.
As eleições, apesar das fraudes, eram importantes para medir o alcance
da influência de uma facção. Mobilizando eleitores, uma facção demonstrava
seu poder de fogo. As fraudes, a compra de votos, as intimidações e violências
eram também indicativo dessa capacidade de mobilização. Pelos prélios o go-
verno podia garantir que o estado seguia na normalidade republicana, obede-
cendo ao ordenamento jurídico nacional e afastando as acusações de oligarquia
ou ditadura fomentadas pela oposição.
O governo necessitava de certa margem de legitimidade junto ao eleito-
rado. A abstenção numa sessão eleitoral era, assim, recebida com alarme e
Borges cobrava respostas de seus acólitos. Onde a presença republicana era
embaçada, insinuava-se a ameaça de crescimento das dissidências e do fede-
ralismo. Portanto, havia um limite além do qual Borges não podia investir no
esfacelamento e na submissão do partido, sob pena de enfraquecer sua posi-
ção logo em seguida. Nesses casos, assim como naqueles em que o nível de con-
flito entre facções de força mais ou menos equivalente atingia proporções in-
suportáveis, reclamava-se a intervenção do então chamado “poder modera-
dor”14. O “poder moderador” do chefe político, que até esse momento se ma-
nifestara de forma sub-reptícia, manipulando a ascensão ou o desgaste das fac-
ções, intervinha agora de duas formas: instituindo um intendente provisório
e/ou constituindo uma comissão executiva do PRR local, na qual a maioria re-
ceberia três assentos e a minoria conquistaria dois15.
Quando uma facção reinava soberana, ela controlava a comissão executi-
va, domínio que geralmente derivava, aliás, também de uma eleição viciada16.
Nas comissões mistas, as facções dificilmente sentiam-se à vontade. A com-
posição de diretórios mistos podia surgir de uma proposta de Borges de
História Geral do Medeiros para apaziguar as tensões locais ou podia brotar das facções, quan-
Rio Grande do Sul
do então a iniciativa tinha por escopo, mediante a formatação de um modus

14 Carta de Isidoro Neves da Fontoura a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 8 de agosto de


1912, nº 821, Arquivo Borges de Medeiros.
Gunter Axt
15 Carta de Vivaldino M. Medeiros a José C. do Amaral, Bom Retiro, 12 de julho de 1917, nº
8.066, ABM.
16 Ata de eleição da Comissão Executiva de Cachoeira do Sul, 30 de maio de 1897, nº 623,
ABM.
112
vivendi, evitar a possível intervenção, em momento de impasse local, do po-
der central, através da nomeação de um intendente provisório17. Borges de
Medeiros podia recusar o alvitre, a fim de garantir a intervenção. Quando Bor-
ges sugeria uma comissão mista, procurava garantir que pelo menos um dos
seus burocratas de confiança assumisse um cargo nela, não obstante serem
esses indivíduos mal recebidos pelos coronéis e chefes políticos locais18. Uma
facção poderosa, que graças às manobras de seus adversários, alcovitados por
Borges de Medeiros, tivesse sido excluída da comissão executiva do PRR lo-
cal, podia ainda adotar expedientes curiosos, como a criação de um diretório
paralelo, eventualmente batizado de “comissão diretora”19, ou mesmo, amea-
çar a criação de um partido republicano municipal20. Em certos casos, quan-
do os acólitos de Borges de Medeiros eram minoria, podia-se negociar uma
comissão mista de quatro membros, sendo dois de cada facção, cabendo ao
presidente o voto de Minerva em caso de impasse nas decisões21.
A comissão executiva costumava ser mais importante que o conselho mu-
nicipal, o qual, reproduzindo a sistemática da Assembléia dos Representan-
tes, tinha atribuições meramente orçamentárias e, na prática, homologatórias.
Além do orçamento, os conselhos faziam a apuração das eleições municipais.
A divisão de cargos na comissão executiva costumava ser reproduzida nos con-
selhos. Quando duas facções entravam em conflito aberto, os conselhos torna-
vam-se palco de batalhas, mas, em geral, as discussões e os impasses ali havi-
dos tinham pouca repercussão. Os conselhos pareceram mais presentes na
vida política antes de 191522. De ordinário, eram aparelhados pelas facções do-
minantes do PRR nos municípios e excluíam os dissidentes e federalistas, tor-
nando, pois, inconsistente a atribuição que empunhavam de derrogar leis ema-
nadas da presidência, como previa a Constituição de 14 de julho23.
Os acordos previam o loteamento dos cargos. Os estaduais e os federais
ficavam com um grupo, os intendenciais com outro. Ou então, mantinham-se

17 Carta de Moysés Vianna, João Francisco Pereira de Souza e Augusto Martins da Cruz Jobim
a Borges de Medeiros, Santana do Livramento, 6 de maio de 1916, nº 8.289, ABM. Volume 3
18 Carta de Hermes Laranja Bento a Borges de Medeiros, Canguçu, 25 de dezembro de 1917, nº República Velha
1.243, ABM. Tomo I
19 Carta de Pinos Irineo a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 8 de junho de 1897, n. 624,
ABM.
20 Carta de Carlos Norberto Moreira a Borges de Medeiros, Canguçu, 3 de dezembro de 1905, III.
n. 1203, ABM. Coronelismo
21 Acordo do Partido Republicano de Cachoeira do Sul, 14 de setembro de 1904, nº 683, ABM. indomável:
22 Carta de João Paulo Prestes et al. a Borges de Medeiros, Canguçu, 11 de abril de 1906, nº o sistema de relações
1.210, ABM. de poder
23 A SSIS B RASIL , Joaquim Francisco de. Texto manuscrito, 1923, Arquivo Pessoal, Castelo de
Pedras Altas.
113
as posições de momento e as futuras vagas seriam redistribuídas24. Nesses ca-
sos, procurava-se um nome de consenso para ocupar a Intendência, com trân-
sito em todas as correntes, que depois de um certo tempo na condição de pro-
visório, podia ser sufragado em uma eleição municipal. Dessa forma, partia-
se a chefia política e a gestão administrativa em atividades distintas. Esse can-
didato de consenso podia ser um coronel, mas em geral era um negociante lo-
cal, um profissional liberal ou um oficial da Brigada, com certa independên-
cia entre as facções. Não raro, era alguém trazido de fora da cidade pela má-
quina estadual e desenraizado dos vínculos de compromissos locais.
Eram os tais coronéis burocratas aos quais se referiram Sérgio da Cos-
ta Franco (1988), Raymundo Faoro (1987) e Joseph Love (1975). Na verdade,
eram muito mais burocratas interventores empoderados pela máquina pala-
ciana do que propriamente coronéis cuja fonte de poder apoiava-se na proprie-
dade rural e na capacidade de mobilização de capangas. Loiva Félix (1987),
apoiando sua pesquisa em grande medida também no Arquivo Borges de
Medeiros, mostrou como na região serrana norte do estado, nas cidades de
Cruz Alta e Palmeira das Missões, emergiram coronéis cuja expressão de po-
der ficava muito próxima daquela descrita por Victor Nunes Leal (1978), isso
é, apesar de toda a estrutura institucional autoritária sul-rio-grandense, o po-
der privado local ainda tinha expressão.
A intervenção palaciana importava sempre num recuo da autonomia lo-
cal, mas jamais acarretava em controle absoluto por parte do poder central.
Para que ocorresse, era necessário um misto de imposição do governo esta-
dual e aceitação por parte das facções. A iniciativa precisava ser revestida de
legitimidade. Do ponto de vista político, bastava a constatação dos prejuízos
auferidos pela briga de correntes. Sob o aspecto legal, forjavam-se engenhosos
pretextos. Denúncias de fraudes eleitorais ou de incompatibilidade da lei orgâ-
nica municipal face à Carta de 14 de julho justificaram mais de duzentas inter-
venções nos municípios entre 1896 e 1923 (LOVE, 1975, p. 83; PEREIRA, 1923)25.
Porém, tais interventores tinham caráter provisório, embora em alguns
casos até se prolongassem por anos na administração. Os diretores políticos
História Geral do locais, mesmo se submetendo à intervenção, consideravam-na uma anorma-
Rio Grande do Sul
lidade26. A harmonia conquistada pelo acordo e/ou pela intervenção era mo-

24 Ata da Comissão Executiva do PRR de Cachoeira do Sul, 14 de setembro de 1904, n.º 683,
Gunter Axt ABM.
25 Carta de Carlos Maximiliano a Borges de Medeiros, Santa Maria, 28 de março de 1919, nº
8.102, Arquivo Borges de Medeiros.
26 Carta de Ramiro de Oliveira a Protásio Alves, Santa Maria, 30 de março de 1916, nº 8.044,
ABM; MEDEIROS , 1980, p. 184.
114
mentânea e precária. Nos bastidores, as facções continuavam formigando e a
paz precisava então ser permanentemente mediada por Borges de Medeiros.
Por outro lado, em torno do intendente de consenso podia se formar uma nova
corrente política, que se aliava ou não às anteriores27, porque, nos municípios,
por mais que assim o desejasse o poder central, era impossível separar na prá-
tica o plano administrativo do político. Borges de Medeiros esperava que os
adesistas semeados com a intervenção fortalecessem uma facção palaciana.
As intervenções prolongadas, se num primeiro momento robusteciam o
poder palaciano e equacionavam o clima de disputa local, enfraqueciam a or-
ganização partidária28, refletindo sobre o desempenho da legião republicana
nos pleitos estaduais e federais29. Quando se avizinhava uma eleição federal,
começavam as movimentações nos distritos, bem como dos coronéis, visando
à reconstituição da comissão executiva. Por ser figura externa à rede de com-
promissos locais, o intendente provisório tinha dificuldade de arregimentar
o partido para as eleições. As eleições decidiam-se no corpo-a-corpo dos coro-
néis com os cabos eleitorais e eleitores nos distritos, em vista do que os subin-
tendentes, personagens diretamente conectados aos eleitores, eram sempre
figuras-chave. Quando uma facção nova era guindada ao poder, alguns de seus
principais obstáculos para a formatação do domínio residiam na montagem de
um corpo eficiente e leal de subintendentes, com efetiva penetração junto ao
eleitorado. O mesmo acontecia aos interventores30.
As eleições resultavam de um complicado processo que envolvia variá-
veis legais e extralegais. Careciam de unidade jurídica, pois existiam regula-
mentos federais, estaduais e municipais que podiam ser alterados de um pleito
para o outro e, com freqüência, deixavam azo a interpretações conflitantes. A
lei n. 18, de 12 de janeiro de 1897, lançou as bases do processo eleitoral no Rio
Grande do Sul. Inspirada na lei federal de 26 de janeiro de 1892, diferencia-
va-se dela ao propugnar o voto a descoberto, ao regular a cassação de manda-
tos e a condicionar o recurso quanto à ação das comissões de alistamento mu-
nicipais aos juízes da comarca, em primeira instância, e ao Superior Tribunal,
em segunda instância (AXT, 2001b).
Volume 3
27 Carta de Abelino Vieira a Borges de Medeiros, Santa Maria, 24 de julho de 1918, nº 8.089, República Velha
ABM. Tomo I
28 Carta de Carlos Maximiliano a Borges de Medeiros, Santa Maria, 13 de abril de 1920, nº
8.112, ABM.
29 Carta de A. A. de Araújo a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 27 de fevereiro de 1906, III.
nº 721, ABM. Coronelismo
30 Carta de José Claro de Oliveira a Borges de Medeiros, Santa Maria, 15 de outubro de 1919, indomável:
nº 8.106; Carta de Abelino Vieira da Silva a Borges de Medeiros, Santa Maria, 13 de janeiro o sistema de relações
de 1915, nº 8.005; Carta de Jerônimo Gomes a Borges de Medeiros, Santa Maria, 4 de de poder
setembro de 1915, nº 8.032; Carta de Claudino Nunes Pereira a Borges de Medeiros, Santa
Maria, 17 de junho de 1920, nº 8.114. ABM. 115
O governo gaúcho criticou a lei federal 1.269, de 15 de novembro de 1904,
que pretendeu padronizar os procedimentos para os estados e municípios. Na
mensagem presidencial de 20 de setembro de 1905, Borges de Medeiros con-
siderou a medida inconstitucional e atentatória à autonomia regional, pressu-
posto básico do regime federativo, contestando a competência do Congresso
Nacional para legislar sobre as eleições para os cargos municipais e estaduais.
O pomo de discórdia residia nas regras de qualificação de eleitores. Às véspe-
ras de cada eleição, editavam-se leis estaduais e municipais que revisavam as
listas de eleitores qualificados para o exercício do voto, existindo, portanto, re-
lações de eleitores estaduais, federais e municipais. A qualificação de eleito-
res, a cargo das autoridades administrativas e jurídicas alinhadas à situação
dominante, era sempre uma chance para a exclusão da oposição e inclusão dos
partidários31. Além disso, podia-se conceder títulos a falecidos ou menores de
idade, ou cancelá-los, conforme a conveniência de momento.
Nos municípios, a qualificação dos eleitores era atribuição dos chefes, que
organizavam os intendentes, conselheiros, magistrados e cabos eleitorais di-
versos para a consecução da tarefa. Os títulos de eleitores eram confeccionados
pelo Poder Executivo e remetidos aos municípios. Os intendentes, ou os che-
fes políticos por detrás deles, organizavam as eleições, decretando uma res-
pectiva lei orgânica em tempo hábil, onde se estabeleciam regras para a qua-
lificação municipal, quando havia, os impedimentos para candidaturas de con-
selheiros e a quantidade de mesas e sessões, que podiam ser compostas con-
forme as conveniências. A composição das mesas era manipulada pelo chefe
político situacionista e os mesários eleitos a partir de indicações dos eleitores.
Junto às mesas, eram designados fiscais dos partidos. A apuração era execu-
tada por juntas eleitorais formadas de conselheiros, nos municípios, e pela Co-
missão de Constituição e Justiça da Assembléia, nos casos de eleições esta-
duais, para onde também eram enviados os recursos. A Justiça não se envol-
via na apuração. Da qualificação aos recursos de apuração, o processo eleito-
ral nos municípios costumava ser custeado pelos bolsos do próprio coronel, o
qual, uma vez tendo firmado sua facção no poder, achava lícito compensar es-
História Geral do
ses gastos através do tráfico de sinecuras, com comissões cobradas sobre o sa-
Rio Grande do Sul lário de funcionários públicos ou mediante contratos que privilegiassem inte-
resses próximos aos seus32.

31 Carta de Isidoro Neves da Fontoura a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 12 de agosto de


Gunter Axt 1904, nº 677; Carta de Odon Cavalcanti a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 29 de
janeiro de 1916, nº 997, ABM.
32 Carta de Justo Rocha a Abelino Vieira, Santa Maria, 25 de janeiro de 1915, nº 8.007; Carta
de Isidoro Neves da Fontoura a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 7 de dezembro de
1905, nº 709; Carta de Ramiro de Oliveira a Borges de Medeiros, Santa Maria, 3 de setembro
116
Esses procedimentos permitiam a prática de fraudes e arbitrariedades.
Em geral, falava mais alto quem tinha a força pública ou uma cáfila de capan-
gas ao seu dispor. Em alguns casos, as eleições quase se resumiam a demons-
trações de força de ambos os lados, degenerando em conflitos localizados.
A votação nos candidatos se fazia por listas, que eram reproduzidas nas
cédulas, havendo a que correspondia à situação e àquela correspondente à opo-
sição. As listas de candidatos eram organizadas pelo chefe do partido, no caso
de eleições para a Assembléia ou para o Congresso Nacional, ou pelo chefe lo-
cal, no caso de eleições municipais. A clássica composição oligárquica brasileira,
que tinha nas comissões diretoras dos partidos republicanos estaduais o espa-
ço privilegiado de determinação da elite dirigente, através do congraçamen-
to dos chefes políticos mais influentes, comumente oriundos de troncos fami-
liares tradicionais (JANOTTI, 1999, p. 37), não se reproduzia no quadro da che-
fia unipessoal. A larga presença de magistrados e promotores entre a depu-
tação estadual e federal oferece não apenas forte indício da aliança da classe
jurídica com a chefia borgiana, e antes dela com a chefia castilhista, mas tam-
bém do relativo controle dessas chefias sobre os quadros parlamentares. En-
tretanto, Borges de Medeiros dificilmente gozava de autonomia total sobre a
composição das listas, precisando sempre negociar com as outras estrelas da
constelação partidária33.
Da mesma forma, os chefes municipais nem sempre conseguiam impor
todos os nomes ao chefe palaciano, que interferia na relação de candidatos,
especialmente quando o responsável pela situação política local era um inter-
ventor provisório. As cédulas eleitorais eram impressas nas gráficas dos co-
ronéis, os quais, quando traíam a orientação palaciana, furavam as chapas,
alterando a ordem dos nomes ou suprimindo candidatos. Essa fraude, em que
pese ser considerada escandalosa pelos coronéis adversários e de suscitar mui-
ta contrariedade, podia se tornar algo freqüente para as eleições proporcionais
estaduais e federais, constituindo-se numa sublevação de facções do partido
e de alguns coronéis em face da orientação da chefia unipessoal borgiana34.

de 1915, nº 8.030; Carta de Isidoro Neves da Fontoura a Borges de Medeiros, Cachoeira do


Volume 3
Sul, 5 de setembro de 1904, nº 682; Carta de Isidoro Neves da Fontoura a Borges de
República Velha
Medeiros, Cachoeira do Sul, 9 de fevereiro de 1912, nº 818. Arquivo Borges de Medeiros.
Tomo I
33 A imposição por Pinheiro Machado da candidatura de Hermes da Fonseca, em 1915, por
exemplo, suscitou contratempos na relação de Borges de Medeiros com as facções. Em 1920,
a candidatura de Barbosa Gonçalves ao Senado foi o preço para acalmar a dissidência
daquela família jaguaranense. Para as listas da Assembléia, inúmeros são os casos, como o III.
expurgo dos positivistas em 1904 ou a dissidência dos Neves da Fontoura e dos Vargas em Coronelismo
1913, que indicam a falta de controle absoluto de Borges de Medeiros sobre a escolha dos indomável:
candidatos. o sistema de relações
34 Carta de Horácio Borges a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 21 de agosto de 1913, nº de poder
864; Carta de Arlindo Leal a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 23 de agosto de 1913,
nº 868. Arquivo Borges de Medeiros. 117
Realizadas as eleições, era a vez do bico de pena e das atas adulteradas.
Ao sobrevirem os recursos, recontavam-se ou mesmo anulavam-se votações
parciais de algumas urnas. Quando os recursos e as denúncias de fraude eram
muitos, então se abria caminho para uma intervenção palaciana nos muni-
cípios. A última instância de manipulação eram as comissões de verificação de
poderes do Congresso, Assembléia e conselhos. Se no Congresso podiam sur-
gir surpresas, na Assembléia elas estavam afastadas, sendo aí dificilmente
operadas as chamadas “degolas”. A rede de controle palaciana e do PRR en-
carregara-se já de peneirar os candidatos e todos os diplomas costumavam ser
reconhecidos. Se na Assembléia as degolas eram incomuns, bem mais freqüen-
tes eram as renúncias. Motivadas por incompatibilidades suscitadas com o lí-
der partidário, muitas vezes aconteciam logo depois das posses, evitando o
constrangimento da cassação do mandato35.
Em 1913, pela lei eleitoral 152, de 14 de julho, Borges de Medeiros final-
mente cedeu ao princípio que garantia o direito de representação das mino-
rias, que já estava consagrado no país. A partir desse momento, além do cri-
tério de proporcionalidade, deu-se caráter permanente ao título de eleitor e
consignou-se a competência para sua expedição aos juízes da comarca, ou
distritais, na condição de substitutos em caso de ausência dos primeiros. Com
isso, suprimiu-se o complicado sistema de revisão anual por prazo certo, muito
embora as qualificações continuassem acontecendo, pois se alistavam novos
eleitores e os falecidos precisavam ser suprimidos. As decisões dos magistra-
dos quando às qualificações poderiam ser alvo de apelação ao Superior Tribu-
nal por iniciativa de qualquer cidadão (AXT, 2001b).
O decreto 2.235, de 17 de janeiro de 1917, regulamentou o complicado
método de cálculo para definição da extensão dessa representação na Assem-
bléia e nos conselhos. Assim, determinava-se um quociente eleitoral, sendo o
dividendo a soma de votos de cada grupo e o divisor fixo a totalidade dos elei-
tores. Além disso, estabeleceu-se que as mesas seriam presididas pelos juízes
distritais, auxiliados pelos escrivões como secretários. Os demais mesários, em
número de quatro, seriam escolhidos dentre os eleitores, que os elegeriam.
História Geral do Cada grupo de 50 eleitores poderia indicar um mesário. A nova lei limitou a
Rio Grande do Sul interferência dos conselhos e dos intendentes no processo eleitoral. O voto a
descoberto, preconizado por Júlio de Castilhos, foi preservado (Ividem).
Assim, bem ou mal, o processo eleitoral, por mais fraudado e manipula-
Gunter Axt do, não podia ser inteiramente controlado nem pelo poder central nem pelos

35 Carta de Ramiro de Oliveira a Borges de Medeiros, Santa Maria, 13 de abril de 1925, nº


118 8.124, ABM.
poderes locais. Havia sempre uma margem de barganha impressa nesses mo-
mentos, que podia ser maior ou menor, dependendo da conjuntura. O grosso
de nossa historiografia insiste no domínio férreo de Borges de Medeiros so-
bre os municípios, desconsiderando não apenas a força de alguns coronéis e
a necessidade do regime de compor com eles, como demonstrou Félix (1987),
como também a margem de insubordinação dos distritos.
Embora efetivamente a capacidade compressora do borgismo fosse tre-
menda, não faltaram, entretanto, surpresas pregadas pelos eleitores de alguns
distritos. Na Fronteira, como em Livramento, ou em outros municípios do
Centro, como São Sepé e Caçapava, o problema concentrava-se em distritos
tradicionalmente controlados por federalistas, ou pela dissidência, como em
São Gabriel, que resistiam com tenacidade apesar de toda a compressão do
regime. Armadilhas, contudo, podiam estar preparadas naqueles municípios
onde o PRR era hegemônico, precisamente nos distritos que reuniam gran-
de número de pequenas propriedades rurais de imigrantes europeus e seus
descendentes. Esses eleitores, organizados em associações comunitárias civis
ou religiosas, sabiam valorizar o seu passe, respondendo às administrações
distritais corruptas, autoritárias ou ausentes com fortes abstenções, ou mes-
mo com sufrágios aos federalistas em épocas de campanhas federais, o que pre-
judicava o desempenho geral do partido e a legitimidade do regime borgiano36.
Diante desse quadro, certos distritos costumavam ter tratamento espe-
cial da política partidária e das administrações públicas, estadual e municipais.
Em novembro de 1906, por exemplo, um delegado de Borges para as colônias
de Santa Maria, recomendava a construção de uma estrada em Silveira
Martins ao custo de 30 contos, com o fim de empregar os colonos castigados
pela seca e pela praga de gafanhotos, garantindo dessa forma a lealdade dos
mais de 200 eleitores ali residentes, reunidos em torno de um chefe religioso
distrital37. A excessiva demora no atendimento dos pedidos podia corroer a le-
gitimidade dos subintendentes, gerando o risco de protestos, com o deságüe dos
sufrágios nas dissidências, ou mesmo, nos federalistas. Líderes comunitários ou
religiosos, ancilares à estrutura partidária, podiam capitanear os desvios38.
Volume 3
Na “multiplicidade de graus de hierarquia” da rede de compromissos, o República Velha
voto tinha o valor de “posse” traduzido em “um bem de troca”, que fluía no rit- Tomo I

36 Carta de Ramiro de Oliveira a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 7 de novembro de III.


1898, nº 635; Carta de Isidoro Neves da Fontoura a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, Coronelismo
4 de fevereiro de 1906, nº 715; Carta de Isidoro Neves da Fontoura a Borges de Medeiros, indomável:
Cachoeira do Sul, 28 de janeiro de 1910, nº 815. ABM. o sistema de relações
37 Carta de João M. Paldaof a Borges de Medeiros, Santa Maria, 9 de novembro de 1906, ABM. de poder
38 Carta de Horácio Borges a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 15 de fevereiro de 1915,
nº 960, ABM. 119
mo das barganhas, fortalecendo aquele líder que exercia uma “dominação di-
reta” sobre um conjunto de eleitores, os quais tinham, assim, garantida uma
“possibilidade de defesa no grau inferior da escala de poder”, tanto mais po-
tencializada quanto mais aguerrida a luta entre as facções (QUEIROZ, 1989, p.
158-161).
A fraude eleitoral podia sempre corrigir os resultados, mas a insubordi-
nação era ruim para um governo que ancorava sua legitimidade numa idéia
de consenso39. Quando a pressão por uma obra era muito expressiva, Borges
procurava ganhar tempo cooptando-a; alardeando as aperturas do Tesouro,
tentava inicialmente financiá-la mediante a cobrança de um imposto extra so-
bre os colonos, por meio da administração municipal. Mas se a comunidade
era muito unida, podendo oferecer resistências, estimulava a feitura de uma
petição, a qual, intermediada pelos diretores distritais e municipais do parti-
do, seria remetida à Assembléia e aos secretários de Estado, quando então a
intervenção do presidente na liberação dos recursos se daria de forma pater-
nalista, insuflando a mística moderadora. Nesses casos, Borges, em vez de
acumular desgastes, capitalizava as mobilizações comunitárias e reforçava a
hegemonia partidária e governativa40. Onde o poder de engajamento dos elei-
tores era mais tênue, os melhoramentos se faziam mais demorados. Para a
Fronteira, por exemplo, que sofreu os mesmos impactos da terrível seca e da
praga de gafanhotos de 1906 e 1907, não existem notícias de direcionamento
de recursos extraordinários para obras emergenciais, como pontes ou estra-
das, da maneira como se deu para a região colonial.
A força eleitoral e a insubordinação latente dos distritos de colonos podem
ter determinado a resistência de Borges de Medeiros em adotar medidas
nacionalistas, como a proibição de aulas em alemão, após a decretação de guer-
ra do Brasil à Alemanha, em 1917. Da mesma forma, esse aspecto pode ter
pesado no desestímulo disfarçado dos governos do PRR à continuidade do
processo migratório (AXT, 2001).
A Revolução de 1923 alterou profundamente a correlação de forças en-
tre os partidos e as facções. Borges de Medeiros saiu do episódio isolado e der-
História Geral do
rotado. A oposição federalista e dissidente logrou importantes vitórias no Pac-
Rio Grande do Sul to de Pedras Altas, com:
• a proibição de reeleição do primeiro mandatário;
• a adaptação das eleições estaduais e municipais à legislação federal;
Gunter Axt
39 Carta de H. Möller Filho a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 26 de outubro de 1914, n.
º 941, ABM.
40 Carta de Horácio Borges e de Francisco Nogueira da Gama a Protásio Alves, Cachoeira do
Sul, 25 de outubro de 1915, nº 988, Arquivo Borges de Medeiros.
120
• a determinação de nomeação de intendentes provisórios apenas nos
casos de completa acefalia administrativa – sendo que os mesmos te-
riam fixado o prazo de 60 dias para convocar novas eleições;
• consignação à Justiça de competência para julgar recursos referentes
às eleições municipais;
• eleição do vice-presidente do estado nas mesmas condições do presi-
dente;
• garantia de representação federal das minorias em todos os distritos
eleitorais;
• divisão do estado em seis distritos eleitorais, garantia de representa-
ção mínima da minoria na Assembléia de um representante por dis-
trito;
• anistia para os presos e perseguidos políticos gaúchos (AITA; AXT,
1998, p. 272).
Borges de Medeiros permanecia na chefia do PRR e terminaria o seu
mandato, mas o borgismo, como expressão de poder político, ruía. Nas elei-
ções federais de 1924, a oposição conseguiu diplomar sete deputados na Câ-
mara, apresentando desempenho alvissareiro em diversas seções e mesas elei-
torais. Também avançou com sucesso sobre alguns municípios, como São Sepé
(PATROCÍNIO MOTA, 1989) e a região de colonização italiana, tradicional redu-
to borgista (FRANCO, 1998, p. 11-14). Assim, os resultados dos pleitos federal
e municipal de 1924 indicavam que a margem de imponderabilidade na polí-
tica aumentara. Diante da torrente contestatória do início dos anos 20, Bor-
ges de Medeiros precisou novamente de aliados fortes nos municípios para
manter-se no poder, como os Flores da Cunha, em Livramento, Vazulmiro
Dutra, em Palmeira das Missões, ou os Neves da Fontoura, em Cachoeira do
Sul. Assim, passada a quadra revolucionária, as facções palacianas se enfra-
queceram por todo o canto, fortalecendo as lideranças locais41.
A reafirmação das lideranças locais e regionais, bem como da nova gera-
ção de políticos, em face do chefe palaciano ficou evidente por ocasião congres- Volume 3
so do Partido Republicano, realizado entre 5 e 15 de outubro de 23 no Theatro República Velha
Tomo I
São Pedro, em Porto Alegre. O partido, que há muito tempo não se reunia,
foi convocado por Lindolfo Collor e outros correligionários, em plena guerra
III.
civil, para reiterar o confiança dos republicanos na chefia de Borges, gesto que, Coronelismo
indomável:
o sistema de relações
41 Carta de Júlio Nebel a Borges de Medeiros, Santa Maria, 11 de novembro de 1923, nº 8.118; de poder
Carta de Feliciano A. da Silva a Borges de Medeiros, Cachoeira do Sul, 21 de junho de 1925,
nº 1.047, Arquivo BM.
121
em momento de fraqueza do mesmo e de ameaça de intervenção federal, cer-
tamente hipotecou o capital político do líder42.
A manutenção da presidência do estado tivera assim por custo o recuo
do poder político central. Borges de Medeiros deixou de estimular o entrecho-
que de dissidências intestinas para admitir a concentração das forças partidá-
rias, como estratégia de enfrentamento ao inimigo fortalecido. Essa condição
se afirmou ainda mais em vista dos levantes tenentistas e assisistas havidos
a partir de 1924, que espalharam um clima de ingovernabilidade no Rio Gran-
de do Sul (JANOTTI, 1999, p. 106).

Formação do bloco histórico


Apesar do quadro de indistinção entre espaço público e privado a enchar-
car a tecitura de conexões interpessoais, é possível identificar a formação de
uma aliança de frações de classes mais ou menos estável para o período em
tela, conformando aquilo que Gramsci chamou de “bloco histórico”, isto é, a
composição de forças em torno de um governo que dá sentido histórico às po-
líticas desenvolvidas (STACCONE, 1991). Assim, em torno do grupo intransi-
gente e minoritário dos republicanos castilhistas reuniram-se frações da classe
dominante que, ao final do império, foram empurradas para segundo plano,
no que se referia ao domínio do campo político-parlamentar e à distribuição
de recursos geridos pelo estado. Falo aqui especificamente dos charqueadores
e da classe mercantil-financeira urbano-litorânea, estabelecida nas cidades de
Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas (PESAVENTO, 1980; ROCHE, 1969;
LAGEMANN, 1985). Essas frações de classe dominante eram politicamente
minoritárias – já que a composição da Assembléia Provincial era dominada
por estancieiros e bacharéis – e perderam com a implantação da tarifa espe-
cial, na década de 1870, dispositivo negociado com o Governo Geral pelo líder
liberal Gaspar Silveira Martins, que beneficiava o comércio fronteiriço (AITA;
ARAÚJO; AXT, 1996; BARETTA, 1980).
Assim, enquanto a facção castilhista precisava de um aparelho de Esta-
História Geral do
Rio Grande do Sul do autoritário para se consolidar no poder, as frações dos charqueadores e dos
mercadores e financistas litorâneos identificou no projeto intervencionista o
caminho mais fácil para impor sobre o estado uma hegemonia mercantil, cujos
aspectos fundamentais eram: política de capitalização do charque, mesmo que
Gunter Axt esta se desse em prejuízo dos criadores, comprimindo o preço da carne de gado;

42 CONGRESSO do PRR. Porto Alegre: Oficinas Gráficas d’A Federação, 1923, p. 62-63; 67.
122
repressão ao contrabando com o Prata; centralização da atividade mercantil
na Capital, especialmente com a submissão da zona de colonização à esfera de
influência econômica da elite financeira urbana. Portanto, o bloco no poder
constituiu-se com base numa aliança entre frações conservadoras da classe do-
minante que davam sustentação a uma facção política minoritária e autoritá-
ria (PESAVENTO, 1980; ESPÍRITO SANTO, 1982; AXT, 2001).
Esta hegemonia mercantil foi construída com dispositivos, tais como:
a) padronização da matriz tributária, confiscando-se competência dos
municípios na edição de tributos locais;
b) implantação de impostos, como o territorial rural, que transferiram re-
cursos da zona colonial para o setor mercantil e financeiro litorâneo;
c) intervenção no setor de transportes de modo a determinar a conver-
gência da malha ferroviária para a capital e não para outras cidades
do interior, como Santa Maria (cidade bem ao centro do estado) e Rio
Grande (porto de mar);
d) incentivos particularizados para segmentos com investimentos do se-
tor financeiro-mercantil (LAGEMANN, 1985, 1985a; ESPÍRITO SANTO,
1982; LIEDCKE, 1985; MINELLA, 1979, 1985, 1988; AXT, 2001).
Não houve uma política sistemática de valorização da classe média, de
incorporação do proletariado à sociedade e de investimentos direcionados à
zona de colonização, muito embora tais aspectos estivessem presentes no dis-
curso político, por vezes de forma contundente. Borges de Medeiros, por
exemplo, reprimiu o movimento operário em 1919, empurrando-o quase que
na íntegra para a oposição em 1923 (AXT, 2001).
A oposição partidária, por sua vez, batia-se, sobretudo, pela liberdade de
comércio, o que significava o estreitamento da integração com o Prata, a re-
dução das barreiras de importação e a fuga à zona de influência mercantil da
capital. Almejava, além disso, uma política econômica que privilegiasse a fra-
ção dos estancieiros acima de qualquer outra. Pleiteava, por exemplo, a cria-
ção de um banco hipotecário de crédito rural com apoio de recursos públicos
e a instalação de frigoríficos no estado, o que era boicotado pelos financistas ur- Volume 3
República Velha
bano-litorâneos e pelos charqueadores. No início da república, esta facção era Tomo I
majoritariamente parlamentarista, porque acreditava que dispunha do apoio
da maioria dos eleitores e conseguiria no Parlamento fazer valer suas posições III.
econômicas. Já na década de 1920, o parlamentarismo federalista original es- Coronelismo
indomável:
tava praticamente substituído pelo presidencialismo assisista, pois já, então, o sistema de relações
o processo de esvaziamento do Legislativo parecia ser apenas parcialmente de poder

reversível (Idem, 2002b, 2002c, 2002d). 123


A despeito desses grupos de interesses com orientações mais ou menos
estruturadas, um feixe de lealdades pessoais distribuía estancieiros e comer-
ciantes, tanto da Fronteira quanto da Serra e do Litoral, entre o PRR e o Par-
tido Federalista, mais tarde Partido Republicano Democrata e Partido Liber-
tador. Mesmo porque, estando no poder, as lideranças do PRR dispunham de
canais privilegiados de cooptação e de repressão. Afinal, interesses individuais
e imediatos podiam ser privilegiados em detrimento da racionalidade progra-
mática de fração de classe.
O incentivo à industrialização não figurou no discurso da oposição. De
outro lado, muito embora tenha colorido o discurso do PRR, as lideranças go-
vernistas limitaram-se a apoiar na prática apenas aqueles segmentos da indús-
tria que contavam com forte participação do capital de origem mercantil-finan-
ceiro urbano-litorâneo, como, por exemplo, a lavoura capitalista de arroz,
apoiada por incentivos fiscais. Portanto, as indústrias originadas na zona de
colonização, a partir do excedente do capital agrícola e mercantil colonial, não
mereceram maior atenção da elite dirigente. Em nível federal, as lideranças
do PRR apoiaram sistematicamente uma política econômica contrária aos in-
teresses da indústria nascente, advogando com insistência no Congresso
Nacional a redução das tarifas de importação incidentes sobre produtos indus-
trializados (AXT, 2001; FRAQUELLI, 1993; MINELLA, 1985).
A sobrevida do setor charqueador, dos comerciantes de importação das
cidades litorâneas e dos banqueiros regionais deve-se em grande medida ao
incentivo recebido do governo estadual, que em diversos momentos foi obsta-
culizador da diversificação da economia e do progresso econômico. Dois exem-
plos nesse sentido são a instalação tardia dos frigoríficos no Rio Grande do Sul,
programada em 1903, mas tão somente efetivada em 1917, limitando a chance
de capitalização dos criadores e deixando-os à mercê dos charqueadores, e o
boicote à construção de uma usina hidrelétrica no vale do Jacuí, em 1919, que
teria disponibilizado energia abundante e barata à industrialização, mas invia-
bilizaria as concessões ativas nos grandes centros urbanos para as empresas
geradoras de energia térmica, todas vinculadas ao setor mercantil financeiro
urbano-litorâneo (AXT, 2001).
História Geral do
Rio Grande do Sul Portanto, a institucionalização autoritária não foi uma demanda natural
das estruturas sociais, como se chegou a sugerir, frente a qual não se teria op-
ção, nem tampouco produto da informação ideológica positivista, mas, sim, foi
a fórmula encontrada por segmentos específicos da sociedade para a viabili-
Gunter Axt
zação do seu projeto político e econômico.
A forte ideologização que marcou o discurso político situacionista derivou
124 da necessidade de justificar o autoritarismo e a intransigência, atacados pela
oposição partidária. Essa ideologização do discurso foi potencializada em épo-
cas de crise de hegemonia. Foi também facilitada pela organização da Igreja
Positivista Brasileira (IPB) em Porto Alegre e pela participação e colaboração
de positivistas no governo. A homogeneidade discursiva foi ainda reforçada
pela continuidade administrativa, conforme expressão empregada pelos ho-
mens da época.
Todavia, não é a ideologia que explica a opção por certas políticas públi-
cas. A prova mais contundente disso é que, mesmo existindo certa homoge-
neidade discursiva, verificam-se descontinuidades e rupturas conceituais. Por
exemplo, o endividamento externo, que até 1918 era representado como uma
alternativa criminosa de gestão, a partir de 1919 tornou-se aceitável e até mes-
mo desejável. Já a formação de empresas públicas, que em 1905 foi rechaça-
da pela elite dirigente, depois de 1913 revestiu-se da condição de solução para
todos os males da economia. Ainda assim, a intervenção do capital público na
economia era seletiva. O eterno pleito da oposição e dos estancieiros, qual seja,
a instalação de um banco hipotecário estatal, foi repelido pela administração
de Borges de Medeiros. Isso porque competiria com os bancos regionais, cujos
dirigentes eram aliados muito próximos do governo. Outro aspecto cambian-
te diz respeito ao tom xenófobo do discurso político para a área econômica: a
presença do capital estrangeiro no setor de transportes, bem vinda até 1908,
passou a ser criticada a partir daí; por outro lado, os investimentos estrangei-
ros nos frigoríficos a partir de 1917 foram amplamente saudados.

Para concluir:
Existiu no Rio Grande do Sul a mesma indistinção entre espaço público
e privado que marcou o restante do país, ou seja, o mesmo cortejo de fraudes,
de corrupção, de clientelismo, de prevaricação etc.
A principal distinção estava no fato de que no Rio Grande do Sul houve
uma institucionalização autoritária que dispôs nas mãos da elite dirigente ins-
trumentos mais efetivos de intervenção política e administrativa na sociedade.
Esses instrumentos se consubstanciaram no Poder Judiciário, na Brigada Mi- Volume 3
litar, no Parlamento enfraquecido e destituído de competências legislativas, República Velha
Tomo I
no orçamento manipulado e nos artigos constitucionais que permitiam inter-
venções nas situações municipais.
III.
Não obstante, o aparelho de Estado e o aparato burocrático não chega- Coronelismo
indomável:
ram a ser infra-estruturalmente fortes o bastante para impor uma ditadura o sistema de relações
efetiva. A elite dirigente precisava ainda negociar com os coronéis locais. As de poder

eleições, por exemplo, não poderiam ser organizadas sem o concurso habitual 125
do poder privado local. Da mesma forma, a defesa do regime nos momentos
de crise mais aguda da hegemonia, apenas poderia ser garantida mediante o
concurso dos coronéis e de seus corpos provisórios.
O dispêndio com as eleições, por usa vez, não podia ser simplesmente
anulado. Havia necessidade de manutenção do rito eleitoral, pois, dessa for-
ma, atestava-se ao Centro do país e ao Congresso Nacional, junto ao qual a
oposição esmerava-se por denunciar a ditadura castilhista-borgista, que no Rio
Grande do Sul as instituições republicanas estavam preservadas, não haven-
do ditadura nem tampouco oligarquia autoritária. O exército de eleitores,
além disso, proporcionava à elite dirigente uma posição de destaque no cenário
nacional. Outrossim, não era possível realizar apenas as eleições federais,
pois, se assim fosse, haveria uma desmobilização do PRR para o enfrenta-
mento das municipais e estaduais, o que terminaria redundando numa desmo-
bilização e num conseqüente avanço dos oposicionistas.
Assim, não era conveniente extinguir completamente a oposição ao
borgismo, pois a ameaça de um inimigo comum ativo preservava melhor a uni-
dade interna do PRR. Diferentemente do que sustentava o discurso oficial de
legitimação do regime, o PRR era violentamente cindido por facções intesti-
nas, em torno das quais se organizavam redes de compromissos coronelísti-
cos. A tibieza infra-estrutural do aparelho de estado não possibilitava a im-
posição de uma rígida disciplina partidária e de um comando hierárquico ine-
xorável. Em vista disso, a formatação do partido como um bloco monolítico e
homogêneo não apenas era impossível como era inconveniente, pois impor-
taria num recuo da margem de influência do comando central. Portanto, para
Borges de Medeiros era, por princípio, desejável que existissem facções inter-
nas. As eleições, especialmente as municipais, eram uma forma de manter
vivas as facções e um mecanismo para que Borges de Medeiros lograsse en-
fraquecer o poder local, pois era melhor dividir do que somar.
Quando, porém, a disputa tornava-se por demais acirrada, trazendo
ameaças à ordem institucional, ou quando uma facção tornava-se excessiva-
mente poderosa e ensaiava escapar ao controle borgiano, o poder central esta-
dual operava intervenções nos municípios. Embora tenham acontecido com
História Geral do
Rio Grande do Sul relativa freqüência, eram processos traumáticos, que ofendiam a autonomia
local. Por isso mesmo, havia como que uma obsessão em revesti-las de uma
aparência de formalidade jurídica.
A freqüência e a amplitude com que essas intervenções passaram a se dar
Gunter Axt
corroeram a legitimidade do regime no interior do próprio partido dominan-
te, pois a cada intervenção, produzia-se uma cisão. Além disso, a presença
continuada de intendentes provisórios nos municípios contribuiu para a
126
desmobilização do partido e o seu enfraquecimento, o que custou caro a Bor-
ges de Medeiros em 1922. Nessa ocasião, a continuidade de seu governo de-
pendeu de uma negociação com o partido, que tacitamente, em face do enfra-
quecimento do líder, exigiu o refluxo do esquema de moderação política
borgiana junto às facções municipais, garantindo-lhes mais autonomia.
Nesse quadro, um fator complicador para o comando central eram os dis-
tritos coloniais. Baseando sua atividade econômica na pequena propriedade
rural e constituindo lealdades próprias, para cuja cerzidura padres e pasto-
res desempenhavam papel fundamental, os distritos coloniais representavam
uma permanente ameaça de insubordinação. Um subintendente incompe-
tente ou por demais autoritário podia, por exemplo, provocar reações, que
se desdobravam em abstenções nos pleitos eleitorais ou mesmo em sufrá-
gios aos candidatos oposicionistas. Os resultados podiam sempre ser maquia-
dos com o recurso habitual à fraude, mas a imagem de consenso em torno
do regime estaria abalada, o que era ruim para o esforço de legitimação do
poder. Borges de Medeiros, em vista disso, precisava sempre negociar com
tais distritos e com suas lideranças comunitárias. Dessa feita, investimen-
tos como pontes, estradas ou escolas costumavam ser mais freqüentes em
distritos coloniais do que em municípios da Campanha. Consciente disso,
Borges de Medeiros costumava ser contrário às ambições emancipacionis-
tas dos distritos coloniais. Aliás, após a proclamação da república, o PRR
opôs-se sistematicamente à continuidade da imigração induzida, aceitando
tão somente o modelo de imigração espontânea e individual. Portanto, a
zona colonial esteve longe de importar num tranqüilo celeiro de votos para
o borgismo. A região integrou o sistema coronelista de poder porque o esta-
do o integrava como um todo, mas ela sempre desempenhou um fator de ins-
tabilidade para o comando central da rede de compromissos borgiana, por ve-
zes até mais difícil de manejar do que as cisões habituais verificadas no inte-
rior da elite dirigente.
Foi justamente a percepção dos limites intrínsecos a essa dinâmica de po-
der para a afirmação do comando unipessoal que levou a elite dirigente e em-
barcar na aventura intervencionista estatal, pois se imaginava que, com um Volume 3
República Velha
estado infra-estruturalmente melhor equipado, seria mais fácil controlar o co- Tomo I
ronelato local. Com efeito, em 1924, um importante coronel que entrara para
a dissidência em 1904, após a morte de Castilhos, escreveu para Borges de III.
Medeiros dizendo que estaria disposto a reingressar no PRR se o presidente Coronelismo
indomável:
determinasse que a Diretoria de Higiene liberasse uma carga sua de banha o sistema de relações
para exportação, a qual precisava ainda ser transportada pela Viação Férrea, de poder

encampada em 1920. 127


As encampações de 1919 e 20, entretanto, que na perspectiva da elite di-
rigente destinavam-se a golpear as idiossincrasias do poder local, foram
efetuadas no âmbito de uma lógica oligárquica e de exacerbação federativa. O
que pareceu inicialmente ser uma operação financeira perspicaz, que preser-
varia a autonomia estadual, uma vez que evitaria o endividamento externo,
e captaria lucros ao setor financeiro regional, terminou revelando-se um tiro
pela culatra, pois enfraqueceu o comércio e a produção agropecuária, em vir-
tude da retração de meio de circulante e da exploração em moeda estrangei-
ra. A crise econômica que alimentou a contestação política de 1922, impondo,
ainda, a despesa do regime para o enfrentamento da guerra civil, desarran-
jou as finanças estaduais, obrigando o governo Vargas, em 28, a contratação
de um amplo empréstimo externo de consolidação.
A erosão do vínculo estratégico entre a elite dirigente e a fração financeira
urbano-litorânea regional, bem como o acirramento do confronto das demais
frações de classe dominante com a fração hegemônica, desestabilizou a auto-
nomia regionalista e empurrou o Rio Grande do Sul para o mercado financeiro
nacional e internacional, tornando sem sentido a preservação do esquema de
dominação autoritário e autonomista. Por outro lado, as encampações de 1919
e 20 contribuíram para patrimonializar o aparelho de estado, que, podendo
oferecer garantias aos credores, conseguiu captar amplos empréstimos, os
quais terminaram sendo parcialmente direcionados para aprofundar o pro-
cesso intervencionista estatal, de forma a recompor a aliança estratégica de
frações de classe, mas, também, modificando definitivamente a natureza do
estado e constrangendo o coronelismo enquanto sistema de poder.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Gunter Axt

128
Capítulo IV

O PARTIDO FEDERALISTA

Sérgio da Costa Franco

A república, proclamada por via revolucionária em 15 de novembro de


1889, teve, desde seu primeiro dia, um governo provisório que estabeleceu
suas bases e diretrizes fundamentais.

Pelo decreto nº 1 ficou proclamada “provisoriamente e decretada como a for-


ma de governo da nação”, [a república federativa. Pelo seu artigo 2º], “as provín-
cias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados
Unidos do Brasil” [...] “Cada um desses estados – rezava o artigo 3º - no
exercício de sua legítima soberania, decretará oportunamente a sua constituição
definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locais”.

Entretanto, as liberdades projetadas tinham seu limite. Dispunha o ar-


tigo 7º do mesmo decreto: Volume 3
República Velha
Tomo I

Sendo a República Federativa brasileira a forma de governo proclamada, o


Governo Provisório não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local IV.
O Partido
contrário à forma republicana, aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamen- Federalista

to definitivo da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular.


129
As intenções democratizantes pareciam amplas e generosas, a julgar pelo
decreto nº 6, de 19 de novembro, que estabeleceu o sufrágio universal, consi-
derados eleitores “todos os cidadãos brasileiros, no gozo dos seus direitos ci-
vis e políticos, que souberem ler e escrever”. No mesmo rumo de ampliação
da cidadania ativa, veio o decreto 58-A, de 14/12/1889, que considerou “cida-
dãos brasileiros todos os estrangeiros que já residiam no Brasil no dia 15 de
novembro de 1889, salvo declaração em contrário feita perante a respectiva
municipalidade no prazo de seis meses da publicação deste decreto”.
Essas duas providências de generalização do sufrágio tinham a virtude
de ampliar significativamente o corpo eleitoral da nação, mas obviamente al-
teravam e subvertiam o quadro das opções partidárias definido no final do re-
gime monárquico. A legislação eleitoral do império, que fora reformada em
1881, dificultava severamente as condições para o alistamento, estabelecia um
regime censitário rígido, que resultara em drástica diminuição do elenco de
votantes, dadas as dificuldades para a prova judicial da renda pessoal. À sim-
ples medida de ampliar e generalizar o alistamento já impunha dificuldades
sérias para a articulação e o reerguimento dos partidos da monarquia, o libe-
ral e o conservador.

Dificuldades para o exercício da oposição


Marcadas as eleições nacionais para a primeira Assembléia Constituinte,
a se realizarem em 15 de setembro de 1890, surgiram, sucessivamente, dois
diplomas que as regulamentaram: primeiro, o do ministro Aristides Lobo, em
8 de fevereiro, e o segundo, o do seu sucessor, ministro Cesário Alvim, de 23
de junho. Esse, em especial, suscitou a imediata inconformidade das oposi-
ções.
Com a suspensão temporária de várias incompatibilidades, o Regula-
mento Alvim permitia que disputassem o pleito de 15 de setembro, presiden-
tes dos estados em exercício, chefes de Polícia, comandantes de forças de ter-
ra e mar, comandantes de corpos policiais, magistrados e funcionários demis-
História Geral do
Rio Grande do Sul síveis independentemente de sentença. Todo o trabalho de alistamento elei-
toral, organização e localização das seções de votação, bem como a apuração
dos votos no âmbito municipal, tudo ficava confiado ao presidente da Câma-
ra ou da Intendência, órgãos que até então estavam sendo livremente man-
Sérgio da Costa
Franco tidos ou substituídos pelos governantes provisórios estaduais.
Afora várias outras disposições que ensejavam fraudes e distorções da
130 vontade popular, o art. 30 afastava a possibilidade de representação das mino-
rias, ao determinar que “as cédulas para deputados conterão tantos nomes
quantos forem os deputados que o Distrito Federal ou o estado tenha de en-
viar ao Congresso”. Desde muito tempo, a legislação eleitoral do império
contemplava, pela divisão do território provincial em distritos eleitorais ou
pela regra das chapas incompletas, a possibilidade de opositores ou dissiden-
tes enviarem representantes às câmaras. As regras da chapa completa e da
circunscrição única eram, evidentemente, uma regressão, ao desprezarem o
princípio liberal de representação das minorias. De parte, aliás, dos republi-
canos gaúchos, era explícita a intenção de alcançar exclusividade na represen-
tação política. Júlio de Castilhos escrevera em A Federação, de 27/11/1889, a
propósito de pretensões dos velhos partidos monárquicos: “A única coisa que
resta aos nossos adversários é uma razoável e sincera penitência”.
Antes mesmo da edição do Regulamento Alvim, que é de 23 de junho de
1890, o sectarismo praticado pelo Partido Republicano Rio-Grandense e o
exclusivismo com que procurou ocupar todas as posições de mando já tinham
gerado reações. A primeira delas foi a fundação da União Nacional, coligação
de liberais, conservadores e dissidentes republicanos, sem caráter de partido
político, mas de mera aliança dos inconformados e descontentes. O manifes-
to de lançamento dessa coligação data de 8 de junho, publicado nas colunas
de A Reforma em 10 do mesmo mês, onde se lê:

A União Nacional não é um partido que absorvesse todos os outros partidos


nela coligados: a “União” mantém, com plena independência perante o gover-
no, cujos atos e propósitos fiscalizará, completa liberdade. [...]
Não é um partido que vem disputar a outro partido ou a preeminência da opinião
ou a posse do oficialismo; não; é a consciência rio-grandense desperta e revi-
gorada que vem ante o governo e o país demonstrar que eficazmente quer que
a República seja uma verdade, a liberdade, uma realidade.

Essa coligação, que teve como presidente do seu diretório ninguém me- Volume 3
República Velha
nos que o Visconde de Pelotas, primeiro presidente provisório do estado após Tomo I
a proclamação da república, pode considerar-se ancestral do Partido Federa-
lista, nascido dois anos mais tarde.
Na eleição para o Congresso Constituinte, a União Nacional se absteve IV.
O Partido
de apresentar candidatos, alegando falta de garantias, fraude do alistamento Federalista
eleitoral e violências do governo. O Partido Republicano elegeu todos os seus
candidatos, obtendo 35.741 sufrágios o candidato mais votado. Não era gran- 131
COSTA, 1922.
de performance, considerando que o alistamento
eleitoral de 1890 alcançara 73.762 eleitores. O dis-
sidente republicano Barros Cassal, único oposicio-
nista a disputar o pleito, obteve 7.219 votos, quase
um décimo do eleitorado total.

Eleição estadual de maio de 1891


A primeira ocasião em que as oposições rio-
grandenses, articuladas, procuraram enfrentar nas
urnas o Partido Republicano foi nas eleições para a
Barros Cassal
Assembléia Constituinte do Estado, realizadas em
5 de maio de 1891.
Diante da convocação das eleições, as oposi-
ções se articularam em 23 de abril para disputar o pleito sob o rótulo do “Par-
tido Republicano Federal”. A gestação desse partido foi difícil, pois envolvia a
fusão da União Nacional com os dissidentes republicanos da corrente de De-
métrio Ribeiro e Barros Cassal. Na União Nacional predominavam os quadros
oriundos do antigo Partido Liberal, de inclinação parlamentarista, enquanto
os dissidentes demetristas e cassalistas eram declaradamente favoráveis ao
sistema presidencial.
O visconde de Pelotas, presidente da coligação oposicionista, tivera a
iniciativa da articulação pré-eleitoral. Mas muitas dificuldades se opuseram
à formação de uma chapa unitária. Lê-se em carta do visconde ao seu amigo
general José Simeão:

Foi baldado tudo que fizemos para obtermos do dr. Demétrio que se ligasse
à União Nacional para o próximo pleito eleitoral, dando-lhe nossa chapa 20
candidatos. Queria, porém, 24, ao que não nos foi possível anuir, pois ficaría-
mos assim iguais na Constituinte” (In: CÂMARA, 3º vol., doc. n. 106, p. 365).
História Geral do
Rio Grande do Sul
A negociação só se consumou com a adoção do nome de Partido Republi-
cano Federal e a inclusão dos dissidentes, respeitada a predominância de ele-
mentos da União Nacional. Em 28/04/91, o Visconde de Pelotas, em carta ao
Sérgio da Costa
Franco dr. Adriano Nunes Ribeiro, dava por finda a missão do diretório da União
Nacional, em vista da constituição do Partido Republicano Federal. Esse, em
verdade, só funcionaria para a disputa das eleições de maio.
132
Nesse pleito, apesar da coerção e das fraudes patrocinadas pelo gover-
no do estado em favor do Partido Republicano, a oposição teve um desempe-
nho expressivo e satisfatório, atingindo, seu candidato mais votado, a cifra de
18.214 votos, enquanto os candidatos da chapa oficial obtinham perto de 29 mil
sufrágios. Se vigorasse uma regra de representação proporcional, mais de um
terço das cadeiras da Constituinte tocariam à oposição. O Partido Republica-
no Federal foi vitorioso em Alegrete, Bagé, Cacimbinhas (Pinheiro Machado),
Dom Pedrito, Lavras do Sul, São Lourenço do Sul, Taquara e Viamão. Em Por-
to Alegre também teria vencido, se não tivesse ocorrido a anulação de uma urna.
Como registramos em A Guerra Civil de 1893 (UFRGS, p. 24), “nunca mais, até
1930, a oposição conseguiria alcançar uma tal proporção de sufrágios (37%): nem
em 1907 com Fernando Abbott; nem em 1922 com Assis Brasil”.

Retorno de Silveira Martins e fundação


do Partido Federalista
Revogado que fora o desterro de Gaspar Silveira Martins (pelo decreto
federal 1.037, de 19/11/1890), o líder liberal retornou ao Brasil em janeiro de
1892, chegando ao Rio de Janeiro em 5 de janeiro e a Porto Alegre em 21 de
fevereiro, cercado de calorosas manifestações populares de aplauso e solida-
riedade. Durante sua ausência, a conturbação política fora uma constante e o
estado tivera, sucessivamente, cerca de 10 presidentes em pouco mais de dois
anos. No momento de seu retorno, achava-se no poder João de Barros Cassal,
da dissidência republicana, hostil tanto aos castilhistas quanto aos velhos libe-
rais partidários de Silveira Martins.
A despeito da transitória aliança que acontecera em 1891 para a disputa
das eleições estaduais, não havia possibilidade de uma coligação sólida entre
gasparistas e cassalistas, pois estes eram também partidários de um presiden-
cialismo forte e sofriam marcada influência das idéias positivistas de Demé-
trio Ribeiro. A constituição promulgada provisoriamente por Barros Cassal
em 29/03/1892, embora mais liberal que a carta castilhista de 1891, dela não Volume 3
se afastava substancialmente. República Velha
Tomo I
O chamado Governicho – seqüência de juntas governativas e governantes
provisórios –, que se achava no poder desde a derrubada de Castilhos em 12
de novembro de 1891, marcara eleições para uma convenção rio-grandense, IV.
O Partido
porém o pleito foi sendo sucessivamente adiado. Designado inicialmente para Federalista
25 de fevereiro, a eclosão de um motim castilhista em 4 do mesmo mês, na ca-
pital do estado, determinou seu adiamento para 21 de março, depois para 13
133
de maio, e, ao final, para 21 de junho. Antes disso, porém, o Governicho foi
derrubado a 17 de junho, e Júlio de Castilhos reposto no poder.
A preocupação de Gaspar Silveira Martins em fundar um partido inde-
pendente e forte tinha em vista simultânea luta contra o castilhismo e contra
o Governicho, e, obviamente, a participação nas eleições que se aproximavam,
com uma defesa articulada dos princípios liberais. Durante a sua longa ausên-
cia, a liderança da oposição ao grupo de Júlio de Castilhos havia tocado ao vis-
conde de Pelotas, em Porto Alegre, e ao veterano general João Nunes da Sil-
va Tavares, que tinha em Bagé o foco de suas atividades. Em fevereiro, quan-
do Silveira Martins chegou a Porto Alegre, o visconde de Pelotas encontrava-
se gravemente enfermo, ficando na liderança do movimento o general Silva
Tavares, oriundo do Partido Conservador e, durante muito tempo, adversá-
rio de Silveira Martins. Foi do velho político conservador que partiu o convi-
te para a reunião de oposicionistas em Bagé. No Fundo visconde de Pelotas,
do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, figura o
telegrama passado ao visconde pelo general Joca Tavares, datado de Bagé em
12 de março: “Comunico convidei telegrama todos chefes locais estado reunião
aqui 31 corrente afim tratarmos reconstrução estado”.
Apesar do velho antagonismo que separava Silveira Martins e os Silva
Tavares, o líder liberal não deixou de atender ao apelo do chefe conservador,
o qual, aliás, no fim do período monárquico, havia aderido, com seus familia-
res, ao Partido Republicano. Relata a crônica de Bagé, que, após ser recebido
com grandes manifestações de apreço, Gaspar Silveira Martins, acompanha-
do pelos manifestantes, dirigiu-se à casa de Joca Tavares para reconciliar-se
com o antigo adversário.
Num dos clubes recreativos locais, Sociedade Congresso Familiar, conhe-
cida como “Bailante”, reuniram-se a 31 de março cerca de 80 líderes, que tan-
tos são os signatários da ata da primeira reunião. Em telegrama transcrito pelo
jornal O Mercantil, de 1º/04/1892, consta uma cifra menor: “Estão presentes
73 chefes políticos. Reunião hoje à noite grande entusiasmo”.
História Geral do Depois de haverem proclamado, por proposta de Silveira Martins, a can-
Rio Grande do Sul didatura de João Nunes da Silva Tavares (Joca) ao governo do estado, os con-
gressistas deliberaram fundar o Partido Federalista, desde logo adotando o
seguinte programa:
Sérgio da Costa
Franco
a) substituição da Constituição comtista do estado por uma constituição repu-
blicana representativa modelada segundo os princípios do governo parlamentar;
134
b) eleição do presidente por quatro anos, não podendo ser reeleito para o
período seguinte;
c) eleição da Câmara pelo período de quatro anos, por distritos eleitorais,
voto incompleto, renovação do mandato bienalmente por metade;
d) iniciativa do governo e Câmara na apresentação das leis, com exceção das
que competirem exclusivamente a esta;
e) autonomia municipal;
f) poder judiciário do estado; juízes municipais ou distritais nomeados pelos
governos municipais; juízes de direito nomeados pelo governo do estado,
conforme as determinações da lei;
g) liberdade de imprensa, sujeito o julgamento das publicações criminais aos
tribunais ordinários.

Tratava-se, como se vê, de um programa voltado para a conjuntura do es-


tado do Rio Grande do Sul, sem contemplar qualquer proposta de sentido
nacional. Compreende-se: o partido se formava mediante a aglutinação de vá-
rias tendências, tendo em vista, especialmente, a proximidade de um pleito
eleitoral do estado. Apenas o nome de “Federalista”, já utilizado pelos liberais
catarinenses que haviam derrubado em dezembro de 1891 o presidente Lauro
Müller, em circunstâncias similares à derrubada de Castilhos, dava-lhe certa
conotação nacional.
A base de sustentação do novo partido mostrava-se forte. Embora com
predominância de elementos da Fronteira, especialmente de Bagé e Santa-
na do Livramento, havia representantes de Porto Alegre, como o médico José
Bernardino da Cunha Bittencourt, ex-deputado conservador; Apolinário Por-
to Alegre, um dos fundadores do Partido Republicano e eminente escritor;
Emílio da Silva Ferreira, comerciante e líder maçônico, e Joaquim Pedro Sal-
gado, ex-deputado liberal. Passo Fundo fazia-se presente com o advogado
Antônio Prestes Guimarães, ex-deputado liberal. Caçapava do Sul enviava
Volume 3
Laurentino Pinto Filho. Pelotas tinha representantes na pessoa do dr. Leopol- República Velha
Tomo I
do Antunes Maciel (barão de São Luís) e de Eliseu Maciel. São Gabriel com-
parecia com José Serafim de Castilhos, mais tarde conhecido como “Juca Ti-
gre”, Subscreveram o manifesto, além de Gaspar Silveira Martins, os três Silva IV.
O Partido
Tavares – Joca, Francisco e José Bonifácio –, Rafael Cabeda, mais além uma Federalista
figura estelar do Partido, o médico Ângelo Dourado, cronista da obra Volun-
tários do martírio, e outras figuras de destaque. 135
Do sumário exame desse primeiro programa de 1892, verifica-se que nele
levantava-se a bandeira do parlamentarismo, com a simultânea derrogação da
Constituição Estadual de 14 de julho; propunha-se diminuição do mandato do
presidente do estado, de 5 para 4 anos, com proibição de reeleição; projeta-
va-se a eleição de deputados à Câmara (Assembléia Estadual) por distritos,
com sistema de voto incompleto para garantir representação da minoria; dava-
se ao Legislativo atribuições de propor projetos de lei, o que aberrava da cons-
tituição castilhista.
Desse programa, aprovado entre os dias 31 de março e 1º de abril de 1892,
nada chegou sequer a um debate pré-eleitoral, porque, a 17 de junho, Júlio de
Castilhos, apoiado pelo marechal Floriano, voltou ao poder no estado e res-
taurou a vigência da Constituição de 14 de julho. Logo se fez substituir por vice-
presidentes (sucessivamente Vitorino Monteiro e Fernando Abbott) que inau-
guraram um período de severa repressão aos adversários. Uma nova eleição,
que a oposição não teve condições de liberdade para disputar, renovou em no-
vembro o mandato de Castilhos, com votação inferior à metade do eleitorado
inscrito.
Já então tudo se encaminhava para a guerra civil, que os federalistas pre-
paravam afanosamente. Em fevereiro de 1893, depois de empossado Júlio de
Castilhos na presidência do estado, a insurreição se declarava na região de
Bagé, com a invasão do caudilho Gumercindo Saraiva.

Reação armada – guerra civil de 1893 a 95


A revolução, que entrou para a história com a denominação de “Federa-
lista” foi de fato comandada pelo partido que Silveira Martins e os Silva Tava-
res haviam fundado no ano precedente. Se cotejarmos os 46 nomes do mani-
festo que os comandantes da rebelião assinaram em Santana do Livramento
em 15 de março de 1893, vamos encontrar nada menos de 17 fundadores do
partido, signatários da ata de 31/03/92: Joca Tavares, Rafael Cabeda, Guerreiro
História Geral do
Rio Grande do Sul
Vitória, José Bonifácio da Silva Tavares, Laurentino Pinto Fº, Antônio Barbosa
Netto, Ladisláo Amaro da Silveira, Antero A. da Cunha, José Serafim de
Castilhos, Antônio Prestes Guimarães, Tomaz Mércio Pereira, José Bernar-
dino Jardim de Menezes, Gaspar Barreto, Israel Caldeira, Malaquias Perei-
Sérgio da Costa
Franco ra da Costa, João José Damasceno e Severino Coelho Brazil.
Da insurreição, saíram os federalistas com a alcunha de “maragatos”, alu-
136 são depreciativa aos comandados de Gumercindo Saraiva, que procediam, em
parte, do Departamento
de San José, no Uruguai,
com forte presença de
originários da região espa-
nhola da Maragatería.
No ensaio que publi-
camos sobre a guerra civil
de 1893, tentamos uma
sumária caracterização
daquele conflito bélico:

A idéia central 1894. Federalistas a caminho de Curitiba.


do pensamento Casa da Memória, Curitiba. Museu do Trópico, Castro. Ruas; Bones, 1997.

federalista era a
da liquidação do castilhismo, representado sempre como a encarnação de uma
tirania opressiva, cruel e desligada da opinião pública. Esse ódio ao partido de
Castilhos estendeu-se depois ao marechal Floriano, desde que o presidente
ofereceu mão forte ao governo do Rio Grande e desde que à revolução se
associou à Armada.
A frente única formada entre federalistas, republicanos demetristas, Custódio
de Melo e seus companheiros da Armada, Saldanha da Gama e seu grupo,
jamais funcionou satisfatoriamente, porque os objetivos de cada uma dessas
facções apenas em parte eram coincidentes. [...]
Em contrapartida, o que se observa entre os legalistas é uma unidade extraor-
dinária. A influência de Júlio de Castilhos se alastrara do meio civil para o militar
e, somada à ascendência moral do marechal Floriano, instilava nos chefes das
colunas republicanas uma inquebrantável mística de fidelidade às instituições.
Os legalistas estavam convictos do caráter restaurador da insurreição. E esse
prejulgado, que algumas atitudes dos federalistas não deixavam de justificar, teve
a virtude de eletrizar os defensores do governo.

Volume 3
República Velha
A guerra civil, como se sabe, não se limitou às fronteiras do Rio Grande Tomo I
do Sul, estendendo-se aos estados de Santa Catarina e Paraná e esteve a pi-
que de penetrar em São Paulo. Em 1895, entretanto, já refluíra para o Rio
Grande do Sul, dado que a Esquadra insurreta havia sido derrotada e o gover- IV.
O Partido
no retomara o controle do Paraná e de Santa Catarina. Federalista
Nesse momento, já estando na presidência da República o paulista Pru-
dente de Moraes, desenvolveram-se os trâmites da pacificação, de uma par- 137
te o Exército Nacional, representado pelo general Inocêncio Galvão de
Queiroz, e de outra os líderes do Partido Federalista, Joca Tavares e seu ir-
mão Francisco da Silva Tavares.
O fato de a pacificação haver-se processado através de negociações dos in-
surgentes com o governo federal, conservando-se à margem o governo esta-
dual, gerou certa inconformidade de parte de Castilhos, embora Prudente de
Moraes tenha timbrado em respeitar a autonomia do estado e a preservação
de suas regras constitucionais, que os federalistas insistiam em submeter à
revisão. O negociador federal, general Inocêncio Galvão de Queiroz, revelava
nítidas simpatias pelo federalismo, o que foi objeto de observação explícita do
presidente Prudente de Moraes em telegrama dirigido àquele militar:

Nosso papel aí é de conciliador; entretanto noto que em vossa correspondên-


cia vos referis aos rebeldes com benevolência e com azedume ao governo do
estado e seus amigos (MEDEIROS, p. 64).

Houve mesmo a intenção de receber Joca Tavares em Pelotas com hon-


ras militares, o que não aconteceu diante dos protestos do governo gaúcho e
de advertência do presidente da República. Em dado instante, parece certo
que o general Queiroz alimentou o sonho de se fazer aclamar presidente pro-
visório do estado, o que determinou reações muito enérgicas de Júlio de Casti-
lhos, inclusive com a ameaça de ações armadas.
É certo que o tratamento benevolente dispensado por Queiroz aos líde-
res federalistas concorreu para levantar o ânimo dos rebeldes, depois de dois
anos acabrunhantes de uma difícil guerra de movimento, com repetidos fra-
cassos militares e pesados sacrifícios materiais e de vidas. Essa injeção de âni-
mo, que lhes vinha do governo federal e de autoridades do Exército, certamen-
te condicionou os federalistas a logo tratarem da reorganização de seu partido.
O autoritarismo de Castilhos já suscitara, dentro de seu próprio grupo
resistências expressivas que se traduziram na formação, ainda em julho de
1896, com anterioridade à reorganização dos federalistas, de um Partido Re-
História Geral do
Rio Grande do Sul publicano Liberal, reunindo membros da antiga dissidência demetrista (De-
métrio Ribeiro, Barros Cassal, Antão de Faria) com os chamados “autono-
mistas” ou “nórmicos”, liderados por Homero Baptista, Álvaro Baptista, Pedro
Moacyr, Francisco Miranda, Alcides Lima, Setembrino de Carvalho e outros.
Sérgio da Costa
Franco A atividade desse partido, que teve curta duração, centrava-se em torno
do jornal A República, fundado por Homero Baptista, Álvaro Baptista e Fran-
cisco Miranda, ainda em julho de 1894, em plena guerra civil. Era de seu pro-
138
Estado-maior do
general Joca Tavares:
(a partir da esquerda)
Augusto Tavares,
Zeferino Augusto da
Costa Filho e Antônio
Andrade Silveira.

grama a revisão da Constituição estadual, para afeiçoá-la às regras da federal,


e a defesa da autonomia municipal. Receberam, seus fundadores, o rótulo de
“nórmicos”, porque alegavam que o Partido Republicano Rio-Grandense havia
se afastado das “normas” consagradas em seu nascedouro e durante a propagan- Volume 3
República Velha
da republicana. Tomo I
Frustrada uma tentativa de sua fusão com o Partido Federalista em 1897,
a agremiação partiu para dissolver-se, fosse pela adesão de seus membros àquele
grêmio político (caso de Pedro Moacyr), fosse pela reincorporação ao Partido Re- IV.
O Partido
publicano histórico (caso dos Baptistas). A rejeição à fusão partiu do próprio Federalista
Silveira Martins, quando teria proferido sua famosa sentença: “Idéias não são
metais, que se fundem”. 139
1894. Invasão de Tijucas, no Paraná, pelo exército federalista.
Casa da Memória, Curitiba. RUAS; BONES, 1997.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Sérgio da Costa
Franco

140
Oficiais federalistas:
(a partir da esquerda)
Torquato Severo,
Vasco Matos, Aparicio
Saraiva e o médico
Ângelo Dourado,
autor do livro
Voluntários do
Martírio.
Coleção Museu
Paranaense.
RUAS; BONES, 1997.

Janeiro de
1894. Gumer-
cindo Saraiva
chegando em
Curitiba.
Coleção Museu
Paranaense. RUAS;
BONES, 1997.

Volume 3
República Velha
Tomo I

IV.
O Partido
Federalista

Registro fotográfico da técnica da degola pelos federalistas.


141 , 1997.
Casa da Memória, Curitiba. RUAS; BONES
O congresso de 1896 e o novo programa federalista
Ainda sangravam, em agosto de 1896, as feridas da guerra civil, quando se
reuniu em Porto Alegre um novo congresso do Partido Federalista, presidido
por Gaspar Silveira Martins. Fazia exatamente 1 ano desde que a pacificação fora
acordada na conferência de Pelotas, entre Joca Tavares e o general Galvão de
Queiroz. A data de 23 de agosto não teria sido escolhida aleatoriamente?
Pelo discurso que Silveira Martins proferiu na ocasião, conhecido através
de um extenso resumo, pode-se ter idéia do pensamento que predominou na
reunião oposicionista e que afinal se corporificou no programa então aprova-
do, não mais um programa de ação regional como o de 1892, mas um plano
de ação com ambições nacionais.
Alguma discordância aconteceu entre os congressistas, tanto que, do re-
sumo da oração de Silveira Martins, consta o seguinte:

Discorda da opinião do conselheiro Henrique D’Ávila no tocante à organização


partidária. O partido não pode ser formado por todos, porque um partido precisa
ter programa, ter idéias, e só podem pertencer àquele os que estiverem de
acordo com esse programa e com essas idéias.

Possivelmente estivesse em discussão a inclusão dos nórmicos, que Silvei-


ra Martins não queria acolher. E continua o registro:

Também não está de acordo com o dr. Wenceslau Escobar quanto ao adiamen-
to da propaganda para a revisão da Constituição Federal. Não somos governo:
precisamos, pois, ter um programa para quando o formos. – O programa de
um partido é uma coisa vasta; o programa de um governo é limitado. O pri-
meiro pode levar vinte anos para ser realizado; o segundo pode ser esgotado
em pouco tempo. Quanto ao estado, não temos uma Constituição a reformar;
temos uma Constituição a substituir. – Tal pensamento já foi acentuado no
Congresso de Bagé; já está firmado como programa do partido e já foi consa-
História Geral do
Rio Grande do Sul
grado pela revolução e pela maioria do povo rio-grandense. – Temos hoje a
traçar o nosso programa quanto à Constituição federal, que é um maquinismo
mal organizado.

Sérgio da Costa
Franco Segundo José Júlio Martins, Wenceslau Escobar defendera a tese de que
o partido aceitasse transitoriamente o presidencialismo da Carta federal de
142
1891, para depois empreender a defesa do sistema parlamentar.
O programa adotado pelo congresso de 1896 tem inegável sentido centra-
lizante, sobretudo pelos seus itens V e VI. Pelo item V, defendeu-se a

nomeação, pelo primeiro magistrado da República, de um delegado político em


cada estado, encarregado de fiscalizar o cumprimento de todos os serviços a
cargo da união, de modo que, a par da descentralização administrativa, haja a
centralização política, tornando forte e respeitado o governo federal. [...] [E o
item VI propunha] intervenção voluntária do governo federal, independente de
reclamações dos governadores dos estados, no caso de guerra civil.

Colhe-se dessa postura política que a escolha do próprio nome do parti-


do – Partido Federalista –, decorreu do espírito que o norte-americano
Alexander Hamilton imprimiu ao seu Federalist Party, ou seja, o de reforçar
a competência e os poderes da União em detrimento dos estados. Félix C.
Rodrigues (Velhos rumos políticos, 1921, p. 278) confirma essa identificação
entre o partido brasileiro e o de Hamilton. Uma posição diametralmente opos-
ta à que sustentara Júlio de Castilhos perante o Congresso Constituinte de
1891, quando disse que o importante era proteger os estados contra a absor-
ção central e quando insistiu em reforçar e consolidar as franquias estaduais.
Cabe lembrar que “federales” também se chamavam os partidários de Mitre
na Argentina, em oposição aos defensores do regime rosista de confederação,
que tornava soberanas, e não simplesmente autônomas, as províncias. Os pre-
cedentes históricos, dos Estados Unidos e da República Argentina parece que
explicam a escolha do nome de “Partido Federalista”.
Os outros pontos do programa aprovado em 1896 eram:

I – República parlamentar;
II – Eleição do presidente pelo Congresso Nacional;
III- Reforma da bandeira nacional com a absoluta supressão do lema da religião
anticristã de Augusto Comte; Volume 3
República Velha
IV – Os militares em atividades não poderão votar; no caso de serem eleitos, Tomo I

só poderão exercer a função política mediante prévia reforma ou demissão do


serviço do Exército.
IV.
O Partido
Federalista
Os itens V e VI já foram antes citados, ambos tendentes a reforçar as prer-
rogativas da União Federal. 143
Em relação à política do estado, o congresso manteve e confirmou o pro-
grama proposto em 31 de março de 92 pelo congresso de Bagé.
Sobre a reforma da bandeira nacional, vale registrar o pronunciamento
de Silveira Martins:

A Pátria precisa de um símbolo, que é a sua bandeira. Entretanto, os fundado-


res da república foram escolher para símbolo da pátria um lema que não repre-
senta as nossas tradições, que é apenas o lema de uma reduzida seita.
Quiseram lisonjear uma religião e foram procurar uma que é professada apenas
por insignificante minoria do país.
Então mais justo fora sagrar a religião católica, porque esta é a religião do povo
brasileiro.
O comtismo é uma religião civil, sem Deus e sem moral. Em política, o ideal
de Augusto Comte é o czar da Rússia, o sultão da Turquia, o despotismo, o
absolutismo. E é estranho que se fosse procurar essa religião sem Deus e sem
moral, quando todos os povos a repelem.

A propósito da participação dos militares na política, o organizador do


Partido, depois de afirmar que nunca fora inimigo do Exército, frisou:

A França tem sido por nós imitada em muita coisa. Não o foi, porém no to-
cante à organização do exército, pois é sabido que ali o militar não pode votar
nem ser votado. O orador tem recebido muitas adesões de militares nesse
sentido.
Não querem essa medida os retóricos, os que preferem viver nas Câmaras a
viver na fileira.

A morte de Silveira Martins e seu


História Geral do testamento político
Rio Grande do Sul

Silveira Martins morreu subitamente em Montevidéu a 23 de julho de


1901. Por esse tempo, conspirava-se no Rio Grande do Sul, no sentido de uma
Sérgio da Costa nova rebelião federalista, com a qual estariam comprometidas figuras tão im-
Franco portantes quanto os generais Hipólito Ribeiro e Carlos Telles. Hipólito, ex-co-
mandante de forças castilhistas na guerra civil, estava na estação ferroviária
144 de Paso de los Toros para encontrar-se com Silveira Martins, quando recebeu
a notícia da morte do tribuno. Com diverso objetivo, achava-se em Montevi-
déu o advogado Pedro Moacyr, do diretório central do Partido Federalista, a
fim de entender-se com o líder para a definição e explicitação de um progra-
ma de reformas políticas para o país. Segundo declarou Pedro Moacyr em dis-
curso nas exéquias do líder, estivera com ele na véspera e conversara longa-
mente sobre “a remodelação nacional do Brasil republicano” e “sobre suas
idéias de revisão constitucional”.
Dessa entrevista teria nascido o chamado “testamento político” de Silveira
Martins, apresentado ao país em 03/09/1901 para ser um novo projeto do Par-
tido Federalista, firmado por Pedro Moacyr, Rafael Cabeda, Barros Cassal e
Alcides de Mendonça Lima. Foi ele divulgado no dia seguinte pelo Jornal do
Comércio do Rio de Janeiro.
Esse programa, que de imediato não recebeu o aval de alguns setores do
partido, especialmente por parte do conselheiro Antunes Maciel, poderosa li-
derança de Pelotas, só muitos anos mais tarde seria adotado, em parte, num
congresso partidário. Desdobrava-se, ele, em vinte e dois itens, a saber:

1º) Eleição do presidente da República pelo Congresso Nacional (sistema francês);


2º) Supressão conseqüente do cargo de vice-presidente da República.
3º) Ampliamento dos casos de intervenção federal nos estados (sistema argen-
tino, em fundo).
4º) Os ministros poderão assistir às sessões do Congresso, tomar parte no
debate e responderão às interpelações na Câmara, mediante aprovação, pela
maioria, da proposta de interpelação proposta por qualquer deputado.
5º) Os ministros reunir-se-ão em gabinete, ou conselho, havendo um presi-
dente, sob a direção do presidente da República, com responsabilidade solidá-
ria nas questões políticas e de alta administração.
6º) Os ministros serão livremente nomeados e demitidos pelo presidente da
República, que, porém, será obrigado a demiti-los sempre que o Congresso,
reunido em comissão geral, manifestar-lhes desconfiança por dois terços dos Volume 3
presentes. República Velha
Tomo I
7º) O mandato presidencial será de sete anos, o da Câmara dos Deputados de
quatro anos, e o do Senado Federal, de oito anos, sem renovação parcial.
8º) A Câmara será reduzida a cento e cinqüenta deputados, aproximadamente, IV.
estabelecido novo e mais largo quociente para a representação. O Partido
Federalista
9º) Não haverá subsídio nas prorrogações, podendo o Congresso funcionar
cinco meses.
145
10º) As Constituições dos estados serão revistas pelo Senado Federal, que
lhes dará o tipo político uniforme da União.
11) Sempre que houver reforma constitucional em um estado, será submetida
à aprovação do mesmo Senado, sem a qual não prevalecerá.
12) Unidade de direito e de processo.
13) Das decisões finais das magistraturas locais, haverá sempre recurso volun-
tário para a Justiça Federal, que, além dos órgãos existentes, terá tribunais regio-
nais de revista no sul, norte e centro da República.
14) Ao Supremo Tribunal Federal incumbirão, além das atuais atribuições, o
processo e o julgamento nos crimes políticos de responsabilidade dos altos
funcionários da União e dos estados.
15) As rendas e impostos da União e dos estados sofrerão nova e radical dis-
criminação, de modo a ficar aquela dotada com mais abundantes recursos.
16) Os estados não poderão contrair empréstimos externos sem prévia apro-
vação do Senado Federal.
17) Os estados não poderão organizar polícias com caráter militar, isto é, com
o armamento, tipo e mais condições peculiares ao Exército e à Guarda Nacio-
nal, incumbindo o serviço de segurança a guardas civis, de exclusiva competên-
cia municipal.
18) Reverterão ao domínio da União as terras devolutas.
19) Os governos estrangeiros não poderão adquirir imóveis no território nacional
sem expresso consentimento do Poder Executivo.
20 ) Haverá uma só lei eleitoral para todo o país (União, estados e muni-
cípios).
21) Será mantida a autonomia municipal, porém, as leis orgânicas respectivas e
as de orçamento submetidas à aprovação das legislaturas estaduais.
22) Os presidentes dos estados serão eleitos por sufrágio direto de cada um,
em lista tríplice, da qual o Senado Federal escolherá o presidente do estado,
ficando os outros votados classificados 1º e 2º vice-presidentes.

História Geral do
Rio Grande do Sul Apesar do respaldo que lhe foi dado por quatro eminentes figuras do par-
tido, secundadas por outros líderes, o “testamento político” de Silveira Martins
nunca foi oficialmente adotado como programa partidário. O Congresso de
Sérgio da Costa
1917, como adiante se verá, acolheu diversos de seus itens, mas foi omisso
Franco quanto a outros tantos. Aparentemente, as resistências se endereçavam aos
pontos específicos do funcionamento do sistema parlamentar de governo e à
146 forma de eleição do presidente do estado.
O congresso de 1901 em Bagé
Pouco depois da divulgação do manifesto que tornou público o testamento
político de Silveira Martins, fez-se a convocação de um novo congresso fede-
ralista, aprazado para 20 de novembro em Bagé. Subscreveram a convocação,
o marechal Augusto Cezar, Vicente Saldanha, Albino Pereira Pinto, Fortunato
Barreto e Wenceslau Escobar.
Sob a presidência do general Joca Tavares, o congresso demonstrou que
não se submetia servilmente ao pensamento do líder falecido. Já sob a expec-
tativa de um movimento nacional de revisão constitucional que se anunciava
em São Paulo, os congressistas de 1901 assumiram uma postura
contemporizadora, adotando como resolução a proposta apresentada pelo co-
ronel José Bonifácio da Silva Tavares, irmão de Joca:

O Congresso Federalista convocado a reunir-se no dia 20 de novembro de


1901, em Bagé, resolve adiar a discussão dos programas de 23 de agosto de
1896 e 3 de setembro de 1901, o primeiro que é a lei vigente do partido re-
publicano federalista, e o segundo que foi proposto pelos srs. Rafael Cabeda,
drs. Pedro Moacyr, Alcides Lima e Barros Cassal, e nomear uma Comissão
composta de dois membros, incumbida de representar a oposição deste esta-
do no seio da Convenção que se houver de reunir na capital da República, para
o fim de organizar definitivamente o partido revisionista brasileiro. Os ditos
delegados procurarão agir no sentido das idéias daqueles programas, fazendo as
concessões que forem indispensáveis, sem comprometerem a essência das tra-
dições e princípios ali consagrados. Outrossim, o diretório central que for elei-
to fica autorizado a dirigir-se sem perda de tempo à Comissão Executiva do
estado de São Paulo, concitando-a para conjuntamente promover a convenção
revisionista nacional.

O movimento revisionista de caráter nacional não parece haver prospe-


rado. O primeiro projeto de alguma expressão, no sentido de revisão da Car- Volume 3
ta de 1891, foi o programa civilista de Ruy Barbosa em 1910. República Velha
Tomo I
O congresso de 1901 elegeu como membros do Diretório Federalista: Joca
Tavares, como presidente, mais Antônio Prestes Guimarães, Alcides Lima,
Felipe Portinho, Estácio Azambuja, José Bonifácio da Silva Tavares, Saturnino IV.
O Partido
Arruda, Rafael Cabeda e Fortunato Barreto. Federalista
Note-se que o momento político era de tensão, falava-se muito em nova
rebelião e a própria escolha dos membros do diretório federalista indica cer-
147
ta propensão para o conflito bélico: dos nove integrantes do diretório, seis
eram ex-combatentes e comandantes de forças rebeldes na guerra civil encer-
rada em 1895. Os planos de reiteração insurrecional tinham muito a ver com
a fronteira uruguaia e a própria polarização política existente no Uruguai.
Desde 1896, os castilhistas haviam feito aliança com Aparício Saraiva e o Par-
tido Blanco, enquanto os federalistas cultivavam a amizade dos colorados, que
detinham o poder em Montevidéu. Pode-se ler em Love:

Em 1898, Castilhos autorizava embarques secretos de armas aos blancos, em


deliberada contravenção dos acordos firmados entre os governos brasileiro e
uruguaio. Entrementes, Silveira Martins e seu lugar-tenente Rafael Cabeda haviam
solidificado fortes vínculos com os colorados (dentre os dois partidos uru-
guaios, era com este que o tribuno estivera mais ligado durante o Império). Os
dirigentes do PRR dispunham de numerosas informações de espiões, no Uru-
guai e no Rio de Janeiro, para recearem uma possível invasão federalista ao Rio
Grande, em qualquer oportunidade, com apoio dos colorados. [...]
A invasão, que os funcionários do PRR inarredavelmente acreditavam certa, não
se efetuou preliminarmente devido à cobertura militar federal ao situacionismo
gaúcho e ao auxílio do PRR a Aparício Saraiva, que ainda controlava a maior
parte da fronteira.

Um censo partidário em 1905


Desde a eleição de 1891, que já referimos, não houve luta eleitoral da opo-
sição no Rio Grande do Sul. As leis eleitorais desde o Regulamento Alvim, de
1890, passando pelos decretos e regulamentos subseqüentes, não garantiam
qualquer segurança à disputa de votos pelos oposicionistas. Posto que todo o
processo de alistamento, organização das seções de votação e apuração dos su-
frágios competiam aos governos municipais, e estes, no Rio Grande do Sul,
eram invariavelmente exercidos por membros do PRR; não havia condições
História Geral do
Rio Grande do Sul
para exercer oposição através do voto. Só os jornais partidários a praticavam.
A chamada “Lei Rosa e Silva” (nome de um senador pernambucano que
a concebera), em reformando a legislação eleitoral da União, inovou na maté-
ria, introduzindo a participação do Poder Judiciário no alistamento, e com isso
Sérgio da Costa
Franco garantindo certa seriedade que até então estivera ausente do processo. Tam-
bém se tem escrito que a referida lei (nº 1.269, de 15/11/1904) teria implanta-
do o direito de representação das minorias. Em verdade, as leis federais ante-
148
riores, desde a de 1892, já estabeleciam que nenhum partido ofereceria cha-
pa completa de candidatos às vagas do Legislativo, ficando um terço reserva-
do ao grupo minoritário. Mas aparentemente esse preceito jamais foi respei-
tado até o advento da regra da Lei Rosa e Silva. Tanto foi assim que nas cinco
primeiras legislaturas federais a representação foi maciçamente republicana,
sem a presença de qualquer deputado oposicionista.
Borges de Medeiros, então no governo do Rio Grande do Sul, negou apli-
cação a dispositivos da Lei Rosa e Silva, que estabeleciam sua extensão aos plei-
tos estaduais e municipais. Invocou, no caso, sua inconstitucionalidade, por
ofensa à autonomia dos estados, no que foi respaldado por decisão do Judi-
ciário. Mas, no tocante ao alistamento e organização das eleições federais, sub-
meteu-se às determinações da nova lei e, durante o ano de 1905, acompanhou
de perto os procedimentos do alistamento federal, recomendando ao partido
especiais cuidados em relação ao assunto. Invariavelmente, todos os chefes
municipais, ao encerrar-se o processo de inscrição dos eleitores, telegrafavam
ao presidente do estado para informar o total de eleitores inscritos e a respec-
tiva filiação partidária. Aparentemente, as opções políticas eram públicas e
notórias, não oferecendo dificuldades à prévia caracterização dos cidadãos.
Em 4 de julho de 1905, depois de encerrado o procedimento, Borges de Medei-
ros expediu longo telegrama ao senador Pinheiro Machado, pormenorizando,
por distritos eleitorais e por municípios, as inclinações dos eleitores.
Esse telegrama vale por um censo partidário do Rio Grande do Sul em
1905, num momento em que os federalistas, estimulados pela Lei Rosa e Sil-
va, haviam acudido ao alistamento, pelo menos nos municípios em que se
achavam organizados. Aqui transcrevemos os seus dados.

1º distrito eleitoral (compreendendo a capital e arredores, vale do Taquari, litoral


norte e encosta da Serra):

Municípios Republicanos Federalistas Outros


Porto Alegre 5.100 1.425
Volume 3
Viamão 582 320 República Velha
Gravataí 639 197 Tomo I
São Leopoldo 2.788 2
Taquara 1.768 530
São Francisco de Paula 736 60 IV.
O Partido
Santo Antônio da Patrulha 970 472 Federalista
Conceição (Osório) 512 236
Torres 416 3
149
Municípios Republicanos Federalistas Outros
Alfredo Chaves (Veranópolis) 948 -
Antônio Prado 620 -
Bento Gonçalves 624 -
Garibaldi 480 -
Caxias 1.100 127
São Sebastião do Caí 1.583 215
Triunfo 300 120
Estrela 1.281 98 23
Lajeado 1.183 16
Guaporé 454 -
Venancio Aires 803 16
Taquari 849 220
Santo Amaro (Gen. Câmara) 297 44
Soma: 26.633 4.640 23

2º distrito eleitoral (compreendendo Planalto, Missões, Fronteira Oeste e Depressão


Central)

Municípios Republicanos Federalistas Outros


Cruz Alta 1.079 483
Vila Rica (Júlio de Castilhos) 858 365
Santa Maria 1.670 924
Cachoeira 1.440 525
Rio Pardo 1.066 766
Santa Cruz 1.159 632
Soledade 618 370
Passo Fundo 742 561
Palmeira das Missões 669 517
Quaraí 563 249
Santo Angelo 728 73 80
São Luís Gonzaga 882 20
São Borja 769 304
Itaqui 533 274
História Geral do Uruguaiana 1.002 381
Rio Grande do Sul
Alegrete 802 501
São Francisco de Assis 446 246
Santiago do Boqueirão 656 444
Sérgio da Costa São Vicente 536 200
Franco Lagoa Vermelha 600 276
Vacaria 1.100 356
soma: 17.918 8.467 80
150
3º distrito eleitoral (compreendendo zona Sul, litoral sul, fronteira do Uruguai e
Serra do Sudeste)

Municípios Republicanos Federalistas Outros


Pelotas 2.400 1.023
Rio Grande 1.896 458
São José do Norte 450 228
Jaguarão 555 74
Arroio Grande 315 142
Sta. Vitória do Palmar 416 305
Canguçu 776 596
São Lourenço do Sul 593 106 43
Piratini 450 179 305
Cacimbinhas (Pinheiro Machado) 374 270
Erval 308 208 40
Bagé 1.491 838
Dom Pedrito 775 531
Santana do Livramento 1.120 649
Rosário do Sul 396 371
São Jerônimo 689 206
São Gabriel 963 492
Lavras do Sul 327 219
Caçapava do Sul 629 450
São Sepé 392 336 67
Encruzilhada do Sul 661 436
Camaquã 375 156
Dores de Camaquã (Sentinela do Sul)356 131
SOMA: 16.682 8.404 455

O telegrama de Borges de Medeiros terminava informando: “Total geral


distritos: 83.302, sendo republicanos 61.233, federalistas 21.511, diversos 558.
Abraços Borges de Medeiros”
A informação presta-se admiravelmente ao traçado de uma geografia po- Volume 3
lítica do estado. O 1º distrito, compreendendo a capital e a região colonial, era República Velha
Tomo I
e continuou sendo em sucessivas eleições o baluarte eleitoral do situacionismo,
contando este com 85% do eleitorado. Já o 2º e o 3º distritos apresentavam a
oposição federalista com percentuais superiores a trinta por cento: 31,9% no IV.
O Partido
2º distrito e 32,9% no terceiro. No conjunto do estado, o Partido Republicano Federalista
reunia 73,5% dos eleitores alistados, o que deveria ser garantia de tranqüili-
dade para o presidente do estado, mormente tendo em vista a permanência
151
do voto a descoberto e o generalizado receio de comparecer às urnas para con-
trariar o situacionismo. A região colonial italiana, especialmente, constituía-
se num baluarte dos republicanos.

O pleito de 1906 levou três federalistas à Câmara


Em 30 de janeiro de 1906, pela primeira vez, o Partido Federalista dis-
putou eleições parlamentares federais com alguma perspectiva de sucesso. E
de fato conseguiu eleger um deputado em cada um dos distritos em que se di-
vidia o estado: Wenceslau Escobar no 1º; Francisco Antunes Maciel no 2º; e
Pedro Gonçalves Moacyr no 3º. Eram, os três, figuras de destaque na socie-
dade rio-grandense.
Wenceslau Escobar (1857-1938), bacharel pela Faculdade de Direito de
São Paulo na turma de 1880, já fora deputado provincial pelo Partido Liberal,
ao tempo da monarquia. Ainda antes da proclamação da República tinha ade-
rido aos republicanos. Porém, cedo dissentiu de Júlio de Castilhos, alinhou-
se com a dissidência de Barros Cassal e participou da fundação do Partido
Federalista. Foi advogado militante do foro de Porto Alegre, durante muitos
anos.
Depois da legislatura de 1906 a 1908, só voltou à Câmara na legislatura
de 1926 a 1928. Mas esteve sempre na linha de frente da oposição ao castilhis-
mo-borgismo, escrevendo livros de forte repercussão, como o Apontamentos
para a história da Revolução Rio-Grandense de 1893, e Trinta anos de di-
tadura rio-grandense.
Francisco Antunes Maciel (1836-1917), pelotense, com larga experiência
política no período da monarquia, deputado provincial e geral em sucessivas
legislaturas e ministro do Império (1883/1884) no gabinete do Conselheiro
Lafayete fora também um dos fundadores do Partido Federalista. Sob a Re-
pública, foi deputado pelo 3º distrito do Rio Grande do Sul em duas sucessi-
vas legislaturas, desde 1906 até 1911. Durante a campanha civilista (1910), foi
líder da minoria.
História Geral do
Rio Grande do Sul Pedro Gonçalves Moacyr (1871-1919), porto-alegrense, bacharel pela Fa-
culdade de Direito de São Paulo em 1891, teve uma singular trajetória políti-
ca. Ligado desde muito jovem ao Partido Republicano Rio-Grandense, ocupou
Sérgio da Costa
a direção do jornal partidário A Federação, com escassos 23 anos, e foi depu-
Franco tado federal na legislatura de 1894/1895, até dissentir de Júlio de Castilhos
e aderir à dissidência dos “nórmicos”. Integrou-se depois ao Partido Fede-
152 ralista e assumiu sua postura revisionista da Constituição, tendo sido um
dos defensores do “testamento político” de Silveira Martins (1901). Voltou
à Câmara Federal em 1906, como deputado federalista pelo 2º distrito, e,
ainda, foi reeleito em 1909 e 1912. Em dificuldades para reeleger-se em 1915,
pelo Rio Grande do Sul, recebeu apoio do 1º distrito do estado do Rio de Ja-
neiro, pelo qual foi reconduzido até 1917. Foi eminente tribuno parlamen-
tar, respeitado pelos seus pares. Após sua morte, a Livraria do Globo, de
Porto Alegre, em 1925, editou uma coleção de seus discursos intitulados Dis-
cursos parlamentares.
Já em 26 de maio de 1906, falando na Câmara pela primeira vez, fez um
enérgico libelo contra a constituição castilhista. Sempre aparteado por depu-
tados do PRR, apresentou requerimento para a nomeação de uma “comissão
especial para, revendo a Constituição do estado do Rio Grande do Sul, pô-la
de harmonia com os princípios constitucionais da União, onde não estiver de
acordo com esta”. O requerimento foi rejeitado na sessão de 25/06, depois de
largamente discutido em discursos de Cassiano do Nascimento, Ildefonso Si-
mões Lopes e Germano Hasslocher.
A capacidade operacional do Partido Federalista foi, desde muito cedo,
comprometida pelas dissenções internas. Desde essa eleição de 1906 houve
problemas no 3º distrito eleitoral, onde o advogado Carlos Ferreira Ramos,
que atuava em Pelotas, contestou perante a Câmara dos Deputados os resul-
tados proclamados pela comissão competente, a qual, aliás, reconhecia como
o mais votado do distrito, com 14.135 votos, o dr. Pedro Moacyr. O também
federalista, Carlos Ferreira Ramos, considerado não-eleito, recebera, segun-
do a ata da 9ª sessão preparatória da Câmara, em 26/04/1906, 10.430 sufrágios
(ANAIS DA CÂMARA, 1906).
Cabe esclarecer que o sucesso eventual de um candidato oposicionista de-
pendia sobretudo da aplicação da regra do voto cumulativo, contida no pará-
grafo 3º do art. 26 da Lei Eleitoral:

Na eleição geral da Câmara, ou quando o número de vagas a preencher no Volume 3


distrito for de cinco ou mais deputados, o eleitor poderá acumular todos os República Velha
seus votos ou parte deles em um só candidato, escrevendo o nome do mes- Tomo I

mo candidato tantas vezes quantos forem os votos que lhe quiser dar.
IV.
O Partido
A concorrência de mais de um candidato federalista pelo mesmo distri- Federalista
to poderia ser fatal à pretensão do partido, desde que frustrasse os resultados
do voto cumulativo.
153
Oposições desunidas: pleito estadual de 1907
Os dissidentes republicanos, que se avolumavam com o decurso do tem-
po, articularam-se em 1907 para disputar o governo do estado através da can-
didatura do médico gabrielense Fernando Abbot, em oposição a Carlos Bar-
bosa, do PRR.
Entretanto, o candidato, que substituiu Castilhos interinamente na go-
vernança em 1892, não era de molde a inspirar a confiança e a estima dos fede-
ralistas. Seu governo, que antecedeu a eclosão da guerra civil, fora marcado
pela truculência contra os adversários. Em razão disso, o Partido Federalista
não lhe deu apoio e não foram muitos os federalistas que individualmente lhe
deram seu voto. A votação alcançada por Abbott é prova disso: limitada a pouco
mais de 16 mil votos, esteve longe de atingir o montante do eleitorado atribuí-
do, um ano antes, pelo próprio Borges de Medeiros aos federalistas, que
seriam 21.511 alistados. Em Alegrete, onde havia 501 eleitores federalistas,
Fernando Abbott alcançou 155 votos; em Santana do Livramento, onde se con-
tavam 649 federalistas, o opositor de Carlos Barbosa limitou-se a 340 sufrá-
gios; e em Soledade, onde os federalistas orçavam por 370, Fernando Abbott
recolheu 30 votos.
O episódio das eleições de 1907, assim como a subseqüente criação do Par-
tido Republicano Democrático, são evidências da desarmonia imperante nos
arraiais da oposição, o que favoreceu e facilitou a longa hegemonia do PRR.
Quando se poderia imaginar que o exclusivismo político dos castilhistas,
o autoritarismo da Carta de 14 de julho e toda a legislação que a regulamen-
tava pudessem induzir os oposicionistas a uma luta solidária e unitária, tal não
aconteceu. No próprio momento em que o Partido Federalista se afirmava
pela presença de três deputados na Câmara Federal, Assis Brasil em seu no-
tável discurso de fundação do Partido Republicano Democrático, em 20 de se-
tembro de 1908, em Santa Maria, contrapôs-se explicitamente ao parlamen-
tarismo dos federalistas. No mesmo discurso colocava-se numa posição de revi-
sionismo constitucional, admitia idéias defendidas pelos federalistas, como a
História Geral do
Rio Grande do Sul eleição indireta do presidente da República, a extinção do cargo de vice-pre-
sidente e a limitação ao direito de os estados e municípios contraírem emprés-
timos externos, mais a revisão da Constituição Estadual, porém fechava-se a
qualquer coligação com os partidários do parlamentarismo.
Sérgio da Costa
Franco Bem se sabe que o Partido Republicano Democrático nunca decolou e
terminou morrendo sem deixar traços de sua passagem, a não ser a brilhan-
te dissertação de Assis Brasil quando da sua fundação.
154
Talvez num único momento estiveram unidos federalistas e democráti-
cos: em 1910, na defesa da candidatura de Ruy Barbosa à presidência da Re-
pública. Mas, seja porque as eleições federais nunca despertavam maior entu-
siasmo, seja porque os borgistas aplicaram todo o empenho na defesa da can-
didatura de Hermes da Fonseca, a união das oposições não logrou alcançar se-
não 16.476 votos em favor de Ruy.
O pleito valeu, entretanto, pela afirmação local das oposições em três
municípios gaúchos: a despeito de todas as pressões exercidas pelo
situacionismo, Ruy Barbosa foi vitorioso nos municípios de Bagé, São Gabriel
e Soledade.

As eleições federais de 1909 e 1912:


os federalistas perdem cadeiras
Nas eleições de 1909, o Partido Federalista não conseguiu eleger seu can-
didato pelo 1º distrito, que era o santanense Rafael Cabeda. A escolha desse
candidato, completamente estranho à região, provavelmente tenha decorri-
do das divisões que já então ocorriam dentro do partido. De qualquer modo,
o Partido Republicano começara já a cultivar a prática do rodízio, ou do can-
didato chamado “carancho”, estratagema pelo qual era burlada a regra elei-
toral da chapa incompleta, que visava assegurar pelo menos um representante
à minoria. De fato, o parágrafo 3º do art. 58 da Lei Eleitoral estabelecia que:

Cada eleitor votará em três nomes nos estados cuja representação constar apenas
de quatro deputados; em quatro nomes nos distritos de cinco; em cinco, nos
de seis; e em seis, nos distritos de sete deputados.

Porém, tornou-se usual que, nos distritos onde fosse bastante forte, o PRR
apresentasse extra-oficialmente um candidato a mais, o carancho e este, be-
neficiado por um rodízio na votação de seus correligionários, terminava der- Volume 3
rotando o candidato da minoria. República Velha
Tomo I
No pleito de 1909, o Partido Federalista, que tivera três deputados na
legislatura anterior, só conseguiu reeleger Francisco Antunes Maciel pelo 2º
distrito e Pedro Moacyr pelo 3º. Segundo Caggiani (1996), autor da biografia IV.
O Partido
de Rafael Cabeda, o Partido Republicano elegeu todos os deputados do 1º dis- Federalista
trito, em número de seis, desqualificando Cabeda, que era o candidato fede-
ralista. 155
Nas eleições de 1912, o resultado ainda foi mais desfavorável aos federa-
listas: apenas Pedro Moacyr se reelegeu pelo 3º distrito. Foi mais uma vez bur-
lada, então, a regra legal que possibilitava a representação da minoria. Entre-
mentes, em 1910, encerrara suas atividades o tradicional jornal do Partido Li-
beral, A Reforma, que nascera, ainda nos tempos da monarquia.

Reforma da legislação estadual:


avanços e recuos dos maragatos
Como Borges de Medeiros recusara aplicação, no estado, às regras da lei
federal de 1904, conhecida como “Lei Rosa e Silva”, continuava a imperar na
legislação estadual o sistema eleitoral de lista completa, que negava represen-
tação às minorias. Desde o princípio da república, até 1913, a oposição não ele-
geu um único representante à Assembléia, sendo esta maciçamente integra-
da por deputados do PRR.
Ao voltar ao governo em 1913, talvez sob influência das repetidas críticas
que o sistema rio-grandense recebia por parte da oposição e na órbita federal,
Borges de Medeiros resolveu inovar, propondo uma nova lei eleitoral para o
estado, adotando um esquema mais correto de alistamento e assegurando um
sistema de representação proporcional para as minorias.
O método, que nunca fora adotado, quer no império, quer na república,
coincidindo com uma livre apresentação de candidatos, posto que ainda inexis-
tente a organização oficial de listas partidárias, demandou uma regulamen-
tação complexa e obscura, que se desenvolveu em três artigos e dez parágra-
fos da lei 153, de 14/07/1913. O princípio básico era enunciado no art. 81, que
assim rezava: “Todas as opiniões políticas terão direito à representação propor-
cional de suas forças eleitorais”. Sem divisão do estado em distritos, Borges
atenuava a expressão eleitoral que a oposição federalista apresentava na Fron-
teira e no Planalto; e ademais contava com as profundas divisões que já se re-
velavam dentro do federalismo.
História Geral do
Rio Grande do Sul De qualquer modo, a Lei Eleitoral de 1913 representou um passo à fren-
te, sobretudo porque, em seqüência, induziu os municípios a também refor-
marem suas leis eleitorais e a adotarem a representação proporcional nos con-
selhos municipais.
Sérgio da Costa
Franco A primeira eleição para membros da Assembléia, sob a égide da nova lei,
realizou-se em 20 de agosto de 1913, e terá sido motivo de mais uma decep-
ção para os federalistas. Sendo admitidos a votar os eleitores inscritos sob o
156
regime das leis anteriores, desapareciam as esperanças de um alistamento
mais correto e mais isento. O certo é que um único candidato maragato con-
quistou vaga na Assembléia: o alegretense Jorge Pinto. Houve, na época, em
setores do partido, a tendência à abstenção, como protesto às restrições e às
truculências do situacionismo.
Nas difíceis circunstâncias da duminha1 provincial , não seria fácil a mis-
são de um solitário deputado federalista. Jorge Pinto assumiu com uma tími-
da apresentação:

[...] represento, descoloridamente, a voz da oposição, separada há tantos anos


dos altos poderes dirigentes de nossos destinos políticos. Vejo, pois, senho-
res, que a minha posição é imensamente difícil no seio desta Assembléia. [...]
sou modesto pioneiro de aspirações políticas diferentes das vossas; venho dos
arraiais federalistas empunhando a bandeira do meu partido; sou modesto dis-
cípulo das idéias de Silveira Martins, com quem aprendi a amar minha pátria,
cultuando à liberdade.

Em debate que travou da tribuna com o deputado situacionista Pelágio


de Almeida, Jorge Pinto denunciou o que era o conhecido golpe dos candida-
tos caranchos, que desvirtuavam a Lei Eleitoral federal:

O governo oferece todas as garantias, é certo, antes das eleições, para cerceá-
las depois, fazendo com que os caranchos tirem os direitos dos representantes
da oposição.

No mesmo sentido da lei eleitoral estadual, os conselhos municipais pas-


saram a adotar o sistema de representação proporcional na formação das ban-
cadas partidárias, o que serviu não só ao Partido Federalista como às facções
dissidentes do Partido Republicano.
Em Porto Alegre, a lei municipal 77, de 4 de agosto de 1916, implantou
Volume 3
o novo sistema da representação proporcional, o que permitiu no pleito sub- República Velha
seqüente, apurado em 2 de outubro do mesmo ano, a eleição do primeiro con- Tomo I

selheiro federalista, Ovídio Silveira Martins.


O pleito parlamentar federal de 1915 registrou a recuperação de uma ca-
IV.
deira para a bancada federalista. Elegeu-se Francisco Antunes Maciel Júnior O Partido
Federalista

1 “Duminha” era o apelido da Assembléia dos Representantes, em alusão à Duma, o castrado


parlamento russo do tempo dos czares. 157
(filho do Conselheiro Maciel), deputado pelo 2º distrito e Rafael Cabeda, pelo
3º. O 1º distrito continuou sem representante federalista, sendo Pedro Moacyr
conservado na Câmara por gentileza de correligionários do estado do Rio de
Janeiro, que lhe deram apoio.
Maciel Júnior (nascido em Pelotas em 1879, tendo falecido no Rio de Ja-
neiro em 2/11/1966), foi bacharel formado pela Faculdade Livre de Direito do
Rio de Janeiro, em 1902, e participou desde cedo das lutas da oposição fede-
ralista, colaborando com seu pai. Teve longa participação na política brasilei-
ra, foi deputado federal em 4 legislaturas e após 1930 colaborou com Getúlio
Vargas até à morte deste. Em 1914, ano que precedeu sua primeira eleição,
publicou O Rio Grande, livro de combate e crítica à situação rio-grandense.
Rafael Cabeda, o outro eleito de 1915, era natural de Santana do Livra-
mento, onde nasceu em 1857, tendo falecido no Rio de Janeiro em 1922, no
exercício do mandato de deputado. De família abastada de comerciantes, es-
tudou na Alemanha, numa Escola de Comércio de Hamburgo. Antes de retor-
nar ao Brasil (1876) trabalhou por dois anos em Liverpool. Devotado amigo de
Silveira Martins, militou no Partido Liberal, lutou na Revolução Federalista
de 1893 e desde o princípio participou das fileiras do Partido Federalista.
Em fevereiro de 1917, as eleições estaduais para a 8ª legislatura da As-
sembléia dos Representantes deram como resultado a ascensão de dois fede-
ralistas, ambos oriundos do interior do estado: Gaspar Saldanha, advogado de
Alegrete, e Alves Valença, médico de Júlio de Castilhos. Foram, ambos, de-
putados combativos e desassombrados, que por vezes perturbaram a tradicio-
nal modorra da Assembléia Estadual. Apesar de serem apenas dois contra
trinta situacionistas.
A chapa então apresentada compunha-se de dez nomes, a saber, por or-
dem alfabética: Alfredo Gonçalves Moreira, Antônio de Moraes Fernandes,
Catarino Azambuja, Emílio Nunes, Estácio Azambuja, Gaspar Saldanha, Jorge
da Silveira Pinto, José Alves Valença, José Domingos Rache e Rodolfo Costa.
O jornal situacionista A Federação não ficou indiferente ao lançamento
da chapa oposicionista, tanto que glosou em editorial (26 de fevereiro) a inco-
História Geral do
Rio Grande do Sul
erência dos federalistas, os quais em 1913 teriam afirmado que “em nossas fi-
leiras não encontramos quem se resignasse à condenação” de ocupar cadeiras
da Assembléia, “cadeiras de mudo suplício” reservadas à oposição. Efetuadas
as apurações, o diário republicano comemorou a grande vitória borgista (A Fe-
Sérgio da Costa
Franco
deração de 8/03/1917), de 81.645 sufrágios para 6.469, frisando que as votações
obtidas pela oposição, desde 1906, vinham em progressiva decadência: a vo-
tação alcançada em 1917 seria a metade da obtida no pleito federal de 1906,
158
quando os candidatos federalistas teriam obtido 12.815 votos; e bem inferior
à obtida por Ruy Barbosa em 1910, quando recolhera 16.476 sufrágios. Mas é
claro que o editorial comparava pleitos de natureza diferente e com regimes
eleitorais diversos.

Congresso Federalista de 1917


No Clube Caixeiral de Porto Alegre, em 25 de março de 1917, quando ain-
da repercutiam os resultados eleitorais do pleito estadual de fevereiro, insta-
lou-se o congresso do Partido Federalista.
O tempo decorrido desde a aprovação do programa de 1896, que a reu-
nião de 1901 não quisera modificar, mais o envelhecimento de antigos líderes,
como o conselheiro Antunes Maciel, e o surgimento de novas lideranças, tudo
aconselhava a realização de outro congresso partidário e a definição de um
novo programa.
Reunindo maragatos de todo o estado, incluindo as lideranças mais ex-
pressivas, é claro que o Congresso Federalista tornou-se evento importante
na vida de Porto Alegre, tanto que o Correio do Povo lhe dedicou notícias ex-
tensas, desde 23 até 29 de março. Nas edições de 26 a 29, especialmente, as
matérias ocuparam quatro colunas de páginas internas. De seu lado, A Fede-
ração, órgão do Partido Republicano, dedicou-lhe editoriais agressivos nos dias
26, 27 e 28, além de notícias e comentários debochados, procurando ridicula-
rizar a reunião oposicionista.
Do noticiário do Correio do Povo não se intui que tivessem ocorrido, en-
tre os congressistas, as desinteligências insinuadas no editorial de A Federa-
ção de 26 de março, quando tentou explicar o porquê do congresso maragato
como mero “paliativo às amargas decepções e ao triste descoroçoamento de
nossos adversários”. O que constou do noticiário, ao menos, foram manifesta-
ções unânimes de solidariedade ao velho líder Antunes Maciel e uma aparente
solidez da cúpula federalista. É possível que, para consumo externo, as Volume 3
desinteligências tenham sido disfarçadas, pois é certo que já roíam as entra- República Velha
Tomo I
nhas do partido e logo se acentuaram nos anos imediatos.
O programa aprovado em 1917 reproduz de algum modo o testamento
político de Silveira Martins, apenas com a ausência de algumas regras espe- IV.
cíficas de funcionamento do governo de gabinete. Propunha mais – o que era O Partido
Federalista
novidade em relação ao ideário de Silveira Martins – a obrigatoriedade do voto.
Atenuava a proposta de reversão das terras devolutas à União Federal, pro-
159
pondo que tal entrega se limitasse às terras situadas “até 40 quilômetros da
linha de fronteira terrestre ou fluvial dos estados e da fronteira estrangeira”.
Propunha ainda: “exercer o governo federal superintendência: 1º) sobre o en-
sino, seus métodos e distribuição; 2º) sobre a imigração e colonização para o
conveniente povoamento do solo”. Fazendo praça de suas inclinações liberais,
dispunha-se o partido a “proteger somente as indústrias do país no seu período
de formação, reduzidas as tarifas aduaneiras”. E terminava por reiterar a pro-
posta de 1896, no sentido de alterar a bandeira nacional, para excluir o lema
positivista de “ordem e progresso”.
No mesmo dia da aprovação do novo programa, elegeu-se também o dire-
tório central, constituído de dez membros, sendo um deles o presidente. O
velho conselheiro Maciel, que desde o princípio dirigira o congresso, foi elei-
to presidente. Wenceslau Escobar, Felipe Portinho, Teobaldo Fleck, Cândido
Bastos, Rafael Cabeda, Rodolfo Costa, Antero Cunha, Pedro Moacyr e Vasco
Alves Nunes Pereira foram os outros nove integrantes.
Uma das moções aprovadas foi no sentido de estabelecer contato e apro-
ximação com revisionistas de outros estados, com vistas à formação de um par-
tido nacional em favor da revisão constitucional.
Do clima geral do congresso, no qual ainda pontificaram velhas figuras do
federalismo, decorre um inevitável odor de passadismo, a justificar o título do
editorial de A Federação de 27 de março: “Congresso de fósseis”. Uma das
últimas moções aprovadas foi um voto de “saudade e gratidão” a Silveira
Martins, Joca Tavares, Prestes Guimarães e Gumercindo Saraiva.
O congresso encerrou-se em 28 de março com uma manifestação de rua,
marchando os congressistas desde a Praça Quinze de Novembro até à da Al-
fândega e ao Grande Hotel, onde os esperavam, reunidos, os membros do
Diretório Central.
De certo modo, é inevitável a conclusão de que a exclusão política siste-
mática e a continuada opressão do castilhismo-borgismo, tinham imobilizado
no tempo os maragatos e tolhido qualquer possibilidade de recrutamento de
quadros jovens. Embora admirável na sua coerência, altivez e tenacidade, o
História Geral do
Rio Grande do Sul
partido se fossilizou.

Sérgio da Costa
Franco

160
O caso do federalismo:
cisão entre pintistas e cabedistas
A realização do congresso partidário de 1917 poderia dar a impressão de
alguma solidez associativa, mas não foi o que aconteceu logo após. As eleições
parlamentares de 1918 para a Câmara Federal resultaram na completa der-
rota dos candidatos federalistas, nos três círculos eleitorais em que se dividia
o Estado. No 1º distrito, baluarte tradicional do PRR, concorreu, sem esperan-
ças, o dr. Antônio de Moraes Fernandes; no 2º distrito, o deputado Antunes
Maciel Júnior, que perdeu sua cadeira na Câmara; e no 3º distrito, onde a vo-
tação federalista poderia ensejar a eleição de um deputado, dois se lançaram
ao pleito – Pedro Moacyr e Rafael Cabeda –, da divisão de forças resultando
a derrota de ambos.
Nesse pleito de 1918, o PRR, desafiando a letra expressa da legislação
eleitoral, oficializou os caranchos, apresentados como candidatos avulsos: An-
tonio Carlos Penafiel no 1º distrito, José Antônio Flores da Cunha no 2º, e Otá-
vio Rocha no 3º. Graças à prática do rodízio de votos em cada um dos distri-
tos, todos os três caranchos se elegeram, levando à Câmara dos Deputados
uma representação unânime do PRR.
Além da fatal divisão ocorrida no 3º distrito, parece ter havido negligên-
cia nos trabalhos de alistamento, dando como resultado uma queda geral da
votação federalista.
Em seu editorial de 05/03/1918 de A Federação, sob o título de A derro-
ta do adversário, tripudiou sobre a ineficiência política dos federalistas, salien-
tando que, salvo na eleição de 1906, em que o dr. Wenceslau Escobar conse-
guira eleger-se pelo 1º distrito, nunca mais eles haviam obtido representação
naquele círculo; nas recentes eleições, apenas 1.452 eleitores haviam sufragado
o nome de Moraes Fernandes. Frisando que, em 1915, Maciel Júnior tinha re-
conquistado a cadeira perdida no 2º distrito, alcançando 18.185 votos cumu-
lativos, caíra agora a menos de um terço daquela votação, sofrendo uma tre-
menda derrota. Quanto ao 3º distrito, concorreram Pedro Moacyr e Rafael Volume 3
Cabeda desunidos, por absoluta falta de previsão, tendo como resultado uma República Velha
Tomo I
perda que poderiam ter evitado. De um modo geral, a tendência era a de la-
mentar a derrota de Pedro Moacyr, tido como um dos mais brilhantes tribu-
nos da Câmara. IV.
O Partido
Depois dessa derrota de 1918, começam a tornar-se explícitas as diver- Federalista
gências dentro do partido maragato. Em A Federação de 26 de março. Trans-
creveu-se, sob o título de Um juiz insuspeito, um artigo de Júlio Magalhães,
161
redator do jornal federalista Gaspar Martins, editado em Santa Maria, que
analisava os resultados da última eleição federal:

Temos certeza que, em boa fé, ninguém poderá duvidar da existência do par-
tido federalista no Rio Grande do Sul, porque ele existe com elementos sufi-
cientes para se fazer representar na Câmara dos Deputados, na Assembléia do
Estado e nos Conselhos dos municípios.
O partido federalista é a minoria, não resta dúvida, mas seria uma minoria
respeitável, se tivesse a direção de um chefe unipessoal, patriota e obedecido
no comando.
O partido federalista existe com elementos para eleger deputados por todos
os distritos eleitorais, e os teria elegido na eleição de 1º do corrente, se não
estivesse minado pelas competições e os seus verdadeiros interesses não es-
tivessem em completo abandono, principalmente neste 2º distrito, que foi o
que se salientou na mixidade da votação, simplesmente porque a qualificação
quase que passou em branca nuvem. [...]
Também o sr. coronel Cabeda teria mostrado patriotismo e amor pelos reais
interesses do partido se abrisse mão de sua candidatura em bem do dr. Pedro
Moacyr.” [...]
Se o sr. Cabeda fosse um leal servidor do partido teria comparecido à reunião
do Diretório Central, desistindo da apresentação de sua candidatura em pro-
veito do dr. Pedro Moacyr. [...]
Ainda desta vez o sr. Cabeda mostrou que é sempre o mesmo homem,
preocupado com a sua individualidade, pouco ou nada importando-se com os
males do partido.

A partir de meados de 1919, começou a lavrar, intensa, a desunião no seio


do Partido Federalista. A correspondência existente no arquivo de Estácio
Azambuja, líder maragato de Bagé, é prova disso. Uma carta de Francisco
Antunes Maciel (29/08/1919) esclarece que a “grande crise próxima” está rela-
cionada com o assunto “candidaturas à deputação federal no pleito de 21”. A
História Geral do
Rio Grande do Sul partir de Pelotas e imediações, incluindo Bagé, nascia um forte movimento de
hostilidade à candidatura de Rafael Cabeda. O prócer pelotense Emílio Nunes
seria pretendente à candidatura pelo 3º distrito, deslocando a candidatura de
Cabeda. O próprio Emílio Nunes retirou oportunamente sua pretensão, mas
Sérgio da Costa
Franco o diretório de Porto Alegre, já no curso de 20, alimentou as hostilidades a Ra-
fael Cabeda e terminou por estimular a candidatura de um adventício, sem
tradição partidária, o dr. Arthur Pinto da Rocha.
162
O dois nomes – de Pinto da Rocha e Cabeda –, foram afinal indicados
como candidatos pelo 3º distrito eleitoral, reincidindo no erro cometido em
1918. Pintistas, defendidos pelo jornal Correio do Sul, de Bagé, e cabedistas,
capitaneados pelo Maragato, de Santana do Livramento, travaram ásperas
polêmicas, que comprometeram irremediavelmente a unidade do partido.
As urnas de 1º de março de 21 não foram favoráveis a Rafael Cabeda. O
próprio Antunes Maciel Júnior o reconhece em carta a Estácio Azambuja em
5 de abril. Ele, que fora eleito pelo 2º distrito, participaria na Câmara do pro-
cesso de verificação de poderes, pelo qual se efetuavam as clássicas degolas,
ao sabor dos interesses da maioria. A carta de Maciel Júnior merece uma
parcial transcrição:

[...] Sigo a 7 para o Rio e recebo suas ordens, com prazer. Creia que vou
triste pela derrota do nosso caro Cabeda, cujas benemerências partidárias não
mereciam tal prêmio, no fim de uma vida de abnegações (por mais errado que
ele pudesse estar), e pela original, dolorosa posição em que me encontrarei,
quando se discutir a contestação ao diploma de Pinto. Por qualquer lado que
saia, eu sairei mal. Não há critério nem prática que me livrem de uma péssima
saída. As duas pontas do dilema me são igualmente fatais: Se me inclinasse por
Pinto, faltaria à lealdade que desejo ter, e manterei, com Cabeda; se me incli-
nasse por este, como pretendo, mentirei diante da verdade das urnas, que nos
foi contrária, por desgraça, mas o certo é que o foi. E mentindo assim, perde-
rei a força moral sob cuja égide critiquei, há 4 anos, na própria Câmara, ener-
gicamente, os processos depuradores de Pinheiro Machado, com a suprema
agravante de que o farei contra um candidato cuja apresentação o contestante
e eu apresentamos, em público, por firma reconhecida: [...]
Apreendo intimamente toda a situação, no instante partidário em que nos
encontramos, sem esquecer talvez um só detalhe; porém não posso prever,
ainda assim, perfeitamente, que rumo tomarão as nossas coisas, mormente se
Cabeda for reconhecido. Explico-me: se Cabeda for reconhecido, – é fatal –, o
governismo vai vangloriar-se de ter tido parte no bolo e, por essa parte, em-
bora não a tenhamos solicitado, vamos a ficar-lhe devendo, pelo menos, uma Volume 3
remota gratidão e vamos suportar os mais rudes ataques dos amigos de Pinto, República Velha
ataques que nos acarretarão talvez a perda de velhos companheiros desiludidos Tomo I

por esse amparo, aliás todo espontâneo, que o borgismo dará à causa de
Cabeda. [...] IV.
O Partido
Federalista
As previsões de Maciel Júnior foram corretas. A depuração patrocinada
pelo situacionismo inverteu a ordem da votação e atribuiu a vitória a Rafael 163
Cabeda. Provavelmente porque Pinto da Rocha era um dissidente do Parti-
do Republicano, intelectual de valor, dono de boa bagagem cultural, o que não
acontecia com Rafael Cabeda, parlamentar apagado, na legislatura em que
exercera o mandato.
A repercussão dentro do Partido Federalista não poderia ser pior. Ape-
sar de todos os bons serviços que prestara ao federalismo, o favorecido pela
tramóia da verificação de poderes foi até acusado de traição e de se haver man-
comunado com a representação do PRR na Câmara. Caggiani (1996), biógra-
fo de Rafael Cabeda, transcreve algumas manifestações de maragatos indig-
nados, inclusive o texto de um telegrama passado a Borges de Medeiros:

O luto que cobre o federalismo pela morte moral de Rafael Cabeda sobrepuja
seus sentimentos de revolta contra esbulho sofrido pelo deputado eleito pelo
terceiro círculo. Por obra e graça de v. exa., Câmara reconheceu candidato re-
pelido pelas urnas. Cabeda, no fim da vida, entregou a v. exa. armas com que
combateu por longos anos, rendido, afinal, ao poderio de v. exa. [...]

Assinavam esse despacho dezesseis líderes federalistas do Sul do estado.


Apesar dos esforços de alguns líderes para restabelecer a unidade do par-
tido, entrou o ano de 1922 sob o signo de uma insuperável divisão dos maragatos.
Talvez apenas na Assembléia Estadual, os três representantes eleitos em
1922 para a legislatura de 1921/1924, – Gaspar Saldanha, Alves Valença e
Artur Caetano da Silva –, mantivessem uma combativa solidariedade.

Candidatura de Assis Brasil ao governo estadual


O clima de insatisfação existente entre os pecuaristas rio-grandenses, no
princípio da década de 20, favoreceu o crescimento da candidatura de Assis
Brasil como opositor de Borges de Medeiros, este pretendendo o exercício de
um quinto mandato presidencial. Mesmo os federalistas, cujas convicções par-
História Geral do
Rio Grande do Sul
lamentaristas sempre tinham sido hostilizadas por Assis Brasil, aderiram em
sua maioria à coligação assisista. E o próprio Diretório Central do partido,
numa reunião em Bagé, em 14/10/22, sacramentou esse apoio, por unanimi-
dade.
Sérgio da Costa
Franco O candidato oposicionista, afastando-se de suas anteriores posições da
intransigência em relação aos maragatos, adotou tática conciliatória. Lê-se no
excelente ensaio de Antonacci sobre “As oposições e a revolução de 23”:
164
COSTA, 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

IV.
O Partido
Federalista

165
Devido ao aspecto extrapartidário e popular da candidatura, com a reunião de
presidencialistas e parlamentaristas num movimento que se apresentou para toda
a sociedade gaúcha, as oposições não tiveram condições de apresentar uma
plataforma ou um programa definido de governo. Sentindo estas dificuldades,
Assis Brasil respondeu ao apelo que lhe foi dirigido, ponderando que suas opiniões
estavam “gravadas em diplomas inapagáveis”, e que o momento era de sobrie-
dade em palavras e prodigalidade em ação.

Descontada a resistência dos federalistas de Santana do Livramento, que


não aderiram ao movimento assisista, todo o partido maragato se engajou na
campanha eleitoral de 1922, como, logo adiante, haveria de empenhar-se na
insurreição de 23. Mas, basicamente, a coligação oposicionista, sem um pro-
grama definido, articulava-se em função de impedir o 5º mandato de Borges
de Medeiros e de promover a revisão constitucional do Rio Grande do Sul.
Inconformados com o resultado oficial da eleição, que dava por assegu-
rados os três quartos dos votantes, condição primária da reeleição segundo a
carta constitucional castilhista, as oposições se levantaram em armas, em ja-
neiro de 23, esperançosas, sobretudo de uma intervenção federal ditada pelo
presidente Artur Bernardes, a quem haviam apoiado. Pela primeira vez, o
PRR havia dado seus votos ao candidato da oposição, Nilo Peçanha, derrota-
do nas eleições federais.
A sedição começou em janeiro de 23, em Carazinho, proclamada pelo de-
putado estadual Artur Caetano da Silva. Os federalistas, coerentes com sua
tradição revolucionária, vinda dos combates sangrentos de 1893, foram os agen-
tes principais das guerrilhas de 23. Felipe Portinho, Leonel Rocha, Honório
Lemes, Estácio Azambuja, Belisário Batista, comandantes rebeldes, eram
velhos federalistas, todos veteranos da guerra civil de 1893 a 95. A eles se so-
maram numerosos republicanos dissidentes.
A esperada intervenção federal não ocorreu, salvo ao final da luta, quan-
do o presidente Bernardes enviou ao Rio Grande do Sul o seu ministro da
História Geral do
Rio Grande do Sul
Guerra, general Setembrino de Carvalho, com a finalidade de promover um
processo de pacificação. Essa consumou-se, exitosa, já em dezembro de 1923,
com a aprovação de algumas medidas que satisfizeram as oposições. A acei-
tação, por Borges de Medeiros, de uma reforma constitucional que proibia as
Sérgio da Costa
Franco reeleições do presidente do estado e dos intendentes municipais, a regra de
eleição dos vice-presidentes e vice-intendentes, mais a avença de uma eleição
parlamentar em 1924, fiscalizada pelo Exército, com a reserva convencionada
166
Reedição Martins Livreiro, 1987.

de algumas cadeiras para a oposição, tanto na Câmara Federal como na As- Volume 3
sembléia, deu aos rebeldes uma tênue sensação de vitória. República Velha
Tomo I
A coligação formada na luta das coxilhas por rebeldes de várias tendên-
cias haveria de transformar-se afinal na Aliança Libertadora, constituída num
congresso realizado em São Gabriel em janeiro de 24. Dela participaram, des- IV.
O Partido
de logo, vários federalistas, antecipando de algum modo a extinção do parti- Federalista
do. O federalismo definhava, na precisa medida em que crescia a liderança de
Assis Brasil.
167
Legislatura de 1925-27:
conflito entre federalistas e assisistas
A pacificação de 1923 pactuara que às oposições se reservariam, nas elei-
ções a realizarem-se em maio de 24, independente do resultado das urnas, tan-
tas cadeiras quantos fossem os distritos eleitorais, a título de representação
das minorias. Como resultado desse pacto, subiram à Assembléia dos Repre-
sentantes, na legislatura de 1925 a 27, cinco deputados oposicionistas, estig-
matizados por uma votação insignificante. Porém, entre eles, reinou sempre
completa discordância, pois dois se filiavam à Aliança Libertadora, dois ao Par-
tido Federalista e o quinto, o passo-fundense Bittencourt de Azambuja, a uma
dissidência do Partido Republicano. Os dois da Aliança Libertadora eram Si-
mões Lopes Filho, de Pelotas, e José Agostinelli, de Caxias do Sul. Os fede-
ralistas eram Olímpio Duarte, da região da Fronteira, e Demétrio Xavier, de
Dom Pedrito. Entre estes últimos e aqueles, logo se estabeleceu franca diver-
gência, os dois federalistas dirigindo ataques repetidos a Assis Brasil e a sua
orientação política. A linha dos federalistas era de franco acatamento à paz de
Pedras Altas, limitando-se Demétrio Xavier a exercer oposição ao governo do
estado, enquanto Olímpio Duarte chegou a ser acusado de integrar a banca-
da da maioria republicana. No plano federal não hostilizavam Artur Bernar-
des nem se opuseram à candidatura oficial de Washington Luís. Já os liberta-
dores, sobretudo Simões Lopes Filho, exerceram oposição muito ativa, soli-
dários com a postura insurrecional de Assis Brasil, que, em exílio voluntário
no Uruguai, seguia apoiando movimentos armados.
De Montevidéu, em 21 de abril de 25, Assis Brasil, como presidente da
Comissão Executiva da Aliança Libertadora, lançou manifesto ao país, em ter-
mos incendiários:

A Revolução é um fato tão palpável, que o seu espírito já invadiu os próprios


a quem ela ofende e ameaça. Ninguém mais nega a necessidade da Reforma. E,
como não se fará ou se fará viciada, enquanto existir a artificial ordem atual,
todos admitem implicitamente a necessidade do processo expedito e drástico
História Geral do
Rio Grande do Sul da Revolução. [...]

De seu lado, fixando a posição do Partido Federalista, discursou Demé-


trio Xavier na sessão de 10/11/1925:
Sérgio da Costa
Franco
Não pertenço à Aliança, não obedeço à orientação de seu eminente chefe porque,
sincero e leal, contrário às revoluções de 22, 24 e 25, não poderia confundi-
168
las com a de 23, que conquistando a solidariedade simpática do Brasil inteiro,
levou à campanha a corte maragata representada na sua velhice gloriosa e na
sua mocidade idealista, fazendo desse soberbo movimento o segundo volume
do episódio épico de 93.

Em 1928, desapareceu o Partido Federalista


e nasceu o Partido Libertador
Finalmente, em 28, a liderança de Assis Brasil se afirmou definitivamente.
A 3 de março, em Bagé, que fora o berço do federalismo, nasceu e se consti-
tuiu o Partido Libertador, reunindo em seu diretório central desde Assis Brasil,
como presidente, vultos destacados do Partido Federalista, como Raul Pilla,
de relevante participação no diretório de Porto Alegre, Urbano Garcia, Ernes-
to Médici, Felipe Portinho, Camilo Freitas Mércio e outros.
Rigorosamente, só o diretório federalista de Santana do Livramento nun-
ca admitiu a dissolução do partido e deixou de aderir ao novo grêmio político
que se constituía em Bagé. Fiéis discípulos de Rafael Cabeda e cultores de sua
memória, os federalistas de Livramento jamais aceitaram qualquer movimen-
to ou candidatura que não esposasse os ideais do parlamentarismo. Caso único
de fidelidade às idéias, foram por muito tempo objeto de chacota dos políticos
versáteis e flexíveis, mas até perecer o último remanescente fizeram praça de
sua irredutibilidade e da devoção às idéias de Silveira Martins.
Um fato demarcou simbolicamente a decadência do Partido Federalista.
Em agosto de 1920, quando as dissidências e as rivalidades pessoais já roíam
a integridade da agremiação, a cúpula do partido, em consonância com José
Júlio Silveira Martins, filho do grande tribuno, resolveu trazer de Montevidéu
para Bagé as cinzas do fundador. Entre grande pompa e manifestações popu-
lares, os restos mortais do tribuno desembarcaram em Rio Grande, visitaram
Pelotas, Porto Alegre e Santa Maria até serem definitivamente inumados em
Bagé. Quem vê as imagens e o noticiário relacionado a esse evento, não pode Volume 3
admitir que se tratasse do canto de cisne de um grêmio político. Dezenove anos República Velha
Tomo I
depois de sua morte, Silveira Martins conservava intacto seu prestígio, mas o
partido que ele fundara estiolou-se em disputas internas, deixou-se esmagar
pela força incontestável do adversário e não tinha renovado seus quadros. De- IV.
pois do culto mortuário de 20, o partido não levou oito anos para sucumbir. O Partido
Federalista
É indiscutível, todavia, que deixou alguns legados programáticos que con-
correram para aprimorar, depois de 1930, o processo democrático do Brasil:
169
o sigilo do sufrágio, o alistamento e o voto obrigatórios bem como a unidade
do direito processual, foram bandeiras levantadas pelo Partido Federalista
muito antes que outras correntes o fizessem. E é de se perguntar, depois dos
recentes desastres do presidencialismo, se o programa parlamentarista não
virá a tornar-se uma reivindicação nacional?

História Geral do
Rio Grande do Sul

Sérgio da Costa
Franco

170
Capítulo V

POLÍTICA NA SALA DE VISITAS


(1897-1937)

Margaret M. Bakos

Para melhor avaliar a política em Porto Alegre, ao longo da República Ve-


lha, é preciso reatar os laços entre a cidade e seu contexto, laços esses que lhe
valeram o apelido de sala de visitas do Rio Grande do Sul. Segundo Hannah
Arendt, metáforas são fios com que o “espírito se prende ao mundo, mesmo
nos momentos em que, desatento, perde o contato direto com ele: são eles tam-
bém que garantem a unidade da experiência humana”. Abordar Porto Alegre
pela metáfora da sala de visitas é um modo casual de se chegar ao passado
da cidade, semelhante àquele dos vizinhos de casa nova no bairro.
Mas, quem fazia as honras na sala de visitas do passado? A resposta apon-
ta como anfitriões os intendentes de Porto Alegre, indicados primeiramente
por Júlio de Castilhos, e, depois de sua morte, por Borges de Medeiros. E
quem eram os convidados? A escolha era clara: pessoas eleitas dentre os
influentes da terra – os coronéis –, mas, a bem da verdade, eles também aco- Volume 3
lhiam criaturas servis, que os ajudavam a botar ordem na casa. E o que era República Velha
Tomo I
servido como especiaria aos visitantes? Bem, a moeda de troca é ainda visí-
vel. Para desta se aperceber, basta caminhar, dobrar esquinas de ruas e ave-
V.
nidas do centro de Porto Alegre, com seus ensurdecedores ruídos humanos
Política na sala
e maquinários; trotear pelas calçadas que permitem acessar os antigos prédios de visitas
de majestosas fachadas. Pronto! Com o olfato apurado, logo se identifica o pra- (1897 – 1937)
to principal ofertado: o progresso.
171
COSTA, 1922.
A metáfora da sala de visitas é a licença poética que
serve de ponte a transpor o abismo que separa a mentali-
dade dos governantes da República Velha gaúcha da do
porto-alegrense contemporâneo; esses últimos e o mundo
das aparências erguido pelos poderosos, cujos vestígios a
cidade ainda conserva. Assim, a metáfora, ao configurar
essa transformação, ocorrida em meio ao tumultuado pro-
cesso histórico de Porto Alegre: da cidade-aldeia, deplo-
rada em 1897 por Borges de Medeiros, à cidade
Alberto Bins
ingovernável, lamentada em 1937 por Alberto Bins, impõe
novos questionamentos.
Que investimentos financiaram a decoração dessa mansão? Ora, esses fo-
ram de diversas ordens: desde as emoções e ideais, passando pelos capitais
em moeda estrangeira até a perda de vidas humanas em lutas contra oposi-
ções. Essas histórias estão presentes na cidade. Vê-se, pelo que aí está, que os
recursos foram escassos e insuficientes para tornar confortáveis todos os
ambientes, exceto o festivo. O abandono do imóvel é visível, dando a nítida
impressão de que, tendo os herdeiros se ocupado do pagamento dos emprés-
timos contraídos para tornar Porto Alegre a melhor cidade do estado, acaba-
ram por descuidar-se de sua conservação.
Sente-se ali, um pouco, ainda, o peso do ferro, o calor do fogo, a viscosi-
dade e o cheiro nauseabundo do sangue, que alagou o terreno da mansão, no
decorrer da Revolução Federalista, de 1893, bem como a umidade das lágri-
mas que rolaram pelos mortos de 1923.
Nesse sentido, um estudo da história de Porto Alegre, ao longo da Repú-
blica Velha, via metáfora da sala de visitas, convida a assumir novamente a
atitude de um vizinho longevo, que sobreviveu aos festeiros da mansão e, mui-
to enxerido, penetrou na casa, levantando o pó, trazido de tantos rincões gaú-
chos, e empurrado para debaixo do tapete da sala de visitas do Rio Grande do
Sul. O montículo mais saliente é aquele que esconde alguns episódios da vida
política da cidade, na virada do século XIX e ao longo da primeira metade do XX.
A fase inicial ainda é pouco conhecida e constitui com a outra, por nós já anali-
História Geral do sada, as bases do continuísmo político em Porto Alegre, examinado a seguir.
Rio Grande do Sul

Continuísmo político em Porto Alegre


Margaret M. Bakos
Em parte alguma, a instabilidade política, nos anos iniciais da república,
foi maior do que no Rio Grande do Sul. Entre a queda do império e a segun-
172 da posse de Castilhos, em janeiro de 1893, o governo estadual mudou de mãos
dezoito vezes. Entre 1890 e 97, Porto Alegre possuiu sete chefes executivos:
três presidentes da Junta Municipal, um administrador, dois intendentes
nomeados pelo presidente do estado e um eleito de forma indireta.
Contribuiu para tal instabilidade a polarização dos gaúchos em torno de
dois partidos políticos bem organizados, entre os quais se instalou uma luta
pelo poder. A filiação a um deles servia como marco referencial mais impor-
tante para posicionar um homem no estado. Nesse aspecto, também o Rio
Grande do Sul diferiu de outras regiões brasileiras, onde os laços familiares
eram, nesse sentido, fundamentais.
No Rio Grande do Sul, na virada do século, havia os adeptos da União
Nacional, que tinham em Silveira Martins o seu grande líder e que estabele-
ceriam, no futuro, as bases do Partido Federalista e do Partido do Libertador,
e os republicanos, mormente os castilhistas.
Grande número dos membros que constituíam a União Nacional eram
oriundos dos antigos partidos monárquicos, acolhendo também dissidentes do
Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Esses, na sua maioria, saíram do
partido por divergir de Júlio de Castilhos ou da identificação que se instaurou
entre a doutrina positivista e o programa partidário republicano. Suas tendên-
cias manifestaram-se, desde os primórdios da organização do PRR, na déca-
da de oitenta, porém consolidaram-se, transparecem com clareza na Consti-
tuição de 1891. A indicação de Castilhos para presidente do estado neste mes-
mo ano e em 1893 contribuiu para aumentar a ira dos seus desafetos.
Em 1898, encerrava-se, segundo Hélgio Trindade, o período instável e de
legitimação da república positivista. Seguiu-se um período de continuísmo de
um único partido político no governo do Rio Grande do Sul. De 1897 a 1937,
Porto Alegre só conheceu três intendentes em seu governo, José Montaury
de Aguiar Leitão, Otávio Rocha e Alberto Bins. Outras importantes capitais
brasileiras, no mesmo período, foram conduzidas, cada uma, por número ele-
vado de chefias – cinco vezes a cifra de Porto Alegre em São Paulo, sete vezes
em Belo Horizonte, nove no Rio de Janeiro, para citar alguns exemplos. Como
entender esse fato? Volume 3
República Velha
Esse fenômeno político foi factível pela transculturação da filosofia posi- Tomo I
tivista, da França, para o Rio Grande do Sul por Júlio de Castilhos. Segundo
Fernando Ortiz, que criou em 1940 esse conceito, transculturação significa o V.
processo transitivo de uma cultura a outra, podendo ser exemplificado, segun- Política na sala
do Bolaños, pela metáfora da formação genética dos indivíduos: “a criatura de visitas
(1897 – 1937)
sempre tem algo de ambos os progenitores, mas também é sempre diferente
de cada um dos dois”. 173
Isso explica como, embora as idéias positivistas tenham tido grande
influência na América Latina, durante a segunda metade do século XIX, elas
gestaram um único exemplo de regime político, que poderia ser denomina-
do de “ditadura republicana”, em conformidade com o significado a ele atribuí-
do por Augusto Comte: o castilhismo. Como bem observa Hélgio Trindade, há
algumas especificidades na concepção dos republicanos positivistas brasilei-
ros. A idéia de relação entre o poder temporal e o espiritual não é a mesma
para Castilhos e Comte. Este considera que a regeneração espiritual e moral
deveria preceder à organização política, enquanto que, para o voluntarismo
político castilhista, a renovação espiritual significa o resultado da transforma-
ção política.
Da mesma forma que Comte, Júlio entendia que o Estado se apresenta-
va sob duas instâncias: a estática e a dinâmica sociais. A estática refere-se às
condições constantes da sociedade e a dinâmica, às leis do seu progressivo de-
senvolvimento. Entretanto, se, para Comte, a dinâmica social subordinava à
estática, pois o progresso provém da ordem e do aperfeiçoamento dos elemen-
tos permanentes de qualquer sociedade – religião, família, propriedade,
linguagem, acordo entre poder espiritual e temporal –, para Júlio de Casti-
lhos, era oportuna a intervenção do Estado com vistas à aceleração do proces-
so de moralização e ao progresso da sociedade. Nessa ótica, a premissa máxi-
ma do castilhismo sempre foi levar com firmeza o Estado ao estágio positivo,
ou seja, ao seu fim social, que seria o de conduzir a humanidade com ordem e
lógica. E, nesse processo, ao contrário do que dizia Comte, se necessário, ca-
beriam conflitos abertos.
Para Augusto Comte governar era uma questão de competência, pois o
poder adviria do saber. Assim, o continuísmo tornou-se o outro ponto funda-
mental do castilhismo, valorizado como tática que levava um administrador
a conhecer para poder prever questões no exercício da chefia do estado e/ou
dos municípios. O município, no castilhismo, funcionava, explica RODRÍGUEZ,
como a escola primária da democracia, na qual nasciam e viviam os gerado-
res dos movimentos sociais e políticos, matriz de homens e líderes que deve-
História Geral do
Rio Grande do Sul
riam futuramente agir na observância de tais valores. Castilhos acreditava
ainda na necessidade da municipalização dos serviços públicos e na manuten-
ção dos orçamentos equilibrados, em nível municipal e estadual.
Reconhecendo, à semelhança de Comte, a crescente influência do pas-
Margaret M. Bakos sado sobre o presente, como exemplo das gerações pretéritas sobre as vindou-
ras, Júlio de Castilhos valorizou a história local, regional e a brasileira. Ele in-
cluiu no vocabulário administrativo do Rio Grande algumas máximas, sendo
174
que a mais importante, porque, parcialmente presente na bandeira do Bra-
sil, foi: “Amor por princípio, a ordem por base, e o progresso por fim”.
Os princípios comtistas, tal como o pó em uma sala, entraram primeira-
mente, a ferro e fogo, na capital do estado, e, depois, pelas instâncias adminis-
trativas, e, principalmente, pela educação. O estado, em 1920, informa Trin-
dade, tinha a taxa de alfabetização mais elevada do país.
Analisando o conjunto das manifestações do positivismo no Rio Grande
do Sul, Nelson Boeira as classificou em três formas:
a) o positivismo político, no período que vai de 1870 (aproximadamen-
te) a 1930, com a aceitação do comtismo como doutrina do PRR;
b) o positivismo difuso, aceito pelo clima receptivo existente em relação
às idéias do darwinismo, spencerismo e evolucionismo, associadas a
ele por muitos intelectuais;
c) finalmente, o positivismo religioso, com alguns adeptos a partir de
1891, cujo período de expansão vai de 1897 a 1908. Nessa fase, a ativi-
dade dos positivistas religiosos foi também muito significativa na área
da administração pública.
Porto Alegre foi, ao longo da República Velha, sede de dois governos: o
municipal e o estadual, sendo, por isso mesmo, o cenário privilegiado para os
desdobres práticos das idéias de Júlio de Castilhos e de seus seguidores. A ela
cabia exibir-se aos visitantes do Rio Grande do Sul como o produto urbano mais
acabado das duas instâncias administrativas.
Segundo Alberto Bins, último prefeito do período continuísta, esse fato
acarretou à cidade ônus e obrigações duplas, sem que para tanto ela recebes-
se a contrapartida financeira do governo do estado!
A ordenação do espaço urbano na capital foi expressiva nesse período.
Traços dessas primeiras normas permanecem, até hoje, como os rasgos na na-
tureza, arruamentos e obras arquitetônicas da cidade, testemunhando a his-
tória de forma concreta e técnica. A filosofia positivista também foi às ruas, ma-
nifestando-se em nomes de avenidas, de praças, bem como na construção do
Volume 3
mobiliário urbano, principalmente em obeliscos, mas também em jazigos, nos República Velha
Tomo I
cemitérios, os quais, na condição de suportes da memória castilhista, reforça-
vam a máxima: “os vivos serão sempre e cada vez mais necessariamente go-
vernados pelos mortos”, cumprindo o seu sentido histórico. V.
Política na sala
Os homens daquela época, enquanto contarmos suas histórias, diz Agnes de visitas
Heller, continuarão existindo. Um dos primeiros administradores de Porto (1897 – 1937)

Alegre, no período republicano, defensor de planos a longo prazo para a cida-


175
de, já pensava assim. Felicíssimo de Azevedo, dono de uma língua muito afia-
da criticava, em 1884, nas páginas de A Federação, os seus colegas vereado-
res do início do século. Chamava-os de “pobres míopes”, por não haverem pre-
visto que a cidade haveria de progredir. Ele lamentava sua pouca inteligên-
cia que “não lhes deixava compreender que a vida do município não é como a
vida de um homem, que a vida do município é longa, extensa, grande como o
destino” (AZEVEDO, 1884, p. 9). Na análise desse discurso, leia-se a máxima
comtista que ensina a “subordinar o indivíduo à família, esta à pátria e à pá-
tria à humanidade”. Felicíssimo, dessa forma, foi um dos primeiros a tornar
os princípios do mestre de Montpellier em motes dos discursos políticos da
capital gaúcha.
Cidade de imensa área superficial e topografia caprichosa, Porto Alegre
tem origens que remontam aos primórdios da efetiva ocupação portuguesa
dos territórios ao sul do país, ambicionados pelos castelhanos.
À vinda tanto dos lagunenses, aqui transpostos para proteger o territó-
rio do Rio Grande, como a dos casais açorianos, chegados para defender as ter-
ras das Missões, passadas a Portugal pelo Tratado de Madrid, deve-se a cons-
trução do primeiro aglomerado de palhoças às margens do Guaíba no decor-
rer da segunda metade do século XVIII. Após quase vinte anos de espera, os
açorianos começaram a receber as terras prometidas no país e com isso se se-
gue o paulatino desenvolvimento das primeiras freguesias de Mostardas, Es-
treito, São José do Norte, Taquari, Santo Amaro, Santo Antonio da Patrulha,
Cachoeira, Conceição do Arroio.
Porto Alegre fazia parte desse seleto grupo de cidades gaúchas de tão re-
motas origens históricas. O pequeno número deve-se ao próprio processo de
povoamento da região. No Rio Grande do Sul oitocentista, as grandes unida-
des de criação exerciam, através de seus estancieiros soldados, um verdadei-
ro controle administrativo regional. O poder de defesa dos grandes proprie-
tários em relação a seus interesses pessoais chocava-se amiúde com o dever
dos comandantes militares de realizar os desígnios da Coroa portuguesa.
Em 1803, o presidente da capitania reivindicou ao rei a criação de qua-
História Geral do tro municípios para administrar mais facilmente as catorze povoações existen-
Rio Grande do Sul
tes. Em 1809, D. João VI estabeleceu a primeira divisão territorial adminis-
trativa do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, elevada à categoria de vila, em 1810, tornou-se uma das se-
Margaret M. Bakos des dos quatro municípios criados. O mesmo sucedeu com outras regiões bra-
sileiras, em que a fundação de vilas também correspondeu à necessidade de
estender às áreas mais desertas, como diz Maria Isaura Pereira de Queiroz,
176
“os elementos administrativos indispensáveis ao entrosamento com a socie-
dade global”. Em 15 de dezembro de 1822, a vila de Porto Alegre recebia fo-
ros de cidade, recuperando sua importância inicial à medida que os imigran-
tes europeus começam a povoar a região serrana, ao norte da província.
A partir dessas primeiras organizações administrativas e mediante os
processos históricos peculiares, constituíram-se os municípios rio-grandenses
atuais.
Com o passar dos anos, modificou-se a divisão original dos municípios gaú-
chos e a área territorial que inicialmente cabia a Porto Alegre reduziu-se, em
1889, quando o primitivo município de Porto Alegre deu origem a quatro muni-
cípios menores.
A importância de Porto Alegre no contexto gaúcho não se reduz, no en-
tanto, as suas remotas origens históricas ou territoriais. Desde os seus primór-
dios desenvolveu-se no vilarejo intensa atividade comercial através de seu
porto, com localização privilegiada devido à profundidade das águas nesse
ponto e à proteção oferecida às embarcações em relação aos seus ventos.
Sua importância era fundamental, como bem mostra Laudelino Medei-
ros, na medida em que favorecia a movimentação de pessoas, idéias e produ-
tos. A cidade, situada na depressão central numa confluência de caminhos flu-
viais e terrestres, distando apenas cem quilômetros da orla marítima, passou
a caracterizar-se como ponto de entrada e partida privilegiado para o mar, con-
centrando interesses políticos, militares e econômicos e configurando-se, tanto
para o exterior como para o interior, num estuário cultural.
Dados de 1870 revelam uma concentração de 64% da população rio-
grandense na Depressão Central, sendo Porto Alegre o escoadouro de sua pro-
dução. No Litoral, encontrava-se cerca de 28% da população e os 8% restan-
tes espalham-se pela Campanha.
Estendem-se, assim, os contornos urbanos de Porto Alegre para além dos
seus muros de proteção e acrescem-se a sua população os imigrantes que de-
cidem permanecer. O artesanato começou a conquistar mercados de consu-
Volume 3
mo permanentes no sul, localizando-se no conjunto urbano inicial da cidade, República Velha
e no leste, na rota de carretas de viajantes, ao longo de uma várzea alagadiça, Tomo I

chamada, apropriadamente de “Navegantes”. Essa, aliás, permaneceu sendo


a denominação do bairro industrial e das moradias operárias que posterior- V.
Política na sala
mente ali se desenvolveram. de visitas
A construção da primeira estrada de ferro, ligando Porto Alegre à cida- (1897 – 1937)
de de São Leopoldo, em meados do século XIX, inaugurou eficiente meio para
177
o escoamento de sua produção. O trecho inicial, da estrada, constantemente
ampliado, foi atingindo outras localidades do estado.
As atividades comerciais que caracterizam os primórdios históricos da ci-
dade receberam grande incentivo com a criação, em 1857, da Praça do Comér-
cio, entidade de classe dos comerciantes e antecessora da atual Associação
Comercial.
À época da proclamação da república, Porto Alegre já apresenta, confor-
me Sérgio da Costa Franco, um notável incremento comercial e industrial.
Chama a atenção a existência de 63 olarias, explicada pela necessidade de
materiais básicos para a construção civil.
A partir desse breve histórico, pode-se tentar estabelecer uma relação
entre a política municipal, o PRR e o continuísmo do governo municipal em
Porto Alegre.
Se à intensa atividade econômica da cidade se somar ao fato de que ela
é, desde 1773, a capital política do continente de São Pedro, pode-se compreen-
der melhor o grau de projeção que goza entre as vilas gaúchas então suas
contemporâneas. Ao abrigar o governo regional e municipal, a cidade torna-
se a sede espacial dos aparelhos de Estado, necessários ao exercício do poder:
Equivale a dizer que em Porto Alegre co-existem permanentemente dois cor-
pos de funcionários civis e militares.
A historiografia tradicionalmente valoriza tal peculiaridade e fatos da his-
tória gaúcha contribuem para chamar a atenção a esse aspecto, como no epi-
sódio da revolução de 1835, quando a cidade de Porto Alegre, por resistir ao
assédio dos farroupilhas, merece do governo imperial a alcunha de “mui leal
e valorosa”.
Se, de um lado, isso significa ser a sede espacial do poder político, de ou-
tro representa maior vulnerabilidade devido aos riscos econômicos e à neces-
sidade de enfrentamentos abertos, decorrentes das articulações político-par-
tidárias do governo do estado, como vamos acompanhar a seguir.
História Geral do Ao anoitecer do dia 15 de novembro de 1889, a população de Porto Ale-
Rio Grande do Sul
gre, estava reunida na Praça D. Pedro II, em frente ao Palácio do Governo,
aguardando os acontecimentos, quando à meia-noite surgiu em uma das sa-
cadas do prédio o visconde de Pelotas, declarando que assumia o comando no
Margaret M. Bakos Rio Grande do Sul, em nome do Governo Provisório instalado no Rio de Ja-
neiro e concluindo sua fala com um viva à república, em que foi acompanha-
do por um coro popular.
178
No dia seguinte, os fiscais da Câmara Municipal, junto com a população,
arrancaram placas e colocaram outras, de papelão, com novos nomes para os
logradouros da cidade: a Praça D. Pedro II passou a Marechal Deodoro; a con-
de d’Eu à Praça 15 de Novembro; a rua da Imperatriz foi à rua Venâncio Aires,
em homenagem ao jovem propagandista da república e primeiro diretor de
A Federação, e paulista, cunhado de Pinheiro Machado, tendo falecido, com
apenas 22 anos. A rua D. Isabel mudou, passou a chamar-se Demétrio Ribei-
ro, em homenagem ao propagandista gaúcho nomeado por Deodoro no Go-
verno Provisório; a rua do Imperador à rua da República; a rua Imperial à rua
Benjamim Constant.
A Câmara Municipal foi dissolvida. O presidente, visconde de Pelotas,
pelo Ato de 20 de janeiro de 1890, nomeou então a primeira Junta Municipal
com as mesmas atribuições da Câmara, composta por Domingos de Souza
Brito, João da Mata Bacelar, Bibiano Dias de Castro, Antonio de Azevedo
Lima, João Antunes da Cunha Neto e José Domingues da Costa, os quais es-
colheram como presidente Felicíssimo Manoel de Azevedo.
Felicíssimo era ex-vereador do Império, mas há dois anos, havia se reti-
rado da Câmara pelo descaso da mesma à moção Aparício Mariense. É im-
portante conhecer o fato para valorizar o perfil do primeiro chefe municipal
de Porto Alegre. Em 1888, como D. Pedro II ausentara-se do país, a regência
era exercida pela princesa Isabel. Nessa ocasião, a Câmara Municipal de São
Borja propôs uma moção para que, frente a um lamentável falecimento do im-
perador, a nação fosse consultada, por plebiscito, para dizer se lhe convinha
na sucessão no trono uma senhora obcecada pela sua educação religiosa e ca-
sada com um príncipe estrangeiro. A corajosa proposta encerrava sugerindo
a submissão dos direitos dinásticos da sucessora do trono ao plebiscito nacio-
nal. Esse encaminhamento, além de injuriar a princesa, violava a competên-
cia das câmaras municipais do Império. O governo logo mandou suspender
os vereadores missioneiros. Júlio de Castilhos, líder à época dos republicanos,
juntamente com as Câmaras de São Francisco de Assis e Dores de Camaquã,
apoiou os são-borjenses (COSTA FRANCO, 1967, p. 49-58).
Volume 3
Devido a esse fato e por sua condição de membro mais idoso da Junta República Velha
Tomo I
Governativa, Felicíssimo iniciou seu mandato cercado de confiança, propondo-
se à organização política do município nesse primeiro período republicano.
V.
Mas, se a escolha do marechal, ferrenho monarquista, e o expressivo nú-
Política na sala
mero de republicanos históricos que ele reuniu para o seu secretariado, tais de visitas
como Antão de Faria, Barros Cassal e Júlio de Castilhos, pareciam conter a (1897 – 1937)
promessa de união entre os gaúchos, isto se revelou um ledo engano! O gover-
179
no do visconde não sobreviveria mais de três meses. O primeiro grave atrito
do visconde com os perrepistas foi a indicação de Aquiles Porto Alegre, opo-
sitor dos próceres republicanos, para inspetor da Alfândega de Rio Grande.
Castilhos e companheiros ameaçaram demitir-se caso Aquiles fosse nomea-
do, sendo apoiados por alguns funcionários públicos. O visconde de Pelotas,
em lugar de mudar de idéia, propôs de início a renunciar ao cargo, para, a se-
guir, reconsiderar essa solução ao impasse (COSTA FRANCO, 1967, p. 66).
A ruptura foi inevitável, pois a escolha do visconde foi deveras polêmica.
A família Porto Alegre foi uma das primeiras a denunciar a entrada e a
influência crescente do positivismo no Rio Grande do Sul, ainda em meados
da década de oitenta. Contra essas idéias, aliás, organizou sessões e pronun-
ciou discursos no Partenon Literário, publicando artigos no jornal A Impren-
sa. Por discordar da orientação positivista que vinha sendo conferida a des-
peito de sua postura republicana, a família Porto Alegre abandonou as filei-
ras do PRR, mas não, sem antes ter ácido atrito com Demétrio Ribeiro, um
dos líderes positivistas do partido (BAKOS, 1982, p. 92).
Dessa forma, entre 7 e 11 de fevereiro de 1890, os castilhistas ficaram de
fora do governo, enquanto o visconde se cercou de antigos amigos gasparis-
tas, os quais, nas palavras de Sérgio da Costa Franco, “buscando puxar a bra-
sa para o seu assado, lhe sugeriam um plebiscito que deliberasse sobre a sua
permanência na administração do estado” (COSTA FRANCO, 1967, p. 67).
Nessa época já funcionava o telégrafo ligando Porto Alegre ao Rio de Ja-
neiro. A linha havia sido inaugurada a 16 de janeiro de 1871. Daquela data em
diante, as notícias do que acontecia no centro do país eram sabidas no dia se-
guinte e às vezes no mesmo dia, caso ocorressem antes das seis horas. O vis-
conde tentou impedir os republicanos de usarem o telégrafo, para isolá-los;
mas, a 9 de março, chegou uma missiva do marechal Deodoro da Fonseca so-
bre o decreto que nomeava Júlio de Castilhos presidente do Rio Grande do
Sul. Castilhos, entretanto, recusou a honraria, cauteloso, face ao prestígio de
que gozava o visconde de Pelotas. Fato compreensível, explica Sérgio da Costa
Franco, o líder receava uma quartelada como aquela que derrubou o império
História Geral do e instituiu a república no país, de cujo espólio ele agora partilhava. Em seu lu-
Rio Grande do Sul
gar, Júlio de Castilhos apontou, para o cargo de presidente, Júlio Anacleto Fal-
cão da Frota, então nomeado, sendo ele designado para 1º vice-presidente e
Antão de Faria, para 2º (Ibidem, p. 73).
Margaret M. Bakos Vencido o primeiro trimestre do governo republicano, Castilhos pôde
sentir o grau das dificuldades que enfrentaria, tanto em relação às resistências
internas do gasparismo, quanto àquelas motivadas pelo governo federal. Ele
180
COSTA, 1922.
teve, logo a seguir, que gerenciar nova crise, dessa feita cau-
sada pela instalação no sul de um banco emissor, contrário
aos interesses do Partido Republicano.
Rui Barbosa, ministro da Fazenda, empreendia na oca-
sião uma reforma financeira, mediante a qual os títulos de
dívida federal substituíam o lastro ouro das emissões bancá-
rias. Ele dividiu o país em três zonas, cada uma das quais
com um banco, autorizado a emitir cédulas de curso forçado,
como papel moeda do Tesouro Nacional.
A medida foi mal recebida pelos republicanos de elite.
Demétrio Ribeiro
Demétrio Ribeiro, representante do PRR no Ministério do
Governo Provisório da República, na pasta da Agricultura,
demitiu-se. Tanto ele como Castilhos, entre outros proble-
mas, temiam o agravamento da inflação, que já aumentara.
O general Julio Frota, presidente do Rio Grande do Sul, que assim tam-
bém pensava, exonerou-se. Atento à situação crítica que se criara o Governo
Provisório resolveu designar um militar estranho ao ambiente político local
para presidir o Rio Grande. E nomeou o general Cândido Costa para substi-
tuir Julio Frota, designando para vice o dr. Francisco da Silva Tavares. Esse
líder, oriundo de rica e influente família bageense, que de conservador virou
republicano, em 1889, assumiu, então, a chefia do município até Cândido Cos-
ta chegar (MOZART, p. 136).
Entretanto, o clima político no estado não permitiria que tal administra-
ção prosperasse. A insatisfação eclodiu em Porto Alegre, após dois comícios
populares nas ruas da cidade. O primeiro ocorreu na noite de 7 de maio, quan-
do manifestantes republicanos apedrejaram o prédio em que se instalara o
Banco Emissor do Sul, e o segundo ocorreu no dia 13, quando a União Repu-
blicana, clube político recém-criado, convocou uma reunião comemorativa da
abolição da escravatura.
Silva Tavares, na presidência do estado, determinou a intervenção poli-
cial para por fim a essa última cerimônia. Quando o povo, ao som de bandas Volume 3
de música, já se encontrava aglomerado na tradicional rua da Praia, esquina República Velha
Tomo I
da atual rua Uruguai, apresentou-se de armas embaladas um pelotão do Exér-
cito, com o objetivo de dispersar o grupo. Recebida por gritos de protesto e pelo
V.
toque marcial da Marselhesa, avançou com violência, alvejando o povo a tiros, Política na sala
com o que fez seis vítimas, sendo um morto e cinco feridos. Dentre esses, es- de visitas
tava o advogado Barros Cassal, figura simpática e popular (COSTA FRANCO, (1897 – 1937)

1967 p. 75).
181
Os castilhistas aproveitaram a tristeza que reinava na cidade, forçando,
com o apoio da Escola Militar, Francisco da Silva Tavares a deixar a Intendên-
cia, na Praça da Matriz em 13 de maio de 1890. O fato teve desdobres graves,
chegando Castilhos a ser acusado nessa ocasião de buscar a separação do país.
Segundo Sérgio da Costa Franco, embora comtista, adepto, pois, das “peque-
nas pátrias”, Júlio não teria tido esse objetivo (COSTA FRANCO, 1967, p. 76).
Ao chegar do Rio de Janeiro para assumir o governo, o general Cândido
Costa buscara a solidariedade de Júlio de Castilhos. Assim, se as deposições
do visconde de Pelotas e de Silva Tavares engrossaram as fileiras de opositores
a Júlio de Castilhos, e se o seu apoio ao marechal Deodoro da Fonseca deter-
minou, a seguir, o afastamento de Barros Cassal, Demétrio Ribeiro e Antão
de Faria do partido republicano, seu prestígio político como líder continuou
alto junto às instâncias federais, pelo tempo de sua vida.
Júlio de Castilhos, como presidente nomeado, viajou ao Rio de Janeiro,
onde a seguir foram publicados o projeto de Constituição Federal e o Regula-
mento Eleitoral de Cesário Alvim.
As desavenças em âmbito de presidência do estado tiveram influência nos
governos municipais. No período entre 1890 e 92, Porto Alegre teve cinco che-
fes municipais: Felicíssimo Manoel de Azevedo foi o primeiro, permanecen-
do no cargo de 22 de janeiro de 1890 a 21 de novembro de 1891. Ele era admi-
rado e conhecido pela fibra, resistência e zelo com que já havia atuado em ges-
tões anteriores. Em dezembro de 1887, ele conseguiu que a Assembléia Pro-
vincial passasse as rendas provenientes do imposto da décima urbana às ren-
das do município, apesar dos votos em contrário de quatro vereadores. A se-
guir, enfrentou um sem número de particulares, que se apresentavam como
proprietários de terrenos na várzea, atual parque Farroupilha, tomando a pei-
to a tarefa de destrinchar os processos. Pessoalmente, ele juntou copiosa do-
cumentação, em repartições públicas, mediu campos e ruas, examinou plantas
e mapas, conseguindo desmascarar os portadores de escrituras simuladas.
Sob o pseudônimo de “Fiscal Honorário”, ele colaborou no jornal A Fede-
ração desde a sua fundação, em seção denominada Cousas municipais. Ele
História Geral do escreveu, segundo suas palavras, levado pelo sentimento de contribuir com
Rio Grande do Sul
um pequeno contingente para a história do município dessa capital, de cujos
interesses se tornou assíduo defensor. Ele desejava que Porto Alegre, onde
teve o berço se elevasse “ao maior auge de prosperidade e grandeza a que tem
Margaret M. Bakos incontestável direito”.
Felicíssimo adotou atitudes de pôr tudo às claras em sua vida particular.
Viúvo, em setembro de 1894, o Fiscal fez o inventário de seus pertences, de
182
pleno acordo com os sete filhos genros e noras. A cada um deixou uma casa,
sendo cinco à rua da Concórdia e duas à rua Venâncio Aires. A de maior ex-
tensão, nessa rua, de nº 40, onde ele morava, ficou para sua filha solteira, para
compensar a grande dívida de gratidão, contraída por ele àquela que chamou
de “inolvidável companheira de meio século”, pela sua devoção aos velhos pais.
Nesse texto, leia-se a inclusão de mais duas máximas de Augusto Comte – Mo-
nogamia condição essencial à organização da família e Imaculada pureza
de intenções –, as quais, para Felicíssimo, inspirado em Comte, deviam pon-
tear as práticas sociais.
Ele foi o primeiro administrador municipal a receber remuneração, por-
que expôs que, vivendo de seu trabalho, não lhe seria possível continuar a ser-
viço da municipalidade sem que lhe fosse dado um ordenado, para poder de-
dicar-se exclusivamente a esse serviço. Seus pares resolveram lhe dar um sa-
lário de 300 mil réis mensais, sob o protesto de dois vereadores que se demi-
tiram a seguir (COSTA FRANCO, 1992, p. 53). Na primeira Lei Orgânica de Por-
to Alegre, em 1892, a remuneração do intendente tornou-se compulsória.
O discurso curto do ex-ourives, ex-soldado que lutou contra Rosas, diplo-
mado em Odontologia, comerciante em Jaguarão, articulista de A Federação,
deixado ao final do seu testamento evidencia sua ligação com a filosofia posi-
tivista: “o que fica aí mencionado é o fruto de 56 anos de trabalho honrado –
Porto Alegre, 9 de dezembro de 1895”.
Entretanto, Felicíssimo morreria desgostoso com sua experiência na che-
fia municipal de Porto Alegre. Ele permaneceu menos de dois anos no posto,
demitindo-se em 21 de novembro de 1891. Algum tempo depois de sua saída
confessou-se vexado por ter consentido ser, segundo sua próprias palavras,
“simples empregado do governo”. Dizia ter sido avisado de que não lhe cabia
assumir responsabilidade sobre nenhuma realização durante seu mandato,
sendo aconselhado a nada mudar. Somente a Júlio de Castilhos e à comissão
administrativa, que lhe obedecia cegamente, era dado tomar decisões (BAKOS,
1996, p. 43).

Volume 3
Concluída sua participação na Constituinte Federal, Castilhos voltou ao República Velha
Tomo I
Rio Grande do Sul, em 3 de março de 1891, chegando a Porto Alegre no dia
nove, quando foi recebido por um comício na Praça da Alfândega. Cândido
V.
Costa designou Júlio de Castilhos, Ramiro Barcelos e Assis Brasil para ela-
Política na sala
borarem o projeto da Constituição Estadual, mas essa tarefa Castilhos enfren- de visitas
taria sozinho, conferindo-lhe uma feição positivista, em desrespeito aos cole- (1897 – 1937)
gas, que, por tal razão, abandonaram os postos.
183
Com relação a Porto Alegre há, na Constituição, uma cláusula que rege
o grau de reciprocidade entre governo do estado e do município; mas o que
de fato ocorreria era uma liberdade vigiada do intendente pelo presidente do
estado. A este cabe anular todas as resoluções e atos do primeiro, sempre que
fossem infringidas leis federais e estaduais. Vistas as leis estaduais, à exceção
das orçamentárias, serem feitas por decreto do presidente, o estado adquiria
plenos poderes sobre os municípios.
Cândido Costa demitiu-se do cargo, assumindo em seu lugar o vice-pre-
sidente Fernando Abott (16/03/1891 a 15/07/1891). Aprovada a primeira Cons-
tituição Republicana do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos concorreu à pre-
sidência do estado. Eleito, assumiu o posto em 3 de novembro de 1891.
Desde as eleições de maio de 1891, o ambiente político da cidade foi sem-
pre tenso, não raro explodindo em manifestações e quarteladas (COSA FRAN-
CO, 2000, p. 102). Em novembro ocorreu uma nova e violenta crise no Rio Gran-
de do Sul em face da atitude do marechal Deodoro da Fonseca, que dissolveu
o Congresso Nacional, com vistas a tornar-se ditador da República. Castilhos,
que se sentia comprometido com Deodoro, decidiu enviar ao marechal ape-
nas um telegrama lacônico: “Ordem pública será plenamente mantida aqui”
(FRANCO, 1967 p. 117).
A atitude de Júlio de Castilhos foi muito mal vista pelos gaúchos. Em 12
de novembro, uma multidão decidida a obrigar o presidente a renunciar, reu-
niu-se na Praça da Alfândega. O comércio foi obrigado a cerrar as portas. Ora-
dores inflamados se fizeram ouvir, berrando que Júlio de Castilhos não mais
gozava da confiança popular. Uma comissão da turba subiu a ladeira e enfren-
tou Júlio de Castilhos, que aquiesceu, furioso, em sair, não sem esclarecer que
deixava o poder à anarquia (LOVE, 1975, p. 52).
Foi nomeada uma junta governativa, formada por Assis Brasil, Barros
Cassal e o general Manoel Rocha Osório. Assim, voltava Castilhos a ser opo-
sição, manifesta, principalmente, através de seus editoriais em A Federação.
Nesse período, ocorreu o pedido de demissão de Felicíssimo Manoel de
Azevedo, havendo o presidente do estado, o alegretense dr. João Barros
História Geral do
Rio Grande do Sul Cassal, acedido e substituído o velho lutador, por João da Mata Coelho que,
no mesmo dia, tomou posse na presidência da Junta Municipal.
O período de governo da Junta Governativa, em lugar de Júlio Castilhos,
tornou-se conhecido como o Governicho (12/11/1891 e 17/6/1892). Nessa fase,
Margaret M. Bakos
Porto Alegre tornou-se o palco de inúmeras cenas de violência nas praças e
nas ruas, que pré-anunciavam a primeira grande guerra civil gaúcha, no
período da República Velha: a Federalista.
184
No intuito de lograr a pacificação do estado, César Ferreira Pinto – ami-
go comum de Castilhos e Silveira Martins – propôs um encontro entre os dois
líderes no Hotel La Minuta, na rua dos Andradas, em princípios de junho de
1892. Entretanto, não houve um entendimento entre eles, sendo o fecho des-
se encontro marcado pela famosa frase de Silveira Martins: “Idéias não são
metais que se fundem” (COSTA FRANCO, 1967, p. 139).
Esses fatos aconteceram alguns dias após a saída de Felicíssimo de Aze-
vedo da Intendência Municipal. Na ausência de Júlio de Castilhos do poder,
Porto Alegre teve três chefes: João Damata Coelho que governou sete meses
(21/11/1891 a 11/06/1892); José Domingues da Costa (11/06/1892 a 29/06/1892);
e Domingos de Souza Brito, que permaneceu quatro meses (29/06/1892 a 12/
10/1892).
A Constituição rio-grandense de 14 de julho de 1891 prescrevia eleições
para intendentes dentro de cinco meses após sua promulgação, a serem pro-
movidas para conselheiros, pela Junta Municipal, e para intendente, pelo Con-
selho Municipal eleito. Entretanto, em 1º de junho de 1892, quase um ano, a
nova Junta Municipal tomava posse, nomeada pelo presidente do estado. Re-
caíram os votos sobre José Domingues da Costa, para presidente, e em Luís
Afonso de Azambuja, para vice-presidente. Coube a essa junta, que perma-
neceu apenas 18 dias no poder (11/06/1892 a 29/06/1892), concluir o processo
eleitoral que elegeu o primeiro Conselho Municipal, constituído pelos cida-
dãos Clemêncio Walau (presidente), Domingos de Souza Brito, Gonçalo Henri-
que de Carvalho, João Pimentel, Domingos Martins Pereira e Souza, Antonio
Gomes de Carvalho, Joaquim José da Silva Filho e Rafael Gonçalves Ventu-
ra (SPALDING, 1967, p. 184).
No dia 4 de fevereiro de 1892, a capital foi alarmada com a notícia que
corria, desde a manhã, de que o presidente general Barreto Leite ia ser de-
posto e seria aclamado para substituí-lo o ex-presidente do estado, Júlio Prates
de Castilhos. Segundo relato de Moritz, jornalista e opositor do governo, em
várias ruas da cidade, principalmente na dos Andradas, reuniam-se grupos
populares, sendo que as oficinas de A Federação neste dia nada publicaram. Volume 3
Governava novamente o estado o visconde de Pelotas, após a renúncia República Velha
Tomo I
do general Domingos Barreto Leite, quando, no nono dia após a sua posse,
oficiais da Guarda Cívica, tomaram de surpresa o quartel da Força, situado
V.
na Praia de Belas e a Casa de Correção, marchando triunfantes até o Palácio Política na sala
do Governo. Era, finalmente, o contragolpe anunciado anteriormente, que de visitas
ocorria em 17 de junho de 1892. Na defesa da idéia de que era a autoridade (1897 – 1937)

legal, visto ter sido eleito, Júlio de Castilhos retornava. Depois de sete meses
185
fora do poder, ele foi às sacadas do palácio, onde foi aclamado pela multidão
(MEDEIROS, 1995, p. 18). Entretanto, Júlio resignou de súbito, nomeando o
deputado federal Vitorino Monteiro para a presidência. A atitude não aplacou
a fúria dos opositores. João Nunes da Silva Tavares se fez forte em Bagé e, a
partir de junho, os federalistas começaram a imigrar em massa para o Uru-
guai e Argentina, para Santa Catarina e Paraná.
Isso não quer dizer que Porto Alegre tenha sido estranha à gestação e ao
desenvolvimento da luta armada. Ao contrário, explica Sérgio da Costa Fran-
co, “por ser a sede do governo e o foco principal das tricas e futricas das oligar-
quias regionais, foi da capital que partiram as manobras das oligarquias regio-
nais” (COSTA FRANCO, 2000, p. 101). Barros Cassal abordou um navio de guer-
ra no estuário do Guaíba e tentou convencer seu comandante a abrir fogo so-
bre Porto Alegre, nada conseguindo (LOVE, 1975, p. 57).
Em 15 de outubro de 1892, Vitorino Monteiro criou, pelo ato 357, a Bri-
gada Militar no estado, extinguindo a antiga Guarda Cívica (FRANCO, 1967,
p. 149). Nas ruas de Porto Alegre ecoavam duas reivindicações dos federalistas:
a derrogação da Constituição de 14 de julho e a retirada de Castilhos do gover-
no. Eram razões suficientes para uma revolução (MEDEIROS, L. 1995, p. 14).
Na Intendência da capital, o cargo continuava vago. Por isso, o conselhei-
ro Gonçalo Henrique de Carvalho propôs que fosse eleito pelo conselho um de
seus membros para exercer a função. Recaíram os votos sobre o cidadão con-
selheiro José Domingos de Souza Brito, que, entretanto, ficou apenas quatro
meses no poder (29/06/1892 a 12/10/1892).
Finalmente, e sem atender ao que estabelecia a constituição do estado –
o presidente do estado interino, dr. Fernando Abott (27/09/1892-25/01/1893),
nomeou, por decreto, Alfredo de Azevedo como intendente de Porto Alegre,
havendo esse assumido a Intendência em 12 de outubro de 1892, na qual
permaneceu por cerca de quatro anos.
Castilhos chegou a Porto Alegre em 15 de dezembro e foi empossado pe-
rante os deputados da 2ª legislatura republicana; no dia 25 de janeiro, para o
qüinqüênio de 1893 a 98. A revolução eclodiu no dia 2 de fevereiro de 1893,
História Geral do
Rio Grande do Sul
quando os federalistas, liderados por Gumercindo Saraiva passaram a fron-
teira rumo a Bagé com mais de 400 homens, em grande parte brasileiros, usan-
do divisas vermelhas, mas acompanhados também por um número conside-
rável de orientais, que ostentavam divisas brancas, demonstrando sua vincula-
Margaret M. Bakos ção com o Partido Blanco (RECKZIEGEL, 2005, p. 53).
Nas palavras do ex-amigo, cunhado, correligionário e, ao final, opositor
político ferrenho, Assis Brasil, Júlio de Castilhos não amava “o poder pelo po-
186
der ou seja”, por seus símbolos, luxos e honrarias. Ele ambicionava, segundo
o seu biógrafo, Sérgio da Costa Franco, as rédeas do governo para impor as
escolhas que ele arbitrava serem as melhores para os rio-grandenses, o que
significa o desempenho do papel que Comte atribuía aos sábios.
Porto Alegre foi, em maio de 1892, o local de encontro entre o major Fa-
ria, enviado por Floriano Peixoto, e os chefes das diferentes facções civis e mi-
litares envolvidas para buscar a paz (MEDEIROS, 1995, p. 15). Como isso foi im-
possível, alguns meses depois, Alfredo Augusto de Azevedo assumiu a Inten-
dência de Porto Alegre em clima de guerra civil, permanecendo no cargo por
cerca de quatro anos (12/10/1892 a 2/01/1896).
O ato nº 1, de Alfredo Augusto de Azevedo, datado de 14 de outubro de
1892, foi a promulgação da primeira Lei Orgânica da cidade. Por meio dela
organizou-se o território do município da capital, que compreendia os seus su-
búrbios, o das ilhas fronteiras à capital e o das freguesias de Belém e Pedras
Brancas, arbitrando divisões em distritos, esses subdivididos em
comissariados.
O poder municipal seria exercido por um intendente que dirigiria os ser-
viços, escolhendo livremente o seu vice, que não podia ser seu parente até o
décimo grau. Devia ser auxiliado por um conselho, ao qual cabia apenas dis-
cutir questões orçamentárias e fazer o funcionalismo municipal prometer “ser
fiel cumpridor do cargo para o que foi eleito (ou nomeado), não faltando jamais
às inspirações do patriotismo, da lealdade e da honra”. Isso incluía a partici-
pação em pleitos eleitorais municipais, de quatro em quatro anos, sendo o voto
em aberto.
Azevedo focalizou sua atenção no sistema viário de Porto Alegre: cons-
trução de calçamentos e bueiros nas ruas e melhoria de estradas para os ar-
rabaldes. Ele alterou também os nomes de algumas vias públicas, como, por
exemplo, as ruas General Silva Tavares e Silveira Martins passaram a chamar-
se Marechal Floriano Peixoto e General João Telles. A troca teve uma causa:
os nomes haviam se tornado odiosos a todos os brasileiros em virtude dos úl-
timos acontecimentos ocorridos nas fronteiras, quando eles haviam invadido
Volume 3
a pátria com elementos estrangeiros. Além disso, ele julgava que ao municí- República Velha
pio de Porto Alegre cabia dar ao estado e ao país o exemplo dessa repulsa. Tomo I

Dois aspectos são importantes nesse ato. O primeiro diz respeito ao va-
V.
lor simbólico, de cunho moral e cívico, que foi conferido aos nomes das ruas.
Política na sala
O segundo, concerne à consagração de Porto Alegre como exemplo de admi- de visitas
nistração urbana, reforçando sua condição de vitrina do mandonismo castilhis- (1897 – 1937)
ta, o que também transparecia de outras maneiras.
187
Algum tempo depois, em 5 de novembro de 1892, em carta enviada ao
tio Joca – o general João Nunes da Silva Tavares, o visconde de Itaquy – , Ce-
cília Facundo da Silva Tavares relata que “ainda não eram 5 horas da madru-
gada, acordamos sobressaltados, com baques terríveis na porta”. A casa, situa-
da na rua Riachuelo, esquina com a rua do Arroio, atual Bento Martins, fora
cercada por 40 homens violentos, dizia a menina, que levaram o seu pai para
a cadeia “de chinelos, sem meias, de camiseta de flanela de dormir e sem cha-
péu”, depois de terem matado a seus dois irmãos. Os pedidos da família para
que fosse chamado o chefe da Polícia não foram atendidos. Com pesar, quei-
xa-se Cecília: “A nossa casa está em lastimável estado: portas, janelas, pare-
des, quadros, espelhos e piano, tudo furado à bala” (MORITZ, 2005, p. 354).
Alguns anos depois desse fato, Azevedo criou os postos policiais, com es-
trita ordem de ter sempre em vista, sob pena de responsabilidade, que nin-
guém poderia ser preso, salvo em caso de flagrante delito ou por ordem es-
crita de autoridade competente. O ato legal, datado de 23 de julho de 1895, vi-
nha tarde demais à família de Cecília.
Nesse mesmo ano, Azevedo, pela feitura do processo de eleições muni-
cipais, criou grave crise entre ele e o Conselho. Seus pares foram a Júlio de
Castilhos saber a quem competia a decretação da lei. E o presidente, anulan-
do o decreto 19 de 1895, de Azevedo, explicou que, pela Constituição do esta-
do, isso cabia ao Conselho.
Em 3 de janeiro de 1896, Alfredo Augusto de Azevedo exonerou-se do
cargo em caráter irrevogável, alegando a interferência constante do governo
do estado em assuntos municipais, o que o impossibilitava de administrar e
servir à causa pública. Ele dedicou-se à primeira usina elétrica de Porto Ale-
gre – a Fiat Lux – que fundou e dirigiu até o fim da vida.
João Luiz de Faria Santos, que dois anos depois, junto com outros orto-
doxos, criaria a Igreja Positivista em Porto Alegre, foi o nome indicado à In-
tendência de Porto Alegre, conservando-se no cargo até 15 de outubro de 1896,
data em que o intendente eleito – José Montaury de Aguiar Leitão – deveria
História Geral do
Rio Grande do Sul
ter tomar posse, mas como esse estava ausente da cidade, foi substituído, tem-
porariamente, pelo cidadão Querubim Febeliano da Costa (SPALDING, 1967,
p. 158).
Farias Santos, nascido em Jaguarão, em 1855, era herdeiro da Estância
Margaret M. Bakos
do Quilombo. Ele estudou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e trabalhou
em obras públicas do estado do Rio Grande do Sul, mas seu valor maior para
o cargo foi, certamente, a filiação positivista.
188
Na sua curta gestão, João Luiz de Farias Santos, seguindo a iniciativa de
Azevedo, criou normas à denominação das ruas, proibindo que se dessem aos
lugares nomes de pessoas vivas. Caso fossem falecidas, antes de transcorridos
sete anos de sua morte. Ele exigiu que os nomes referissem fatos sociais de in-
teresse direto da localidade, em memória dos grandes homens, dos bons ser-
vidores da pátria e da humanidade e de notáveis feitos, indicados pelo inten-
dente e registrados em pequenas placas das vias públicas.
É natural que os contemporâneos, inimigos dos perrepistas, sentissem-
se cada vez mais incomodados em Porto Alegre, buscando até viver no estran-
geiro. Veja-se, por exemplo, Silveira Martins, que, havendo retornado à cida-
de por ocasião do 2º Congresso Federalista, em 1896, muito pouco perma-
neceu, radicando-se em Montevidéu, onde recebia aos amigos em sua residên-
cia, em Calle de Rincón (RECKZIEGEL, 2005, p. 62).
Há outros exemplos de nomes para ruas, significativos do pensamento
de Antão de Farias, que norteava a construção da cidade. Em 1896, terrenos
doados por particulares à municipalidade, para arruamentos, receberam os
nomes de Fernandes Vieira, Felipe Camarão e Henrique Dias. Em longo dis-
curso, Farias Santos explicou que eles guardavam a memória da expulsão dos
holandeses, no século XVII, um dos fatos culminantes da nossa história pátria,
pelo marco à formação de nossa nacionalidade e progresso moral. Isso, gra-
ças ao português João Fernandes Vieira, o índio Felipe Camarão e o preto
africano Henrique Dias, representantes das três raças valiosas do Brasil.
A preocupação com os nomes das ruas é mesmo digna de nota, porque
como diz Cheuiche, em linguagem poética, “os tempos mudaram, mas as ruas
continuam fazendo parte das nossas vidas. Não é por acaso que são chamadas
de artérias”.

Montaury assumiu em 1898. Ele tinha uma concepção moderna do es-


paço urbano, como um processo de transformação, simultaneamente condi-
ção de registro e agente histórico, o que transparece ao longo dos seus discur-
sos. Volume 3
Carioca, formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, tornou-se co- República Velha
Tomo I
nhecido e respeitado no Rio Grande do Sul pelo seu trabalho na Comissão de
Terras e Imigrantes no Estado. Devido a essa função, estava longe da capital
V.
ao ser chamado à Intendência. Somente aceitou o cargo por duas razões. A Política na sala
primeira era de ordem ética: sua subordinação cívica, à postura de Viver de visitas
para outrem, que segundo Augusto Comte, era correta no estágio positivo da (1897 – 1937)

cidadania. A segunda era sua compreensão da importância de participar do


189
processo modernizador de Porto Alegre, com vistas a transformar a cidade
numa peça de glória e de representação do Rio Grande do Sul no país e no exte-
rior.
Montaury recebeu uma missão espinhosa. O extenso território da cida-
de, sua população rarefeita, os enormes espaços vazios entre os prédios, a su-
jeira nas ruas, cujas sarjetas serviam de escoadouro para águas servidas, pois
não havia esgotos cloacais, davam uma pálida idéia do muito que havia a ser
feito para transformar a aldeia em uma cidade moderna.
À Intendência não é possível fazer melhoramentos com o recurso apenas
das rendas ordinárias. Assim queixava-se, edil logo depois da posse no cargo,
pois a arrecadação nem sempre correspondia ao cálculo previsto oficialmente.
Tampouco se podia contar com capitais da Praça porto-alegrense, justifican-
do suas primeiras recorrências a empréstimos externos para:
1) Construir canalizações necessárias para o abastecimento de água na
cidade, substituindo a obsoleta venda de líquido potável em barris, de
porta em porta. Isso incluía a necessidade de encampar as hidráulicas
particulares – a Guaybense e a Porto-Alegrense. As negociações, ini-
ciadas em 1898, terminaram em 1904 com a absorção apenas da pri-
meira, pois, conforme a Comissão Municipal, a segunda estipulara um
valor muito alto a um equipamento velho e obsoleto.
2) Limpar as ruas, desentupindo e ampliando as sarjetas, que serviam
de escoadouro para águas e chuvas.
3) Construir esgotos, tornando subterrâneo o sistema de esgoto de Por-
to Alegre, ironicamente chamado de “portátil”, devido ao transporte
dos dejetos em cubos, por carroças, desde as origens privadas (com
perdão do jogo de palavras) até o seu destino público: o estuário do
Guaíba. Pretendeu-se ainda aperfeiçoar o sistema de desinfecção dos
cubos e proibir o uso de fossas fixas, as famosas casinhas, considera-
das veículos transmissores de doenças, como o tifo. Já em 1912, come-
çaram a funcionar as primeiras instalações de esgotos que, à exemplo
História Geral do do sistema de abastecimento de água, inaugurado em 1906, deveria
Rio Grande do Sul
atender somente a mais antiga zona da cidade.
4) Criar depósitos para o lixo, cujo serviço de coleta fora encampado pela
Intendência, em 1897. Nessa ocasião, planejaram diminuir os custos
Margaret M. Bakos dessa tarefa, para torná-los acessíveis a um maior número de prédios.
Isso era imperativo, para evitar que a população depositasse seu lixo
nos terrenos baldios, não apenas por ser sanitariamente inconve-
190
niente, mas sobretudo por ser incompatível com a imagem de uma ci-
dade progressista.
5) Construir o primeiro serviço de assistência pública do país, que, em
apenas dez anos de atividade, contava com ambulância e material ci-
rúrgico nos postos para primeiros socorros, além de consultórios para
atendimento à pobreza e serviços de enterro gratuito para os indigen-
tes.
6) Construir uma usina municipal para solucionar o grave problema de
iluminação. Com essa intenção, também foi municipalizada, em 1906,
a Companhia Privada Rio-Grandense, que, desde 1876, fornecia luz à
gás em Porto Alegre. Tais medidas, no entanto, não foram suficientes
para melhorar o serviço de iluminação, que ainda contava com o auxílio
de outras companhias particulares, fornecedoras de luz, entre as quais
a mais forte era a Fiat Lux.
7) Fornecer transporte elétrico a Porto Alegre, que até esse momento vi-
via o espetáculo lento e ritmado apresentado pelas maxambombas:
dois burrinhos puxando carros, cujos passageiros iam sentados apenas
até os trechos mais ásperos do caminho, quando tinham de ajudar os
burros a subir, continuando a viagem a pé.
8) Construir prédios alterosos com a finalidade de dar boa impressão aos
visitantes. Na consecussão desse projeto, a título de estímulo, o poder
público não poupava concessões à sociedade civil. Elas iam desde a isen-
ção, por dez anos, do imposto predial, a quem construísse um teatro
na capital até a dispensa de multas e parcelamento das taxas devidas
às instalações domicialiares de águas e esgotos para construções recen-
tes com novos padrões arquitetônicos. O governo municipal participou
ativamente desse projeto, construindo inúmeros prédios públicos, dos
quais um dos mais significativos, arquitetonicamente, foi o da atual
Prefeitura Velha – o Paço dos Açorianos –, construído entre 1898 e
1901.
Em 13 de dezembro de 1913, foi aprovado o primeiro Regulamento Ge- Volume 3
ral de Construções da cidade, que buscava evitar edificações que República Velha
Tomo I
desabonassem a capital gaúcha e prejudicassem os seus foros de pro-
gressista.
V.
9) Elaborar um plano de remodelação total da cidade, do qual, por de- Política na sala
cisão de José Montaury, encarregou-se João Moreira Maciel. O enge- de visitas
nheiro, em 1914, entregou-lhe completíssimo estudo do desenvolvi- (1897 – 1937)

mento urbano, que privilegiava uma atualização significativa no siste-


191
ma viário da cidade, de forma a adequá-lo ao usufruto de motoristas e
tripulantes de automóveis, em breve numerosos, na cidade. O histo-
ricamente conhecido Plano de Melhoramentos da Capital não descui-
dou dos pedestres nem das áreas de lazer, prevendo a construção de
muitas praças e sua arborização.

No relatório relativo à segunda gestão, na questão de saneamento da ci-


dade, Montaury, explica que, a partir da citação da máxima positivista “con-
servar melhorando”, tentara negociar com as companhias particulares forne-
cedoras de água existentes. Colocou em anexo todos os papéis relativos ao as-
sunto, deixando às claras as razões do seu fracasso no negócio. Impressiona
muito, em leitura atenta, observar a forma meticulosa com que Montaury sou-
be aplicar à rotina cotidiana, a retórica positivista. É provável que Augusto
Comte nem tenha imaginado essa aplicação, mas Júlio de Castilhos, sim, sen-
do ela apreciada também pelos conselheiros municipais e por Borges de
Medeiros, o que valeu a Montaury a chefia de Porto Alegre por 27 anos.
Logo no início do seu governo, Montaury preocupou-se ainda em afor-
mosear Porto Alegre, nas cercanias do atual Parque da Redenção, cujas ave-
nidas convergentes para um jardim central, destinavam-se a exercícios e fes-
tas militares, bem como à parada das carretas. Mas, como com as rendas or-
dinárias não havia como fazer as obras, solicitou autorização para vender em
hasta pública os terrenos alinhados à Escola Militar, o que também não ocor-
reu, devido à crise econômica geral da população.
A situação do poder público municipal de Porto Alegre, ao longo das ad-
ministrações de Montaury, tornava-se cada dia mais difícil. As greves operá-
rias se sucediam: em 1913, os padeiros; em 1914, os marmoristas; em 1915,
operários de pedreiras, calçamentos, tecelões, calceteiros e padeiros. Os pro-
testos demonstram expressivamente o clima de descontentamento geral rei-
nante na cidade (BAKOS, 1996, p. 92).
Na esteira do princípio positivista de defender os fracos contra a explo-
História Geral do
Rio Grande do Sul ração dos fortes, Montaury tomou, em 1914, algumas medidas. Ele estabele-
ceu o preço da venda dos gêneros de primeira necessidade, com a supervisão
dos subintendentes municipais e dos inspetores da polícia administrativa, di-
reta e através de denúncia escrita, firmada por pessoa idônea. Ele também re-
Margaret M. Bakos duziu em 50% os impostos de comércio e policiamento dos açougues, cujos
proprietários se comprometessem a vender carne pelos preços estabelecidos
pelo intendente.
192
Na mesma ocasião, Montaury buscou favorecer a incorporação do pro-
letariado à sociedade de classes, preconizada pelo castilhismo, por meio da
concessão de favores especiais a empresas e/ou particulares que aplicassem
na construção de albergues noturnos para necessitados, em cada um dos três
primeiros distritos, os saldos dos seus orçamentos, bem como na construção
de habitações higiênicas e de baixo aluguel para operários. Ele também ofe-
receu incentivos fiscais aos proprietários que investissem parte dos seus or-
çamentos no projeto de embelezamento e saneamento futuro de Porto Alegre.
Montaury buscou valorizar o papel simbólico de Porto Alegre pelo ato 127,
que definia o dia 20 de setembro de 1916 para a inauguração de uma exposi-
ção-feira de agropecuária. A escolha da data histórica foi feita pela conve-
niência de associar no mesmo certame os produtores deste e dos demais muni-
cípios do estado, conferindo a Porto Alegre o caráter de vitrina dos progres-
sos em diferentes ramos das artes e indústrias do Rio Grande do Sul.
Montaury sofreria, no pleito de 1916, a concorrência de um oponente, o
qual lançou um curto e incisivo programa: “acabar com a tirania borgista atra-
vés de uma revolução”. O seu primeiro enfrentamento eleitoral tinha sido em
1908, com Antão de Farias que, embora tenha lastimado em 1903 a morte de
Júlio de Castilhos, oito anos depois, desafiou a autoridade de Borges de Medei-
ros, dileto pupilo do patriarca, e concorreu à chefia de Porto Alegre.
Na verdade, a oposição ao intendente, em 1908 e 1916 visavam atingir a
Borges de Medeiros. Esse já vinha sofrendo perdas sucessivas de prestígio
com as saídas do PRR de políticos da maior importância, como Fernando
Abott, em 1907, que criou, a seguir, o Partido Republicano Democrático, vin-
do a concorrer pela presidência do estado, contra candidato do PRR. E, em
1915, de Ramiro Barcellos, por Borges ter apoiado a Hermes da Fonseca, em
lugar do correligionário, para uma vaga no Senado.
José Montaury esforçava-se por implementar em Porto Alegre as como-
didades dos tempos modernos, mas a capital crescia mais rápido do que as
verbas necessárias. Em 1920, a população de Porto Alegre atingia o número
de 181.985 habitantes, passando para 256.550 dez anos depois. A capital assu- Volume 3
mia então, junto com Salvador, Recife e Belém, um lugar entre o pequeno gru- República Velha
Tomo I
po de cidades brasileiras com população entre 200 e 500 mil habitantes. Aci-
ma dessas, estavam apenas São Paulo e Rio de Janeiro. Naquele ano, Porto
V.
Alegre era o único município no estado com uma população acima de 100 mil Política na sala
pessoas, num contexto em que apenas cinco outros municípios contavam com de visitas
mais de 50 mil habitantes. Segundo Love, nessa data, cerca de 77% dos rio- (1897 – 1937)

grandenses viviam em municípios com índice abaixo de 50.000 pessoas.


193
COSTA, 1922.
Plenário Assembléia
Legislativa. 1922.

Os anos entre 1919 e 22 corresponderam ao período em que o governo


brasileiro apresentou o maior deficit orçamentário, fruto da crise internacional
que afetava a economia brasileira. Os fatos favoreceram a formação de grupos
dispostos a apear o PRR do poder RS. Assis Brasil, grande estancieiro, des-
pontou como o líder das oposições. Dentro do PRR estudava-se a substituição
de Borges de Medeiros pelo deputado federal Francisco Otávio Rocha no plei-
to para presidente do estado, em 1922.
Imediatamente após tomar conhecimento do fato, Otávio Rocha, mani-
festou-se contrário à idéia. Na sua opinião, o momento era crítico para a hege-
monia do PRR e não admitia vacilações. O candidato em 1922 deveria obriga-
toriamente ser Borges de Medeiros, quer ele quisesse ou não, pois era “como
todos os republicanos, apenas um soldado a serviço do Rio Grande do Sul”.
A vitória de Borges, em sua quinta reeleição, deu início à Revolução de
23 e a novos episódios de degola, finalizando com o Pacto de Pedras Altas, nesse
mesmo ano. A constituição de 1891 – fonte de legitimação do PRR – foi revi-
História Geral do
sada, permitindo-se o acesso ao poder de outras facções das classes dominan-
Rio Grande do Sul tes gaúchas.
Como no decorrer da campanha contra a quinta reeleição de Borges a
crítica fincou pé no continuísmo que o PRR propiciava aos seus mandatários
e na sua repercussão na economia dos municípios e de todo o estado, a per-
Margaret M. Bakos
manência foi o primeiro dos artigos a ser modificado na constituição estadual
e nas leis orgânicas municipais. Pela nova legislação, o intendente não pode-
ria mais ser reeleito para o quatriênio imediato.
194
Assim, Montaury foi impedido de concorrer ao governo de Porto Alegre,
em 1924. Consoante João Neves da Fontoura, republicano engajado e amigo
pessoal de Montaury, a nova lei trouxe aos porto-alegrenses um coro de espe-
ranças de reformas e progressos. Neves da Fontoura explica que havia uma
lastimável contradição entre as simpatias que a pessoa do intendente desper-
tava e o descontentamento com a sua administração. O horror a mudanças que
transparece ao longo das administrações de Montaury, contribuiu, conforme
seu correligionário, para criar em torno do partido e governo uma atmosfera
de impopularidade.
Para suceder a Montaury na Intendência, o PRR, por escolha de Borges
de Medeiros, indicou Otávio Rocha e, para seu vice, Alberto Bins. A escolha
de Rocha foi também, além de política, uma atitude cortês de Borges pela pes-
soa de Rocha e por sua solidariedade no momento em que seu prestígio esta-
va sendo posto em cheque pelo próprio partido, em 1922.
Eleito, em memorável pleito, para o cargo de intendente municipal, Otá-
vio Rocha subiu em 14 de outubro de 24, pelos braços dos correligionários, as
escadas do Palácio da Praça de Montevidéu, para exercer sua última função
pública, pois faleceria em fevereiro de 28.
À luz do pensamento de Gramsci, sabe-se, hoje, que é preciso, quando se
verifica uma crise hegemônica, apresentarem-se lideres e projetos novos. Na
prática, essa foi a atitude do PRR, escolhendo Otávio Rocha à execução do pla-
no de remodelação da cidade, realizado por João Moreira Maciel, feito em
1914, sob encomenda de José Montaury.
Otávio Rocha, consciente da importância do seu papel e do dever,
procurou cercar-se de técnicos especializados, aumentando, em muito, a bu-
rocracia do governo municipal e o número de seus funcionários. Esse fato ge-
rou, na gestão de Alberto Bins, críticas severas das oposições e da imprensa,
tendo alguns dos contratados recebido o apelido de “funcionários da limpeza
pública”, devido às suas ausências do lugar de trabalho.
Uma das medidas prioritárias do novo intendente foi organizar o siste-
ma de cadastro de edificações e terrenos baldios para, a partir daí, fazer as re-
formas tributárias. Elas seriam necessárias para facilitar e agilizar a coleta dos Volume 3
República Velha
tributos, mas também para estimular a indústria da construção civil. Esse ob- Tomo I
jetivo torna-se óbvio após a aprovação do ato 328, que autorizava a devolução
de 50% do imposto relativo a terrenos não edificados para proprietários que
V.
se comprometessem a construir no prazo de dois anos.
Política na sala
Em 1926 foi aprovado o Novo Regulamento Geral de Construções, que de visitas
alterou o de 1913 ao determinar que toda a nova edificação deveria passar por (1897 – 1937)

um exame arquitetônico, a cargo de funcionários municipais. A título de estí-


195
Serviços de arborização.
Mensagem apresentada à Câmara Municipal pelo prefeito Alberto Bins, em 3 de outubro de 1937. Porto Alegre: Globo, 1937.

mulo, ele criou o prêmio de 10.000$000 para o prédio de melhor fachada.


Além dessas medidas, foram tomadas outras, como fixação de um prazo de seis
meses para a substituição das paredes de madeira por alvenaria dos prédios no
centro da cidade, pela razão de risco de incêndio (BAKOS, 1996, p. 110).
A gestão de Otávio Rocha iniciou ainda os mais importantes períodos con-
tinuístas da vida de Porto Alegre, trazendo-lhe benefícios de longa duração, tais
como, a arborização da cidade. Como se pode observar no gráfico, a seguir.
Rocha buscou minorar a vida dos citadinos que enfrentavam problemas
cotidianos de várias ordens. Se, de um lado, Porto Alegre foi primeira cida-
de, no Brasil, a ter em 1927 uma empresa comercial no país, de outro, sua po-
pulação operária sofria com o sistema de transportes em disputas diárias por
lugares nos carros da Força e Luz (BAKOS, 1996, p. 107). O imediato au-
mento dos tributos nas zonas centrais da cidade, em face dos melhoramen-
tos que foram implementados nas gestões de Montaury, levou ao afasta-
mento, por parte das pessoas sem recurso, dessas zonas privilegiadas.
Elas, além de ficarem distantes dos seus locais de trabalho, passaram a
gastar quase todo o seu salário com o transporte, arcando ainda, através
de tributações indiretas, com os custos de uma modernização que não usu-
fruíam diretamente.
História Geral do
Rio Grande do Sul Nas áreas abandonadas, realmente as necessidades sanitárias, de higie-
ne, e o recolhimento sistemático de lixo tornaram-se necessários, segundo
depoimento de Armando Silveira, morador de Porto Alegre no período. Ele
dizia que se os higienistas modernos perguntassem como se fazia para habi-
Margaret M. Bakos tar os velhos casarões, cheios de pulgas, mosquitos, baratas, percevejos, res-
ponderia: “acomodávamos-nos, se fôssemos mexer com eles era pior, a diplo-
macia não faz mal a ninguém!”
196
Com vistas a minorar as agruras dos porto-alegrenses, Otávio Rocha criou
as feiras livres, em 1925, em dez distritos da capital, com ordens de vender os
produtos pelos preços tabelados pela municipalidade.
Na eleição para sucessão municipal de Porto Alegre de 28, o continuís-
mo prosseguiu com a indicação, pelo PRR, de Alberto Bins, para intendente
da capital, em um pleito sem oposição. As razões de sua escolha foram as mes-
mas que quatro anos antes o guindaram à condição de vice-intendente de Otá-
vio Rocha: sua dedicação ao PRR e sua militância político-partidária como ve-
reador, conselheiro e deputado estadual. O fato de ser um homem bem-suce-
dido nos negócios foi usado na campanha como argumento de garantia para
o progresso de Porto Alegre. Nesse ano, Getúlio Vargas também foi eleito pre-
sidente do Rio Grande do Sul, em lugar de Borges de Medeiros.
Bins propunha-se a amparar os operários, fundando em 1930, um comi-
tê com essa finalidade, ao mesmo tempo em que criava sindicatos de apoio aos
industriais. Segundo Love, o talento de Bins nos sindicatos e de Getúlio, na
presidência do estado, em substituição a Borges de Medeiros, há dois anos,
nas atividades de pecuária, ajudaram nas relações entre o PRR e as oposições.
Vivenciava-se, enquanto isso, uma crise político-econômica no país, cujo
desfecho seria a deposição do presidente da República Washington Luis no
episódio da Revolução de 1930. No Rio Grande do Sul, libertadores e republi-
canos criaram a Frente Única, conseguindo, graças ao apoio de Minas Gerais
e Paraíba, formar a Aliança Liberal e, em outubro desse ano, Getúlio Vargas
foi alçado à presidência do Governo Provisório. No mês seguinte, como parte
de um programa de regeneração, ele assumiu poderes ditatoriais, suspenden-
do direitos constitucionais.
Em novembro de 1930, Alberto Bins, solidário desde o início com a revo-
lução, na condição de intendente da capital regional, entrou em contato com
intendentes do interior do estado, pedindo-lhes que aguardassem instruções.
O decreto de 11 de novembro dissolveu todos os corpos legislativos do país e
no dia 14 foram extintos todos os mandatos dos intendentes municipais. A
idéia era, segundo análise de Carlos Cortes, “desmontar a máquina política
da velha república, cujas raízes estavam entrelaçadas nas situações munici- Volume 3
República Velha
pais”. Tomo I
Flores da Cunha, nomeado interventor no Rio Grande do Sul, decidiu
manter Alberto Bins no governo de Porto Alegre. O edil aceitou a deferência, V.
embora sabendo que a missão seria difícil. De fato, o Rio Grande do Sul esta- Política na sala
va em apuros e o interventor precisou apelar, em 1931, ao governo brasileiro, de visitas
(1897 – 1937)
pois nem os bancos gaúchos suportavam os efeitos da crise mundial, o que se
evidenciou na falência do Banco Pelotense. 197
Em rima com essa aflição, Alberto Bins apontou para a crise financeira,
por ele herdada, em Porto Alegre. Além das despesas ordinárias, a cidade
ainda devia saldar quatro grandes empréstimos contraídos, ao longo da Re-
pública Velha, como segue:

Divida externa de Porto Alegre, vários anos.


Empréstimo inglês de 1909 - libras 305.900.00 13.443:845$500
Empréstimo americano de 1922 - $ 3.320.000,00 44.156:000$000
Empréstimo americano de 1926 - $ 3.890.000,00 51.737:000$000
Empréstimo americano de 1928 - $ 2.250.000,00 29.406:300$000
38.743:145$500
Fonte: Relatório Municipal 1933, p. 139. In: BAKOS, M., 1986, p. 122

Segundo Alberto Bins, a administração municipal não poderia mais ape-


lar à capacidade tributária da população, que estava de fato onerada com seus
encargos fiscais, principalmente a classe dos proprietários, de quem bastan-
te se exigia, embora as obras de utilidade pública tenham levado à valoriza-
ção de seus imóveis. Não haveria, em verdade, possibilidade de se elevar a tri-
butação por parte do município: pelo contrário, se a tanto fosse possível, de-
ver-se-ia procurar a redução dos impostos que mais diretamente atingiam a
habitação ou a propriedade dos pobres, a alimentação dos de menos recursos,
a vida, enfim, de classes numerosas que tanto precisavam do amparo do po-
der público.
Entretanto, a administração da cidade via-se impedida de proporcionar
essa obra social, visto que o vulto dos compromissos que assumiria para a re-
modelação da capital não lhe facilitava qualquer iniciativa nesse sentido, uma
vez que foi absorvendo os saldos que seriam de se esperar num regime normal
do aumento da cidade na proporção sempre verificada de 8% sobre a renda.
As palavras finais de Bins eram aflitas: a prefeitura só poderia seguir com
os seus serviços inalteráveis, com o equilíbrio que seria de desejar, caso pudesse
contar com o auxílio direto do governo de Flores da Cunha, por não haver ne-
História Geral do
nhuma capital de estado com a totalidade de serviços públicos, como aconte-
Rio Grande do Sul cia com Porto Alegre. Uma outra alternativa seria acordar uma modificação
no regime tributário entre o estado e o município. O prefeito expôs as diferen-
ças existentes entre os serviços a cargo da capital gaúcha e de outras cidades
do país, evidenciando um contraste chocante, pela sobrecarga que cabe ao go-
Margaret M. Bakos
verno de Porto Alegre.
O desagrado com a política nacional fez com que alguns gaúchos partici-
198 passem da revolução constitucionalista de São Paulo em 1932, e, no mesmo
Serviços a cargo dos estados
Limpeza Higiene Instrução Água Higiene Higiene Instrução Limpeza Água
Instrução Tráfego Higiene Esgotos Assistência Limpeza Limpeza Higiene Esgotos
Assistência Limpeza Limpeza Limpeza Limpeza Água Iluminação Iluminação
Assistência Iluminação Esgotos Assistência Tráfego
Iluminação Água Policiamento
Esgotos Instrução
municipal
Higiene
alimentar
Limpeza
pública
Asseio público
Assistência

A cargo
da União Serviços a cargo dos estados
Águas Policiamento Iluminação Policiamento Policiamento Policiamento Policiamento Policiamento
Esgotos Águas Policiamento Tráfego Tráfego Tráfego Tráfego Tráfego
Iluminação Esgotos Águas Higiene Instrução Assistência Águas Águas
Policiamento Instrução Esgotos Instrução Instrução Esgotos Esgotos
Higiene Iluminação Assitência Iluminação Assitência
Assistência Tráfego

Fonte: A cidade de Porto Alegre e os serviços públicos a seu encargo. Exposição apresentada
ao exmo. sr. gen. José António Flores da Cunha, MD. Interventor Federal do Estado, pelo
Prefeito Municipal Alberto Bins. A Federação, Porto Agre, 1931. In.: BAKOS, M. M. Porto
Alegre e seus eternos intendentes. Porto Alegre, EDIPUC, 1996, p. 110.

ano, foi fundado em Porto Alegre, um novo partido: o Partido Republicano


Liberal. Na agremiação, encontrava-se desde o interventor, o intendente de
Porto Alegre, os republicanos até elementos das oposições.
Em 1933, Bins recebeu os parabéns de Flores da Cunha pela sua admi-
nistração na prefeitura durante o período de 1932-33, julgada como brilhante
pelo interventor. O grau de entrosamento entre os dois governos transpare-
ce desse gesto bem como de outros. Cita-se a propósito uma carta de Flores a
Bins, em que o interventor fala da conveniência de exonerar da prefeitura uma Volume 3
República Velha
série de pessoas e agradece ao prefeito pelas providências que tomar nesse Tomo I
sentido.
Entretanto, a constituição de 34 vai limitar a competência dos estados V.
junto aos seus municípios, na tentativa de evitar que se tornassem novamen- Política na sala
te, como disse Medeiros, “armas poderosas das oligarquias”. A discriminação de visitas
(1897 – 1937)
das rendas dos municípios passou a ser matéria da Constituição Federal, fato
que se constitui em importante freio à autonomia estadual. Vargas conseguiu 199
fazer no país, explica Cortes, o que Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros
realizaram no Rio Grande do Sul: uma constituição centralizadora e um po-
der executivo forte.
Em 1935, Flores da Cunha, conforme a nova constituição, elegeu-se pre-
sidente do estado, mantendo Alberto Bins como prefeito de Porto Alegre. Em
36, foi decretada nova Lei Orgânica para o município de Porto Alegre, sendo
que a indicação do chefe municipal continuava a ser encargo do chefe do esta-
do. O governador nomeou novamente, por confiança, Alberto Bins, para pre-
feito do município. O edil agradeceu e aceitou o encargo, porém não escondeu
o seu pessimismo sobre o futuro de Porto Alegre, cujas rendas eram insufi-
cientes para cobrir as despesas.
O traçado de três ruas do centro da capital rio-grandense registra o con-
tinuísmo político do governo de Porto Alegre, ao longo de quarenta anos. A rua
José Montaury desemboca no início da avenida Otávio Rocha, que continua
na Alberto Bins. Esses lugares de Porto Alegre foram sendo, aos poucos, regis-
trados pelos artistas: a Praça da Alfândega, por exemplo, com os homens de
paletó e mulheres de chapéu por José Lutzenberger.
As festas do centenário Farroupilha, em 1935, se por um lado demons-
traram a pujança do estado e o lado bonito de Porto Alegre, no Parque da Re-
denção, onde estavam os pavilhões da Exposição, assinalaram difíceis tempos
no panorama político nacional. As elites gaúchas se curvavam ante a necessi-
dade de integração do estado ao cenário nacional. Mas o clima hostil entre o
presidente do Conselho Provisório e o interventor gaúcho, que se manifestou
contrário já às primeiras medidas restritivas à liberdade dos governos esta-
duais, atingiu o seu clímax em 35, quando Getúlio veio a Porto Alegre, para
os festejos.
O decreto do Estado Novo, de 37, extinguindo os partidos políticos, le-
vou Borges de Medeiros a qualificar Getúlio Vargas como o “coveiro do Par-
tido Republicano”, ou seja, do castilhismo. Isso significava que novos anfitri-
ões fariam as honras da casa na sala de visitas do Rio Grande do Sul daí em
diante!
História Geral do
Rio Grande do Sul

Margaret M. Bakos

200
Volume 3
República Velha
Tomo I

V.
Política na sala
de visitas
(1897 – 1937)

201
Organograma da Prefeitura de Porto Alegre.
Fonte: Mensagem apresentada à Câmara Municipal pelo prefeito Alberto Bins, em 3 de outubro de 1937. Porto Alegre, Globo, 1937.
História Geral do
Rio Grande do Sul

Margaret M. Bakos

202
Capítulo VI

A AGRICULTURA:
A ORGANIZAÇÃO DOS
SISTEMAS AGRÁRIOS

Marli Mertz
Marinês Zandavalli Grando
Luiz Roberto Pecoits Targa

Durante o período da República Velha (1889-1930), coexistiram no Rio


grande do Sul três sistemas agrários distintos: o da pecuária extensiva, o da
policultura colonial e o da agricultura comercial do arroz.
O Rio Grande do Sul, o estado mais meridional do Brasil, ocupa 3% da
superfície total do país e sua metade setentrional faz fronteira com o estado
brasileiro de Santa Catarina, única fronteira com o resto do Brasil, enquanto
que a oriental se faz com a Argentina. Ao sul, o estado faz fronteira com o
Uruguai. Paralelo a este, formaram-se imensas lagunas; a maior, a Lagoa
dos Patos, estende-se por uma superfície de quase 10 mil km2. A superfície Volume 3
República Velha
total do estado é de 282.062 km2, sendo, portanto, maior que o Equador e Tomo I
que o Uruguai, correspondendo, aproximadamente, à metade do território
da França.
VI.
A sociedade que se formou nesse território constituiu uma formação social A agricultura:
a organização dos
peculiar no Brasil, não somente por ter sido a única e verdadeira fronteira sistemas agrários
político-militar do país até o início do século XX, como também por ter construí-
do uma estrutura fundiária sui generis. Isso porque, além de ter possuído uma 203
área de pastagens naturais que cobria originalmente cerca de 70% do seu ter-
ritório e que deu origem aos grandes latifúndios da pecuária de exportação
(controlada por luso-brasileiros), possuía também (e, geograficamente, total-
mente em separado) uma zona de colônias de povoamento constituída por pe-
quenas propriedades policultoras, zona em contínua expansão desde 1824 e
que ocupou a parte do território sul-rio-grandense originalmente coberto por
florestas. A expansão do território ocupado pelas colônias de povoamento foi
concomitante à construção de uma rede de vilas e cidades que eram sedes de
comércios, de artesanatos e de indústrias. Até 1875, os imigrantes não-ibéri-
cos foram predominantemente de origem alemã, e, a partir de então, passa-
ram a predominar os imigrantes italianos.
Desse modo, como resultado dessa estrutura fundiária, sobressaíram-se
na economia agrária gaúcha da República Velha (1889-1930) três sistemas agrá-
rios1 distintos: o primeiro e o mais antigo assentou-se na pecuária extensiva,
baseada no latifúndio; o segundo desenvolveu-se a partir da imigração e teve
por base a agricultura familiar policultora e a pequena propriedade; o tercei-
ro sistema desenvolveu a agricultura comercial do arroz, baseada no arrenda-
mento da terra aos pecuaristas.

A pecuária tradicional
O sistema produtivo das estâncias sofreu poucas alterações substanciais
durante todo o período da República Velha, pois as inovações que ocorreram
na pecuária foram resultado muito mais das exigências dos frigoríficos, que
foram instalados no estado após a Primeira Guerra Mundial, do que uma reali-
zação da iniciativa dos produtores. Até então, o destino final do produto da
pecuária, o charque, fora primordialmente o mercado interno brasileiro, des-
tinando-se à alimentação da força de trabalho, sabidamente de baixo poder
aquisitivo, o que resultou num sistema produtivo onde se fazia necessário

História Geral do 1 Para a análise dessa agricultura historicamente constituída e geograficamente localizada,
Rio Grande do Sul recorreu-se à teoria dos sistemas agrários, a qual diz que a agricultura praticada num determi-
nado espaço e tempo é decomposta em dois subsistemas principais, sendo um o ecossistema
cultivado e o outro o ecossistema social e produtivo. O cultivado é composto de vários
subsistemas: as hortas, as áreas cultiváveis, as pastagens e as florestas, sendo cada um desses
tratado, mantido e explorado de maneira particular. Já o sistema social e produtivo engloba
Marli Mertz o sistema técnico, econômico e social e é composto do que se pode chamar de “meios
Marinês Z. Grando humanos”, isto é, a força de trabalho, o saber e fazer; e de meios inertes, os equipamentos e
Luiz R. P. Targa instrumentos produtivos necessários e disponíveis às atividades de renovação e de explora-
ção da fertilidade do ecossistema cultivado, a fim de satisfazer as necessidades humanas
diretamente através do autoconsumo, ou indiretamente, pelas trocas (M AZOYER; ROUDART ,
204 2001, p. 41).
manter os custos de produção baixos, uma realidade que não estimulou o in-
vestimento na pecuária, mantendo-se a forma extensiva de produção.
As origens das atividades relacionadas à pecuária estão na prea do gado
xucro (muar e vacum) que pastava livremente pelo território que é hoje o es-
tado do Rio Grande do Sul. Tais atividades precederam e condicionaram à es-
trutura fundiária do estado, pois a atividade criatória que sucedeu a prea se
desenvolveu de maneira extensiva e o aumento da produção se dava a partir
da incorporação de novas terras ou da compra de mais gado. As grandes ex-
tensões de terras, foram inicialmente cedidas pelo governo imperial na for-
ma de sesmarias, impondo-se assim o latifúndio. “O latifúndio em si limitava
as forças produtivas, na medida em que grandes extensões de terras eram
deixadas inaproveitadas para a preservação do pasto para o gado” (PESA-
VENTO, 1980, p. 29). Foi nas estâncias que sucederam ao período de caça indis-
criminada do gado xucro, que se desenvolveram as atividades que implicavam
algum tipo de trabalho sistemático, como o manejo dos animais quando estes
eram agrupados e conduzidos ao mercado. A sua localização geográfica com-
preendeu principalmente as regiões da Campanha, Planalto, Campos de
Cima da Serra, Serra do Sudeste e Depressão Central, onde havia a existên-
cia de campos nativos.
Embora o processo histórico de constituição dessas estâncias seja resul-
tado de um mesmo movimento, que era o de garantir a posse do solo aos por-
tugueses, existiram algumas especificidades geofísicas que diferenciaram as
atividades criatórias destas sub-regiões. As estâncias que se desenvolveram
no Planalto, nos Campos de Cima da Serra, e na Depressão Central possuíam
campos menos férteis, se comparados aos da sub-região da Campanha. Nos
Campos de Cima da Serra a existência de plantas espinhosas não permitia a
coexistência de bovinos e ovinos. No caso do Planalto, essa deficiência no cam-
po era compensada pelo fato de esta sub-região encontrar-se no caminho das
tropas que seguiam para São Paulo, os criadores se beneficiavam dessa loca-
lização, criando em primeiro lugar muares e secundariamente bovinos. Na De-
pressão Central, no atual município de Santa Maria, por exemplo, coexistiam Volume 3
pequenas, médias e grandes propriedades, com uma pecuária extensiva muito República Velha
Tomo I
pobre, se considerado o número de bois por estabelecimento (FARINATTI,
2000). Por se tratar de uma sub-região onde, os campos faziam divisas com flo-
VI.
restas, as estâncias constituíram-se em unidades produtivas mistas, onde, A agricultura:
além da criação de gado, havia também uma lavoura de alimentos, a qual su- a organização dos
sistemas agrários
pria o pessoal da estância com gêneros alimentícios básicos, podendo comer-
cializar os excedentes.
205
[...] Seria possível afirmar que ainda que o gado fosse o principal produto das
estâncias, a agricultura podia ocupar um espaço razoável dentro de muitas unida-
des produtivas destinadas primordialmente à criação (FARINATTI, 2000, p. 6).

O excedente dessa produção agrícola podia ser destinada ao comércio lo-


cal e regional. Nas demais regiões onde a pecuária se desenvolveu, predomi-
naram as grandes propriedades de pecuária extensiva e a produção de alimen-
tos destinava-se ao consumo próprio. Em praticamente todas as estâncias ha-
via um espaço cercado no qual era praticada a agricultura destinada ao con-
sumo: trigo, feijão, arroz, mandioca, milho, abóbora, hortaliças, árvores frutí-
feras. Do trabalho doméstico provinham produtos, como, por exemplo, quei-
jos, lingüiças, conservas, charques, tecidos, rendas, artigos de couro etc. con-
sumidos pela família do estancieiro e pelos demais moradores da estância.
Dessa forma, a estância tornou-se um núcleo produtivo praticamente auto-
suficiente (PRESSER, 1978; SILVA NETO; BASSO, 2005; FARINATTI, 2000).
As técnicas de trabalho utilizadas na pecuária das primeiras estâncias e
mantidas sem alterações significativas foram desenvolvidas pelos indígenas
e transmitidas aos brancos ou mestiços que se aventuravam pela Campanha
para as arreadas2. Os trabalhadores dessas estâncias tornaram-se experientes
e possuíam a habilidade necessária para o pastoreio do gado. A mão-de-obra
na pecuária era composta por peões, domadores, tropeiros e capatazes. A ro-
tina do trabalho desenvolvido nas estâncias já fora descrita, em 1832, pelo con-
de de Piratini, em suas instruções para o seu capataz da Estância da Música:
a marcação do gado deveria ser realizada antes do inverno; a castração dos tou-
ros de mais de três anos era realizada em dois períodos, isto é, de abril a ju-
nho e de setembro a outubro; os rodeios eram organizados no verão. Em fins
de outubro e novembro tosavam as ovelhas e em março e abril tosavam os cor-
deiros e capavam os machos. Em agosto, na lua minguante, queimavam o cam-
po (CEZAR, 1978). A doma dos cavalos também tinha papel de destaque numa
estância por serem eles vitais ao trabalho e também o principal meio de trans-
História Geral do
Rio Grande do Sul porte. Os instrumentos básicos de trabalho utilizados na pecuária eram a
boleadeira, o laço, e o tirador. A roupa devia ser adequada para o trabalho: a
bota de couro, o chiripá, o poncho.
Marli Mertz
Marinês Z. Grando
2 As arreadas consistiam em incursões realizadas para a extração do couro do gado xucro.
Luiz R. P. Targa
Tarefa extremamente perigosa, que colocava a vida dos peões em risco. Essas operações
duravam dias e os peões dormiam ao relento, sofriam privações e enfrentavam perigos: os
índios hostis, as feras selvagens e o gado chimarrão extremamente perigoso (FREITAS , 1980).
206
Uma das tarefas mais importantes da estância era o rodeio realizado de
seis em seis meses. Num rodeio participavam entre vinte e trinta homens que
trabalhavam somente durante o período de duração de um rodeio (em torno
de uma semana) tratando-se, pois, de mão de obra sazonal. Visava

criar condições para o normal prosseguimento do processo de produção natu-


ral: o gado era tratado, curado, castrado, apartado, costeado e, nas invernadas
ou nos campos inferiores, alimentado com sal (FREITAS, 1980, p. 21).

O cercamento dos campos, iniciado nas últimas décadas do século XIX,


não se achava completo quando do advento da república e as estâncias apre-
sentavam grande despreparo no cuidado a ser despendido com o rebanho.
Princípios elementares de higiene não eram aplicados, sendo grande a mor-
talidade registrada por epidemias. O crescimento do rebanho vacum e cava-
lar era lento, chegando em alguns casos a ser muito reduzido devido às
epizootias e aos abates indiscriminados, pois sacrificavam-se tanto terneiros
quanto vacas prenhes sem a preocupação com a manutenção do estoque. Não
havia inversões de capitais na aquisição de reprodutores com o objetivo de
proceder ao refinamento dos rebanhos. A garantia de mercado para o gado
através da sua compra pelos charqueadores, que não exigiam que o gado fos-
se de qualidade superior contribuiu para a manutenção da pecuária num está-
gio mais atrasado se comparado com a pecuária que se desenvolveu nos países
do Prata. Para as charqueadas, o tempo de abate ideal do gado girava em torno
dos 7 aos 8 anos, quando o animal abatido tinha a melhor relação entre espes-
sura do couro, carcaça e gordura. Numa estância de 13 mil ha, correspondente
a uma sesmaria, era exigido o trabalho de cerca de 20 trabalhadores, os quais
manejavam entre 4 a 5 mil bovinos. Em estabelecimentos desse gênero “o des-
frute seria 8% ao ano, com os animais pesando em torno de 300 kg” (SILVA
NETO; BASSO, 2005). Essa garantia de mercado para um gado de qualidade
inferior também pode explicar o porquê de o capital acumulado pelos pecua-
ristas ter sido investido em bens supérfluos ou na aquisição de mais campos, Volume 3
pois o fator decisivo no processo produtivo era a extensão da terra disponível República Velha
Tomo I
(PESAVENTO, 1980).
A criação e a engorda, normalmente eram atividades justapostas nas
VI.
grandes empresas pecuárias, embora pudesse haver especialização, como era A agricultura:
o caso dos pecuaristas que compravam gado somente para a engorda, sem se a organização dos
sistemas agrários
dedicar à criação do mesmo. No caso da atividade criatória, esta se caracteri-
zou pelo predomínio do uso de campos naturais e portanto ficava limitada à
207
COSTA, 1922.

Frigorífico de Pelotas. 1922.

capacidade dos campos. O produtor mantinha o gado solto no campo para


reproduzir-se livremente. Não existia uma preocupação referente ao melho-
ramento das pastagens, nem o trabalho maior de substituir um pasto fraco por
um mais nutriente e eventualmente limpá-lo das gramíneas tóxicas e elimi-
nar os insetos que prejudicavam o gado. Na primavera ateavam fogo ao cam-
po para limpá-lo do pasto seco e fazer brotar o verde. Contavam com a geada
para matar os insetos como o carrapato e o micuim e ainda outros insetos que
prejudicavam o gado. A diversificação dessa atividade passou a ocorrer a partir
da introdução de animais de raça, tanto com relação aos bovinos e ovinos. Esse
movimento desemboca na criação das cabanhas especializadas na criação de
animais de raça (ovinos e bovinos). No caso da atividade de engorda, esta não
produzia aumento de trabalho ao pecuarista, pois a invernada consistia num
campo cercado e apenas provido de melhores pastagens, onde o gado ia en-
gordar para ser vendido às charqueadas (PESAVENTO, 1980, p. 32; PRESSER,
1976).
Além das charqueadas, o gado era vendido aos matadouros, que eram ge-
ralmente estabelecimentos de pequeno porte, e que compravam sempre, in-
clusive na entressafra. Com a entrada dos frigoríficos no estado, estes passa-
História Geral do
Rio Grande do Sul ram a ser os principais compradores de gado dos pecuaristas e serão os frigo-
ríficos que irão determinar o preço da carne através das exportações. Os fri-
goríficos exigiam uma carne de melhor qualidade forçando os produtores
Marli Mertz pecuaristas a reduzir o tempo de abate dos novilhos. Com efeito, a partir de
Marinês Z. Grando 1914 foram introduzidos banheiros carrapaticidas junto com outras medidas
Luiz R. P. Targa
de sanidade animal e manejo, e, assim, foi possível reduzir o tempo de abate
para 3 anos (FONTOURA, 2005, p. 2).
208
Segundo Pesavento (1980, p. 142), foi através de uma severa seleção na
qualidade e peso dos animais entrados em seus matadouros, que os frigorífi-
cos realizaram a propaganda mais persuasiva, mais pratica e mais eficaz para
estimular e acelerar o refinamento do gado de corte no estado. Com efeito, des-
de a segunda década do século XX que os cuidados com a seleção do rebanho,
com o cruzamento, com a higiene e a saúde dos animais são atestados pela pre-
sença de banheiros carrapaticidas no estado: em 1917, eles atingiam 291 uni-
dades para o gado bovino, e o município de Bagé concentrava seu maior nú-
mero. Para os ovinos o número de banheiros era de 96 unidades no mesmo
ano (Ibidem, p. 134).
A necessidade da modernização da pecuária, entretanto, já vinha sendo
debatida entre os pecuaristas desde o final do século XIX. Tendo por modelo
a Argentina e o Uruguai, alguns pecuaristas começaram a introduzir raças no-
bres de gado vacum no Rio Grande do Sul. Passaram a importar gado refina-
do da Europa, principalmente das raças bovinas Hereford, Durham, Holan-
desa, Polled-Angus e Devon, e para os ovinos, espécies de sangue Rambouillet,
Romney-Marsch, Lincoln e Cara-Negra. Alguns criadores ficaram conhecidos
Volume 3
pelo seu esforço no sentido de modernizar a pecuária, porém esta não pode- República Velha
Tomo I
ria ser obra apenas de produtores isolados, exigia a participação do estado.
A participação do estado para a modernização da pecuária revelou-se na
importação de animais reprodutores colocados à disposição dos pecuaristas, VI.
A agricultura:
principalmente aos pequenos proprietários que não podiam arcar com o cus- a organização dos
sistemas agrários
to de importação de vacuns nobres nem com os custos de formar novas pas-
tagens de melhor qualidade. O governo do PRR interviu visando promover a
209
transformação da pecuária e para isto criou um posto zootécnico em São Jerô-
nimo; ajudou a promover exposições agropecuárias; promoveu a importação
de reprodutores para aprimorar o rebanho gaúcho (PESAVENTO, 1980, p. 71).
A importação de gado de raças nobres trouxe consigo também novas molésti-
as desconhecidas dos pecuaristas. “Segundo uma informação da Diretoria da
Produção Animal, cerca de 80% dos primeiros animais importados teria morri-
do pela ação das doenças” (ZARTH, 2000, p. 9). Fazia-se necessária a partici-
pação do estado no sentido de promover um maior controle sanitário dos re-
banhos através de uma fiscalização eficiente bem como o de promover o de-
senvolvimento de pesquisas, as quais eram impossíveis de serem arcadas por
um produtor isolado, pois as doenças podiam facilmente transpor os limites
das estâncias.
O melhoramento dos campos não acompanhou nem de longe o melho-
ramento dos rebanhos. Durante todo o período da República Velha o desen-
volvimento da pecuária gaúcha deveu-se à excelência das pastagens naturais,
pois as tentativas de introdução de pastagens não tiveram êxito.
Pode-se dizer que, durante praticamente toda a República Velha não hou-
ve alterações significativas no sistema produtivo das estâncias, o gado conti-
nuou sendo criado extensivamente, solto nos campos de pastagens naturais,
sem maiores cuidados. Embora alguns produtores defendessem o aprimora-
mento das raças, este foi um movimento isolado, restrito a algumas estâncias,
e se fez muito lentamente, pois nem todos os pecuaristas acreditavam nessas
idéias. Foi somente a partir da entrada dos frigoríficos que o aprimoramento
das raças tornou-se uma preocupação mais generalizada, inclusive com a par-
ticipação do estado introduzindo gado de raça. A partir disso, os pecuaristas
passaram a utilizar banheiros carrapaticidas e a terem mais cuidado com as
doenças dos rebanhos, pois as novas raças eram mais sensíveis às doenças e
necessitavam maiores cuidados. Somente no final da década de 20 passou a
operar-se uma transformação no sistema produtivo das estâncias, com o sur-
gimento das primeiras cabanhas, unidades especializadas em fornecer um
tipo de gado mais selecionado, que se dedicavam à criação de animais puros,
História Geral do principalmente de raças inglesas.
Rio Grande do Sul

A agricultura familiar
Marli Mertz
Marinês Z. Grando A origem das explorações familiares no extremo sul do Brasil encontra-
Luiz R. P. Targa
se no processo de ocupação do território. Está estabelecido que, na formação
dos sistemas agrários do Rio Grande do Sul, apareceram duas categorias his-
210
tóricas de agricultores familiares do ponto de vista jurídico: a dos não-proprie-
tários, identificados com os caboclos; e a dos proprietários, originários de duas
iniciativas governamentais com imigrantes europeus a fim de explorar e
povoar o solo (SILVA NETO; BASSO, 2005).
Os padres jesuítas espanhóis, no século XVII, em ação precursora com
o objetivo de catequizar os índios, adentraram a oeste do território, onde fo-
ram bem sucedidos na organização de comunidades indígenas, e ali introdu-
ziram a criação de gado nas práticas agrícolas. Devido às condições naturais
favoráveis do solo em fornecer pasto abundante, o gado foi se dispersando pelos
campos. E, finalmente, ao tornarem efetiva a ocupação do território, os colo-
nizadores portugueses dividiram-no em grandes sesmarias, onde consolidou-
se a criação de gado, fortemente incentivada pelos mercados consumidores de
outras regiões do país, nos quais as atividades agrícolas eram especializadas
e voltadas para o mercado externo. No decorrer desse processo estiveram
sempre presentes os caboclos, que são tabalhadores rurais sem terra, os quais
participaram de todas as fases da formação agrária do Rio Grande do Sul.
Eram despossuídos de recursos financeiros ou posição militar para assegu-
rarem-se do acesso à terra; perambulavam pelas grandes propriedades em
busca de ocupação e entraram de forma subordinada e dependente na forma-
ção da sociedade agropastoril do estado. Mas, não se encontravam sós como
prestadores de serviços às estâncias e plantando nas terras do estancieiro.
Praticavam, também, uma agricultura itinerante nas frentes de expansão. As
informações disponíveis referem-se a atividades agrícolas restritas a suas ne-
cessidades alimentares, uso de tecnologia primitiva e a agregação de alguns
animais de criação (Ibidem).

As propriedades familiares surgiram em decorrência de políticas oficiais


de ocupação das regiões economicamente não exploradas, ou em outras pa-
lavras, das superfícies acidentadas, cobertas pelas florestas, e, portanto, não
ocupadas pelo pastoreio extensivo. Destinadas aos colonos europeus, as vas-
tas florestas com relevos ondulados, serviam de passagem obrigatória para o
gado levado aos centros consumidores do Brasil. Na medida em que a sub-re- Volume 3
gião era povoada e as matas abatidas, estrategicamente, viabilizam-se melho- República Velha
Tomo I
res condições para a condução das tropas.
As primeiras explorações familiares haviam sido instaladas pelo gover-
VI.
no português já em meados do século XVIII. Com o objetivo de concentrar geo- A agricultura:
graficamente as pessoas, casais de açorianos foram enviados às proximidades a organização dos
sistemas agrários
do litoral. A cada família de açorianos foi entregue uma data de terras (274 hec-
tares). No início, esses imigrantes dedicaram-se às atividades agrícolas de sub-
211
sistência, obtendo algum sucesso, em particular com a produção de trigo, que
veio a ser o primeiro produto vegetal comercializado pela economia do Rio
Grande do Sul (COSTA SOUZA, 1973). Porém, atraídos pelo êxito comercial do
charque, em meados do século XIX, os açorianos encontravam-se preferencial-
mente voltados à pecuária. Com a dispersão desses imigrantes em outras ati-
vidades, a produção vegetal declinou.
Uma nova onda imigratória composta, sobretudo, por alemães e italia-
nos (destacando-se também os poloneses) deu o verdadeiro impulso ao desen-
volvimento das propriedades familiares. Não muito distante de onde havia sido
efetuada a experiência com famílias dos Açores, o governo imperial assentou
imigrantes vindos da Alemanha, em 1824, ano que assinala o início da imigra-
ção alemã. Cinqüenta anos mais tarde, isto é, em 1874, com o patrocínio do
governo provincial, imigrantes italianos juntaram-se aos alemães no proces-
so de colonização do sul do Brasil. Organizados em colônias viviam como pe-
quenos proprietários de terras com dimensões compatíveis com a utilização
da mão-de-obra familiar. As técnicas de cultivo praticadas eram rudimenta-
res e, dentre elas, muitas adotadas dos indígenas. O machado, o fogo, a enxa-
da e mais tarde o arado à tração animal foram os instrumentos agrícolas fun-
damentais até os primeiros dias do século XX (SCHILING, 1961).
Segundo Paul Singer (1974), as colônias passaram por três fases de de-
senvolvimento:
1ª) abate das árvores e agricultura de subsistência;
2ª) expansão agrícola e exportação do excedente;
3ª) especialização agrícola com vistas à comercialização.
A passagem de uma fase a outra expressou mudanças que se restringiam
ao tipo de produto, persistindo, entretanto, a prática de culturas intercaladas.
Ao mesmo tempo em que o agricultor procurava produtos mais comerciais,
mantinha a preocupação do cultivo para o autoconsumo. Associaram a agri-
cultura à criação de porcos e de gado leiteiro (e a outras de menor expressão)
chegando a alcançar grande diversificação. O milho e a criação de porcos se ca-
racterizaram como produções tipicamente dos colonos alemães. O cultivo do
História Geral do
Rio Grande do Sul fumo, da cana de açúcar, do feno, do amendoim, do arroz, das batatas e da
mandioca também os distinguiram. Tornaram-se, ainda, os maiores agentes
comerciais das colônias. Os italianos especializaram-se no cultivo da vinha e
Marli Mertz do trigo. Mais tarde desenvolveram atividades industriais principalmente no
Marinês Z. Grando setor de vinho, de madeira, de moagem de trigo, na produção e moagem de
Luiz R. P. Targa
milho e a na metalurgia. Grandes novidades introduzidas pelos italianos fo-
ram as cooperativas de comercialização. Ao final do século XIX os principais
212
produtos exportados pela zona colonial eram: farinha de mandioca, feijão, mi-
lho, mate, banha, fumo.
Os colonizadores europeus ocuparam a sub-região Nordeste do Rio Gran-
de do Sul, que ficou conhecida como “Colônia Velha”. Seus descendentes de-
senvolveram as propriedades familiares em direção ao norte e em direção do
oeste, dando origem à Colônia Nova.
O ano de 1890 inaugurou este novo período da expansão agrícola em
regiões de florestas (SILVA NETO; BASSO, 2005). Nessa fase, os lotes coloniais
eram de um tamanho em torno de 25 hectares, o que representava um terço
daqueles disponibilizados aos ocupantes da Colônia Velha, como salientou
Mertz (2004). A autora ao levar em conta o sistema de produção desses agri-
cultores observou que devido ao tamanho reduzido dos lotes, as reservas de
florestas desapareceram rapidamente e o sistema de rotação das terras – que
possibilitava a renovação da fertilidade natural – era mais intensivo do que
aquele praticado na fase precedente. Reproduziam a mesma maneira de pro-
duzir da Colônia Velha, o que vale dizer, sem incorporação de novas tecnolo-
gias. Privilegiaram a produção de suínos comercializando, inicialmente, a ba-
nha (SILVA NETO; BASSO, 2005). Ao longo deste processo de ocupação inten-
sificou-se muito a importância da colonização privada, possibilidade, no entan-
to, que já se fazia presente desde a implantação da Lei de Terras de 1850.
A expansão da colonização para o norte do estado ocorreu sob a égide do
governo do Partido Republicano Rio-Grandense. Foi colocada em prática uma
política de atração de imigração espontânea, diferentemente da desenvolvi-
da durante o império, porém não se deixou de despender recursos públicos
com o transporte, o assentamento e a organização das colônias. Uma das ca-
racterísticas do processo de colonização do norte do Rio Grande do Sul foi a
preocupação dispensada aos indígenas e aos caboclos. Aos indígenas garan-
tiu-se a demarcação legal das terras e aos caboclos, que ocupavam as terras
devolutas, procurou-se enraizá-los à terra e a sua moradia e ao mesmo tem-
po estimulando-lhes o desenvolvimento do senso de propriedade. Com a cria-
ção das colônias mistas, procurou-se estimular o seu convívio com os colonos Volume 3
europeus, com os quais poderiam aprender novas técnicas de cultivo. A pri- República Velha
Tomo I
meira colônia a dispor do Serviço de Proteção aos Nacionais (“nacionais” eram
os caboclos, miscigenados elemento português com negros e índios) foi a de
Santa Rosa, a partir de 1915 (SPONCHIADO, 2000, p. 8). VI.
A agricultura:
As colônias criadas neste período tiveram um traçado dos lotes que a organização dos
sistemas agrários
procurava “adaptar-se ao meio natural, propiciando acesso equânime aos cur-
sos d’água e o estabelecimento de melhores condições para as vias internas e 213
a localização dos prédios públicos”. O governo do PRR considerava um erro
grave o agrupamento de grandes massas de estrangeiros, principalmente se
elas fossem instaladas em separado, por grupos de nacionalidades. E por esse
motivo, com o “pretexto de evitar surgimento de quistos raciais as autoridades
procuraram misturar os colonos de diferentes etnias. Passaram também a re-
gulamentar e fiscalizar a colonização particular” (SPONCHIADO, 2000, p. 14).
A colonização do norte do estado, com base na pequena propriedade fami-
liar, teve um papel destacado, para a continuação da realização dos propósi-
tos do PRR para a economia estadual, pois atendia à busca da diversificação
produtiva e à integração espacial do mercado regional. Contrário à mentali-
dade importadora associada ao modelo agroexportador, o PRR afastava em
princípio a possibilidade de comprar de outros estados ou do exterior, exceto
as mercadorias que não se pudessem produzir internamente. Ele incentivou
a policultura e o cultivo dos mais diferentes produtos com a intenção de abas-
tecer o mercado gaúcho e gerar excedentes para a exportação (HERRLEIN,
2000, p. 56).
Com o passar dos anos, as terras foram se esgotando e parcelando-se de-
vido ao sistema de sucessão, fatores estes que provocaram a retomada das
migrações para regiões adjacentes de matas e em direção a Santa Catarina
e Paraná (SILVA NETO; BASSO, 2005). Entrementes, no derradeiro movimento
de ocupação, as terras remanescentes com florestas que se situavam ao nor-
te do Rio Grande do Sul, diferentemente das demais, foram apropriadas pela
“compra do direito de posse” cujo título de propriedade era outorgado
mediante a comprovação da exploração da área ocupada. Os lotes de tama-
nhos irregulares e geralmente inferiores aos das colônias oficiais ou privadas
sofreram um processo de desgaste ainda maior que naquelas (SILVA NETO;
BASSO, 2005). Vale lembrar que o sistema produtivo da agricultura familiar
não se transformou ao longo do tempo. Simplesmente foi sendo estendido, de
regiões tradicionais para as novas frentes de expansão, o velho sistema, base
da subsistência familiar, que associa o cultivo diversificado com a pecuária de
pequeno porte.
História Geral do
Do ponto de vista socioeconômico, a evolução das colônias foi relativa-
Rio Grande do Sul mente rápida. Estima-se que até o ano de 1900 aproximadamente 75 mil co-
lonos alemães teriam se fixado no Rio Grande do Sul e a população de imigran-
tes italianos ultrapassaria 80 mil, no final do século (COSTA SOUZA, 1973),
Marli Mertz quando as exportações das unidades familiares de produção atingiam um grau
Marinês Z. Grando
Luiz R. P. Targa
de importância equivalente ao das exportações tradicionais da pecuária exten-
siva. O estímulo era dado pelo crescimento urbano em torno do eixo Rio-São
Paulo, provocado pelo sucesso da economia do café. Com a interrupção da im-
214
portação de escravos africanos, a economia cafeeira passou a utilizar mão de
obra assalariada depois da segunda metade do século XIX e um importante
processo de imigração foi promovido pelos fazendeiros de café, resultando na
entrada de uma massa de italianos na região.3
Até então, o principal produto importado para alimentação dos trabalha-
dores-escravos era o charque, fornecido pela pecuária extensiva do Rio Grande
do Sul, que adquirira consolidada posição no mercado. A expressiva entrada
de italianos em São Paulo, engendrada pela economia do café, difundiu novos
hábitos alimentares, favorecendo a expansão dos agricultores familiares no
Rio Grande do Sul, intensificada com o fluxo de imigrantes italianos dirigido
à zona de colonização agrícola. A agricultura familiar aí estabelecida estava
em condições de fornecer alimentos ao novo contingente de trabalhadores
italianos, de acordo com o que havia de mais próximo de seus hábitos alimen-
tares de origem.
Quando a economia brasileira passou a ser comandada pelo processo
industrial, o Rio Grande do Sul tinha adquirido uma tradição de fornecedor
de alimentos e de matérias primas para o mercado nacional4. Com o desen-
volvimento das vias de transportes, as pequenas explorações coloniais da re-
gião montanhosa integraram-se ao mercado nacional com uma produção
diversificada que veio a ultrapassar em importância a tradicional pecuária ex-
tensiva.

A lavoura empresarial do arroz


A lavoura irrigada de arroz, no Rio Grande do Sul, levada a efeito nos
moldes capitalistas de produção, tanto misturou atores sociais provenientes
de distintas culturas rurais, como também mobilizou atores econômicos urba-
nos e agentes governamentais, tendo realizado uma verdadeira revolução agrí-
cola no Rio Grande do Sul.
A zona da pecuária de exportação e a das colônias de povoamento consti-
Volume 3
tuíram duas zonas culturais que possuíam racionalidades econômicas distin- República Velha
tas: enquanto a cultura mais antiga, baseada na pecuária extensiva, era de tipo Tomo I

rentista e absolutamente tradicional, a dos colonos europeus era uma cultu-


VI.
A agricultura:
3 De 1887 a 1897 entraram aproximadamente 1,3 milhões de imigrantes italianos no Brasil, a a organização dos
maioria em São Paulo, que recebeu mais de 900 mil, entre 1887 e 1900 (SILVA, 1976, p. 44). sistemas agrários
4 Às vésperas da Grande Depressão de 1929, o Rio Grande do Sul era o maior exportador
nacional de milho, trigo, batatas, uvas, cevada, aveia, vinho e carne salgada (BARROS; CAS -
TRO, 1969). 215
ra dinâmica de pequenos produtores de mercadorias. A novidade introduzida
pela cultura do arroz irrigado, desde os seus primórdios, foi a de, pela primeira
vez, entrelaçar esses dois mundos rurais com racionalidades tão diversas. Isso
ocorreu porque a lavoura irrigada de arroz, levada a termo desde suas origens
nos moldes capitalistas de produção, realizou-se sobre as terras arrendadas
aos pecuaristas pelos descendentes dos imigrantes (PEBAYLE, 1974, p. 583-
584). A lavoura do arroz constituiu uma espécie de revolução agrícola no Rio
Grande do Sul, expandindo-se a uma extraordinária velocidade.
A lavoura capitalista do arroz irrigado caracterizou-se pelo predomínio do
uso do trabalho assalariado (trabalho temporário), pela separação do proprie-
tário das terras do empresário rural que conduzia a produção (o arrendatário)
e, portanto, pela geração da renda capitalista da terra. A produção do arroz
irrigado remunerava, desse modo, o assalariado, o empresário (com o lucro)
e o proprietário-rentista (com o arrendamento). Em geral, durante a Primei-
ra República, a produção foi levada a efeito em estabelecimentos de pouco
mais de 100 hectares, utilizando um complexo de meios de produção gerados
pela indústria e com mercados que se encontravam nos centros urbanos do Rio
Grande do Sul e da capital federal. Essa lavoura articulou-se à indústria tan-
to a montante quanto a jusante. A montante a indústria fornecia-lhe máqui-
nas e equipamentos necessários ao preparo do solo (inclusive os locomóveis5),
tratores, bombas centrífugas, ceifadeiras-atadeiras, trilhadeiras, semeadores
mecânicos, adubadores, fertilizantes, navios de pequeno porte, secadoras e des-
cascadores industriais e silos. A jusante, a lavoura articulava-se à indústria que
beneficiava o produto e que, por sua vez, se articulava ao capital comercial que
o estocava e distribuía (FRAQUELLI, 1979, p. 335; BESKOW, 1984, p. 56).
A cultura do arroz irrigado expandiu-se nas zonas de várzeas do estado,
que têm terras planas, baixas e úmidas que se estendem pelas margens das
lagunas Mirim e dos Patos (paralelas ao litoral atlântico) e dos rios que per-
tencem às bacias hidrográficas do Jacuí e do Uruguai. Quando a cultura do
arroz começou a se expandir, essas terras não constituíam mais um no man’s
land, pois elas já estavam totalmente apropriadas pelos pecuaristas. Antes da
História Geral do
Rio Grande do Sul arrancada que resultou no crescimento vertiginoso da produção de arroz, três
experiências já haviam sido tentadas: em 1890 e 1900, colonos alemães ten-
taram a lavoura irrigada de arroz nos municípios de Taquara e de Santa Cruz,
Marli Mertz enquanto, em Cachoeira do Sul, dois estancieiros luso-brasileiros também
Marinês Z. Grando
Luiz R. P. Targa
5 Máquinas que funcionavam à vapor, utilizando como combustível a madeira, que bombea-
vam água para irrigação das lavouras (BESKOW, 1984, p. 56).
216
haviam encetado uma primeira tentativa de cultura de arroz nas pradarias,
em 1892 (PEBAYLE, 1974, p. 583).
No entanto, o movimento que deu origem à expansão sustentada da cul-
tura teve origem, quase simultaneamente, em dois pólos geograficamente
muito distantes entre si. O primeiro ocorreu na cidade de Pelotas (ao sul do
estado), em 1903, onde foi iniciado por dois descendentes de alemães que eram
pequenos industriais na cidade, sendo ensaiado às margens do rio Pelotas.
Eles se associaram a um grande proprietário de terras luso-brasileiro e irri-
garam as terras mecanicamente. A experiência foi frustrada por dois anos con-
secutivos, mas foi retomada, a partir de 1905, por outros estancieiros locais.
O outro pólo foi a cidade de Cachoeira do Sul (na Depressão Central do esta-
do), onde dois descendentes de alemães, associados a um estancieiro local, ini-
ciaram a cultura de arroz irrigado através do uso de bombas. Pelotas e
Cachoeira foram os pólos irradiadores da cultura orizícola para todo o estado
(Ibidem, p. 583).
Esse início é emblemático da cultura do arroz irrigado no Rio Grande do
Sul, pois foram os descendentes dos primeiros colonos que se lançaram à esta
lavoura, associando-se aos estancieiros. Muitos outros estancieiros se lança-
ram eles próprios nessa cultura de verão, pois as várzeas, pelo elevado grau
de umidade, eram inutilizáveis para o pastoreio durante o inverno; uma vez
colhido o arroz, porém, as várzeas, até então ociosas, deixavam um resíduo ali-
mentar importante para o gado emagrecido pelo inverno. Os criadores de gado
não poderiam ficar insensíveis a essa constatação. Desse modo, a orizicultura,
longe de ameaçar a pecuária tradicional, melhorava seu desempenho (Ibidem,
p. 584). E, como os colonos arrozeiros arrendavam as terras, a produção de ar-
roz não ameaçava a grande propriedade pecuária e, desse modo, a estrutura
fundiária ficava intocada.
Algumas questões técnicas importantes também foram resolvidas pelos
descendentes dos colonos imigrantes não-ibéricos. Eles conheciam os processos
de descascamento do arroz, pois o arroz de sequeiro era produzido em peque-
na escala na zona colonial, e também abriram fábricas que produziam bombas Volume 3
sugadoras de água e máquinas à vapor em Cachoeira (Idem, p. 584). República Velha
Tomo I
No entanto, para que a expansão da lavoura ocorresse com tamanho vi-
gor, foi necessário uma sui generis participação do estado. Vejamos os ingre-
VI.
dientes da natureza dessa participação. Ela possuiu uma dupla face. Por um A agricultura:
lado o Estado nacional, promoveu à partir do final do século XIX uma política a organização dos
sistemas agrários
tarifária cambial protecionista à produção do arroz nacional (BESKOW, 1984,
p. 62-63), basicamente para atender à explosão do consumo urbano da capi- 217
tal federal6. Isso veio tornar a produção interna extremamente rentável, so-
bretudo aquela que viria a ser posta em prática no Rio Grande do Sul, pois a
cultura capitalista de arroz irrigado viria a mostrar-se muito mais produtiva
e estável que a de arroz de sequeiro, praticada no resto do território nacional.
Por outro lado, a vanguarda republicana que assumira o poder estadual
em 1892 e que outorgara à sociedade gaúcha uma Constituição insólita no con-
texto brasileiro, nela inscrevera uma reforma fiscal que propunha a substitui-
ção do Imposto de Exportação Territorial7. A reforma foi implantada em 1902,
mas produziu receitas insignificantes, pois se baseava na declaração voluntá-
ria dos contribuintes, em face da impossibilidade financeira de realizar o ca-
dastro rural. Ora, o imposto era calculado sobre o valor venal das terras, inci-
dindo, portanto, também sobre os prédios, benfeitorias e silos (MINELLA, 1985,
p. 33). Essa incidência do imposto atacava diretamente os interesses dos ar-
rozeiros, que passavam a pagar mais pelo arrendamento das terras, uma vez
que o imposto sobre as benfeitorias que eles realizavam lhes era, assim, repas-
sado pelos proprietários fundiários. A intenção do governo, no entanto, era ta-
xar as propriedades improdutivas, para, desse modo, incitar a venda de par-
tes das grandes propriedades ou o seu arrendamento para atividades produ-
tivas. Aos olhos dos governantes gaúchos, a lavoura capitalista do arroz era um
modelo exemplar de uso produtivo e capitalista dos grandes latifúndios im-
produtivos ou de exploração da pecuária tradicional. E, por isso, já em 1906,
o governo criou uma lei que protegia a produção gaúcha de arroz da concor-
rência externa (proviesse ela do estrangeiro ou do resto do país). E, mais tarde,
após a constatação da fraude na declaração dos proprietários contribuintes8, o
governo procedeu, em 1913, a uma reforma no imposto que lhe permitiu avaliar
corretamente o valor das terras de diversas qualidades (superiores, médias
e inferiores) em cada ano e por município do estado. Finalmente, no ano se-
guinte (1914), o governo isentou do Imposto Territorial as construções e todo
o capital empregado na lavoura, incluindo, na isenção, também as benfeitorias
(TARGA, 2002, p. 286). Decorreu disso que as receitas com o Imposto Territo-
rial, tanto na sub-região arrozeira como na sub-região colonial, foram
História Geral do declinantes durante a Primeira República9.
Rio Grande do Sul
6 Produto mais facilmente estocável e fracionável que a mandioca ou o milho; era predomi-
nantemente importado. A elevada tarifa protecionista fez despencarem as importações e
subir a produção interna.
Marli Mertz 7 Para análise detalhada, ver o capítulo A política fiscal modernizadora do Partido Republica-
Marinês Z. Grando no Rio-Grandense deste mesmo volume.
Luiz R. P. Targa 8 Fraude constatada através da não-coincidência entre o valor declarado para pagamento do
Imposto Territorial e os valores efetivamente transacionados nos cartórios municipais de
compra e venda de terras naquele ano (MIRANDA, 1998, p. 144).
9 Para os números, consultar o capítulo A política fiscal modernizadora... deste volume.
218
Paralelamente à questão doutrinária dos governantes de taxar a grande
propriedade fundiária e não o capital, o grupo de interesses envolvido nos
negócios da lavoura do arroz pressionou diretamente o governo para obter
essas isenções fiscais. Isso porque a lavoura capitalista do arroz mobilizava gran-
des capitais comerciais, tanto na importação de equipamentos (ceifadeiras e
debulhadores da Alemanha) quanto no beneficiamento e na distribuição do
grão, bem como capitais industriais (produção local de equipamentos e silos)
e bancários (financiamento da produção industrial e dos plantadores de arroz).
Por exemplo, uma das firmas importadoras de equipamentos da Alemanha
(Bromberg & Co.) já havia realizado, em 1913, enormes obras de irrigação (a
casa de Porto Alegre realizara 70 obras, a de Rio Grande 4 e a de Pelotas 12)
(FRAQUELLI, 1979, p. 336).
Compreende-se, portanto, que foram inúmeros os condicionamentos
econômicos e os tipos de capital e de atores que se uniram para a promoção
do desenvolvimento vertiginoso da lavoura orizícola no Rio Grande do Sul. Tal
fenômeno teria sido impossível sem a intervenção protecionista do governo fe-
deral e sem o concurso do interesse doutrinário do estado dirigido pelo PRR,
de seu apoio e estímulo que impuseram a modificação da estrutura social da
região e que privilegiaram a ação de atores econômicos não tradicionais. Pela
primeira vez, na história agrária do Rio Grande do Sul, deu entrada em cena
o personagem do granjeiro, assim autodenominado para ser distinguido do es-
tancieiro e do colono (PEBAYLE, 1974, p. 587).
Com o concurso das condições existentes, a produção de arroz alastrou-
se rapidamente, apoiada em um mercado interno regional em expansão. Com
efeito, até muito depois de 1930, o mercado interno do Rio Grande do Sul ab-
sorveu a parte mais substancial da produção própria de arroz. Em 1914, este
absorvera tanto quanto as exportações; em 1916, absorveu mais de três vezes
a quantidade exportada, sendo que este elevado patamar de absorção do pro-
duto pelo mercado regional manteve-se até a década de 5010.
Desse modo, se o estado ainda fora importador de arroz em 1907; em 1920 Volume 3
ele já exportava 32 mil toneladas, e, em 26, a produção de arroz com casca República Velha
Tomo I
(paddy) atingiu o patamar de 200 mil toneladas, enquanto os arrozais se es-
tendiam através de 100 mil hectares (Ibidem, p. 584). Entre 1901 e 29, o ar-
VI.
roz participou, em média, com quase 5% do valor das exportações totais do Rio A agricultura:
a organização dos
Grande do Sul, tendo sua taxa geométrica de crescimento no período alcan- sistemas agrários

10 Ver especialmente os gráficos em Fraquelli (1979, p. 333).


219
çado 34,5% ao ano (CARVALHO et al., 1998, p. 132)11. O censo de 1920 permite
que se avalie o grau de concentração a que era levada a efeito a produção de
arroz12. Em primeiro lugar, os resultados apontam que, em média, os estabe-
lecimentos produtores de arroz possuíam 127,9 hectares13. Mas a produção es-
tava altamente concentrada, pois 10% dos maiores estabelecimentos deti-
nham quase 75% da área total em produção, enquanto aos 50% menores es-
tabelecimentos couberam apenas 6,7% da área total. O valor do índice GINI
para a sub-região orizícola em 1920 é de 0, 78514 (SILVEIRA, 1998, p. 255).
Mas o ano de 1926 assistiu a uma queda abrupta no preço do produto (ge-
rada por uma abundante colheita de arroz no Maranhão, produto de baixa
qualidade, mas com excelente preço), acompanhada pela perda do mercado
platino para o arroz italiano e por um conjunto muito severo de medidas
recessivas tomadas pelo governo federal. Estimulados pelo governo estadual,
os arrozeiros, reunidos em um congresso em Porto Alegre, fundaram um sin-
dicato de produtores encarregado de protegê-los das violentas oscilações do
mercado externo ao Rio Grande do Sul e de criar estoques reguladores nos
períodos de superprodução. O sindicato passou a produzir estatísticas; a im-
plantar uma tipologia para a classificação da qualidade dos grãos e a encami-
nhar melhoramentos técnicos, com a criação de uma estação experimental
para estudar sistemas de cultura, de adubação e de irrigação e para fornecer
também sementes selecionadas aos associados. Finalmente um departamen-
to comercial tomaria providências contra os especuladores, criando mecanis-
mos de estabilização dos preços pagos aos produtores. Já no ano seguinte,
1927, por iniciativa do sindicato, ocorreu uma melhora de 10% na produtivi-
dade, e, em 1931, houve um novo salto por conta de um novo tipo de grão im-
portado dos Estados Unidos. Mas os efeitos da crise de 29 sobrepuseram-se
aos esforços do sindicato. Mesmo mais produtiva, a cultura regrediu muito em
área plantada no estado. E, mesmo que o sindicato já tivesse proposto, em 26,

11 Para que se faça uma comparação, o valor das exportações dos produtos da pecuária tradi-
cional cresceu 3,7% ao ano no período e o valor das exportações dos produtos da zona
colonial cresceu a uma taxa de 6% ao ano (CARVALHO et al., 1998, p. 131-132).
12 Isto é realizado através do cálculo do Índice de Gini. Quando o resultado aproxima-se da
História Geral do
Rio Grande do Sul unidade isso quer dizer que ocorre uma elevada concentração da produção (poucos produ-
zem) e quando o índice fornece um resultado que se aproxima de zero, indica que muitos
produzem aquela(s) mercadoria(s).
13 Para uma comparação com outras sub-regiões típicas do estado, na sub-região colonial o
tamanho médio dos estabelecimentos era de 33,6 hectares e na Campanha era de 637
Marli Mertz hectares. O tamanho médio dos estabelecimentos arrozeiros situava-se, portanto, num nível
Marinês Z. Grando relativamente baixo do espectro de tamanhos de explorações rurais no RGS, em 1920.
Luiz R. P. Targa 14 Para uma comparação, este valor global para sub-região da Campanha foi de 0,753 e para a
sub-região colonial foi de 0,443, na qual a posse da terra é a melhor distribuída não só em
comparação com outras sub-regiões do Rio Grande do Sul como com sub-regiões de São
Paulo, segundo o estudo do autor em pauta (SILVEIRA, 1998).
220
uma política de preços mínimos que atendesse aos quesitos de custos da la-
voura mecanizada, tal política veio a ser implantada apenas em
194515 (PEBAYLE, 1974, p. 588).
Em suma, o desenvolvimento da lavoura capitalista do arroz irrigado no
Rio Grande do Sul resultou de um concurso para onde afluíram atores sociais
históricos (os estancieiros e os colonos), que conseguiram mobilizar o comér-
cio, a indústria e o capital bancário. No quadro geral de polarização fundiária
do Rio Grande do Sul, entre as sub-regiões que concentravam a grande ou a
pequena propriedade, a lavoura do arroz conseguiu o grande feito de unir os
atores empresariais da colônia à terra dos latifúndios pecuários. Dessa fusão
surgiu um novo ator social: o granjeiro. A fusão produziu, porém, uma revo-
lução agrícola sem alteração da estrutura fundiária. A inserção dessa lavoura
no panorama dos sistemas produtivos do Rio Grande do Sul foi, desse modo,
paradoxal: ela foi simultaneamente revolucionária e conservadora.

15 No entanto, uma catastrófica colheita nacional de arroz de sequeiro jogara os preços do Volume 3
arroz brutalmente para cima, e uma nova corrida à produção do arroz irrigado no Rio Grande República Velha
do Sul havia sido lançada já em 1938. Os efeitos perversos desses recuos brutais e arrancadas Tomo I
velozes da produção através da lavoura mecanizada e irrigada só foram mitigados graças à
criação do Instituto Rio-Grandense do Arroz (IRGA ), que sucedeu, em 1940, o antigo sindi-
cato, que já fora efemeramente substituído por um Instituto do Arroz do Rio Grande do Sul.
Reconhecido oficialmente pelo estado, o IRGA retomou, por sua vez, as medidas de autode- VI.
fesa do antigo sindicato e criou uma enorme infraestrutura técnica, científica, econômica e A agricultura:
social, criando, lado a lado com uma proposta realista de preços mínimos, uma frente a organização dos
comercial de defesa dos interesses dos arrozeiros, regulando o mercado através de um sistema sistemas agrários
apropriado de estocagem do produto; lançando novas sementes testadas em seus labora-
tórios e criando um corpo de engenheiros agrônomos que se distribuíam por diversas regiões
rizicultoras do estado. 221
COSTA, 1922.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Marli Mertz
Marinês Z. Grando
Luiz R. P. Targa

222
Trem elétrico conduzindo os
operários do Frigorífico Swift.
Rio Grande, 1922.

COSTA, 1922.
COSTA, 1922.

Frigorífico. Companhia
Swift do Brasil S. A.
Rio Grande, 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

VI.
A agricultura:
a organização dos
sistemas agrários

223
História Geral do
Rio Grande do Sul

Marli Mertz
Marinês Z. Grando
Luiz R. P. Targa

224
Capítulo VII

O SETOR FINANCEIRO:
DAS ORIGENS AO DRAMA BANCÁRIO

Eugenio Lagemann

A história bancária brasileira iniciou em 1808, com a criação do Banco do


Brasil, que passou a operar em 1809, capitalizado por capitais privados e por
impostos especialmente instituídos para essa finalidade. Banco particular,
com participação do Estado, seu maior acionista individual, não teve como
principal preocupação o estímulo à atividade econômica, mas a obtenção de
fundos para manter a monarquia portuguesa que aportara na sua então colô-
nia americana. Uma das suas principais atividades foi, por isso, a de emitir
papel-moeda para suprir os deficits do Tesouro. Por ocasião da volta da família
real a Portugal, em 1829, essa retirou todos os seus depósitos, deixando-o pra-
ticamente insolvente.
O empresário Irineu Evangelista de Souza, barão de Mauá, deu nova vida
ao Banco do Brasil. Em 1851, fundou o Banco do Comércio e Indústria do Bra-
sil, então maior sociedade por ações da América do Sul (FURTADO, 1998, p. Volume 3
99) e considerado o terceiro Banco do Brasil, já que a sua segunda criação não República Velha
Tomo I
saiu do papel, ficando limitada a um projeto de 1833. Em 1853, atendendo à
imposição do governo, fundiu-se com o Banco Comercial do Rio de Janeiro,
constituindo o Banco do Brasil na sua quarta configuração, sendo recompen- VII.
O setor financeiro:
sado, em seu início, com a exclusividade para as emissões de papel-moeda. Em das origens ao
1892 fundiu-se com o Banco da República dos Estados Unidos do Brasil, pas- drama bancário

sando a denominar-se Banco da República do Brasil (BRB), o qual foi encar-


225
COSTA, 1922.
regado do serviço da dívida interna nacional e obteve o direi-
to exclusivo de emissão. A instituição de Mauá que cruzou as
fronteiras nacionais, porém, foi a Casa Bancária Mauá
(McGregor & Cia., sinteticamente Casa Mauá).
Foi a partir da década de 1830 que os bancos de depósi-
to e desconto foram sendo implantados em diferentes regiões
do Brasil por iniciativa de capitais locais. Assim, enumera-
se o já referido Banco Comercial do Rio de Janeiro, em 1838;
o Banco Comercial da Bahia, em 1845; o Banco Comercial do
Irineu Evangelista de Souza,
Maranhão, em 1846; o Banco Comercial do Pará em 1847 e
visconde de Mauá. o Banco Comercial de Pernambuco, em 1851.
O Rio Grande do Sul conheceu seu primeiro banco
comercial em 1858, quando da fundação, em Porto Alegre, do
Banco da Província do Rio Grande do Sul. Mas o primeiro estabelecimento
bancário a operar em território sul-rio-grandense foi a agência do Banco do
Brasil de Mauá, em Rio Grande, em 1851-52. Os bancos estrangeiros se fize-
ram presentes igualmente em Rio Grande, poucos anos depois, a partir de
1863, representados pelo London & Brazilian Bank.
O cenário financeiro gaúcho, até o início da década de 1930 foi marcado pela
atuação de diversos tipos de instituições, como bancos, casas bancárias, caixas
econômicas e caixas rurais, sem esquecer a atuação do setor público estadual e
a contínua ação de particulares, pela ordem cronológica da sua fundação.
O conjunto mais importante era o constituído pelos bancos, sendo que
nove deles tinham sede no Rio Grande do Sul, todos eles desdobramentos da
economia regional, dentro da qual surgiram e atuaram.
O Banco da Província do Rio Grande do Sul, primeiro banco gaúcho, foi
instalado em 1º de julho de 1858, em Porto Alegre. A idéia de sua criação foi
abraçada por um pequeno grupo de comerciantes, mas na reunião de 1854,
em que foi definida a forma de constituição da empresa, registrou-se a presen-
ça de 57 deles, ao lado de proprietários e capitalistas. Nessa iniciativa também
se engajou o poder público na pessoa do então presidente da província, João
História Geral do
Rio Grande do Sul
Lins Vieira de Cansanção de Sinimbu, que presidiu a referida reunião, e a igre-
ja, representada pelo padre João de Santa Bárbara.
No período até 1930, o Banco da Província caracterizou sua atuação como
fundamentalmente ligada à economia gaúcha, pois operou com apenas uma
Eugenio
Lagemann agência fora do estado, a do Rio de Janeiro, a partir de maio de 1908. Sua sede
definitiva, na esquina das ruas Uruguai e Sete de Setembro e hoje ocupada
pelo Banco Santander, foi inaugurada em 1913.
226
O Banco Nacional do Comércio foi instalado a 2 de janeiro de 1895,
iniciando as operações em 1º de abril, sob a denominação de “Banco do Comér-
cio”, alterada, em 1909, para “Banco do Comércio de Porto Alegre”, e em 1917,
para “Banco Nacional do Comércio”, em conformidade ao seu nível de expan-
são, marcando presença em outros estados. Seus incorporadores foram: Cae-
tano Pinto & Franco, Eurípedes Mostardeiro (comerciante), Azevedo Irmãos
& Cia. (comércio de secos e molhados), Edmundo Dreher (comerciante e
industrial), Hugo Gertum (comerciante), Francisco Gonçalves e Fernando do
Amaral Ribeiro (comerciante). Uma iniciativa, portanto, do setor comercial
porto-alegrense que passara a se favorecer, a partir dessa década, do cresci-
mento econômico das unidades agrícolas de imigrantes europeus que torna-
ram a comercializar seus excedentes com base no porto de Porto Alegre.
A área de atuação desse banco ultrapassou rapidamente as fronteiras
estaduais atraído pelos favores fiscais oferecidos por Santa Catarina. Instalou-
se em Florianópolis em 1911, para logo em seguida abrir agências nas maio-
res cidades de lá, como Joinville e Blumenau. Em 1917 se fazia presente em
Corumbá, no Mato Grosso, e em 19 iniciava sua trajetória no Paraná, com a
agência de Curitiba. Nessas regiões, financiava a extração e comercialização
da erva-mate e madeira, que por longo tempo foram as fontes do dinamismo
da economia paranaense e do norte catarinense.
O Banco Pelotense resulta, em 1906, da iniciativa de incorporadores origi-
nários do setor pecuarista/charqueador que tiveram o apoio do comércio da
cidade de Pelotas. Alberto Roberto Rosa era proprietário de três fazendas,
sendo também sócio-comanditário da empresa Pedro Ozório & Cia., dedicada
essencialmente à exploração de produtos da economia pecuária. Francisco A.
G. da Costa era dono da charqueada Boa Vista, situada às margens do arroio
Pelotas. Joaquim Augusto de Assumpção herdou de seu pai, Joaquim José de
Assumpção, barão de Jarau, juntamente com sua irmã Ernestina de
Assumpção Osório, parte da “maior fortuna do Rio Grande” (PIMENTEL, [s.d],
p. 30), lembrando que essa fortuna foi amealhada com base na charqueada mo-
delo operada em Pelotas. Os interesses envolvidos na criação do banco acom- Volume 3
panharam a história da instituição personalizados nos incorporadores que República Velha
Tomo I
enfeixaram o poder decisório durante a maior parte de sua existência, pois
ocupavam, de forma vitalícia, através de reeleições contínuas, cargos de man-
VII.
do ou fiscalização. A concentração do capital acionário era elevadíssima, pois O setor financeiro:
5 pessoas, entre elas os incorporadores, possuíam mais de 50% das ações. Ao das origens ao
drama bancário
comércio e à indústria não-charqueadora foi reservada uma participação mino-
ritária.
227
Sua expansão iniciou por Porto Alegre e a região da Campanha. Avan-
çou para a área colonial italiana e depois para a alemã. E também disputou o
mercado nacional, iniciando pela capital, Rio de Janeiro, em 1919, expandin-
do-se para Minas Gerais (Belo Horizonte, Juiz de Fora e Rio Novo) e o Para-
ná (Ponta Grossa). No Espírito Santo, associou-se ao governo do estado para
formar o Banco do Espírito Santo, com participação estatal de 40% no capi-
tal. Esse empreendimento, que transformara um departamento governamen-
tal em uma sociedade anônima e cuja atuação maior constituía a interme-
diação nos negócios de café, operou até 1931.
A liquidação do Banco Pelotense, solicitada em 5 de janeiro de 31, cau-
sou pânico no mercado financeiro gaúcho, situando-se no âmago do chamado
“drama bancário”, objeto da segunda parte deste capítulo.
O Crédito Territorial Sul-Brasileiro originou-se da união do Banco Pelo-
tense com a firma Supervielle & C., instituição bancária estabelecida em Mon-
tevidéu, e a firma Bárbara & Filhos, sediada em Uruguaiana, também com
experiência na área bancária. Instalou-se, em 1912, em Porto Alegre onde
ocupava espaço na filial do Banco Pelotense. Sua atuação estava voltada ao
empréstimo com garantia hipotecária de imóveis da área rural e urbana e ao
mercado imobiliário (construção, administração e intermediação). Conhecida
também como “Crédit Foncier Sud-Brésilien”, operava com capitais origi-
nários da Europa. Diante das dificuldades com as relações externas, em de-
corrência da I guerra, essa instituição teve vida curta, entrando a mesma em
liquidação em 1916, fracassando na operacionalização do tão sonhado crédito
com garantia hipotecária.
O Banco Porto-Alegrense surgiu, juridicamente, de uma reforma dos es-
tatutos da Caixa dos Funcionários Públicos. Fundada em 1905 na capital gaú-
cha, e instalada em 1906, essa Caixa conseguira crescer nos negócios, possi-
bilitando a sua transformação em banco a partir de 1916. Essa instituição man-
teve-se tipicamente um banco de atuação municipal. Na década de 60, passou
a integrar o Banco Brasileiro de Descontos S/A – BRADESCO –, após ter se tor-
nado praticamente um banco familiar, sob o controle de Francisco Garcia.
História Geral do
Rio Grande do Sul O Banco Comercial Franco-Brasileiro, fundado em 1913, resultou da
união de capitais locais e franceses. Pelo lado francês, liderava o banqueiro pa-
risiense Joseph Danon, secundado pela firma J. Dreyffus & Flachfeldt. Pelo
lado brasileiro, o comerciante e industrial coronel Manoel Py, seu único pre-
Eugenio
Lagemann sidente, e o capitalista, proprietário de imóveis, Possidonio da Cunha. O co-
mitê de Paris permaneceu inoperante, limitando-se a ação desse banco às
agências de Porto Alegre e, a partir de 1915, à de Pelotas. Em dificuldades pela
228
COSTA, 1922.
Banco da Província. Porto Alegre.

falta de interesse da parte francesa, o que limitava demasiadamente seu cam-


po de atuação, encerrou suas atividades em 1922, após a assembléia geral ter
votado pela liquidação do empreendimento.
O Banco Popular do Rio Grande do Sul, fundado em agosto de 1919 no
salão da Associação Comercial de Porto Alegre, foi uma instituição que bus-
cou honrar sua denominação pela pulverização de suas ações entre um gran- Volume 3
de número de adquirentes. Assim, em 1930, o Popular tinha 1.585 acionistas, República Velha
Tomo I
contra 1.006 do Nacional do Comércio, 782 do Pelotense (em 1929) e 648 do
Província. A presença, entre seus fundadores, do monsenhor Mariano da Ro-
cha, então vigário geral do arcebispado de Porto Alegre, explica-se por ser essa VII.
O setor financeiro:
uma iniciativa, basicamente, de elementos católicos. das origens ao
drama bancário
Sua área de atuação limitou-se ao estado do Rio Grande do Sul, onde ins-
talou agências em Pelotas (1921), Caxias do Sul (1925), Passo Fundo (1928), 229
Santa Maria e São Leopoldo (1929). Seu pedido de falência ingressou em juízo
em 16 de abril de 1930, abalando profundamente o meio bancário, marcando
o início do drama bancário gaúcho.
O Banco Pfeiffer foi criado em Porto Alegre sob a razão social Jorge Pfeiffer
& Cia – Casa Bancária, constituído como sociedade em comandita simples,
tendo como sócio-solidário Jorge Marcos de Azevedo Pfeiffer e como sócios-
comanditários Frederico Guilherme Bier, H. Theo Möller, Carlos Daudt e Jor-
ge Bercht. Novos sócios ingressaram em 1920, sendo como solidário Feodor
Jacobi e como comanditários Frederico Mentz & Cia., Edmundo Dreher &
Cia. e Otto Niemeyer. Um anúncio publicitário da própria casa bancária na
revista Máscara, na edição comemorativa ao centenário da independência,
em 1922, referia ela pertencer a um grupo “composto das mais reputadas fir-
mas de nosso comércio”, sendo procurada “principalmente pelo elemento pro-
gressista germânico para suas transações comerciais”. Em 1929, transformou-
se em sociedade anônima, permanecendo mais da metade das ações nas mãos
dos proprietários originais, sendo o restante adquirido por membros do alto
comércio porto-alegrense dedicado às importações e exportações. Cresceu
apoiado no desenvolvimento da economia rural. Limitou-se, geograficamen-
te, até 1930, ao mercado porto-alegrense. Sua denominação foi alterada para
“Banco Industrial e Comercial do Sul S/A” em 42, em decorrência da pressão
exercida sobre instituições de origem germânica ou a ela relacionada. Em 73,
fundiu-se com o Banco da Província e o Banco Nacional do Comércio, num
movimento em defesa dos bancos gaúchos, originando o Banco Sul Brasilei-
ro, o qual foi encampado pelo governo federal como “Banco Meridional”, poste-
riormente vendido no processo de privatizações na década de 90 ao Banco
Santander, de origem espanhola.
O Banco do Rio Grande do Sul foi autorizado a funcionar pelo decreto fe-
deral 18.374, de 28 de agosto de 1928, e iniciou suas operações no dia 12 de se-
tembro do mesmo ano. Ele representou a intervenção direta do poder públi-
co estadual na área financeira e veio para cobrir a lacuna do crédito hipotecá-
rio, considerando que a tônica do primeiro e do segundo Congresso de Cria-
dores realizados, respectivamente, em 1927 e 28, fora a tese da criação do Ban-
História Geral do
Rio Grande do Sul co Central de Crédito Rural.
Essa necessidade era reconhecida tanto pelo governo imperial como pelo
governo provincial desde o século anterior, e seu apoio era até então concre-
Eugenio
tizado pela oferta de garantias de remuneração ou de isenção de tributos in-
Lagemann cidentes sobre as operações de carteiras hipotecárias operadas por bancos pri-
vados. Entretanto, dificuldades de toda ordem praticamente inviabilizavam
230 essa alternativa. A exceção foi o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, com
sede em Juiz de Fora, criado em 1889, que recebeu os favores prestados pelo
governo imperial, mediante a concessão de um empréstimo de 2 mil contos
de réis, a longo prazo, sem qualquer encargo, cujo valor superava em muito
seu capital inicial de 500 contos, dos quais apenas 100 integralizados (COSTA
NETO, 2003, p. 21). A esperança, no Rio Grande do Sul, foi depositada, então,
num instituto de capital predominantemente público.
Seguindo o exemplo de São Paulo, que assumira em 1926 o Banco de
Crédito Hipotecário e Agrícola do estado de São Paulo, alterando sua deno-
minação para Banco do Estado de São Paulo (Banespa), o governo gaúcho de-
cidiu-se pela criação de uma instituição dedicada ao crédito hipotecário, o Ban-
co do Rio Grande do Sul. Para integralizar sua parte no capital, realizou um
empréstimo no exterior, junto a banco norte-americano. A nova instituição, hoje
oficialmente denominada Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A, mas
mais conhecida como Banrisul, acompanhou desde então a sorte da economia
regional, atuando em todas as áreas do crédito, pois cedo descobriu ser o cré-
dito hipotecário financeiramente pouco atraente. Atualmente está estruturado
como banco múltiplo, operando inclusive a carteira voltada ao desenvolvimento
econômico com créditos para projetos de produção de longa maturação.
Entre os bancos brasileiros com sede fora do Rio Grande do Sul presen-
tes no mercado financeiro gaúcho durante o período da República Velha, des-
taca-se o Banco do Brasil. Banco oficial resultante da intervenção do governo
federal no Banco da República do Brasil, a partir de 1905, retomou seu espa-
ço ocupado no período imperial, a partir de 1916 no Rio Grande do Sul, abrin-
do uma agência em Porto Alegre dentro do processo de interiorização dessa
nova instituição que ocorreu a partir daquele ano, considerando que antes fi-
cara praticamente restrita à capital Rio de Janeiro. Exerceu um importante
papel como banco comercial, mas diferenciou-se dos demais por atuar como
banco do governo federal, fosse operando em nome do Tesouro Nacional, fos-
se atuando no mercado do câmbio em consonância com a estratégia estabele-
cida pelo governo. Apresentava, ainda, características de banco central por sua
função de emissão de moeda. As suas atribuições foram sendo ampliadas na
Volume 3
década de 20: em 1921 foi instalada a Carteira de Redescontos, enquanto se República Velha
Tomo I
agregavam à instituição a Câmara de Compensação e a Carteira de Crédito
Agrícola.
Uma característica peculiar do cenário financeiro gaúcho pré-1930 foi a VII.
O setor financeiro:
ausência quase total de bancos nacionais privados. Assim, ao contrário do pre- das origens ao
drama bancário
domínio atual, a atuação do Banco Popular Italiano, com sede em São Paulo,
constituiu uma exceção. Ele chegou ao Rio Grande do Sul em 1926, abrindo
231
filial em Porto Alegre, mas já em 30 encerrava aqui suas operações sob a nova
denominação de “Banco Ítalo-Brasileiro”.
Com base na colônia italiana paulista, objetivava incentivar o intercâm-
bio comercial Brasil-Itália. No seu Conselho de Administração destacavam-se
nomes como os do coronel Geremia Lunardelli, considerado “o maior proprie-
tário de cafezais, no Brasil” (Correio do Povo, 1928, p. 4). Oswaldo Riso, ex-
diretor do Banco de Roma, conde Attilio Matarazzo, Ezio Martinelli, Bernardo
Leonardi e Pasquale Francai, todos fortes comerciantes. No Rio Grande do
Sul, aproximou-se de membros do alto comércio porto-alegrense, incluindo no
conselho local nomes como Benno Mentz, Paulino Augusto da Fontoura,
Sabino Lubisco e Vicente Dal Molin. Na colônia italiana, conseguiu vender al-
gumas de suas ações.
O ambiente financeiro do Rio Grande do Sul no período da República Ve-
lha também registra a presença de bancos estrangeiras, com destaque para
os de origem inglesa, secundados pelos alemães e, depois, norte-americanos.
Sua atividade centrava-se no financiamento do comércio internacional e,
eventualmente, no apoio à produção de produtos exportáveis, como as carnes.
A presença inicial do London & Brazilian Bank, a partir de 1863, e do
Brasilianische Bank für Deutschland, em 1903, pode ser entendida, no primei-
ro caso, pelo predomínio mundial do capitalismo inglês no final do século XIX;
enquanto no segundo evidencia a expansão da economia alemã, unificada a
partir de 1871, buscando a aproximação comercial com regiões de colonização
teuta. Em 1917 instala-se o Banco Francês e Italiano para a América do Sul e
logo após o final da I Guerra, em 1919, novos bancos estrangeiros escolhem a
praça gaúcha: dois de origem inglesa – British Bank of South América e o
Bank of London & South América – e um de capital americano – National City
Bank of New York. Sua instalação relaciona-se à frigorificação da carne por
capitais internacionais e aponta, regionalmente, para a reversão do predomí-
nio do capitalismo inglês para o americano, em nível de economia mundial.
Fundado em Londres em 1862, o London & Brazilian Bank logo se fez
História Geral do
Rio Grande do Sul presente no estado, com filial em Rio Grande a partir de 1863, instalando fi-
lial em Porto Alegre apenas em 1888. Sua atuação no setor de carnes é
exemplificada pelo fato de ter sido o maior credor na falência, em 1916, da
Anglo American Meat Company Ltd., com sede em Bagé, proprietária das
Eugenio
Lagemann charqueadas Santa Tereza e Industrial, daquele município. Em 1923/1924, fun-
diu-se com o London & River Plate Bank, originando o Bank of London &
232 South América.
COSTA, 1922.
Banco Nacional do Commercio. Porto Alegre.

O Brasilianische Bank für Deutschland foi fundado em Hamburgo em


1887 e se fez presente desde 1903 em Porto Alegre. O banco buscava, natural-
mente, intermediar as transações realizadas pelo elemento germânico operan-
te no estado. Seu anúncio publicitário divulgado no jornal A Federação em 1º
de janeiro de 1915 dá pistas de que se utilizava de firmas comerciais e indus-
triais no interior que lhe serviam como primeiro contato com novos clientes.
Nessa condição estão listadas as firmas Vva. José Muller & Cia., de Cachoei-
ra do Sul; Lamberts & Riedel, de Santa Cruz do Sul; W. Rotermund, de São
Leopoldo; Emílio Mueller, de Novo Hamburgo; A J Renner & Cia, de São Volume 3
República Velha
Sebastião do Caí e G. Mathias Petry, de Montenegro. Essas cidades consti- Tomo I
tuíam então os principais núcleos de imigração alemã no estado. Por ocasião
da I Guerra, foi obrigada a suspender as atividades em 1918, levando seu di-
VII.
retor, Jorge Pfeiffer, a instalar sua própria casa bancária, anteriormente refe- O setor financeiro:
rida. Após o conflito, reabre suas representações no Brasil, sem sucesso, sen- das origens ao
drama bancário
do substituído pelo Banco Alemão Transatlântico, que instalou sua sucursal
em Porto Alegre, apenas em 1930.
233
O Banco Francês e Italiano para a América do Sul foi um banco fundado
no Brasil por altos comerciantes da colônia italiana sob a razão social Banca
Comerciale Italiana di San Paolo, mas que, através de fusões e associações com
bancos italianos e franceses, acabou estabelecendo sua sede em Paris. Durante
a I Guerra, captou empréstimos para o Tesouro francês e operava no comér-
cio externo e próximo à indústria na região colonial italiana, pois à filial de Por-
to Alegre, em 1917, seguiram as filiais de Caxias do Sul, em 18, e de Rio Gran-
de, em 21.
O National City Bank of New York, fundado em 1812, chega ao Rio Gran-
de do Sul com as empresas frigoríficas americanas Swift e Armour, ao lado das
sucursais da Standard Oil Company e da The Texas Company. O gigante nor-
te-americano, com filiais espalhadas pelo mundo, operou em Porto Alegre e
Rio Grande nas exportações, citando-se as vendas e produtos agrícolas para
o Prata, envolvendo o arroz, a banha, a farinha de mandioca e a erva-mate.
O British Bank of South América, fundado em 1863, abriu a filial de Porto
Alegre em 1919. O London & River Plate Bank, fundado em 1862, instalou-
se também em Porto Alegre em 1919, ampliando seu raio de ação para Pelo-
tas e Rio Grande já em 1920. Entretanto em 24 fundiu-se com o London &
Brazilian Bank, originando o Bank of London & South América, que exerceu
um papel importante no mercado financeiro sul-rio-grandense, ao apresentar
um saldo de depósitos, em 28, por exemplo, pouco inferior ao de cada um dos
três maiores bancos gaúchos, o Pelotense, o Província e o Nacional do Comér-
cio.
Ao lado dos bancos atuavam os empreendimentos menores, as casas
bancárias e os particulares1. Sem dúvida, em situação mais favorável para
exercer essa atividade se encontrava o comerciante. Era, pois, muito comum
que ele combinasse a atuação comercial com a representação de bancos, da
qual era correspondente. Mas também atuava em faixa própria, realizando em-
préstimos e até aceitando depósitos. Nesse sentido, entende-se a preocupa-
ção do decreto 14.728 de 16 de março de 1921, por exemplo, que buscava or-
ganizar essa atividade paralela ao sistema financeiro realizada por parti-
História Geral do culares.
Rio Grande do Sul
Entre as casas bancárias, destaca-se, sem dúvida, a Casa Bancária Jor-
ge Pfeiffer & Cia., criada em 1919 e que deu origem ao Banco Pfeiffer, acima
analisado. Outra casa de destaque foi Barbará & Filhos, de Uruguaiana, que
Eugenio efetuava operações de crédito e de câmbio. Essa fundou, juntamente com o
Lagemann

1 Esse universo, principalmente o dos particulares, não será possível de ser integralmente
234 descrito, devido a sua dispersão geográfica e sua ação nem sempre contínua.
Banco Pelotense, o Crédito Territorial Sul-Brasileiro, em Porto Alegre, e pos-
suía também empresa de navegação fluvial a vapor e usina de energia elétri-
ca em Uruguaiana. Nessa cidade ela ainda estava associada como
comanditária do Saladero Uruguaiana e da casa comercial Ferreira & Cia.,
mas sua ação societária se estendia também ao Rio de Janeiro e ao Recife,
como sócia, respectivamente, da fábrica de lâmpadas Bergallo, Kingsburry &
Cia. e da concessionária das loterias do estado de Pernambuco Demarchi &
Cia. Outra casa bancária em Uruguaiana era a de Sigismundo Kramer &
Filhos, empresa igualmente dedicada ao ramo do comércio importador, espe-
cializado em farinha de trigo e azeite de oliva. A casa bancária Mourgues &
Castro, de Bagé, foi adquirida em 1911 pelo Banco Pelotense que a transfor-
mou em sua filial naquela cidade e seu proprietário, Antonio Mourgues se tor-
nou acionista e, logo (em 1913), diretor do banco. Outra casa bancária de Bagé
foi a de Emílio Guilayn, criador e empresário de charqueadas e comerciante,
que exerceu o cargo de diretor do Banco da Província no período de 1911 a
1914. A mais antiga casa bancária era a de Francisco Nunes de Souza, de Pelo-
tas, fundada em 1832, por Adolpho José Martinez e Emilio Martinez, sob a de-
nominação de “Martinez Irmãos”. Francisco Nunes de Souza era empregado
da instituição desde 1855 e assumiu a empresa em 1905, que operava como
agente de bancos e companhias de seguros e estava ligada à indústria char-
queadora e à exportação.
Numa área mais específica, a da poupança popular, atuavam desde lon-
ga data as Caixas Econômicas, entidades precursoras da Caixa Econômica Fe-
deral. Nascida sob a égide do governo imperial teve sua primeira unidade na
capital, mediante a criação, em 1861, da Caixa Econômica e do Monte de So-
corro do Rio de Janeiro. Pelo decreto 5.594, de 18 de abril de 1874, o Império
se propôs a abrir nas capitais das províncias outras caixas econômicas e mon-
tes de socorro. A de Porto Alegre foi criada e teve sua diretoria nomeada no
mesmo ano, porém a efetiva instalação ocorreu em 3 de maio de 1875. A dire-
ção das caixas nas províncias era nomeada por decreto imperial e exercida de
forma benemerente. O primeiro presidente da Caixa Econômica em Porto
Alegre foi Francisco Ferreira Porto (barão do Caí), sendo o conselho fiscal in- Volume 3
República Velha
tegrado por homens do comércio local e do Banco da Província. A atividade Tomo I
estava dividida em duas partes: os depósitos populares, recebendo depósitos
e concedendo empréstimos, e o monte de socorro, realizando empréstimos sob
VII.
o penhor de jóias e pedras preciosas. Em 1908, a matriz Porto Alegre passa a O setor financeiro:
funcionar em prédio próprio, no mesmo local hoje ocupado pela sede regio- das origens ao
drama bancário
nal. Nessa época já haviam sido abertas quatro filiais no estado: em 1888, Pelo-
tas e Rio Grande; em 1905, em Jaguarão e, em 1906, em Uruguaiana.
235
A sua atuação nos depósitos populares sofreu a concorrência, a partir de
1910, dos bancos também autorizados a operar naquela faixa. Mas o que mais
chama a atenção é a entrada do governo estadual nesse negócio. Pelo decre-
to 2.096, de 16 de julho de 1914, o presidente do estado, Borges de Medeiros,
instalou as caixas oficiais de depósitos populares, cujos depósitos e retiradas
obedeciam ao mesmo processo seguido nas caixas econômicas federais e nas
caixas de depósitos populares dos bancos. A estrutura da receita estadual agre-
gou essa nova atividade, iniciada no arquivo do Tesouro, as suas estações de
cobrança no interior, e, ainda em 1914, já estava implantada em diversas ci-
dades. Os recursos amealhados dessa forma eram destinados parte à rede
bancária, parte à cobertura de eventuais deficits da Rede Ferroviária, encam-
pada no início da década de 20 (MINELLA, 1979, p. 63). Atitude semelhante
tomou o governo do estado de São Paulo, a partir de 1916, ao adotar esse me-
canismo, cujos recursos eram por ele destinados ao Banco Hipotecário, para
evitar a paralisia dos empréstimos hipotecários e agrícolas em seu território
(COSTA NETO, 2003, p. 28).
A atuação mais característica do mercado financeiro gaúcho no campo dos
depósitos populares é a que ocorre com a concretização do ideal cooperativista
no plano financeiro mediante a instalação das Caixas rurais. As modalidades
de organização predominantes são as Caixas Raiffeisen e os Bancos Luzzatti:
a) A primeira modalidade foi idealizada por Wilhelm Friedrich Raiffeisen,
sendo suas principais regras:
• limitação da instituição a uma única comunidade;
• diretoria não remunerada;
• pequenas participações, sem distribuição de dividendos, mas com cons-
tituição de reservas (GABLER WIRTSCHAFTSLEXIKON, 1988, p. 1139).
b) A segunda foi difundida na Itália por Luigi Luzzatti, mas idealizada na
Prússia por Hermann Schulze-Delitzsch, sendo suas principais regras:
• inexistência de limites geográficos para a organização da cooperativa;
• instituição de cooperativas especializadas por atividades;
História Geral do • formação do capital predominantemente via participações e secunda-
Rio Grande do Sul riamente via formação de reservas;
• distribuição de dividendos como ganhos de capital ou recompensa aos
membros (Ibidem, 1988, p. 1412-1413).
Eugenio
Lagemann A primeira Caixa rural do Brasil, a Caixa de Economia e Empréstimos
Amstad de Nova Petrópolis, foi fundada em 1902 sob a inspiração do padre
Teodor Amstad. A ela seguiram diversas outras, notadamente nas regiões de
236
COSTA, 1922.
Banco Pelotense.

colonização alemã e italiana. Citam-se, por exemplo, a Caixa de Bom Prin- Volume 3
cípio, em 1903, e as Caixas de Lajeado, Venâncio Aires, Cerro Largo, entre República Velha
Tomo I
outras. Destaque especial merece a Caixa Economia e Empréstimos, de Santa
Cruz do Sul, fundada em 8 de maio de 1904, que passa a denominar-se “Cai-
xa Cooperativa Santa Cruzense” logo depois, a qual deu origem, em 29 de mar- VII.
ço de 38, ao Banco Agrícola Mercantil Ltda. Esse banco manteve, inicialmente, O setor financeiro:
das origens ao
sua ação de financiamento da produção e comercialização do fumo, expandin- drama bancário
do-se depois, integrando atualmente o União de Bancos Brasileiros –
UNIBANCO. 237
A proliferação de Caixas rurais no interior ensejou a criação da Central
de Caixas Rurais, em Porto Alegre. Seu número de federadas cresceu de 17,
em 1926, para 25, em 1929, depois para 35, em 1949, alcançando o máximo,
em 1962, com 62 associadas. Esse movimento deu origem ao sistema SICREDI
e ao atual Banco Cooperativo Sicredi, primeiro banco cooperativo do país,
constituído pelas dezenas de cooperativas de crédito, para administrar os re-
cursos do sistema e dar acesso a seus associados a produtos e serviços finan-
ceiros legalmente vedados às cooperativas.
Qual a importância do mercado financeiro gaúcho de cada uma das ins-
tituições?
O principal mercado financeiro brasileiro ao final do império era a capi-
tal Rio de Janeiro. Segundo Costa Neto (2003, p. 9), em 1888, o Rio de Janei-
ro concentrava 80% dos depósitos bancários e a maioria das 68 agências bancá-
rias em funcionamento no Brasil, tanto que, na capital, cada 22.573 habitan-
tes dispunham de uma agência, enquanto no restante do país cada agência de-
veria atender em média a 232.558 pessoas. O Rio Grande do Sul era um dos
maiores mercados, o que pode ser observado pela importância que teve a Cai-
xa Econômica no contexto nacional. No período de 1912 a 20, a mesma parti-
cipava com aproximadamente 8% dos depósitos da Caixa Econômica Fede-
ral, situando-se em primeiro lugar o Rio de Janeiro com 30% a 45% do volu-
me e em segundo lugar São Paulo com percentual entre 23% e 30%. A Caixa
Econômica do Rio Grande do Sul perdeu a terceira posição para a da Bahia
na década de 20, provavelmente pelo fato de o depositante gaúcho dispor de
uma bem desenvolvida e atuante rede bancária e de agentes da poupança po-
pular local, entre outras a dos depósitos populares no Tesouro.
Do quadro de distribuição de agências das instituições financeiras gaú-
chas, depreende-se que houve um esforço significativo por parte destes em
participar do mercado do Rio de Janeiro, onde o Província e o Pelotense abri-
ram filial, e de outros estados, registrando a presença do Nacional do Comér-
cio em Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso e do Pelotense no Paraná, Mi-
nas Gerais e Espírito Santo.
História Geral do
Em contrapartida, embora os dados relativos aos bancos estrangeiros e
Rio Grande do Sul aos empreendimentos de fora do Rio Grande do Sul não estejam disponíveis
para todos os anos e para todas as agências, pode-se concluir que o mercado
local ficava em sua maior parte em mãos dos estabelecimentos financeiros com
sede no estado. Assim, nenhum estabelecimento de fora conseguiu, por exem-
Eugenio
Lagemann plo, superar o valor dos depósitos do Província, mesmo antes de sua expan-
são para o Rio de Janeiro. A Caixa Econômica mostrava o melhor desempe-
nho, tendo uma média de 42 mil contos de depósitos no período de 1926 a 35,
238
o que correspondia ao saldo dos depósitos do Banco Popular, em 28, o qual não
possuía agências fora do Rio Grande do Sul. O Brasilianische Bank für
Deutschland atingiu seu auge em 1915, com depósitos de 12,5 mil contos, o que
correspondia a menos da metade dos depósitos do Nacional do Comércio, an-
tes de sua efetiva expansão para Santa Catarina. Na década de 1920 o banco
estrangeiro com maior presença foi o Bank of London & South América, cujos
saldos dos anos de 1928 e 29 (respectivamente 27,7 e 24,9 mil contos) ultrapas-
saram levemente os valores apresentados pela Casa Bancária Pfeiffer, que
teve depósitos de 22 e 22,7 mil contos nos mesmos anos, e estiveram muito pró-
ximos aos dos depósitos populares do Tesouro, que registrou 42 mil contos em
1925 e 24 mil em 28, ano em que o Banco do Rio Grande iniciara sua história
com saldos de depósitos de 80,2 mil contos de réis.

Participação relativa dos bancos nos saldos dos depósitos totais dos bancos gaú-
chos em 31 de dezembro – 1906-30.
Fonte dos dados brutos: LAGEMANN, 1985, Tabela 24, p. 224-26.

Considerando o nível de depósitos e a proximidade para com o governo


do estado, é possível discernir três fases na história bancária do Rio Grande
do Sul, dos primórdios até 1930. A mais longa foi marcada pelo predomínio do Volume 3
República Velha
Banco da Província, abarcando desde a sua fundação, em 1858, até 1916/1920. Tomo I
Até 1916, controlava mais de 50% dos depósitos dos bancos gaúchos, e até 1920
operou como agente financeiro do governo. A segunda fase registrou a atuação
VII.
do Banco Pelotense como agente financeiro a partir de 1921 e como detentor O setor financeiro:
do maior volume de depósitos entre os bancos gaúchos de 1925 a 29, ocorren- das origens ao
drama bancário
do o pico em 27. A partir de 28, o cenário ficou caracterizado pela presença cada
vez mais importante do governo estadual, com o banco próprio, o Banco do 239
Rio Grande do Sul. Na dissolução por falência do Banco Pelotense, solicitada
em 5 de janeiro de 31, enquanto a Secretaria da Fazenda assumia o passivo,
foi justamente o Banco do Rio Grande que recebeu seus ativos, instalando-se
em seus prédios, dando a impressão de uma sucessão nas atividades.
No que se refere aos demais bancos, cabe registrar que o Banco Nacio-
nal do Comércio manteve sua posição de segunda ou terceira força em todo o
período. O Banco Porto-Alegrense teve vida longa, mas sem grande destaque
quantitativo, ao contrário do Banco Popular, que teve vida curta, porém mar-
cou presença crescente no mercado próximo ao final de seu período de exis-
tência, o que potencializou os efeitos negativos sobre o mercado decorrentes
de sua falência. O Banco Pfeiffer manteve uma posição secundária até o início
da década de 30, o que se alteraria após a sua transformação em sociedade anô-
nima.

O desempenho dos bancos


O mundo financeiro é tão ou mais turbulento que a produção e comer-
cialização de mercadorias (agricultura, indústria e comércio) e prestação de
serviços. O setor financeiro brasileiro, no qual o Rio Grande do Sul está in-
serido, usufruiu diversos momentos de euforia e enfrentou também diver-
sas crises.
Crises de insolvência ocorreram no Brasil tanto em 1864 como em 1875
(FURTADO, 1998, p. 103). Esses dois momentos constituíram, na verdade, uma
única crise, cada qual com características diferenciadas. Iniciando em 1864,
como crise de liquidez, ela se aprofundou com a Guerra do Paraguai (1864 a
1870) e evoluiu para uma crise geral nas finanças públicas em 1875.
No período de 1889 a 1894, em contrapartida, viveu-se um clima de eu-
foria, estimulado pela política do encilhamento adotada pelas autoridades bra-
sileiras em 1890-1891. Mas, de 1894 a 1906, as dificuldades novamente predo-
minaram, diante das quais sucumbiu o Banco da República do Brasil. Ressal-
História Geral do
Rio Grande do Sul
te-se que foi nesse momento crítico que ocorreu a fundação do Banco Nacio-
nal do Comércio, em 1895, em Porto Alegre, revelando a ousadia desse
empreendimento.
A partir de 1906, com a estabilização econômica, as atividades bancárias
Eugenio
Lagemann experimentaram novo alento e retomaram o crescimento, registrando-se a
fundação de novos bancos, como o Banco Pelotense, e a reorganização do Ban-
co do Brasil, atuando a partir dali como banco público federal.
240
COSTA, 1922.
Banco Porto-Alegrense.

Volume 3
República Velha
Tomo I

VII.
O setor financeiro:
das origens ao
drama bancário

241
Saldos nominais dos depósitos de bancos com sede no Rio Grande do Sul – 1906-30.
Fonte dos dados brutos: LAGEMANN, 1985, Tabela 24, p. 226.

De 1906 a 10, constatou-se apenas um leve crescimento nos saldos dos de-
pósitos, de 35 para 64 mil contos de réis, mas, de 1910 a 13, registrou-se um
crescimento claro para 119 mil contos devido à criação da carteira de depósi-
tos populares e à ampliação da área de atuação geográfica dos bancos, medi-
ante a instalação de um grande número de filiais. Em 1914, a crise monetá-
ria seguida da declaração de moratória geral provocou uma queda visível no
volume dos saldos depositados, que recuaram para apenas 110 mil contos.
No período de 1915 a 19, os depósitos nominais aumentaram de forma
acentuada para 419 mil contos, dando espaço para uma certa euforia, estimu-
lada pela volta do Banco do Brasil e pela entrada de bancos estrangeiros no
mercado gaúcho, e afirmada com a criação de novas instituições bancárias
como foi o caso do Banco Porto-Alegrense, em 1916, e o da Casa Bancária Jorge
Pfeiffer, em 1919, sem esquecer a captação de depósitos populares em todo o
estado pela Secretaria da Fazenda.
Mas a crise do pós-guerra provocara uma nova queda em termos abso-
lutos dos depósitos, os quais caíram para 377 mil contos em 1920, com leve
História Geral do
Rio Grande do Sul recuperação em 21, momento marcado pela dissolução do Banco Comercial
Franco Brasileiro. A recuperação efetiva ocorre a partir de 22 e, até 28, só volta
a ocorrer um pequeno recuo em 26. O salto de 1927 a 28, de 638 mil para 871
mil contos, explica-se pela fundação e início das atividades do Banco do Rio
Eugenio
Lagemann Grande do Sul.
Em 1929, o sistema financeiro gaúcho começou a viver o seu drama ban-
242 cário, caracterizado por uma queda violenta dos depósitos de 871 mil para 822
mil contos, fato repetido em 1930, quando são registrados depósitos de ape-
nas 677 mil contos, praticamente anulando, dessa forma, o efeito positivo de-
corrente da criação do banco público estadual. Esse momento foi imortaliza-
do pelas crises e pela falência do Banco Popular e, mais importante, da liqui-
dação do Banco Pelotense.

Variações percentuais nos saldos dos depósitos dos principais bancos e no valor
total dos depósitos dos bancos com sede no Rio Grande do Sul – 1907-30.
Fonte dos dados brutos: LAGEMANN, 1985, Tabela 25, p. 227.

O Banco Pelotense apresentou o comportamento mais instável, regis-


trando as maiores variações. Em três oportunidades seu comportamento
acompanhou o movimento do total dos depósitos, mas o supera em intensi-
dade: 1910/11 e 1911/12, 1916/17. Seu comportamento ocorre de forma inver-
sa ao do total dos depósitos em outros três momentos: ao recuperar-se mais
cedo que os demais bancos em 1912/13 e 1913/14; sofrendo isoladamente novo
revés em 1914/15 e aprofundando a queda dos depósitos em 1920/21, confir-
mando com isso que na crise que então afetou a pecuária foi ele o banco que
mais perdeu.
O comportamento do volume global dos depósitos dos bancos gaúchos é Volume 3
definido em regra pela performance dos depósitos do Banco da Província, o República Velha
Tomo I
maior deles. As exceções constituem o período da I Guerra, quando a inten-
sidade do crescimento do total superou a do província, e o do final dos anos
de 1930, quando a província conseguiu recuperar mais cedo parte de seu ní- VII.
O setor financeiro:
vel de depósitos em meio à crise. O Nacional do Comércio apenas teve um de- das origens ao
drama bancário
sempenho diferenciado no início da I Guerra, quando expandiu suas agências
no estado de Santa Catarina.
243
A história financeira do Rio Grande do Sul apresentou, portanto, fases de
expansão (I Guerra), de crise (1920-21) e de recuperação (1922 a 28). Ficou
marcada na memória popular, porém, pelo drama bancário, em cujo contex-
to entrou em liquidação um dos seus principais bancos, o Pelotense.
O processo falimentar do Pelotense resultou numa polêmica registrada
na literatura pelo embate sustentado pelas obras de P. L. Osório (1935) e
Alcibíades de Oliveira (1936; 1940), ambos ex-diretores da instituição. Seu pro-
cesso de dissolução durou décadas, até que a Secretaria da Fazenda pagasse
todos os compromissos. Representou perdas irreparáveis para milhares de
depositantes, abalando a confiança no sistema bancário, o qual só voltou a ope-
rar normalmente em nível nacional com a intervenção do Estado brasileiro
mediante a criação da Caixa de Mobilização Bancária em 1932.
A polêmica se centra nas causas de falência do Pelotense. Para a direto-
ria do banco, cujo posicionamento é reafirmado por P. L. Osório, as causas se
encontravam na crise econômica geral e, principalmente, no conluio político,
liderado por Getúlio Vargas, que tivera o objetivo de liquidar o Pelotense, ne-
gando-lhe o auxílio do setor público em momento crucial. Um dos instrumen-
tos utilizados teria sido o Banco do Rio Grande do Sul, para cuja direção fora
chamado um dos ex-diretores do Banco Pelotense, Alcibíades de Oliveira, o
qual teria realizado intrigas políticas e também campanhas de descrédito junto
aos depositantes, tornando insustentável a posição do banco. Alcibíades de
Oliveira reconhece, igualmente, a influência exercida pela crise econômica de
1929 e pela falência do Banco Popular do Rio Grande do Sul. Em negação à
hipótese de vingança pessoal e da intriga política, porém, destaca as falhas
administrativas da própria organização, apontando para a incompetência de
sua direção.
Essa dicotomia entre causas internas e externas à organização, em ver-
dade, deve ser substituída pela visão de soma dessas causas.
Como determinante mais aparente e final da falência do Pelotense im-
põe-se a imobilização excessiva de seus capitais, tanto no referente ao desvio
das funções, pelos exagerados valores em propriedades imobiliárias, como no
História Geral do
Rio Grande do Sul
concernente aos prazos entre aplicações e exigibilidades, apresentando uma
posição de liquidez desfavorável justamente nos momentos de crise econômi-
co-financeira, como se verificou em 1920/21 e 1929/31.
Tal situação se origina, basicamente, no comprometimento do Banco Pe-
Eugenio
Lagemann lotense com o setor econômico do qual emergiu e ao qual buscou continua-
mente apoiar. A crise de 1920/21, com reflexos profundos na pecuária, repre-
sentou para o banco o acúmulo de prejuízos, decorrentes de uma brusca re-
244
versão na tendência de crescimento experimentada pelo setor no final da I
Guerra Mundial. A liberalidade na exigência de garantias, a dificuldade de
dimensioná-las e, principalmente, o tipo de garantia aceita (gado, com preços
declinantes; terras, com baixa liquidez) determinaram prejuízos e, a partir de
1922, elevados níveis de imobilização.
O Pelotense buscou novos mercados já antes de 1920, mas a concentra-
ção de aplicações fora do Rio Grande do Sul após a crise indicou a tentativa
de superar as limitações do setor econômico a que nascera ligado. Permane-
ceu, porém, nas regiões cafeeiras secundárias, localizadas em Minas Gerais
e no Espírito Santo.
Essa expansão concretizou-se pela multiplicação de filiais num amplo es-
paço geográfico, cobrindo o Sul e o Sudeste brasileiro, gerando uma comple-
xidade administrativa, seguida pela elevação de custos de controle, causando
a redução da eficiência operacional, segundo o critério da capacidade média
de cada agência em gerar recursos financeiros para o seu próprio custeio.
Nos momentos de crise, com efeitos diversos sobre o sistema bancário,
como atesta o aumento do número de suspensões de pagamentos por parte
tanto de pequenos como de grandes bancos, o governo estadual manteve ati-
tudes distintas: em 1920/21, reforçou a aliança, nomeando o Pelotense seu
agente financeiro; em 1920/31, além de ter sido o responsável principal pelo
início das retiradas, com a transferência dos depósitos oficiais para o banco pú-
blico, prestou um apoio moral de discutível eficiência, por ocasião da corrida
à filial de Porto Alegre em abril de 1930, já que não lhe confiara seus próprios
recursos, nomeando o Banco da Província como o seu novo agente financei-
ro. O governo federal pré-revolucionário esgotou o limite de redescontos do
Banco do Brasil. O governo revolucionário, (leia-se: Getúlio Vargas) apenas to-
mou medidas mais concretas para beneficiar a área bancária em 32, com a cria-
ção da Caixa de Mobilização Bancária.
A falência do Banco Popular, embora tenha ocasionado uma corrida, não
representou muito em termos de perdas de depósitos para o Pelotense. Ela,
antes de mais nada revelou aos depositantes a fragilidade do sistema bancá-
Volume 3
rio. Dessa forma, a evolução da crise política do segundo semestre de 1930 pro- República Velha
Tomo I
vocou a retirada de 40 mil contos, superando o marco estabelecido no mesmo
período do ano anterior, de 33 mil.
Numa forma sintética, pode-se concluir que o Banco Pelotense, ao inter- VII.
O setor financeiro:
nalizar, durante a crise do início dos anos 20, os problemas vividos pelo setor das origens ao
drama bancário
pecuário/charqueador que lhe deu origem, passou a registrar performances
econômico-financeiras desfavoráveis em comparação à normalidade do siste-
245
ma. A incapacidade de superar esses entraves, embora a tentativa o tenha co-
locado frente à crise econômico-financeira e política de 1930 sem condições de,
isoladamente, vencê-la, num sistema de fracas defesas externas, a falta de de-
fesas internas lhe foi fatal.
Foram efetivamente os bancos gaúchos que mais sentiram a crise que se
generalizou na economia regional, nacional e mundial. Além das suspensões
dos Bancos Pelotense e Popular, observa-se que, à exceção do Banco Pfeiffer,
recentemente reforçado por aporte de capital social oriundo do alto comércio
porto-alegrense, todos os demais bancos viram reduzidos os seus depósitos,
inclusive o banco oficial do estado. Mais do que isso, nos dois tradicionais ban-
cos, o da Província e Nacional do Comércio, manteve-se por alguns anos essa
redução dos depósitos. O Província conseguiu reverter a tendência de queda
em 1932, enquanto o mesmo ocorria no Nacional do Comércio apenas no pri-
meiro semestre de 1934 (LAGEMANN, 1985, p. 169). Somente em 36 e 37, res-
pectivamente, os dois bancos conseguiram atingir novamente o mesmo nível
de depósitos nominais registrados em dezembro de 28, antes da crise, isto é,
o Província e o Nacional do Comércio levaram oito anos para superá-la.
A conseqüência desse desempenho negativo foi a perda de importância
do conjunto dos bancos gaúchos no mercado financeiro nacional. Historicamen-
te o Rio Grande do Sul ocupara a terceira posição, encabeçado pelo Distrito
Federal (Rio de Janeiro), sede do Banco do Brasil, seguido por São Paulo. Na
década de 20, os bancos gaúchos respondiam por 15% dos depósitos à vista do
sistema bancário brasileiro. Para a média da década de 30, esse percentual caiu
para 10%, mas no ano de 1939 ela alcançava apenas 5% (COSTA, 1979, p. 901,
Quadro 2), com o que o Rio Grande do Sul perdeu definitivamente a terceira
posição para os bancos com sede em Minas Gerais, cujo auge ocorrera na dé-
cada de 50.
A crise de 1929/31, durante a qual o Rio Grande do Sul vivenciou o seu
drama bancário, estabelece, portanto, um marco divisório entre duas eras
para a participação dos bancos gaúchos no cenário nacional: antes, uma par-
ticipação importante e decisiva; depois, uma posição secundária e comple-
História Geral do mentar.
Rio Grande do Sul

Eugenio
Lagemann

246
Capítulo VIII

A POLÍTICA FISCAL MODERNIZADORA DO


PARTIDO REPUBLICANO RIO-GRANDENSE
(1889 -1930)

Luiz Roberto Pecoits Targa

A política fiscal do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) no Rio


Grande do Sul, durante a Primeira República (1889-1930), foi de tal forma
modernizadora e inédita no contexto nacional, seu contemporâneo, que ser-
viu de laboratório para a futura política fiscal e econômica do que viria a de-
nominar-se o “Estado desenvolvimentista brasileiro”. A influência dessa expe-
riência foi, desse modo, fundamental à história futura do Brasil. Isso porque
a política fiscal do PRR constituiu-se em embrião do modelo do que veio a tor-
nar-se a relação Estado-sociedade no Brasil, durante a maior parte do século
XX, a qual presidiu o desenvolvimento do país entre 1930 e 90. Brevemente,
a política fiscal meridional mexeu com um dos pilares sociais do Estado, pois
taxou a grande propriedade fundiária e isso foi extraordinário para um país Volume 3
agrário e, desde sempre, predominantemente dominado pelos interesses dos República Velha
Tomo I
grandes proprietários fundiários.
Os cofres do Império brasileiro eram alimentados, basicamente, pelo re-
VIII.
colhimento de dois impostos: um sobre importações e outro sobre as expor- A política fiscal
modernizadora
tações de mercadorias. Eram os mais facilmente cobráveis, pois eram recolhi- do PRR
dos em portos e postos de fronteira. O comércio exterior era extremamente (1889-1930)
importante à economia brasileira. A estrutura tributária correspondente a 247
esses impostos era arcaica, primitiva. Quando uma sociedade e uma econo-
mia se modernizam, ou seja, tornam-se mais complexas, a estrutura tributá-
ria também deve modernizar-se, ou seja, buscando outras fontes para abaste-
cer os cofres públicos. Quando o Brasil aboliu a escravidão e começou a tran-
sitar para o sistema capitalista de produção, sua sociedade começou a tornar-
se mais complexa. Sua economia, que era escravista e agroexportadora, come-
çou a industrializar-se e a tornar-se assalariada, surgindo novas classes sociais.
Essa sociedade e essa economia mais complexas pressionavam por uma re-
forma tributária. Alterar a estrutura tributária de um país (reforma tributá-
ria) envolve enfrentar inúmeras resistências no seio da sociedade, particular-
mente entre os segmentos sociais mais poderosos dentro desta, pois, em ge-
ral, seus interesses serão contrariados com a reforma, ou seja, se antes eles
não pagavam ou pagavam pouco, depois da reforma passarão a pagar o esti-
pulado.
O Rio Grande do Sul passara por uma experiência desse tipo durante o
final período imperial. À economia tradicional da pecuária extensiva e das
charqueadas somara-se, com um vigor extraordinário, a partir de 1824, a eco-
nomia colonial das vilas, cidades e da agropecuária familiar dos colonos não-
ibéricos. Esse novo todo econômico que veio a formar-se, muito mais comple-
xo, reclamava por uma reforma fiscal que foi se mostrando impossível de se
realizar. Lembremos que a política fiscal é um indicador fundamental da re-
lação entre o Estado e a sociedade e, então, a dificuldade para proceder a uma
reforma fiscal indica o impasse importante a que fora levado o sistema políti-
co regional durante o final do império. Isso porque ocorreu total incapacida-
de política da administração provincial para se colocar em sintonia com a socie-
dade regional em transformação, o que se expressou na rejeição permanente
da única proposta de reforma fiscal verdadeiramente importante apresenta-
da durante várias legislaturas pelo representante político da zona de povoa-
mento (o deputado Karl Von Koseritz). Essa proposta não foi jamais absorvi-
da pelo Estado imperial, patrimonialista e oligárquico, pois propunha a cria-
ção do imposto territorial e a repartição do ônus fiscal do Estado oligárquico
História Geral do
com os latifundiários pecuaristas. Esse ônus recaía sobremaneira sobre os pe-
Rio Grande do Sul quenos produtores agropecuários e os comerciantes da zona de povoamento
(a colonial alemã e a colonial italiana). Segundo Von Koseritz, entre outras per-
versidades, o sistema fiscal imperial estimulava a especulação com a terra,
Luiz Roberto uma vez que nenhuma penalidade estava prevista contra aquele que compra-
Pecoits Targa va vastas extensões de terras aguardando sua valorização, em conseqüência,
por exemplo, da futura construção de uma estrada de ferro ou da expansão
248 da fronteira agrícola. Além disso, afirmava ele, o sistema bloqueava o desen-
volvimento da zona de povoamento, quando era esse setor e não o da pecuá-
ria extensiva que detinha a chave do desenvolvimento futuro do Rio Grande
do Sul. As propostas de Koseritz foram sistematicamente derrotadas por uma
coalizão de deputados da Campanha, representantes dos pecuaristas da fron-
teira sudoeste (BARETTA, 1985, p. 52-53).
É importante registrar também que a República entregou as receitas dos
impostos de importação à União e as receitas de exportação aos estados. É cla-
ro que isso favoreceu, sobremaneira, os exportadores para o mercado inter-
nacional, principalmente os exportadores de café, mas também os de borra-
cha e, depois, de cacau. No caso do café, por exemplo, o imposto estava em-
butido no preço final do produto e, desse modo, era o consumidor estrangei-
ro quem o pagava e não o produtor ou o comerciante nacional. Já para os es-
tados que, como o Rio Grande do Sul, exportavam para outras regiões do Bra-
sil, ficar com as receitas do imposto de exportação produzia um resultado pa-
radoxal, pois o imposto elevava o preço do produto, reduzindo, assim, a de-
manda pelo mesmo e restringindo o mercado consumidor. Isso terminava por
reduzir o montante recolhido do imposto, o que, por seu lado, repercutia ne-
gativamente sobre a área produtiva, provocando sua retração. Assim, cobrar
o imposto de exportação era um mau negócio para os cofres públicos gaúchos,
pois contraía a oferta do produto. O governo republicano gaúcho viu-se, des-
se modo, defrontado com a urgência de realizar uma reforma tributária, ao
contrário de estados exportadores para o mercado internacional, que mesmo
reconhecendo sua necessidade, nunca conseguiram implementá-la, exatamen-
te porque as exportações internacionais (passados os períodos de crise) reto-
mavam seu êxito e voltavam a encher os cofres públicos.
Ora, o PRR fizera inscrever em seu programa, desde os tempos do im-
pério, a necessidade de substituir o imposto indireto sobre as exportações1 por
um imposto direto sobre a propriedade imobiliária (rural e urbana). Quando
a Constituição republicana do Rio Grande do Sul foi redigida e aprovada, dela
constava um artigo que estabelecia tal substituição2.
Em outros estados do Brasil republicano, tal como no Rio Grande do Sul,
Volume 3
os três principais argumentos invocados para justificar uma reforma fiscal e República Velha
Tomo I

1 Por exportação entendia-se a venda de qualquer mercadoria para fora dos limites do Rio
Grande do Sul (conceito comum a todos os estados do Brasil). O programa republicano VIII.
visava também substituir os impostos indiretos pelos diretos e principalmente fazer com que A política fiscal
o Imposto Territorial fosse a principal fonte do erário público. modernizadora
2 A partir da entrada em vigor da Constituição do Rio Grande do Sul, portanto, a introdução do PRR
do Imposto Territorial não dependia mais de nenhum trâmite legislativo, dependia apenas de (1889-1930)
uma iniciativa do Poder Executivo. Esse imposto pôde ser tratado, assim, como matéria
administrativa e não como legislativa.
249
a substituição do imposto sobre as exportações pelo Imposto Territorial eram
os seguintes:
a) libertar o tesouro do estado da dependência de um imposto cujas re-
ceitas eram instáveis, pois repousava sobre um único produto, cujo
preço, além disso, era fixado por mercados externos à região;
b) promover a diversificação da produção agrícola, expandindo, assim, a
pauta de produtos exportáveis, e com isso, reduzir a dependência da
geração da renda interna do desempenho de um único produto;
c) forçar as propriedades rurais ociosas e improdutivas a produzirem ou
a dividirem-se.

No entanto, a originalidade do PRR no cenário nacional é que este foi o


único partido a conseguir implementar tanto o Imposto Territorial sobre a
grande propriedade, quanto promover a reforma fiscal demandada pelo es-
tado burguês em formação, aliviando, desse modo, o erário público da depen-
dência do imposto de exportação. Uma vez que essa reforma somente foi pos-
sível e durável no Rio Grande do Sul, é interessante verificar que conjunto de
fatores ali interagiram para que tal ocorresse. Com efeito, foi necessário que
se cumprissem algumas condições no cenário social e político meridional que
vieram a remover as barreiras que impediam a realização da reforma. E a gran-
de barreira foi sempre representada pelos interesses dos grandes proprie-
tários fundiários. Foi preciso, então, que o estado sul-rio-grandense enfrentasse
o poder dessa classe social e estabelecesse o seu poder sobre os interesses dela.
Ora, a passagem do escravismo para o capitalismo, inaugurada no pla-
no nacional pelo trinômio Abolição da Escravatura /Proclamação da Repúbli-
ca /Assembléia Constituinte (SAES, 1985) acelerou, no Sul, o processo de fun-
dação do estado burguês. Para que tal fundação ocorresse, foi preciso destruir
as estruturas do anterior estado oligárquico e patrimonial, o que exigiu a
execução de três tarefas fundamentais3:
a) criar a autonomia do estado em relação à fração mais importante da
História Geral do
classe dominante regional;
Rio Grande do Sul b) separar a esfera pública da privada;
c) realizar a reforma fiscal, abandonando a estrutura fiscal do estado
oligárquico, patrimonialista e monoagroexportador.
Luiz Roberto
Pecoits Targa
3 Todas as três tarefas foram executadas somente pelo governo do PRR do Rio Grande do Sul
e não ocorreram (senão transitória e insipientemente) em qualquer outro estado da Federação
no período da Primeira Repúbulica. As três tarefas do estado burguês foram derivadas de SAES
(2000).
250
Com efeito, ao realizar as duas primeiras tarefas, o estado estaria subme-
tendo os grandes proprietários ao seu poder, de modo a poder realizar a ter-
ceira tarefa, executar a reforma fiscal.
No Rio Grande do Sul, a primeira tarefa, a de criar a autonomia do esta-
do em face da classe dominante regional, foi executada principalmente atra-
vés da guerra civil de 1893. Nessa guerra confrontaram-se dois projetos eco-
nômicos mutuamente excludentes para o futuro da sociedade meridional: o
dos oligarcas pecuários e o da vanguarda do PRR.
A abordagem de Pedro Cezar D. Fonseca (1993) sobre os móveis da guerra
civil é particularmente interessante para a questão em pauta4. O autor cap-
tou a diferença entre os projetos econômicos elaborados pelos grupos políti-
cos em conflito. Tratavam-se, de fato, de dois projetos diametralmente opos-
tos para o futuro da sociedade meridional. A descrição que o autor faz dos pro-
jetos remete a uma análise fina da questão, pois ele conseguiu relacionar a for-
mulação dos dois projetos como uma resposta à crise que, há muito tempo,
flagelava a pecuária de exportação sul-rio-grandense. Para esse autor, o pro-
jeto dos pecuaristas-liberais tinha por objetivo especializar a economia meri-
dional na pecuária de exportação. Fonseca (1993, p. 24) assinala, ainda, que
os argumentos dos pecuaristas baseavam-se na teoria das vantagens compa-
rativas de David Ricardo. Como todas as oligarquias regionais brasileiras, tam-
bém a sul-rio-grandense possuía o liberalismo econômico por ideologia. Esse
projeto supunha que agir em interesse exclusivo dos pecuaristas e dos
charqueadores consistia em agir pelo interesse do Rio Grande do Sul. Para tal,
eles reivindicavam estradas, portos, taxação do produto similar importado dos
países do Prata, assim como uma política protecionista para o charque gaú-
cho (Idem, 1993, p. 24). O projeto dos pecuaristas limitava-se, assim, em tra-
duzir as reivindicações da oligarquia rural gaúcha, a qual não fazia senão re-
petir-se enfadonhamente desde o início do século XIX. Outro era o projeto do
PRR. Segundo Fonseca, esse projeto explicava a crise da economia regional
pela sua dependência da pecuária de exportação, cuja expansão estava à mercê
da performance dos mercados externos à região. O objetivo do projeto do PRR
era então tornar a economia regional menos dependente de um número mui- Volume 3
República Velha
to reduzido de produtos exportáveis (aqueles justamente da pecuária de ex- Tomo I
portação) e, desse modo, torná-la menos vulnerável e instável. Para tal, eles
contavam encorajar, de um lado, a produção destinada ao abastecimento in- VIII.
A política fiscal
modernizadora
4 Podemos estabelecer um paralelo entre a política de intervenção econômica que viria a ser do PRR
praticada no futuro Estado desenvolvimentista brasileiro (entre 1930 e 1990) e a natureza
(1889-1930)
dos projetos político-econômicos do PRR ainda durante o período imperial, pois são proje-
tos que não aceitavam a natureza do presente e formulam ações para alterá-la no futuro.
251
terno da região e, de outro, eles desejavam promover a diversificação das ex-
portações. O projeto se fundaria no desenvolvimento das indústrias naturais
(as que beneficiavam as matérias primas produzidas na região), no comércio
e na produção de pequenos e médios produtores rurais. Queriam, também,
dar seguimento à imigração não-ibérica, distribuindo títulos de propriedade
da terra aos imigrantes (1993, p. 25). Em suma, o autor foi muito bem sucedi-
do ao identificar o nó do conflito entre os dois projetos econômicos: o projeto
oligárquico tinha por objetivo salvaguardar exclusivamente os interesses da
classe dos grandes pecuaristas (projeto que somente poderia prolongar a ago-
nia dessa classe); quanto ao outro projeto, ele se voltava para o conjunto da
sociedade meridional e conduzia ao desenvolvimento de uma maior diversi-
ficação social.
Nessa guerra civil, foi derrotada a fração mais numerosa, militar e poli-
ticamente mais poderosa da classe dominante regional: a dos pecuaristas do
Partido Liberal da fronteira sudoeste do estado. A chamada Revolução Fede-
ralista foi, na verdade, uma tentativa de contra-revolução, empreendida pe-
los potentados rurais da fronteira com o Uruguai contra o crescente poder do
jovem estado burguês. O ato revolucionário por excelência do PRR foi a pro-
mulgação da Constituição estadual em 1891, pois ela institucionalizava a di-
tadura e tornava ilegal qualquer tipo de tentativa de tomada do poder esta-
dual pela oposição5. Esse estado burguês em instalação privara os potentados
rurais de seus cargos públicos e, então, dos seus meios de administrar a vio-
lência local, inviabilizando, assim, suas estratégias patrimonialistas de enrique-
cimento6. O jovem estado burguês também os ameaçava, tanto militar, quan-
to tributariamente. No âmbito militar, porque formava seu próprio exército
regional (a Brigada Militar); no tributário, porque ameaçava com o Imposto
Territorial e porque reprimia o contrabando na Fronteira.
A guerra civil de 1893 foi a reação militar de uma classe proprietária e
dominante, que desejava recuperar o status político que possuía antes da re-
volução política, realizada pela vanguarda constituída pelo PRR, que impusera
uma nova ordem constitucional. A revolução empreendida por essa vanguarda
História Geral do tinha por objetivo, justamente, mudar a sociedade e a economia gaúchas. Essa
Rio Grande do Sul guerra foi, então, o conflito entre uma classe que desejava que a sociedade, a

5 A promulgação da Constituição proposta pelo PRR foi o ato fundador do Estado burguês no
Sul, que desencadeou o processo global de modernização.
Luiz Roberto 6 O fenômeno começara pela derrubada dos representantes da oligarquia tradicional de todos
Pecoits Targa os postos burocrático-militares (delegacias de polícia, mesas de renda e postos da Guarda
Nacional), prosseguiria com a repressão ao contrabando (no qual estava implicada parte
significativa dos pecuaristas e dos grandes comerciantes da Fronteira) e completara-se duran-
te os 31 meses da guerra civil chamada de “Revolução Federalista”.
252
economia e a política do estado permanecessem iguais ao que havia sido no
passado, e um grupo voluntarioso de indivíduos que desejava mudar a socie-
dade, a economia e a natureza do estado (na sua relação com a sociedade gaú-
cha). Olhando esse evento militar desde a perspectiva de nosso presente, a
guerra representou o conflito entre o passado e o futuro da sociedade sul-rio-
grandense; foi o ponto de inflexão fundamental, e radical, da história dessa
sociedade (TARGA, 2003, p. 136).
A entrada em vigor da Constituição foi um ato de natureza revolucionária
e provocou uma violenta reação da oligarquia rural meridional. A solução do
conflito só foi possível por meio das armas: o Rio Grande do Sul tornou-se, en-
tão, o locus da guerra civil, o lugar do mais terrível conflito político da histó-
ria do Brasil. Essa guerra civil foi a conseqüência mais importante da chega-
da do PRR ao poder e da entrada em funcionamento da Constituição (Ibidem,
p. 132).
A partir disso, entendemos essa guerra como o episódio militar de um
evento revolucionário e de grande violência política, o da fundação do Estado
burguês moderno e autoritário no Brasil e o da criação de um contexto políti-
co adequado à expansão das relações de produção capitalistas. Essa revolu-
ção política vinda de cima7 foi capitaneada pela vanguarda do PRR. A guer-
ra permitiu a afirmação de um poder burguês no estado. Isto é, o estado pas-
saria, a partir daí, a apresentar-se como neutro e acima de todas as classes
sociais, velando pelo bem-estar de toda a sociedade. Dizendo de outro modo,
esse tipo de estado não se apresentaria mais como o instrumento e proprie-
dade dos representantes de alguma classe social em particular nem, tampou-
co, como instrumento da oligarquia rural, agonizante e decadente, que neces-
sitava controlar com exclusividade o aparelho de estado para garantir sua so-
brevivência (Ibidem, p. 148). O estado patrimonial, estado-instrumento da oli-
garquia pecuária, foi destruído pelo PRR, que o substituiu por um estado de
tipo burguês, que finge ser de todos e para todos.
Tanto a guerra civil quanto o processo de separação entre a coisa pública
e a privada confirmaram a autonomia do estado sul-rio-grandense em face da
Volume 3
República Velha
7 Tomo I
A expressão “revolução vinda de cima” foi cunhada por Lênin para nomear o tipo de
revolução burguesa ocorrida na Alemanha de Bismark, onde uma burguesia industrial fraca
foi forçada a aliar-se aos grandes proprietários rurais (os junkers) para promover uma revolu-
ção burguesa autoritária. Nessa revolução, as classes proprietárias (urbanas e rurais) uniram- VIII.
se contra os operários e os camponeses. No entanto, a revolução vinda de cima dos positi- A política fiscal
vistas diferiu da revolução bismarkiana no sentido em que os junkers locais foram não só modernizadora
afastados do poder como militarmente esmagados. O modelo alemão autocrático de revolu- do PRR
ção burguesa opõe-se ao modelo democrático do qual a Revolução Francesa é o arquétipo. (1889-1930)
Em Barrington Moore Jr. (1983), esse modelo alemão reacionário de revolução burguesa é
denominado “modernização conservadora”.
253
fração mais numerosa e poderosa (tanto política quanto militarmente) da classe
dominante regional: a fração dos grandes proprietários fundiários armados.
Ora, quando da Proclamação da República (1889), o Rio Grande do Sul esta-
va praticamente desprovido do seu patrimônio em terras públicas, pois elas
haviam sido apropriadas, muitas vezes ilegalmente, pelos grandes proprie-
tários e pelas grandes companhias de terras. Diante dessa situação, o jovem
estado burguês implantou, então, dois processos: o primeiro, para verificar a
legitimidade das apropriações e, o segundo, para que, retomadas as terras ile-
galmente apropriadas, elas fossem distribuídas entre pequenos proprietários.
Esses dois processos seriam importantes para a execução posterior da refor-
ma fiscal estadual, na qual a renúncia a receitas provenientes do imposto de
exportação seriam compensadas pelas receitas provenientes da implantação
do imposto territorial, que viria a incidir, sobremaneira, na grande proprie-
dade rural da fronteira oeste e da sudoeste do Rio Grande do Sul. Resta in-
formar que, entre todos os estados da Federação brasileira, somente no gaú-
cho o governo possuiu vontade política para levar a efeito os dois processos e
a execução da reforma fiscal. Esse ineditismo se justifica na autonomia que o
Estado republicano conseguiu no Sul em face dos interesses e do poder dos
grandes proprietários fundiários. Esse fenômeno da história sul-rio-grandense
também foi inédito no Brasil, seu contemporâneo.
Os dois processos, o de discriminação entre as terras públicas e as priva-
das e o de retomada pelo estado das terras ilegalmente apropriadas e sua ou-
torga a pequenos proprietários, justificam o locus que esses dois processos ti-
veram no processo maior de modernização do Sul. Eles foram, simultanea-
mente, resultado e agentes dessa modernização. Enquanto resultado, eles
constituem a manifestação de que o processo maior fora desencadeado no Sul;
enquanto agentes da modernização, eles viriam a aprofundar esse mesmo pro-
cesso. Isso porque o processo de modernização se contrapunha aos interesses
dos grandes proprietários fundiários, e, sem a derrota desses interesses, qual-
quer modernização tornava-se inviável8.
A realização desses dois processos foi a manifestação de que continuava
História Geral do em andamento o fenômeno mais importante e central da jovem experiência
Rio Grande do Sul republicana do Sul: o estabelecimento da autonomia relativa do Estado bur-
guês. Autonomia em relação à fração mais numerosa e armada da classe do-
minante regional – autonomia de difícil construção, uma vez que era
Luiz Roberto
Pecoits Targa 8 Os governantes do PRR não eram, pura e simplesmente, contra a grande propriedade, mas
contra a grande propriedade improdutiva. Prova disso foi que as grandes propriedades onde
se expandia a lavoura do arroz irrigado constituíam empreendimentos que contavam com o
apoio e o estímulo do estado.
254
obstaculizada pelos interesses desses mesmos grandes proprietários fundiá-
rios que haviam sido, desde sempre, os detentores de todos os privilégios na
sociedade patrimonialista meridional (tal como em qualquer outra sociedade
regional brasileira). É por isso que a criação dessa autonomia foi peça central
da modernização do Sul, e os processos de discriminação e de reapropriação
das terras públicas guardaram uma relação privilegiada com a construção des-
sa autonomia. Disso decorre sua importância histórica.
Assim, teria sido cumprida a segunda tarefa do Estado burguês, a de
realizar a separação entre a esfera pública e a privada nos onze anos que se-
guiram imediatamente ao término da guerra civil (1895-1906). Durante esse
período, o governo teria retomado as terras públicas ilegalmente apropriadas
pela oligarquia rural nas últimas décadas do império (ROCHE, 1969, p. 119)9.
Isso teria ocorrido, sobretudo, na sub-região do Planalto, fronteira agrícola e
território de expansão das colônias de povoamento na época. O estado teria
entregue a posseiros, a companhias de terra e colonização e a pequenos
proprietários as terras públicas retomadas. Pode-se imaginar a importância
desse evento num Brasil de economia predominantemente agropastoril e con-
trolada por grandes proprietários fundiários. Essa separação entre as terras
públicas e as privadas no Sul também foi um empreendimento inédito no Bra-
sil. Caso se confirme sua existência, este teria confirmado, agora na sub-região
do Planalto, o que já fora realizado na da Campanha: afirmar a autonomia do
estado em relação aos interesses dos grandes proprietários. Dessa vez, po-
rém, colocando em questão, ao vivo, por assim dizer, o principal caminho atra-
vés do qual a grande propriedade era construída, a apropriação ilegal das ter-
ras públicas.

Quanto à implementação da terceira tarefa (reforma fiscal), em plena cri-


se fiscal o Imposto Territorial foi implantado em 1902, no bojo de uma refor-
ma, com a justificativa de que vinha em socorro da indústria e do comércio,
que sofriam com o Imposto de Exportação (que já fora reduzido, mas que de-
veria sê-lo ainda mais10). Segundo a reforma proposta pelo Poder Executivo,
Volume 3
um outro imposto, sobre as transferências de propriedade, também deveria República Velha
Tomo I
9 Roche, no entanto, não se estende sobre o tema. ( Por outro lado estamos realizando uma
pesquisa onde já se pode comprovar a iniciativa das comissões de discriminação de terras e
estamos, agora, buscando provas (ou indícios) das desapropriações nas zonas onde ocorre- VIII.
ram o maior número de denúncias de irregularidades. O leitor deve entender, por isso, este A política fiscal
parágrafo como uma condicional). modernizadora
10 Durante o período imperial, para diferentes classes de mercadorias, as taxas de exportação do PRR
totalizavam 13%, 10% e 9%. O governo republicano gaúcho já as havia reduzido para 10%, (1889-1930)
6% e 4% (CARVALHO & PEREIRA, 1998, p. 107). Mas o governo do PRR queria reduzi-las ainda
mais, ou mesmo suprimi-las.
255
ser reduzido de 7% para 6,5%. O cálculo do Imposto Territorial decompunha-
se em duas partes: na primeira parte era considerado o valor venal do imó-
vel (terra nua, benfeitorias, residências, investimentos etc.) e o valor tributa-
do foi de 0,2%; na segunda parte, tributava-se a extensão das terras, a qual foi
tributada à razão de 10 réis por hectare.
Em 1903, na reunião da Assembléia de Representantes11, foi lido um do-
cumento vindo do Clube Gaúcho de Bagé protestando contra a introdução do
Imposto Territorial e manifestando-se em favor do Imposto de Exportação.
Baseavam-se, para isso, em Leroy Beaulieu que recomendava esse imposto
para países jovens, já que haveria de recair sobre os consumidores estrangei-
ros e não sobre os produtores nacionais (MINELLA, 1985, p. 30). No caso bra-
sileiro, o argumento era válido para o café, o cacau ou para a borracha, porém
inválido para a maioria das mercadorias sul-rio-grandenses, pois constituíam-
se em bens-salário vendidos no mercado brasileiro (e, assim, o imposto eleva-
va o preço ao consumidor e provocava restrição de demanda no mercado nacio-
nal).
Em face daquela arenga, o presidente do estado aumentou a tarifa do im-
posto para 0,25% sobre o valor venal dos imóveis e para 30 réis por hectare
sobre a extensão das terras. Sua justificativa foi de que as receitas haviam sido
inexpressivas no ano anterior; que elas deveriam ser suficientes para substi-
tuir todos os impostos indiretos do estado e que elas deveriam constituir, até
mesmo, a base sólida de todo o sistema orçamentário estadual12. Mas os de-
putados atenderam a uma das reivindicações do Clube de Bagé e reduziram
para 5% a taxa do imposto sobre transferência de propriedades e o governo
reduziu ou suprimiu o imposto sobre alguns importantes produtos de expor-
tação13.
Essas disposições do governo foram criticadas tanto pelos grandes pecua-
ristas da Campanha do sudoeste do Rio Grande do Sul (reduto político dos
oposicionistas do governo), quanto pelos arrozeiros do Leste (lavoura mecani-
zada de arroz irrigado) e, também, pelos colonos das zonas de povoamento14.

História Geral do 11 A Constituição do Rio Grande do Sul estruturava os Poderes de modo não-liberal: havia um
Rio Grande do Sul
Poder Executivo, um Poder Judiciário e uma Assembléia de Representantes. Essa era uma
reunião de deputados eleitos, que funcionava apenas por dois meses ao ano e que possuía,
fundamentalmente, um papel de conselho fiscal das contas do Executivo. Não havia um
Poder Legislativo. As leis emanavam do Poder Executivo.
12 Mensagem do presidente do estado à Assembléia de Representantes (1903, p. 21).
Luiz Roberto 13 Alguns exemplos: a taxa sobre o charque e a banha de porco foi reduzida de 6% para 2%,
Pecoits Targa sobre os couros de 10% para 9%, o arroz e a farinha de mandioca ficaram isentos de imposto
(M IRANDA, 1998, p. 142).
14 Os colonos e os arrozeiros recusavam-se a pagar o imposto e deixavam acumular a dívida
(MINELLA, 1985, p. 33).
256
O descontentamento foi, portanto, geral, com o Imposto Territorial e com o seu
tipo de incidência. A crítica unânime dos pecuaristas era de que o governo não
levava em conta a diferença na qualidade das terras e taxava-as igualmente.
Eles reivindicavam tratamento fiscal diferenciado para terras de diferente
qualidade. As críticas dos arrozeiros e dos colonos era de que os investimen-
tos produtivos15 e mesmo as residências eram incluídas para os efeitos de
cálculo do valor venal do imóvel e eles pleiteavam sua retirada da base de
cálculo16.
Independentemente das críticas, o governo enfrentou uma dificuldade
maior quando da aplicação do novo imposto: seria necessário realizar o cadas-
tro geral das terras e, para tal, seriam necessários muitos anos e os custos se-
riam enormes. Por causa disso, não restou ao governo outra alternativa senão
confiar na declaração dos contribuintes. Porém, pouco a pouco, com o passar
dos anos, o governo deu-se conta de fraudes e de incorreções nas declarações
dos proprietários de terras. Isso ocorria quando comparavam-se os valores
declarados para fins de recolhimento do Imposto Territorial com os valores
praticados nas transações inter vivos submetidas ao imposto de transferên-
cia de propriedade. Baseado nessa comparação, o governo pode retificar os
valores das terras e fixar novas taxas fundiárias. Essa medida ocorreu em 1912
e o cálculo levava em conta as diferenças de qualidade das terras bem como
os municípios onde elas se localizavam. O valor de cada tipo de terra em cada
município do estado era fixado segundo os valores médios das transações inter
vivos do ano anterior, naquele município, anualmente, a partir de 1913
(MIRANDA, 1998, p. 144).
Finalmente, em maio de 1913, a Federação das Associações Rurais do Rio
Grande do Sul, com sede em Pelotas, fez pressão sobre o governo propondo
uma reforma radical sobre o Imposto Territorial que foi aceita. Desse modo,
foram excluídos do cálculo do valor venal da terra as residências e as benfei-
torias, e as terras foram classificadas em três tipos de qualidade: superior, mé-
dia e inferior. Genericamente, as primeiras foram taxadas em 100 mil réis por

Volume 3
15 Os arrozeiros eram extremamente prejudicados com este modo de cálculo do imposto, pois República Velha
trabalhavam sobre terras arrendadas. Nelas eles eram forçados a realizar pesados investimen- Tomo I
tos em silos para tratamento e armazenamento dos grãos, instalação de bombas (com instala-
ção de sistema elétrico) e na construção de canais de irrigação.
16 As críticas dos arrozeiros encontravam eco junto ao governo do PRR, pois sua produção VIII.
articulava-se tanto à indústria (pela demanda de equipamentos) quanto ao sistema financeiro A política fiscal
(demanda de créditos) e, além disso, expandia-se aceleradamente sobre terras, muitas vezes modernizadora
ociosas, consagradas tradicionalmente à pecuária extensiva. Aos olhos do governo este do PRR
conjunto representava uma ação modernizadora dos arrozeiros exatamente sobre o setor (1889-1930)
pecuarista, o setor produtivo mais conservador da economia meridional. Por isso, os arrozei-
ros constituíram-se, rapidamente, em poderoso grupo de pressão sobre o governo estadual.
257
hectare, as segundas em 45 mil réis por hectare e as últimas em 15 mil réis
por hectare17. Como já afirmamos anteriormente, no entanto, esse modelo
geral foi adaptado à realidade de cada município do Rio Grande do Sul (a va-
riedade dos resultados pode ser constatada no Quadro 1).
Vejamos, então, como se distribuiu a carga fiscal do Imposto Territorial
entre as diferentes sub-regiões típicas do Rio Grande do Sul: zona da pecuá-
ria tradicional; de colonização alemã; de colonização italiana18 e a zona ocupada
pela cultura do arroz.
Em primeiro lugar, podemos observar (Tabela 1) que, enquanto a super-
fície total das terras tributadas aumentou de quase um milhão de hectares (um
aumento de apenas 8%), entre 1905 e 28, o número de contribuintes dobrou
no mesmo período (aumento de 103%). Esse aumento, no entanto, não foi ho-
mogêneo em todas as zonas pois, nesse período de 23 anos, foi mais acentua-
do na zona da pecuária tradicional (109%) do que na zona de colonização ale-
mã (51%), até mesmo do que a zona de cultura do arroz (73%)19 .
Se bem que o valor venal do hectare sempre tenha sido (e é até hoje) mais
elevado na zona de colonização que na zona de pecuária, essa foi a mais
pesadamente atingida pelo Imposto Territorial. De um lado, porque os pro-
dutores de outras zonas foram parcial ou totalmente isentos do imposto, de
outro, porque houve uma ação firme do estado em face dos pecuaristas que
haviam, até 1913, praticado importantes evasões fiscais. Com efeito, o gover-
no conseguiu implantar sua política de tributação fundiária na Campanha,
exercendo, assim, pressão sobre a comercialização das terras20.
De fato, a parcela do Imposto Territorial recolhido na zona da pecuária
tradicional era maior que a recolhida nas outras três zonas juntas. Examine-
mos os dados referentes às contribuições médias por zona (Tabela 1). No ano
de 1914, um contribuinte da zona de colonização alemã pagava em média 7 mil
réis, o da zona italiana pagava 5 mil réis, o da zona arrozeira pagava em mé-
dia 14 mil réis e o da pecuária 35 mil réis (TARGA, 2002, p. 299).
Para que se conheça a originalidade do Rio Grande do Sul nessa questão,
basta analisar as conseqüências da criação desse imposto em alguns outros
História Geral do
Rio Grande do Sul
17 Lembramos que, em 1902, essa taxa era de 10 réis por hectare e que no ano seguinte, subira
para 30 réis.
18 Para essa zona, existem informações somente a partir de 1914.
19 Os arrozeiros perderam posição em termos de participação no número total de contribuintes
Luiz Roberto
do estado (de 69% em 1905 para 54% em 1928), bem como no valor da contribuição para
Pecoits Targa
a receita total do Imposto Territorial, pois passou de 48% em 1905 para 34% em 1928.
20 Era uma intenção explícita do governo que justificava a implantação do imposto, ele dese-
java retirar as terras de uma situação de ociosidade: forçando sua entrada no mercado de
258 terras (tanto para arrendamento quanto para venda).
estados do Brasil. Em São Paulo, o imposto foi criado em 1905, mas as plan-
tações de café ficaram isentas de pagá-lo. Sua aplicação foi, então, inexpres-
siva. Em 1920, quando a questão da reforma orçamentária e a de suas reper-
cussões sobre a produção cafeicultora foi retomada, numerosos cafeicultores
tomaram posição pela aplicação do Imposto Territorial. Tal atitude escondia,
de fato, uma manobra política que consistia em pleitear, por um lado, a aboli-
ção do Imposto de Exportação (que eles sempre pagaram e que estava inter-
nalizado nos custos de produção) e, por outro lado, pela introdução do novo
imposto, cuja aplicação eles consideravam extremamente difícil. Essa avalia-
ção baseava-se no fato de que os custos administrativos da arrecadação desse
tributo deveriam ser muito elevados, inclusive pela incapacidade do estado
para estabelecer o cadastramento das terras, dado o custo dessa operação. Mas
a razão mais importante que impedia o estabelecimento desse cadastro é que
seria necessário discriminar as terras públicas das terras privadas. Ora, essa
discriminação não interessava a ninguém em São Paulo, nem ao governo que
já possuía suas receitas do Imposto de Exportação, nem aos que se haviam
apropriado das terras públicas, e ainda menos àqueles que tinham intenção
de vir a fazê-lo. Com a ausência dessa discriminação entre terras públicas e
privadas, os cafezais poderiam continuar a estender-se sobre as terras públi-
cas cuja apropriação ilegal não custava praticamente nada aos produtores de
café (PERISSINOTTO, 1999, p. 44-48).
O governo paulista optou por não realizar a reforma orçamentária,
permaneceu dependente das receitas do imposto de exportação e abriu as
portas, assim, à apropriação das terras públicas pelos cafeicultores. Foi uma
renúncia do estado em favor da acumulação do capital na cafeicultura. As su-
postas dificuldades para realizar o cadastro das terras já haviam sido supera-
das e resolvidas no Rio Grande do Sul havia mais de 15 anos, e era impossí-
vel que os dirigentes paulistas não tivessem conhecimento disso. Definitiva-
mente, era a discriminação das terras públicas e privadas que constituía o em-
pecilho maior para a aplicação do imposto em São Paulo (TARGA, 2002, p. 293).
Quanto à aplicação do imposto territorial em Minas Gerais, ele remonta
a 1901, mas as receitas nunca representaram mais que 5% a 6% do total das Volume 3
República Velha
receitas públicas até 1928 (WIRTH, 1989, p. 83), enquanto que as receitas Tomo I
provenientes do Imposto de Exportação representavam 60% a 70% desse to-
tal (ENDERS, 1993, p. 215). No entanto, dada a expressividade das receitas VIII.
provenientes da exportação de café, poderíamos supor que os montantes ab- A política fiscal
modernizadora
solutos arrecadados sob o título do Imposto Territorial fossem, ainda assim, do PRR
expressivos. Porém, não foi isso que se passou. Dispomos dos dados referen- (1889-1930)

tes ao Imposto Territorial em Minas Gerais para o período 1901 a 1913 259
(VISCARDI, 1999, p. 180) e aí verificamos que o valor máximo recolhido foi de
1.079 contos de réis (em 1913), enquanto que o valor mínimo recolhido no Rio
Grande do Sul no mesmo período foi de 1.483 contos de réis, em 1906 (Tabela
2), quase 50% a mais que o máximo recolhido em Minas (para as informações
disponíveis).
A criação desse imposto na Bahia foi um caso curioso, pois ela foi muito
tardia em relação aos estados que acabamos de examinar, extremamente
completa e absolutamente efêmera. O imposto foi criado em 1925, foi acom-
panhado de uma legislação que previa não somente o cadastramento das ter-
ras, mas que previa claramente que o valor das terras seria fixado a partir do
rendimento médio anual dos solos idênticos em utilização na mesma região.
Eles pareciam conhecer a experiência do Rio Grande do Sul (ENDERS, 1993,
p. 220). Do nosso ponto de vista, essa legislação manifesta uma posição deli-
beradamente desfavorável às terras improdutivas, e ela teria levado à divisão
dos latifúndios por meio da venda das terras improdutivas, caso o governador
seguinte não tivesse suspenso a legislação em 28, declarando-a “inadaptável
ao meio” (Idem, 1999, p. 220).
A criação desse imposto no Rio de Janeiro data de 1898 (também um es-
tado cafeicultor), mas a lei não foi jamais aplicada (ENDERS, 1993, p. 216). No
entanto, os administradores tentaram uma política de diversificação da pro-
dução agrícola que se destinava ao abastecimento da capital federal. Entre
1903 e 14, as exportações de milho, arroz e batata-inglesa, tiveram um suces-
so espetacular. Mas, se em 1918 as exportações de café não representavam se-
não 10% do total de receitas públicas, elas atingiram 40,1% desse total em
1924. Isso quer dizer que a conversão dos produtores de café em policultores
foi temporária e que não representou mais que um marcapasso aguardando
o retorno de uma conjuntura favorável à produção de café (Ibidem, 1999, p.
214-215).
Dadas as dificuldades encontradas pelas administrações de outros esta-
dos do Brasil em colocar em prática o Imposto Territorial, podemos generali-
zar, para todos os estados, a conclusão que chegou Wirth (1989, p. 83) para
Minas Gerais, quando ele analisou a aplicação desse imposto no estado: “as fra-
História Geral do
Rio Grande do Sul cas receitas originárias do imposto fundiário indicam que o sistema político era
incapaz de retirar recursos das classes proprietárias de modo eficaz ou ade-
quado”, no que complementa Enders (1993, p. 220) ao registrar “o quanto as
resistências ao imposto territorial são dificilmente palpáveis e, no entanto,
Luiz Roberto
Pecoits Targa o quanto elas são eficazes”.
O governo do Rio Grande do Sul foi o único da Federação brasileira a con-
seguir implantar o imposto fundiário também sobre os grandes proprietários
260
fundiários; o único onde o imposto produziu receitas importantes aos cofres
públicos e, finalmente, o único que diversificou durável e estruturalmente sua
produção e suas exportações regionais (TARGA, 2002, p. 294). Consideremos
também, e isso é de suma importância, que as críticas e demandas proceden-
tes dos contribuintes foram absorvidas e incorporadas ao projeto do governo.
O Imposto Territorial foi criado no bojo de uma reforma orçamentária.
Vejamos, então, o significado das receitas provenientes desta base para os co-
fres públicos estaduais (Tabela 2). As receitas desse imposto permitiram a prá-
tica de isenções fiscais elevadas sobre os valores das mercadorias exportadas,
por meio de vultosa renúncia fiscal. Com efeito, a magnitude dessa tomou uma
tal proporção que, a partir de 1919, a soma das receitas provenientes do Im-
posto de Exportação e do Imposto Territorial foi-lhe sistematicamente inferior.
Esse imposto sobre a exportação remanescente prendia-se a uma dualidade
na política exportadora do governo estadual: ele renunciava ao Imposto de Ex-
portação sobre as mercadorias que queria tornar mais competitivas no mer-
cado nacional e taxava pesadamente as mercadorias que poderiam fazer fal-
ta para o abastecimento do mercado interno regional. Com essa política, o go-
verno evitava tanto as crises de abastecimento quanto o aumento do custo de
vida. Essa era uma outra faceta onde se manifestava a responsabilidade social
do governo estadual e o seu compromisso com a reprodução da população sob
sua responsabilidade. De um ponto de vista doutrinário, para o governo esta-
dual, somente deveria ser objeto de exportação o excedente da produção so-
bre o consumo regional (Ibidem, p. 296)21.
Podemos, então, concluir que o governo do Rio Grande do Sul, contraria-
mente aos de outros estados brasileiros, foi o único que levou a termo um pro-
jeto de reforma orçamentária, com firmeza e de acordo com suas idéias polí-
ticas. A Tabela 3 mostra que os impostos indiretos que representavam, em
1893, quase 70% das receitas do estado, em 1929, já representavam menos de
40% deste mesmo total. Entre os impostos indiretos, o das exportações repre-
sentava, no início, mais da metade das receitas estaduais, mas em 1929 este
havia caído para menos de 20% deste total. Quanto aos impostos diretos, sua
participação no total das rendas fiscais do estado passou de 30 para 40%22. Volume 3
República Velha
O rigor com que o orçamento público foi tratado pelos dirigentes do PRR Tomo I

merece ser salientado nesse contexto, pois também ele sinalizou um compor-
VIII.
A política fiscal
21 Observe-se que esta posição em face das exportações era oposta às dos governantes de modernizadora
estados primário-exportadores, onde a atividade exportadora era considerada motor da eco- do PRR
nomia (T ARGA, 2002, p. 297). (1889-1930)
22 A Tabela 3 permite acompanhar o mesmo fenômeno em São Paulo e verificar que os resulta-
dos foram menos intensos.
261
tamento administrativo público que era uma novidade no Brasil da época. A
organização das contas públicas é, provavelmente, a melhor evidência em fa-
vor da racionalidade da dominação do PRR, pois não somente separaram os
gastos e receitas ordinários dos extraordinários, como fizeram cumprir estri-
tamente o orçamento previsto e o realizado, subordinando a despesa à recei-
ta realizada (CARVALHO, 1996, p. 191). Esse fato é absolutamente incomum
no Brasil da Primeira República, onde vários depoimentos e constatações
apontam para sua raridade dentro do caos que eram as contas públicas brasi-
leiras do período. Assim, por exemplo, Carvalho (1996, p. 191), após analisar
o sistema tributário paulista que desembocou em uma situação deficitária crô-
nica durante todo o período, conclui que isso era o resultado não só das flutua-
ções imprevisíveis das receitas do Imposto de Exportação, como da impreci-
são das previsões orçamentárias dos administradores públicos paulistas, e
também do tratamento indiscriminado das despesas ordinárias e extraordi-
nárias, gerando, ao contrário do que ocorria no Rio Grande do Sul, a inclusão
no orçamento ordinário de despesas com grandes obras que deveriam ser
custeadas através da busca de recursos especiais (recursos extraordinários).
Desse modo, as receitas ordinárias paulistas, muitas vezes, não foram suficien-
tes sequer para cobrir o custeio dos serviços comuns da administração públi-
ca paulista. Havia, portanto, desorganização orçamentária. Isso tudo “trans-
formou o orçamento público paulista em uma peça de ficção, destinada, fun-
damentalmente, a satisfazer um preceito constitucional” (Idem, p. 192).
O fato de haverem se desvencilhado dos interesses da oligarquia rural e
de sua influência na política liberou os governantes gaúchos para uma série
imensa de medidas inovadoras. Além da reforma fiscal que foi exposta neste
capítulo, são também exemplos da prática política antioligárquica e antipatri-
monialista do PRR: a transparência das contas públicas, a coincidência entre
o orçamento previsto e o realizado (orçamento equilibrado efetivamente pra-
ticado)23, a política de proteção ao consumo das classes mais desfavorecidas
(pelo contingenciamento de bens de primeira necessidade demandados pelos
mercados de fora do estado), pela estatização (não-patrimonialista) dos dois
História Geral do
mais importantes portos da região (Porto Alegre e Rio Grande) e da rede de
Rio Grande do Sul estradas de ferro do estado, enfim o fato de ter realizado todos os investimen-
tos de infra-estrutura em meios de comunicação (estradas de rodagem e tra-
balhos para a navegabilidade dos rios) apenas nas zonas de povoamento (ne-
Luiz Roberto gando-se a investir na zona da pecuária tradicional), tendo, assim, negado-se
Pecoits Targa permanentemente a privilegiar os interesses da pecuária de exportação. Nes-

23 Este é, seguramente, um outro traço da racionalidade burguesa da administração do PRR.


262
se arrolamento não se pode deixar de assinalar também que o PRR definiu
políticas de proteção ao desenvolvimento das indústrias nascentes na região
(tarifas protecionistas e isenções fiscais) e que, tendo combatido o contraban-
do, sobretudo o da fronteira com o Uruguai, definiu o território para a repro-
dução dos capitais instalados na região: comerciais, bancários e industriais.
Brevemente, afirmou-se no início deste capítulo que a relação estado/
sociedade entabulada pelo PRR no poder do Rio Grande do Sul durante a Pri-
meira República serviu de modelo à relação que o Estado desenvolvimentista
brasileiro viria a manter com a sociedade brasileira durante seus sessenta
anos de existência (1930-90). Afirmou-se que a política fiscal era elemento fun-
damental dessa relação e pôde-se ver que ela pode ser instrumento de trans-
formação da sociedade meridional. Com efeito, a política fiscal do PRR, assim
como sua política econômica, não foi dirigida para a sustentação de uma fra-
ção da classe dominante, reforçando o status quo. Isso foi o que ocorreu em
São Paulo com a política de valorização do café. A política fiscal e econômica
no Sul dirigiu-se à expansão de novas classes sociais, de classes que não esta-
vam presentes na sociedade tradicional do Império escravista brasileiro, ou
que não eram nele valorizadas. O PRR, tal como o ainda então futuro Estado
desenvolvimentista brasileiro, praticou uma política transformadora da rea-
lidade econômica e social com que se deparava.

Quadro 1. Imposto Territorial – Classificação dos municípios, conforme a reforma


de 1912 e revisão de 1913.

Grupo Município Qualidade dos campos


Superior M é d i a Inferior
1º Bagé, Dom Pedrito, Santana do Livramento,
Quaraí, Uruguaiana 100$000 70$000 50$000
2º São Gabriel, Pelotas, Alegrete, Jaguarão 90$000 50$000 30$000
3º Cacimbinhas, Piratini, Santa Vitória do Herval,
Arroio Grande, Canguçu 80$000 40$000 30$000
4º São Borja, Itaqui, São Luís, Santiago do Volume 3
Camaquã, Dores de Camaquã 30$000 25$000 20$000 República Velha
Tomo I
5º São Vicente, Rosário, São Francisco de Assis 50$000 40$000 30$000
6º Cachoeira, Caçapava, Lavras, São Sepé,
Santa Maria, Encruzilhada, São Jerônimo 50$000 40$000 20$000 VIII.
7º Cruz Alta, Júlio de Castilhos, Soledade, A política fiscal
modernizadora
Passo Fundo, Palmeira, Santo Ângelo 40$000 30$000 20$000 do PRR
8º Lagoa Vermelha, Vacaria, Bom Jesus, (1889-1930)
São Francisco de Paula 30$000 25$000 20$000
263
Grupo Município Qualidade dos campos
Superior M é d i a Inferior
9º Rio Pardo, Santo Antônio, Triunfo, São João
de Camaquã, Dores de Camaquã 30$000 25$000 20$000
10º Porto Alegre, Viamão, Gravataí 50$000 40$000 30$000
11º Rio Grande, São José do Norte,
Conceição do Arroio, Torres 30$000 20$000 10$000

Zona colonial

Município Médias Municípios Médias


São Leopoldo 153$000 Ijuí 48$000
Caxias 70$000 Guaporé 57$000
São Sebastião do Caí 70$000 São Lourenço 90$000
Bento Gonçalves 61$000 Estrela 130$000
Taquara 57$000 Montenegro 80$000
Lageado 44$000 Santa Cruz 62$000
Garibaldi 74$000 Venâncio Aires 45$000
Alfredo Chaves 30$000 Antônio Prado 37$000

Revisão, atendendo a solicitações

Município Superior m é d i a inferior


Uruguaiana 70$000 60$000 50$000
Arroio Grande 70$000 40$000 30$000
Palmeira 30$000 20$000 15$000

Município Superior M é d i a Inferior


Santo Ângelo 35$000 25$000 15$000
São Luís 40$000 30$000 20$000
São Gabriel 70$000 50$000 30$000
Quaraí 90$000 50$000 30$000
Fonte: Relatório do secretário de estado dos Negócios da Fazenda, 1914, p. 241-243; (MIRANDA, 1998).

História Geral do
Rio Grande do Sul

Luiz Roberto
Pecoits Targa

264
Tabela 1. Número de contribuintes, área tributada e arrecadação do Imposto Territorial, por sub-regiões do Rio Grande do Sul – 1905-14.

Nº de contribuintes Área (H) Imposots arrecadados Impostos arrecadados Impostos arrecadados


divididos pelo nº de contrib. pela área em 1.000 hectares
1905 1914 1928 1905 1914 1928 1905 1914 1928 1905 1914 1928 1905 1914 1928

Colônia Alemã 33.407 40.656 50.763 1.506.012 1.477.902 1.447.349 277.465 281.008 686.701 8.305 6.911 13.527 184,238 190,140 474,454

Colônia Italiana 19.810 21.601 524.917 584.057 95.626 363.763 4.827 16.840 182,174 622,821

Campanha 22.773 34.396 47.586 7.417.919 7.856.677 7.839.130 570.784 1.194.565 2.745.233 25,064 34,730 57,690 76,947 152,045 350,196

Orizícola 18.049 27.056 31.275 3.310.467 3.287.703 3.345.911 252.329 393.673 941.373 13.980 14.550 30.099 76,222 119,741 281,350

Total 74.229 121.918 151.225 12.234.398 13.147.199 13.216.447 1.100.578 1.964.872 4.737.070

Fonte: Relatório Secretaria da Fazenda (1906, 1915, 1929). [Porto Alegre, s.d.]; MINELLA (1985); TARGA (2002).

VIII.

265
Tomo I
Volume 3

do PRR
(1889-1930)
A política fiscal
modernizadora
República Velha
Tabela 2. Exportações, renúncia fiscal, receitas dos Impostos de Exportação e Terri-
torial do Rio Grande do Sul – 1904-29 (em contos de réis).

Anos Exportações Renúncia Receita Imposto de Imposto


fiscal tributária exportação territorial
estimada
1.904 57.183 1.354 8.855 2.902 1.562
1.905 56.665 1.447 8.495 2.369 1.520
1.906 66.233 1.732 9.249 2.725 1.483
1.907 72.857 1.980 9.927 2.894 1.489
1.908 74.529 2.104 10.870 2.824 1. 581
1.909 77.125 2.089 13.185 3.168 1.934
1.910 81.959 2.209 13.595 3.157 1.935
1.911 81.393 2.239 14.459 3.109 2.058
1.912 104.968 3.035 16.441 3.715 2.125
1.913 108.101 3.366 17.125 3.414 2.784
1.914 79.320 2.616 15.127 2.490 2.925
1.915 89.048 2.810 15.509 2.476 2.961
1.916 92.310 3.433 17.599 2. 459 2.918
1.917 161.740 6.408 20.535 2.693 3.319
1.918 165.764 6.069 22.024 3.202 3.361
1.919 215.572 8.399 26.682 4.054 3.534
1.920 197.879 8.041 25.952 3.163 3.977
1.921 214.959 8.786 32.960 3.249 4.507
1.922 234.071 9.774 31.554 4.246 4.588
1.923 311.151 13.468 34.723 5.728 4.321
1.924 413.942 17.963 52.690 6.951 4.759
1.925 473.997 20.420 58.635 7.089 5.764
1.926 347.445 14.875 62.193 5.914 6.380
1.927 415.916 13.375 64.564 6.129 7.304
1.928 580.723 25.347 77.789 9.682 7.592
1.929 540.793 23.522 89.854 9.450 10.731
Fonte: Relatórios da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul 1904 a 1929. ANUÁRIO
ESTATÍSTICO DA EXPORTAÇÃO - 1920-1941 (1942). Porto Alegre: IBGE/DEE; CARVALHO, M. L. et al.
(1998).

História Geral do
Rio Grande do Sul

Luiz Roberto
Pecoits Targa

266
Tabela 3. Participação percentual das categorias impostos indiretos e impostos diretos e de seus subgru-
pos no total da receita dos impostos do Rio Grande do Sul e de São Paulo – 1893-1929.

Categorias e
subgrupos
da receita 1893 1905 1914 1923 1929
dos impostos RS SP RS SP RS SP RS SP RS SP
A-Impostos
indiretos 69,63 77,92 42,18 75,24 35,60 69,54 37,72 45,56 38,12 58,34
A.1-Ligados às
exportações 53,85 70,77 31,20 68,36 24,90 64,17 27,14 33,73 19,54 48,26
A.2-Ligados ao
consumo 10,73 0,00 7,51 1,22 7,79 1,02 8,20 0,87 16,31 1,09
A.3- Outros
indiretos indiretos 5,05 7,15 3,47 5,66 2,91 4,35 2,38 10,96 2,27 8,99
B-Impostos
indiretos 30,16 20,01 51,32 21,90 54,87 25,06 47,37 44,13 39,70 34,10
B.1-Sobre a
propriedade 20,45 20,01 38,25 16,16 41,62 19,59 34,14 34,22 27,83 23,25
B.2-Sobre o capital
e rendimentos 9,71 0,00 13,07 5,74 13,25 5,47 13,23 9,91 11,87 10,85
C-Subtotal 99,79 97,93 93,50 97,14 90,47 94,60 85,09 89,69 77,82 92,44
D-Outros
tributos (1) 0,21 2,07 6,50 2,86 (2) 9,53 5,40 (2) 14,91 10,31 (2) 22,18 7,56
E-Receita dos
impostos 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Balanços das Receitas e das Despesas dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo publicados nos Relatórios Anuais dos
Secretários Estaduais das Fazendas; CARVALHO, M. L. e PEREIRA, P. R. (1995).
(1) Incluem-se aí alguns tributos não classificáveis nas categorias analisadas, incluindo taxas e impostos com aplicações específicas.
(2) As participações elevadas do item Outros Tributos no Rio Grande do Sul devem-se, fundamentalmente, a algumas taxas (Taxa Escolar
e Taxa Profissional) e também a alguns impostos incluídos na década de 1920, com vinculação específica, como a conservação da infra-
estrutura de transportes.

Volume 3
República Velha
Tomo I

VIII.
A política fiscal
modernizadora
do PRR
(1889-1930)

267
COSTA, 1922.
Cervejaria Ritter. Pelotas.

Cervejaria Sul Rio-Grandense.

COSTA, 1922.
História Geral do
Rio Grande do Sul

Luiz Roberto
Pecoits Targa

268
COSTA, 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

VIII.
A política fiscal
modernizadora
do PRR
(1889-1930)

269
Acampamento de
caixeiros viajantes.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Luiz Roberto
Pecoits Targa
Birivas ambulan-
tes. Norte do Rio
270 Grande do Sul.
COSTA, 1922.

COSTA, 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

VIII.
A política fiscal
modernizadora
do PRR
(1889-1930)

271
COSTA, 1922.
Charqueada. 1922.

Exposição Industrial. 1920.

COSTA, 1922.
História Geral do
Rio Grande do Sul

Luiz Roberto
Pecoits Targa

272
Capítulo IX

AS FERROVIAS
NA ORDEM POSITIVISTA, O PROGRESSO
CORRE PELOS TRILHOS

Adelar Heinsfeld

Em 14 de abril de 1874, vinte anos após a inauguração da primeira estra-


da de ferro brasileira, o Rio Grande do Sul entrava na era ferroviária, com a
inauguração do primeiro trecho de ferrovia em solo rio-grandense, ligando
Porto Alegre a São Leopoldo, numa extensão de 33 km, construída e explo-
rada pela empresa inglesa Porto Alegre and New Hamburg (Brazilian)
Railway Company Limited.
A construção das ferrovias seguiu a lógica da expansão capitalista inter-
nacional. Maurice Dobb (1976, p. 361-362) ressalta a importância da constru-
ção ferroviária para o desenvolvimento econômico do capitalismo, em virtu-
de deste tipo de construção absorver enorme volume de capital, bem como
estimular a exportação de capital.
Com o surgimento do imperialismo, uma das maneiras encontradas pe- Volume 3
las grandes potências capitalistas centrais para exportar seus capitais acumu- República Velha
Tomo I
lados foi a construção de ferrovias em países periféricos. Lênin (1982, p. 10),
analisando esse tema, afirma que entre 1870 e 1913 ocorreu a partilha das es- IX.
tradas de ferro do planeta inteiro, acrescentando que as estradas de ferro in- As ferrovias:
na ordem
dicam o balanço dos ramos-chave da indústria capitalista, da indústria positivista o
progresso corre
hulhífera e siderúrgica do período, ligando-se à grande produção, aos mono- pelos trilhos
pólios, aos sindicatos patronais, aos cartéis, aos trustes, aos bancos e à oligar-
273
quia financeira. Por outro lado, salienta que a desigual repartição da rede fer-
roviária, bem como a desigualdade do seu desenvolvimento, constitui o balan-
ço do moderno capitalismo monopolista na escala mundial.
Frederic Mauro (1976, p. 213), analisando a expansão capitalista européia
e sua relação com a implementação de ferrovias, afirma que as estradas de fer-
ro representam, em importância, o primeiro investimento ultramarino para
a poupança européia entre 1870 e 1914.
O primeiro trecho ferroviário no Rio Grande do Sul havia sido inaugura-
do em 1874. Em 1876, com a construção de mais 9,5 km, essa ferrovia chega-
va a Novo Hamburgo. Posteriormente, foi estendida até Taquara, com a em-
presa tendo privilégios por setenta anos e garantia de juros sobre o capital
máximo de 2.600$000. Em 1907, essa mesma ferrovia foi entregue à
Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, empresa constituída por
capitais belgas. Essa estrada de ferro tinha uma preocupação exclusivamen-
te econômica, pois visava abastecer a região de Porto Alegre com os produtos
da região colonial alemã. Aliás, essa foi a única ferrovia construída com finali-
dade econômica no estado.
Um projeto ferroviário para o Rio Grande do Sul havia sido proposto ao
governo imperial em 1872, pelo engenheiro J. Ewbank da Câmara, o qual pode
ser considerado o projeto embrião da malha ferroviária que cortaria o Rio
Grande do Sul em todas as direções. Em seu bojo, objetivava a satisfação das
necessidades estratégicas, políticas e econômicas da parte sul do Império. As
fronteiras meridionais eram consideradas inseguras e vulneráveis, tanto ao
contrabando como a possíveis agressões bélicas dos países platinos. O proje-
to elaborado por Ewbank da Câmara era uma resposta às imposições geopo-
líticas da época. A rede ferroviária projetada para o Rio Grande do Sul deve-
ria ser um prolongamento da rede ferroviária nacional e que proporcionasse
segurança das áreas de fronteiras (CÂMARA, 1874, p. 39).
Ewbank da Câmara, com suas preocupações geopolítico-estratégicas, faz
uma análise da redes ferroviárias dos países vizinhos, potenciais agressores
do Brasil. O Uruguai era a única nação platina que tinha aprovado um plano
História Geral do
Rio Grande do Sul geral de viação férrea: de Montevidéu saíam três grandes linhas que, através
de seus inúmeros ramais, cobriam todo o território. Através do seu sistema
ferroviário, o Uruguai poderia atingir o Brasil em quatro pontos distintos:
Chuí, Jaguarão, Santana do Livramento e Quaraí (Ibidem, p. 27-28). A Argen-
Adelar Heinsfeld
tina, embora não tivesse elaborado um plano geral para sua malha ferroviá-
ria, era o país que tinha o maior índice de quilômetros ferroviários construí-
dos. De Buenos Aires saíam linhas em direção ao norte, ao oeste e ao sul, abas-
274
tecendo o porto e, principal-
mente, reforçando a defesa
territorial. O Paraguai possuía
apenas uma linha, que ligava
Assunción a Encarnación, na
fronteira com a Argentina.
Assim, ao elaborar o Plano
Geral de 1872, levava em con-
sideração a vulnerabilidade
das fronteiras gaúchas, que es-
tavam ao alcance das ferrovias
dos países vizinhos. Foi pen-
sando nisso que ele elaborou
“um estudo comparativo dos
caminhos de ferro platino e Malha ferroviária rio-grandense. 1910.
WOLFF, 2005, p. 92.
rio-grandense, tendo em vista
a exigência da guerra, a defesa
e segurança do território nacional, sem prejuízos de interesses e vantagens
comerciais” (Ibidem, p. 7).
No plano de Ewbank da Câmara estavam previstas três grandes linhas:
a Porto Alegre-Uruguaiana, a Santa Maria-Passo Fundo e a Rio Grande-Bagé.
Ao pensar um plano geral, Ewbank da Câmara consultou autoridades mili-
tares para fundamentar sua proposta de uma malha ferroviária estratégica.
Todos os militares consultados – general Manuel Luis Osório (marquês do
Herval); general Manuel Marques de Souza (conde de Porto Alegre); brigadei-
ro José Antonio Correia da Câmara (visconde de Pelotas); o duque de Caxi-
as, o então coronel Manuel Deodoro da Fonseca – foram totalmente favorá-
veis à construção de uma malha ferroviária que ligasse os pontos estratégicos
do Rio Grande do Sul e que servisse de proteção às regiões fronteiriças.
Recebendo o aval das altas autoridades militares, o projeto de Ewbank
da Câmara passa a ser discutido na Assembléia Geral. As discussões em tor- Volume 3
no do problema de segurança das fronteiras meridionais levaram à aprovação República Velha
Tomo I
do projeto. Em 10 de setembro de 1873, o imperador Dom Pedro II sancionou
o decreto que autorizava a exploração e estudos de duas ferrovias que partiam IX.
em direção a pontos estratégicos na fronteira: uma delas ligaria Porto Alegre As ferrovias:
na ordem
a Uruguaiana, no extremo oeste da província, cujas obras iniciaram em 1877, positivista o
progresso corre
e a outra deveria ligar Rio Grande a Cacequi. pelos trilhos

275
As duas projetadas ferrovias contribuíram para perceber-se que a rede
ferroviária do Rio Grande do Sul foi concebida como projeto e não do somató-
rio de linhas construídas de forma espontânea. No dizer de José Roberto de
Souza Dias (1986, p. 36), essa iniciativa deve ser considerada “a celula mater
da rede ferroviária gaúcha, uma vez que a partir dela foram sancionados pro-
jetos e construídas vias que corresponderiam ao trajeto proposto em 1872”.
As obras de construção da linha Porto Alegre-Uruguaiana iniciaram em
1877; em 1883 era inaugurado o primeiro trecho, com 147 km, quando a fer-
rovia chegou à Cachoeira, alcançando Santa Maria em 1885. No início da dé-
cada de 1890, Santa Maria ligava-se à cidade de Cacequi, rumo à fronteira. No
entanto, circunstâncias políticas, como a Revolução Federalista, determina-
ram a paralisação das obras, que só foram retomadas quando a Compagnie
Auxiliaire des Chemins de Fèr au Brésil assumiu a ferrovia. Com os atrasos
e interrupções, os trilhos só chegaram em Uruguaiana em 1907.
A ferrovia Porto Alegre-Uruguaiana, quando foi projetada, tinha
preocupações mais estratégicas do que econômicas. O objetivo era dar segu-
rança às fronteiras do Império, uma vez que atravessava uma área territorial
de baixa densidade demográfica e sem uma atividade econômica forte que a
justificasse do ponto de vista financeiro.

Locomotiva tipo Doublé-Ender, inglesa. Foi adquirida em 1878, pela The Porto Alegre
and New Hamburgo Brazilian Railway Company, para atuar no trecho Porto Alegre-Novo
Hamburgo; foi desativada em 1942.

DIAS, 1986, P. 61

História Geral do
Rio Grande do Sul

Adelar Heinsfeld

276
A Revolução Federalista agiu dialeticamente em relação à ferrovia. Se,
por um lado, ela representou um obstáculo ao seu desenvolvimento, pois di-
minuiu a arrecadação nas estações, paralisando os negócios, impedindo o
avanço das obras, retardando os cronogramas fixados; de outro, possibilitou
o virtual aumento da renda no biênio 1894/1895. Os rendimentos aumentaram
em virtude do transporte de tropas, animais e material bélico. A estrada de
ferro assumiu um inestimável valor militar, participando do equacionamento
do conflito (DIAS, 1986, p. 78-79).
Entre 1883 e 1897, essa ferrovia operou seus trens como empresa públi-
ca. Em 1898, ocorreu a inversão de capitais belgas na estrada de ferro Porto
Alegre-Uruguaiana. Com o contrato assinado, em 12 de março de 1898, a em-
presa belga Compagnie Auxiliaire des Chemins de fer au Brésil, que tinha o
brasileiro João Teixeira Soares como acionista, arrendou a ferrovia por um
prazo de sessenta anos. Diga-se de passagem, a Bélgica foi o primeiro país do
mundo a formular uma política ferroviária.
Como a intenção da empresa era firmar-se no Rio Grande do Sul, atra-
vés de convênios de tráfego mútuo, bem como pela construção de ramais e
prolongamentos, a primeira preocupação foi abrir um corredor em direção ao
Atlântico, construindo um prolongamento entre São Gabriel e São Sebastião,
o que permitiria a conexão com a estrada de ferro Rio Grande-Bagé, que per-
tencia à Southern Brazilian Rio Grande do Sul Railway Company (Ibidem, p.
103). A proposição de Ewbank da Câmara tornava-se realidade. A capital e o
interior tinham uma nova saída para o mar, e uma malha ferroviária que aten-
desse a interesses comerciais e estratégicos ia se concretizando.
Saindo do tronco principal da Porto Alegre-Uruguaiana, um dos ramais
mais importantes ficou pronto em 1905, atingindo Santa Cruz. Segundo Jean
Roche (1969, p. 63), este é o exemplo mais característico da influência da es-
trada de ferro sob o crescimento da exportação agrícola, o que acabou aumen-
tando a prosperidade local.
A ferrovia Rio Grande-Cacequi, denominada “tronco sul”, teve um traçado
paralelo à fronteira com o Uruguai e, a partir de 1884, atravessava uma área
de economia baseada no tripé porto/charque/gado. Higino Correa Durão ha- Volume 3
República Velha
via ganho, em 1874, a concorrência para construí-la. Como não conseguiu ven- Tomo I
cer os prazos, o governo negociou os direitos com Miguel Gonçalves da Cunha
e James Gracie Taylor, que obtiveram os privilégios para construção e explo- IX.
As ferrovias:
ração por um prazo de noventa anos. O projeto de construção previa duas eta- na ordem
pas: a primeira iria de Rio Grande a Bagé, passando por Pelotas, Pedras Al- positivista o
progresso corre
tas e Candiota; a segunda, iria de Bagé a Alegrete, passando por Dom Pedri- pelos trilhos
to e Rosário. 277
DIAS, 1986, P. 64
Locomotiva tipo
American,
adquirida em
1878, na França.
Foi a primeira
locomotiva a
trafegar na
Estrada de Ferro
Porto Alegre-
Uruguaiana.

Os direitos foram transferidos para a Companie Imperiale des Chemins


de Fer du Rio Grande do Sul, que foi incorporada em 1881. Dois anos depois,
ocorreu a fusão dessa empresa com a Brazilian Rio Grande do Sul Railway
Company Limited, o que permitiu a conclusão dos trabalhos de construção da
ferrovia. Na avaliação de José Roberto de Souza Dias (1986, p. 138), essa fer-
rovia, “implantada como uma linha estratégica, visava exatamente proteger
os interesses nacionais e a sólida presença do contrabando era uma realidade
de antemão conhecida por autoridades e pela companhia ferroviária.” Se para
os diretores da companhia isso era uma questão secundária, em virtude das
garantias de juros que haviam obtido, para os cofres públicos o contrabando
representava um ônus econômico e político.
Há que se registrar que, durante a Revolução Federalista, enquanto a es-
trada de ferro Porto Alegre-Uruguaiana obteve um aumento de rendimentos,
a Rio Grande-Bagé viveu seus piores momentos, pois como os combates acon-
teciam em sua zona de abrangência, o movimento de trens foi paralisado.
Com a instituição da república, o governo brasileiro iniciou um plano de
construções ferroviárias que abrangeria todo o país. Contudo, com a economia
História Geral do
Rio Grande do Sul debilitada, por diversos motivos, foi necessário a suspensão das construções
de estradas de ferro.
Com a proclamação da República, a Constituição Republicana do estado
do Rio Grande do Sul, de 14 de julho de 1891, elaborada com base na doutri-
Adelar Heinsfeld
na positivista, sustentou as idéias de caráter de progresso positivo a partir de
um planejamento estratégico dirigido pelo Estado, com normas que possibi-
278 litassem o domínio e construção do espaço gaúcho. Assim, desenvolve-se a con-
cepção de um modelo viário e de colonização que, articulados, fizessem com
que todas as vias convergissem para o porto de Rio Grande. Com a coloniza-
ção baseada na pequena propriedade, com sua produção tendo transporte as-
segurado, o progresso estaria garantido. Com isso, pode-se afirmar que os posi-
tivistas gaúchos procuram levar os ensinamentos de Augusto Comte em di-
reção às necessidades do estado.
No programa do Partido Republicano Rio-Grandense, na seção Teses Fi-
nanceiras e Econômicas, estava registrado que o Estado deveria, entre outras
atribuições, “promover os meios de transportes” e “organizar o plano geral de
viação como garantia da defesa do território nacional [...]” Previstos desde a
fundação do partido e sedimentadas na Constituição de 14 de julho, o desen-
volvimento dos serviços públicos e das indústrias tornou-se uma das metas
perseguidas pelo governo gaúcho, principalmente por Borges de Medeiros,
externado nas preocupações em torno dos meios de transportes. Assim, a ma-
lha ferroviária gaúcha revestiu-se de importância fundamental no desenvol-
vimento do estado e sua unificação e encampação acabaram fazendo parte de
um processo evolutivo, que procurou satisfazer os objetivos doutrinários da po-
lítica rio-grandense (KLIEMANN, 1977, p. 209).
Em 1897, Júlio de Castilhos, devido aos prejuízos que causava ao Rio
Grande do Sul a garantia de juros à companhia inglesa que detinha a conces-
são da ferrovia Porto Alegre-Novo Hamburgo, projetou o ramal ferroviário São
Leopoldo-Caxias do Sul, o qual, atravessando a próspera região colonial, pro-
porcionaria renda suficiente para livrar o estado daquele oneroso encargo
(FRANCO, 1967, p. 175). No mesmo ano, Júlio de Castilhos se opôs ao arren-
damento da ferrovia Porto Alegre-Uruguaiana, concretizado em 1898, à
Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Na mensagem envia-
da à Assembléia de Representantes, afirmava que o arrendamento daquela
ferrovia devia ser disputado pelo estado

para evitar que uma ferrovia de tão alta importância estratégica e política fosse
transferida à exploração de particulares ou de sindicatos estrangeiros domina- Volume 3
dos exclusivamente pelo interesse mercantil, sem a obrigatória preocupação dos República Velha
Tomo I
interesses superiores que se prendem à segurança interna e externa (apud
KLIEMANN, 1977, p. 210).
IX.
As ferrovias:
na ordem
As preocupações de Júlio de Castilhos não estavam relacionadas apenas positivista o
progresso corre
às eventuais necessidades de manobras militares, bem como de policiamen- pelos trilhos
to na região fronteiriça. Essas preocupações eram também de ordem econômi- 279
ca, pois o contrabando crescia anualmente na fronteira. Uruguaiana e Livra-
mento tornavam-se importantes portas de entrada de produtos contrabandea-
dos, que chegavam ao Cone Sul vindos de Buenos Aires e Montevidéu, dois
importantes entrepostos comerciais de produtos europeus, que no Brasil che-
gavam a preços elevados.
Em 1898, a Compagnie Auxiliaire des Chemins de fer au Brésil transfe-
riu seus escritórios de Porto Alegre para Santa Maria, onde já funcionavam
as oficinas da linha Porto Alegre-Uruguaiana. Com isso, Santa Maria trans-
formou-se no principal centro ferroviário do estado.
Do ponto de vista geográfico, por estar localizada no centro do estado, a
uma distância considerada segura em relação às fronteiras com os países do
sul, Santa Maria foi considerado um ponto estratégico militarmente. Assim,
de acordo com o planejamento militar e as políticas territoriais que conside-
raram a cidade ideal para o encontro de vias de transportes e comunicações,
Santa Maria passou a ser um importante núcleo vital para a defesa do sul do
país. A estrada de ferro Santa Maria-Passo Fundo veio ratificar a importân-
cia da localização. A partir destas decisões de caráter estratégico e comercial,
a cidade se desenvolveu e fortaleceu principalmente as atividades comerciais
e de prestação de serviços, além de facilitar que diversas regiões rompessem o
isolamento. A cidade transformou-se num importante ponto obrigatório entre
as praças comerciais da Fronteira, da Serra e da capital, o que trouxe importan-
tes repercussões no empreendimento de outras atividades socioeconômicas.
Com o crescimento econômico do Rio Grande do Sul na agricultura, na
pecuária e, como conseqüência, na indústria da carne e derivados, tornou-se
imperativo a construção de novos ramais ferroviários. A urgência em escoar
a produção exigiu do governo do estado providências sérias para o desenvol-
vimento e a socialização deste serviço público. Entretanto, a entrega desses
serviços estratégicos à companhias estrangeiras era uma atitude totalmente
oposta daquela defendida pelo Partido Republicano Rio-Grandense.
O governo de Borges de Medeiros pretendia seguir as diretrizes da polí-
História Geral do
tica iniciada por Júlio de Castilhos. No entanto, como explicar a encampação
Rio Grande do Sul da rede ferroviária gaúcha em 1905 pela companhia belga Compagnie
Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil? Para buscar uma resposta, é neces-
sário considerar que em 1898 o governo de Júlio de Castilhos estava com as
relações estremecidas com o governo federal, e por isso, perdeu a concorrên-
Adelar Heinsfeld
cia para a companhia estrangeira. Segundo Kliemann, só existe uma explica-
ção para a postura de Borges de Medeiros, que teria visto “no arrendamento
280 à companhia belga o primeiro passo (o da unificação ferroviária) de um pro-
DIAS, 1986, P. 100
Locomotiva tipo
Mogul, fabricada nos
EUA. Foi adquirida
em 1884 pela
Estrada de Ferro Rio
Grande-Bagé,
administrada pela
Compagnie
Auxiliaire.

cesso que deveria ser evolutivo e culminar com a absorção da rede ferroviá-
ria gaúcha pelo estado do Rio Grande do Sul” (KLIEMANN, 1977, p. 213).
Esse arrendamento à companhia belga obedeceu a duas etapas: na pri-
meira, aconteceu o arrendamento, sob o controle da União, de todos os ramais
ferroviários que pertenciam a outras companhias, ou seja, a ferrovia Rio Gran-
de-Bagé, da Southern Brazilian Rio Grande do Sul Railway, o ramal Cacequi-
Uruguaiana, da Rio Grande do Sul Railway Company Limited, o ramal Qua-
raí-Itaqui, da Brazil Great Southern, e a ferrovia Santa Maria-Uruguai, da
Compagnie Secondaire de Chemins de Fer; na segunda, houve o arrendamento
dos ramais ferroviários que pertenciam ao estado do Rio Grande do Sul, ou seja,
os trechos Porto Alegre-Novo Hamburgo-Taquara e Couto-Santa Cruz.
Na avaliação de João Carlos Tedesco (2002, p. 44), o capital estrangeiro
foi extremamente beneficiado nas concessões e contratos de exploração do se-
tor ferroviário gaúcho, pois, além do monopólio da exploração, ficava isento
de riscos, recebendo juros sobre o capital investido por quilômetro linear Volume 3
República Velha
construído, o que resultava num enorme prejuízo aos cofres públicos rio- Tomo I
grandenses. Como o governo não estava preparado para fiscalizar de forma
eficiente as obras, permitia poder absoluto aos empreiteiros estrangeiros na IX.
As ferrovias:
construção das ferrovias. Isso resultava que muitos acidentes ocorriam por na ordem
problemas de infra-estrutura e linhas mal construídas, além de que repara- positivista o
progresso corre
ções gerais eram necessárias logo após o término da construção, quando não pelos trilhos
havia a necessidade de reconstruir trechos inteiros. 281
Isso consolidou a penetração do capital estrangeiro no Brasil, atuando em
áreas fundamentalmente estratégicas, o que propiciava que representantes
de setores nacionalistas pudessem fazer discursos inflamados e que usuários
das ferrovias reclamassem de forma intensa com o descaso das empresas es-
trangeiras (TEDESCO, 2002, p. 44).
Gladis Helena Wolff (2005, p. 90) afirma que no Rio Grande do Sul os ca-
pitais ferroviários ingleses não eram muito significativos. De forma majoritá-
ria, foram os capitais belgas que, através das inúmeras concessões, obtiveram
os direitos de explorar o setor ferroviário. No entanto, salienta a autora que,
quanto aos processos e interesses, eles atuaram de forma semelhante ao que
acontecia nas outras regiões brasileiras. Era um empreendimento altamen-
te lucrativo, em virtude da garantia de juros. Muitos acionistas atuavam
como “testas de ferro”, assumindo cargos diretivos nas empresas de capital
estrangeiro.
A situação das ferrovias gaúchas era deplorável, não atendendo às neces-
sidades do crescente comércio exportador. Diante disso, esse setor apoiou a
unificação e o arrendamento, com a esperança de que houvesse melhoria nos
transportes ferroviários. Para muitos, o atraso no desenvolvimento do setor
de transportes era o principal obstáculo ao desenvolvimento econômico do es-
tado. Nas palavras de Borges de Medeiros, em mensagem à Assembléia dos
Representantes, o transporte poderia ser “a fórmula ideal e simplificadora do
problema econômico do estado” (apud KLIEMANN, 1977, p. 213). Visando me-
lhorar os serviços ferroviários, o governo do estado unifica a rede ferroviária
do Rio Grande do Sul e a transfere à Compagnie Auxiliaire des Chemins de
Fer au Brésil em 1º de junho de 1905. A rede passou a denominar-se “Viação
Férrea do Rio Grande do Sul”, com sede em Santa Maria.
A crença de que a melhoria dos transportes provocaria a melhoria dos
outros setores da economia levou ao arrendamento e o jornal Correio do Povo
(26/08/1905) noticiava que “as cotações das ações das estradas de ferro do Rio
Grande subiram em Londres, sete pontos, durante as três últimas semanas.”
Ao assumir o controle da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, em junho
História Geral do
Rio Grande do Sul
de 1905, cujo contrato deveria extinguir-se em 1958, a Compagnie Auxiliaire
des Chemins de Fer au Brésil não conseguiu resolver os problemas ineren-
tes ao transporte ferroviário. A empresa passou a enfrentar problemas de toda
ordem: distribuição de pessoal, localização dos escritórios, tráfego, falta de va-
Adelar Heinsfeld gões, construção de novos ramais, tarifas etc. (Ibidem, p. 213-214).
No momento em que a companhia belga e a União passaram a transgre-
dir a Constituição gaúcha, pelas modificações no arrendamento e pelas tari-
282
FONTE: DIAS, 1986, P. 131
Locomotiva tipo Mikado, tracionando uma composição
sobre ponte no rio Piratini, no trecho da Estrada de Ferro
Rio Grande-Bagé.

fas implantadas, provocando assim uma intranqüilidade em diversos setores


econômicos do estado, a intervenção governamental se fez necessária. O fato
do governo federal querer conceder à Auxiliaire o privilégio de construção de
outros ramais, como a estrada de ferro Itaqui-São Borja, era uma afronta di-
reta às cláusulas constitucionais do Rio Grande do Sul, principalmente a “Ga-
rantia Geral da Ordem e Progresso do Estado”, em que estava estabelecido
que “nos serviços e obras do estado, será adotada a concorrência pública sem-
pre que possível” e que era atribuição do presidente do estado “desenvolver o
sistema de viação e a navegação interna do estado.”
O jornal A Federação, porta-voz do Partido Republicano Rio-Granden-
se e, por conseguinte, do próprio governo estadual, desenvolvera uma firme Volume 3
República Velha
campanha contra os privilégios obtidos e outros que ainda seriam concedidos Tomo I
à Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil. Nos editoriais do jor-
nal se percebe a postura do governo de então: e, a firme posição de obediên- IX.
As ferrovias:
cia aos princípios constitucionais e o início de uma campanha contra o mono- na ordem
pólio estrangeiro no setor ferroviário no Rio Grande do Sul. Borges de Medei- positivista o
progresso corre
ros, que havia aceitado o arrendamento em 1905, estava fora do governo. As- pelos trilhos
sim, salientava A Federação (28/27/1910) que “o governo de então cometeu um 283
erro gravíssimo, entregando a uma sociedade estrangeira a nossa viação fér-
rea, por um prazo de 60 anos”.
Segundo o jornal, enquanto a empresa continuasse explorando os ramais
ferroviários que já existiam ainda era possível aceitar. No entanto,

no dia em que esta empresa tiver o monopólio de toda a área do Rio Grande
como quer o projeto que estamos tratando, ela ditará as leis ao Rio Grande
do Sul e a nossa riqueza pública será drenada, em grande parte, para os cofres
dos argentários europeus.

A argumentação era que se a ferrovia Porto Alegre-Uruguaiana tinha um


caráter nacional em virtude de suas características estratégicas, os novos pro-
jetos em pauta não possuíam essas características. A Constituição Federal
determinava que os estados tinham autonomia em relação aos assuntos re-
lativos à economia local. Assim, do ponto de vista legal, o Rio Grande do Sul
não poderia aceitar a interferência do governo federal.
Os motivos que levaram o governo gaúcho a reclamar sobre o aumento
da zona de abrangência da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au
Brésil estavam baseados nas cláusulas contratuais e nos dispositivos consti-
tucionais, além do temor que a companhia pudesse impor valores de fretes de
acordo com suas conveniências, a partir do momento que fosse possuidora de
toda a viação férrea. Em decorrência disso, começou uma luta pelo rebaixa-
mento das tarifas, que ocorreu em 1911, que marcou o primeiro momento de
ação concreta da política governamental gaúcha concernentes aos problemas
apresentados pela viação ferroviária.
Os maus serviços prestados, aliados às altas tarifas nos fretes cobrados,
ocasionavam enormes prejuízos ao comércio e à indústria do Rio Grande do
Sul. Esses foram, então, os principais argumentos utilizados pelo governo gaú-
cho para obter a revisão de contrato com a Auxiliaire. Na sua luta pela melho-
ria dos transportes, o governo teve o apoio incondicional de grupos econômi-
História Geral do cos, que o ajudaram a pressionar a empresa ferroviária e o governo federal.
Rio Grande do Sul
Com a pressão sofrida, a Auxiliaire vai baratear os fretes. Logo após esta
decisão, ela vai ligar-se ao Sindicato Farquar, dirigido pelo norte-americano
Percival Farquar, cognominado o “dono do Brasil”, que foi incentivado a vir
Adelar Heinsfeld para o Brasil pelo então ministro da Viação e Obras Públicas, o catarinense
Lauro Severiano Muller. Assim, a empresa belga ficara associada à Brazil
Railway. No entanto, a melhoria esperada não aconteceu. Essa aliança acar-
284
DIAS, 1986, P. 154
retou um empo-
brecimento da an-
tiga Compagnie,
que via seus lu-
cros esvaírem-se
com o pagamento
aos acionistas
(KLIEMANN,
1977, p. 216).
Com a compra
de 70% das ações
da Auxiliaire,
Percival Farquar
passou a dominar
a maioria das es-
tradas de ferro
do Brasil. Estabe- Obra de arte ferroviária, em 1925, próxima à estação de Júlio de
Castilhos, no trecho da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.
leceu o controle
sobre quase todo
o sistema ferrovi-
ário dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, incluindo a
estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, a Compagnie Auxiliaires des Chemins
de Fer au Brésil e a Brazil Great Southern Railway. Dezessete grandes em-
presas estavam ligadas à Brazil Railway Company antes de 1914 (WOLFF,
2005, p. 86). Entre 1911 e 1918 conseguiu ligar a rede ferroviária gaúcha, atra-
vés de uma ponte e um sistema de balsas à estradas de ferro uruguaias e ar-
gentinas, cujo controle ele adquiriu através de outras companhias suas: a Ar-
gentina Railway Company e a Uruguai Railway Company (SINGER, 1977, p.
384). Assim, com a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, ele
conseguiu ligar o centro do Brasil aos países do Prata.
A construção da São Paulo-Rio Grande é um capítulo à parte na história Volume 3
das ferrovias no Rio Grande do Sul, pois colocava o estado em contato com o República Velha
Tomo I
restante do país através de via férrea. Um trecho dela, Santa Maria-Passo Fun-
do, fazia parte do projeto elaborado por Ewbank da Câmara em 1872, chama- IX.
do de “tronco norte”. Quando foi decidida a sua construção, nos estertores do As ferrovias:
na ordem
império, ela tinha vários objetivos: integrar o Sul ao centro do país, servir como positivista o
progresso corre
elemento de defesa tendo em vista a Argentina e ainda promover a coloniza- pelos trilhos
ção de várias partes do território da região Sul.
285
No final do século XIX, tanto o Brasil quanto a Argentina demonstravam
preocupação com o projeto hegemônico do país vizinho para o Cone Sul da
América. Essa preocupação aflorou por ocasião da Questão de Palmas (ou de
Misiones), em virtude de um suposto conflito armado pela posse do territó-
rio em litígio. Para o barão do Rio Branco, defensor dos direitos do Brasil con-
tra a Argentina, o “caráter pacífico” da nacionalidade não significaria manter
o Brasil em estado de fraqueza militar, pois muitas vezes conflitos interna-
cionais independem da vontade nacional. O país teria que, obrigatoriamente,
ser dotado de elementos necessários à defesa nacional.
A partir de 1881, a Argentina passou a reivindicar como seu o território
brasileiro localizado entre os rios Uruguai, Chapecó, Iguaçu e Chopim (em
1888 a reivindicação argentina substitui o rio Chopim pelo rio Jangada), tota-
lizando uma área de 30.621 quilômetros quadrados, nos atuais estados de San-
ta Catarina e do Paraná. A reivindicação argentina era baseada nos desenten-
dimentos ocorridos entre os comissários portugueses e espanhóis, por ocasião
da demarcação dos limites estabelecidos pelo tratado de Santo Ildefonso
(1777), entre as metrópoles Ibéricas. No entendimento da diplomacia argen-
tina, os rios que deveriam ser o marco fronteiriço entre os dois países seriam
o Chapecó e o Jangada, ao invés do Peperi-guaçu e Santo Antonio, defendi-
dos pelo Brasil como o marco divisor. Não sendo possível um entendimento
direto entre os dois países, a questão foi submetida ao arbitramento interna-
cional do governo norte-americano (HEINSFELD, 1996). O barão do Rio Branco,
então cônsul em Liverpool, foi designado para apresentar a defesa brasileira.
Nessa ocasião ele enfrentou o mais polêmico de seus adversários, o argenti-
no Estanislao Severo Zeballos, que se notabilizou por liderar parte da opinião
pública argentina contra o Brasil, durante três décadas (Idem, 2000).
A defesa apresentada por Rio Branco ao árbitro é um verdadeiro trata-
do de geopolítica. À luz da história e da geografia, calcado em mapas, conven-
ceu o árbitro, o presidente norte-americano Grover Cleveland, que o Brasil es-
tava com a razão.
A região que a Argentina reivindicava como sendo sua tinha uma enor-
História Geral do
Rio Grande do Sul
me importância geopolítica. O Brasil perdendo este território compromete-
ria a Segurança Nacional. Com a Argentina ganhando a questão, o Brasil te-
ria, a partir de então, uma “cunha” estrangeira encravada dentro de seu ter-
ritório. O estado do Rio Grande do Sul, e até Santa Catarina, ficariam prati-
Adelar Heinsfeld camente isolados do restante do Brasil. Esta questão assume uma importância
maior quando se leva em consideração a existência de algumas tendências se-
paratistas no Rio Grande do Sul, ainda mais que, enquanto o barão do Rio
286
DIAS, 1986, P. 160.

Depósito de locomotivas que trafegavam na E. F. São


Paulo-Rio Grande, em 1927, na cidade de Passo Fundo.

Branco preparava a defesa brasileira, estava ocorrendo a Revolução Federa-


lista no Sul do Brasil.
Pensando na defesa do território reivindicado pela Argentina, o governo
imperial brasileiro, em 9 de novembro de 1889, aprovou o decreto 10.432, que

Concede privilégios, garantia de juros e terras devolutas, mediante autorização


legislativa, para a construção, uso e gozo de uma estrada de ferro, que partindo
das margens do Itararé, na província de São Paulo, vá terminar em Santa Maria
da Bocca do Monte, na província do Rio Grande do Sul, com diversos ramaes
(ACTOS DO PODER EXECUTIVO, 1889, p. 683).

O direito e privilégio à construção da ferrovia, especificada no decreto


10.432, era concedido à companhia que o engenheiro João Teixeira Soares or-
ganizasse, conforme determinava a cláusula primeira do referido decreto. Volume 3
República Velha
Como forma de pagamento pela construção da ferrovia, o governo brasileiro Tomo I
garantia juros de 6% (seis por cento) durante 30 (trinta) anos para o capital que
fosse necessário para a construção, até o limite máximo de 37.000$000 (trinta IX.
e sete mil contos de Réis), além de ceder gratuitamente as terras devolutas As ferrovias:
na ordem
numa faixa de 30 quilômetros de cada lado da ferrovia. A empresa que cons- positivista o
progresso corre
truiu o trecho União da Vitória-Rio Uruguai, atravessando todo o território pelos trilhos
catarinense, de União da Vitória ao Rio Uruguai, foi a Brazil Railway 287
Company, organizada pelo norte-americano Percival Farquhar, que assumiu
o controle acionário da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.
O traçado da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, em Santa Cata-
rina, poderia ter seguido os velhos caminhos do gado no Planalto Catari-
nense, abertos no século XVIII, onde surgiram os pousos, que originaram ci-
dades como Curitibanos, Canoinhas e Mafra. Sobre o dorso do Planalto as con-
dições morfológicas do terreno facilitariam a construção. No entanto, a ferro-
via foi construída bem mais a oeste. Localizando-se ao longo do Vale do Rio do
Peixe, aproximava-se um pouco mais das incertas fronteiras do extremo oes-
te, onde os limites estavam sendo contestados pela Argentina. Essa preocupa-
ção estratégica pode ser percebida pela cláusula VI do decreto que determi-
nava sua construção, na qual está especificado que teriam de ser apresenta-
dos estudos do traçado de secção por secção, gradativamente, à medida que
se implantasse a ferrovia. Não tendo o traçado completo da obra antes da sua
execução, seria possível localizá-la mais para o oeste, caso fosse necessário, em
virtude da questão de limites com a Argentina.
O trecho da ferrovia que atravessa o território catarinense, com certeza
o trecho mais estratégico, teve seus estudos demarcatórios definitivos apro-
vados em 13 de fevereiro de 1895. Não é mera coincidência que tal aprovação
tenha ocorrido apenas sete dias depois do laudo arbitral do presidente norte-
americano, que dava ganho de causa ao Brasil na questão da fronteira com a
Argentina.
A construção da ferrovia acontecia de forma lenta. Em maio de 1907, a
companhia construtora solicitou prorrogamento de prazo para o término da
construção. Diante disso, o governo federal fixou “o prazo improrrogável de
três anos para a conclusão dos trabalhos da linha de União da Victória ao Rio
Uruguai”, cujo contrato foi assinado em 7 de dezembro de 1907 (HEINSFELD,
1996, p. 107).
Havia pressa em concluir a construção da ferrovia. Na história da rivali-
dade brasileiro-argentina, começava um período considerado um dos mais
tensos. Chegou-se a temer um conflito armado entre os dois países. O ano de
História Geral do
Rio Grande do Sul 1908 foi particularmente difícil para o relacionamento Brasil e Argentina, pau-
tado por desconfianças mútuas, criando um clima de tensão que, alguns teme-
ram, pudesse conduzir os dois países a um enfrentamento bélico. Ambos os
países tinham interesse em assumir uma posição hegemônica na América do
Adelar Heinsfeld Sul. Diante disto e constatando que permanecia frágil o sistema de transpor-
te para a fronteira sul do país, o governo federal concluiu que somente o tér-
mino da construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande ofereceria uma
288
possibilidade de defesa rápida se o conflito eclodisse. Por isso, da capital da Re-
pública se expediu “ordem expressa de que os trabalhos fossem acelerados,
tanto nos quase 100 quilômetros faltantes entre Herval e o Rio Uruguai, como
no trecho de Rio Uruguai a Passo Fundo, com os quais se completaria a liga-
ção” (THOMÉ, 1983, p. 103).
A primeira viagem de trem em todo o trajeto catarinense, de União da
Vitória até o Rio Uruguai (Marcelino Ramos), aconteceu em 17 de dezembro
de 1910, no mesmo dia que expirava o prazo para a construção, determinado
pelo governo em 1907. Com isso, o Rio Grande do Sul estava ligado ao restante
do país por via ferroviária, até por que em 25 de outubro de 1910, havia che-
gado o primeiro trem às margens do rio Uruguai, seguindo o trecho gaúcho.
Para construir o trecho gaúcho da São Paulo-Rio Grande vai se organi-
zar a empresa Compagnie de Chemins de fer Sud-Ouest Brésilien, de capi-
tal belga, que adquiriu os direitos de Teixeira Soares
O trecho Santa Maria-Cruz Alta, numa extensão de 160 km, foi construído
pela Compagnie de Chemins de fer Sud-Ouest Brésilien, sendo concluído em
1894. Logo após sua constituição, essa empresa transferiu os direitos de cons-
trução de Cruz Alta em diante à Companhia União Industrial dos Estados do
Brasil, cujo diretor era o engenheiro Teixeira Soares. Em 1893, os direitos fo-
ram transferidos à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, que
no ano seguinte repassou-os à Sud-Ouest novamente, a qual responsabilizou-
se pelo trecho compreendido entre Cruz Alta e Marcelino Ramos. Segundo
José Roberto de Souza Dias (1986, p. 150), essas transações todas só “con-
firma[m] a hipótese de que as aquisições de concessões eram excelente negó-
cio.” O percurso até Carazinho foi inaugurado em 1897 e no ano seguinte a fer-
rovia chegou a Passo Fundo. No mesmo ano, foram suspensos por tempo inde-
terminado os trabalhos de construção do trecho Passo Fundo-Marcelino Ra-
mos.
A construção da ferrovia até Passo Fundo deu um novo impulso à região,
que anteriormente estava praticamente isolada do restante do estado. No en-
Volume 3
tanto, a ferrovia mostrou ser deficitária. Inúmeros acidentes e reparos cons- República Velha
Tomo I
tantes no leito da ferrovia aumentavam os prejuízos. No período 1894 a 1902,
as despesas sempre acompanharam e superaram as receitas. Na verdade,
IX.
este era um artifício “para não permitir o aparecimento de saldos e assegurar As ferrovias:
na ordem
o pagamento integral dos juros. A companhia manipulou habilmente tal expe- positivista o
diente, pois as garantias dadas ao capital eram suficientes para a remunera- progresso corre
pelos trilhos
ção de seus acionistas” (Ibidem, p. 156).
289
Em março de 1903, a ferrovia passou a ser administrada pelo poder pú-
blico, o que aconteceu num clima de animosidade, pois os antigos arrendatá-
rios dificultaram ao máximo a entrega de um patrimônio que não era seu.
Material rodante, linha e dependências foram entregues ao governo do esta-
do em péssimo estado de conservação.
Com acirramento da rivalidade com a Argentina, em que os dois países
se empenhavam numa corrida armamentista, já que um conflito armado era
considerado provável (HEINSFELD, 2000, p. 184-300), o governo autorizou a
construção da linha entre Passo Fundo e Marcelino Ramos. Assim, em outu-
bro de 1907, este trecho foi incorporado à Compagnie Auxiliaire des Chemins
de Fer au Brésil.
Em 25 de outubro de 1910, a linha era inaugurada e o primeiro trem che-
gava ao Rio Uruguai, na estação de Marcelino Ramos. No entanto, os trens
só puderam atravessar o Rio Uruguai em junho de 1913, quando ficou pron-
ta a ponte de ferro que ligou a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, nos tre-
chos gaúcho e catarinense. Antes da ponte definitiva, havia uma de madeira,
mas que foi levada embora com as águas da enchente do Uruguai em novem-
bro de 1911.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Adelar Heinsfeld

290
Com o término da construção, completou-se a ligação entre Porto Alegre
e São Paulo. Partindo da capital gaúcha, os passageiros faziam baldeação em
Santa Maria, Marcelino Ramos, Porto União e Itararé. Para percorrer o tra-
jeto que girava em torno de 2 mil km, necessitava-se setenta horas, o que para
a época constituía-se num avanço. No Rio Grande do Sul, os trens eram da
Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil; em Santa Catarina e no
Paraná eram da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande; no per-
curso paulista eram da Sorocabana. Entretanto, todas pertenciam a Percival
Farquar.
Com a chegada dos trilhos no Rio Uruguai, completava-se a rede ferro-
viária do Rio Grande do Sul, ao menos nos seus grandes troncos. Por sua vez,
as preocupações do governo federal com a segurança da região Sul dimi-
nuíam, pois a São Paulo-Rio Grande era uma ferrovia essencialmente estra-
tégica e que funcionava como um elemento de defesa. Por outro lado, a colo-
nização do norte do território gaúcho teve um enorme incremento com o tér-
mino da ferrovia. Ao redor de cada uma das estações, vilas e cidades surgiram.
Colonos chegavam e começavam a organizar a sua vida. Havia a perspectiva
de que a sua produção seria escoada pelo trem. A indústria madeireira tam-

COSTA, 1922.
Volume 3
República Velha
Tomo I

IX.
As ferrovias:
na ordem
positivista o
progresso corre
pelos trilhos

291
Ferrovia Porto Alegre-Uruguaiana. Ponte metálica
sobre o rio Santa Maria. Cacequi. 1922.
bém teve seu desenvolvimento ligado à ferrovia. Assim, em ordem muitas re-
giões estavam sendo alcançadas pelo progresso.
Um exemplo bem típico da influência da ferrovia no crescimento econômi-
co aconteceu com Ijuí, que foi alcançado em 1911 por um ramal da estrada de
ferro São Paulo-Rio Grande saindo de Cruz Alta. O valor das terras dobrou no
ano seguinte à inauguração da ferrovia; em relação à 1904, a produção de 1912
aumentou 270%, a exportação 370% e a importação 400% (ROCHE, 1969, p. 63).
Preocupado em buscar o almejado progresso, em 1913 o governo gaúcho
elaborou o Plano Geral de Viação que projetava até 1960 um sistema viário que
articulava o transporte rodoviário, fluvial e ferroviário, estabelecendo elos entre
os vários setores econômicos, a cidade e o interior, a imigração e a colonização,
inclusive prevendo linhas eletrificadas. Nesse plano estava prevista a constru-
ção de uma ferrovia paralela ao rio Uruguai, que cruzaria com a estrada de fer-
ro São Paulo-Rio Grande no norte do estado e rumaria para o Oeste, no que
configuraria na linha Uruguaiana-Torres, numa extensão de 1.100 km
(WOLFF, 2005, p. 95).
Ao mesmo tempo, segundo Sandra Pesavento (1979, p. 214), a delegação
rio-grandense no Congresso Nacional começou uma campanha junto ao gover-
no federal para promover a encampação, pelo Rio Grande do Sul, dos servi-
ços ferroviários que eram explorados por companhia estrangeira.
A Primeira Guerra Mundial, iniciada no ano seguinte, provocou uma de-
manda de produtos agrícolas e um significativo impulso na industrialização
brasileira. Com isso, a existência de um meio de transporte rápido e barato
tornou-se imprescindível. No entanto, a dificuldade em importar material de
reposição e de aumentar a entrada de capital estrangeiro sufocou ainda mais
a Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, exatamente no mo-
mento em que o Rio Grande do Sul mais necessitava ampliar o transporte fer-
roviário.
Com a Auxiliaire não podendo manter-se atualizada, o número de aci-
dentes elevou-se devido à falta de condições adequadas, bem como à imperí-
cia dos condutores mal remunerados, que exerciam uma jornada de trabalho
História Geral do
Rio Grande do Sul
acima das condições normais. Os trens apresentavam atrasos em seus itine-
rários; faltavam vagões para o transporte das mercadorias, entre outras coi-
sas, que faziam aumentar as reclamações e as queixas dos usuários cada vez
mais.
Adelar Heinsfeld A partir de 1917, a crise no setor ferroviário só aumentou, promovendo
uma crise geral no estado, principalmente devido ao início das greves ferro-
viárias, bem como as dos trabalhadores em geral. Isso fez com que o governo
292
COSTA, 1922.
Estação de Montenegro. 1922.

do estado, liderado por Borges de Medeiros, não pudesse mais ficar alheio ao
problema. Nos movimentos grevistas, sua posição foi firme em busca de uma
solução. Com uma política conciliatória, evitava um movimento revolucionário
(KLIEMANN, 1977, p. 217). Para dar conta disso, a Polícia, as Intendências e a
Brigada Militar foram inúmeras vezes convidadas. É necessário lembrar que
a doutrina positivista que dava sustentação ao governo gaúcho tinha dentre
suas diretrizes a defesa do proletariado, tanto da viação férrea em particular,
como dos trabalhadores em geral.
Nelson Boeira aponta para o fato de que para os republicanos positivistas
rio-grandeses a imagem do operariado, inicialmente, era a de um cidadão
cheio de virtudes, a quem não se permite o total desenvolvimento de suas ca-
pacidades. A partir de 1910, quando aumentou a força numérica e a capacidade
de organização dos operários, o PRR passa a ver uma ameaça em certos se-
tores do operariado, os quais, quando não orientados, poderiam se converter
“numa massa dogmática, intolerante e irresponsável.” Por isso a necessidade Volume 3
de “incorporação” do operariado, que aparece nas manobras políticas do PRR República Velha
Tomo I
(BOEIRA, 1980, p. 36-37).
Na opinião de Sandra Pesavento, a visão positivista adotada pelo “esta- IX.
do providencial” do Rio Grande do Sul era embasada numa visão harmônica As ferrovias:
na ordem
da sociedade, onde a burguesia aparecia como empreendedora e o operaria- positivista o
progresso corre
do como o trabalhador direto, em que as atividades de ambos são conjugadas pelos trilhos
dentro de um processo produtivo. A relação entre burguesia e operariado é
293
estabelecida pelo salário, que nada mais é do que a “remuneração justa dada
pela sociedade ao trabalho executado” (PESAVENTO, 1979, p. 226). Diante disso,
cabia ao Estado prover o bem-estar do operariado, para que não se convertesse
em um elemento perturbador da ordem, e viesse atrapalhar o progresso.
Em 1917, os ferroviários, no contexto do movimento grevista geral, en-
tram em greve. Antes disso, outras greves aconteceram. Em agosto de 1913,
os operários das oficinas da Viação Férrea de Rio Grande pararam suas ativi-
dades em protesto pela suspensão, por medidas de economia, do trabalho aos
sábados. Em 1914, foi a vez dos trabalhadores da Viação Férrea de Alegrete
paralisar os trabalhos por falta de pagamento.
Quando da greve geral dos trabalhadores em 1917, Borges de Medeiros,
em mensagem à Assembléia de Representantes, deixa claro, que

à luz dos ensinamentos de A. Comte, cumpre afinal promover definitivamente


a incorporação do proletariado na sociedade moderna [e que o salário deve ser
compreendido como a] equivalência da subsistência e não como recompensa
do trabalho humano, que não comporta nem exige nenhum pagamento propria-
mente dito, mas o reconhecimento devido (apud PESAVENTO, 1979, p. 227).

O governo de Borges de Medeiros reconhecia a legitimidade do movi-


mento grevista e ao tomar medidas para resolvê-lo, o fazia dentro da moral
positivista (PINTO, 1986, p. 66). Inúmeros artigos publicados por A Federação,
porta-voz do PRR, explicitavam a postura positivista em relação ao movimen-
to grevista. “A greve, a suspensão temporária do trabalho, é sempre um re-
curso legítimo de reivindicações quando tem um fim justo, razoável e propor-
cionado às condições gerais do meio e do momento”, dizia um artigo publica-
do no segundo dia de greve que paralisou as estradas de ferro do Rio Gran-
de do Sul (02/08/1917). Segundo Celi Regina Pinto (1986, p. 66), é interessan-
te observar que ao utilizar o conceito de legitimidade do movimento grevista,
ao contrário do esperado, não foi utilizado para se contrapor ao movimento,
mas para reconhecê-lo como justo. Na continuação do artigo d’A Federação,
História Geral do
Rio Grande do Sul há o destaque que a greve ferroviária era ordeira: “não há ameaça à ordem
pública e a greve não é aqui um instrumento de revolta e destruição.” Salien-
tava, no entanto, que o atendimento às reivindicações dos grevistas teriam que
ser negociadas dentro de um contexto mais amplo: “As reivindicações são le-
Adelar Heinsfeld gítimas, mas algumas delas requerem madura e demorada análise a fim de
terem resolução exata dentro do possível.” Na avaliação de Celi Regina Pin-
to (ibidem, p. 68), já na greve ocorrida em 1906, o PRR apresentou-se como
294
“o protetor da ordem e de um acordo justo entre as partes durante as greves
na capital do estado naquele ano”. A diferença, no entanto, está que em 1917
o partido teve uma atuação muito mais concreta, para resolver o problema e
atender às reivindicações dos grevistas.
Ao eclodir a greve geral de 1917, os operários da Viação Férrea do Rio
Grande do Sul encaminhavam documento ao inspetor geral da companhia, W.
N. Cartwright, no qual expunham suas reivindicações: aumento salarial, jor-
nada de 8 horas e semana inglesa. Como não foram atendidos, em 31 de ju-
lho, iniciou-se a greve em Santa Maria, que era o centro ferroviário mais im-
portante do estado. A greve logo estendeu-se a outras localidades que eram
servidas pela Viação Férrea: Bagé, Livramento, Carazinho, Porto Alegre,
Cruz Alta, Passo Fundo, Caxias do Sul, Rio Grande, Pelotas, São Leopoldo,
São Sebastião do Caí, Montenegro, Júlio de Castilhos, Dom Pedrito e Grava-
taí (PETERSEN, 1979, p. 309).
A greve se generalizou, atingindo outras categorias de trabalhadores. Por-
to Alegre, principalmente, acabou ficando paralisada, pois a greve dos ferro-
viários dificultava o abastecimento e o deslocamento de passageiros. Essa gre-
ve terminou dia 20 de agosto, sem resultados definidos. Em 16 de outubro, os
trabalhadores da Viação Férrea declaram-se novamente em greve, em virtu-
de de suas reivindicações da greve anterior não ter sido atendidas. Dessa vez,
além das reivindicações anteriores, somavam-se o pedido de demissão do di-
retor, W. N. Cartwright, o fim no atraso nos pagamentos, o retorno dos escri-
tórios da Companhia para Santa Maria, bem como o retorno dos operários
deslocados compulsoriamente para Rio Grande e Gravataí. No boletim distri-
buído à população, os grevistas lembravam que a greve era “um direito consti-
tucional em todos os países onde há liberdade e lei”. Assumiam também uma
atitude nacionalista, ao afirmar que “não viemos prejudicar no nosso querido
Rio Grande do Sul, mas sim libertá-lo da garra do estrangeiro que não respeita
um povo, seu comércio, sua indústria, suas leis nem seu governo”. Ao atacar
a administração de Cartwright, salientavam que “somos rio-grandenses e bra-
sileiros, povo livre e nobre e não escravo de estrangeiros sem escrúpulos” Volume 3
(Ibidem, p. 312). República Velha
Tomo I
Por isso, os grevistas concitavam à população a apoiar a luta contra uma
companhia estrangeira. Cartwright tentava demonstrar os desatinos dos gre- IX.
vistas, que haviam depredado 25 das 100 locomotivas da Auxiliaire, além de As ferrovias:
na ordem
ocupar à mão armada as estações de Montenegro, Cacequi e Passo Fundo e, positivista o
progresso corre
praticamente, tomado o poder em Santa Maria, impedindo a entrada de qual- pelos trilhos
quer representante da companhia na cidade (WOLFF, 2005, p. 101).
295
Durante o movimento paredista, o Brasil declarou guerra à Alemanha;
diante disso, o governo federal ocupou militarmente as ferrovias, dificultan-
do a solução do problema e o atendimento das reivindicações. Silvia Petersen
(1979, p. 314-315) apresenta um boletim que a FORGS (Federação Operária
Rio-Grandense), apoiadora do movimento, distribuiu em 27 de outubro, em
que associa a declaração de guerra com a greve ferroviária. Afirmava que o
Brasil, ao entrar em luta na Europa

quer afogar-vos no sangue de vossos irmãos d’além mar, e de forma alguma


deveis consentir nesse monstruoso crime, deveis fugir da caserna escola do
assassinato e banditismo. [No mesmo documento, fazia um apelo:] “defendei
vossos direitos e não a pátria que vos asfixia, que manda espingardear-vos por
pedir aquilo que vos roubam.

Com a intervenção do governo de Borges de Medeiros, saiu a base do


acordo entre a Viação Férrea e os grevistas e a greve foi suspensa em 3 de
novembro. O acordo foi negociado tendo por base os seguintes pontos
(Ibidem, p. 315):
a) aumento de salário proporcional ao mesmo, entre 10 e 15%;
b) assistência médica e garantia de salário integral em casos de aciden-
tes de trabalho;
c) reorganização da caixa de socorro
e da cooperativa, com finalidade
de regularizar esses serviços; Locomotiva e vagões na estação da Tristeza.
d) jornada de oito horas e meia nos Porto Alegre. 1922.

escritórios;
e) revisão das escalas dos emprega-
dos que trabalhavam nos trens;
f) pagamento das horas extras;
g) a volta da sede dos escritórios da
História Geral do
Rio Grande do Sul empresa a Santa Maria;
h) o operário despedido teria passa-
gem de regresso para si e para
sua família.
Adelar Heinsfeld
Em relação ao diretor Cartwright, o
problema ficou resolvido com o seu pedi-
296 do de demissão.
Durante a greve, a Auxiliaire tentou jogar setores econômicos e o opera-
riado contra o governo, alegando que a única forma de melhoras as condições
de transportes de pessoas e mercadorias, bem como de melhorias das condi-
ções de trabalho e de salário dos operários, seria a elevação tarifária.
O representante da Brazil Railway, Geraldo Rocha, em memorial ao pre-
sidente do estado, e que foi publicado pelo Correio do Povo (04/11/1917), ao ana-
lisar a situação da Auxiliaire, constatou que a situação da empresa só pode-
ria ser resolvida, como aumento de receita, e que uma companhia férrea só
pode melhorar a receita com o aumento do tráfego e com o aumento de tari-
fas. Alegava ainda, que no caso específico da empresa que atuava no Rio Gran-
de do Sul, o aumento do tráfego produziu efeitos contrários. Assim, só resta-
va uma solução: o aumento tarifário. Para a cúpula da Auxiliaire todos os pro-
blemas se resolveriam com o aumento no valor das tarifas. Diante disso, o go-
verno de Borges de Medeiros articulou um plano junto à Associação Comer-
cial de Porto Alegre, concedendo o aumento, depois de uma consulta prévia
aos comerciantes de outras praças, para ver quais produtos poderiam ter ta-
rifas de transporte aumentadas. Ficou decidido que madeiras, gado em pé, fa-
zendas e ferragens poderiam comportar aumento de tarifas (KLIEMANN, 1977,
p. 220-221). Eram produtos destinados à exportação, que o aumento nos fre-
tes não traria prejuízos à economia gaúcha. Há que considerar que as eleições
para a presidência do estado se aproximavam e Borges de Medeiros, mais
uma vez, era candidato. Por isso, com todas estas manobras, ele procurava ga-

COSTA, 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

IX.
As ferrovias:
na ordem
positivista o
progresso corre
pelos trilhos

297
nhar terreno. Em troca dos aumentos nas tarifas de frete, a Viação prometeu
aumento para os seus funcionários, a partir de 1º de dezembro de 1917. As-
sim, o governo de Borges de Medeiros pôde capitalizar para seu projeto de re-
eleição a satisfação dos empresários e dos trabalhadores da via férrea. Por ou-
tro lado, a Auxiliaire ficou numa situação delicada, pois as justificativas para
um serviço deficitário não tinham mais razão de ser. Em síntese, o governo
do Rio Grande do Sul passava a ter mais um trunfo para a encampação da rede
ferroviária pelo estado.
Enquanto isso, o governo do estado procurava concentrar esforços para
construir ramais ferroviários que fossem independentes da Auxiliaire: foram
projetadas as linhas Palmares-Conceição do Arroio e Alfredo Chaves-Carlos
Barbosa. O material necessário para estas construções foi adquirido das com-
panhias ferroviárias que, devido ao arrendamento de 1905, tinham deixado
de lado estes materiais por não necessitá-los mais.
As modificações ocorridas na economia rio-grandense, com as charquea-
das sendo substituídas pela indústria da carne e derivados, com o aumento
significativo da produção vinícola, fez com que os esforços empregados pelo
governo do estado, no que tange à construção de novas ferrovias, não fossem
suficientes para atender à demanda de transportes.
O governo federal não poderia socorrer o governo gaúcho por algumas
razões: não queria correr riscos devido à ingerência nos assuntos internos do
estado, definidos pela Constituição e, até porque, em função da primeira guer-
ra mundial, havia a necessidade de reestruturar o país economicamente. Além
disso, havia o problema da sucessão presidencial, motivada pela morte do pre-
sidente eleito, Rodrigues Alves. Diante desse quadro, o estado deveria resol-
ver seus problemas sem criar embaraços para a administração federal. Para
Borges de Medeiros foi uma ótima oportunidade de reafirmar seu poder, jun-
tamente com o Partido Republicano Rio-Grandense. Assim, o problema fer-
roviário seria tratado exclusivamente em nível estadual.
Os serviços prestados pela Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au
Brésil continuavam deficientes. As inúmeras reclamações, principalmente da
História Geral do
Rio Grande do Sul Associação Comercial de Porto Alegre, com a falta de vagões, atrasos enormes,
cargas não chegando ao seu destino, na visão da empresa, só poderiam ser re-
solvidos com novos aumentos nas tarifas de fretes. Tomando por base os rela-
tórios da empresa, a Secretaria Estadual de Obras Públicas autorizou um au-
Adelar Heinsfeld mento tarifário em agosto de 1919. No início daquele ano, a Auxiliaire desli-
gou-se da Brazil Railway; assim, os maus serviços prestados, objetos de inú-
meras reclamações, não mais poderiam ser atribuídos ao Sindicato Farquar.
298
Para se ter uma idéia de como a população via a presença da empresa bel-
ga controlando a Viação Férrea do Rio Grande do Sul, a sigla VFRGS, grava-
da nos vagões, foi interpretada de uma forma irônica como “Viemos da Fran-
ça Roubar Grande Soma”. O fato de os belgas falarem o francês, era, na visão
popular, como se tivessem vindo da França (WOLFF, 2005, p. 103).
As deficiências no serviço ferroviário apareciam em todas as regiões. O
Correio do Povo (03/10/1919) informava que em Carazinho os agricultores não
iniciariam as plantações, uma vez que na colheita os produtos ficam estragando
à espera de vagões. Os madeireiros também enfrentavam o mesmo problema,
pois havia na estação de Carazinho um estoque de madeira que eram neces-
sários 1600 vagões para efetuar seu transporte e que a Viação Férrea havia for-
necido durante todo o ano de 1919 apenas 12% dos vagões necessários.
Para tentar solucionar parte da crise, a Auxiliaire passou a pedir empres-
tados vagões de companhias particulares que começavam a atuar no estado.
Algumas empresas, como João Correa e Filhos, os Frigoríficos Armour e
Swift, para não ficar dependendo da Viação Férrea do Rio Grande de Sul,
haviam adquirido seus próprios vagões, para efetuar o transporte de suas
mercadorias. Aliás, essas aquisições tinham sido sugeridas pelo próprio gover-
no, numa tentativa de impedir a paralisação da vida econômica do estado.
Ao final de 1919, a Associação Comercial de Porto Alegre, depois de ter
esgotado todos os meios junto à Auxiliaire, chegou ao seu limite. Através de
correspondência de 8 de dezembro a Borges de Medeiros, passou a exigir do
governo do estado uma solução definitiva para o problema. Existia na capital,
em dezembro daquele ano, 115.600 notas de expedição de mercadorias que es-
peravam transporte. Na avaliação da Associação Comercial, a Auxiliaire le-
varia em torno de sete meses para transportar aquela carga que estava pron-
ta. Com isso,

o atraso das cargas representa um valor imobilizado de milhares de contos e,


o que é mais, o incalculável sacrifício de carestia a que ficam sujeitas as popu-
lações da Fronteira e Serra. [Além disso, eram cada vez] mais fáceis as promes-
Volume 3
sas da empresa, mais freqüente os seus atos de menos caso pelas necessida- República Velha
des dessa praça (apud KLIEMANN, 1977, p. 225). Tomo I

IX.
As classes produtoras manifestavam seu descontentamento por verem As ferrovias:
na ordem
suas colheitas perdidas. O desânimo tomava conta quando a Auxiliaire infor- positivista o
progresso corre
mou que começava a faltar combustível para os poucos trens que ainda circu- pelos trilhos
lavam pelo estado. Com isso, a empresa ferroviária ameaçava paralisar o Rio
299
COSTA, 1922.
Entroncamento da estação ferroviária de
Santa Maria. 1922.

Grande do Sul. Os arrozeiros gaúchos estavam deixando de exportar seu pro-


duto para os mercados platinos. Assim, São Paulo, através de via marítima,
começou a fornecer o produto, substituindo os fornecedores rio-grandenses.
Em 1920 foi a vez da produção vinícola ser prejudicada pelos transportes defi-
cientes.
A situação calamitosa dos transportes ferroviários gaúchos provocando
uma crise econômica no estado, acabou também prejudicando as relações com
o mercado nacional, que abandona as transações com o Rio Grande do Sul. A
ligação ferroviária com o restante do país se dava pela Viação Férrea São
Paulo-Rio Grande, através do chamado “tráfego mútuo”, que acabou sendo
abolido. Como os trens da Auxiliaire chegavam a Marcelino Ramos muito atra-
sados, os trens da São Paulo-Rio Grande sempre eram obrigados a partir da-
quela estação gaúcha com certo atraso, “chegando na estação de Itararé com
muita demora e sem tempo de alcançar o trem da Sorocabana que dali par-
te” (Correio do Povo, 07/02/1920). Em virtude destes atrasos constantes, a Es-
trada de Ferro Sorocabana desfez o tráfego com a São Paulo-Rio Grande,
desvinculando, assim, o Rio Grande do Sul do centro econômico da nação.
História Geral do
Rio Grande do Sul Diante dessa situação, a companhia belga, pressionada, apresentou uma
solução para a resolução da crise: o aumento das tarifas da rede ferroviária.
Para a cúpula da empresa, o aumento tarifário permitiria aumentar o mate-
rial rodante, bem como fazer uma manutenção eficiente de toda a estrutura
Adelar Heinsfeld da rede ferroviária. No entanto, dessa vez, nem governo do estado, nem as clas-
ses produtoras e comerciantes estavam dispostos a continuar acreditando nas
promessas da Auxiliaire. A atitude firme dos maiores usuários dos serviços de
300
transportes impediu o aumento tarifário e minou a resistência da empresa.
Assim, em 18 de junho de 1920, a Compagnie Auxiliaire des Chemins de fer
au Brésil entregou ao governo federal a rede ferroviária gaúcha, mediante o
pagamento de duzentos milhões de francos belgas, e no termo de acordo de
transferência ao governo do estado do Rio Grande do Sul em 12 de julho de
1920 (KLIEMANN, 1977, p. 227).
A encampação da rede ferroviária pelo governo do Rio Grande do Sul sig-
nificou que o princípio positivista que “compete ao Estado exercer uma ação
reguladora sobre tudo o que se relaciona com o interesse da coletividade” es-
tava sendo colocado em prática. Os ideais de “Ordem para o Progresso” esta-
vam sendo perseguidos pelo governo de Borges de Medeiros.
Com o estado assumindo a rede ferroviária, poderia parecer que os pro-
blemas relativos aos transportes estariam resolvidos. Mas não foi assim. O
Correio do Povo, em edição de 16 de dezembro de 21, publica documento em
que representante do setor pecuarista reclama a ausência de transporte rá-
pido e barato, pois os fretes encareciam demasiadamente os produtos. Por isso
solicita “a redução imediata das tarifas da Viação Férrea, sobretudo para os
produtos da pecuária, como único remédio eficaz para essa calamidade.” Os
altos preços das tarifas não eram o único problema. Faltam vias férreas em vá-
rias regiões do estado. Por isso é que o jornal O Nacional (29/08/1928), de Passo
Fundo, vai noticiar “com grande satisfação” a assinatura de contrato para a
construção da estrada de ferro Santa Cruz-Cruz Alta, entre o governo do es-
tado e uma Companhia Nacional, com capitais gaúcho e paulista. O aumento
da malha ferroviária era mais do que necessário, em virtude da “aceleração
vital da indústria e lavoura rio-grandense”, para facilitar e dar escoamento rá-
pido à “produção que ora se intensifica de maneira visível” em todo o estado
do Rio Grande do Sul.
No ano seguinte, O Nacional (28/05/1929) volta a se preocupar com o pro-
blema ferroviário, ao fazer uma análise da grave crise econômica que assola-
va o estado naquele momento, e apelava para que o governo estadual não me-
disse esforços no sentido de assumir atitudes que favorecessem o comércio e Volume 3
a indústria, “sob pena de sofrerem um considerável retardamento em sua evo- República Velha
Tomo I
lução, com reflexo direto na vida do povo”. Apontava para o necessário inves-
timento no setor de transportes, para que o progresso material e econômico IX.
não sofressem com As ferrovias:
na ordem
positivista o
progresso corre
o terrível mal da falta de vias de comunicações, boas e rápidas. [Lembrava o pelos trilhos
noticioso passo-fundense que] não é somente do aumento do número de vagões 301
de carga, que devem cuidar os responsáveis pelos destinos deste estado, mas
especialmente, da construção de novas estradas de ferro, custem elas quanto
custarem, onerem elas com sua execução, a quem onerar.

Após a encampação pelo estado, a Viação Férrea incorporou e construiu


quase 700 Km de ferrovias e durante 39 anos ficou de posse do governo esta-
dual, construindo mais de 1.400 km, além de reformar estações e fazer repa-
ros e adaptações no material rodante.
Sob a administração do estado, houve a preocupação em aumentar o nú-
mero de locomotivas, que de 178 passou para 300, bem como também aumen-
tou o número de vagões disponíveis, que passou de 2.192 para 3.400 (WENTZ,
2004. p. 44). No entanto, esse aumento era insuficiente, tendo em vista as inú-
meras reclamações, principalmente de madeireiros, que viam suas madeiras
amontoadas ao redor das estações, esperando um tempo interminável para
poder carregá-las.
De qualquer forma, mesmo apresentando um serviço deficiente, muitas
vezes, as ferrovias cumpriram o seu papel no Rio Grande do Sul e que, no caso,
era uma tripla função:

História Geral do
Rio Grande do Sul

Adelar Heinsfeld

302
COSTA, 1922.
a) estratégicas, servindo como elementos de defesa, tendo em vista a pro-
ximidade do inimigo;
b) econômicas, escoando a produção agropecuária e industrial e trazen-
do produtos que o mercado regional necessitava;
c) colonizatórias, propiciando que vastas regiões, principalmente no Nor-
te no estado, fossem ocupadas e inseridas no contexto da produção nacional.
E depois do final da República Velha? Em 1954, a VFRGS foi transforma-
da em uma autarquia. Em 57 criou-se a Rede Ferroviária Federal Sociedade
Anônima e, após negociações e diversos acordos, em fevereiro de 61, os 3.657
km da rede ferroviária gaúcha foram incorporados à RFFSA. Mas isso já é uma
outra história.

Ponte metálica. Rio Taquari. Santo Amaro.


Linha Porto Alegre – Uruguaiana. 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

IX.
As ferrovias:
na ordem
positivista o
progresso corre
pelos trilhos

303
COSTA, 1922.
História Geral do
Rio Grande do Sul

Adelar Heinsfeld

304
Capítulo X

COMÉRCIO E CONTRABANDO NA
ARTICULAÇÃO ECONÔMICA DO ESPAÇO
FRONTEIRIÇO PLATINO

Susana Bleil de Souza

No âmbito do espaço platino, as regiões de fronteira caracterizavam-se


pela forte presença de vínculos culturais, sociais e econômicos que transcen-
diam os limites políticos estabelecidos entre os países vizinhos. Durante a Re-
pública Velha, a fronteira uruguaio-rio-grandense articulava-se de forma com-
plementar, e o trânsito de homens, bens e mercadorias variava de acordo com
a conjuntura vigente. Neste capítulo, pretende-se desvendar os mecanismos
de funcionamento do comércio importador da Fronteira, sobretudo da fron-
teira Brasil/Uruguai, e do seu corolário, o contrabando, uma vez que esses
movimentos de troca permitem o estudo de uma articulação regional que foi
dominante até a década de 30, quando a Fronteira rio-grandense passou a se
Volume 3
integrar, progressivamente, ao espaço econômico e político brasileiro no qua- República Velha
dro da expansão capitalista da América Meridional. Tomo I

Para uma melhor compreensão de como se articulavam as trocas trans-


fronteiriças nessa área, é preciso identificar os mecanismos desse comércio, X.
Comércio e
tanto legais quanto ilegais, através da fronteira. Até o final do século XIX, três contrabando na
articulação
eram os pontos de trânsito pela fronteira uruguaio-rio-grandense: Santa Rosa econômica...
Del Cuareim (atual Bella Unión), San Eugenio (hoje Artigas) e Rivera. O eixo
305
Sant’Ana-Rivera era o mais importante ponto da fronteira terrestre1. Para
uma melhor compreensão da importância desse eixo, é indispensável resumir
as principais características do comércio realizado pela fronteira e em cone-
xão com a capital uruguaia. Os negociantes das praças fronteiriças, em geral,
efetuavam suas compras em Montevidéu. Lá, eles tinham suas relações e seu
crédito aberto. As mercadorias compradas lá ofereciam vantagens de preços
e acondicionamento muito maiores do que aquelas adquiridas nas praças do
Rio Grande e Porto Alegre. Os fretes e seguros marítimos de qualquer parte
do mundo para Montevidéu custavam menos da metade dos fretes e seguros
dos mesmos portos de procedência para o Rio Grande e Porto Alegre. Deve-
se agregar, ainda, os prejuízos que no Litoral rio-grandense resultavam das
baldeações, mutilações de volantes, extravios e avarias, que representavam
capitais imobilizados. Ou ainda faturas de compras, cujo vencimento do pra-
zo estava correndo e cujas mercadorias não tinham ainda entrado na casa do
comerciante. Pode-se, a partir daí, entender por que era natural que as pra-
ças da fronteira procurassem o mercado de Montevidéu em vez do Litoral rio-
grandense2.
A categoria de mercadorias que não pagava direitos de importação em
Montevidéu era aquela denominada “de removido”. Eram essas as que atra-
íam os contrabandistas. O governo oriental não permitia o livre trânsito das
mercadorias chamadas “de removido” em todo o território nacional. Pela via
fluvial, seguia-se o rio Uruguai acima até a foz do Quaraí e, pela via terrestre,
Rivera era o ponto terminal da ferrovia Central del Uruguay. O movimento
das mercadorias em trânsito e, portanto, o giro comercial legal e ilegal, fazia-
se pela alfândega de Montevidéu, principalmente para Sant’Ana do Livramen-
to, sobretudo após a inauguração, em 1892, do último tronco do Ferrocarril
Central, que chegava até Rivera. Com a recente abertura dessa linha, a capi-
tal do Uruguai ficara unida à fronteira norte por três pontos: Santa Rosa, San
Eugenio e Rivera, que distavam poucas horas do porto de Montevidéu possi-
bilitando aos três departamentos de Artigas, Salto e Rivera uma rápida cone-
xão com o território rio-grandense, com o qual haviam sempre mantido um
ativíssimo comércio terrestre que chegara, em 1890, a mais de um milhão, cen-
História Geral do
Rio Grande do Sul
to e vinte mil pesos3.
Através do expediente do comércio de trânsito, na realidade, os comer-
ciantes introduziram ilegalmente mercadorias no Brasil, pois o Uruguai fis-
Susana Bleil 1 “Três quartas partes do território do Estado fazem escambo pelas vias terrestres, cuja sede e
de Souza foco de irradiação é o Livramento [...]”. O Maragato, Rivera, 17 jun. 1899, p. 3.
2 PELA fronteira. O Maragato, Rivera, 29 out. 1898, p. 1. e O CONTRABANDO na fronteira do
Rio Grande. O Canabarro, Rivera, 27 out. 1898, p. 1.
3 COMÉRCIO de trânsito. La Nación. Montevideo, 19 fev 1892, p. 1.
306
calizava apenas se a mercadoria havia chegado em sua fronteira, sem ter sido
consumida em território nacional. A fiscalização para que tais mercadorias
chegassem legalmente ao Brasil era de competência do Consulado Geral de
Montevidéu e das alfândegas da fronteira rio-grandense. O sistema de trân-
sito livre tinha seus perigos, que a vigilância fiscal, por mais ativa que fosse,
não podia impedir em toda linha da fronteira e principalmente por via fluvial,
o que estimulava o contrabando. As franquias uruguaias visavam aumentar
o movimento comercial do porto de Montevidéu, segundo o cônsul brasileiro
no Uruguai, “tornando dele tributárias as praças do estado do Rio Grande do
Sul”4. Segundo o mesmo cônsul, o Fisco uruguaio não cobrava imposto de en-
trada ou saída e limitava-se aos direitos de expediente e armazenagem, pois
visava restabelecer as condições do mercado e aumentar o tráfego de suas li-
nhas férreas. O Regulamento do Comércio de Trânsito de 1891 determinava
que as mercadorias em trânsito terrestre via Rivera para o Brasil, partindo
da Alfândega de Montevidéu, deveriam ser transportadas única e exclusiva-
mente pelo Ferrocarril Central, desde a inauguração da sua extensão ao nor-
te do rio Negro (UGON; ALONSO et al., 1930).
As mercadorias circulavam em invólucros assinalados acompanhados de
guias de retorno expedidas pela alfândega às receptorias (espécie de mesas
de rendas alfandegárias, espalhadas ao longo da linha divisória). Se o trânsi-
to era feito pela via férrea, de Montevidéu a Rivera, os vagões que os condu-
ziam eram fechados e lacrados com o selo especial do Fisco, que só era que-
brado na estação terminal pelo receptor (chefe da repartição aduaneira). Em
Rivera, por exemplo, as mercadorias saíam da estação da estrada de ferro e
passavam, acompanhadas de guardas da receptoria, por uma só rua da cida-
de até a linha divisória, situada à distância de um quilômetro, justamente no
ponto em que estava estabelecida a mesa de rendas federais de Livramento,
sendo as mercadorias entregues pelos guardas aduaneiros orientais aos guar-
das aduaneiros da mesa de Livramento5.
Para se ter uma noção do movimento aproximado do comércio da área
fronteiriça, é interessante observar o tráfego das estradas de ferro, registra-
Volume 3
do pelo jornalista Albino Costa, que vinham da linha e chegavam à serra na República Velha
Tomo I
metade e final dos anos 90. A Central del Uruguay trouxe, em 1898, até a Serra,
3.425.857 quilos de mercadorias e conduziu da linha de Livramento quantida-
X.
Comércio e
4 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Ofício do cônsul em Montevidéu, Domingos José contrabando na
da Silva Azevedo ao ministro Inocencio Sezefredo Correa em 20/02/1892. Itamaraty, maço articulação
256/4/5. econômica...
5 PELA fronteira. O Maragato, Rivera, 29 out. 1898, p. 1. ver também O CONTRABANDO na
fronteira do Rio Grande. O Canabarro, Rivera, 27 out. 1898, p. 1. 307
de mais ou menos aproximada àquela. O tráfego total da ferrovia Noroeste del
Uruguay entre Salto e Quaraí, incluindo o ramal de San Eugenio, frente a São
João Batista de Quaraí, foi, em 1894, de 48.933.962 quilos de mercadorias, em
1895, 42.353.960 quilos e, em 1896, 34.465.026 quilos de mercadorias. O tráfe-
go do Litoral uruguaio foi de 49 embarcações, em 1897, conduzindo, ida e vol-
ta durante o ano, 18.847 toneladas desde Monte Caseros e Uruguaiana até São
Borja e Santo Tomé.
Em 1899, o governo oriental decretou um novo regulamento sobre o trân-
sito de mercadorias e fretes estrangeiros pela fronteira terrestre e fluvial com
o Brasil, ampliando a saída que até então era feita unicamente por Rivera.
O regulamento era sob a dupla forma de “trânsito de frutos similares aos
do país” na importação e de “trânsito de mercadorias estrangeiras para os
países limítrofes, via Santa Rosa, San Eugenio ou Rivera” na exportação. Ha-
via ainda a modalidade de “trânsito terrestre de mercadorias estrangeiras
para o Brasil, via Artigas (departamento de Cerro Largo)” (UGON; ALONSO
et al., 1930, p. 173-190).
Na importação de mercadorias em trânsito, o Uruguai possuía vários
pontos da fronteira habilitados nos departamentos de Artigas, Rivera, Cerro
Largo e de Rocha. Da mesma forma, vários foram os portos que ficaram habi-
litados ao embarque de frutos em trânsito: Montevideo, Paysandú, Maldonado,
Fray Bentos e Salto (Ibidem, p. 174-175). A partir desse novo regulamento, o
governo uruguaio havia ampliado cerca de seis léguas de fronteira o seu perí-
metro fiscal, habilitando, desta forma, para a passagem de mercadorias es-
trangeiras de toda a classe, locais onde não existiam, do lado brasileiro, esta-
ções habilitadas a introduzi-las e despachá-las6.
Essa medida implicava risco de recrudescimento do contrabando, “sob a
aparência de legalidade”, no entender do cônsul brasileiro em Montevidéu7.
O trânsito podia efetuar-se pela via terrestre por meio da ferrovia Cen-
tral del Uruguay, a partir do porto de Montevidéu, ou por via fluvial de Mon-
tevidéu até Paysandú ou Salto, por Santa Rosa e San Eugenio, para onde as
mercadorias eram transportadas por via ferroviária. O depósito das merca-
História Geral do dorias em trânsito só era permitido nos armazéns fiscais de Santa Rosa, San
Rio Grande do Sul
Eugenio e Rivera e nos depósitos do Ferrocarril Noroeste, no rio Cuareim (Qua-
raí), habilitados pela Alfândega. Lá eles podiam permanecer durante seis
meses, livres de armazenagem. Não era permitido o despacho para o consu-
Susana Bleil
de Souza 6 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Ofício do cônsul Domingues José da Silva Azeve-
do ao ministro das Relações Exteriores Olyntho de Magalhães. Montevidéu, 29 mar. 1899.
Maço 256/4/4.
7 Ibidem.
308
mo das mercadorias destinadas ao trânsito (UGON; ALONSO et al., 1930). Ha-
via ainda um terceiro capítulo sobre o trânsito terrestre de mercadorias estran-
geiras para o Brasil, via Artigas (atual Rio Branco, Departamento de Cerro
Largo) (Ibidem, p. 186), determinando que essas mercadorias seriam trans-
portadas da Alfândega de Montevidéu pelo Ferrocarril Central até a estação
de Nico Pérez, por 231 km, e que de lá seriam carregadas em carretas que as
levariam a Artigas. Não havendo carretas em número suficiente, as cargas
poderiam ser fracionados e enviadas para Artigas acompanhadas da devida
documentação ou poderiam permanecer depositadas na receptoria de Arti-
gas durante seis meses, livre de armazenagem, com a possibilidade de pror-
rogação desse tempo (Ibidem, p. 186-189).
Em Jaguarão, cidade fronteiriça ao povoado de Artigas, não havia esta-
ção fiscal habilitada ao despacho de tais mercadorias, logo, era fácil deduzir que
elas iriam ser introduzidas por meio de contrabando caso não fossem destina-
das ao consumo dentro do próprio território oriental, sem que os direitos de
entrada tivessem sido pagos. Isso já ocorrera antes de 1894 com artigos de
luxo, como sedas e luvas, que seguiam de Montevidéu para Livramento e vol-
tavam à capital, pois o frete duplo que pagavam à mesma ferrovia era mais ba-
rato do que os direitos exigidos pela Alfândega ao despachar8.
Enfim, o território uruguaio era muito menor do que o do estado do Rio
Grande do Sul e o governo daquela República mantinha onze alfândegas em
redor de seu perímetro, enquanto o Rio Grande possuía apenas duas. Onde
havia uma reivindicação logo se estabelecia uma estação arrecadadora, como
as sub-receptorias de Chuy, de Artigas e de San Eugenio, ligadas às
receptorias de Palmas, de Cerro Largo e de Santa Rosa. Consideravam os
santanenses que o seu comércio, por si só, era maior do que todo o comércio
da fronteira terrestre uruguaia, que contava com seis estações fiscais9.
Com o novo regulamento sobre o comércio de trânsito de 1899, a Repú-
blica Oriental deixou de ser a guarda da fronteira brasileira na repressão ao
contrabando, segundo a visão dos comerciantes santanenses. Antes da apli-
cação do novo regulamento, devido ao sistema fiscal de trânsito na vizinha Re-
pública, apenas seis guardas eram utilizados: dois no porto de Santa Rosa Volume 3
(Quaray), dois no Passo de São João Batista (Quaraí) e dois sobre a linha, na República Velha
Tomo I
boca da rua Sarandi, em Rivera, frente de Livramento10.

X.
Comércio e
8 BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Ofício do cônsul Domingos José da Silva Azevedo contrabando na
ao ministro Ollyntho de Magalhães. Montevidéu, 28 mar, 1899. Maço 256 14/4. articulação
9 ALFANDEGA do Livramento. O Canabarro, Rivera, 23 abr. 1899, p. 1. econômica...
10 A. COSTA. O Contrabando na fronteira do Rio Grande e sua repressão. O Maragato, Rivera, 23
ago. 1899, p. 1. 309
Sant’Ana do Livramento representava um microcosmo no qual se mani-
festavam as características e os problemas do comércio e do contrabando da
fronteira, principalmente daquela entre o Brasil e o Uruguai. Os representan-
tes do setor comercial de Sant’Ana, por meio de relatórios ao governo central
ou pela imprensa local, eram os porta-vozes das reclamações constantes da-
quele setor frente aos problemas enfrentados pelo comércio, como o contra-
bando e a necessidade imediata da instalação de uma alfândega. A preocupa-
ção dos negociantes fronteiriços era liberar o fluxo de mercadorias prove-
nientes do Uruguai e tentar canalizá-lo através do alfandegamento da mesa
de rendas, para que as trocas com a República vizinha continuassem mantendo
o seu ritmo e o seu papel de alimentador das casas atacadistas locais, uma vez
que a dinâmica da economia da área era conduzida pela atividade comercial
e pela pecuária. Dos 800 quilômetros de extensão da fronteira meridional, 600
eram de linhas terrestres desde a foz do rio Quaray, no Uruguai, e não havia
uma só estação aduaneira do lado rio-grandense.
Livramento estava situada no centro da linha entre a Lagoa e o rio Uru-
guai. Estava 600 km distante da Alfândega de Rio Grande e 300 da de Uru-
guaiana11. Seu movimento comercial, em 1898, foi de 20.264 carretas e o vo-
lume, só de entrada, foi de 15.639. 110 quilos, dos quais apenas 1.375.000, me-
nos de 10%, foram fornecidos pelas praças de Pelotas e Rio Grande. Sant’Ana
era, no entender de seus comerciantes, o centro e a sede do comércio terres-
tre do estado e da República Oriental.
O atacadista importador de Montevidéu não necessitava de amplos es-
paços para estocar suas mercadorias, pois as depositava nos armazéns da Al-
fândega e as vendia diretamente ao comércio das praças do Rio Grande do Sul,
especialmente às da fronteira do Mato Grosso, do Paraguai, de Corrientes e
de Entre Ríos. Essas mercadorias saíam dos armazéns como entravam: sem
pagar os direitos. Uma vez retiradas, elas eram obrigadas a sair do território
e das águas uruguaias, sendo registradas como “de trânsito”12. Nesse sistema,
abastecia-se a praça de Livramento, que se recusava a ser tributária das pra-
ças do Litoral e de Uruguaiana.
História Geral do
Rio Grande do Sul
Dizia a comissão de negociantes, em relatório apresentado em novembro
de 1898 ao inspetor da Fazenda do Tesouro Federal, que Livramento estava
ligada a Montevidéu por uma linha férrea que, em 24 horas, fazia todo o seu
trajeto. Esse transporte seguro, fácil e rápido, condição essencial no comér-
Susana Bleil
de Souza
11 A. COSTA. O contrabando na fronteira do Rio Grande e sua repressão. O Maragato, Rivera, 23
agosto, 1899, p. 1.
12 Ibidem.
310
cio, era o primeiro incentivo que tinha o comerciante para se dirigir a Monte-
vidéu13. Além disso, o comércio uruguaio funcionava em muito maior escala,
a tal ponto que mesmo as praças do litoral lá iam se abastecer. Em 24 horas,
o comerciante santanense tinha, na estação de Rivera, as mercadorias que ha-
via comprado já prontas para a revenda14. O comércio de Montevidéu e do
Uruguai em geral oferecia vantagens superiores às das praças brasileiras na
compra de produtos nacionais. Couros, lãs, cabelo, erva-mate, madeiras,
fumo, aguardentes, feijão e outros produtos encontravam preços vantajosos
no Prata15.
Concretamente, o problema estava na carência de uma eficiente infra-es-
trutura portuária e de transportes. A população santanense queixava-se, com
razão, do dispendioso transporte em carretas que afetava as mercadorias
provenientes do Litoral, contrapondo a essa situação a facilidade e o transpor-
te menos oneroso dos produtos que vinham de Montevidéu. Em 48 horas,
o negociante podia ter em sua casa a encomenda que lhe viesse de Monte-
vidéu, enquanto que, pelo Porto de Rio Grande, além de uma demora mui-
to maior no transporte, havia ainda o problema da lentidão no despacho da
Alfândega16.
Do ponto de vista da rapidez do tráfego, da segurança e do custo dos fre-
tes, nenhum dos dois portos alfandegados do estado estava em condições de
competir com Livramento. Um vapor de qualquer companhia de navegação
transatlântica direto gastava de 16 a 18 dias de viagem do Havre, de Liverpool
ou de Bordeaux a Montevidéu. Como este porto estava a 20 horas de Rivera
pela estrada de ferro Central del Uruguay, podia-se concluir que a praça de
Livramento estaria recebendo, em vinte dias, mercadorias dos grandes em-
pórios europeus. Esse era o tempo, ou um pouco mais, necessário à comuni-
cação dos mercados europeus com a praça do Rio de Janeiro17. Utilizando-se
do porto de Rio Grande, o comerciante muitas vezes comprava uma merca-
doria na Europa com 90 dias de prazo, pagava-a no tempo designado, mas re-
cebia a mesma dois ou três meses depois. Sem falar nos graves inconvenientes
das avarias, mutilações de volumes e outras perdas que podiam resultar dos
Volume 3
República Velha
13 M. P. V IANNA , F. IRIONDO, J. GARAGORRY et al. Relatório apresentado... Luis V. Brigido, Tomo I
digno inspetor de Fazenda do Thezouro Federal. O Maragato, Rivera, 5 nov. 1898, p. 1.
14 Ibidem.
15 Ibidem. X.
16 BRASIL. Ministério da Fazenda. Relatório de 1899, volume II. Informações relativas às reparti- Comércio e
ções de Fazenda da Fronteira do Brasil com as Repúblicas Argentina e Oriental extrahidas dos contrabando na
relatórios apresentados pelo inspector de Fazenda Bacharel Luiz Vossio Brigido sobre a articulação
inspecção a que procedeu nos mesmos. p. 23. econômica...
17 A. COSTA. O contrabando na fronteira do Rio Grande. O Canabarro. Rivera, 20 novembro
1898, p. 1.
311
COSTA, 1922.
transbordos marítimos e flu-
viais que as mercadorias es-
trangeiras sofriam antes de
chegarem às Alfândegas de
Rio Grande e Uruguaiana. Por
outro lado, o expedidor, uma
vez já embolsado, nem sem-
pre estava disposto a atender
às reclamações do recebedor.
Frente a esses proble-
mas, a preferência pela Fron-
teira era justificável, pois,
além de uma encomenda vir
de Montevidéu a Livramento
ou a Quaraí em 48 horas, em
dez ou doze dias podia achar-se
Erva-mate. Palmeira. no interior do estado ou até na
capital18.
Por outro lado, a mercadoria que vinha por Rio Grande, uma vez descar-
regada e despachada naquela Alfândega, era depois carregada nos trens para
Bagé ou Coxilha de São Sebastião, onde ficavam depositadas esperando as
carretas que as conduziam a Livramento, num percurso aproximado de 40 lé-
guas por estradas cortadas por charcos profundos e por rios que, em certas
épocas do ano, não davam passagem. Era, ainda, preciso considerar as des-
cargas e armazenagens na Alfândega de Rio Grande, a remessa e o frete pela
estrada de ferro de Bagé, bem como o aluguel de um armazém para depósi-
to, mais o frete do carro de bois, além do risco de cruzar rios que não permi-
tissem fácil travessia durante o inverno, podendo, não raro, perder veículos
e mercadorias (CAGGIANI, 1961, P. 11). Considerando as dificuldades mencio-
nadas, era fácil compreender por que Sant’Ana preferia negociar diretamen-
te como os uruguaios. Assim, provenientes de Montevidéu, chegaram a
História Geral do
Sant’Ana, no ano de 1898, 4.126.000 quilos de mercadorias que percorreram
Rio Grande do Sul 568 quilômetros pela estrada de ferro central del Uruguay em um dia de via-
gem. Por sua vez, Sant’Ana remetera em lãs, produtos bovinos e produtos co-
loniais de cima da Serra, cerca de quatro mil toneladas. A erva-mate, o fumo,
Susana Bleil 18
de Souza B RASIL. Ministério da Fazenda. Relatório do ministro Joaquim Murtinho, 1899. Repartições
fiscais na fronteira do Rio Grande do Sul. Apud L. H. P. de Vasconcellos. Uruguay - Brasil.
Commercio e Navegação. 1851-1927. v. 1. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1919. p.
638 e C OSTA . O contrabando na fronteira do Rio Grande. O Canabarro. Rivera, 20 nov.
312 1898, p. 1.
as madeiras de construção, os couros curtidos, em bruto ou em obras de ar-
reamento, a farinha de mandioca, o feijão preto (já há muito sendo forneci-
do como alimento a trabalhadores de grandes empresas), estavam entre os
artigos que escoavam através de Livramento em função da demanda dos mer-
cados platinos19. De Porto Alegre, durante todo o ano de 1898, Sant’Ana “só
recebera algumas barricas de rapadura e meia dúzia de peças de tecidos [...],
o suficiente para a capital ficar convencida de que conquistara o mercado de
Livramento!”20.
Conseqüentemente, tanto o governo estadual quanto os agentes econômi-
cos consideravam que os transportes se constituíam em verdadeiro problema
ao desenvolvimento econômico do estado, ou, pelo menos, em um de seus
principais entraves. Observe-se que a questão fundamental não era propria-
mente a dos transportes, mas a do valor de troca das mercadorias. Como toda
a regulamentação era feita pelo mercado, a produção era aparentemente co-
mandada pela circulação, ou pelo menos era essa a acepção dos políticos e da
classe empresarial21.
A Fronteira era independente das zonas abastecidas pelos mercados de
Rio Grande, de Pelotas e, sobretudo, de Porto Alegre, com a qual ela não man-
tinha praticamente transações comerciais, e a cisão entre esse comércio fron-
teiriço e o do Litoral era muito clara. As constantes críticas que os comercian-
tes das praças litorâneas faziam aos comerciantes da região da Campanha,
relacionando-os com o contrabando, era uma prova disso.
Livramento possuía, em 1899, cerca de “800 prédios regulares e 700 ran-
chos, com uma população de 12.000 almas ou de 30.000 incluindo o município”.
A cidade e o município contavam com cerca de “400 casas de negócio”, e suas
transações comerciais podiam ser estimadas em “15.000:000$000 por ano”.
Era a maior povoação da linha divisória, de Jaguarão até Uruguaiana, e “jun-
tada a Rivera”, que lhe ficava contígua, formava “um núcleo de população de
20.000 almas”22. Rivera, por sua vez, contava, no final do século, com uma po-
pulação de “mais de 50 mil pessoas, na respectiva área urbana e com umas vinte
e cinco mil nos cinco distritos de paz que constituíam o município de que era
Volume 3
cabeça”23. A fronteira brasileira com o Uruguai tinha, no final do século, apro- República Velha
Tomo I

19 B. MARTINS. Repressão do contrabando. O Canabarro. Rivera, 24 set. 1899, p. 1.


20 A. COSTA. Alfandega do Livramento. Representação da Associação Commercial do Livramen-
X.
to. op. cit., p. 14.
Comércio e
21 Ibidem, p. 45. contrabando na
22 A. C OSTA . ALFANDEGA DO LIVRAMENTO. Representação da Associação Commercial do articulação
Livramento dirigida ao exmo snr. ministro da Fazenda dr. Joaquim Murtinho. Rio de Janeiro: econômica...
Almeida Marques, 1900, p. 21-22.
23 B. MARTINS. Repressão do contrabando. O Canabarro, Rivera, 24 set. 1899, p. 1. 313
ximadamente um “milhão e meio de gado vacum, três milhões de ovelhas,
200.000 animais cavalares”. Possuía “cinco charqueadas que mataram em 1898
cerca de 140.000 reses” e uma população de cerca de 160 mil habitantes24.
Mecanismo de troca estrutural e histórico, praticado com maior ou
menor intensidade em função das necessidades econômicas e políticas, o con-
trabando é a colocação fora da lei de uma forma de fazer comércio. Conse-
qüência dos diferentes níveis de preço em uma fronteira, o sentido no qual o
comércio ilegal a atravessa nos dá a pauta do desnível (MOURAT, 1973, p. 11).
Visto fora do universo do delito, suas práticas revelam uma lógica social com-
partilhada que o nosso olhar, acostumado a pensar as questões econômicas ge-
ralmente vinculadas ao âmbito nacional, não consegue apreender.
Nas formas tradicionais do intercâmbio fronteiriço, percebemos que eram
variadas as motivações que levavam ao desempenho dessa atividade bem
como os tipos sociais que a praticavam. Assim, nas áreas rurais, eram contra-
bandistas alguns proprietários de gado e de charque, muitos deles com terras
no lado oposto da fronteira, que julgavam os impostos demasiado elevados
para a exploração de uma riqueza considerada natural da região. Eram con-
trabandistas também negociantes que obtinham manufaturas européias mais
baratas pela via do porto de Montevidéu e das ferrovias uruguaias. Nesses dois
casos, estancieiros ou comerciantes estavam sempre a salvo de todo o risco,
pois sua qualidade de empresário estava aliada a sua influência política. Ha-
via, ainda, os contrabandistas profissionais, simples passadores de merca-
dorias de outros, no caso negociantes, que se arriscavam para enriquecerem
os que compravam ou vendiam por atacado. E havia, finalmente, a população
urbana que sobrevivia a partir do contrabando-formiga: os pasadores na fron-
teira argentina, os chibeiros na fronteira brasileira, os quileros, na fronteira
uruguaia. Entretanto, o contrabando que nos interessa aqui examinar é aquele
restrito a uma forma de “descaminho dos direitos nas alfândegas e mesas de
rendas das fronteiras”.
Com a chegada da república, o governo central passou a combater o con-
trabando, tarefa levada a efeito pelo ministro da Fazenda. Coerente com seu
História Geral do programa de acelerar o crescimento econômico da recente República e com
Rio Grande do Sul
a sua política fiscal protecionista, Rui Barbosa decidiu tomar medidas de com-
bate ao contrabando. Em seu relatório ao governo provisório de Deodoro da
Fonseca, o ministro Rui comentava o fato de que o “contrabando na fronteira
Susana Bleil meridional do país” vinha “zombando sempre dos expedientes adotados para
de Souza
sua repressão efetiva”. Segundo o ministro, além dos extensos relatórios que

24 A. COSTA, op. cit., p. 12.


314
não levavam a nenhum resultado prático e permaneciam engavetados, os ine-
ficazes meios de combate haviam sido, até então, a “tolerância oficial e ilegal
nos despachos”, a “redução de tarifas” e o “policiamento mais ou menos ativo”.
Barbosa alegava que a “tolerância nos despachos, verdadeira conivência com
os contrabandistas, só conseguia desmoralizar o Fisco na fronteira, mostran-
do a fraqueza do governo na repressão do crime”. O discurso do governo cen-
tral expressava o que esse mesmo governo considerava sendo de interesse do
país como um todo, deixando de lado o que era considerado por ele um privi-
légio desnecessário para o estado sulino.
O ministro da Fazenda decidiu então colocar em ação severas medidas
para acabar com o contrabando. Assim, através de um decreto expedido em
fevereiro de 1890, o crime de contrabando, para todos os efeitos legais e jurí-
dicos, foi equiparado ao de moeda falsa, sujeitando-o ao mesmo processo es-
tabelecido no código criminal. Pelo mesmo decreto foi criada uma delegacia
fiscal do Ministério da Fazenda, no estado do Rio Grande do Sul, encarrega-
da especialmente da repressão ao contrabando. O mesmo decreto alterou a
tabela de armazenagem para o estado da seguinte forma: “até dois meses isen-
to; até 4 meses 0,2%, até 6 meses 0,5%. De mais de 6 meses, por todo o tem-
po que excederam 1%”25. No décimo artigo do mesmo decreto, determinava-
se a equiparação gradual das tarifas de importação que vigoravam no Rio Gran-
de do Sul às que vigoravam no restante da República. O ano de 1891 foi anor-
mal para os comerciantes do estado de uma maneira geral, já que a tarifa espe-
cial deveria ser gradualmente aumentada até o nível da tarifa em vigor nos
outros estados da República, para que, a partir de 1º de janeiro de 1891, a ta-
rifa do estado sulino estivesse definitivamente equiparada aos demais do país.
Otimista com as suas medidas, Rui Barbosa apontava em seu relatório
os bons resultados já obtidos e considerava quase extinto e, dentro em breve,
extinto completamente, o contrabando fronteiriço no Sul. Para isso, ele apre-
sentava os resultados das rendas alfandegárias como um demonstrativo de
suas afirmações: o total das rendas obtidas nas Alfândegas do Rio Grande, Por-
to Alegre e Uruguaiana, de janeiro a setembro de 1890, foi de 6.707:774$768,
pertencendo a de Porto Alegre, 3.809:374$703; a de Rio Grande, Volume 3
2.471:723$028, e a de Uruguaiana, 426:677$037. As mesmas Alfândegas, em República Velha
Tomo I
igual período, haviam arrecadado, em 1889, 3.572:948$421, pertencendo à de
Porto Alegre 1.564:455$438, à do Rio Grande, 1.752:978$580, e à de Uruguaia-
X.
na, 255:511$400. Foi constatado o aumento de 3.134:829$350, concernente a Comércio e
contrabando na
articulação
25 J. C. CAVALCANTI . Relatório do delegado fiscal no Rio Grande do Sul. R. B ARBOSA. Obras econômica...
completas. Anexos ao Relatório do ministro de Fazenda. Vol. XVIII, 1891. Tomo IV. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1949, p. 237.
315
Porto Alegre, 2.224:919$265; a Rio Grande, 718:44$448 e a Uruguaiana,
171165$637, ou mais de 143,49% para Porto Alegre; 41% para Rio Grande e
66,98% para Uruguaiana26.
Em resumo, as medidas para contenção do contrabando não tinham par-
tido apenas das pressões do comércio considerado legal e situado nas praças
do Litoral, mas também das necessidades do Tesouro da União, que não po-
dia prescindir das rendas alfandegárias do Rio Grande do Sul, quando o Im-
posto de Importação era sua maior fonte de ingresso.
Pelo decreto 196 de 1º de fevereiro de 1890, fora criada uma delegacia fiscal
do Ministério da Fazenda no estado do Rio Grande do Sul, que tinha como ta-
refa específica a supressão do comércio ilegal. Foi nomeado delegado especial
de Repressão ao Contrabando João Cruvelo Cavalcanti que, em seu relatório
ao ministro da Fazenda, Rui Barbosa, afirmava que as cidades de Santana do
Livramento, Uruguaiana e a vila de Quaraí eram os “empórios de onde se es-
palhavam as mercadorias criminosamente introduzidas, até as praças do
Litoral”. Cruvelo acusava os contrabandistas de serem “filiados aos antigos
partidos monárquicos”, tendo, por isso, gozado sempre da complacência de
quem estava no poder. Considerava também que o contrabando na Frontei-
ra se constituíra numa instituição que só poderia “ser debelada por medidas
excepcionais”. Apoiado por Ramiro Barcelos, ministro brasileiro em Monte-
vidéu, determinou Cruvelo Cavalcanti a instituição de zonas fiscais restritas
em torno dos municípios da Fronteira, estabelecendo que toda mercadoria
procedente das cidades fronteiriças encontrada fora da respectiva zona, ainda
que acompanhada das competentes guias fazendárias, seria considerada “con-
trabando e como tal apreendida”. A zona fiscal delimitada era compreendi-
da pelos municípios de São Borja, Itaqui, Uruguaiana, Alegrete, Quaraí, Li-
vramento e Dom Pedrito, ou seja, mais de um terço do território habitado do
estado do Rio Grade do Sul. Seriam consideradas “de contrabando” todas as
mercadorias estrangeiras em demanda nas praças do Litoral que ultrapassas-
sem esta zona fiscal27. Tais mercadorias, consideradas ilegais, seriam confis-
cadas e vendidas em leilões públicos, nas Alfândegas de Porto Alegre e de Rio
História Geral do Grande.
Rio Grande do Sul
Cruvelo Cavalcanti considerava que sua medida era a única que feriria
“de morte o contrabando da fronteira”, pois esta seria mais facilmente vigia-
da na medida em que as zonas fiscais tinham “pontos certos e conhecidos”.
Susana Bleil Além disso, assegurava o delegado fiscal que o contrabando que conseguisse
de Souza

26 R. B ARBOSA. op. cit., Tomo III, p. 225-226.


27 J. C. CAVALCANTI, Relatório... R. BARBOSA. op. cit., p. 202.
316
atravessar a fronteira política teria que ser consumido dentro da zona fiscal.
Ademais, à medida em que as mercadorias contrabandeadas não pudessem
mais ser introduzidas nos municípios da Serra e das cidades do Litoral, a
conveniência e o lucro do contrabando diminuiriam muito, e ele não se tornaria
mais um negócio atrativo.
Os comerciantes da Fronteira levantaram um grito uníssono de protes-
to frente à delimitação da zona fiscal, à proibição da expedição de guias fora
dos postos permitidos e à criação de um corpo fiscal. Em todos os municípios
havia uma comissão executiva que, segundo o delegado fiscal, deveria servir
de intermediária, perante as autoridades administrativas, das necessidades
locais, mas que eram, na realidade, porta-vozes do descontentamento dos co-
merciantes cingidos dentro da zona fiscal.
A comissão executiva da cidade de Itaqui dirigiu às autoridades consti-
tuídas um telegrama reclamando que o delegado especial proibira a vinda de
cargas por via fluvial para Uruguaiana, tornando obrigatória a utilização da
ferrovia. Os comerciantes consideravam tais medidas atentatórias à liberda-
de de comércio, reivindicavam a habilitação de mesas de renda para os gêne-
ros de armazém e objetos de primeira necessidade e consideravam que, sem
essas providências, não seria possível apoiar o novo governo. No ano de sua
instalação, o controle da delegacia fiscal impediu a passagem do contrabando
destinado ao aprovisionamento do mercado durante o inverno. Nos meses de
junho, julho e agosto as chuvas tornavam “os passos invadeáveis” e não ha-
via gado para a “tiragem das carretas”; já nos meses de setembro e de outu-
bro, porém, o governo considerava ser preciso continuar com as medidas
adotadas, principalmente na “sustentação da zona fiscal” que não deveria ser
ampliada28.
De uma maneira geral, as medidas de Cruvelo Cavalcanti foram aplau-
didas pelo comércio das praças do Litoral. Isso pode ser atestado tanto pela
documentação oficial como pela imprensa. Um jornal de Rio Grande afirma-
va ser também favorável à liberdade comercial, mas declarava que os interes-
ses das casas comerciais fronteiriças não podiam tornar o estado tributário do
Volume 3
Uruguai. Seguia o jornal mencionando que em passado recente Uruguaiana República Velha
e Livramento eram as principais praças importadoras da Fronteira e seus cai- Tomo I

xeiros viajantes percorriam toda a província chegando até as praças de Pelo-


tas, Rio Grande e Porto Alegre, onde vendiam em condições mais favoráveis X.
Comércio e
do que estas últimas. Assim, uma grande parte do estado era sortida pelo co- contrabando na
mércio de Uruguaiana e de Livramento que, segundo o mesmo periódico, de- articulação
econômica...

28 Ibidem, p. 211. 317


fraudava as rendas do Fisco introduzindo as mercadorias pela Fronteira sem
despachá-las pela repartição competente. O artigo concluía dizendo que, se as
medidas republicanas não agradavam à Fronteira, a culpa não era do comér-
cio do Litoral, mas dela própria, que pretendia “fazer viver o comércio oriental
do Uruguai à custa da ruína do estado geral do Rio Grande e da defraudação
das rendas do Brasil” (SILVA, 1922, p. 452/56).
O comércio fronteiriço demonstrou revolta e indignação com as medidas
repressivas, afinal, era esse comércio de Sant’Ana que exportava tecidos em
grande escala para Rosário, São Gabriel, Dom Pedrito, Bagé, Santa Maria,
Cruz Alta e para toda região serrana. Milhares de arrobas de erva-mate, fumo,
madeira e outros produtos da Serra eram comprados pelo comércio de
Sant’Ana e depois vendidos para o Uruguai, e a maioria dessas transações
eram realizadas com a troca dos tecidos adquiridos pelos comerciantes
santanenses, os quais pagavam melhor preço para o que vinha da região ser-
rana, em comparação com o seu concorrente do Litoral, isto porque vendiam
também por melhor preço para o Estado Oriental em vista das facilidades en-
contradas para realizar tais operações. O comércio do Litoral, entretanto, além
de comprar os produtos da Serra mais baratos, vendia tecidos mais caros. Ar-
gumentavam os mercadores fronteiriços que os prejuízos da limitação da zona
fiscal estendiam-se além das praças da Fronteira, ferindo também os interes-
ses da Serra. O governo era acusado de sacrificar, para satisfazer os interes-
ses do comércio do Litoral, não apenas uma localidade, mas a quase maior
parte do estado rio-grandense.
A tensão produzida pela política econômica e fiscal do governo central foi
tão grande que, em outubro de 1891, a zona fiscal foi abolida e foi restituído o
livre trânsito de mercadorias despachadas. Foram instituídas também as gui-
as para o trânsito de mercadorias estrangeiras já despachadas para consumo
e, ainda, criado o registro, nas mesas de renda e consulados, dos negociantes
com permissão para despacharem mercadorias procedentes dos portos plati-
nos. Comentava o cônsul britânico, em um dos seus relatórios sobre o Rio Gran-
de do Sul, que essas zonas fiscais foram abolidas pois a sua existência torna-
ra-se intolerável, e como os estoques estavam ficando mais baixos e as tarifas
História Geral do
Rio Grande do Sul continuavam altas, o “comércio de contrabando provavelmente tomaria novo
alento” já que, por maiores que fossem as forças que guardavam as fronteiras,
“os comerciantes sabiam como contorná-las e, por mais que o soldado brasi-
leiro queira cumprir o seu dever, o tilintar dos guinéus suaviza as feridas da
Susana Bleil
de Souza honra”29.

29 W. HEARN . Report on the trade and commerce of Rio Grande do Sul for the year 1891.
318 London: Public Record Office, 1892, (Parliamentary Command Papers, 1077). p. 14.
A República tinha substituído a política de conciliação de interesses,
conduzida pelo senador do Império, Gaspar da Silveira Martins, pela de re-
pressão ao contrabando. O comércio litorâneo apoiava essa repressão, que
atendia aos seus interesses mercantis e aos do Fisco. O governo tentava, des-
se modo, afastar a concorrência platina no mercado rio-grandense (BARETTA,
[s.d.], p. 45).
A imprensa acusava o ministro plenipotenciário do Brasil no Uruguai,
Ramiro Barcelos, e o ministro da Fazenda, Rui Barbosa, de serem os respon-
sáveis pelo depauperamento do comércio fronteiriço. Segundo a posição de um
dos jornais liberais de Livramento, Ramiro Barcelos, atendendo às exigências
das praças do Litoral, havia conseguido a criação de um corpo fiscal que sobre-
carregava os cofres nacionais e que, além de reprimir o contrabando, acaba-
ria por exterminar com o comércio fronteiriço. Enquanto no passado o comér-
cio do vizinho departamento de Rivera mudara-se para Livramento, no pre-
sente, os comerciantes santanenses estavam se mudando para Rivera e tra-
tando de liquidar suas casas, alguns com grandes prejuízos30. Em 08 de mar-
ço de 1891, foi fundado o Centro Comercial de Sant’Ana do Livramento com
o objetivo de lutar pelo levantamento da zona fiscal. A revogação da limitação
das zonas e o alfandegamento da mesa de rendas de Livramento eram as as-
pirações do comércio fronteiriço31. Protestavam contra a limitação de zonas e
a criação do cargo de delegado fiscal, alegando que estas medidas haviam ar-
ruinado o comércio fronteiriço, tão próspero sob o regime monárquico.
Os comerciantes santanenses alegavam ser a sua cidade basicamente
comercial, com indústrias pouco desenvolvidas e em pequeno número e, en-
quanto houvera liberdade comercial, Livramento havia sido o empório da
Fronteira. Consideravam sua posição topográfica seu melhor auxiliar para
anular o comércio central e ganhar-lhe a concorrência. A ferrovia que ligava
Rivera a Passo de los Toros, no Uruguai, ainda não estava concluída, mas em
um pouco mais de dois dias de viagem, chegava-se a Montevidéu. Quando essa
linha férrea estivesse concluída, a previsão era de que a viagem durasse, tal-
vez, apenas um dia.
Volume 3
Era sabido que as transações comerciais da Campanha se davam com República Velha
Tomo I
Montevidéu, porque esta praça vendia muito mais barato do que as do Rio
Grande, Pelotas e Porto Alegre, uma vez que não pagava fretes nem seguros
X.
tão altos quanto aquelas, além do que, até mesmo as mercadorias que chega- Comércio e
contrabando na
articulação
30 RETROGRANDO. O Canabarro, Livramento, 12 out. 1890 p. 1. Ver também Questão velha. econômica...
O Canabarro, Livramento, 4 jan 1891, p. 1.
31 Ibidem
319
vam de Montevidéu para Sant’Ana, via Uruguaiana, pagavam menos fretes
do que as provenientes das praças do Litoral. Com o alfandegamento da mesa
de rendas dessa cidade, os gêneros poderiam vir diretamente da Europa com
fretes mais baratos e viagem mais rápida aliada ao trânsito do porto de Mon-
tevidéu para a Fronteira32.
A cisão entre o comércio da Fronteira e o do Litoral era muito clara, e as
constantes críticas que os comerciantes das praças litorâneas faziam aos comer-
ciantes da Campanha, relacionando-os com o contrabando, era prova disso.
O jornal de Porto Alegre A Federação, órgão do PRR, mencionava constan-
temente o comércio ilegal praticado na Fronteira, acusando inclusive o se-
nador Silveira Martins com a sua tarifa especial de ser beneficiário do con-
trabando33.
Contrabandeavam sim, os fronteiriços, mas, sem dúvida, a concorrência
com as praças litorâneas não era ganha somente com o giro comercial ilegal.
Muito dependente das receitas alfandegárias, o Brasil era incapaz de apli-
car outros tipos de impostos ao conjunto do território, e a situação do Tesou-
ro era grave desde o final do império. O projeto de Constituição apresentado
pelo Governo Provisório ao Congresso Constituinte reservava, no artigo sex-
to, à competência exclusiva da União os impostos sobre a importação de pro-
cedência estrangeira e os direitos de entrada, saída e permanência de navios,
destinando aos estados, em compensação, a receita dos impostos sobre a ex-
portação de mercadorias (até 1898) e sobre a transmissão de propriedade34.
Como conseqüência da Constituição republicana de 1891, as tarifas sobre
as importações continuaram a ser “a principal fonte de receita governamen-
tal até a I Guerra Mundial” e “a participação da arrecadação alfandegária na
receita total flutuou ao redor de 60% entre 1860 e 1914” (VERSIANI, 1980, p.
26). Até 1890 tinha havido uma tendência à diminuição da importância rela-
tiva das rendas alfandegárias, mas estas aumentaram novamente, tendo, no
governo republicano, “atingindo o máximo de 75% da receita total, em 1892-
97” (Ibidem, p. 26).
No Rio Grande do Sul o Partido Republicano introduziu alguns impos-
História Geral do
Rio Grande do Sul
tos diretos com o objetivo de atingir a solvência financeira do estado. Pela
Constituição estadual de 14 de julho de 1891, a exportação de produtos do es-
tado e a transmissão da propriedade deixariam de ser tributadas quando fos-

Susana Bleil 32 ZONA FISCAL III. O Canabarro, Livramento, 19 mar. 1891, p. 1.


de Souza 33 Ver os editoriais do jornal A Federação, de Porto Alegre, de 6 ago 1897, p. 1; 19 ago. 1897,
p. 1; 5 abr. 1898, p. 1; 3 jun. 1899, p. 1. Editorais de 5, 6, 9 jun. de 1899.
34 R. BARBOSA. Obras completas. Rlatório do ministro da Fazenda. vol. XVIII, 1891, Tomo III.
320 Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1949, p. 6.
se regularizada a arrecadação do Imposto Territorial. Tal regulamentação só
foi realizada em 1903, e o início da arrecadação só se deu a partir de 1904, o
que era demonstrativo dos conflitos entre o Partido Republicano, no governo,
e os grandes proprietários de terras da Fronteira, bem como do clima resul-
tante da Revolução Federalista de 1893, que dificultou a implantação da tri-
butação sobre a terra. Por disposição do mesmo decreto que aboliu as zonas
fiscais em 1891, foram também reduzidos os salários do pessoal do Corpo Adu-
aneiro e quebrada a unidade de comando desse corpo, que ficou dividido em
cinco seções localizadas em Sant’Ana do Livramento, Quaraí, Uruguaiana,
Itaqui e São Borja. Essa medida prejudicou o guarnecimento da fronteira po-
lítica. Além disso, a redução do vencimento, passando a 600$000,00 anuais,
era, segundo o próprio relatório do Ministério da Fazenda, insuficiente para
um praça de cavalaria alimentar-se e ter as suas custas dois cavalos. Por outro
lado, a fixação das seções do Corpo Aduaneiro a grandes distâncias umas das
outras e sob as ordens dos administradores das mesas de rendas não só en-
fraquecia a ação do comando geral, mas também obrigava-o a engajar o pessoal
na localidade em que tinha de servir, o que era naturalmente de grande incon-
veniência e de pouca utilidade para a repressão35.
O comércio de Rivera atravessara o seu período áureo durante a guerra
civil que assolou o Rio Grande do Sul de 1893 a 1895. Em 1892, a Companhia
Ferrocarril Central chegara até Rivera. E a população daquela cidade, que, às
vezes, passava de quinze a vinte dias sem comunicar-se com Montevidéu, pas-
sou a fazê-lo através de quatro trens por semana, com viagens de vinte horas36.
Com a guerra, numerosas famílias de Sant’Ana e das comarcas adjacen-
tes, refugiaram-se na vila Oriental. A falta de segurança fez com que boa par-
te do comércio brasileiro também transpusesse a linha divisória, o que fez du-
plicar ou mesmo triplicar as edificações urbanas para dar guarida aos brasi-
leiros e as suas casas de negócios. Rivera fora sempre um posto estratégico do
contrabando fronteiriço. Dispunha, além de ferrovia, do privilégio de levar, por
ela, mercadorias de Montevidéu em transito, ou seja, sem pagar os direitos
alfandegários correspondentes, podendo introduzi-las facilmente no Brasil de-
vido ao estado de absoluta desorganização em que encontrava-se a fronteira Volume 3
República Velha
rio-grandense, em decorrência da chamada “Revolução Federalista” iniciada Tomo I
em 189337. Quando a guerra civil iniciou, com os federalistas cruzando a Fron-
X.
35 B RASIL . Relatório do Ministério da Fazenda, 1892. Contrabando nas Fronteiras do Sul, p. Comércio e
112. contrabando na
36 RIVERA y el comercio fronterizo. La Razón, Montevidéu, 28 set, 1896. BRASIL Ministério das articulação
Relações Exteriores. Anexo ao Oficio de 24 de set. 1896, enviado ao ministro Castro Cerqueiro. econômica...
Maço 222/3/12.
37 Ibidem. 321
COSTA, 1922.
Saladeiro (charqueada). São borja.

teira em direção a Bagé, as forças da campanha eram particularmente impor-


tantes quanto ao potencial humano, tanto pelo número quanto pela sua posi-
ção estratégica ao longo da Fronteira. As três grandes invasões ao estado ori-
ginaram-se todas no Uruguai e muitos dos que dela participaram ou lhe eram
favoráveis estavam ligados à pecuária, ao comércio e ao contrabando (LOVE,
1971, p. 66). A Campanha tornara-se o principal palco das operações, tendo o
Litoral permanecido livre dos ataques.
A guerra modificou o consumo na Campanha gaúcha, e os contrabandis-
tas encontravam meios engenhosos de devolver fraudulentamente a Monte-
vidéu as mercadorias que não obtinham despacho no Rio Grande. Tudo isso
dava a Rivera um ar de prosperidade aparente. O aluguel das casas era mais
elevado do que em Montevidéu e nenhuma outra povoação departamental
havia apresentado progresso mais rápido38. Finda a guerra civil rio-granden-
se, Sant’Ana recuperou os seus antigos habitantes e Rivera, embora tivesse o
dobro da população anterior, via sua construção urbana e sua atividade comer-
cial diminuírem.
Houve também uma mudança no funcionamento do contrabando:
História Geral do Sant’Ana recebia pela ferrovia uruguaia as mercadorias importadas e os co-
Rio Grande do Sul merciantes de Montevidéu aproveitavam-se dessa situação. Os tenderos ou
barraqueros de Rivera saíram prejudicados, porque as famílias que lá residi-
am fariam seus sortimentos em Sant’Ana, onde os artigos contrabandeados
Susana Bleil eram, naturalmente, mais baratos. A razão dessa mudança estava nas altera-
de Souza ções introduzidas na legislação sobre o comércio de trânsito. Pelo decreto de

38 Ibidem.
322
11 de junho de 1896, restabelecia-se o comércio de trânsito de Montevidéu à
Fronteira via Rivera, nos termos da resolução de 189139. Cessavam as restri-
ções impostas pelo decreto de 22 de agosto de 1895 ao trânsito do fumo e seus
preparados, sedas, luvas de seda e pelica, rendas, peles e cartas de jogar en-
tre outros artigos que eram enviados, via contrabando, de retorno ao ponto de
saída, mas que, em lugar de reentrarem nos depósitos fiscais uruguaios, pas-
savam diretamente às casas de varejo, burlando a ação das autoridades adu-
aneiras na cobrança dos direitos de consumo40.
A situação do comércio porto-alegrense era, em geral, satisfatória, visto
que se abastecia junto aos distritos coloniais alemães e italianos, cuja produ-
ção era abundante e os preços baixos. A chamada “zona colonial” tornara-se a
comunidade mais importante do estado para Porto Alegre, mantendo uma
parcela muito grande do comércio, tanto atacadista como varejista, cuja pros-
peridade era em grande parte devida aos colonos41. Uma das principais cau-
sas do renascimento desse comércio foi a própria guerra civil. O abastecimen-
to das tropas e as verbas para isso destinadas foram para o setor produtivo, o
que fez progredir consideravelmente a zona colonial.
Escrevia o cônsul brasileiro em Montevidéu que os maiores beneficiários
da guerra civil eram os comerciantes de Montevidéu, pois as povoações da
Fronteira mais do que nunca eram tributárias de seu mercado. Em seu ofício
à Embaixada, ele mencionava que desde de dezembro de 1893 não expedia
uma fatura de mercadorias em trânsito para Sant’Ana e, no entanto, sabia-se
que elas seguiam em “grandes partidas por sua quantidade e valor, chegan-
do ao escândalo de abastecerem aquele mercado e voltar o excedente ao por-
to de origem, com proveito dos contrabandistas que não pagavam direitos de
entrada”42.
O final do conflito armado de 1893 não teve o resultado esperado sobre o
giro mercantil. A expectativa de que o comércio, em geral, mais especificamen-
te o comércio de importação, revivesse e aumentasse em 1896 não foi concre-
tizada. Supunha-se que o comércio com a Campanha reassumiria as suas pro-
porções normais após a retirada das tropas federais, com o final da guerra ci-
Volume 3
vil. Entretanto, as tropas haviam se constituído na mais importante força de República Velha
Tomo I
39 Aduana. Reembarco de mercaderías en Montevideo con destino al Brasil, por ferrocarril. 5
dic. 1891. A RMAND U GON et al. Compilación de leyes y decretos 1825-1930. Tomo XIX,
1891-19892. X.
40 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Ofício do cônsul Domingos José da Silva Azevedo Comércio e
ao ministro Carlos Augusto de Carvalho. Montevidéu, 13 jun. 1896. contrabando na
41 A. ARCHER. Report on the trade and commerce of Porto Alegre for the year 1894. London: articulação
Public Recorded Office, 1895 (Parliamentary Command Papers), n. 1583, p.28. econômica...
42 BRASIL . Consulado Geral em Montevidéu. Oficio do cônsul Domingos J. da Silva Azevedo
para o ministro das Relações Exteriores C. A. de Carvalho, em 10/03/1893. Maço 256/4/8. 323
consumo e compra devido às somas de dinheiro enviadas ao estado pelo go-
verno federal para o seu pagamento. Toda essa movimentação causara uma
atividade fictícia e transitória que compensava a interrupção do comércio nor-
mal, mas com o final do movimento armado, a partida das tropas foi sentida
e a volta do comércio com o interior não contrabalanceou a perda de um con-
tingente tão grande do homens43.
A grande maioria da população era formada por proprietários de terras,
criadores de gado que perderam muito dinheiro, quer individualmente, quer
através da comunidade, pela perda de gado, cavalos e plantações, bem como
pela destruição do aramado das propriedades. Esse tipo de consumidor, con-
seqüentemente, deixou de comprar produtos importados.
As flutuações no câmbio e as tarifas alfandegárias mais altas também pre-
judicaram os comerciantes na fase de término do conflito44. O comércio, de
uma maneira geral, vinha enfrentando sérias dificuldades em ambos os lados
da linha política, pois os últimos anos do século foram marcados por proble-
mas de instabilidade e insegurança no giro mercantil fronteiriço provocados,
especialmente, pelas atitudes dos governos de ambos os países limítrofes.
O governo estadual, através de um convênio com a União, tomou para
si o encargo da repressão ao contrabando, com os aplausos do comércio do Li-
toral. Em 02 de junho de 1899, o presidente da República, Campos Sales, bai-
xou o decreto 3.305, aprovando o Convênio celebrado entre o ministro da Fa-
zenda da União e o presidente do estado do Rio Grande do Sul para o fim de
reprimir o contrabando. Por esse convênio, o serviço externo de repressão ao
contrabando ficou a cargo daquele estado e todas as atribuições de serviço in-
terno da Delegacia Especial passaram para o delegado fiscal do Tesouro Fe-
deral, em Porto Alegre. O governo do estado ficou com a obrigação de contri-
buir com cinqüenta contos de réis anuais, e estipulou-se no convênio que o cor-
po de guardas do estado não poderia ter caráter militar ou policial, mas sim-
plesmente fiscal (VASCONCELLOS, 1929, v. 1, p. 642).
O presidente do estado, Borges de Medeiros, em sua mensagem anual
de 1899 à Assembléia dos Representantes, referindo-se aos problemas que afli-
História Geral do giam a corrente comercial do estado, citava a desvalorização da moeda, a ta-
Rio Grande do Sul
rifa que ele definia como “ultraprotecionista” e o que ele considerava “mais da-
noso ao Fisco e ao comércio do Litoral”: o contrabando, que “afrontosamente
dominava as fronteiras oriental e argentina [...]”. Salientava também que, du-
Susana Bleil
de Souza
43 BERNAL. Report on the trade and commerce of the state of Rio Grand do Sul for the year
1896. London: Public Record Office, 1897 (Parliamentary Command Papers, n. 1911, p. 2).
44 Ibidem.
324
rante o ano de 1898, o contrabando havia recrudescido45. Os comerciantes e a
imprensa fronteiriça prontamente posicionaram-se contra o convênio, consi-
derando-o como uma forma de tolher a liberdade de comércio e como uma
“forma de aumentar o poder da ditadura castilhista”. E mais: “O governo do
estado, ou melhor dito, o castilhismo”, era “um inimigo encarniçado da Fron-
teira” e “um aliado intransigente das praças do Litoral [...]”46. Acusavam, ainda,
o convênio de perseguição ao comércio fronteiriço, de aliado das praças comer-
ciais do Litoral e de possuir um objetivo político, que era o de controlar a Fron-
teira47. O castilhismo era também acusado de ter tornado o corpo fiscal mili-
tarizado, quando havia uma cláusula no convênio aduaneiro que proibia a mili-
tarização da guarda fiscal48. Alegavam também que tal medida era inconsti-
tucional, pois a fiscalização da linha divisória entre os dois países pertencia ao
governo nacional, que tinha a atribuição de manter as relações com os estados
estrangeiros. A fiscalização das rendas estaduais, para os federalistas, reves-
tia-se de um meio legal do qual o “castilhismo” estava lançando mão para vi-
giar uma região onde ele ainda não conseguira interferir – a Fronteira – e, ao
mesmo tempo, aumentar seu já crescido poder militar estadual49.
O fato de o PRR ter impedido o acesso ao controle do poder político esta-
dual fez com que a oposição atacasse um dos pontos vulneráveis da doutrina
positivista castilhista, que era justamente o autoritarismo. A campanha, ma-
joritariamente federalista e liberal entre os pecuaristas e comerciantes, enten-
dia o convênio e o corpo fiscal como um aparato de coerção, posto em prática
por um estado positivista autoritário. Atribuía-se a crise comercial de
Sant’Ana ao convênio, e, enquanto era aplaudido no Litoral, a Fronteira ten-
tava, junto ao governo central, reativar o seu movimento comercial através da
instalação de uma alfândega em Sant’Ana, única forma de diminuir a concor-
rência do contrabando, segundo o seu ponto de vista. Através dos jornais lo-
cais, Albino Costa, vinculado aos meios comerciais e de imprensa, tentava pro-
var que o comércio via Montevidéu era mais lucrativo e rápido do que aquele
realizado no Litoral rio-grandense e que o contrabando era uma contingência
da Fronteira, reforçado pela ausência do amparo fiscal de uma alfândega. A
Volume 3
República Velha
45 MENSAGEM à Assembléia de Representantes do estado do Rio Grande do Sul pelo presiden- Tomo I
te A. A. Borges de Medeiros, em 20 de setembro de 1899. Porto Alegre, 1899, p. 29-32.
(Anexo texto do comércio)
46 O Maragato, Rivera, 17 de fev. 1899, p. 1.
X.
47 O CONVENIO. O Maragato, Rivera, 8 jul, 1899, p. 1. e CHARLATANISMO. O Maragato,
Comércio e
Rivera, 15 jul, 1899, p. 1.
contrabando na
48 O CORPO fiscal. Sua militarização!! Deslealdade ao castilhismo. O Maragato, Rivera, 24 nov. articulação
1900, p. 1 econômica...
49 POSTOS fiscaes. O Maragato, Rivera, 20 mai, 1899, p. 1. Ver também A CONSTITUIÇÃO e
a fronteira fiscal. O Maragato, Rivera, 21 jun. 1899, p. 1.
325
9 de janeiro de 1900, foi promulgado um decreto para a instalação de uma al-
fândega de 4ª ordem em Livramento. O alfandegamento foi concedido, mas o
convênio aduaneiro continuava, pois julgava o governo do estado que esta era
a forma mais eficaz de combater o contrabando.
Capitais e crédito, entretanto, as duas ausências sentidas pelo comércio
não eram tratadas pelo governo borgista. Os comerciantes alegaram que as
casas importantes não se surtiam porque encontravam dificuldades em intro-
duzir suas mercadorias e consideravam o Fisco exorbitante. As casas expor-
tadoras não tinham a quem vender. O comércio varejista também não achava
para quem vender, porque a população da cidade cruzava a Fronteira e ia
comprar em Rivera, onde os gêneros eram novos e mais baratos. Tudo o
quanto necessitava a população de Livramento, inclusive artigos de arma-
zém, louças, ferragens e até mobílias, eram compradas em Rivera, cujos ne-
gociantes mandavam entregar as mercadorias em Sant’Ana, sem nenhuma
dificuldade50.
Os ataques que a oposição política fazia ao governo, acusando-o de des-
caso e até de ser o responsável pela crise comercial contra o qual se debatiam
os comerciantes da cidade, eram encampadas pelos jornais brasileiros de ten-
dência oposicionista liberal: O Maragato e O Canabarro, ambos publicados
em Rivera. Esses dois periódicos eram porta-vozes dos agentes sociais domi-
nantes na região da Campanha – comerciantes e pecuaristas – e eram edita-
dos na cidade oriental justamente para evitar as perseguições dos governos
castilhista e depois borgista. O autoritarismo do estado positivista do PRR,
entretanto, fazia-se sentir até no limite da Fronteira. Uma das edições domi-
nicais de O Canabarro, em 1900, foi queimada na linha divisória, por ordem
do inspetor fiscal e teve o seu distribuidor recolhido à prisão e só mais tarde
libertado51. A Fronteira, no início do século, ressentia-se do controle exercido
pelo comércio aduaneiro estadual e, enquanto as mercadorias chegavam às
cidades fronteiriças orientais, do lado brasileiro cidades como Livramento e
Quaraí “estavam reduzidas às mais precárias condições”. Essas casas brasilei-
ras eram abastecidas em seus artigos pelas casas das duas cidades vizinhas
História Geral do orientais: Rivera e San Eugenio.
Rio Grande do Sul
No decênio seguinte, o governo estadual, consciente das perdas que o co-
mércio gaúcho enfrentava com as exportações pela Fronteira e o continuado
e mútuo contrabando entre os dois países, resolveu estimular o desenvolvi-
Susana Bleil mento do setor viário, de portos e de transportes.
de Souza

50 Ibidem.
51 ROSAS de Chanfalho. O Maragato¸ Rivera, 14 mar. 1900, p. 1.
326
Com isso, o governo Borges de Medeiros tentava resolver, por um lado,
o problema do contrabando que há muito tempo alimentava o consumo rio-
grandense e, por outro, tentava reorientar o comércio exportador e importa-
dor para o Litoral do estado, uma vez que estava, em boa parte, em mãos es-
trangeiras. Assim, medidas como a redução dos fretes, a construção de ferro-
vias e a abertura da barra visavam canalizar o comércio da Fronteira para o
Litoral. Para o governo, o comércio organizava a produção e fazia parte do
processo de modernização do estado e da sua integração na economia mun-
dial, o que seria realizado através do comércio externo (SANTOS, 1982, p. 11-22).
Logo, esse comércio deveria ser apropriado pelos negociantes estaduais e não
mais pelo alto comércio montevideano como vinha sendo feito até então. Trata-
va-se de nacionalizar a totalidade do comércio gaúcho realizado com o exterior
e comerciar diretamente com os outros portos brasileiros, sem a intermediação
dos barraqueros montevideanos. Tratava-se de passar às mãos dos comercian-
tes estaduais a acumulação de capital que se fazia junto aos comerciantes plati-
nos, pois com o trânsito e a reexportação, o valor agregava-se ao processo de
mercantilização, no porto platino, e escapava aos comerciantes do Litoral.
Embora existissem algumas possibilidades de acumulação de capital no
pólo produtor, nas charqueadas, frigoríficos e algumas unidades fabris, a
apropriação – alocação dominante – residia na circulação (MÜLLER, 1972, p.
41). Conseqüentemente, tanto o governo estadual quanto os agentes econômi-
cos consideravam que os transportes se constituíam num verdadeiro proble-
ma ao desenvolvimento econômico do estado, ou, pelo menos, num de seus
principais entraves. Observe-se que a questão fundamental não era propria-
mente a dos transportes, mas a do valor de troca das mercadorias. Como toda
a ação reguladora era feita pelo mercado, a produção era aparentemente co-
mandada pela circulação ou pelo menos era essa a acepção da classe dominan-
te. Tanto pecuaristas, charqueadores e comerciantes da Fronteira quanto co-
lonos das lavouras gaúchas da região serrana, junto com os comerciantes do
Litoral, consideravam a questão dos transportes um dos problemas essenciais
(MÜLLER, 1972, p. 45). Assim, tanto o governo do estado, imbuído da sua idéia
de modernização e progresso, caras ao positivismo seguido pelo PRR, quan- Volume 3
República Velha
to os grupos que compunham o bloco no poder consideravam a rede ferroviá- Tomo I
ria e o aparelhamento de um porto marítimo de capital importância para o
crescimento econômico do estado. X.
Borges de Medeiros, já em sua mensagem de 1905, identificava as neces- Comércio e
contrabando na
sidades de um porto para navios de grande calado destinados à economia gaú- articulação
cha, pois aumentariam a rapidez da navegação e diminuiriam as taxas de se- econômica...

guro e os fretes. 327


No terceiro governo Borges de Medeiros, iniciado em 1913, tanto a rede
ferroviária quanto o Porto do Rio Grande estavam atrelados a duas empresas
estrangeiras por contratos onerosos firmados pelo governo da União. O má-
ximo lucro com pouca inversão de capital era o critério utilizado pelas compa-
nhias que controlavam o porto e as linhas férreas.
A fim de dar condições à expansão do comércio no interior do estado, além
de assumir o controle sobre o comércio exterior, bem como para combater o
contrabando, Borges de Medeiros decidiu lutar, junto ao governo federal, para
que a União encampasse a viação férrea e a arrendasse ao estado e que trans-
ferisse para este as obras do porto da barra do Rio Grande, bem como a cons-
trução do cais de Porto Alegre, na extensão de vários quilômetros (FERREIRA
FILHO, 1978, p. 199). O capital estrangeiro, ligado aos investimentos ferrovi-
ários e portuários, apresentava-se como um agente vitalizador e de crescimen-
to, mas também como obstaculizador das forças produtivas. Esse último pa-
pel era devido à negligência para com os contratos assumidos ou estava liga-
do às “exigências exorbitantes em termos de garantias de juros sobre o capi-
tal, bem como da taxa de exploração dos serviços do porto e da barra”
(MÜLLER, 1972, p. 43-4).
Em sua mensagem, Borges de Medeiros afirmava que “presidindo ao li-
vre jogo das forças econômicas”, competia ao estado “exercer uma ação regu-
ladora na medida das necessidades indicadas pelo bem público”, o que signi-
ficava que a administração de tais serviços deveria estar a cargo “exclusiva-
mente do poder público”. Foi também em seu terceiro mandato que Borges
de Medeiros, em 1913, estabeleceu o Plano de Viação Geral do Estado, com-
preendendo ferrovias, rodovia, lagos e canais. Com o desassoreamento dos
rios, a abertura de canais e a construção de cais, o governo estadual “despendeu
em 1913 cerca de 1.170 contos de réis” e em “estradas de rodagem, no mes-
mo ano, despendeu vinte e três vezes mais que o último governo da monar-
quia em 1889” (FERREIRA FILHO, 1978, p. 201). Em 1919, através de conver-
sações com o governo federal, responsável pelo arrendamento da Companhia
Francesa do Porto de Rio Grande, o governo estadual encampou a barra e o
História Geral do
Rio Grande do Sul
porto. Da mesma forma agiu o governo em relação à viação férrea que, de 1898
a 1920, achava-se em mãos da Cie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil
(Ibidem, p. 44-45).
A atuação do governo estadual era explicada, segundo a sua própria jus-
Susana Bleil
de Souza tificativa, como a “socialização dos serviços públicos”.
Entretanto, o comércio fronteiriço continuava a braços com as suas cri-
328 ses e o contrabando continuava burlando o Fisco. As praças do Litoral, por
outro lado, criticavam constantemente os comerciantes fronteiriços, muito
especialmente os de Sant’Ana, acusando-os de estarem desbancando os negó-
cios dessas praças por serem eles beneficiários do contrabando. Afirmavam que
os comerciantes de Sant’Ana tinham Montevidéu como mercado fornecedor
de seus produtos, em cuja Alfândega a armazenagem era gratuita por onze
meses ao ano. A tarifa em vigor nas Alfândegas da União era a mesma,
Sant’Ana não tinha nenhum privilégio, logo, ao custo das mercadorias na Eu-
ropa, deveria ser acrescentado o frete para Montevidéu; os direitos de impor-
tação na República Oriental; o lucro do importador; o frete até a Fronteira; os
seguros e o lucro do vendedor em Sant’Ana e mais o transporte da Fronteira
até a praça compradora. Logo, se não estivesse havendo singularidades na in-
trodução das mercadorias pela Alfândega de Livramento, os preços dos pro-
dutos não poderiam ter condições tão vantajosas na concorrência com o comér-
cio do Litoral52.
Os dois decênios seguintes ao início do novo século se caracterizaram por
um declínio importante no comércio de importação da Fronteira. Para os co-
merciantes, a razão da crise que atravessava o comércio e que levava ao au-
mento do contrabando residia em vários fatores: o excesso dos tributos de im-
portação onerava o comércio; as tarifas brasileiras eram 60% mais altas do que
as uruguaias e as argentinas, havendo artigos, particularmente os tecidos es-
trangeiros e as lãs, em que a diferença atingia até 150%. Ora, se o comerciante
gastava 30% ou 40% com a introdução ilícita de mercadorias, ainda teria um
lucro líquido que compensava os riscos aos quais se expunha. Como solução
para a crise, os comerciantes propunham uma nova tarifa especial, pois mes-
mo a abertura de um banco que lhes proporcionasse os créditos e os capitais
necessários às transações mercantis e às melhorias do porto de nada adian-
tariam se não viessem acompanhadas daquela medida53.
O Ministério da Fazenda considerava que a extensão da Fronteira e as
vantagens que o comércio vizinho oferecia ao consumidor tornavam impossí-
vel de se exterminar com o contrabando miúdo. O pequeno contingente de ho-
mens que constituíam a força fiscal não era suficiente para a guarnição de toda
a Campanha e para a vigilância nas ruas que dividiam as cidades brasileiras Volume 3
República Velha
das uruguaias. O risco do trabalho e os baixos ordenados dificultavam o recru- Tomo I
tamento de pessoal competente. Concluía esse Ministério que a repressão ao
contrabando feita pelo convênio firmado em 1899 era um mito54. Considerando X.
Comércio e
contrabando na
articulação
52 CONCESSÕES e Abusos. Gazeta do Commercio. Porto Alegre, 26 fev, 1902, p. 1. econômica...
53 O eterno cancro - A medida salvadora. O Maragato, 31 jan. 1907, p. 1.
54 BRASIL . Relatório do ministro da Fazenda. Relatório de 1906, p. 1019. 329
excessivamente onerosa para o estado a manutenção do convênio aduaneiro,
o então presidente Carlos Barbosa Gonçalves, em 13 de novembro de 1908,
denunciou-o, enviando ao Ministério da Fazenda sua declaração de rescisão55.
Denunciado o convênio, a reconstituição do serviço de repressão foi feita mon-
tando-se a Delegacia Especial do Ministério da Fazenda que fora criada pelo
decreto 2.431, de 8 de janeiro de 1897, a qual tinha sua jurisdição em toda a
fronteira do Brasil com as Repúblicas do Uruguai e da Argentina e nos vales
dos rios Santa Maria, Ibicuí e Uruguai e territórios compreendidos. Sua fun-
ção era impedir a entrada, pelas referidas fronteiras, de mercadorias ou ob-
jetos sujeitos a impostos aduaneiros sem estarem regularmente despachados
pelas Alfândegas de Uruguaiana, Sant’Ana do Livramento e Mesas de Ren-
das de Quaraí, Itaqui, São Borja, Jaguarão, Santa Vitória do Palmar ou por
outras repartições competentes56.
É importante salientar quais os fatores responsáveis pelos problemas eco-
nômicas do estado na consciência dos agentes de classe dominante, na fração
que constituía o bloco no poder.
A questão dos transportes era percebida, sem dúvida, como a causa do
desenvolvimento lento da economia. Mas, evidentemente, outros eram os fa-
tores que contribuíam para que esse grupo percebesse o desenvolvimento
econômico do estado mais lento, por exemplo, do que o de São Paulo. A ques-
tão do capital necessário, suas formas de aplicação e de evasão era um dos pon-
tos cruciais (MÜLLER, 1972, p. 49). O comércio exportador-importador em
mãos do alto comércio uruguaio, bem como a prática das transações ilícitas
eram poderosos limitadores de acumulação de capital pelos comerciantes
A outra forma de evasão dizia respeito ao fisco da União (Ibidem, p. 49).
É importante examinar rapidamente o pensamento republicano da classe
dominante rio-grandense, expresso no relatório do secretário da Fazenda, em
1903. Para ele, o problema econômico do estado resolvia-se pelo aumento da
produção e da exportação e pela cessação ou pela diminuição da emigração im-
produtiva dos capitais. O aumento da produção se fazia pelo aumento dos pro-
dutores, logo, da imigração, pelo aperfeiçoamento do trabalho, instrução téc-
História Geral do nica, prêmios à produção, venda barata de instrumentos agrários e de máqui-
Rio Grande do Sul
nas, crédito agrícola, e criação dos meios de transporte que, como se vê, con-
tinuavam a ter sempre lugar de destaque, mas que, nesse caso, ingressavam
mais como condição à produção. Para o secretário, a arrecadação forçada de
Susana Bleil
de Souza
55 MENSAGEM à Assembléia de Representantes do estado do Rio Grande do Sul, pelo presidente
Carlos Barbosa Gonçalves, Porto Alegre, A Federação, 1909, p. 44-47.
56 REPRESSÃO do contrabando. O Maragato, Rivera, 20 mar. 1910, p. 1.
330
COSTA, 1922.
capitais promovida pelas leis fiscais da União empobrecia o
estado57. A partir do projeto regional dos republicanos de
promover um desenvolvimento diversificado da produção,
viu-se que certos setores já mais desenvolvidos, como a pe-
cuária, deveriam ser mais taxados do que aqueles que ainda
estavam em expansão. A partir dessa visão do PRR, com-
preende-se melhor as medidas tomadas pelo partido no go-
verno em relação à aplicação de impostos e taxas no Rio
Grande do Sul, no qual “estabeleceram o imposto territorial
e distinções na cobrança de taxas de exportação, que eram
mais elevados para os produtos provenientes dos grandes
propriedades pecuaristas” (ANTONACCI, 1981, p. 21).
A essa proposta do partido republicano opunha-se a Carlos Barbosa Gonçalves
fração agrária mais centrada na pecuária. Os descontenta-
mentos, tanto de caráter econômico quanto político, com o
projeto do PRR levaram à articulação dos grupos de oposi-
ção numa campanha contra aquele partido. No movimento
de aproximação das oposições, apareceu Assis Brasil, destacado líder pecua-
rista e figura de prestígio político, que via no espírito republicano histórico as
aspirações democráticas e liberais e que rejeitava o princípio ditatorial do
exclusivismo partidário. Assis Brasil consolidou sua liderança no congresso de
fundação do Partido Republicano Democrático, em 1908, e lançou as bases
programáticas de seu partido com o discurso depois publicado com o título “Di-
tadura, parlamentarismo, democracia”. Para ele,

a fração da classe dominante gaúcha desalojada do aparelho estatal lutou para ampliar
as bases de representação do estado, a fim de conseguir acesso aos cargos de de-
cisão e participar da elaboração das diretrizes governamentais.

Com esse acesso e participação pretendiam, segundo o seu discurso liberal


e atraente aos segmentos da agropecuária e do comércio da Campanha, “orien- Volume 3
tar a política econômica do governo rio-grandense, de forma a patrocinar mais de República Velha
Tomo I
perto os interesses agropecuários no Rio Grande do Sul” (ASSIS BRASIL, 1927, p.
184-191).
X.
Algumas das propostas de Assis Brasil interessavam aos pecuaristas, prin- Comércio e
cipalmente as que diziam respeito à valorização da terra e das atividades agrope- contrabando na
articulação
econômica...
57 RELATÓRIO do secretário da Fazenda Álvaro Baptista. Porto Alegre: OfficinaTipographica de A
Federação, 1909. 331
cuárias. Do mesmo modo, pelo seu discurso liberal o partido teria a tendência a
atrair as simpatias do comércio da Campanha. As reformas das tarifas de impor-
tação em vigor já seriam, por si só, um programa de partido político, segundo ele.
As duas objeções contra o abaixamento das tarifas diziam respeito às necessida-
des de renda por parte do tesouro nacional e a proteção à indústria nacional por
meio dos altos impostos. Assinalava Assis Brasil que o Brasil era o país do mun-
do que cobrava os mais altos impostos de importação e que os impostos no Uru-
guai eram mais ou menos 35% do valor da mercadoria, enquanto na Argentina
era de cerca de 30%. Logo, a providência mais urgente e segura que deveria
ser tomada para fazer crescer a renda das alfândegas seria o abaixamento da
tarifa para um nível conveniente (Idem, p. 184-191), que não deveria ser su-
perior ao mantido pelas duas Repúblicas platinas, de onde era proveniente o con-
trabando. O efeito lógico das altas tarifas era o contrabando. Para combatê-lo bas-
taria seguir o exemplo das Repúblicas vizinhas: “tarifas baixas para o contraban-
do a retalho e trânsito livre das mercadorias até a fronteira, para o contrabando
em grosso” (Ibidem, p. 194). Ele reafirmava a situação que a imprensa da frontei-
ra vinha retratando: as povoações estrangeiras, como Santo Tomé, Alvear, Libres,
Santa Rosa, San Eugenio, Rivera e Artigas, que antes eram pequenas aldeias com-
paradas às cidades de São Borja, Itaqui, Uruguaiana, Quaraí, Sant’Ana e Jagua-
rão “tornavam-se prósperas, animadas e ricas, enquanto que as nossas decaem com
o seu comércio moribundo” (Ibidem, p. 195). Assim, o contrabando fizera-se regra
e o contrabandista era justificável: “E o contrabandista, se é delinqüente, é ainda
mais digno de perdão do que a pecadora amparada para Cristo. Sem ele, a vida
seria impossível [...] Fica o dilema aberto: não consumir ou consumir do contraban-
do” (Ibidem, p. 196). Em seu discurso, Assis Brasil considerava que o protecionis-
mo exagerado era negativo. Sua teoria era de que o livre câmbio era o ideal do co-
mércio. Por sua orientação política, Assis Brasil liderou as oposições gaúchas, en-
tre as quais estavam os federalistas da Fronteira. A exigência de uma política de
defesa da pecuária, em um momento em que a opção da política borgista era de
desenvolvimento global da economia gaúcha, ao mesmo tempo em que era pre-
tendida a sua continuidade no governo estadual, levou a parcela oposicionista da
elite gaúcha às armas para tirar Borges de Medeiros do poder.
História Geral do
Rio Grande do Sul As facilidades do trânsito, o crédito concedido aos comerciantes brasileiros
pelos negociantes uruguaios e o contrabando realizado pela fronteira terrestre e
fluvial tornavam a Fronteira gaúcha uma área de interação e interdependência
Susana Bleil com a economia mercantil do Uruguai. O Brasil, durante este período, vinha atra-
de Souza vessando uma fase de transição capitalista. Durante a República Velha, o espaço
econômico era uma articulação de mercados estaduais que só a partir de 1930 pas-
332 sou a integrar-se sob o comando do eixo Rio-São Paulo (MÜLLER, 1972, p. 29). Essa
era uma fase de competição pelos mercados, de luta para encerrar no todo da eco-
nomia nacional as economias que se realizavam nos diversos espaços regionais.
A porção ocidental rio-grandense, a Fronteira e a Campanha gaúcha,
durante este período, estariam saindo de uma estreita articulação econômi-
ca com seus vizinhos platinos, passado a integrarem-se comercialmente com o
restante do estado sulino, possibilitando assim uma maior acumulação interna de
capital.
A unificação do mercado interno do estado, principalmente o da Fronteira
com o do Litoral, era antiga reivindicação dos comerciantes de Porto Alegre, Rio
Grande e Pelotas. Visando justamente a nacionalizar e integrar o comércio gaú-
cho, o governo do PRR, na década de 20, tomara uma série de medidas com esse
objetivo, como a organização de um banco, a estatização do porto de Rio Grande
e das ferrovias gaúchas. Tais medidas, entretanto, não tiveram o efeito imediato
esperado. O porto de Rio Grande continuava a sofrer a concorrência com o de Mon-
tevidéu e o contrabando continuava subtraindo-se aos impostos em ambos os la-
dos da Fronteira, embora mais moderadamente.
Por muito tempo, o município de Livramento reclamou das dificuldades com
os transportes para chegar ao porto de Rio Grande. A ferrovia rio-grandense só
chegou à cidade quase duas décadas após a chegada da ferrovia uruguaia a Rive-
ra. Mesmo atingindo o porto gaúcho, grandes eram as dificuldades para chegar-
se até lá, pois a conexão era feita via Cacequi, por uma via de tala estreita e que
apresentava muitas dificuldades para um tráfego rápido e pesado. Apesar da
construção de vias férreas que facilitariam o acesso ao porto do Rio Grande e da
abertura da barra, a integração nacional da Fronteira ainda não se concluíra. O
vínculo com Montevidéu não foi definitivamente rompido. A integração efetiva
da Fronteira ao resto do país só foi realizada quando Porto Alegre e São Paulo,
através da rodovia nos anos 50, passaram a ocupar a posição de pólo desse es-
paço regional.

Volume 3
República Velha
Tomo I

X.
Comércio e
contrabando na
articulação
econômica...

333
História Geral do
Rio Grande do Sul

Susana Bleil
de Souza

334
Capítulo XI

A ECONOMIA E A INDÚSTRIA
DA MADEIRA

João Carlos Tedesco


Liliane I. M. Wentz

A indústria extrativa de madeira teve, no Rio Grande do Sul, seu primei-


ro impulso ligado à expansão das ferrovias. O fator-chave de desenvolvimen-
to do setor foi a interiorização e desenvolvimento do transporte a motor, meio
necessário para o escoamento das mercadorias agrícolas, associando-se às ne-
cessidades nacionais e internacionais intensificadas pelo primeiro contexto bé-
lico mundial.
O período da República Velha no Rio Grande do Sul foi marcado por um
grande dinamismo no desenho de um perfil econômico que foi a característi-
ca principal de muitas décadas posteriores. Esse processo foi alimentado por
empresas colonizadoras públicas e privadas, por uma rede de comércio e co-
merciantes, no rural e no urbano, por uma malha ferroviária em expansão e
Volume 3
uma estrutura rodoviária com carretas e caminhões que recortaram regiões República Velha
Tomo I
do estado, ligando-o com outras do Sul do Brasil, em correspondência com
grandes mercados consumidores e com novas trajetórias de ocupação de fron-
teiras agrícolas e/ou de espaços econômicos já dinamizados, bem como outras XI.
A economia e a
frentes de expansão e de colonização. indústria
da madeira

335
Industrialização e territorialização da madeira
Sabe-se que no período da República Velha desenvolveu-se uma estrei-
ta ligação entre imigração/migrações e a economia da madeira no Rio Gran-
de do Sul. Esse processo deu-se, dentre outros aspectos, pelo viés do ambiente
construído, pelo aspecto da limpeza do terreno para produzir ou para criar o
gado (pastagens), pela mercantilização da madeira, seu uso como insumo nas
lides da unidade familiar, na constituição e representação do poder local em
sua interligação com a propriedade da terra e a rede de comércio local e regio-
nal.
Somam-se a esses processos, no período, as formas diversas de expropri-
ação de caboclos e índios que viviam do extrativismo e foram envolvidos no tra-
balho da extração, industrialização, transporte e comercialização da madeira,
bem como pelos processos, não muito edificantes, de apropriação da terra por
grupos do ramo madeireiro e colonizador, comumente expoentes do grande
capital internacional, nacional e regional, ligados ou não aos processos de
ocupação das regiões e fronteiras agrícolas do Rio Grande do Sul.
A expansão da extração da madeira no final do século XIX e nas primei-
ras décadas do século XX possuiu um vínculo profundo com o desenvolvimen-
to da agricultura e a valorização e capitalização das terras, ambos sendo vis-
tos e interpretados como representação do progresso. Muitos comerciantes
e industriais do ramo capitalizaram-se, bem como abriram possibilidades para
a consolidação de rendeiros e proprietários de terra no Rio Grande do Sul.
Atores sociais, econômicos e políticos organizaram-se em razão do traba-
lho, da renda da terra, da exploração de recursos florestais, da presença da
ferrovia e seu recorte do espaço agrícola, desenhando trajetórias de ocupação,
valorização e territorialização do mesmo. Integrado a esse processo estava a
introdução de relações modernas de produção e de vínculos mercantis na base
das relações sociais, ocupação privada e econômica da terra, pela mescla de
relações produtivas entre uma agricultura de alimentos com características
históricas do desenvolvimento da pecuária, pela convivência – não de forma
História Geral do
Rio Grande do Sul pacífica – de relações capitalistas com formas não-capitalistas de produção, pela
dimensão rentista da terra com as formas avançadas e pretéritas de apropria-
ção capitalista e produtiva da mesma.
João Carlos No caso específico do colono (i)migrante, as matas ganharam sentido na
Tedesco, lembrança dos primeiros desbravadores porque foram tocadas pelo trabalho
Liliane I. M. Wentz
como se fosse a natureza trabalhada. O pioneirismo e o desbravamento fun-
dam-se neste (inter)relacionar-se espacial como local visível de trabalho, para
336
o trabalho e/ou que necessita de trabalho; local em que se pode morar, fazer
roça; lugar da realização da vida e da cultura do colono. Esse processo simbo-
liza dimensões de complementaridades hierarquizadas, valorizadas e inter-
cambiadas a partir do sistema de trabalho, da convivência da família e da
possibilidade de apropriação privada da terra, dos frutos da terra (madeira)
e do trabalho sobre a terra.
A grandiosidade manifesta no sentido simbólico da expressão da nature-
za íngreme, como atividade rudimentar que se transforma em domínio do na-
tural e cultural do homem através do trabalho, recoloca a dimensão do va-
lor de uso da natureza, mas também o uso como valor. É por isso que as pri-
meiras serrarias artesanais surgiram com a necessidade da economia domés-
tica e para abastecer os nichos de mercados dos núcleos coloniais. Existia uma
interligação entre pinhais e terra, entre terra com produção/criação e os pi-
nhais. Com o aumento da população, ocorreu a necessidade de mais terras
cultiváveis e de mais matéria-prima; como conseqüência, intensificou-se o corte
dos pinheiros, do cedro e de outras madeiras de lei.
Dinâmicas econômicas não necessariamente são condicionadas por lógi-
cas de organização ideológica político-estatal. Porém, ainda que se opte por dar
um limite temporal à análise, o período estudado é paradigmático na compre-
ensão do tema em questão. Novos espaços, novos processos organizativos do
setor, novos vínculos mercantis e novos elementos misturados com os anteri-
ores continuaram a dar dinamismo ao setor durante o Estado Novo.
Enfatizamos, sinteticamente, alguns aspectos de fundo do contexto bra-
sileiro e gaúcho no período e que possui correlação com a atividade em ques-
tão. O que caracterizou o Brasil do fim do século XIX e da primeira metade do
século XX, dentre outros aspectos, foi a intensa transformação sociopolítica e
econômica. Problemas como o da transição para uma economia de mão-de-
obra assalariada e a centralização do poder começaram a produzir rupturas
no modelo administrativo, vigente desde os tempos da colônia.
Apesar de possuir basicamente as mesmas contradições estruturais do Volume 3
restante do país, o Rio Grande do Sul seguiu o caminho inverso dos demais República Velha
Tomo I
estados da nação, no que tange à forma como se deu a consolidação do capita-
lismo em termos econômicos e políticos. No Rio Grande do Sul, tais transfor-
mações ganharam uma diretriz ideológica definida sob a égide da teoria XI.
A economia e a
comtista, com a consolidação de uma nova elite política dominante, cujos prin- indústria
da madeira
cipais representantes foram, respectivamente, Borges de Medeiros e Júlio de
Castilhos.
337
O que chama a atenção, no caso gaúcho, é o fato de que em uma conjun-
tura de federalização como a da República Velha, os poderes políticos foram
paulatinamente sendo outorgados às elites regionais que os exigiam ainda no
período imperial. No estado gaúcho, a acomodação política das elites sob do-
mínio do novo sistema, deu-se somente após uma guerra, na qual a elite polí-
tica vigente, representante da tradicional oligarquia rural sulina (onde a pe-
cuária e a charqueada eram a base do sistema econômico), fora alijada do po-
der por uma nova elite política capaz de aglutinar os inúmeros setores sociais
emergentes das transformações estruturais iniciadas na última metade do
século XIX.
A partir de 1870 evidenciam-se as contradições internas do sistema escra-
vista no Rio Grande do Sul principalmente em torno da existência de uma eco-
nomia de desperdício da força de trabalho, baixa produtividade, impossibili-
dade de adequação entre a oferta e a demanda e de baixa capitalização.
Sob a influência do espírito progressista, de modernização social e de
centralidade política do governo positivista, é que, então, a partir do advento
da república, o estado gaúcho começou seu processo de industrialização, as-
sentado sobre a acumulação de capital obtida pela produção pastoril charquea-
dora (ainda a principal fonte de divisas do estado), e também pela crescente
História Geral do
Rio Grande do Sul economia colonial-camponesa, em especial teuto-italiana localizada nas encos-
tas inferior e superior do planalto (MAESTRI, 2001, p. 67).
No Rio Grande do Sul, a economia desenvolvida em termos de uma agri-
João Carlos cultura comercial, especialmente no que tange à agricultura familiar, existente
Tedesco, principalmente nas regiões de imigração, fora capaz de manter o abastecimen-
Liliane I. M. Wentz
to interno através das exportações nacionais que caracterizaram a tradição
econômica do Rio Grande do Sul. O acúmulo de capitais, dava-se, então, não
338
COSTA, 1922.
Madeira transportada em
carroças. Alfredo Chaves, 1922.

mais pela produção agrícola em si, mas sim na comercialização da mesma,


onde se obtinham os maiores lucros.
Na região serrana gaúcha, onde se desenvolvera essa perspectiva
econômica de agricultura familiar policultora, com função primordial de abas-
tecimento do mercado interno, houve um impressionante crescimento da pro-
dução já por fins do império. Um dos principais produtos da região era a ba-
nha, a qual em 1890 já representava 11,6% das exportações do estado. Fonse-
ca afirma: “pode-se dizer que é através da banha que o norte do Rio Grande
integra-se definitivamente à economia estadual, iniciando gradualmente uma
transferência de hegemonia” (FONSECA, 1983, p. 62).
Compreende-se, então, que todo o processo de reestruturação política
ocorrida com a queda das tradicionais elites oligárquicas pastoris, em
congruência com os processos de imigração e conseqüente diversificação
econômica e inchamento dos setores médios havidos por inclusão social (e des-
toantes em uma sociedade em que somente existiam patrões e escravos), criou
condições para o desenvolvimento e a ocupação do espaço norte do Rio Gran-
de do Sul, deslocando o eixo econômico, que antes se encontrava no sul pecua-
rista e charqueador.
É nesse contexto de modernização e redirecionamento da lógica econômi- Volume 3
República Velha
ca regional que se insere o presente estudo, no qual a estrada de ferro e o de- Tomo I
senvolvimento de uma economia madeireira (intrinsecamente ligada aos pro-
cessos de imigração/migração, comercialização do produto, em especial por
XI.
grupos do capital internacional, nacional e regional), foram os principais A economia e a
expoentes desse processo. indústria
da madeira
Várias regiões do Rio Grande do Sul estavam ocupadas por matas de pi-
nhais e outras madeiras de lei, em especial o espaço colonial do Noroeste, Su- 339
deste e Centro-Norte. Essas regiões foram, prioritariamente, apreciadas pe-
los imigrantes recém-chegados que utilizavam a madeira para construir suas
moradias, móveis, instrumentos agrícolas, entre outros. As toras de madeira
de lei também eram vendidas revertendo em recursos financeiros. Corteze
assinala que, “para o imigrante, a mata virgem sulina era, sobretudo, sinôni-
mo de terra fértil e de madeira a ser mercantilizada e aproveitada como ma-
téria-prima” (CORTEZE, 2002, p. 100).
Havendo necessidade de povoar as regiões Norte e da Serra, Borges de
Medeiros, então presidente do estado, procurou incentivar a imigração pro-
movendo o “equilíbrio regional: povoar estrategicamente regiões opostas às
regiões latifundiárias” (BARCELLOS, 1988, p. 52).
Não podemos esquecer que a região que vai ser de grande dinamismo da
madeira, a do Centro-Norte, até o final do século XIX era uma das mais atra-
sadas da província em termos econômicos, sendo caracterizada por grandes
florestas virgens, pinhais, ervais e por uma incipiente pecuária; organizava
sua economia mesclando extrativismo, madeira, pecuária e agricultura de
baixo volume de produção.
Com a colonização européia, primeiramente, de alemães para São
Leopoldo e, posteriormente, pelos imigrantes italianos na região da Serra gaú-
cha, a Centro-Norte do estado passou a ser um espaço mais dinâmico em ter-
mos econômicos. Aproveitando-se da rede fluvial que percorre o nordeste do
estado, os colonos abasteciam os centros atacadistas com produtos de origem
agropecuária, tais como a banha, os cereais e os vinhos.
O processo de migração interna, principalmente de deslocamento de des-
cendentes dos primeiros imigrantes em busca de novas terras, fez do norte e
nordeste do estado, após as primeiras décadas do século XX, regiões cujas ter-
ras estavam praticamente ocupadas. Ainda que coabitasse com espaços de pe-
cuária típica do Sul e da região fronteiriça com outros países do Prata, a re-
gião de (i)migração caracterizou-se pela pequena propriedade, mesclada a uma
agricultura diversificada, em alguns momentos com maior expressão comer-
cial, em outros, menos.
História Geral do
Rio Grande do Sul Porém, não só nessa região a agricultura de subsistência e o artesanato
foram, aos poucos, substituídos pela dinâmica de uma agricultura comercial,
a qual já vinha se alterando nas colônias alemãs e em outras colônias mais an-
João Carlos tigas, vinculadas e mediadas pelos comerciantes (com seus cargueiros, caixei-
Tedesco, ros-viajantes, carreteiros e caminhoneiros; posteriormente, grandes agroin-
Liliane I. M. Wentz
dústrias de banha, vinho, cereais e carnes...), aprofundando e complexificando
as relações entre o colono e ramos do capital comercial e/ou industrial (madei-
340
ra, banha, trigo), e também ampliando redes de comércio e de interligação
inter-regional.
Para Zarth, a preocupação de criar colônias nas matas do Alto Uruguai
como forma de povoar a fronteira com a Argentina vinha desde os tempos do
império; no entanto, havia a necessidade de derrubar as matas para a cons-
trução de casas, pontes e utensílios, devastação que foi feita sem qualquer con-
trole (ZARTH, 1997, p. 77).
Inicialmente, o estado do Rio Grande do Sul era coberto por quatro
regiões distintas de vegetação: a Campanha, composta de campos próprios
para a criação de gado; o Planalto, formado por um terreno acidentado e flo-
restas com vários tipos de árvores de madeira de lei; a Depressão, no centro
do estado, onde se localizavam os grandes rios Jacuí, Ibicuí, Taquari e outros,
e Campos de Cima da Serra, formada de campos entre as matas do Planalto
e do Alto Uruguai.
Nesse início de século XX, nas florestas do Rio Grande do Sul, abunda-
vam as madeiras de construção. Os matos naturais ficavam nos vales dos gran-
des rios e especialmente na Serra Geral e nas suas ramificações, que se esten-
diam pelo centro do estado e pelos rios Uruguai, Jacuí e Taquari, onde se en-
contravam as melhores madeiras.
Na região do rio Uruguai, a vegetação alcançava proporções gigantescas
e havia grandes extensões cobertas de pinheirais. O pinheiro era uma das ár-
vores de maior valor em virtude de sua exportação. Crescendo até 45 metros,
com troncos cuja grossura variava entre 1 e 3 metros, em geral essas árvores
produziam, cada uma, oito a dez dúzias de tábuas.
O seu fruto era ótimo alimento e foi largamente utilizado pelos primei-
ros imigrantes e na criação de suínos. O pinho era muito utilizado para con-
fecção de assoalhos, forros e mastros. A sua resina substituía a terebintina e
os seus nós prestavam-se para obras de adorno, bem como para combustível,
fornecendo excelente carvão, muito apreciado na fabricação de pólvora; tam-
bém se extraíam dos nós de pinho o alcatrão e o carbolineu.1
Para concretizar o uso dessas matérias-primas era necessária muita mão- Volume 3
de-obra. E a maneira encontrada para supri-la foi aproveitar a chegada e a dis- República Velha
Tomo I
tribuição espacial dos imigrantes europeus bem como a conseqüente rede de
empreendimento exploratórios e mercantis ligados às serrarias.
XI.
Apenas para se ter uma idéia, em 1920, Minas Gerais tinha 2.252 esta- A economia e a
belecimentos produtores de madeiras, São Paulo possuía 1.768 e o Rio Gran- indústria
da madeira
1 O alcatrão é uma substância viscosa, utilizada, entre outras coisas, para untar cascos de
navios, e o carbolineu era usado para preparar móveis. 341
de do Sul apresentava 4.824, na sua grande maioria explorando apenas um
tipo de madeira, o pinheiro (PIMENTEL, 1943, p. 353). Desse modo, essa ár-
vore nativa foi uma das principais riquezas exploradas no sul do país e que,
também, por um bom período envolveu um contingente significativo de tra-
balhadores.
Ainda que se ressalve a dificuldade de se ter uma estatística mais apu-
rada em razão da mobilidade da força de trabalho, das atividades sazonais
(principalmente as ligadas ao transporte de balsas, o período da derrubada
das matas etc.), das formas variadas de relações de trabalho, da metodologia
de obtenção de informações etc., dados indicam que nos anos 20 as indústrias
madeireiras do país empregavam 12.632 pessoas de um total de 275.512 operá-
rios das indústrias brasileiras (SIMONSEN, 1973, p. 17), significando que 4,58%
do total de empregados estavam ligados à indústria extrativa da madeira. Fi-
cavam excluídos dessa conta os arrastadores, os balseiros, os carroceiros e
outros envolvidos indiretamente com a derrubada da mata.
Os pinheirais, que se estendiam do Planalto gaúcho ao Norte do Paraná,
forneciam matéria-prima abundante para as serrarias, as quais se multiplica-
ram nas primeiras décadas do século XX. Migrações de serrarias se alinhavam
com as migrações de homens; no conjunto, produziam territorialidades eco-
nômicas e ocupacionais da madeira. Redes de comércio, estrutura viária,
mercados consumidores locais e de amplitude variada, utilizações diver-
sas da matéria-prima e seus correlatos industriais (tábuas, barrotes, cai-
bros, mata-juntas, costaneiras etc.), profissões, etnias e formas variadas de
apropriação e de negócios das terras, dentre outros aspectos, envolviam
essa territorialidade econômica da madeira em algumas regiões do Rio
Grande do Sul.
A produção industrial sulina manteve seu padrão de pequenas e médi-
as unidades dispersas e apoiadas na utilização de trabalhadores com fortes
raízes rurais, porém, com identidades diversas no contato e na importância
da terra em seu universo cultural.
História Geral do
Rio Grande do Sul
A indústria da madeira, nas primeiras décadas do século XX, colaborou
em muito para o perfil sulino de estado industrial, com forte setor agropasto-
ril. Ao lado da exportação de carnes congeladas e dos subprodutos da pe-
João Carlos
cuária, tomou vulto a exportação de madeiras, que nasceu das necessida-
Tedesco, des locais, cresceu, evoluiu e ganhou dimensões interestaduais, sendo um
Liliane I. M. Wentz
dos setores importantes no emprego da mão-de-obra, principalmente no
meio rural.
342
Tabela 1. Exportação de madeira no Rio Grande do Sul – 1920-40.

Anos Toneladas Valor em Cr$


1920 20.122
1921 18.517
1924 38.649
1926 33.954
1927 55.586
1929 57.988
1931 39.499 6.358.794,00
1932 41.657 5.188.925,00
1933 48.293 5.368.178,00
1934 35.725 4.016.440,00
1936 54.555 6.545.377,00
1937 58.184 7.852.743,00
1938 66.283 7.687.876,00
1939 84.777 10.629.525,00
1940 76.814 16.700.529,00
Fonte: de 1920 a 1929: FONSECA, 1983, p. 137. De 1931 a 1935: PIMENTEL, 1943, p. 363 e 578.

Não foram encontrados dados sobre os valores obtidos com a exportação


de madeiras de 1920 a 29, mas fica registrada a oscilação na quantidade de
madeiras exportadas no estado do Rio Grande do Sul. Entre 29 e 31, obser-
va-se uma queda de 32%, o que atribuímos à crise mundial de 29 e à Revolu-
ção de 30 no Brasil, as quais podemos inferir como sendo, pelo menos em par-
te, responsáveis pela diminuição no volume exportado.
Chama ainda atenção nesse demonstrativo numérico o aumento no preço
da madeira durante a II Guerra Mundial, o que constatamos relacionando os
anos de 1939 e 40: no primeiro, para as mais de 84 mil toneladas, os valores
recebidos atingiram mais de dez milhões de cruzeiros; já, no ano seguinte, di-
minuiu em 7.963 toneladas e foram ganhos seis milhões de cruzeiros a mais.
Se compararmos, em âmbito nacional, que o pinho ocupava a 17ª posição dos
produtos exportados em 1934 e 35, exportando respectivamente, 106.972.757 Volume 3
quilos e 130.749.846 quilos, veremos que o Rio Grande do Sul era o responsá- República Velha
Tomo I
vel por, aproximadamente, 30% do total exportado. Além dos mercados plati-
nos que detinham 89% do total exportado em 1925, os mercados europeus tam-
bém eram compradores do madeirame brasileiro, como a Alemanha, Bélgi- XI.
A economia e a
ca, Estados Unidos, Espanha, Portugal e outros. indústria
da madeira
É importante analisar a economia da madeira ligada a um contexto de
desenvolvimento, o qual possuía ligação estreita com a imigração e as migra-
343
ções internas, com a ocupação dos espaços de fronteira agrícola do norte do
Rio Grande do Sul, a cultura de alimentos, as companhias colonizadoras e de
infra-estrutura de mobilidade no espaço (ferrovias, principalmente), bem como
o excedente de mão-de-obra no meio rural e urbano que já se evidenciava nas
primeiras décadas do século XX. Havia, sem dúvida, um cenário efervescen-
te de relações produtivas e sociais, o qual demandava maior regulação e
normatização do estado, principalmente no tocante aos âmbitos comerciais
(preços, mercado e infra-estrutura de transporte) e na extração de recursos
naturais, dentre os quais, a madeira.
O contexto socioeconômico da sociedade brasileira começou a mudar no
final do século XIX e início do século XX com o fim da escravidão e com o in-
centivo à vinda de imigrantes da Alemanha, Itália, Polônia, Portugal e Espa-
nha (BAER, 1975, p. 6). Esses imigrantes, especialmente alemães e italianos,
passaram a explorar os pinheiros sem critério e sem o devido aproveitamen-
to, levando a que as autoridades interviessem propondo leis que regularizas-
sem o desmatamento.
Segundo a Comissão de Terra e Colonização, havia duas formas princi-
pais de devastação das matas: derrubadas excessivas pelos intrusos, e corte
clandestino nas margens do Rio Uruguai e de seus afluentes para a exporta-
ção por balsas (GREGORY, 1992, p. 83). Mas, ao mesmo tempo, o governo agia
de forma a atrair esses trabalhadores, propondo melhorias para o transporte
e propiciando meios para a comercialização dos produtos extraídos das flores-
tas sulinas, investindo principalmente nas ferrovias, que eram o caminho mais
indicado para adentrar no território e povoá-lo nas áreas de difícil acesso. Passo
Fundo, Carazinho e Erechim são exemplos de povoações que se desenvolve-
ram após a chegada da ferrovia. A estação ferroviária tornou-se um marco do
núcleo urbano central. O Planalto gaúcho, colonizado a partir de 1890, passou
em 1915 a ser o principal produtor de madeira até a II Guerra Mundial quan-
do começaram a surgir os primeiros sinais de esgotamento (Ibidem, p. 83).
Em 1913, a exportação de madeiras no Brasil era de 20 mil toneladas,
atingindo no ano de 1932 mais de 101 mil toneladas, sendo o Rio Grande do
História Geral do
Rio Grande do Sul Sul o maior exportador com 32.472 toneladas, ou seja, do total exportado, o
Rio Grande do Sul participava com 32,15%. No ano de 1923 a exportação nacio-
nal de pinho representava 77,41% e as demais madeiras 22,59% (PIMENTEL,
João Carlos 1943, p. 361).
Tedesco, O município de Passo Fundo registrava 34 serrarias em 1907, sendo que
Liliane I. M. Wentz
em 29 apareceram 362 empresas madeireiras, algumas empregando mais de
344 cem pessoas. Carazinho, ainda como 4º distrito de Passo Fundo, possuía 174
empreendimentos madeireiros no final da década de 20, abarcando mais da
metade das empresas pertencentes ao município de Passo Fundo e justificando
ser o maior empório madeireiro do Planalto gaúcho. As bases econômicas
da região Norte do Rio Grande do Sul, nas décadas de 30/40, estavam assen-
tadas na indústria madeireira, com a exploração dos pinheirais, projetan-
do Carazinho, Passo Fundo e Erechim como respeitáveis centros madeirei-
ros do país.
Segundo Bellani (1991, p. 125), a exploração dos recursos naturais e o con-
seqüente comércio de madeiras, principalmente o do pinho, foram realizados,
durante muitos anos, com plena e absoluta liberdade, sem coerção por parte
das autoridades fiscais: “Onde houvesse árvores para derrubar, as serrarias
se multiplicavam, com estoques nem sempre imediatamente diluídos nos
mercados compradores”.
Os grandes grupos do setor madeireiro do estado intensificaram sua ação
no momento em que as empresas que viabilizaram o transporte ferroviário no
Brasil estavam em forte expansão. Como o trem era a expressão máxima da
idéia de progresso, não poderia deixar de contagiar o cenário todo por onde
passava, não importando o que ou quem lá existia ou já estava vivendo há
séculos no espaço de passagem.
Centenas de serrarias, milhares de trabalhadores específicos, famílias de
colonos migrados das antigas colônias e de outras partes do Rio Grande do Sul
e dezenas de comerciantes deram conta da destruição dessa fonte de renda
que os jornais da época não cansavam de mencionar, aliando destruição com
acumulação de capital, enfatizando a necessidade de serem adotados méto-
dos mais modernos de extração da madeira, bem como de inserir o produto
brasileiro no mercado mundial. É importante frisar aqui que os ditos “méto-
dos modernos” não o eram na perspectiva do corte racional do produto, mas,
sim, da adoção de instrumentos mais ágeis e dinâmicos economicamente.
O Relatório da Secretaria de Obras Públicas do Rio Grande do Sul re-
gistrava que a indústria da madeira era essencialmente nômade; atingira a
capa florestal do Planalto desde 1890, com a abertura de novas colônias, quer Volume 3
República Velha
alemãs, quer mistas, e essa zona florestal fornecia, a partir de 1915-20, a prin- Tomo I
cipal produção de madeira; conservou sua preponderância nesse setor, ten-
do, porém, a II Guerra Mundial ativado a exploração da madeira. Vacaria e
XI.
Lagoa Vermelha, no Planalto, como Santo Ângelo e Santa Rosa figuravam A economia e a
entre os primeiros produtores a partir de 1930, ao lado de Passo Fundo e Cara- indústria
da madeira
zinho que permaneceram, ainda assim, os grandes centros madeireiros. O vo-
lume exportado aumentou regularmente de 39.499 toneladas, em 1931, para 345
76.814, em 1940. O Rio Grande do Sul ocupava, então, o primeiro lugar entre
os estados brasileiros, graças à exploração de enorme reserva de araucária do
Planalto (BELLANI, 1991, p. 89).
Já vimos que o comércio, o comerciante, as colônias agrícolas e a rede
infra-estrutural em torno da madeira foram também características marcan-
tes desse processo no Rio Grande do Sul. No dizer de Singer, era natural que
imigrantes mais novos, sem raízes na terra, entregassem seus interesses
comerciais aos mais antigos – ainda que de outra nacionalidade – que já
possuíam capital, experiência e ligações comerciais etc. O comerciante alemão
dominou, pelo menos até o começo do século XX, o mercado das colônias ita-
lianas, do mesmo modo que dominava o das colônias alemãs.
Os mais ricos da colônia eram os comerciantes, entre os quais, segundo
Roche, o patrimônio era não só mais elevado, mas também composto, na
maior parte, do capital investido, no negócio que assegurava lucros incompa-
ravelmente superiores aos de uma exploração agrícola, graças, ao mesmo
tempo, à elevação das margens de lucro e à rapidez de giro das reservas. A ex-
tração da madeira contribuiu em muito nisso tudo. Entretanto, em virtude de
suas origens rurais, o comerciante continuou, por muito tempo, a comprar ter-
ras para emprego de capital, e os investimentos imobiliários mantiveram-se
freqüentes até fins do século XIX (ROCHE, 1969, p. 412).
A estrutura fundiária começou a se redesenhar em razão das novas pos-
sibilidades de extração econômica da terra. O trigo e a madeira vincularam-
se; proliferaram também pequenos proprietários que, aos poucos, marginal-
mente ou não, foram sendo induzidos, em geral mediados por comerciantes
locais, a se inserir nos canais da modernização produtiva sob a égide da lógi-
ca do excedente e do mercado. A pequena propriedade difundida pela migra-
ção européia espalhou-se em meio ao latifúndio; pecuária e agricultura poli-
cultora se mesclaram espacialmente, contribuindo para a constituição do for-
mato econômico e social no meio rural e urbano.
O trigo, o suíno, a banha, o milho, o arroz e o gado, ambos ligados aos mo-
inhos, aos matadouros, frigoríficos, curtumes, serrarias, fusionaram-se por
História Geral do
Rio Grande do Sul inteiro nesses primeiros anos do século XX, compondo grande parte da estru-
tura produtiva e de intermediação no mercado gaúcho e reorientando o for-
mato da estrutura fundiária. Essa passa a se apresentar com um grande nú-
João Carlos
mero de pequenos agricultores, o que os induzia a produzir culturas intensi-
Tedesco, vas na área plantada; o inverso aconteceu após a década de 40, com a produ-
Liliane I. M. Wentz
ção de trigo pela categoria dos granjeiros, que se tornaram grandes arrenda-
tários e, logo após, proprietários modernizados de culturas dinâmicas.
346
(1)
COSTA, 1922.

(2)

(3)

1 e 2) Estação Pinheiro
Marcado; 3) Estação Pulador.
Passo Fundo. Linha férrea
Marcelino Ramos-Santa Maria.
1922.

A cultura do trigo ganhou grande impulso com a política varguista no co-


mando do estado. Porém, ainda antes, em 1912, o Ministério da Agricultura
criara o primeiro campo experimental de trigo no Rio Grande do Sul. Em
1918, o governo federal dispôs-se a conceder prêmios em máquinas agrícolas
aos sindicatos e cooperativas que cultivassem trigo naquele ano e no seguin-
te. Em 1919, foram fundadas várias estações experimentais no Paraná e no
Rio Grande do Sul. A idéia, que logo depois seria implantada em nível nacio-
nal, era de propiciar a produção interna de alimentos e, de preferência, a pre-
ços baixos. Porém, a falta de recursos financeiros, de conhecimentos técnicos
e de redes de comercialização levou a que os resultados esperados nos primei- Volume 3
ros anos de atuação desses centros não fossem expressivos. República Velha
Tomo I
Os colonos dinamizaram o crescimento do comércio e dos comerciantes,
estes que acumularam capitais no meio rural e no meio urbano e investiram
XI.
em outros setores ligados comumente a terra. A madeira cedeu e limpou o A economia e a
espaço para o trigo, que se consorciou com o milho, o qual, por sua vez, pro- indústria
da madeira
moveu a criação de suínos e sua conseqüente industrialização e comércio da
banha, produção essa de grande destaque na economia gaúcha e, em
347
particular, nas regiões colonial e Centro-Norte do estado. Combinações, siner-
gias, adequações e complementaridades agrupam esses processos. É nessa
aglutinação de fatores que se retroalimentam que o capital fundiário na agri-
cultura nasce e se desenvolve; transforma-se em capital porque se valoriza,
produzindo relações que, a priori e aparentemente, não possuem caracterís-
ticas capitalistas.
Não há dúvida que na República Velha o governo brasileiro investiu pe-
sados recursos na agricultura, na construção de estradas de ferro e na orga-
nização dos meios de transporte. O governo privilegiou os setores da econo-
mia que investiram na agricultura e cedeu ao capital estrangeiro a construção
de estradas de ferro, a organização fluvial e dos meios de transporte em ge-
ral (KLIEMANN, 1986, p. 105).
Sindicatos e companhias colonizadoras entregavam estudos sobre as
áreas produtivas, o tipo de clima e vegetação, demonstrando a importância de
colonizar determinadas regiões do estado.

As irracionalidades e os conflitos no processo


de extração e comercialização da madeira
Houve certa preocupação de autoridades políticas do estado no sentido
de coibir a forma desmesurada e irracional do corte da madeira. Ainda em
1900, pelo decreto-lei 313, o governo dispôs sobre o regime colonial e florestal
do estado, buscando proteger determinados espaços e formas de derrubada,
com o objetivo de proteger rios, regiões de declives etc. A idéia era determi-
nar um limite para o corte e exploração da madeira, sua reposição e utilida-
de.
Nesse sentido, na mensagem de 1904, Borges de Medeiros argumenta-
va que, apesar das disposições reguladoras do domínio florestal e das reco-
mendações às intendências municipais no sentido da proibição do corte de ma-
deiras nas margens dos rios navegáveis, dentro da faixa considerada de ser-
História Geral do
Rio Grande do Sul vidão pública, e bem assim do lançamento de um imposto proibitivo sobre a
lenha fornecida às estradas de ferro, continuava a devastação das matas com
prejuízo crescente do regime de águas, da climatologia e da agricultura.
João Carlos O Serviço de Proteção Florestal, órgão público de regulamento e norma-
Tedesco, tização da atividade, em seu relatório de 1919 manifestava preocupação com
Liliane I. M. Wentz
as reservas florestais em virtude dos mananciais e cursos de água. A região
norte do estado preocupava as autoridades florestais pelo excesso de madei-
348
ra vendida, pelas derrubadas e conseqüentes queimadas para o plantio do tri-
go e do milho, somando-se à facilidade para o transporte da madeira em di-
reção à Argentina e ao Uruguai por via fluvial, o que lhe dava a característica
de uma região em devastação e de reduzido controle público.
O relatório daquele ano apontava questões sobre conservação, reflores-
tamento, racionalização nas derrubadas, definição de espaços intocáveis, ti-
pos de madeiras que deveriam ser conservadas, a necessidade de cautela
nas derrubadas para construção de estradas, linhas telegráficas e telefôni-
cas, a delimitação das derrubadas para fins de agricultura e a conservação
de florestas nas nascentes dos rios, a defesa da madeira de lei e de valor comer-
cial por ocasião do preparo das roças, do replantio etc. Ainda, ponderava-se
a necessidade de vias de exportação e de meios de transporte e escoamento
adequados. Sem vias de exportação econômicas, os agricultores, detentores
do lote florestal, não lhe avaliando o valor, derrubavam a mata além do que
carecia para as suas culturas, e a parte derrubada era destruída em seguida
pelo fogo, pois, sem valor no momento, a tranqueirada de árvores impediria
as suas lavouras.
Corte de madeira para combustível, para usos industriais e para monta-
gem de infra-estrutura acelerou-se no período da guerra, realidade que fez
Borges de Medeiros criar, em 1918, um Plano Geral de Viação para o estado,
com o objetivo de dar mobilidade à indústria da madeira, atendendo à parte
das reivindicações dos madeireiros e dando materialidade à visão de progres-
so e de expansão de mercados. Sua visão era de que prever era melhor que
prover quando da presença da demanda.
A região de Passo Fundo sofria a concorrência dos estados do Paraná e
Santa Catarina, além de ser uma região distante dos portos de embarque, prin-
cipalmente do porto de Porto Alegre. Essa questão tornou-a muito sensível à
crise do setor em 1927, razão pela qual se pressionou o governo do estado a
abater parte do preço do frete da Viação Férrea, fornecer bonificações para os
exportadores, construir alpendres para depósitos de madeira, racionalizar as
medidas de peso/vagão dentre outras coisas; exigências essas que se faziam
Volume 3
sentir em todas as regiões em que o setor ganhava dinamismo no estado. República Velha
Tomo I
O estado propiciava aos colonizadores a aquisição de terras às margens
das ferrovias, pois o povoamento dessas áreas e a construção de estradas eram
objetivos inseparáveis no projeto de desenvolvimento (KLIEMANN, 1986, p. 110). XI.
A economia e a
As empresas madeireiras utilizaram em grande escala esse meio de indústria
da madeira
transporte, mesmo enfrentando dificuldades, em vista da escassez de vagões
para o carregamento de suas mercadorias.
349
O governo federal optou por privilegiar os setores da economia que inves-
tiam na agricultura, em especial, o cafeicultor, e cedeu ao capital estrangeiro
a construção de estradas de ferro, a organização fluvial e os meios de trans-
porte em geral (KLIEMANN, 1986, p. 105).
Ao redor dos anos 20, o estado, sob o comando do Partido Republicano
Rio-Grandense, tinha sido apresentado como empreendedor e garantidor da
infra-estrutura, destacando a política dos transportes, pela importância que
ocupava no escoamento da produção (PINTO, 1986, p. 68). Getúlio Vargas, re-
presentante do PRR na Assembléia Estadual, e Borges de Medeiros, presi-
dente do estado, defendiam a questão da nacionalização dos serviços portuá-
rios e ferroviários, argumentando que, em países onde a iniciativa privada
ainda era escassa, fazia-se necessária a intervenção do governo em tais servi-
ços (Ibidem, p. 70).
Em 1927, o governo estadual fez empréstimo no exterior para resgatar
dívidas da Viação Férrea, concluir trabalhos hidráulicos, alargar e aprofundar
canais interiores e também aplicar em melhorias no cais de Porto Alegre
(PESAVENTO, 1980, p. 250). O estado tinha muitas dificuldades para diminuir
os custos dos transportes ferroviários, o que envolvia desde a armazenagem
ao longo da via férrea até a exportação através do porto de Rio Grande, o qual,
para funcionar plenamente exigia um transporte fluente e melhorias no pró-
prio sistema portuário, pois, assim como nas rodovias, tudo era muito precá-
rio para a demanda exigida pelos exportadores.
A ferrovia era a espinha dorsal da economia exportadora tanto para o Bra-
sil como para seus estados (TOPIK, 1987, p. 111). Em julho de 1905, a estrada
de ferro Santa Maria-Passo Fundo foi concluída, com uma extensão de 355 qui-
lômetros (DIAS, 1980, p. 172). Essa linha era formada por centros de explora-
ção e transformação da madeira e da erva-mate.
O governo investiu muito nas ferrovias, pois era o meio de transporte
mais indicado para o comércio e também para que a colonização pudesse avan-
çar para áreas mais afastadas dos cursos navegáveis. As colônias próximas às
ferrovias foram as que mais se destacaram, pois em torno das estações sur-
História Geral do
Rio Grande do Sul gia a bodega, a igreja, as casas comerciais em geral e o ambiente construído
para a vida em família e social. Um exemplo disso é a cidade de Carazinho,
que, segundo o jornal A Federação (1937, p. 3), “surgiu de um dia para o outro
João Carlos
ao longo da Viação Férrea, e hoje é uma cidade interessante na sua extensão
Tedesco, material e admirável na sua riqueza, indústria e comércio”.
Liliane I. M. Wentz
No início do século XX, a economia gaúcha já induzia um escoamento flu-
ente de sua produção e a unificação das ferrovias. No Rio Grande do Sul, a
350
maior parte das linhas férreas pertencia à União, que, além de determinar as
regiões onde as ferrovias deveriam ser construídas, também tinha o poder de
limitar aumentos de tarifas por parte das concessionárias, pois a política go-
vernamental previa que as “ferrovias deveriam servir de meios para o desen-
volvimento econômico, antes de serem meios de produzir lucros” (TOPIK,
1987, p. 115).
Em 1905, houve a unificação junto à Cia. Auxiliare des Chemins de Fer
au Brésil, constituída por capital belga e norte-americano, sendo controlada
por Percival Farquhar.2 Quando essa solicitou mais um aumento de 25% nas
tarifas, Borges de Medeiros, presidente do estado, resolveu dar início às nego-
ciações para sua encampação. Os contratos entre a União, o estado e a Cia.
Auxiliare terminaram em 1920, quando, após uma série de conflitos, pressões
e irregularidades, o governo federal assumiu a rede ferroviária e, logo a seguir,
transferiu para o governo estadual o seu controle, ao qual ficou incorporada
durante 39 anos. Até 1930, o governo estadual investiu mais de quinze milhões
de dólares em sua rede.
Essa unificação e desenvolvimento da rede ferroviária aceleraram o pro-
cesso de crescimento e centralização das relações capitalistas. As regiões de
economia seminatural e/ou de subsistência foram incorporadas ao mercado;
no sul, a centralização da rede e de seus capitais ensejou importante acumu-
lação, jamais reinvestida no estado.
É bom salientar que as estradas de rodagem eram de tráfego difícil até
meados do século XX. No entanto, essa via de acesso fazia-se cada vez mais
necessária para o deslocamento das mercadorias, assim como para retirar do
próprio mato as madeiras derrubadas.
No Congresso dos Comerciantes, realizado em setembro de 1917 em Por-
to Alegre, foram discutidas as dificuldades enfrentadas pelos madeireiros em
relação ao transporte de suas mercadorias pelas ferrovias. Os madeireiros do
estado, em geral, estavam muito descontentes com a atuação da Viação Fér-
rea. Em novembro e dezembro de 1916, eram fornecidos vagões aos serrado-
res rio-grandenses na proporção de 100%; de janeiro a março de 17, em 72%;
Volume 3
de abril a junho, em 50%; de julho a setembro, em 28%; de outubro a dezem- República Velha
bro, em 8%, e, de janeiro a março de 18, em 3,1%. Ainda, o governo federal Tomo I

tinha permitido que a Viação Férrea elevasse provisoriamente em 20% as suas


tarifas. XI.
A economia e a
indústria
2
da madeira
Percival Farquhar fundou a empresa Brazil Railway (BR) em 1907 e investiu algo em torno de
150 milhões de dólares em capitais franceses, britânicos, belgas e norte-americanos para criar
não apenas a maior rede ferroviária, mas também a maior empresa privada do Brasil.
351
As relações dos exportadores de madeira com as empresas ferroviárias
foram tumultuadas, com constantes reclamações dos madeireiros quanto ao
baixo número de vagões fornecidos pela Viação Férrea. Os vários jornais con-
sultados traziam quase que diariamente questões sobre o tema, bem como so-
bre a discussão referente ao aumento das tarifas de frete.
Os exploradores, industriais e comerciantes de madeira (que, em muitos
casos, eram os mesmos atores) vinham, há muito tempo, reclamando contra
o procedimento da Viação Férrea e fizeram alguns apelos ao governo e aten-
tavam para o fato de o governo perder o apoio de uma classe importante para
a economia do estado, pois estava lançando-os à própria sorte na medida em
que, se a falta de vagões continuasse, teriam de paralisar seus trabalhos. Mas
em meio a esse conflito, quando tanto produtores como consumidores recla-
mavam uma redução nas tarifas ferroviárias, as próprias ferrovias atravessa-
vam uma grave crise. Em conseqüência da queda do comércio internacional,
as receitas reais sofreram grande redução e, ao mesmo tempo, os custos au-
mentaram, chegando, em certos casos, até 300%, atingindo o carvão e o mate-
rial rolante e de construção, quase tudo importado. Esses gastos, em 1912, con-
sumiram 82% da receita e, em 1919, atingiram 98% (TOPIK, 1987, p. 121).
Em 1929, o presidente do estado, Getúlio Vargas, afirmou que, para nor-
malizar a situação do escoamento da produção, seria necessário o fornecimen-
to de 3.272 vagões, perfazendo, em média, oitocentos vagões mensais, princi-
palmente durante o período de janeiro a abril, que correspondia ao corte do
pinheiro. Porém, esse período coincidia com o da condução do gado para o fri-
gorífico Swift, na cidade de Rio Grande. Como tentativa para solucionar o pro-
blema, Vargas construiu no porto de Rio Grande armazéns para o depósito de
madeiras, com isenção de impostos durante determinado período para as
madeiras que ali fossem depositadas.
No entender da Viação Férrea, os madeireiros reclamavam sem razão e,
para comprovar isso, a mesma defendeu a capacidade de transporte das fer-
rovias alegando que era significativa e com tendência ao crescimento. Em
1920, eram transportadas 97.480.176 toneladas de madeiras; em 24, passou
História Geral do
para 122.354.845 e, em 29, foram 226.769.372 toneladas transportadas dos cen-
Rio Grande do Sul tros madeireiros do norte do Rio Grande do Sul (A Federação, maio de 1930).
Assim, nota-se que houve, em geral, uma tendência de elevação da capa-
cidade de transporte da Viação Férrea: em nove anos, aumentou em mais de
João Carlos 130% a quantidade transportada nas ferrovias, porém ainda assim esse au-
Tedesco, mento era considerado insuficiente para suprir a demanda, ou seja, para acal-
Liliane I. M. Wentz
mar os madeireiros, que continuavam derrubando as matas e não havia va-
352
gões para o transporte.
Sob a responsabilidade do estado, houve um aumento razoável no núme-
ro de locomotivas, que de 178 passou para 300; aumentou também o número
de vagões, que de 2.192 passou para 3.400. As linhas da Viação Férrea cruza-
vam o estado em diversos sentidos, ligando entre si as cidades de maior im-
portância, tais como: Alegrete, Bagé, Bento Gonçalves, Cachoeira do Sul, Ca-
xias do Sul, Cruz Alta, Dom Pedrito, Garibaldi, Ijuí, Jaguarão, Jaguari, José
Bonifácio, Júlio de Castilhos, Montenegro, Novo Hamburgo, Passo Fundo,
Pelotas, Porto Alegre, Quaraí, Rio Grande, Rio Pardo, Rosário, Santa Cruz,
Santa Maria, Santana do Livramento, Santiago, Santo Ângelo, São Borja, São
Gabriel, São Leopoldo e Taquara.
Os madeireiros eram acusados, inclusive, de serem desorganizados e de
não aproveitarem o período de baixa (maio a outubro) nos serviços de trans-
porte para enviar seus estoques; também, eram criticados por não construí-
rem armazéns de alta capacidade e com taxas acessíveis para que a madeira
ficasse protegida, medida essa que possibilitaria aos mesmos intervir nos mer-
cados de consumo. Se assim fosse, quando da alta dos preços, as mercadorias
já estariam nos pontos de embarque. Seria preciso, no entanto, um acordo en-
tre o governo do estado, a Viação Férrea e o Banco do Estado, que proviria os
financiamentos aos madeireiros para que esses postos de estocagem fossem
construídos. Contudo, essa era uma medida que exigia muita negociação, o
que não ocorreu, de tal modo que as reclamações persistiram.
Constatamos, ainda, outros problemas enfrentados pelos madeireiros
para competir no mercado platino. No IV Congresso Rural, realizado na ca-
pital do estado, Porto Alegre, em maio de 1930, o representante do setor ma-
deireiro de Carazinho, com direito a voto, justificou os problemas enfrentados
pela indústria da madeira, dizendo que deveria ser executado o antigo proje-
to para nova linha férrea, direta e reta entre Porto Alegre e Passo Fundo, com
o conseqüente prolongamento até Iraí. Seria essa uma medida eficaz para o
barateamento do transporte, permitindo a concorrência com o similar estran-
geiro. Votou ainda para que fosse abolido o imposto de exportação estadual
sobre as madeiras e que ficassem livres de ônus os aluguéis dos desvios de uso Volume 3
particular. Quem fez a análise da questão foi o engenheiro Drumond, chefe da República Velha
Tomo I
1ª Divisão da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Para ele, a falta de uma ex-
ploração racional, sem a obrigação de replantio, agravava ainda mais a situa-
ção descrita, pois os madeireiros continuavam cada vez mais derrubando as XI.
A economia e a
árvores, visando tão somente ao lucro. indústria
da madeira
Além da falta de material que atingia a Viação Férrea, também o inten-
so transporte de gado, cereais, banha, vinho, charque, fumo e outros produ-
353
tos, que exigiam transporte imediato, motivou o retardamento nos transpor-
tes de madeira. Ocorria que, no fim da safra desses produtos, oitocentos va-
gões por mês eram disponibilizados para o transporte da madeira, número
considerado insuficiente para acalmar os ânimos dos madeireiros.
Algumas vezes as manifestações dos exportadores de madeiras surtiam
algum efeito, como o evidenciado no edital do informativo Viação Férrea do
Rio Grande do Sul publicado no dia 1º de janeiro de 1931, pelo qual seu dire-
tor geral, Fernando Pereira, tornou público o abatimento de 20% no preço dos
fretes de madeiras:

De ordem superior, faço público que, dentro do prazo de 15 dias, a contar


desta data, entrará em vigor o abatimento de 20% sobre o frete de madeiras
em peças avulsas para caixa, consoante autorização do ministro da Viação e
Obras Públicas, publicada no Diário Oficial de 25 do corrente mês de dezem-
bro (A Federação, 1931, p. 16).

Era uma redução nas taxas apenas para o transporte de caixas, não para
toda a classe, de modo que as queixas em relação ao valor dos fretes e à falta
de vagões para o transporte continuaram.
Por meio de uma circular, expedida em 12 de março de 1937, convoca-
ram-se todas as associações comerciais envolvidas com o ramo da madeira
para se reunirem em Cruz Alta, no dia 28 do mesmo mês, a fim de decidirem
sobre as providências a serem tomadas em razão da falta de vagões para o
transporte de madeiras e elegerem dois delegados para representar a classe
junto à Viação Férrea. Houve, ainda, o envio de um telegrama para o diretor
da Viação Férrea, Pantoja, relatando a situação em que se apresentava a in-
dústria da madeira. Em resposta, o engenheiro Celso Pantoja expôs o seguin-
te: “O desenvolvimento vertiginoso de todas as atividades produtoras do Rio
Grande do Sul atinge, neste momento, índices jamais observados” (A Federa-
ção, 1937, p. 1). Para poder atender às grandes exigências da produção rio-
grandense, a Viação Férrea assinou um contrato para adquirir 11 locomotivas
História Geral do
Rio Grande do Sul
tipo Mountain e 300 vagões fechados para o transporte de mercadorias, inclu-
sive madeiras, pois tinha portas nas extremidades.
Enfim, não podendo ir muito além, pode-se afirmar com certeza que fo-
João Carlos
ram muitos os atritos entre madeireiros e representantes da Viação Férrea,
Tedesco, obrigando que as autoridades governamentais formassem o ponto de equilí-
Liliane I. M. Wentz
brio (o que nem sempre era possível e intencional por parte do mesmo), arti-
culando estratégias que contemplassem ambas as partes, pois as madeiras,
354
para manter a qualidade comercializável, exigiam cuidados especiais no que
se referia a estocagem e armazenamento. Os comerciantes de madeira recla-
mavam constantemente da má distribuição de vagões entre as estações expor-
tadoras, considerando algumas privilegiadas, como a estação de Cruz Alta,
que era pequena produtora e recebia mais vagões semanais do que a estação
de Carazinho, por exemplo, destaque do Planalto gaúcho na exportação de ma-
deiras nas décadas de 20-30. A discussão sobre a falta de vagões se estendeu
desde o início do uso dos trens para o transporte, controlados pela Compagnie
Auxiliaire, até aproximadamente 1950/55 sob controle do estado, quando mui-
tas empresas mudaram-se para outros estados ou optaram pelo transporte
rodoviário, que, com a criação do DAER, em 1938, passou a ligar os centros de
produção aos portos ou estações alfandegárias.
Porém, não se pode deixar de dizer também que a localização das matas
de pinheiros, distantes dos portos exportadores do Rio Grande do Sul, tornou
a comercialização do pinho dependente das condições de transporte, especial-
mente o ferroviário. Vemos isso na figura a seguir, onde um desvio férreo é car-
regado de madeiras retiradas no próprio mato. Devido, também, à superpro-
dução de madeira de pinho nos anos de 20 e 30, a quantidade de madeira
empilhada ao longo das linhas férreas ultrapassou em muito as possibilidades
de embarque. Esse impasse, contudo, não pode ser atribuído apenas à Viação
Férrea, mas também, igualmente à própria irracionalidade da produção ma-
deireira do Rio Grande do Sul, pois a produção não era controlada oficial-
mente. Os madeireiros iam derrubando, serrando e empilhando a madeira ao
longo da ferrovia, mesmo quando não havia possibilidade de embarque.

O problema ainda persistiu após a criação do Instituto Nacional do Pinho


em 1941, órgão destinado a controlar as condições de produção, transporte e
comercialização da madeira. A falta de vagões para o transporte foi amplamen-
te divulgada na imprensa estadual, não dava para ignorar esse processo con-
flituoso que marcou a relação mercantil e produtiva da atividade. Essas recla-
mações eram quase diárias, pois a ferrovia era um dos meios de transporte Volume 3
mais utilizados pelos madeireiros do Rio Grande do Sul, inclusive muitos República Velha
Tomo I
empresários paralisaram suas atividades por não terem disponibilidade de va-
gões para transportar suas mercadorias, como foi o caso de Carlos Cândido
Pereira, proprietário de uma serraria a vapor em São Gabriel que resolveu pa- XI.
A economia e a
rar temporariamente os trabalhos em sua oficina devido à dificuldade do trans- indústria
da madeira
porte de madeiras, motivadas pela exigüidade dos meios de transporte por
parte da Viação Férrea, ou, então, de grandes empreendimentos de coloniza-
355
ção e exploração da atividade que resolveram montar sua própria rede de tri-
lhos (ramais) e utilizar-se da rede-mãe em apenas alguns trechos, inclusive de
forma particular, como foi o caso da Colonizadora de Judeus (ICA) no norte
do estado (A Estância, 1918, p. 149). Também os madeireiros de Taquara fi-
zeram uma carta para Borges de Medeiros solicitando sua intervenção na falta
de vagões para o transporte da madeira.
A necessidade da construção de rodovias federais levou o governo a bai-
xar o decreto 5.141, de 5 de janeiro de 1927, criando o Fundo Especial para
Construção e Conservação de Estradas de Rodagem Federais (VENÂNCIO FI-
LHO, 1968, p. 214). A arrecadação do fundo ficaria depositada no Tesouro à dis-
posição do Ministério da Viação e Obras Públicas, para ser aplicada exclusi-
vamente na construção e conservação de estradas de rodagem no território
nacional. Mesmo assim, o transporte rodoviário continuaria incipiente na dé-
cada de 1930.
Washington Luís, presidente do Brasil de 1926 a 30, tinha como uma de
suas metas principais a construção de rodovias. Mas estando o governo cen-
tralizado no Rio de Janeiro, esse estado acabou privilegiado com a construção
das estradas Rio-São Paulo e Rio-Petrópolis (FELIZARDO, 1977, p. 84). Mais
tarde, com a intervenção dos governos estaduais e o cancelamento das taxas
aduaneiras, houve uma integração do mercado interno, levando a que hou-
vesse também uma integração do sistema viário nacional (REIS FILHO, 2000,
p. 108).
Na ausência de uma estrutura ferroviária adequada aos processos de es-
coamento e comercialização da madeira, Owen analisa que os produtos flores-
tais podiam ter um custo relativamente baixo de transporte, e a atração do
transporte fluvial estava, justamente, no fato de que as vias eram providas pela
natureza, ofereciam uma artéria de comércio já pronta, que necessitava ape-
nas ser dragada para conservar-se livre e devidamente marcada para uma
navegação segura (OWEN, 1975, p. 72). Assim, onde não era providenciada a
manutenção e as marcações dos canais, a capacidade ficou grandemente re-
duzida, pela impossibilidade de locomoção durante a estação das secas.
História Geral do
Rio Grande do Sul Todavia, o sistema fluvial onde transitava grande parte da produção gaú-
cha e, em especial, a destinada à exportação, continuou inquietando o gover-
no, que se empenhou na manutenção da profundidade dos canais interiores
João Carlos e realizou diversas obras de engenharia fluvial para desobstruir trechos de
Tedesco, navegação precários e regularizar cursos de rios (SÁ, 1946, p. 100). Nesse sen-
Liliane I. M. Wentz
tido, um grande obstáculo ao comércio e à navegação do Rio Grande do Sul
era a barra do Rio Grande, pois apesar de ser a única saída para o mar, tinha
356
NOS TRILHOS DA DEVASTAÇÃO. ZERO HORA, 2 NOV. 2004.
Avanço da ferrovia pelo norte do Rio Grande do Sul e centro-oeste catarinense.
Almanaque Gaúcho.

a profundidade sensivelmente reduzida pelos depósitos de areia no leito do


canal.
Os serviços portuários também apresentavam problemas, pois as conces-
sionárias contratadas pelo governo não cumpriam os acordos e tinham suas
concessões transferidas para outras empresas. Em 1908, a concessionária con-
trolada por Percival Farquhar passou a cobrar taxas altíssimas para a
atracagem de navios e armazenagem de mercadorias, inibindo, assim, os ex-
portadores do estado.
Em 1930, os madeireiros do Rio Grande do Sul solicitaram que fossem
concluídos os trabalhos dos alpendres do porto de Rio Grande destinados ao
depósito de madeiras e construídos outros idênticos no porto da capital do es- Volume 3
tado, assim como solicitaram a dispensa de armazenagem por tempo previa- República Velha
Tomo I
mente determinado pelo governo do estado, ainda que esse já concedesse fa-
vores especiais às companhias de navegação que carregassem madeiras em
navios apropriados para esse fim. XI.
A economia e a
Por fim, o representante dos madeireiros no IV Congresso Rural, pedia indústria
da madeira
que o governo do estado, por intermédio das repartições competentes, estu-
dasse meios para tornar mais fácil a navegação do curso superior do rio Jacuí, 357
cujas condições dificultavam a passagem das balsas, assim como deixasse em
condições de tráfego a estrada que margeava o referido rio, no município de
Soledade.
Percebemos, desse modo, que os madeireiros em várias partes do esta-
do não estavam satisfeitos com as condições de transporte de seus produtos.
Reivindicavam em todas as frentes, mesmo parecendo o contrário, pois evi-
denciamos mais a falta de vagões que era o meio de transporte mais comum
em todo o estado e mais expressivo dos conflitos, até porque os balseiros de-
pendiam mais da natureza do que dos acertos governamentais. Ao mesmo
tempo em que a enchente era a força motriz para o envio das madeiras, ela
tornava-se, muitas vezes, prejudicial, onde as madeiras já empilhadas no lado
argentino aguardavam a baixa da água para serem comercializadas por seus
proprietários.
Para enfrentar essa situação de conflito constante e sem resolução, novos
espaços de extração e comercialização foram se desenvolvendo, principalmen-
te para adequação à logística do transporte. Novas terras, novas fronteiras, no-
vas madeiras e novas matas foram sendo buscadas; novos meios de transpor-
te, novos mercados e novos donos de terras foram surgindo em outras regi-
ões. A serraria migra fácil; atrás dela ficam as terras limpas, as plantações de
milho e trigo, caboclos, índios e pequenos colonos pobres e expropriados, mo-
radores e trabalhadores urbanos em potencial.
O envio de madeiras do norte do Rio Grande do Sul pelo rio Uruguai,
embarcadas no porto do Goio-En, divisa de Nonoai com Chapecó, dava-se quan-
do das enchentes do Uruguai e aproveitava-se para transportar as madeiras
em grandes balsas ou jangadas, assim como outros produtos eram enviados
por barcos especialmente construídos para esse fim. As duas cheias anuais que
propiciavam esse tipo de transporte rudimentar sofriam oscilações e, por isso,
muitas vezes os comerciantes de madeira eram prejudicados. A enchente, às
vezes, levava de seis a oito meses para ocorrer, mas a balsa já estava pronta;
então, a madeira ficava exposta ao sol e à chuva, estragando (BELLANI, 1991,
p. 164). Aquela que ficava sob a água não sofria alterações. Procurava-se apro-
História Geral do
Rio Grande do Sul
veitar ao máximo as enchentes, já que quanto mais água mais rápida era a des-
cida, principalmente em certos pontos onde o nível baixo da água encalhava
a madeira.
João Carlos Balsas imensas eram levadas pelas correntes do rio, do qual inúmeros co-
Tedesco, merciantes de madeira se serviram para comercializá-la, comprando terras
Liliane I. M. Wentz
nas regiões norte do Rio Grande do Sul, de Chapecó, Nonoai e extremo oes-
te de Santa Catarina.
358
O rio Uruguai possibilitou acúmulo de capital ao comerciante da madei-
ra, valorizou as terras em suas margens e proximidades. No outro lado da mar-
gem, os mercadores argentinos e uruguaios aguardavam as mercadorias. As
madeiras de lei, em forma de toras e vigas, e a madeira de pinho, serrada em
pranchões e tábuas, eram transportadas até o porto dos Passarinhos, em Iraí,
onde eram dispostas em forma de grandes balsas e enviadas, nas épocas das
cheias, para São Borja e, depois, para Uruguaiana e, por fim, à Argentina ou
Uruguai. As enormes balsas eram conduzidas pelos balseiros, homens com
prática na lida com esse meio de transporte e conhecedores do curso do rio.
Iam junto, ainda, o cozinheiro, o prático, o lancheiro, uns oito homens no remo
mais dois ajudantes.
As madeiras eram assinaladas com a marca do respectivo dono, um ca-
rimbo em alto relevo, marcado no topo, dentro da serraria. Eram levadas por
caminhões ou carroças até os rios, onde eram reunidas umas às outras, en-
trelaçadas, formando pacotes de três dúzias de tábuas; depois se formava o
quartel ou pelotão, com até duas mil dúzias. Muitas vezes essas madeiras
eram extraviadas por causa da forte correnteza do rio, quando dificilmente se
conseguia recuperá-las. Também havia roubo de balsas inteiras ou parciais de
peças de madeiras, das quais eram retiradas a marca de origem e de proprie-
dade do produto. Então os assaltantes refaziam suas próprias balsas e torna-
vam a descer o rio, como se a carga fosse sua (BELLANI, 1996, p. 72). As ven-
das eram feitas por contratos diretos com uma simples declaração de negócios
ou bilhete de crédito, fixando os prazos de pagamento. Como a madeira que
chegava àqueles portos não tinha a possibilidade de ser estocada, ou de vol-
tar para o local de origem, madeireiros e balseiros sujeitavam-se ao preço ofe-
recido pelo comprador.
Por muitos anos esse tipo de comércio foi praticado sem controle alfan-
degário; somente em março de 1941, quando foi criado o Instituto Nacional do
Pinho, começou uma ação mais efetiva no sentido de coibir os abusos desse
comércio, até então não-oficializado.
Classificar madeira; conhecer o mercado; desdobrar e beneficiar tábuas; Volume 3
destocar; conhecer a previsão do tempo; empilhar tábuas e colocá-las no es- República Velha
Tomo I
taleiro; transportá-las até a barranca do rio; atravessar o rio; comercializar o
produto; falquejar vigas; arrastar as toras; fazer a canchada; juntar a madei-
ra; marcar as peças; amarrar as vigas em quartéis ou pelotões; embalsar; sa- XI.
A economia e a
ber o momento da largada; viajar na balsa dentre inúmeras outras atividades, indústria
da madeira
constituíram relações, diferenciações, atores e especialistas do ramo. Diz
Bellani (1996, p. 184) que,
359
da extração da madeira nas matas até a entrega do produto, há que se distin-
guirem diferentes categorias de pessoal: o empresário-madeireiro ou o serra-
dor, e no outro lado aparecem aqueles que realizavam o corte, serravam a
madeira no mato ou nas serrarias, os artesãos que construíam as balsas, e,
principalmente, o piloto-balseiro que as conduzia, navegando pelo rio.

A autora diz que a confecção de uma balsa representava um trabalho ela-


borado com perfeição, exigindo de seus construtores conhecimentos técnicos
a respeito de peso, espessura, tipos de amarras, ação dos ventos e força da água
de rio com enchente grande. Do manejo do serrote, que foi por muito tempo
o elemento indispensável no corte da mata, saíram especialistas na derrubada
da mata. Estava reservada à população pobre a extração do cipó, que se desti-
nava a amarrar as madeiras no estaleiro, na carroça e, sobretudo, na balsa.

No início da atividade extrativa, existia, em grande quantidade, principalmente


nos locais onde a ação exploratória do homem ainda não havia interferido na
devastação da floresta natural. [...] Esta sub-atividade braçal era exercida pelos
coletores do parasita, que tiveram e enfrentavam as mesmas dificuldades dos
cortadores de madeira (BELLANI, 1996, p. 95).

O rio Uruguai foi muito importante antes da chegada do caminhão no


início da década de 40. A região ribeirinha do rio após o estreito de Marcelino
Ramos teve na modalidade fluvial uma grande estrutura comercial e de mo-
bilidade do produto para a Argentina (Porto de São Tomé) e para a região de
fronteira (Uruguaiana, São Borja).
Expressando o desejo de manter o controle sobre a indústria extrativa do
pinho, em 15 de março de 1937, Flores da Cunha, governador do estado, as-
sinou na pasta da Agricultura o decreto 6.450 (A Federação, 1937, p. 7), que
atribuía à Federação dos Consórcios Profissionais Cooperativos Sul Rio-
Grandenses, à Federação das Sociedades Cooperativas de Responsabilidade
Limitada das Serrarias de Madeiras Pinho Sul Rio-Grandense e ao Consór-
História Geral do
Rio Grande do Sul cio Profissional Cooperativo Madeiro Rio das Antas a arrecadação de 0$004
por quilo de madeira de pinho transportada, para constituir, junto com outros,
o fundo especial destinado à defesa da produção e taxa de fiscalização de re-
João Carlos
florestamento, de 0$030 por quilo, prevista no orçamento de 1935. As duas ta-
Tedesco, xas visavam à defesa das indústrias extrativas do pinho.
Liliane I. M. Wentz
A taxa deveria ser arrecadada pelas entidades madeireiras citadas e os
valores seriam aplicados nos serviços de controle e proteção da produção de
360
Comércio de madeira. Transporte
conectado com a ferrovia.
Empresa Virgílio Belarmino
Coelho. Livramento. 1922.
COSTA, 1922.

madeira de pinho, nos serviços de fiscalização e de propaganda, expansão do


cooperativismo do setor. Essa resolução não foi aprovada pela bancada fren-
tista e pelos ex-dissidentes liberais, que revogaram o decreto acima citado, o
qual atribuía às entidades madeireiras oficializadas o direito de recolher e apli-
car as taxas de defesa da produção. Tal medida foi recebida com total desagra-
do pela maioria dos produtores de madeira, em especial pelos madeireiros de
São Francisco de Paula e de Caxias do Sul.
Outra maneira de controlar a produção e comercialização das madeiras
foi o Instituto Nacional do Pinho, órgão criado pelo governo federal no ano de
1941 para controlar as derrubadas de madeiras e a comercialização do produ- Volume 3
to, conter o desmatamento inescrupuloso, estudar as propostas de reflores- República Velha
Tomo I
tamento e organizar a ação das companhias colonizadoras surgidas para
povoar as terras no Oeste catarinense.
XI.
Esse órgão controlador, atuante no estado do Paraná, Santa Catarina e A economia e a
Rio Grande do Sul, era designado para regular a produção e a comercialização indústria
da madeira
das madeiras; fiscalizar com maior rigor as derrubadas das matas; instruir os
serradores quanto à preservação da natureza, respeitando leitos de rios e ár- 361
vores de pequeno porte; fixar os preços mínimos e, também, regular a insta-
lação de novos empreendimentos madeireiros. Desde o início da era Vargas
houve preocupação com a questão trabalhista e sindical. A aproximação polí-
tica entre o governo e os sindicatos se configurou a partir de 1942.
A política de intervenção na economia da madeira deu-se na mesma épo-
ca da política de intervenção no domínio econômico, justificada pelo artigo 135
da Constituição Federal, de 10 de novembro de 1937, onde constava que a in-
tervenção do Estado na economia só se justificava para suprir deficiências da
iniciativa individual e coordenar os fatores de produção, de maneira a evitar
ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais
o pensamento dos interesses da nação representados pelo Estado. Isso signi-
ficava que o Estado legitimava seu poder mostrando as deficiências da inicia-
tiva privada. Como exemplo maior da política intervencionista está a chama-
da “era Vargas”, caracterizada através do intervencionismo, entre outros, pelo
controle governamental sobre os sindicatos.
A criação do Instituto Nacional do Pinho selou e corporificou, dentro da
estrutura estatal, a regulação da acumulação capitalista no setor madeireiro,
abrangendo não somente o controle sobre o pinho, mas também sobre outras
espécies florestais. Assim, os empresários ligados à madeira passaram a
confiar no novo órgão, que aceitava em sua composição um representante da
classe e propunha-se a organizar e regular a produção e comercialização das
madeiras. O INP atuou durante 26 anos nos três estados do sul do país, sen-
do substituído, por não atingir as metas propostas e tornar-se burocrático e
ineficaz, pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), em
1967, criado para formular uma política florestal eficiente, que impedisse o
desmatamento irresponsável e orientasse a exploração sensata. Contudo, a
população em geral continuou a perceber a sistemática devastação das matas
e o aniquilamento das reservas florestais, apesar dos inúmeros apelos feitos
através da imprensa e da implantação do Código Florestal, ainda em 1934, que
tinha por missão difundir a educação florestal e conscientizar da importância
do reflorestamento. Também o Conselho Florestal Estadual comprometeu-se,
História Geral do em 1936, a colaborar com o Conselho Florestal Federal e instituir represen-
Rio Grande do Sul
tantes de diversas secretarias para que, juntos, fiscalizassem e divulgassem
a educação florestal.
João Carlos
Através da política intervencionista de Getúlio Vargas, o Estado assumiu
Tedesco, o papel de agente do desenvolvimento econômico, não apenas intervindo na
Liliane I. M. Wentz
indústria, mas também nos setores periféricos industriais (fontes de energia
e matéria-prima, transportes e comunicações). Vargas interveio diretamen-
362
te e, gradativamente centralizou o poder em suas mãos. O setor madeireiro
passou a sofrer, reagir e se reorganizar em razão dessa postura política, inclu-
sive sendo incentivado, em anos posteriores, para adentrar por várias outras
fronteiras regionais (sul do Brasil) e nacionais.
Não temos condições, na presente e sintética análise, de refletir sobre a
profunda e intensa correlação existente entre colônias, colonização, coloniza-
doras e a atividade madeireira no Rio Grande do Sul e sua presença em ter-
ritório catarinense. Sem dúvida, são temas especiais dentre desse contexto de
análise. Deve-se, no mínimo, salientar que as colonizadoras tiveram um pa-
pel representativo na República Velha e no processo de desmatamento.
Avalizadas que foram pelo governo federal, estadual e municipal, puderam
transitar, pode-se dizer, quase que livremente pelas matas sulinas a fim de
povoar e preparar a terra para os imigrantes iniciarem a cultivo agrícola e pe-
cuário.
A colonização causou a desestruturação dos modos de vida até então exis-
tentes nos espaços de ocupação/apropriação privada da terra, resultando em
vários conflitos, dentre os quais, a crise do desenraizamento. Esse foi o mo-
mento em que a empresa colonizadora chegou às terras ocupadas por possei-
ros e afetou seu modo de vida. A colonizadora foi tratada como um divisor de
tempos e do mundo dos ex-posseiros, indígenas, caboclos, pequenos campo-
neses pobres e livres.
O direito de propriedade prevaleceu sobre o de ocupação, que foi igno-
rada enquanto direito, sendo vista como infração. A ocupação de terras no sis-
tema de posse era vista pelo estado e pelas colonizadoras como ilegítima. Além
disso, como ponto de atrito as companhias colonizadoras opunham-se à cria-
ção de animais soltos, sem uso de cercas, prática tradicional dos brasileiros que
ocupavam terras até então.
O destino dos posseiros expropriados foi procurar terras acidentadas, não
concorridas, no Paraná, em Pato Branco, ou mais extraviados ainda; outra
parte deles passou a trabalhar na indústria madeireira ou na colônia, assala-
riados ou por empreitadas; outros, ainda, povoaram as barrancas de rios, espe- Volume 3
cialmente os do rio Uruguai. Sindicatos e companhias costumavam entregar República Velha
Tomo I
ao governo um programa de colonização. No exame de tais projetos, observava-
se sempre a existência de estudos sobre as possibilidades produtivas da região,
tipo de clima e vegetação, com os quais ficava demonstrada a importância de XI.
A economia e a
colonizar tal área. indústria
da madeira
O processo de colonização e de ocupação da fronteira agrícola da região
deu-se no período de 1920 a 60, com a vinda do excedente populacional do Rio
363
Grande do Sul, em sua maioria de origem italiana e alemã. Esses imigrantes
trouxeram a tradição da policultura e a criação de animais domésticos (suínos,
aves e bovinos), extração da madeira, erva-mate e, em menor grau, a criação
de bovinos extensivamente.
Para Radin, as razões que justificam esse movimento migratório são di-
versas, porém destaca a Revolução de 1923 no Rio Grande do Sul e a apropria-
ção das colonizadoras das terras do ex-Contestado como principais agentes
motivadores da ocupação de terras no Oeste catarinense (RADIN, 2001, p. 8).
Segundo Bellani, “o povoamento da região oestina e a conseqüente coloniza-
ção aconteceram em função da fertilidade do solo e a existência de uma imen-
sa floresta” (BELLANI, 1996, p. 79). Ainda, os pinhais do lado gaúcho não es-
tavam longe do fim e a transferência para o lado catarinense não alteraria o
roteiro das exportações para o mesmo mercado platino, através das mesmas
balsas e do mesmo rio Uruguai.
Entre as inúmeras empresas colonizadoras, destacamos a Chapecó-
Peperi Ltda. Segundo Arno Koelln, no território compreendido entre os rios
Uruguai, do Peixe e Peperi-Guaçu, havia, ainda no começo do século XX, uma
área completamente inexplorada. Então, vários empresários de Carazinho
optaram por expandir seus negócios nessa região (KOELLN, 1980, p. 7).
Entre os interessados na colonização do Oeste catarinense encontravam-
se os madeireiros Adolfo e Gustavo Stangler e os proprietários da firma Go-
mes, Sturm & Cia. Faziam parte desse empreendimento, ainda, as firmas
Kreiser & Cia., tendo como proprietário Friedrich Kreiser, arquiteto, e
Weidlich & Cia., onde trabalhavam os irmãos Francisco e Oscar Weidlich e
Airton Honaiser. Também participaram desse empreendimento Hermann
Flad e Hermann Faulhaber, diretor da empresa de colonização Dr. Hermann
Meyer, com sede em Neu-Wüttemburg – atual Panambi.
Ainda conforme Koelln, em 12 de dezembro de 1919 foi lavrada em Curi-
tiba a escritura de compra e venda entre a Companhia Estrada de Ferro São
Paulo-Rio Grande, com sede no Rio de Janeiro, e a empresa colonizadora Cha-
pecó-Peperi Ltda., com sede em Carazinho. A área de terra era compreendida
História Geral do
Rio Grande do Sul entre os rios Chapecó e Peperi-Guaçu, no município de Chapecó, com uma su-
perfície estimada em 20.978 lotes de 25 hectares cada. Em 28 de abril de 1924
foi assinado o contrato onde a Empresa Chapecó-Peperi Ltda. receberia 13
João Carlos mil colônias, cada qual com 25 hectares. Ali instalou uma serraria e vendeu
Tedesco, as terras. Essa colonizadora chegou a possuir 550 mil hectares. Uma série de
Liliane I. M. Wentz
infortúnios levou a que as propriedades da colonizadora Chapecó-Peperi Ltda.
fossem consumidas num processo litigioso.
364
Nos planos de colonização dessa empresa, em Porto Feliz (atual Mondaí/
SC) estava prevista a colonização por evangélicos e, rio abaixo, em Porto Novo
(atual Itapiranga), por católicos. Paulo Zarth (1997, p. 84) confirma que

a preocupação das empresas colonizadoras com a religiosidade dos colonos


era importante para atrair compradores e explicitar a experiência das companhi-
as em tratar com os costumes e a espiritualidade daqueles.

O mesmo autor afirma, ainda, que além do espaço dedicado para a igre-
ja, ficava assegurada a presença de escolas para as crianças. Para Radin
(2001, p. 81),

as companhias colonizadoras tinham como preocupação evidenciar em suas


propagandas elementos que estimulavam o imaginário dos italianos e seus des-
cendentes acerca da vida fácil na nova fronteira agrícola do oeste catarinense.

A região do oeste de Santa Catarina foi receptora de grande contingente


de migrantes provenientes do Rio Grande do Sul e de madeireiros, todos
procurando terras e/ou florestas para explorar. Era uma região com imensas
araucárias, atraindo as companhias colonizadoras, que vinham trazer o pro-
gresso em detrimento dos caboclos que ali viviam. Elas atuaram no oeste cata-
rinense durante quarenta anos, desde 1920, derrubando matas, abrindo ruas,
formando vilas e cidades. O serviço de colonização não tratava apenas de de-
marcar e legitimar as terras devolutas, mas também se preocupava em or-
ganizar socialmente as novas regiões do estado, construindo capelas ou igre-
jas, providenciando professores para as crianças, tudo para atrair os novos
moradores.
Um outro exemplo de grande envergadura no setor e na correlação com
a ocupação de espaços vazios no sul do Brasil foi a empresa colonizadora e ma-
deireira de Ernesto José Annoni (Jornal da Serra, 1942, p. 21). O referido Volume 3
conquistou uma destacada posição no seio da indústria como produtor, República Velha
Tomo I
beneficiador e exportador de madeiras. Nos anos 30, concentrou suas ativida-
des na indústria extrativa da madeira, que também industrializava e expor-
tava para fora do Rio Grande do Sul. Dedicou-se ao comércio de madeira, ad- XI.
A economia e a
quirindo diversas serrarias nos municípios de Carazinho, Passo Fundo, Ge- indústria
da madeira
túlio Vargas, Sobradinho e no estado de Santa Catarina. Possuía também di-
versas fábricas de caixas e aplainados, assim como imensos pinhais no Rio
365
COSTA, 1922.
Madeireira.
Santo
Ângelo.
1922.

Grande do Sul e em Santa Catarina, os quais produziram em torno de um mi-


lhão e seiscentos mil metros cúbicos de madeiras serradas. Para evitar que os
lucros fossem auferidos por outros, Annoni instalou em Uruguaiana uma fá-
brica para a industrialização racional das madeiras. Tadeu Annoni Nedeff, fu-
turo proprietário da Gaúcha Madeireira de Passo Fundo, assumiu a direção
dos negócios da Annoni antes mesmo da maioridade, precisando, para tan-
to, ser emancipado.
Essa firma cresceu e diversificou suas atividades, embora o ramo princi-
pal tenha continuado a ser a extração, beneficiamento e venda de madeiras
para o mercado interno e externo. A mesma possuía uma reserva florestal de
pinus araucária nos estados de Santa Catarina e Paraná e foi uma das pionei-
ras no ramo do reflorestamento no Brasil; tinha muitos pés de pinus eliotis
e araucária em São Francisco de Paula, Lagoa Vermelha e em Marmeleiro,
essa no Paraná (Jornal da Serra, 1943, p. 11).
Importante empório madeireiro também foi a colônia de Quatro Irmãos.
A mesma possuía um ramal férreo próprio, concedido pelo governo do esta-
do em 1912, o qual se estendia até Erebango, na linha Passo Fundo-Erechim.
História Geral do
Em 1942, essa colônia chegou a transportar 811 vagões de madeiras e, em
Rio Grande do Sul 1943, 833 vagões. Isabel Gritti afirma que os poucos israelitas que obtiveram
sucesso em Quatro Irmãos foram os que se dedicaram ao ramo da madeira
(GRITTI, 1992, p. 265).
João Carlos Durante quase meio século de presença da companhia em Quatro Ir-
Tedesco,
Liliane I. M. Wentz mãos, inúmeros conflitos ocorreram, em razão da quase exclusividade do corte
da madeira pela empresa, com colonizados, com o poder público e colonos da
366 região, pelo excesso de terra não aproveitada e pelo seu preço elevado. Os con-
COSTA, 1922.
Madeireira,
serraria. Santo
Ângelo. 1922.

flitos deram-se também em virtude da presença de colonos considerados in-


trusos, os quais haviam invadido parte de sua área. Comerciantes e políticos
regionais reclamavam da precariedade de desenvolvimento da região e da
remessa dos lucros da companhia para o estrangeiro, bem como da utilização
da imensa área de terra apenas para a especulação fundiária. Não obstante
as tensões e conflitos, o empreendimento mostrou-se altamente lucrativo para
a colonizadora. A exploração da madeira era tanta que, só na Fazenda Qua-
tro Irmãos, em 1947, nada menos do que 36 serrarias estavam operando, gran-
de parte delas controlada e gerenciada por representantes da empresa. Du-
rante o período da Primeira Guerra Mundial, momento este favorável à in-
dústria da madeira pela baixa concorrência européia, a companhia consolidou
seu mercado na Argentina e no Uruguai3.
Volume 3
A empresa Irmãos Iochpe S/A. Indústria e Exportação tinha sua matriz República Velha
fixada na cidade de Passo Fundo, mas possuía filial em Porto Alegre e escri- Tomo I

tório em Montevidéu. Mantinha serrarias nos municípios de São Joaquim,


Joaçaba e Getúlio Vargas (O Nacional, 1953, p. 2). XI.
A economia e a
indústria
3 Por muitos anos, Filipson, vice-presidente da companhia, foi presidente da Compagnie da madeira
Auxiliaire des Chemins du Fer au Brésil. Por esse vínculo, pode-se ter uma idéia da correlação
existente entre a estrada de ferro, a exploração da madeira e a valorização das terras na
referida colônia. 367
COSTA, 1922.
Madeireira.
Transporte em
carroças. Santo
Ângelo. 1922.

A firma Lângaro Benincá & Cia. Ltda., de propriedade de Dionísio


Lângaro, Vitor e Davi Benincá, instalada em Passo Fundo, comprava madei-
ras de Lagoa Vermelha, Marcelino Ramos e Santa Catarina, exportando-a
para a Argentina via trem e via rio Uruguai. Também havia a Benincá & Cia.
Ltda., de propriedade de Vítor Leão Benincá, o qual abriu uma frente de ex-
portação de madeiras via Santana do Livramento e de lá para o Uruguai e a
Argentina.
A Sociedade Exportadora e Industrial de Madeiras Ltda. (Madelei), situa-
da em Erechim, da família Caleffi, possuía ramais ferroviários próprios para
o transporte da madeira que os ligavam ao tronco da São Paulo-Rio Grande;
por muitos anos, foi considerada uma das maiores do estado do Rio Grande
do Sul, principalmente do ramo da indústria da madeira, com filiais em
Clevelândia no Paraná e em Campos Novos, Santa Catarina. A mesma par-
ticipou ativamente no abastecimento de madeira para a construção do com-
plexo hidrelétrico de Urubupungá (hoje Cesp – Centrais Hidrelétricas de São
Paulo), considerado, na época, o segundo maior do mundo, bem como em
grandes projetos de construção de casas populares no Rio Grande do Sul.
Outro empresário do ramo da madeira e de atividades a ela correlacio-
História Geral do
nadas em várias regiões do solo gaúcho, no final da década de 20, foi Saulle
Rio Grande do Sul Pagnoncelli. No levantamento que fizemos no Arquivo Histórico e na prefei-
tura da cidade de Erechim, seu nome aparece sempre quando se trata da ati-
vidade madeireira com grande destaque. As homenagens que lhe foram con-
João Carlos cedidas alguns anos antes de sua morte na década de 1940, seus investimen-
Tedesco, tos e empreendimentos industriais e comerciais em várias cidades do Rio
Liliane I. M. Wentz
Grande do Sul, dentre as quais Erechim, Getúlio Vargas, Marcelino Ramos,
368
Joaçaba e São Paulo atestam sua grandiosidade.
O empreendimento madeireiro tanto de Erechim como de Marcelino Ra-
mos, após a década de 1920, uma década após a chegada do trem, cresceu de
forma espantosa e estendeu-se para além do rio Uruguai. É impossível enten-
der a história do desenvolvimento da região do Alto Uruguai e Meio-Oeste
catarinense sem fazer correlação com o ramo madeireiro em suas várias ati-
vidades e influências econômicas e ocupacionais. Várias empresas madeirei-
ras do Norte e do Alto Uruguai, em geral de descendentes de italianos e de
alemães e/ou judeus (Menegati, Brandalize, Zardo, Pagliosa, Ricieri,
Bergamini, Hubermann, Hoschele, Reischmann, dentre outras), contribuíram
também como colonizadoras de várias regiões do território catarinense, em
especial, do Oeste, Meio-Oeste e Extremo-Oeste de Santa Catarina.
Enfim, novas terras, novas fronteiras, novas madeiras e novas matas fo-
ram sendo buscadas; novos meios de transporte, novos mercados, novos do-
nos de terras foram surgindo em outras regiões. A serraria migrava fácil; atrás
dela, ficavam as terras limpas, as plantações de milho e trigo, caboclos, índios
e pequenos colonos pobres e expropriados, moradores e trabalhadores urba-
nos em potencial.
Em geral, até final da década de 20, o setor madeireiro se mostrava or-
ganizado em espaços fragmentados no território através de associações liga-
das as várias atividades do setor (extração, indústria, comércio etc.). Não ha-
via, portanto, uma estrutura mais ampla de organização setorial em nível esta-
dual. Grupos de pressão política local/regional, em períodos alternados, rei-
vindicavam em razão de suas demandas e das deficiências do setor de trans-
porte principalmente.
No entanto, o governo do estado, identificado com a orientação do gover-
no central, aplicou o princípio do intervencionismo, criando instituições nas
quais o estado se fizesse presente ao lado dos representantes de classe (PESA-
VENTO, 1980, p. 106-109).
É bom darmos ênfase ao fato de que o processo de representação políti-
ca e setorial da atividade madeireira efetivamente aconteceu apenas quando
o setor adquirira repercussão estadual e nacional, quando em algumas regiões Volume 3
do estado, o mesmo já se encontrava em crise, o que de fato aconteceu de uma República Velha
Tomo I
forma mais intensa na década de 30.
O tipo de intervenção do estado preconizado pelo pensamento autoritá-
XI.
rio da década de 30 referia-se basicamente às funções de regulamentação, su- A economia e a
pervisão e coordenação das diferentes esferas da vida social. Segundo Diniz, indústria
da madeira
o que se defendia era o papel do estado como agente de controle e disciplina
dos mecanismos do mercado, mas, paralelamente, dava-se ênfase à eficácia 369
Transporte de tora. Carroção com juntas de bois. Erechim.
Acervo Altair Menegati. Álbum fotográfico da história de Erechim. Erechim: Edelbra, 2000.

da livre iniciativa, o pioneirismo, a criatividade e o dinamismo, considerados


atributos essenciais para a empresa privada (DINIZ, 1978, p. 91).
A crise de 1929 abriu espaço para uma ampla reorganização institucional,
promovida por um desdobramento da Revolução de 30. As prioridades eco-
nômicas para a superação da crise de 29 foram estabelecidas com base na
industrialização e na diversificação da agricultura, com destaque para o mer-
cado interno. Contudo, a situação financeira do momento impediu qualquer
solução imediata, e o impasse foi de tal maneira profundo que Getúlio Vargas
se viu obrigado a tomar medidas paliativas que o forçaram a intervir na eco-
nomia (CARONE, 1982, p. 6 e 59). Assim, progressivamente, começou a inter-
venção do estado nas economias cafeeira, açucareira, cacaueira e outras, com
a criação dos respectivos institutos.
Retrocedendo um pouco no tempo, vê-se que Borges de Medeiros, como
presidente do Rio Grande do Sul, procurou incentivar o cooperativismo e Ge-
túlio Vargas; também propôs, em 1928, a idéia da forma associativa e do
História Geral do
reagrupamento social através da categoria de classes, segundo a profissão ou
Rio Grande do Sul atividade econômica. Na esfera federal, em dezembro de 1933 o Governo Pro-
visório estabeleceu que as classes produtoras deveriam organizar-se sob a for-
ma de consórcios profissionais cooperativos, com o objetivo de defender os in-
João Carlos teresses dos associados.
Tedesco,
Liliane I. M. Wentz Em 1937 foram criados no Rio Grande do Sul, os institutos do vinho, da
banha, da erva-mate, do arroz (MULLER, 1979, p. 370). Essas foram bases só-
370 lidas para a criação, em 1941, do Instituto Nacional do Pinho, que mereceu um
estudo mais detalhado de nossa parte. O governo acreditava que esse órgão
era um aprimoramento das cooperativas, logo os sócios estariam mais prote-
gidos na forma de institutos.
Desse modo e nesse cenário criaram-se vários sindicatos e vários forma-
tos organizativos de representação setorial, dentre eles, o Sindicato dos Pro-
dutores de Madeira do Rio Grande do Sul, a Sociedade Cooperativa de Res-
ponsabilidade Limitada Serrarias Madeiras de Pinho Sul Rio-Grandense de
Sertão, o Sindicato da Indústria das Serrarias, o Sindicato Patronal dos Ex-
portadores de Madeiras, o Sindicato Patronal dos Beneficiadores de Madei-
ras, a Associação Profissional dos Industriais de Extração de Madeiras, o
Sindicato do Comércio Atacadista de Madeiras e o Instituto Nacional do Pi-
nho. Esse foi a grande referência, o grande agregador de interesses políti-
cos e econômicos do setor, mas, fundamentalmente, também, como repre-
sentativo da força estatal na normatização e controle das atividades da ma-
deira no estado.
Não há dúvida de que em termos econômicos, políticos, sociais e
ocupacionais, o setor madeireiro teve um significado profundo no estado.
Além de promover processos de ocupação do espaço natural (terra), criou
vínculos produtivos e comerciais, ligou mercados distantes, possibilitou uma
rede de atores sociais e econômicos; originou conflitos e definições políticas lo-
cal-regionais; abriu espaços para o capital estrangeiro, para o acúmulo de ca-
pital e fortalecimento de um determinado segmento social; fortaleceu a diver-
sificação econômica; destacou economias regionais e estaduais; concretizou o
princípio positivista do progresso com ordem social, sem atentar para a reso-
lução das contradições sociais daí decorrentes.
A economia da madeira empregou mão-de-obra, expropriou muitos pe-
quenos produtores, desbravou florestas e madeiras nobres, destruiu a fauna
e a flora; em contrapartida, enriqueceu e acumulou capital nas mãos de alguns,
que, ao comprarem a madeira, compravam as terras de muitos caboclos e pe-
quenos produtores migrados; forneceu mão-de-obra e população para as cida-
des que se formavam ao redor de uma serraria e/ou de um comércio de ma- Volume 3
deira, em geral nas beiras dos trilhos; auxiliou na redefinição da paisagem agrí- República Velha
Tomo I
cola; consolidou a categoria de granjeiros e a simbologia do desbravador/
pioneiro em várias regiões do Rio Grande do Sul
XI.
Hoje restam, na memória, vestígios de tempos passados, peripécias ex- A economia e a
teriorizadas com o auxílio da memória, troncos de árvores cuja força os tem- indústria
da madeira
pos ainda não esgotaram, casas de madeira, variados ambientes construí-
dos; permanece a noção de desbravador para contar história, de trajetóri- 371
as sociais e econômicas diferenciadas de muitos que enriqueceram, outros
que ficaram mais pobres, expropriados, discriminados, e que hoje vivem em
pequenas extensões de terra, ou, em sua grande maioria, nas periferias das
cidades onde floresceu por um grande período a indústria e o comércio da
madeira.
Esses foram alguns dos processos e relações que correlacionam e inte-
gram o universo da extração, industrialização, comércio e território da madei-
ra no estado gaúcho que sinteticamente enfatizamos neste texto. Sabemos que
a economia da madeira não se encerra com o fim da República Velha e, sim,
ganha novos dinamismos em outras regiões do estado e fora dele.

História Geral do
Rio Grande do Sul

João Carlos
Tedesco,
Liliane I. M. Wentz

372
Balsa de toras de madeira, com
acampamento em cima. Rio Uruguai.
Acervo Carlos F. Fünfgelt. Álbum fotográfico da
história de Erechim, 2000.

Balsa de madeira. Rio Uruguai.


Acervo Carlos F. Fünfgelt. Álbum fotográfico da história de Erechim, 2000.

Volume 3
República Velha
Tomo I

XI.
A economia e a
indústria
da madeira

373
Balsa de toras de madeira, com
acampamento em cima. Rio Uruguai.
Acervo Carlos F. Fünfgelt. Álbum fotográfico da
história de Erechim, 2000.

História Geral do
Rio Grande do Sul

João Carlos
Tedesco,
Liliane I. M. Wentz

374
Volume 3
República Velha
Tomo I

XI.
A economia e a
indústria
da madeira

375
História Geral do
Rio Grande do Sul

João Carlos
Tedesco,
Liliane I. M. Wentz

376
Capítulo XII

OS DESCENDENTES DE ALEMÃES

Mercedes Gassen Kothe

Os alemães se estabeleceram no interior, nas áreas adjacentes aos rios


Jacuí, Pardo e Taquari. Adquiriram terras que podiam ser pagas em presta-
ções, as quais, ainda, tiveram de ser demarcadas, roçadas e plantadas, o que
era feito com base no trabalho familiar. Ganharam, também, facilidades para
aquisição de ferramentas agrícolas, que eram pagas posteriormente com a
venda do excedente produzido. O Sul do Brasil era a região preferida por aque-
les que vinham com recursos próprios, devido à terra fértil, rica em flora, fauna
e, com um inverno menos rigoroso que o alemão.
Muitos, oriundos do leste do Elba, ficaram assim livres dos grandes
proprietários Junkers, embora tivessem encontrado no Brasil os equivalen-
tes àqueles: aos grandes fazendeiros. É bem verdade que estes não possuíam
poder direto sobre eles. Aqui, os teutos (descendentes de alemães que se en-
contravam a mais tempo no país, antes do período abordado neste capítulo)
tornaram-se donos de um pedaço de terra, sonho acalentado por muitos, o que
na Alemanha seria impossível concretizar. Com o transcorrer dos anos, várias Volume 3
dessas colônias transformaram-se em prósperas vilas e cidades, decorrente da República Velha
Tomo I
riqueza daqueles que se dedicaram ao comércio de produtos da indústria, ao
varejo com áreas vizinhas ou com a capital do estado.
No período da proclamação da república, algumas áreas já eram admi- XII.
nistradas por teutos, alguns com ativa vida social e política, o que dotava es- Os descendentes
de alemães
ses lugares de atividades econômicas com papel de destaque no estado. Inclu-
sive, o pequeno comércio das colônias ficou em suas mãos. Para entendermos
377
as razões do crescimento do comércio e da indústria em áreas de colonização
alemã no Rio Grahnde do Sul convém lembrar que a maioria dos imigrados
não eram simplesmente camponeses, tinham também outras qualificações
profissionais – pedreiros, marceneiros, ferreiros, parteiras etc. – que lhes
permitiam prestar serviços aos vizinhos e, assim, garantir autonomia e até
desenvolver uma incipiente indústria. Todos tinham praticamente a mesma
quantidade de terras e dificuldades iniciais, o que acabou criando um senso de
igualdade e solidariedade entre eles; ajudavam aos recém imigrados na cons-
trução das casas, forneciam-lhes mudas de plantas e técnicas agrícolas (KOTHE,
1991).
É importante destacar que a imigração no Rio Grande do Sul diferenciou-
se da ocorrida em São Paulo, onde a vinda da quase totalidade dos imigran-
tes, desde 1845, foi financiada pelo governo federal, mais tarde pelos cafeicul-
tores e depois pelo governo estadual. Durante décadas, no século XIX e nos
anos iniciais do século XX, a maioria dos alemães que chegaram ao Sul vieram
com seus próprios recursos, o que significa que tinham algum capital e certa
formação cultural, fato demonstrado nas dezenas de organizações paramilita-
res, que foram surgindo nas cidades, vilas e colônias. Encontravam-se nos fins
de semana nas “sociedades de tiro e caça”, ou sociedades de ulanos; criaram,
também, coros, orquestras, grupos teatrais, jornais e revistas, destacando-se
entre as últimas: os Kalender. Essas atividades culturais tinham a finalidade
da preservação ou reelaboração da identidade étnica e perduraram até a im-
plantação do Estado Novo.
A Constituição republicana promoveu no Brasil a separação entre a Igreja
e o Estado, o que favoreceu os imigrantes não-católicos, que no período impe-
rial, até o surgimento da Lei Saraiva de 1881, não tinham seus casamentos re-
conhecidos (Idem, 1987). Também foi concedida a “grande naturalização”, pela
qual todos os estrangeiros em solo brasileiro que não se manifestassem, no
período de seis meses, sobre o desejo de permanecer com a cidadania do país
de origem, tornar-se-iam brasileiros.
Como a maioria dos imigrantes e seus descendentes viviam longe dos
História Geral do
Rio Grande do Sul Consulados ou Legações Diplomáticas, acabaram tornando-se cidadãos bra-
sileiros, porém mantiveram suas especificidades culturais e continuaram a
falar a língua de seu país de origem, o que veio a contribuir para a desconfiança
de nativistas sobre a não-integração de elementos estrangeiros na sociedade
Mercedes Gassen
Kothe
brasileira (Idem, 1991).
Entretanto, não é a concessão ou aquisição da cidadania de determina-
do país que faz com que o indivíduo seja visto como igual aos nativos, nem ga-
378
rante as mesmas oportunidades. Ele também não irá abdicar em pouco tem-
po de suas especificidades culturais. Esse processo é mais lento, podendo du-
rar décadas ou ser realizado pelas gerações futuras.
É importante notar que a maioria dos teutos, no período, estava estabe-
lecida em colônias e, embora muitos lessem revistas e jornais em língua ale-
mã, que informavam sobre a nova situação jurídica, devido às dificuldades de
locomoção e ao distanciamento, acabaram não tomando medidas reativas
dentro do prazo. Somente anos mais tarde, insatisfeitos com a nova situação,
começaram a dirigir queixas às Legações Diplomáticas das capitais, afirman-
do que desejavam readquirir a cidadania alemã, já que receberam a brasilei-
ra sem que a tivessem solicitado (Potsdam AA nº 29676). Como não foi toma-
da nenhuma medida, entre 1904 e 1906, centenas entregavam subscrição de
nomes nos consulados, solicitando ao governo alemão a reconcessão da cida-
dania, por se encontrarem há mais de 10 anos no exterior.
O tema da cidadania já vinha sendo discutido na Alemanha desde 1895,
quando o Alldeutscher Verband (associação nacionalista e expansionista) apre-
sentou ao governo um projeto de lei no qual constava:
a) que os alemães residentes há mais de 10 anos no exterior não perdes-
sem a cidadania;
b) que os alemães e seus descendentes no exterior, que já tivessem per-
dido a cidadania pudessem, pela nova lei, requerer a renaturalização,
mesmo continuando a viver no estrangeiro;
c) que fosse dificultada a naturalização de estrangeiros que se encontra-
vam na Alemanha (Potsdam RMDI nº 8005).

A lei de naturalização e perda da cidadania alemã surgiu finalmente em


1913, cujo § 31 tratava dos indivíduos que haviam perdido a cidadania por es-
tarem há mais de 10 anos no estrangeiro: ela deveria ser concedida novamente
pelos Estados de onde haviam emigrado. E o § 33, no item 2, rezava:

Volume 3
a cidadania do Reich pode ser concedida a um ex-alemão que não tenha se República Velha
Tomo I
estabelecido na Alemanha; torna-se igual ao ex-alemão todo aquele que dele
descenda ou tenha sido adotado na infância (REICHS GEZETSBLATT, 1913, p.
589).
XII.
Os descendentes
de alemães
Em 1914, muitos ex-alemães e teutos, meses antes da eclosão da guer-
ra, residentes no Brasil, solicitaram a concessão da cidadania nas Legações Di- 379
plomáticas alemãs. A maior parte das solicitações, analisadas até 1914, ainda
no Brasil, receberam parecer inicial desfavorável por parte de diplomatas aqui
sediados. Mesmo assim, os pedidos foram enviados ao Ministério do Exterior
da Alemanha, ao qual competia a decisão final, e que acabou por não alterar
os pareceres.
Analisando os pareceres dos diplomatas sediados em território brasilei-
ro na época, verifica-se nas anotações (e isso certamente pesou na decisão fi-
nal), que os solicitantes eram pessoas de poucas posses, de idades avançadas,
morando com filhos e netos e com pouco prestígio. A concessão da cidadania
foi recomendada quando se tratava de solicitantes com boas condições finan-
ceiras e que se mostravam ativos na propagação do Deutschtum nas regiões
em que se encontravam.
Segundo informações de funcionário da Embaixada da Alemanha, a Lei
de Cidadania de 1913 permaneceu em vigor até 2003, e, por intermédio des-
sa, milhares de descendentes de teutos do Sul do Brasil – cujos antepassados
da linha masculina se preocuparam a cada 10 anos em fazer o registro no Con-
sulado – possuem, na atualidade, a cidadania alemã, ainda que não conheçam
a terra de seus antepassados, muitas vezes por não possuir condições finan-
ceiras para visitar a Alemanha.
Na tentativa de fazer uma comparação sobre os efeitos das leis dos dois
países sobre a concessão da cidadania, pode-se aventar que no Brasil ela sur-
giu, em parte, para integrar estrangeiros a fim de fortalecer o regime repu-
blicano recém-criado e para que, em caso de eventual levante contra o novo
governo, pudessem ser recrutados soldados para lutar contra os revoltosos,
sendo a Marinha brasileira então reconhecidamente monarquista, um setor
no qual poderiam surgir revoltas (o que se comprovou em vários momentos).
Na Alemanha, a lei surgiu com o objetivo de, em caso de um conflito interna-
cional, que já se prognosticava há anos, permitir o recrutamento de soldados
entre os milhares da alemães que haviam deixado o país, e, ao mesmo tem-
po, dificultar a concessão de cidadania a milhares de estrangeiros que se en-
contravam na Alemanha, a maioria constituída por poloneses e judeus
História Geral do
(KOTHE, 1991).
Rio Grande do Sul O ato da concessão da cidadania brasileira, uma benesse governamental,
uma tentativa de integrar os milhões de estrangeiros que viviam no país, não
trouxe maiores benefícios. No cotidiano, continuaram a ter pouca represen-
tação política em nível estadual e nacional, não somente naquele período,
Mercedes Gassen
Kothe como também nas décadas posteriores, continuaram a ser vistos como cida-
dãos não-confiáveis. Eram desejados para o trabalho agrícola, para o comér-
380 cio e indústria, mas não para exercer atividades políticas.
Após a proclamação da república, até 1912, ocorreram várias revoltas,
identificadas por muitos como tendo origem entre forças que se haviam uni-
do em torno do novo regime de governo e monarquistas. Pode-se afirmar que
muitas ocorreram tendo como finalidade básica exigir um governo mais demo-
crático e não pelo desejo de reinstalar a monarquia. Entretanto, o novo gru-
po no poder não atendeu aos anseios de grupos que estavam marginalizados
no período monarquista e que esperavam melhorias sociais sob o regime re-
publicano.
Sobre os rumos que a república estava tomando e as perspectivas para
os alemães no Brasil, encontrou-se o seguinte parecer: “Os colonos alemães
eram fiéis partidários da monarquia... Hoje tornaram-se bons republicanos.
Se eles podem esperar benefícios da república, é duvidoso” (Potsdam AA. nº
30262). A atitude dos políticos republicanos para com os teutos não foi diferen-
te daquela executada anteriormente pelos políticos monarquistas, ou seja, con-
tinuaram a ser ignorados, ou temidos quando reivindicavam melhorias para
suas áreas. Quando convinha, tanto para as forças governamentais quanto
para as revoltosas, foram engajados nas lutas que ocorreram no estado.
A mudança do sistema político e do regime de governo não alteraram
essencialmente o panorama nacional. O povo ficou à margem do processo, não
participou dele e pouco recebeu em termos de melhorias sociais. Um perió-
dico paulista assim se manifestava:

O governo e seus círculos próximos evitam reformas profundas. Isso contribuiu


para que parte da população perdesse a confiança na atual forma de governo e
tem saudades da monarquia. A república está apenas no papel, na prática não é
seguida (GERMANIA, 1892).

Nesse contexto, muito se tem escrito sobre o saudosismo monárquico dos


teutos, sua filiação partidária e postura na revolução de 1893 no Rio Grande
do Sul, sem que se tenha chegado a resultados conclusivos. O que se verifica Volume 3
na literatura é que havia simpatizantes tanto do lado maragato quanto do fede- República Velha
Tomo I
ralista. Entende-se que entre os simpatizantes houve muitos seguidores de
Gaspar Silveira Martins, exímio defensor na luta pelos direitos políticos dos
imigrantes no período imperial. Segundo Gertz: “Muitos afirmam que os XII.
teutos eram maragatos. Não porque tivessem posições políticas conscientes, Os descendentes
de alemães
mas porque seu grande chefe, Koseritz, teria se vendido para Gaspar Silvei-
ra Martins” (GERTZ, 1994, p. 47).
381
A revolta gaúcha de 1893 mostra que a tentativa do governo em naciona-
lizar estrangeiros provocou resultados diversos, tendo muitos se colocado ao
lado das forças republicanas e outros ao lado das forças separatistas. A ade-
são para com esse ou aquele grupo certamente teve mais a ver com identifi-
cação e promessas da política no estado do que com uma possível reinstauração
da monarquia.
Sobre os efeitos causados pela revolução nas áreas de colonização, um
periódico alemão opina:

Durante a última revolução mostrou-se como foi deficiente a proteção jurídica


e a reaquisição de terras tornou, nos últimos anos, a situação ainda pior. Cen-
tenas de naturalizados tiveram de voltar a comprar do Estado, pagando mais
uma vez sua propriedade [...] (Potsdam, AA nº 30.285).

O presidente do estado chegou a afirmar que o ato seria anulado, porém,


durante anos, nada foi feito. A imprensa alemã retomou o assunto em 1906,
afirmando:

Aventamos, há dois meses, a postura do governo brasileiro contra colonos


alemães do Rio Grande do Sul. Tratava-se de propriedades fundiárias que o
governo declarou como propriedade do Estado, embora tivesse fornecido tí-
tulos legais. Agora, trata-se de terra privada que se encontra há mais de 70
anos em posse dos moradores. O caso ocorre na sesmaria Ubatuba-Lageado
(STAATSARCHIV HAMBURG, 1906).

Anos antes, em 1903, órgãos do governo afirmavam que a questão havia


sido solucionada, ocorrendo o incidente apenas em algumas áreas, entre es-
tas, Santa Cruz do Sul. As medidas tomadas pelo governo contra os colonos,
obrigando muitos a readquirir as terras mais uma vez, aumentaram a descon-
fiança para com as autoridades do estado, gerando mal-estar e protestos, in-
História Geral do
clusive da imprensa alemã.
Rio Grande do Sul Após o término da revolução, vários teutos com projeção social e política
foram vigiados e perseguidos pelas tropas governamentais e, ainda, impedi-
dos de atender as suas atividades econômicas, acusados de se terem coloca-
Mercedes Gassen
do ao lado das forças de Silveira Martins. Entre esses, encontramos Theodor
Kothe Grunewald, sócio de firma de importação; Georg Eichenberg, comerciante e
especulador de terras e Carlos Trein Filho, agrimensor e engenheiro. Os dois
382 últimos da cidade de Santa Cruz do Sul.
Os três se dirigem para a Alemanha, motivo pelo qual, diplomatas de Por-
to Alegre enviam correspondência ao Ministério do Exterior de Berlim, soli-
citando que as autoridades alemãs os mantivessem informados, no caso de
tentativa de agenciamento de imigrantes por parte desses cidadãos. Aventam
que molestações de natureza policial deveriam ser evitadas, pois trariam pre-
juízos à crescente simpatia pela Alemanha, além de prejudicar interesses
comerciais (KOTHE, 1991).
Após retornar ao Brasil, Carlos Trein continuou a ser vigiado pelas for-
ças do então presidente gaúcho Júlio de Castilhos, sofrendo, em 1903, inclu-
sive um atentado, do qual conseguiu escapar com vida. O atentado foi atribu-
ído a correligionários do presidente do estado (KRAUSE, 2002).
Em 1897, surgiu na Alemanha a Lei de Emigração, que determinava que
a emigração somente poderia ser realizada nos portos alemães e com navios
alemães. Além disso, proibia a emigração para países ou estados que subsidi-
avam o custo das passagens. Isso afetou diretamente a vinda de trabalhado-
res alemães para as fazendas de café. A lei permitia, entre vários itens, a vin-
da para o Brasil, desde que os imigrantes se dirigissem para os três estados
do Sul, onde teriam melhores condições de prosperidade. Políticos brasileiros
viram nisso uma tentativa da Alemanha começar a controlar o Sul.
Os efeitos da lei para o Sul não foram auspiciosos; a imigração não ocor-
reu em grande escala e, em poucos anos, começou-se a falar do “perigo ale-
mão”, devido ao distanciamento entre teutos e nativos. Isso surgiu muito an-
tes da eclosão da I Guerra Mundial, em forma de manifestações na imprensa
por parte de políticos e intelectuais contra os quistos de estrangeiros que man-
tinham suas especificidades culturais, falavam alemão e davam preferência a
casamentos intra-étnicos. As manifestações aumentaram a partir de 1906 e to-
maram vulto na época da eclosão da Guerra.
Sobre a situação no Sul, encontramos a opinião de um periódico alemão:

Dos alemães do Sul do Brasil, pode-se falar como de um povo em si. [...] Os
Volume 3
brasileiros de hoje devem acostumar-se com a idéia de que milhões irão falar República Velha
alemão e portar-se como tal. Qual o impedimento para que o Brasil se torne Tomo I

um país de várias línguas? (Potsdam AA, nº 30284).


XII.
Os descendentes
Com opiniões dessa natureza por parte da imprensa alemã, das quais de alemães
políticos brasileiros devem ter tomado conhecimento, não é de estranhar as
medidas que começaram a ser tomadas para integrar os teutos na sociedade
383
de adoção. Como nessa época várias localidades destacam-se pelo comércio
e indústria, poderiam vir a privilegiar maiores contatos com a Alemanha, que
era temida pela agressividade política e econômica na Europa.
Políticos brasileiros, verificando o distanciamento dos imigrados em de-
zenas de localidades nos três estados sulinos, sugeriram que deveriam ser to-
madas medidas para que os imigrados aprendiam a língua portuguesa e para
isso tornou-se necessária a criação de escolas estaduais ou municipais nas áre-
as de colonização. Também a imprensa norte-americana se manifestou sobre
a não-assimilação:

A maioria dos alemães adotou a cidadania brasileira, mas seus ideais são ale-
mães. No Sul tornaram-se elemento predominante. Fábricas, comércio, esco-
las e igrejas estão em toda parte. A língua alemã ultrapassou a língua oficial do
país (New York Journal).

Opiniões com o mesmo teor também aparecem na imprensa brasileira,


fazendo com que teutos se defendam, conforme segue:

Há tempos os Estados Unidos apontam aos brasileiros um suposto “perigo


alemão”, e muitos acreditam que a Alemanha é sua inimiga, querendo anexar o
Sul do Brasil. Mas ela não quer é diminuir suas áreas de exportação de produ-
tos e de pessoas (KOTHE, 1991, p. 43).

Torna-se claro que os teutos manifestassem o desejo de comerciar com a


Alemanha, seus produtos eram mais elaborados que os da incipiente indús-
tria nacional. No tocante ao termo exportação de pessoas, deve ser lembrado
que muitos enviavam cartas a parentes e conhecidos convidando-os a emigra-
rem para o Brasil, motivados, certamente, em ter familiares e amigos na nova
pátria. Nessas correspondências, elogiavam a nova terra, falando das rique-
zas da região bem como da possibilidade de progresso. Além desses convites
História Geral do
Rio Grande do Sul
para virem para o Brasil, existiam na Alemanha dezenas de associações cria-
das no decorrer do século XIX com interesse nas pessoas que deixavam o país,
para que essas, uma vez estabelecidas nos novos lugares, continuassem a ser
consumidoras e divulgadoras dos produtos da indústria alemã.
Mercedes Gassen
Kothe
Com a entrada de alemães no Rio Grande do Sul, o estado foi beneficia-
do, segundo Willems, pela introdução de novas técnicas de trabalho, novos ti-
pos de plantas e gêneros alimentícios, o que, por exemplo, acarretou maior
384
consumo de legumes e verduras, numa região que antes se destacava pelo con-
sumo de carne (WILLEMS, 1955).
As manifestações por parte de políticos e diplomatas alemães sobre a
situação dos teutos no Sul do Brasil, as manifestações dos próprios teutos e
os artigos da imprensa americana são anteriores à I Guerra Mundial. Com a
eclosão dessa, apareceram artigos na imprensa brasileira afirmando que eles
continuavam a se comunicar somente em língua alemã, recusando-se a ado-
tar usos e costumes dos brasileiros, porém, mostraram-se ativos no campo
econômico, não se encontrando provas de não amarem a nova pátria (Jornal
do Brasil, 1917). Manifestações por parte da imprensa brasileira não impe-
diram as sanções do governo para com os alemães e teutos que se encontra-
vam no Brasil e não ajudaram a angariar mais simpatia e confiança por parte
dos nativos.
Durante a guerra, os teutos sofreram sanções por parte de autoridades
e da população brasileira, embora o rompimento das relações diplomáticas en-
tre os dois países somente tenha ocorrido em 1917. Nesse mesmo ano, o pre-
sidente Venceslau Brás discursava:

Se a Alemanha continuar a perseguir nossa frota e impedir nosso comércio


então, bancos, indústrias e atividades de colonização da Alemanha, não serão
mais permitidos no país. Serão declarados nulos os acordos com pessoas pri-
vadas. Os suspeitos devem ser internados (AA, Bonn).

No período do rompimento das relações diplomáticas, poucas pessoas


suspeitas de espionagem foram presas, entretanto o governo brasileiro se apro-
priou de bens de alemães, controlou bancos e casas de comércio de alemães,
proibiu o casamento de brasileiros com alemães, além de estabelecer que
teutos e alemães, que se encontrassem no país, deveriam solicitar uma per-
missão para se dirigir a outras localidades. Também as escolas nas quais se en-
sinava em língua alemã foram fechadas, além de ser proibida a publicação de
jornais nessa língua (os que possuíam redatores com bom domínio de portu- Volume 3
guês puderam subsistir). Já em 1914, quando eclodiu a guerra, várias casas República Velha
Tomo I
comerciais e residências de teutos foram apedrejadas, principalmente em
Porto Alegre.
Na aplicação das sanções por parte das autoridades estaduais, Santa XII.
Os descendentes
Catarina, considerado o estado mais germânico, adotou medidas mais rígidas de alemães
que o Rio Grande do Sul, o que se deve em parte à atitude do presidente Bor-
ges de Medeiros, que estava enfrentando a oposição da elite pecuarista do es-
385
tado (PINTO, 1986). A atitude mais tolerante do governo gaúcho sobre o que
estava ocorrendo no interior do estado, em áreas de colonização alemã, deve
ser computada ao fato de que os teutos representavam perigo menor do que
os poderosos pecuaristas que dominavam a economia exportadora e eram fer-
renhos opositores de Castilhos.
Com o reatamento das relações diplomáticas entre os dois países, em
1920, o governo brasileiro, novamente, enviou agentes à Alemanha, prática
comum no decorrer do século XIX, com o intuito de recrutar imigrantes. En-
tre esses, encontrava-se o coronel Gaelzer, que durante sua estada na Alema-
nha, tentou tornar sem efeito o decreto Van der Eydt, esse proibia a imigra-
ção para os estados brasileiros, com exceção dos três sulinos. Não obteve
êxito na anulação do decreto, o que também não impediu a entrada contí-
nua de imigrantes.
A não-interrupção ocorreu, em parte, devido à atuação no estado do
empreendimento New Würtenberg, do médico alemão Meyer, que adquiriu,
na região de Panambi, grandes extensões de terras, revendendo-as em glebas
de 25 a 40 hectares em prestações aos imigrantes. Por ocasião da viagem de
Gaelzer à Alemanha, o Consulado alemão de Porto Alegre recebeu instruções
para averiguar atividades do agente, no Brasil, em períodos anteriores.
Para conseguir um quadro mais consistente, diversas pessoas de seu cír-
culo mais próximo foram chamadas a prestar declarações no consulado, en-
tre esses: o dr. Rottermund, que o elogia como ex-aluno estudioso, dando ainda
notícia sobre a carreira dele como delegado de Polícia e intendente em São
Leopoldo. Gaelzer, segundo notícias que corriam na cidade de São Leopoldo,
em sua administração, teria desviado fundos para causa própria. Entrando em
conflito com Borges de Medeiros, dirigiu-se ao Rio de Janeiro, onde manteve
contato com círculos governamentais, acabando por ser enviado para Berlim
com a missão de cooptar pessoas desejosas de emigrar (KOTHE, 2004).
Diversas organizações alemãs sediadas no Brasil criticaram anos mais
tarde as atividades de Gaelzer na Alemanha, por ter feito promessas de que
todos, uma vez no Brasil, encontrariam bons empregos. Muitos tiveram difi-
História Geral do
Rio Grande do Sul culdades em se estabelecer nas cidades. E como não tinham experiência em
atividades agrícolas, surgiram queixas sobre as cláusulas dos contratos e so-
bre a impossibilidade de prosperar, além de solicitações para que as organi-
zações os auxiliassem a voltar ao país de origem. No auxílio para o retorno,
Mercedes Gassen
Kothe convém lembrar que nem o governo nem as sociedades alemãs tinham inte-
resse em que imigrantes insatisfeitos retornassem. Para ambos, era importan-
te que permanecessem nos locais onde estavam estabelecidos, prosperassem
386
e mantivessem usos e costumes e, assim, continuassem a dar preferência aos
produtos alemães.
No contexto histórico da época, em que países europeus, como a Ingla-
terra, a França e a Bélgica possuíam colônias na África, cujos imigrados con-
sumiam seus produtos industriais, também a Alemanha tinha colônias naque-
le continente até o término da I Guerra, porém a situação era diferente, con-
forme pode-se apreender do manifesto a seguir:

Antes de existir uma pátria alemã dizia-se na Inglaterra: “A França tem colônias,
e não tem colonos; a Alemanha tem colonos mas nenhuma colônia; a Inglater-
ra tem os dois”. Hoje temos colônias, e teríamos também colonos, mas não
os enviamos para essas colônias (S TAATSARCHIV H AMBURG ,
AUSWANDERUNGSAMT).

Devemos lembrar que as colônias alemãs nunca atraíram imigração em


grande escala, prevalecendo a das forças militares enviadas pelo governo para
proteção das fronteiras. A maioria dos desejosos de emigrar dirigia-se aos Es-
tados Unidos, seguindo-se, em ordem de preferência, também à Argentina,
ao Brasil e ao Chile.
Na opinião de políticos e diretores de associações comerciais alemãs, não
era interessante recomendar a ida aos Estados Unidos, porque, nesse país, em
pouco tempo os imigrados aculturavam-se, tornavam-se cidadãos americanos,
e, por conseqüência, concorrentes da Alemanha. A saída para o Brasil era bem
vista, porque aqui tinham muitos filhos (em torno de 8, enquanto que na Ale-
manha tinham 3 ou 4); mantinham, na 4ª e 5ª geração, os usos e costumes da
antiga pátria e porque a indústria brasileira não era nem se tornaria, a curto
prazo, concorrente da indústria alemã.
Avaliando o quadro acima torna-se mais claro, o porquê do alarde no Bra-
sil e na Alemanha, sobre o modus vivendi dos teutos no Sul do Brasil e das
consecutivas tentativas de políticos e intelectuais brasileiros em acabar com
Volume 3
áreas genuinamente compostas de imigrantes e de seus descendentes, pois República Velha
essas poderiam vir a representar um perigo, na medida em que não estavam Tomo I

integradas culturalmente à sociedade brasileira, e se colocar sob o manto pro-


tecionista de um país europeu. Isso era mais acentuado para com as comuni-
XII.
dades alemãs do que para com as italianas. Os descendentes
de alemães
Tais pressupostos eram alimentados por parte da imprensa estrangeira,
brasileira e pela intelectualidade, desde o início do século XX, motivados em
387
parte pelo rápido crescimento industrial da Alemanha e pela conseqüente
procura de mercados no exterior, suplantando na época os ingleses e os fran-
ceses.
Após a derrota da Alemanha em 1918, até 1933, não se falava mais do pe-
rigo de anexação. O assunto voltou à tona apenas nos círculos governamentais
alemães, no período de Hitler, segundo aponta Jürgen Hell, historiador da ex-
Alemanha Oriental.
A entrada de estrangeiros no Brasil foi subvencionada – com poucas in-
terrupções –, pelo governo federal e por vários estados, até 1927. Nos anos
iniciais do século XX, o Rio Grande do Sul ocupava o terceiro lugar no recebi-
mento de estrangeiros, passando em 1920 para o segundo lugar. Nos dois mo-
mentos, São Paulo ocupa o primeiro lugar. Deve ser lembrado, ainda, que no
século XIX o governo paulista financiava a imigração e para lá se dirigiram
pessoas com poucas posses, para trabalhar nas fazendas de café (KOTHE, 2004).
Já na década de 1920, a entrada de estrangeiros nesse estado possuía outro
perfil; eram, na maioria, pessoas com conhecimentos fabris, operários, técni-
cos, engenheiros, além de professores com dificuldade em conseguir empre-
go na Europa. Também os imigrantes para o Sul do Brasil, nessa mesma dé-
cada, caracterizavam-se pela qualificação profissional, estabelecendo-se pre-
ferencialmente na capital. Nas áreas onde se localizaram puderam exercer
suas profissões, desde que se considerassem aptos, sem a necessidade de se
submeter a uma prova e de entregar certificados (GERTZ, 1980).
A vinda desse contingente no pós-guerra acarretou, muitas vezes, o sur-
gimento de rivalidades e distanciamento com os teutos, motivadas, segundo
relatos, pela postura dos recém-chegados que se consideravam superiores, isto
é, que tinham mais formação escolar, que possuíam uma profissão e que fala-
vam o Hochdeutsch. Ao contrário, os que vieram em décadas anteriores fala-
vam em dialeto, uma mistura do alemão falado em diversas regiões da Ale-
manha, e que aqui gerou um dialeto próprio de difícil entendimento para os
recém-chegados, o que promoveu o distanciamento. O fato não interferiu na
melhoria de vida de muitos, principalmente porque tinham conhecimento
História Geral do
Rio Grande do Sul industrial, possuíam formação técnica ou um diploma universitário em áreas
que estavam se expandindo no Brasil e nas quais faltavam profissionais
(KOTHE, 2004).
Nos anos 20, Burchard, diplomata sediado em São Paulo, afirmou que o
Mercedes Gassen
Kothe governo do Rio Grande do Sul se posicionava pouco favoravelmente em rela-
ção à imigração, porque precisava arrumar áreas para os 20 mil descenden-
388 tes que já se encontravam no estado (AA, Bonn). Como não havia mais terras
Mensageiro
Luterano, 1 fev.
1919, p. 1
Huff Júnior, 2006.

disponíveis nas áreas iniciais da imigração, os descendentes de 3ª ou 4ª gera-


ção dirigem-se para o norte do estado. Iniciou-se também, nesse período, a mi-
gração ao oeste de Santa Catarina. A partir de 1924, começou o desmatamento
na região de Nova Bréscia, Getúlio Vargas e Erechim, com a finalidade de es-
tabelecer imigrantes austríacos, italianos e alemães (ILG, 1978).
Nesse período, o governo já executava, há alguns anos, a colonização mis-
ta, isto é, as terras eram vendidas para imigrantes de várias nacionalidades,
e esses somente poderiam se comunicar entre si (no caso de alemães e aus-
tríacos com os italianos) caso aprendessem o português. A colonização mista
foi iniciada, no começo do século XX, no estado de Santa Catarina, onde se ado-
tou a política de colocar nas áreas de colonização imigrantes de diferentes na-
cionalidades, atendendo à solicitação de políticos e intelectuais que há algum
tempo vinham alertando sobre a formação de quistos na região.
Enquanto no século XIX, os teutos, segundo avaliações de diplomatas,
pouco se interessavam pela política no Brasil, a situação se alterou nos anos
iniciais do século XX, quando muitos, nas áreas especificas de colonização no
Sul já estavam de certa forma integrados à economia e à política do estado,
participando, por exemplo, ativamente na campanha eleitoral de 1922
(KOTHE, 1991). Concorreram dois candidatos: Borges de Medeiros, que ten-
Volume 3
tava o pleito pela quinta vez, e Assis Brasil. Medeiros ganhou a eleição. Segun- República Velha
Tomo I
do levantamento realizado por Gertz, Medeiros teve votação expressiva nas
áreas de colonização alemã, enquanto Assis Brasil conseguiu a maioria de seus
eleitores na zona da campanha gaúcha (GERTZ, 1980). XII.
Os partidários de Assis Brasil acusam a ocorrência de fraude eleitoral. O Os descendentes
de alemães
descontentamento por parte dos vencidos no pleito leva à eclosão de uma re-
volta em 1923 entre borgistas e assisistas. Na medida em que se posicionaram,
389
a maioria dos teutos colocou-se ao lado de Borges de Medeiros, porque, segun-
do relatos, ele havia sido favorável às minorias no estado por ser partidário do
positivismo. Havia, ainda, a lembrança de que durante a I Guerra os teutos
do Rio Grande do Sul não haviam tido tantas dificuldades quanto os de outros
estados. Logo após o término dessa, o governo estadual permitiu que as es-
colas alemãs voltassem a funcionar. Enquanto os teutos apoiaram Medeiros,
a maioria dos ítalo-brasileiros ter-se-ia colocado ao lado das forças assisistas.
O grupo de Assis Brasil, por sua vez, conseguiu angariar alguns ex-soldados
alemães que haviam emigrado após a guerra (DER AUSLANDSDEUSTCHE,
1932).
Em decorrência da política centralizadora e excludente do governo fede-
ral, em 1924, militares se revoltam em vários estados, inclusive no Rio Gran-
de do Sul, com os contingentes de São Borja, São Luiz, Uruguaiana e Santo
Ângelo. A falta de unidade entre civis e militares ocasionou a derrota dos re-
voltosos, que se dirigem a Santa Catarina e depois ao Paraná onde encontram-
se com os insurgentes paulistas, em abril de 1925. De lá prosseguem em cam-
panha pelo Brasil, surgindo a famosa “Coluna Prestes”.
A revolta no Rio Grande do Sul trouxe perigo às colônias alemãs, na me-
dida em que ia aumentando o número de revolucionários. Em Panambi, por
exemplo, ressurgiu uma associação de defesa dos colonos, que tinha por ob-
jetivo proteger a colônia contra ataques de rebeldes. Ainda que o governo fe-
deral tenha enviado 20 mil soldados para combater os revoltosos, foi difícil
proteger os colonos na região da Serra. Segundo um periódico paulista, poucos
alemães e italianos passaram a lutar ao lado dos rebeldes. A maioria preferiu aten-
der a suas atividades, na medida em que isso era possível (GERMANIA, 1926).
Quando as tropas de Prestes (chefe dos rebeldes de São Luiz) marcharam
de Ijuí para Palmeiras, os comerciantes da região foram roubados e ocorreram
algumas mortes. Nas tropas de Prestes encontravam-se alemães natos que
haviam participado da revolta paulista e através da Argentina ligaram-se aos
rebeldes gaúchos. Segundo depoimentos, quando Prestes tratava pessoal-
mente com os defensores das colônias (Selbstschutz) não admitia que ocorres-
sem ataques. Ele teria afirmado que não poderia proteger os colonos do rou-
História Geral do
Rio Grande do Sul bo de gado e cavalos, pois seu pessoal estava orientado para isso (DER
AUSLANDSDEUTSCHE, 1932).
Nos documentos de arquivos da Alemanha, não se encontram pratica-
mente dados sobre prejuízos que a população de origem alemã teria sofrido
Mercedes Gassen
Kothe com ataques dos revoltosos, permanecendo assim uma lacuna na historio-
grafia, pois os descendentes de teutos que conviveram com a revolta não que-
rem relatá-los, ou desconhecem os fatos.
390
Os alemães natos que participaram da revolta foram engajados em São
Paulo, com promessas de ganhos financeiros, o que não ocorreu na prática.
Muitos se queixaram depois na legação diplomática, que protestou junto às
autoridades, afirmando que os recém-chegados teriam sido enganados, pos-
to que não entendiam sequer a língua portuguesa.
Anos mais tarde, no período das eleições para presidente da República,
o Rio Grande do Sul teve como candidato ao cargo, pelo grupo dissidente, o
ex-presidente Getúlio Vargas, que em sua campanha recebeu o apoio de mui-
tos ex-tenentes, com exceção Carlos Prestes, nesse período já filiado ao parti-
do comunista, bem como de um pequeno grupo próximo a ele. Os estados de
Minas Gerais e da Paraíba apoiaram o candidato do Rio Grande do Sul. Con-
tando com o apoio da máquina governista, o candidato Júlio Prestes, de São
Paulo, ganhou a eleição. Antes de chegar a assumir o cargo, a oposição, ten-
do à frente o candidato derrotado, toma o poder (GERTZ, 1980).
Por ocasião da movimentação das tropas no Rio Grande do Sul e da ida
de Vargas ao Rio de Janeiro, em 1930, para tomar o cargo, vários filhos de
teutos nas cidades, vilas e colônias foram recrutados para compor as tropas.
De acordo com o relatório do consulado alemão de Porto Alegre, muitos foram
levados acorrentados pelas tropas e logo integrados no grupo varguista, não
sendo poupados também os que haviam imigrado há pouco tempo, portanto,
cidadãos alemães (AA Bonn, nº 78971). A postura do futuro presidente e de
seus correligionários em áreas de imigração certamente contribuiu para a des-
confiança da população para com os políticos que a partir de então ocupavam
o poder central, estendendo-se essa desconfiança aos interventores estaduais.
Novas medidas das autoridades que a partir de então ocupavam o poder para
com os não assimilados iriam ser tomadas anos mais tarde, com a criação do
Estado Novo.

Concluindo a descrição sobre a comunidade formada pelos descenden-


tes alemães no Rio Grande do Sul, no período da Primeira República, pode-
se apresentar o seguinte quadro:
a) a maioria veio por conta própria, viveu anos isolada mantendo a lín-
Volume 3
gua e a cultura de origem; República Velha
Tomo I
b) muitos prosperaram, tiveram mais filhos aqui do que teriam se tives-
sem permanecido na Alemanha, dessa forma tinham (caso morassem
no campo) auxílio de mão-de-obra familiar na lavoura; XII.
Os descendentes
c) por gerações não se interessaram pela política local, muitos por não do- de alemães
minarem a língua portuguesa, outros por dedicarem-se exclusivamen-
te ao comércio a às atividades industriais.
391
Antigas colônias tornaram-se mais tarde vilas e cidades, caracterizadas
ao longo de mais de um século como áreas de colonização alemã. Com a vin-
da de novos imigrantes após 1920; com as conseqüências do rompimento das
relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha e com o temor por parte de
brasileiros de uma possível anexação do sul do Brasil não apenas a língua ale-
mã, mas, também, o dialeto aqui falado passou a ser visto como sendo de ve-
lhos e de camponeses, portanto de pessoas atrasadas no contexto civilizatório
que não tinham condições de prosperar. Dessa forma, os mais jovens, já viven-
do nas cidades, faziam de tudo para esquecer o passado de seus ascendentes,
tornando a valorizar tudo o que era nacional e mais tarde tudo o que era ame-
ricano. Assim, não causa estranheza que em muitas cidades antes tipicamente
consideradas de imigração alemã, não se encontrem na atualidade cursos de
língua alemã, mas vários de língua inglesa.

Balsa. Piroga. Rio Ligeiro. Passo Fundo.

COSTA, 1922.
História Geral do
Rio Grande do Sul

Mercedes Gassen
Kothe

392
COSTA, 1922.
Balsa com
cavalos. Ijuí.

COSTA, 1922.
Balsa. Rio Camaquam.
São Borja.
COSTA, 1922.

Volume 3
República Velha
Tomo I

XII.
Os descendentes
Balsa. Rio do de alemães
Peixe. Erechim-
Passo Fundo.
393
História Geral do
Rio Grande do Sul

Mercedes Gassen
Kothe

394
Capítulo XIII

IMIGRANTES ITALIANOS:
PARTIR, TRANSITAR, CHEGAR
(1889-1930)

Núncia Santoro de Constantino

A imigração representa uma longa viagem. E viagens, na precisa expres-


são de Leed (1992, p. 14-15), têm três diferentes momentos, cuja duração va-
ria: há sempre uma partida, um trânsito e uma chegada. O que poderia ser
definido como um simples deslocamento no espaço, influencia indivíduos, con-
figura grupos sociais e modifica estruturas.
Entre 1889 e 1930, milhares de italianos partiram, transitaram e chega-
ram ao Rio Grande do Sul em diferentes contextos e motivados por diferen-
tes razões, pois a imigração italiana, tendo sido um fenômeno de massas, é
também o deslocamento de diferentes pessoas, provenientes de diferentes es-
paços da Itália, em diferentes tempos.
Volume 3
Durante a Primeira República, ingressaram os maiores contingentes de República Velha
Tomo I
imigrantes italianos no Rio Grande do Sul. Atendendo a pressupostos positi-
vistas que inspiravam o regime, desejava-se estados mais autônomos, pois
XIII.
Comte defendia “pequenas pátrias” como estratégia para melhor organizar a Imigrantes
sociedade; aos responsáveis pela República, isso queria dizer o reconheci- italianos:
partir, transitar,
mento de várias nações brasileiras, organizadas sob forma de uma federação. chegar (1889-1930)
Assim, colocou-se imigração e colonização sob a tutela dos estados e a vinda
395
espontânea de estrangeiros foi estimulada no Rio Grande do Sul, onde, conco-
mitantemente, valores regionalistas passavam a ser cultivados. Essa tendên-
cia regionalista será revertida a partir da eclosão da Revolução de 30, quan-
do a imigração declinava. Estabelecido como presidente, Vargas implementou
uma política restritiva à imigração, a exemplo do que se verificava nos países
americanos.
A imigração italiana, majoritária no período, revela-se, então, fenômeno
de grande complexidade, decorrente de fatores de expulsão e de atração que
caracterizam diferentes contextos durante a Primeira República; é objeto do
presente estudo, considerando uma presença italiana bem antiga e diversifi-
cada no Rio Grande do Sul, que antecede projetos de colonização empreen-
didos ou estimulados pelo governo, foco principal da historiografia regional
sobre o assunto.

Partir
Em um século, isto é, entre 1860 e 1960, cerca de 20 milhões de pessoas
emigraram da Itália e mais de sete milhões estabeleceram-se definitivamen-
te no exterior. Os fluxos emigratórios ampliaram-se com a abertura das rotas
transoceânicas, no último quartel do século XIX, e com o concomitante cres-
cimento da demanda por trabalhadores nos países americanos, em acelera-
do processo de transformação. À tradicional mobilidade dos artesãos italianos
em direção a outros países europeus, somaram-se grandes contingentes de po-
pulação rural em trajetórias geográficas muito mais amplas. Na América, en-
contrariam conterrâneos: artesãos, comerciantes, artistas, profissionais libe-
rais e exilados políticos que, desde as primeiras décadas do mesmo século, atra-
vessavam o oceano.
Quanto à abertura de rotas transoceânicas, sabe-se que num curto perío-
do de tempo as viagens tornaram-se bem mais rápidas e seguras. O genovês
Gagliardo dá conta dessa transformação, em manuscrito autobiográfico, regis-
História Geral do
trando que, em 1847, viajara 57 dias para chegar à Nova Iorque e que, em 1861,
Rio Grande do Sul só precisou de 17 dias para alcançar a mesma cidade. A navegação à vela ha-
via sido substituída pela navegação a vapor; multiplicaram-se os portos de em-
barque e as companhias com linhas regulares para os países americanos. Con-
tudo, foi através de Gênova que partiu o maior número de emigrantes, des-
Núncia Santoro
de Constantino de a primeira metade do século XIX; entre 1876 e 1901, 61% da emigração
transoceânica dali saiu. Nos anos sucessivos, há predominância de emigran-
tes meridionais, em maior parte direcionados aos Estados Unidos; o porto de
396
Nápoles então ocupou o primeiro posto em número de embarques (MOLINARI.
In: BEVILACQUA, 2001, p. 237).
Na verdade, as causas dessa emigração italiana transoceânica são bem
conhecidas. Pode-se afirmar que o movimento derivou de razões demográficas,
da implantação do sistema capitalista, da crise agrícola que alcançou seu pico
na década de 1880 e da escassez de moeda circulante.
As razões demográficas apontam para uma significativa queda nos índi-
ces de mortalidade e para uma estabilidade no índice de natalidade no últi-
mo quartel do século XIX. Algumas transformações vinham ocorrendo, capa-
zes de modificar o nível de vida: drenagens, irrigações, produção para o mer-
cado externo, decomposição das propriedades eclesiásticas e reconversão de
antigas propriedades feudais. O incremento demográfico resultou também de
circunstâncias externas, como progressos da medicina e das concepções de
higiene, assim como da melhoria de padrões alimentares.
A unificação da península acelerou o ingresso no sistema capitalista, a
partir das regiões setentrionais. A introdução da máquina em larga escala au-
mentava os capitais à medida que restringia o mercado de trabalho, desalo-
jando os homens de suas ocupações tradicionais e destruindo o artesanato que
aumentava a renda do agricultor. O processo de acumulação decorrente
do desenvolvimento industrial italiano ocasionou a desintegração econô-
mica e social do campo, caracterizada em muitas áreas pelo miséria rural,
pela desocupação, pela redução do consumo a limites insuportáveis (SORI,
1979, p. 13).
No meridione, onde as fábricas eram praticamente inexistentes, as con-
dições tornar-se-iam ainda mais difíceis no período pós-unitário, segundo re-
latório da época referente à Calábria. Eram enormes as áreas de terra não-
cultiváveis, freqüentes os terremotos; recebia-se salários de fome, o pastoreio
encontrava-se decadente, não havia organização associativa e os serviços pú-
blicos eram insatisfatórios, sobretudo a instrução; as habitações mostravam-
Volume 3
se insalubres, perceptíveis as carências alimentares; pequenas e tradicionais República Velha
manufaturas desapareciam, incapazes de concorrer com a indústria setentri- Tomo I

onal, principalmente pelo desaparecimento das tarifas protecionistas pratica-


XIII.
das no antigo reino de Nápoles (TARUFFI; DE NOBILI; LORI, 1908, p. 754-755). Imigrantes
italianos:
A Itália do Norte, graças à produção industrial, tornou-se mais forte do partir, transitar,
que o Sul agrário e a burguesia setentrional precisou reorganizar o país para chegar (1889-1930)
modernizar o Estado. 397
Quanto à queda dos preços no setor agrícola que atingiu especialmente
os grãos, foi resultado do afluxo de produtos agrícolas provenientes dos terri-
tórios transoceânicos, cuja exploração econômica tornara-se intensa. A forte
concorrência atingia o continente europeu, principalmente no campo, geran-
do recessão e atingindo o ápice na década de 1880.
A escassez de dinheiro também alcançava esse campo. Trento registra
que a impossibilidade de conseguir dinheiro vivo impulsionou massas intei-
ras de camponeses à emigração, visto que esse dinheiro tornava-se indispen-
sável para fazer frente à voracidade fiscal, representada pelos impostos fun-
diários, dívida hipotecária e colônica, altos encargos de transmissão, usura;
menciona a taxa sobre a farinha que, caso não fosse paga, poderia levar ao con-
fisco da propriedade. Também sublinha que os fatores de atração registrados
com relação ao Brasil, ainda que exercessem algum peso, foram menos impor-
tantes do que os fatores de expulsão registrados na Itália. Diante desse con-
texto, a emigração passou a ser considerada uma “válvula de escape”, expres-
são cunhada por Sonnino (TRENTO, 1988, p. 31-32).
Giorgio Sonnino, político da extrema direita, foi ministro das finanças en-
tre 1893 e 1896, assumindo a chefia do governo durante o ano de 1906 e no
período de 1909 a 1910. Mesmo sendo conservador, descreveu a difícil vida dos
camponeses. Admitiu que, quanto menos uma pessoa possuía, mais era obri-
gada a pagar, denunciando que o exator e o policial eram os únicos contatos
que o camponeses analfabetos possuíam com o Estado. Escrevendo oficial-
mente em 1875, afirma que seria injusto negar aos italianos a possibilidade de
partir, violando assim o direito de liberdade. E aconselha os camponeses a aju-
darem-se mutuamente no sentido de emigrarem em massa, quanto mais pu-
derem, “[...] partindo para a América, [...]” (SONNINO. In: Ciuffoletti;
Degl’Innocenti, 1978, p. 54).
Havia os que se manifestavam contrários, como os proprietários fundiá-
rios, que percebiam a crescente escassez da mão-de-obra, porém a corrente fa-
vorável à emigração foi mais poderosa e obteve grandes vantagens, a come-
História Geral do
Rio Grande do Sul çar pelos armadores genoveses; contou com personagens importantes que
manifestaram preferência por um fluxo para a América Latina e para o Bra-
sil, em particular, como foi o caso do primeiro ministro Nitti. Muitos autores
publicaram à época, louvando as vantagens de uma pretensa superioridade
Núncia Santoro
de Constantino dos italianos sobre os nascidos no Brasil, país habitado por raças inferiores,
descendentes de portugueses atrasados, corrompidos por negros (CONSTAN-
TINO, 2003).
398
Era o tempo em que se desenvolviam as ciências antropológicas na Itá-
lia, sobretudo com Mantegazza e Giglioli Hullyer, sendo este considerado o
grande representante do positivismo e do darwinismo no país (TENTORI. In:
Lattanzi, 1992: Prefazione).
O número crescente de visitantes italianos no Brasil à época corresponde
à nova fase de expansão colonialista, com maiores iniciativas de exploração
geográfica, segundo Surdich. O autor lembra Paul Leroy Beaulieu como teó-
rico desse colonialismo, tendo definido diferentes classes de população. Onde
houvesse a civilização ocidental estariam populações consideradas de clas-
se superior, em decorrência da raça e do clima, com direito de intervenção em
outras regiões (SURDICH, 1979).
De outra parte, sabe-se que o governo italiano mostrava pouco interesse
pelo destino dos súditos no Brasil, apesar das contínuas denúncias. A plena
liberdade de emigrar foi inclusive reforçada com a lei de 1888 que, até 1901,
seria a única norma a reger a emigração; neste ano, houve a promulgação de
outra lei que pretendia colocar um pouco de ordem na atividade dos agentes
e que criou o Comissariado da Emigração, além de instituir um fundo para a
emigração com taxa cobrada às companhias de navegação.
A liberdade de emigrar continuava vigorando na Itália, enquanto outros
países proibiam a emigração subvencionada para o Brasil, com o intuito de
proteger seus cidadãos. O governo italiano limitou-se a duas breves suspen-
sões da saída de emigrantes até 1901, por motivos pontuais. Entre março de
1889 e julho de 1891, em decorrência do surto de febre amarela; de setembro
de 1893 a maio de 1894, motivada pela guerra civil no Rio Grande do Sul. Ape-
nas em 1902 a imigração subsidiada seria proibida pelo chamado “decreto
Prinetti”, justamente no período em que os Estados Unidos demonstravam
poder absorver grandes quotas da mão-de-obra italiana. A partir daí, a emi-
gração para o Brasil sofreria uma sensível queda, com brusca redução nos nú-
meros, em coincidência com a crise da superprodução de café. Era o período
em que a Argentina aumentava em muito suas quotas, enquanto os Estados
Unidos tornava-se a meca dos imigrantes.
Volume 3
República Velha
Tomo I
Transitar
XIII.
Emigrou-se de toda a Itália para os diversos países americanos; emigrou- Imigrantes
italianos:
se de toda a Itália para o Rio Grande do Sul. Os primeiros contingentes vie- partir, transitar,
ram de Milão e Bérgamo, seguidos por outros de diversas províncias das chegar (1889-1930)

regiões do Vêneto, Lombardia, Friuli-Veneza-Júlia, Trentino, Alto Ádige, 399


Piemonte, Emília-Romanha, Toscana, Ligúria, Campânia, Calábria e Sicília;
ocuparam de modo particular áreas na região Nordeste, no Litoral e na De-
pressão Central (FROSI; Mioranza In: Centenário da Imigração Italiana,
1975, p. 34).
Os portos de Gênova e Napoles, no final do século, encontravam-se com
movimento inusitado. De todas as partes chegavam emigrantes que, antes de
embarcar, já haviam viajado muitos dias, transportando suas crianças, mulhe-
res e velhos, carregando a bagagem que lhes permitiam. Junto à estação de
trem e nas imediações do cais, esperavam por vários dias ao relento, porque
não havia lugares onde pudessem ser acolhidos sem despesas.
O trânsito de imigrantes aumentava. Viajariam preferencialmente nas
embarcações das grandes companhias italianas. A Companhia de Raggio fa-
zia linha regular com os vapores Sirio, Perseo e Orione; La Veloce era conhe-
cida pelos navios Nord America, Sud America, Napoli, Europa e Matteo
Bruzzo; a companhia Navigazione Generale Italiana opera desde 1881, resul-
tado da fusão das empresas Florio e Rubattino, incorporando pouco tempo
depois as empresas Raggio e Piaggio e alcançando a condição de maior com-
panhia habilitada ao transporte de emigrantes (FRANZINA, 1998, p. 52).
O crescimento dos fluxos emigratórios em direção à América do Sul e, em
especial, ao Rio Grande do Sul, também decorria de fatores de atração resul-
tantes da implementação de políticas imigratórias nos primeiros tempos re-
publicanos, expressas em atos legislativos relacionados à imigração e à colo-
nização.
Já em 28 de junho de 1890, há pouco tempo implantado o regime repu-
blicano no Brasil, o decreto 528 estabelecia um programa a ser executado que
resultou na aceleração do processo imigratório. De alguma forma entendeu-
se que o mesmo precisaria ser melhor controlado ou até mesmo contido. Em
dezembro daquele ano, outro decreto, o 1.187, desejava colocar um freio nes-
se movimento expansionista, como afirma Diégues Júnior, ao determinar que
as concessões para o estabelecimento de colônias ou de contratos para a imi-
gração fossem submetidas à autorização do Congresso Brasileiro. A Constitui-
História Geral do
Rio Grande do Sul ção promulgada em 1891 previa uma liberdade de ação para os estados, veri-
ficando-se a descentralização do serviço imigratório e até mesmo o abandono
do problema da imigração por parte do governo federal. Entretanto, duran-
te os governos de Afonso Pena e Nilo Peçanha, o governo federal voltou a
Núncia Santoro
de Constantino
ocupar-se do processo, estabelecendo o Serviço de Povoamento do Solo, para
estimular a formação de núcleos coloniais, assim como facilitar a concessão de
passagens aos imigrantes (DIÉGUES JÚNIOR, 1964, p. 50-51).
400
O principal debate sobre a imigração, no período imperial, esteve pola-
rizado entre a imigração e a colonização, sendo que o governo obteve o controle
do processo a partir da promulgação da Lei de Terras, em 1850, que legalizou
e legitimou terras, além de empregar recursos na introdução de imigrantes.
Giron e Bergamaschi também lembram que a referida lei criava obstáculos à
entrada de imigrantes, já que impedia a doação de terras pelo estado. Con-
seqüentemente, a colonização passou gradativamente à iniciativa privada
(GIRON; BERGAMASCHI, 1996, p. 25-28).
Sabe-se que, desde 1848, a lei imperial 514 concedera terras devolutas às
províncias, para colonização, mas, na prática, a falta de recursos nessas provín-
cias levou os governos a se associarem à iniciativa privada, estimulando as ati-
vidades das companhias de colonização e dificultando o acesso à posse por imi-
grantes.
No Rio Grande do Sul apresentavam-se melhores circunstâncias para a
imigração, visto serem outras as necessidades. A política do governo provin-
cial caracterizou-se por desenvolver estratégias para a fixação dos estrangei-
ros na terra, com o objetivo de formar colônias que produzissem alimentos
para a subsistência. Tais colônias foram localizadas nas proximidades de algum
centro urbano, “[...] mas suficientemente distantes das áreas da grande
propriedade, de modo a não representar uma ameaça à sua hegemonia polí-
tica e econômica” (LANDO; BARROS, 1980, p. 19).
A primeira lei provincial para colonização foi promulgada em 1851 e fa-
cultava ao presidente da província a medição, demarcação e definição de va-
lores para as colônias existentes e para aquelas a serem criadas. Foi atribui-
ção do presidente a previsão da distribuição gratuita de lotes, de instrumen-
tos e de sementes aos colonos, assim como o pagamento das despesas de via-
gem, de agentes na Europa e o pagamento de ajuda financeira para a sobre-
vivência dos colonos nos primeiros tempos. Como tais benefícios não puderam
ser mantidos, em decorrência de dificuldades financeiras, outra lei foi promul-
gada em 1854, representando a “[...] verdadeira carta de colonização no Rio
Grande do Sul [...]”. As terras passaram a ser vendidas à vista ou a prazo e os
Volume 3
colonos receberiam adiantamento financeiro para despesas de viagem, dinhei- República Velha
Tomo I
ro que deveria ser reembolsado aos cofres provinciais. Algumas vantagens gra-
tuitas eram oferecidas, como hospedagem e manutenção dos colonos no per-
curso entre o porto de Rio Grande e o lote de destino (ROCHE, 1969, p. 102). XIII.
Imigrantes
Entretanto, houve fundamentais diferenças regionais nos processos de italianos:
partir, transitar,
imigração, visto que cada província traçava sua política desde 1850, quando chegar (1889-1930)
os governos provinciais assumiram a colonização. Províncias do Sul promo-
401
viam a entrada de imigrantes de diferentes formas e com finalidades bem di-
ferentes das de São Paulo.
Petrone lembra que, além das fazendas de café, a província do Espírito
Santo e as três províncias meridionais atraíam imigrantes para áreas desocu-
padas, consideradas próprias ao estabelecimento de um campesinato nos mol-
des europeus, com vistas à formação de uma classe média, segundo a ideolo-
gia modernizadora que inspirava as elites. Assim, nas diversas regiões do país
“[...] a experiência do imigrante foi diferente, sucessos e insucessos têm outros
fundamentos” (PETRONE, 1987, p. 102-3).
Na primeira fase republicana, que alcança 1914, Petrone destaca duas ca-
racterísticas diferenciais com relação à imigração no período imperial:
• nas áreas novas de colonização, confunde-se a presença de represen-
tantes de uma segunda geração de imigrantes com imigrantes recém-
chegados, facilitando a adaptação dos últimos e possibilitando atuali-
zação do equipamento cultural e técnico dos primeiros;
• outra característica é a heterogeneidade das novas áreas de coloniza-
ção, onde, mesmo que haja predominância de determinada nacionali-
dade, há contingentes apreciáveis de variadas etnias.
A autora lembra ainda as dificuldades que permaneciam, apesar das pro-
messas feitas pelos agentes, que as vias de comunicação eram impraticáveis,
dificultando o escoamento da produção; o poder público esteve muito tempo
ausente, principalmente quanto ao ensino e à administração da justiça (Idem,
1985, p. 123-123).
Em 1870, o governo provincial criou as primeiras colônias: Conde d’Eu
e Dona Isabel; no ano seguinte, iniciou a demarcação de lotes. Milhares de co-
lonos deveriam ser introduzidos no prazo de dez anos, segundo contrato fir-
mado com companhias empreiteiras. As primeiras tentativas para introdu-
zir colonos provenientes da Europa Central revelaram-se insatisfatórias, por-
que nos estados alemães formara-se opinião contrária à emigração para o Bra-
sil. Em outubro de 1875, o governo imperial tomou a si a iniciativa de coloni-
História Geral do
Rio Grande do Sul
zar Conde d’Eu e Dona Isabel; nos anos seguintes, novas colônias foram sen-
do implantadas: Nova Palmira, Alfredo Chaves, São Marcos, Mariana Pimen-
tel, Barão do Triunfo, Vila Nova de Santo Antônio, Jaguari.
Os relatórios de presidentes da província mostram que, ano após ano, o
Núncia Santoro
de Constantino trânsito de imigrantes era intensificado. Entre 1882 e 1889, entraram 34.418
italianos, do total de 41.616 estrangeiros, portanto mais de 82% (CENNI, 2003,
402
p. 174). Em 1920, o número alcança 151.025 estrangeiros, 16.952 alemães e
49.136 italianos, o maior contingente, excluindo os uruguaios, que são vizinhos
(DIÉGUES JUNIOR, 1964, p. 66).
Multidões, portanto, transitaram pelo oceano, tendo por destino o Bra-
sil. As dificuldades enfrentadas na travessia eram semelhantes às narradas
por Edmondo de Amicis, escritor e jornalista de sucesso, cuja obra teve
extraordinária repercussão. Um dos seus mais conhecidos livros,
Sull’Oceano, tem o Atlântico como cenário; trata-se da narrativa de travessia
realizada por navio, transportando emigrantes para a América do Sul (DE
AMICIS, 1889). O autor inspirou-se na viagem realizada alguns anos antes,
quando fora convidado para passar uma temporada na Argentina. A partir
dessa experiência, a questão imigratória foi tema recorrente, enquanto se
transformava em verdadeiro êxodo. A adesão do escritor ao socialismo, na
década de 1890, também é posterior à essa viagem, quando passou a manifes-
tar uma crescente atenção à questão social. Partiu de Genova em abril de 1884,
como passageiro da primeira classe no vapor Nord America, com 1.600 emi-
grantes; desembarcou em Montevidéu vinte dias depois. Durante o percur-
so faz um diário de bordo que será o roteiro para o seu livro. Seu relato infor-
ma que uma quarta parte dos 1.600 passageiros eram mulheres e crianças, que
a maioria saiu da Itália Setentrional e que 80% era proveniente do campo
(TIRABASSI, 1993, p. 8-11).
A narrativa de De Amicis inspirou as descrições do embarque e da tra-
vessia do Atlântico. Assim, sabe-se que imigrantes dormiam ao relento nas
ruas de Gênova; eram homens, mulheres e crianças amontoados e com fome,
deitados sobre sacos e malas que, depois, em fila, subiam à embarcação com
“[...] fardos de cobertores e colchões nas costas e o bilhete com o número do seu
beliche apertado nos lábios [...] ” (DE AMICIS, 1889, p. 2- 4).
Uma carta do imigrante Paulo Rossato aos pais, em Valdagno, província
de Vicenza, é escrita de São Sebastião do Caí, datada de 27 de dezembro de
1883. Ele encontrava-se a caminho de Caxias, onde compraria um lote colo-
nial. Nessa carta narra a viagem, desde o embarque em Gênova, passando pelo
Rio de Janeiro, Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre (DE BONI, 1977). Relatan- Volume 3
do sobre abusos cometidos pelos taverneiros genoveses, que cobravam além República Velha
Tomo I
do que havia sido combinado com os agentes, no paese de origem. Eram agen-
tes que providenciavam para que o emigrante permanecesse o maior tempo
XIII.
possível em Genova, para que os comerciantes auferissem lucros com essa per- Imigrantes
manência e lhes pagassem comissões. italianos:
partir, transitar,
O padre Maldotti, missionário escalabriniano, escreveu que havia uma chegar (1889-1930)
rede de infâmias, em que todos “exigiam até o sangue das vítimas”: agente,
403
subagente, garçon, carregador, cambista, taverneiro, bodegueiro (MALDOTTI,
1898, p. 27-8).
O principal agente para recrutamento de italianos para Santa Catarina
e Rio Grande do Sul foi Caetano Pinto, na década de 1880. Seu escritório cen-
tral encontrava-se em Paris, com sucursais na Itália, em Genova, Milão e Ve-
rona. Sabe-se que havia uma extensa rede de subagentes atuando na Itália se-
tentrional, especialmente no período imediato à instalação da república, agin-
do por conta do governo que intencionava ampliar a colonização. Segundo
Franzina, Clodomiro De Bernardis foi o sub-agente de Caetano Pinto que de-
senvolveu obra capilar em Bassano, Marostica, Feltre e Belluno, mas havia
também muitos agentes recrutando imigrantes para as companhias de nave-
gação. Alguns possuíam licença que os habilitava, na maioria eram clandesti-
nos, a soldo de governos estrangeiros, armadores, companhias marítimas que
prometiam embarque seguro e deixavam na pior condição os camponeses
analfabetos (FRANZINA, 1998, p. 229).
As más condições de viagem eram sempre denunciadas. De Boni e Cos-
ta destacam a confusão do embarque, o freqüente extravio de bagagens, a su-
perlotação dos navios. Os imigrantes, passageiros de terceira classe, viajavam
amontoados, por vezes impedidos de caminhar. Citam o relato do alfaiate
Toniazzo, lembrando a lentidão do vapor Andrea Doria, que não fora construí-
do para transportar passageiros e que não oferecia o mínimo necessário para
a viagem, sendo que os passageiros embarcados nos últimos portos europeus
precisaram dormir sobre o pavimento, pois não havia leitos em número sufi-
ciente. Os autores observam que as más condições eram regra; houve viagens
sem médico a bordo, com pessoas viajando junto de animais (1984, p. 97-98).
Alimentação precária e insuficiente, assim como o calor nos alojamentos ou
na coberta fazem parte da memória dos que fizeram a travessia, na virada para
o século XX.
Tais navios não possuíam refeitórios para a terceira classe, o número de
sanitários era insuficiente para a extraordinária superlotação, registraram-se
fatais epidemias, com número assustador de mortes, como aquelas que se ve-
História Geral do rificaram nos navios Carlo R., Sirio ou Matteo Bruzzo.
Rio Grande do Sul
Depois de um mês de viagem, partindo de Gênova, aportava-se no Rio
de Janeiro, onde, desde 1881, havia uma hospedaria para imigrantes na Ilha
das Flores. Dali, os imigrantes seguiriam viagem para o Sul, em navio da Com-
Núncia Santoro
de Constantino
panhia Nacional de Navegação. Fariam escalas em Santos, Paranaguá e
Florianópolis, antes de chegarem em Rio Grande, de onde seguiriam para
Porto Alegre, às vezes necessitando fazer transbordo na cidade. Desde o Rio
404
teriam viajado por cerca de doze dias, sempre nas piores condições. Desem-
barcados na capital do estado, permaneceriam na hospedaria para imigran-
tes, cujas acomodações deixavam a desejar.
A viagem continuava. Pequenos vapores conduziriam os italianos às colô-
nias Conde d’Eu, Dona Isabel e Alfredo Chaves, subindo o rio Caí até Monte-
negro, onde seriam novamente alojados em velha casa. Para Caxias e colônias
próximas, desembarcariam em São Sebastião do Caí, onde o alojamento não
diferia daquele de Montenegro. Os que se dirigiam a Silveira Martins nave-
gavam até Rio Pardo. Nos portos fluviais precisavam aguardar um pouco mais
antes de alcançarem as colônias. Quase sempre seguiam a pé, por três dias e
três noites, dormindo ao relento, numa “marcha para o desconhecido, para a
mata virgem”. Ao chegarem à colônia, aguardavam, por vezes, muitos meses
para tomarem posse do lote que lhes cabia (MANFROI, 1975, p. 106-112).
Em 1885, às vésperas da implantação da república, o engenheiro Manuel
Maria de Carvalho, cuja função era inspecionar o trabalho desenvolvido pe-
los imigrantes, enviou relatório ao Ministério e Secretaria de Estado e Negó-
cios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, no Rio de Janeiro, descrevendo
a travessia da Itália para as colônias no Rio Grande do Sul. Menciona o pouco
espaço disponível para passageiros nas embarcações, o extravio freqüente das
bagagens; comenta o sofrimento das crianças por enfermidades adquiridas no
percurso, falta de higiene e alimentação inadequada. Depois da hospedagem
na Ilha das Flores, continuavam a viagem em embarcações superlotadas, abri-
gados, muitas vezes, sob toldo de lona, sem médico a bordo que os socorresse
ou os prevenisse de adoecerem. Os serviços de recepção aos colonos eram di-
ficultados pela falta da funcionários e a hospedaria em Porto Alegre apresen-
tava acanhadas proporções, inadequada para a finalidade, sem cozinha, sem
depósito para bagagens, sem refeitório (LUCHESE, 2001, p. 71).
Transitar por longo tempo, em difíceis condições, era a norma. De sua
permanência em Porto Alegre, a caminho das colônias recém-criadas, lem-
braria o imigrante Júlio Lorenzoni. Tratava-se de um jovem vêneto que,
Volume 3
muitos anos depois, escreveria suas memórias, comentando os poucos dias República Velha
Tomo I
passados na cidade, esperando na hospedaria dos imigrantes a embarcação
que conduziria à posse de um lote colonial. Escreve que havia italianos es-
XIII.
tabelecidos na capital da província, procurando encorajar os conterrâneos Imigrantes
em trânsito, antes que começassem a subir a Serra. Visitavam-nos na hos- italianos:
partir, transitar,
pedaria, destacavam as vantagens das colônias e recomendavam paciência chegar (1889-1930)
para enfrentar as dificuldades que encontrariam até alcançarem a terra pro-
405
metida e antes que houvesse uma primeira colheita (LORENZONI, 1965, p.
37). Os primeiros colonos com destino à Encosta Superior do Nordeste che-
garam lá em 1875.
Porto Alegre, capital da província, no início do século XIX, apresentou al-
gum desenvolvimento, em decorrência da ampliação da lavoura tritícola, da
qual era o centro exportador. Com a decadência dessa produção, a cidade es-
tagnou, sendo reativada pelas exportações das colônias alemãs, estabelecidas
nas suas proximidades desde 1824. Registrou-se, também, na primeira me-
tade do século XIX, uma intensa movimentação política na capital da provín-
cia, que concentrou intelectuais cujas idéias eram veiculadas pela imprensa,
depois de discutidas nas lojas maçônicas. A eclosão da Guerra dos Farrapos
fez com que a cidade fosse ocupada por revolucionários e que, por algum tem-
po, republicanos italianos atuassem na mesma.
A partir de 1840, há traços da presença de italianos em Porto Alegre, en-
contrados na imprensa, como anúncios de estabelecimentos comerciais e de
óbitos; há traços nos livros de batismo da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe
de Deus. De 1850 em diante, essa presença é constante e, até 1914, será cres-
cente (CONSTANTINO, 1991, p. 39-46).
O crescimento da presença italiana e a formação de uma comunidade são
explicáveis. A guerra contra o Paraguai oportunizou bons negócios ao comér-
cio porto-alegrense. O arsenal ampliou sua produção, foi estimulado o surgi-
mento de indústrias e a Praça do Comércio, fundada em 1858, aumentou seu
quadro de associados (FRANCO, 1983, p. 55-57). Na década de 1870, aparece-
ram sinais de modernização. Implantou-se transporte urbano e iluminação pú-
blica a gás; na Praça da Matriz, apareceram imponentes edifícios públicos; o
telefone tilintou, inaugurou-se o primeiro trecho da estrada-de-ferro na pro-
víncia, às vésperas da proclamação da república.
Mas, como lembra Lorenzoni, quem eram esses senhores italianos que
incentivavam os imigrantes? Em grande maioria, eram comerciantes ou
proprietários de pequenas manufaturas; havia também alguns artistas, como
História Geral do
Rio Grande do Sul
pintores e escultores, um fotógrafo, talvez o primeiro a fixar-se na cidade. For-
mavam o grupo fundador da primeira sociedade italiana de Porto Alegre, de
1877, a Società Mutuo Soccorso e Benevolenza, logo em 1878 denominada
Vittorio Emanuelle II, homenageando o rei-herói da unificação, há pouco fa-
Núncia Santoro
de Constantino lecido. Esses senhores efetivamente já haviam chegado a Porto Alegre, como
outros italianos que se encontravam no interior do Rio Grande do Sul, fosse
nas cidades, fosse nas colônias recém-demarcadas.
406
Chegar
Há muito notava-se a presença de italianos, uma presença espontânea
que aumentava durante a Primeira República, quando foi sendo eliminada a
imigração subvencionada.
Essa presença italiana precoce era esparsa, constituída por indivíduos
provenientes das diversas regiões italianas; há indícios que apontam para gran-
de número de lígures, a exemplo do que aconteceu em outras cidades sul-
americanas, conforme Vangelista (1992, p. 37-50). Tornou-se presença mais no-
tada nas primeiras décadas do século XIX, sobretudo a partir da Revolução
Farroupilha. Além de nomes conhecidos, como Garibaldi, Rossetti ou
Zambecari, sabe-se que foram muitos os italianos envolvidos no movimento
revolucionário, sendo que alguns permaneceram na província, segundo tra-
dições familiares, como Azzarini e Obino. Leitman (1985, p. 100-102) assinala
que a participação na revolução desenvolveu-se a partir da Congrega Giovane
Italia, fundada no Rio de Janeiro por republicanos italianos, em torno de 1830.
Porto Alegre, capital administrativa e principal centro comercial, sem-
pre exerceu atração em estrangeiros. Não seria diferente com italianos, cujas
evidências de presença podem ser encontradas nos livros paroquiais de regis-
tro de batismo, que permitem concluir por relativa fixação, visto que alguns
indivíduos batizaram vários filhos, sobretudo a partir da década de 1840. Por
volta de 1850, são comprovadamente 41 famílias radicadas na cidade, com ca-
racterísticas de grupo social, pois se entrelaçavam por compadrio (CONSTAN-
TINO, 1988).
Mas, além de Porto Alegre, muitas outras cidades atraíram italianos na
segunda metade do século XIX; eram exilados políticos, soldados, comercian-
tes. Diz Leitmann que, na década de 1830, os italianos controlavam o sistema
de navegação interna do rio da Prata e eram membros fixos das tripulações
dos barcos de cabotagem na América do Sul (1985, p. 101-102).
Avé-Lallemant, lembrando o ano de 1858, escreveu que se deslocava de
Itaqui para Uruguaiana, sendo comodoro do barco “um velho marinheiro italia- Volume 3
no de Livorno, que por quase quarenta anos navegava o rio Uruguai, conhe- República Velha
Tomo I
cendo suas particularidades” (1981, p. 292).
O conde D’Eu, dirigia-se a Uruguaiana, onde seria assinada a rendição.
XIII.
Narra sua passagem por Santana do Livramento, em outubro de 1865, lem- Imigrantes
italianos:
brando que ali havia cerca de dois mil habitantes, sendo só a metade de bra- partir, transitar,
sileiros; no mais, eram uruguaios, argentinos e europeus. Dentre os europeus, chegar (1889-1930)
pareceu-lhe predominarem os italianos. Esses, em suas lojas, exibiam bustos
407
do Rei Vittorio Emanuelle (que recém unificara a Itália), onde havia um bilhar,
o Príncipe leu a tabuleta “Hotel Garibaldi”, não deixando dúvida quanto à ori-
gem do seu proprietário (1981, p. 126).
Costa Franco, estudando sobre os italianos da Fronteira, afirma que a imi-
gração começou antes de 1875 e que, afora revolucionários ou mercenários,
muitos outros encontravam-se aqui radicados. Quanto às relações comerciais
de Fronteira, registra que sempre representaram forte atrativo para os estran-
geiros. O artesão encontrava amplas possibilidades de progresso em comuni-
dades enriquecidas com a pecuária ou com a indústria do charque, mas onde
faltavam quase todos os produtos de consumo, em zonas que demandavam
esses produtos porque rapidamente se urbanizavam, como é o caso de Uru-
guaiana (1975, p. 11).
Nos primeiros anos da década de 1870, foram fundadas várias sociedades
italianas nas cidades de fronteira, como Quaraí, Alegrete, Sant’Ana do Livra-
mento, Jaguarão, Santa Vitória do Palmar. Em 1879, fundou-se em Uruguaiana
a Società Unione e Beneficenza, que logo teria uma bonita sede própria, a qual,
na década de 1920, contava com mais de 90 sócios, representantes de famílias
há muito na cidade. Mas foi em Bagé que surgiu a primeira sociedade, em
1871, e em 1877 já havia uma agência consular naquela cidade para atender
à ampla região de fronteira.
Além das cidades de fronteira, Rio Grande também recebeu italianos.
Nesse porto marítimo já havia uma agência consular em 1867, pela qual 406
súditos enviam documento ao imperador D. Pedro II, cumprimentando pela
promulgação da lei que libertava os escravos/ soldados na Guerra do Paraguai.
Tal agência consular tornou-se consulado em 1871 e, em 1884, foi fundada a
Società Mutua Cooperazione, por comerciantes e proprietários de fábricas. A
sociedade congregaria representantes de antigas famílias radicadas na cida-
de, em grande parte originárias da Itália Meridional.
Além disso, no município de Pelotas, foram estabelecidas inúmeras colô-
nias desde 1868, principalmente por iniciativa de particulares e ocupadas por
alemães. Entretanto, em 1885, há cerca de dez léguas dessa cidade, foi implan-
História Geral do
Rio Grande do Sul tada a colônia Maciel, por ordem do governo imperial e que, em 1884, já con-
tava com 50 famílias italianas, ou 343 pessoas (PEIXOTO, 2003, p. 10-13).
Os imigrantes continuaram chegando por muito tempo, exercendo ati-
vidades típicas de zona urbana, a exemplo do que aconteceu em outras cida-
Núncia Santoro
de Constantino des gaúchas; Antonacci e Petrucci eram alfaiates; Del Grande era carpintei-
ro; Plastini e Maggiorani eram ferreiros; Falco foi funileiro; Berruti, pedrei-
408 ro; Saurini, Mignoni e Galli foram sapateiros; Sica era tintureiro; há reconhe-
cidos artistas estabelecidos, como o pintor romano Frederico Trebbi, que che-
gou a Pelotas em 1870 e que ensinou pintura a Leopoldo Gotuzzo. Ou, ainda,
o conhecido arquiteto José Izella. Há proprietários de tradicionais hotéis, como
o Hotel Aliança, fundado em 1843, “hotel considerado de primeira ordem, em
seus jardins a elite pelotense se reunia [...] a saborear gasosas e doces varia-
dos”; o Hotel Piemonte, o Hotel Brazil; o Hotel Itália. Nesses estabelecimen-
tos festejava-se a data nacional italiana, com noticiados banquetes. A presen-
ça italiana também foi assinalada por inúmeras sociedades em Pelotas, como
o Circolo Garibaldi, a Sociedade 20 de Setembro, a Cristoforo Colombo, a Socie-
dade Choral Italiana, a Choral Savoia, a Philo Dramatica Dante Alighieri, a
Banda Bellini e a segunda sociedade mais antiga do Rio Grande do Sul, de-
nominada “Unione e Filantropia” (ANJOS, 2000, p. 104-105; 117-119; 128-129;
147-148).
É importante registrar que imigração é fenômeno complexo e precisa
também ser analisada sob o ponto de vista da exclusão. A morte, a doença ou
a marginalidade merecem atenção. Pelotas serve de exemplo. A mortalida-
de dos italianos na Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, entre 1848 e 1858,
representou 5,8 % do total; os mortos haviam sido pedreiros, carpinteiros, pin-
tores (GUTIERREZ, 2004, p. 449-450). Tal presença italiana precoce no muni-
cípio de Pelotas justifica a existência de uma sociedade italiana desde 1873, a
segunda fundada no Rio Grande do Sul, mas é efetivamente na capital que a
presença de italianos é mais notável. Assim, haveria em Porto Alegre “cerca
de seis mil habitantes italianos”1, em 1891, mais de dez por cento da popula-
ção da cidade que, pelo censo de 1890, foi de 52.421 habitantes (BRICHANTEAU,
1893, p. 27).
O grupo ampliara-se, além de diversificar-se. Em 1877, estava fundada
a Società Vittorio Emanuelle II, que permanecera em atividade até a II guer-
ra mundial, quando foi fechada por ordem do governo. Seus fundadores foram
comerciantes, profissionais liberais, artífices, artesãos; evidenciaram cons-
ciência de nacionalidade; cultuaram aos heróis e aos feitos do ressurgimen-
to. Buscaram Garibaldi como presidente honorário e, da Itália, o general res-
Volume 3
pondeu, agradecendo a honra e reafirmando sua admiração pelos rio-granden- República Velha
ses do Sul. Tomo I

Como outras agremiações do gênero, a Vittorio teve o primordial objeti-


vo de promover a solidariedade, reforçando traços culturais italianos. Isso só XIII.
Imigrantes
poderia ser feito, e o foi, através de símbolos retirados da nova pátria, como o italianos:
partir, transitar,
chegar (1889-1930)
1 Como as estatísticas relativas ao período são pouco confiáveis, utiliza-se como aproximação
os números apontados pelo cônsul Brichanteau. 409
culto ao rei ou ao general que participou ativamente da unificação. O nome
de Garibaldi foi glorificado na Itália; seu papel em campanhas republicanas na
América passou a ser sublinhado, tornando-se o herói dos dois mundos.
Os membros da sociedade, em especial, aqueles que exerceram a lideran-
ça, representaram a Nuova Italia. Dedicaram-se à organização de comemo-
rações, empenharam-se na construção de uma imponente sede própria, mo-
tivo de orgulho e de prestígio. A construção de uma identidade étnica, portan-
to, está relacionada à Società e assemelha-se a processos que se desenvolvem
em outros países, com predominância de uma determinada forma de nacio-
nalismo militar-patriótico e tendo em Garibaldi o personagem-símbolo favo-
rito (CONSTANTINO; OSPITAL, 1999). Várias outras sociedades seriam funda-
das na cidade, sempre apresentando as mesmas características. Algumas ten-
do grande permanência, como foi o caso da Umberto Primo, da principessa
Elena de Montenegro ou da Società Giuseppe Mazzini.
Mas, de início, aos membros das sociedades mais antigas coube o papel
de representação da Nuova Italia, pátria recém-unificada; organizaram co-
memorações relativas à pátria italiana; receberam e incentivaram os primei-
ros imigrantes que chegaram a Porto Alegre, em direção às colônias recém-
estabelecidas pelo governo imperial, como aconteceu com Lorenzoni.
Na última década do século XIX, primeira década republicana, milhares
de imigrantes haviam chegado ao Rio Grande do Sul, auxiliando no crescimen-
to das cidades e colonizando amplas regiões do estado.
Assim, os italianos alcançaram os lotes demarcados nas primeiras colô-
nias. A repartição das terras seguia o sistema adotado nas antigas colônias ale-
mãs: as chamadas “léguas” eram cortadas no sentido longitudinal por traves-
sões, a cujos lagos ficavam demarcados os lotes ou colônias, medindo de 15 a
60 hectares, segundo os recursos disponíveis pelo imigrante que podia
comprá-lo a prazo. Criadas as colônias Conde d’Eu e Dona Isabel, o governo
imperial estabeleceu a colônia chamada “Fundos de Nova Palmira”, em segui-
da rebatizada como “Colônia Caxias”. Em 1877, foi fundada a colônia Silveira
Martins, em terras dos municípios de Cachoeira e de Santa Maria. Em 1884
História Geral do
Rio Grande do Sul o governo criou a colônia Alfredo Chaves e, um ano depois, surgiu São Mar-
cos e Antônio Prado, como prolongamento de Caxias. Mariana Pimentel, Ba-
rão do Triunfo, Vila Nova de Santo Antônio e Jaguari seriam colônias funda-
das até 1889, quando o Brasil transformou-se em república.
Núncia Santoro
de Constantino Até então, a organização do sistema foi regido, fundamentalmente, pelo
regulamento das Colônias, promulgado no decreto imperial 3.784, de janei-
410 ro de 1867, que normatizava as experiências realizadas e que previa minu-
ciosamente a instalação e administração de colônias, orientando sobre a me-
dição das terras, a divisão e venda de lotes, assim como à recepção aos colo-
nos. Competia aos engenheiros e aos diretores tal estabelecimento, designando
terrenos para a construção de ruas, escola, cemitério, praça, igreja. Os lotes
rurais seriam de três categorias, segundo as dimensões, o pagamento dos
mesmos poderia ser parcelado. O regulamento também dispunha sobre o tra-
balho dos colonos na construção de estradas e sobre punições a serem aplica-
das às faltas que eventualmente cometessem, assim como sobre o envio de di-
nheiro ao exterior, além de proibir a presença de escravos nas colônias. Alguns
anos mais tarde, em 1878, o governo acrescentava determinações sobre o tra-
balho feminino que ficava restrito aos dois primeiros meses após o estabeleci-
mento da mulher na colônia. Dois anos antes, em 1876, o decreto 6.129 criou-
se a Inspetoria Geral de Terras e Colonização, para substituir a Repartição Ge-
ral no planejamento, fiscalização e direção do sistema estabelecido (IOTTI,
2001, p. 297-303).
Segundo o regulamento, os colonos que se estabeleceram nas colônias pi-
oneiras (Dona Isabel, Conde d’Eu e Caxias), com o lote receberiam uma casa
de tábua de 4 por 8 metros, um machado, um facão, pá, foice, sementes, me-
dicamentos e assistência médica; até a primeira colheita receberiam um sa-
lário e, nos primeiros seis meses, porções estipuladas de gêneros alimentíci-
os básicos, como farinha de trigo, farinha de milho e arroz. Complementariam
a dieta com a caça, coleta de pinhões e frutos silvestres. Luchese (2001, p. 78-
79) menciona carta enviada de Nova Palmira ao presidente da província, em
1876, assinada por cerca de 100 imigrantes, descrevendo a miséria que enfren-
tavam há cinco meses, com pouca comida e de má qualidade, sem médico e
sem assistência religiosa; sem ter ainda recebido as terras prometidas. Assim,
solicitavam permissão para abrirem estrada até o Campo dos Bugres e para
construírem casas provisórias.
As dificuldades encontradas pelos colonos e a situação da colônia Caxias
foram bem expressas pelo diretor recém-empossado, engenheiro Hygino José
Volume 3
dos Santos, em novembro de 1877, ao presidente da província. Menciona o República Velha
Tomo I
“triste estado” em que essa colônia se encontrava, atribuindo-o à falta de “tino
administrativo” dos diretores precedentes; informa que ouvia os reclamos dos
XIII.
colonos sobre falta de dinheiro e de gêneros alimentícios; sobre a precária con- Imigrantes
dição das estradas; menciona a possibilidade de “distrair”os colonos no conser- italianos:
partir, transitar,
to das mesmas e na abertura de novos caminhos; solicita 40 ou 50 contos de chegar (1889-1930)
imediato para socorrer necessidades urgentes (Ibidem, p. 81).
411
Uma vez recebido o lote, as dificuldades continuavam, porque era neces-
sário desmatar e construir um abrigo provisório. Sobre os primeiros tempos
nas colônias, Luchese lembra que, contudo, aos imigrantes foram oferecidas
condições negadas aos nacionais. O engenheiro Augusto Francisco Gonçalves,
diretor de Caxias, relatava que, percorrendo as terras da colônia, encontrou
a moradia de um “filho desta província” com sua família, que ali viviam e que
ficariam em “estado lamentável de miséria” se precisassem desocupar a ter-
ra; assim, solicitava ao presidente da província que permitisse a permanên-
cia de Generoso Mainardo Cardoso, com a mulher e três filhos. A autora cons-
tata que, em ofícios, outros pedidos eram feitos e por vezes atendidos (Luchese,
2001, p. 84).
Implantado o novo regime, com a Constituição promulgada em 1891, fo-
ram doadas as terras devolutas aos estados que deveriam encarregar-se da co-
lonização. No período imediato, novos núcleos foram sendo criados, como Er-
nesto Alves e Marquês do Herval, ainda que a Comissão de Terras tenha per-
manecido por algum tempo administrando as antigas colônias. O desenvolvi-
mento do nacionalismo fez com que a preocupação com os chamados “quistos
étnicos” fosse evidenciada na criação de colônias mistas, sobretudo porque re-
presentantes de outras etnias ingressavam em grande número no estado,
como foi o caso dos poloneses.
Entre 1893-95, a imigração estagnou e a situação dos imigrantes se agra-
vou com Revolução Federalista. Durante trinta e um meses, a revolução pro-
vocou mais de doze mil mortos e, ao final, consolidou o poder nas mãos do Par-
tido Republicano Rio-Grandense.
Ficou evidente que muitos italianos haviam feito oposição à facção lide-
rada por Júlio de Castilhos, inclusive aderindo às hostes federalistas chefia-
das por Silveira Martins, que acabaram derrotadas. Houve freqüentes tumul-
tos nas cidades e na zona colonial, acompanhados de ações diplomáticas
(CONSTANTINO, 1993a).
Os imigrantes italianos, durante o conflito, acabaram por ser identifica-
dos como inimigos dos republicanos vencedores. Isso porque, quando da in-
História Geral do
Rio Grande do Sul
vasão da vila colonial de Caxias, os federalistas ou maragatos, foram ajuda-
dos pelos tiroleses ali residentes. Houve incêndios, saques e muitas outras
atrocidades, como também a violenta reação da Polícia que agrediu os colonos
indistintamente (ADAMI, 1962, p. 375).
Núncia Santoro
de Constantino Na verdade, antes que a revolução começasse, havia questões envolven-
do súditos italianos. Em 1892, o cônsul em Porto Alegre escreveu ao ministro
na Itália, solicitando urgentes medidas de proteção aos mesmos súditos. O cav.
412
Brichanteau narra o caso que envolveu a família de Antonio Purini, gravemen-
te ferido por um militar que lhe assassinara o velho pai, de cujo cadáver ar-
rancou uma orelha. Sublinha o cônsul a advertência do militar, quando se re-
tirava do estabelecimento comercial dos Purini, ameaçando que análoga lição
seria ministrada a outros italianos. O cônsul notificou sobre inúmeros outros
incidentes envolvendo súditos. Insurgiu-se contra a ação de jornal católico “que
há muito tempo inseria artigos desfavoráveis à Itália e às suas instituições”.
Em outubro de 1892, chamou Garibaldi de “cão”, dizendo ainda que a pátria
italiana estava reduzida a uma “espelunca de ladrões”. O cônsul comunicou que
os ânimos encontravam-se exaltados e que os súditos eram incitados por
opositores do governo republicano recém empossado. No prosseguimento dos
fatos, percebe-se um forte aumento de tensão, com declarada hostilidade de
parte da colônia contra o governo do Partido Republicano. O caso Rizzo é
outro exemplo da difícil relação entre imigrantes e autoridades no período
revolucionário. Giovanni Rizzo foi vítima de bárbaro assassinato; encontrou-
se seu cadáver mutilado e o crime foi atribuído aos soldados do governo. Sú-
ditos italianos promoveram violentos protestos em praça pública (CONSTAN-
TINO, 1993, p. 109-116).
Em fevereiro de 1893, os federalistas invadiram o estado. No curso do
mesmo ano, uma carta reservadíssima da Legação Italiana exprimiu o dese-
jo de restabelecer boas relações com o governo, para que seja possível dar pros-
seguimento à emigração.
Mas os conflitos urbanos prosseguiram, com forte componente étnico.
Em setembro de 1895, o jornal católico em língua alemã Volksblatt está nas
ruas, insultando a Itália na sua data nacional; “[...] país desprezível, decaden-
te, torpe, miserável [...]”. Os italianos são chamados de “[...] bandidos, ho-
mens sem moral, guiados por instintios vís” (Idem, 1996, p. 96). Reunidos em
comissão, os líderes da colônia tentaram organizar uma marcha pelas ruas
centrais da cidade; o grupo foi aumentando a medida que avançava, com cen-
tenas de trabalhadores italianos, esfarrapados e descalços. Foram identifica-
dos dois estivadores, um tocador de violino, um calceteiro, alguns proprie- Volume 3
tários de bancas no mercado, além dos jornalistas Pelli e Arzani, do sapatei- República Velha
Tomo I
ro Aita, dos comerciantes Mancuso e Provenzano. Um grupo heterogêneo, com
cerca de duzentas pessoas, marchava gritando “morte aos jesuítas e ao
XIII.
Papa”; alcançou e destruiu a sede da gráfica que estampava o jornal. Abriu- Imigrantes
se um processo judicial. Antigas testemunhas oculares mudaram os depoi- italianos:
partir, transitar,
mentos dados à Polícia; outras surgiram para atestar que os acusados en- chegar (1889-1930)
contravam-se muito distantes da gráfica no momento do empastelamen-
413
to. A ação foi considerada improcedente por falta de provas (CONSTANTI-
NO; SIMÕES, 1996, p. 95-101).

Concluindo:
Os tempos eram outros. A revolução terminara e, em 1898, Júlio de
Castilhos foi substituído por Borges de Medeiros que falou, ao tomar posse,
deixando claras suas intenções sobre a imigração e emitindo parecer favorá-
vel aos italianos. No mesmo ano, recebendo o embaixador Antonelli, o presi-
dente discursou enfatizando o culto da lei e da ordem entre os imigrantes italia-
nos, assim como o progresso que se verificava nas suas comunidades. Disse,
por fim, que “a colônia italiana, durante a revolução, quando todas as regiões
do estado encontravam-se em agitação, se mantinha em paz, respeitando a lei,
sem que jamais fosse interrompido o trabalho” (DE BONI, 1983). As antigas
colônias do interior passaram a ser cuidadosamente incentivadas pelo gover-
no que, além de pretender neutralizar os chamados “quistos étnicos”, incen-
tivava mudanças nas relações de produção, estimulando o crescimento de
uma classe social intermediária. O ingresso de italianos passou a caracterizar-
se pela imigração espontânea em detrimento da subvencionada, segundo di-
retrizes que foram expressas nas Teses Financeiras e Econômicas do Parti-
do Republicano Rio-Grandense.
O governo estadual iria paulatinamente estabelecendo novas colônias no
Planalto, que rapidamente prosperaram, porém, desde 1908, foi reduzindo a
imigração oficial, extinta em 1914, às vésperas da guerra. Pode-se afirmar que,
naquele ano, iniciou-se outra fase na imigração no Rio Grande do Sul, quan-
do o governo reorganizou o serviço de terras e colonização, encerrando a dis-
tribuição de terras devolutas, regularizando os títulos de propriedade e bus-
cando a integração das colônias no estado, principalmente através do sistema
público de ensino recém-criado.
A reativação do projeto de colonização fez-se também sentir na cidade,
onde a presença de imigrantes aumentou e diversificou progressivamente
História Geral do
Relatórios consulares como o de Pasquale Corte, em 1884, fornecem in-
Rio Grande do Sul formações sobre o aumento do número de súditos italianos em Porto Alegre,
que perfazem mais de 10% da população da cidade da década de 1890. O côn-
sul de Velutiis, em 1908, analisou a crise econômica que atingia o estado e apre-
sentou dados sobre as “colônias urbanas”, as quais afirmou serem heterogê-
Núncia Santoro
de Constantino neas e numerosas, constituídas por profissionais liberais, religiosos, artistas,
professores de música e canto; havendo comerciantes, operários, sendo que
414
muitos se encontraram trabalhando nas obras públicas. Destacou que os imi-
COSTA, 1922.
grantes progrediram e enviaram dinheiro à Itália; observou
que na liderança da coletividade italiana estavam surgindo
elementos novos, pequenos comerciantes e artesãos que,
apesar de pouco instruídos, prosperaram pela capacidade
de trabalho. Esclareceu que houve meridionais em grande
número, com predominância de calabreses da província de
Cosenza, especialmente do município de Morano Calabro.
Fazem parte de uma pequena burguesia, entendida como
classe de transição. Trabalham por conta própria em suas
oficinas ou lojas, apoiando-se no trabalho pessoal do proprie-
tário e de sua família. Os relatórios consulares coincidiram
quanto as suas ocupações, destacando que poucos trabalha-
vam para patrões e que a condição do imigrante, em geral, Protásio Alves

se não era excelente, também não era desconfortável.


Quanto ao comércio, percebe-se efetiva concentração de italianos nos ra-
mos de secos e molhados, alfaiatarias, calçados, carne, agências lotéricas, mas-
sas alimentícias, bares e cafés. Foi também expressiva a imigração de profis-
sionais liberais, fosse nas cidades, fosse nas colônias, como foi o caso dos mé-
dicos. Um exemplo dessa presença foi o dr. Riccardo D’Elia, principalmente
porque deixou livro de memórias contanto sua experiência pioneira, publica-
do em 1906 e que permite conhecer aspectos da mentalidade, dos problemas
enfrentados pelos imigrantes, das condições de trabalho que lhes eram ofere-
cidas. Quando chegou ao Rio Grande do Sul, em 1888, e recém-formado pela
Universidade de Nápoles, o médico calabrês extasiou-se com a natureza; ad-
mirou-se comendo carne assada no espeto de madeira, que cortava com uma
faca de “gaúcho”; sorveu o chimarrão, deslocou-se a cavalo para percorrer as
grandes distâncias desabitadas do estado. Estabeleceu-se na pequena vila de
São Vicente, região das antigas missões jesuíticas, onde predominava a ativi-
dade pastoril, mas onde também começavam a chegar os imigrantes. D’Elia
presenciou o surgimento de colônias, como Jaguari, que prosperou, transfor-
mando-se em sede de município (CONSTANTINO, 1993, p. 42-45).
Volume 3
A presença do dr. D’Elia, como aquela dos doutores Palombini e Sparvoli, República Velha
Tomo I
respectivamente, em Porto Alegre e Rio Grande, indica a necessidade de mé-
dicos estrangeiros, considerada a escassez de profissionais formados no Bra-
XIII.
sil. Os relatórios do dr. Protásio Alves, diretor de Higiene do estado, dão con- Imigrantes
ta dessa escassez; para atender a uma população de cerca de 52 mil habitan- italianos:
partir, transitar,
tes, a região de Porto Alegre, incluindo municípios limítrofes, em 1890, con- chegar (1889-1930)
tava com apenas 37 médicos. Em 1900, a população alcançava 74 mil habitan-
415
tes, já estabelecida a liberdade para o exercício profissional, através da Cons-
tituição Estadual. Assim, verificou-se ampla inscrição de médicos estrangei-
ros na Diretoria de Higiene do estado, bastando ao estrangeiro apresentar o
diploma obtido em outro país. Durante algum tempo, permitiu-se total liber-
dade de exercício profissional. Depois de 1900, fundada a Faculdade de Me-
dicina de Porto Alegre, inúmeros médicos italianos solicitaram exame de ha-
bilitação profissional e outros cursaram a mesma para obter diploma. São co-
nhecidos os nomes de Giuriollo, Vincenti, Ricaldone, Grecco (MAINARDI, 1996,
p. 380-384).
Sabe-se que, dentre esses médicos, é grande a incidência de italianos
meridionais, a exemplo do que acontecia com imigrantes em geral. Diferindo
de São Paulo, pois no Rio Grande a prioridade foi dada à colonização por italia-
nos do Norte, como explicar a presença de tantos meridionais? O cônsul
Pascale Corte deu a resposta, em 1884, explicando que o governo brasileiro
fez contrato com o empreiteiro Caetano Pinto, que prometeu introduzir 100
mil colonos e que fez propaganda no Norte italiano. Mas, para acelerar o cum-
primento do contrato, dirigiu-se às repúblicas vizinhas do Prata, onde havia
grave crise econômica, para atrair com menor despesa os imigrantes. Pascale
Corte dirigia o consulado de Montevidéu e expediu milhares de passaportes
para o Rio Grande do Sul; lembra que a maior parte dos que chegavam eram
afeitos a atividades urbanas e que não se fixaram nas colônias, dispersando-
se por vilas, cidades do interior e mesmo para Porto Alegre, onde passaram
a exercer ofícios (CONSTANTINO, 1991, p. 61-62).
As antigas colônias desenvolveram-se; apresentaram notáveis resultados;
Caxias do Sul tornou-se o mais importante centro comercial e industrial; outros
centros urbanos de maior ou menor porte foram surgindo: Bento Gonçalves,
Garibaldi, Antônio Prado, Farroupilha, Veranópolis, Flores da Cunha, Nova
Prata, Encantado. À economia de base agrária, com produção de uva, vinho,
batata, trigo, suínos e aves, sucede um processo de industrialização que come-
çou cedo, resultando das necessidades de consumo, como ocorreu com serra-
rias, moinhos e tecelagens.
História Geral do
Rio Grande do Sul Os colonos, proprietários de lotes, tornaram-se pequenos produtores, por
meio da mão-de-obra familiar; adotaram sistema agrícola de rotação de ter-
ras, inicialmente com a cultura do milho e da capoeira, sendo aquela a cultu-
ra de sustentação, pois a base da alimentação continuou sendo a polenta. A
Núncia Santoro
de Constantino cultura do arroz e do trigo foram comuns, assim como o plantio de frutas: uva,
pêras, maçãs, marmelos. A vida comercial e industrial iniciou através de
416 Montenegro e de São Sebastião do Caí, por onde eram escoados os produtos
das colônias até Porto Alegre. Lembra Herédia que uma nova fase iniciou
“quando os colonos adquiriram capacidade aquisitiva através da agricultura
comercial sob forma de recursos monetários”. Surgiu então uma nova divisão
inter-regional do trabalho, com sujeição às regras do mercado. Com o passar
do tempo, consolidaram-se no mercado regional e garantiram a colocação dos
produtos excedentes. Desenvolvendo-se as colônias, o número de oficinas ar-
tesanais aumentou para atender às primeiras necessidades dos colonos e sur-
giram as primeiras indústrias, de perfil tradicional: vinícola, metalurgia, ali-
mentar, têxtil, extrativa-manufatureira (HERÉDIA, 1997, p. 60 e 227-228).
Desde que assumiu o poder, Borges de Medeiros usou como estratégia
um elaborado discurso de valorização do imigrante italiano que, assim, aca-
bou servindo como modelo de imigrante, capaz de fácil assimilação, ordeiro e
trabalhador. Imigrantes italianos acabaram personalizando o lema positivista:
“Ordem e progresso”, premissas fundamentais do discurso positivista. Para
alcançar o almejado progresso, seria necessário valorizar cada vez mais o tra-
balho que, em decorrência do sistema escravista, era considerado tradicional-
mente indigno. Dignificar o trabalho era portanto fundamental. O estímulo de
Borges de Medeiros coincidia com os valores dos imigrantes que, em geral, tra-
balhavam arduamente, poupavam e desejavam sobretudo inserir-se na socie-
dade rio-grandense.
De outra parte, o trabalho de cooptação por parte do governo ia avança-
do e a participação de imigrantes na vida política já era uma realidade. A rede
de escolas públicas atendia às primeiras necessidades educacionais sem ônus
para as famílias. Na década de 1920, as escolas italianas estavam em vias de
desaparecer. É bem verdade que, com a ascensão de Mussolini, houve esfor-
ço de reativação, mas as escolas eram prestigiadas apenas pelos expoentes da
colônia; a comunidade em geral optava pela escola pública gratuita.
Imponentes festejos marcaram o cinqüentenário da colonização italiana
no Rio Grande do Sul, em 1925. Como parte da festa, inaugurou-se a Exposi-
ção Colonial Italiana, quando o presidente Borges de Medeiros discursou re-
cordando os primeiros colonos, sublinhando que
Volume 3
[...] na repartição da terra rio-grandense, a colonização italiana foi a menos República Velha
Tomo I
afortunada. A sorte reservou-lhe uma região acidentada, onde a natureza mon-
tanhosa e selvagem, habitada por nômades primitivos, constituiu o cenário de
XIII.
uma raça forte de colonizadores. Imigrantes
italianos:
partir, transitar,
Fez, portanto, um reforço à representação “raça forte de colonizadores”. chegar (1889-1930)
Na ocasião afirmava, também, que as colônias no Rio Grande do Sul sempre
417
estiveram esquecidas e abandonadas, mas que, com o advento do regime re-
publicano, “[...] houve prodigiosa expansão” (CINQUANTENARIO, 1925, p. 413).
Não exagerava ao mencionar o rápido desenvolvimento que se verifica-
ra no início do século XX. Borges de Medeiros comandou a Primeira República
no Rio Grande do Sul, tendo sido o responsável pelos melhores períodos da
colonização; ordenou a abertura de estradas e a construção de escolas, favo-
receu a ocupação de terras novas, reativou o projeto de colonização. As cha-
madas “colônias velhas” continuavam sendo o centro da região colonial italia-
na, onde fixou-se a primeira geração de imigrantres. À medida que a popula-
ção aumentava, expandiu-se na direção noroeste, pela escarpa da Serra até o
Vale do rio Uruguai, fazendo com que muitos outros municípios recebessem
imigrantes italianos ou descendentes.
Pouco a pouco, ser colono ou ser descendente de italianos tornou-se tam-
bém sinônimo de ser gaúcho. Quando se fala em leis restritivas à imigração,
reflexo do nacionalismo exacerbado que se desenvolveu no período da I Guer-
ra, conclui-se que não foram especialmente duras para com nossos italianos
que correspondiam ao discurso oficial, com reconhecida assimilação. No perío-
do anterior à guerra, uma paulatina inserção de descendentes dos imigran-
tes italianos registrava-se, inclusive, na esfera política, ainda que pouquíssimo
representassem no quadro partidário do PRR. Só a partir de 1930, desenvol-
vendo-se etapa de acumulação capitalista, baseada predominantemente na in-
dústria, os descendentes de italianos passaram a ocupar posição política pro-
eminente.
O Brasil, no Rio Grande do Sul, tornou-se a segunda pátria destes italia-
nos, que formaram no estado o maior grupo de estrangeiros nas primeiras dé-
cadas do século XX. Isto quer dizer efetivamente chegar.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Núncia Santoro
de Constantino

418
Capítulo XIV

A IMIGRAÇÃO POLONESA

Thaís Janaina Wenczenovicz

Tentar apresentar razões explicativas que justifiquem o deslocamento de


milhares de seres de um continente para outro não pressupõe uma resposta
imediata e simples. Implicação ainda maior quando se apresenta como auto-
res centrais dessa trama os imigrantes poloneses. Com sobrenomes rechea-
dos de consoantes, mulheres com lenços na cabeça, hábitos alimentares e tra-
ços fisionômicos semelhantes apresentam-se em solo brasileiro, em 1875, os
poloneses.
As razões da emigração polonesa foram diversas e profundas. No século
XIX, à semelhança de outros países europeus, a Polônia vivia grave crise
econômica, política e social, que obrigou a que milhares de indivíduos viajas-
sem para o Novo Mundo. Entretanto, nos séculos XVI e XVII, a Polônia apre-
sentava-se como uma nação poderosa, organizada politicamente e de conside-
rável desenvolvimento econômico.
O cenário econômico positivo polonês devia-se à exportação de alcatrão,
cereais, madeira e serragem para a Europa Ocidental, particularmente para Volume 3
os Países Baixos, Inglaterra e Norte da Alemanha, fato este que aumentou a República Velha
Tomo I
renda da nobreza, como também das cidades.
Na esfera política, esse foi um período de vigor e de ausência de amea-
ças externas. As poucas guerras ocorriam apenas na fronteira norte da Polô- XIV.
A imigração
nia e na Lituânia. Porém, observava-se o crescente interesse da Prússia e polonesa
da Rússia frente à nação polonesa. A correlação de forças não era favorável
à Polônia. 419
O crescimento da nação polonesa despertou a atenção de seus vizinhos:
Áustria, Prússia e Rússia, que desencadearam uma série de invasões, frag-
mentando a organização política e estabilidade econômica. Tal fato levou mui-
tos poloneses a abandonarem o país em busca de vida digna e livre.
A Polônia dos séculos XVII e XVIII apresentava características antagôni-
cas às dos seus grandes vizinhos: Prússia e Rússia. Enquanto esses países cen-
tralizavam o poder, a nação polonesa conhecia o enfraquecimento do poder
central. O exército polonês constituía-se, sobretudo, de milícias camponesas
mantidas e controladas pela nobreza, as quais eram utilizadas pelo governo
central em guerras defensivas.
A situação geral era propícia à mudança. Entretanto, a nobreza não per-
mitia a diminuição de seu poder, anulando as tentativas de mudança na Die-
ta (Câmara). A Dieta (SEJM) era regida por leis anacrônicas que encaminha-
ram o país à desorganização política.
O liberum veto era apresentado como defesa das liberdades das minorias;
dava direito a cada deputado do SEJM de anular uma decisão parlamentar.
Geralmente, o veto era exercido em benefício da nobreza. Nas votações refe-
rentes às cobranças de impostos, o veto impedia que a tributação se estendesse
aos nobres. O poder de veto impossibilitava o Parlamento polonês de legislar
baseado no poder de maioria. Qualquer grupo anulava os trabalhos parlamen-
tares, por mais importante que fosse a decisão (POLSKA AGENCJA
INFORMACYNA, 1991, p. 4).
Dentre as principais razões do movimento migratório, pode-se citar o ex-
cesso de mão-de-obra nas aldeias e vilas; o elevado crescimento demográfico;
a falta de terras para as novas gerações; a ausência de legislação agrária; o êxo-
do rural para os centros industriais devido à mecanização rural; perseguições
políticas e religiosas. Sem dúvida, a grande razão da imigração foi a possibilidade
de imigrar para uma nação onde fosse possível tornar-se proprietário de terra.
Acresce-se também a ação dos propagandistas e recrutadores de imigran-
tes que foram conhecidos como “agentes recrutadores”, os quais espalharam-
se pelas diversas regiões da Polônia, com a finalidade de entusiasmarem a po-
História Geral do
Rio Grande do Sul pulação a emigrar. Espalharam-se artigos, livretos, brochuras e comunicados
sobre as excepcionais condições oferecidas pelo Brasil.
Na Polônia, como assinalado, tais agentes encontraram campo propício
Thaís Janaina
de trabalho, devido aos inúmeros problemas econômicos, políticos – três par-
Wenczenovicz tilhas territoriais – e sociais em que vivia a população polonesa da época. O rei-
no da Polônia e a Galícia foram as regiões que mais sentiram o efeito da
420
atuação dos agentes recrutadores.
Mapa político da Polônia.
Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Varsóvia, 2000.

Na Polônia, era
quase inviável tornar-
se proprietário de ter-
ra. Nos séculos XVIII e
XIX, o poder político e
econômico estava nas
mãos da nobreza. A pe-
quena e média burgue-
sia progredia com difi-
culdade, enquanto a
alta burguesia, ligada à
alta nobreza, acelerava o passo, sem questionar a estrutura vigente. “O cam-
ponês polonês, tanto sob o domínio prussiano como sob os outros domínios,
vivia num sistema social altamente hierarquizado. Numa aldeia, as classes
sociais eram nítidas e sua mobilidade muito hierarquizada” (WACHOVICZ,
1974, p. 86). Obrigado a arrendar a terra, o camponês cedia grande parte do
seu trabalho como renda.

Polônia: produção econômica e a terra


Nesse contexto que bloqueava a ascensão social desde os segmentos su-
balternos, o camponês era visto e tido como simples força braçal, geradora de
trabalho. Seu alheamento a quase tudo que se encontrava situado fora de sua
Volume 3
aldeia e arredores – okolica, apoiado pela aristocracia e pelo clero, dificulta- República Velha
va-lhe a luta pela imposição da divisão da terra e de leis agrárias. Tomo I

Vivendo pois, numa comunidade semi-feudal, possuía oportunidades de


pertencer a poucas instituições sociais. A comuna e a paróquia eram o seu XIV.
mundo. Sua participação na primeira era muito limitada. Medidas restritivas A imigração
polonesa
do governo faziam com que sua participação na administração comunal fosse
a de espectador passivo (Ibidem, p. 86).
421
Também o pequeno proprietário via-se em grande dificuldade.

“Na área econômica, a situação dos poloneses tornara-se ainda mais cruciante.
Os impostos prediais e territoriais eram tão pesados que os proprietários não
tinham com o que pagar e, para não caírem na prisão, eram forçados a vender
suas reduzidas propriedades” (STAWINSKI, 1976, p. 15).

Durante dezenas de anos, a economia polonesa alicerçou-se na agricul-


tura, com destaque para alguns produtos básicos, como a batata, o centeio e o
trigo. A Posmânia e a Pomerânia Ocidental eram bons exemplos: regiões
essencialmente agrícolas, com um número incipiente de indústrias.
O caráter agrário da Polônia e a carência de terra explicam o fato de a
imensa maioria dos poloneses que partiram para o Brasil ser camponesa.

“O camponês, ávido por terra, da qual tirava seu sustento, vem procurá-la
onde ela existe em abundância, na América. Esta é a grande aspiração dos que
preferem o Brasil como seu novo habitat. Noventa por cento dos que vieram
para este país são agricultores” (WACHOVICZ, 1974, p. 27).

Dois grandes períodos caracterizaram os movimentos migratórios polo-


neses para o Brasil entre os anos de 1890 e os da I Guerra Mundial, nomea-
dos pela historiografia de “febre brasileira”. O primeiro abrange de 1890 até
1897, quando o governo brasileiro proporcionou transporte gratuito aos imi-
grantes, através de contratos com companhias de navegação; o segundo ini-
ciou-se em 1906.
As primeiras levas de poloneses dirigiram-se ao Paraná e Rio Grande do
Sul. São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo também receberam poloneses, que
se espalharam pelos centros urbanos e pelas fazendas de café. De 1897 a 1906, caiu
bruscamente o número de imigrantes poloneses; chegavam apenas imigrantes iso-
lados, geralmente atraídos por amigos e parentes residentes no Brasil.
História Geral do
Rio Grande do Sul Assinala-se que o segundo período iniciou-se por volta de 1906, quando
o Brasil, necessitando de mão-de-obra barata e numerosa para a construção
de estradas de ferro, notadamente São Paulo-Rio Grande do Sul, volta à sua
antiga política de proporcionar passagem gratuita a quem desejasse imigrar.
Thaís Janaina
Wenczenovicz É possível apontar na história da imigração polonesa uma periodização
mais detalhada das etapas do processo migratório. Essa divide-se em sete
períodos:
422
1) até 1869: início da emigração em massa;
2) 1869/1890: primeira fase da emigração em massa;
3) 1890/1914: etapa da febre brasileira;
4) 1914/1918/1920: queda da emigração devido à I Guerra Mundial e os
acontecimentos nacionais;
5) 1918/1939: emigração dirigida, relacionada com ações do Estado po-
lonês;
6) 1939/1945: etapa dos refugiados de guerra;
7) 1945: etapa contemporânea (SMOLA, 1996, p. 23).

A I Guerra Mundial interrompeu sensivelmente a vinda de imigrantes


poloneses e de outras origens para o Brasil. Ao findar o conflito mundial, o flu-
xo migratório polonês foi restabelecido, porém em menor escala. No período
intitulado “febre brasileira” – 1889/1914 – aproximadamente noventa mil po-
loneses chegaram ao Brasil, 45% fixando-se no Rio Grande do Sul; 40% no
Paraná e os 15% restantes em Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais
(WACHOVICZ, 1970, p. 55).
Em seu estudo pioneiro sobre os poloneses no Rio Grande do Sul,
Edmundo Gardolinski apresenta um total de 27 mil imigrantes vindos para
o estado do Rio Grande do Sul, originando as colônias até então desocupadas,
descritas na tabela a seguir:

Tabela 1 – Imigrantes poloneses vindos ao Rio Grande do Sul.

Colônias Quantidade de famílias


Alfredo Chaves 10
Nova Virgínia 100
Nova Bassano 180
Monte Vêneto 30
Nova Roma 60
Capoeiras 100
Antônio Prado 200 Volume 3
República Velha
São Marcos 600 Tomo I
Santo Antônio da Patrulha 200
Total 1.480
Fonte: GARDOLONSKI, Edmundo. Imigração e colonização polonesa. Porto Alegre: Regional, 1958, p. 12.
XIV.
A imigração
polonesa
Fontes bibliográficas apontam para a existência de elementos poloneses
na colônia sul-rio-grandense Conde d’Eu, na Linha Azevedo Castro, I Secção,
423
quando nesta região aportaram os imigrantes italianos em 1875. A chega-
da do grupo polonês teria ocorrido na mesma época em que vieram os imi-
grantes franco-suíços, porém alguns meses antes dos grupos provenientes
da Itália.

A presença polonesa no Rio Grande do Sul


Em sua maioria, os emigrantes da Polônia eram camponeses pobres, que
não tinham bens imóveis na terra de origem. Em geral, possuíam pouca ou
nenhuma escolaridade: “Nem todos os imigrantes sabiam ler e escrever, pois
alguns recorriam a amigos, para que em seu nome escrevessem cartas. Por
sua vez, os que escreviam mostram que tinham, apenas instrução primária”
(STAWINSKI, 1976, p. 79).
Oriundos da região ocupada pela Prússia, os primeiros imigrantes polo-
neses teriam chegado ao Rio Grande do Sul na segunda metade do século XIX,
estabelecendo-se na margem esquerda do rio das Antas, na Colônia Santa Te-
reza, que se limitava ao norte com a Oitava Seção da Colônia Alfredo Chaves
e ao sul com a região de colonização alemã.
Os poloneses provenientes da região sob o domínio russo somente come-
çaram a chegar ao Rio Grande do Sul no final de 1889. Em sua maioria eram
oriundos de Varsóvia, Kalisz, Plock e arredores. A viagem inicial rumo ao porto
de Bremen era feita de trem, via Berlim. Entretanto, sabe-se que os polone-
ses partiram de várias regiões da Europa Ocidental, quando nestas estives-
sem instaladas as empresas de transporte e o país possuísse um porto.
A travessia do oceano, de Bremen ou Hamburgo até o Rio de Janeiro ou
São Paulo, não era feita em menos de 18 dias. Durante a permanência nos bar-
racões dos imigrantes, geralmente em Ilha das Flores, as famílias aguardavam
a definição da região em que iriam se estabelecer. Em geral, após uma sema-
na de descanso, a viagem prosseguia em direção aos seus destinos.
A travessia era feita sobretudo em navios de porte, a vapor ou mistos, vis-
História Geral do
Rio Grande do Sul
to que, a partir de 1840, as embarcações movidas à vela foram substituídas por
navios de casco metálico, impulsionados com motores movidos a carvão. Cada
navio transportava, em média, 700 a 800 pessoas. Houve embarcações que ex-
cederam esse número.
Thaís Janaina
Wenczenovicz “Os navios eram de madeira com rodas laterais além de ter mastros e
velas para o uso durante bom tempo em alto-mar e a velocidade, que podia
chegar a 1.500 ‘cavalo-motor’, era de 9 pés marítimos” (STOLZ, 1997, p. 33).
424
Porta-documentos (passaporte)
de imigrante polonês que partiu
do Porto de Bremen, Alemanha,
em 1911.
Museu Municipal João Modtkowski,
Áurea. Imagem – Tadeu Vilani.

Dentre as empresas transportadoras de poloneses estava a Bendazewski &


Serra Azul e F. Missler Bremen.
No princípio da imigração polonesa, as passagens marítimas eram por
conta dos próprios imigrantes. Após a proclamação da república, o governo
brasileiro comprometeu-se a custear as despesas de viagem desde o embar-
que nos portos europeus até o desembarque em Ilha das Flores, na baía de
Guanabara. A partir de 1890, um grande número de poloneses partiu para o
Brasil, para ocupar terras devolutas no Sul.
Durante o percurso, os imigrantes se organizavam a partir da quantida-
de de viajantes, espaço disponível e normas cotidianas apresentadas a coleti-
vidade por parte da empresa contratadora responsável pela travessia. Den-
tre os espaços de memória mais observados em poloneses, os mais salienta-
dos referem-se à alimentação servida a bordo durante a travessia e à super-
lotação dos navios.
A alimentação, durante a travessia, era abundante e, em geral, mais far-
ta e rica do que a conhecida na Polônia pelos camponeses. “Durante a viagem
alimentou-nos a carne de dois bois” (STOLZ, 1997, p. 33). Os animais eram aba- Volume 3
tidos, segundo as necessidades, no decorrer da viagem. A carne servida aos República Velha
Tomo I
passageiros não era comida habitual das populações camponesas da Polônia.
A comida costumava ser farta, sendo as refeições um dos momentos mais
esperado no decorrer da viagem. XIV.
A imigração
polonesa
No navio a comida era bem boa, e bastante [risos]. Tinha bolacha ou biscoito
de manhã, com café. Lá na Polônia não tinha café. No almoço e na janta tinha 425
batata, carne de vaca, sopa de arroz ou massa, ovos e outras coisas. No do-
mingo era melhor, às vezes tinha vinho e frutas secas. Tudo era bom. Era meio
apertado para comer, porque tinha muita gente no navio (KRZYSCZAK, 2001).

Em caso de enfermidade, os imigrantes permaneciam por um maior


período no espaço do desembarque. Designava-se atenção e havia cuidado para
que doentes e enfermos não rumassem para as colônias, evitando, assim, o
contágio com os demais e contribuindo para a disseminação de moléstias e epi-
demias, tão comuns em cenário europeu.
No decreto 247 de 19 de agosto de 1899, estabelecia-se, no capítulo II, a
recepção e o estabelecimento de imigrantes de tal forma:
Art. 10) A todo estrangeiro, seja qual for sua nacionalidade, vindo
espontaneamente para o estado e que queira dedicar-se à agri-
cultura e constituir-se pequeno proprietário rural, dará o estado
transporte desde a cidade de Rio Grande até o lugar do destino;
Art. 11) Na capital se proporcionará, por prazo que não exceda a dez dias,
hospedagem aos imigrantes que se destinarem à agricultura.
Art. 12) Na sede dos núcleos para onde forem transportados terão hos-
pedagem e alimentação por espaço de oito dias, que não pode-
rá ser excedido, salvo em caso de enfermidade ou motivo de for-
ça maior.
Art. 13) Todo estrangeiro, agricultor, que tenha vindo a sua custa até a
capital, apresentando-se à repartição competente dentro de seis
meses após a sua chegada e exibindo passaporte e documento
comprovatório de bons antecedentes, poderá ser transportado
para os núcleos por conta do estado.
Art. 14) A chegada nos núcleos o imigrante escolherá um dentre os lo-
tes medidos e que estiverem em disponibilidade.
Art. 15) Dentro de oito dias será transportado para a secção ou linha em
que esteja situado o lote escolhido e neste imediatamente loca-
História Geral do lizado.
Rio Grande do Sul
Art. 16) Na ocasião do estabelecimento, receberá o imigrante ferramen-
ta de trabalho (enxada, pá, alvião, machado, facão, martelo e
pregos) até a quantia de 30$000 réis, que lhe será debitada.
Thaís Janaina
Wenczenovicz Art. 17) No primeiro semestre de seu estabelecimento, terá o imigran-
te, chefe de família, ou por ele um filho maior, trabalho, em ca-
minhos vicinais, percebendo 500 réis por metro corrente;
426
Parágrafo único – Este artigo não excederá de 125$000
réis para cada família, ficando o colono obrigado a conservar em
bom estado o caminho vicinal ou geral na frente do lote e os
marcos divisórios.
Art. 18) No caso de moléstia e absoluta falta de recursos, terá o imigran-
te no primeiro ano de seu estabelecimento auxílio para dieta e
compra de medicamentos e outros socorros necessários e que
lhe possam ser prestados (IOTTI, 2001, p. 737-738).

O translado, relações diplomáticas, distribuição de terra e outras ques-


tões relacionadas ao fluxo migratório eram registrados e homologados em
forma de lei, segundo decretos e incisos, de conformidade com o governo fe-
deral. No aspecto translado e meios de hospedagem, salienta-se a preocupa-
ção quanto à saúde e acomodações dos imigrantes. O decreto 9.081, de 3 de
novembro de 1911, que dá novo regulamento ao serviço de povoamento, com-
posto de 277 artigos, condensa todas as medidas necessárias à colonização e
à imigração, sendo esta promovida pela União diretamente ou mediante acor-
do com os governos estaduais, empresas de navegação, companhias ou asso-
ciações particulares.
A permanência dos imigrantes nas hospedarias duravam o período ne-
cessário para que se efetuasse o despacho aduaneiro das bagagens, desinfec-
ção, quando fosse conveniente, e a indicação ou escolha do destino ou espera
de condução para a colônia designada. Ressalta-se que o processo de alojamen-
to nas hospedarias não poderia exceder o prazo de oito dias e, em caso extra-
ordinário ou de força maior, a decisão recaía à Diretoria de Serviço de Povoa-
mento.
Em caso de doença, os imigrantes recém-chegados obtinham tratamen-
to médico, medicamento e dieta, sendo recolhidos à enfermaria da hospeda-
ria, quando necessário (tratando-se de enfermidades passageiras) e podendo
ser removidos para ambulatórios e hospitais mais próximos quando a hospe-
Volume 3
daria não tivesse meios de oferecer os devidos tratamentos. Em caso de mo- República Velha
Tomo I
léstias contagiosas ou infecciosas, ou quando necessário tratamento melhorado,
a preocupação era maior e se fazia imediatamente a isolação dos enfermos.
Geralmente, enquanto os imigrantes permaneciam nas hospedarias, es- XIV.
tes ficavam subordinados às medidas de ordem, higiene e disciplina, aos ór- A imigração
polonesa
gãos públicos competentes. Constata-se que a maior rigidez no cumprimento
das normas que vigoravam em prol da moralidade, condições sanitárias e se-
427
gurança do estabelecimento ficou registrada na hospedaria do Rio de Janei-
ro, denominada “Hospedaria Ilha das Flores”.
Também nessa hospedaria os imigrantes poloneses puderam usufruir da
prestação de serviços de três médicos encarregados do serviço médico-cirúr-
gico; um médico especialista de moléstia dos olhos; um farmacêutico; um
prático de farmácia e o serviço de uma ou mais parteiras, de acordo com as
necessidades correntes nos barracões espalhados na Ilha das Flores (IOTTI,
2001, p. 564).

Colonização e povoamento

Vários problemas surgiram no início das atividades de assentamentos


coloniais de imigrantes poloneses. Dentre os mais citados, compreendem à
viagem realizada dos grandes centros até os lotes coloniais devido à dificuldade
que apresentavam os meios de transporte frente à condição geográfica. O imi-
grante polonês procedia de uma realidade diferenciada do meio rural e urba-
no. Em geral, vivia em seu habitat rural relativamente urbanizado, inseri-
do no contexto europeu. Ao emigrar para o Rio Grande do Sul, antes da I Guer-
ra Mundial, estradas, ferrovias e meios de transporte variados já eram co-
muns em diversas regiões da Polônia.
A viagem rumo à nova propriedade iniciava com o carregamento das ma-
las nas mulas ou nas costas. Reservavam-se cavalos mansos para mulheres e
crianças mais novas. Geralmente, os homens e os filhos seguiam a pé ou re-
vezavam-se na maioria dos animais. Os imigrantes seguiam a viagem em fila
indiana; à frente, ia o responsável pelo grupo, acompanhado de um funcionário
da empresa colonizadora. Parava-se para almoçar e para o descanso de ho-
mens e animais. Nas regiões designadas aos poloneses, como assinalado, ra-
ramente havia estradas como as conhecidas em solo polonês, sendo o cami-
nho realizado por picadas abertas na mata. Não raro, precisava-se abrir o ca-
minho com auxílio de facão e expressivo esforço físico.
História Geral do Outro apontamento refere-se à acomodação dos imigrantes nas hospeda-
Rio Grande do Sul
rias e barracões, enquanto não fossem destinados a seus lotes. Era difícil aco-
modar número tão grande de pessoas, com costumes e dialetos diferentes, em
pouco espaço. Por exemplo, pode-se citar as Colônias de Ijuí e Boa Vista do
Thaís Janaina Erechim, onde os imigrantes ficavam dispostos em um barracão, esperando
Wenczenovicz a designação dos lotes, nem sempre considerando suas diferenças lingüísticas
e de condições físicas, para suportar o calor e o ambiente mal ventilado. Ale-
428 mães, italianos, judeus e poloneses dividiam o mesmo espaço.
No momento da instalação no lote colonial, a edificação da residência es-
tava entre as mais importantes para o início do empreendimento. Em geral,
foi o colono que edificou sua casa, utilizando-se de material encontrado na pró-
pria propriedade: barro, madeira, palha e pedra. Os pregos, algumas vezes uti-
lizados pelos imigrantes alemães e italianos, não foram utilizados na arquite-
tura polonesa. Os poloneses utilizaram sobretudo o sistema de encaixes de ma-
deira – blocausse –, usado na Polônia durante vários séculos, sobretudo na
área rural.
Os imigrantes não eram exigentes no que se referia à moradia, já que a
situação habitacional na Polônia era difícil.

“As casas eram pequenas e mal ventiladas. Antes de emigrarem, muitos campo-
neses moravam em casas locadas. Muitas casas – budynek, chalupa, chypa, dom
e strzecha – eram desconfortáveis, sem instalações sanitárias, assemelhando-se
às choças medievais” (TEMPSKI, 1971, p. 309-313).

Nem todas as famílias eram direcionadas para a mesma região. As que


se dirigiam ao Rio Grande do Sul continuavam de vapor até Porto Alegre ou
Rio Grande, onde descansavam por alguns dias. Ali eram informadas sobre
a região onde se instalariam. Geralmente, prosseguiam, por via fluvial até o
porto de São João do Montenegro.
A distribuição e dispersão dos imigrantes poloneses pelas diversas loca-
lidades do Rio Grande do Sul era feita em São João do Montenegro. Então,
as famílias polonesas partiam, por diferentes caminhos, de carreta, a cavalo
ou a pé, transportando bagagens e crianças.
No decorrer de poucos anos, surgiram vários núcleos poloneses, como
São Marcos de Cima da Serra (município de Francisco de Paula); Nova Roma
e Castro Alves (município de Antônio Prado); Linhas Quinta, Sexta, Sétima,
Oitava e Nona (municípios de Veranópolis e Nova Prata).
São Marcos, fundado em 1890 por imigrantes poloneses, foi elevado à ca-
tegoria de município em 9 de outubro de 1963. Atualmente, as linhas Quinta, Volume 3
Sexta e Sétima, pertencem ao município de Nova Prata. Em Nova Trento (Flo- República Velha
Tomo I
res da Cunha), residiram, outrora, colonos poloneses.
Após resolverem problemas iniciais candentes, tais como dificuldades
com o estabelecimento, baixa qualidade das terras (acidentadas e pedregosas), XIV.
A imigração
péssimas vias de comunicação vicinais, que tornavam o transporte caro e pre- polonesa
cário, os imigrantes depararam-se com um novo problema: a falta de terras
para seus filhos.
429
A partir do século XX, a pequena extensão das colônias (12,5 ha) fez com
que os poloneses, defrontando-se novamente com o problema da falta de ter-
ra, procurassem novas fontes coloniais no rio do Peixe e Paiol Grande
(Erechim) – Colônias Novas.
Os poloneses aproveitaram a oportunidade de vender suas terras, quan-
do os italianos de Nova Trento (Flores da Cunha) se encontravam na mesma
situação, sem lotes coloniais para seus filhos recém-casados. “Por sua vez, os
novos casais italianos faziam questão de iniciar a vida em lote colonial que não
distasse longe dos pais, parente e amigos” (STAWINKI, 1976, p. 74).
Na primeira década do século XX, iniciou-se nova onda migratória polo-
nesa rumo ao Alto Uruguai, ao norte do Rio Grande do Sul. A região do Alto
Uruguai e Planalto Médio foi dividida em colônias ou lotes rurais de 250 mil
m2 (25 ha). O governo estadual facilitava o pagamento, concedendo a cada fa-
mília o empréstimo de 500 mil réis, quantia essa que devia ser devolvida em
pequenas prestações e em longo prazo. O título definitivo de propriedade do
lote era concedido ao colono após a cobertura daquela dívida para com o esta-
do. A maioria dos colonos conseguiu franquear os lotes, trabalhando na cons-
trução de estradas.
Em geral, as colônias do Alto Uruguai e Planalto Médio foram divididas
em lotes rurais (colônias) de 250 mil m2. O preço de cada lote girava em torno
de 500 mil réis. O governo estadual financiava a compra, devendo o imigran-
te pagar a terra em prestações. A dívida colonial originava-se do valor das ter-
ras, derivados dos auxílios e de multas decorrentes do atraso das parcelas da
dívida. Se o pagamento integral da dívida colonial ocorresse no período do se-
gundo ano de estabelecimento, o proprietário obteria uma redução de 12%
sobre o valor da dívida colonial (CASSOL, 1979, p. 30).
A organização dos novos núcleos de colonos poloneses deu-se segundo o
processo já conhecido nas “Velhas Colônias”. Em geral, cada comunidade era
composta de 30 a 40 famílias. No estado do Rio Grande do Sul existem várias
cidades e distritos que possuem a significativa presença de núcleos polone-
ses. Entre eles, pode-se citar: Alecrim, Alpestre, Aratiba, Áurea, Barão de
Cotegipe, Cândido Godói, Capoerê, Carlos Gomes, Erechim, Erval Grande,
História Geral do
Rio Grande do Sul Frederico Westphalen, Gaurama, Getúlio Vargas Giruá, Horizontina, Iraí,
Marcelino Ramos, Paim Filho, Palmeiras das Missões, Planalto, Porto
Lucena, Santa Rosa, Seberi, Três de Maio, Tucunduva e Viadutos.
Thaís Janaina
Além disso, vale lembrar que, a partir de 1911 e 1912, e sobretudo após
Wenczenovicz a I Guerra Mundial, milhares de agricultores poloneses emigraram da Polô-
nia para as colônias novas e velhas do Rio Grande do Sul, as quais contri-
buíram para o acréscimo populacional de origem européia.
430
Mesmo com a possibilidade de ocupar outro lote colonial em nova região,
não era permitido, segundo a legislação vigente, que os imigrantes ocupassem
os lotes que não tivessem sido legalmente concedidos. A posse também era efe-
tivada somente após a cultura por mais de seis meses.
Quanto à posse do lote colonial, havia duas formas de recebimento do tí-
tulo: provisório e definitivo. Títulos provisórios eram passados e entregues ao
imigrante em 90 dias após sua localização e após ter feito a preparação da terra
para o cultivo. Já o definitivo era expedido quando o concessionário havia reali-
zado o pagamento integral da dívida contraída com o estado, o que lhe garan-
tia plena e geral quitação do título.
Grande parte dos imigrantes que ocuparam o espaço geográfico nas colô-
nias novas obtiveram primeiramente o título provisório e após longo tempo o

Mapa geral da distribuição dos imigrantes de etnia


polonesa no Estado do Rio Grande do Sul.
Gardolinski, Edmundo. Imigração e Colonização Polonesa. p. 12.

Volume 3
República Velha
Tomo I

XIV.
A imigração
polonesa

431
definitivo. Devido às dificuldades geográficas e de cultivo do solo, como já as-
sinalado, vários foram os casos de negociação da dívida colonial, aspecto que
fazia com que o título definitivo levasse um período maior para ser entregue
ao proprietário.
As regiões onde destinavam os imigrantes poloneses no estado do Rio
Grande do Sul eram acidentadas e de difícil acesso, pois os melhores terrenos
já haviam sido ocupados pelos alemães, judeus e italianos. Dentre vários exem-
plos, pode-se citar o município de Áurea, situado no norte do estado, que teve
suas terras classificadas pela Inspetoria Estadual de Terras, majoritariamente,
como de baixa qualidade produtiva e com presença de diversos acidentes geo-
gráficos (WENCZENOVICZ, 2001, p. 112).
Entretanto, em meio às dificuldades, o que mais lhes interessava, impul-
sionando-os neste reinício de vida, era a possibilidade de se tornarem proprie-
tários. Sabe-se que a baixa qualidade da terra, para um grupo essencialmente
camponês, repercutiu na configuração social dos imigrantes poloneses que
ocuparam espaços em praticamente todo o território do estado do Rio Gran-
de do Sul.
Denota dessa especificidade econômica e social o estigma e o preconceito
vivenciado pelos imigrantes poloneses desde o momento de sua inserção na po-
lítica migratória sulina. Atribuições culturais e sociais sinalizam o processo de
segregação desse grupo, contrastando-se com os demais fluxos migratórios.
O fato de os poloneses emigrarem de um país dominado política,
econômica e culturalmente fez com que os mesmos fossem vistos como “pola-
cos sem bandeira”. Aqui eles são assentados nos núcleos coloniais administra-
dos pelo estado positivista e, para os positivistas, a Polônia estava num pata-
mar inferior aos da Alemanha e Itália. Acresce-se ao contexto as inúmeras di-
ficuldades enfrentadas no momento da instalação dos núcleos coloniais, onde
ocorreram vários enfrentamentos entre funcionários da Inspetoria Geral de
Terras e imigrantes poloneses (GRITTI, 2004, p. 209-210).

História Geral do
Instalação no lote colonial
Rio Grande do Sul
Na propriedade colonial trabalhavam todos os membros da família. Nos
primeiros anos, tiveram que vencer as dificuldades impostas pelo meio, pois
não estavam acostumados com desmatamentos e queimadas. Raízes e tocos
Thaís Janaina
Wenczenovicz representavam outra dificuldade. Havia também a falta de recursos para so-
breviver e para contratar alguém para as tarefas mais especializadas, como a
derrubada de árvores.
432
O lote colonial e a família funcionavam como unidade produtiva, sendo
que o sucesso dependia do bom desempenho da família. O trabalho da mulher
ultrapassava os limites da casa e da educação dos filhos. Ela trabalhava na roça,
no estábulo, no galinheiro e na horta. As crianças eram recrutadas para as
mais variadas tarefas; trabalhavam na roça; cuidavam dos animais e auxilia-
vam no trabalho doméstico.
Nas propriedades, predominava a policultura e a criação de animais, a
qual, geralmente, consistia em aves, porcos, alguns bovinos e cavalos para pu-
xar o arado e a carroça. A idéia central do colono era a auto-suficiência; o ex-
cedente produzido era destinado à venda para comerciantes locais ou regio-
nais.
Alguns produtos colhidos eram destinados ao beneficiamento, dentro de
um incipiente processo de industrialização herdado da Polônia. Destacam-se os
alambiques, que aproveitavam a cana-de-açúcar, os moinhos que produziam a
farinha de milho e trigo e as frutas que se transformavam em polpa e geléias.
Sabe-se que os colonos obedeciam, nas opções de plantio, às oscilações de
mercado, procurando sempre se dedicarem a uma cultura de maior rentabi-
lidade. A vantagem do colono era que se tratava de cultura anual ou bianual,
para enfrentar os momentos de crise.
As dificuldades impostas pelo relevo acarretaram muito trabalho e se
constituíram em obstáculo à ascensão financeira desses imigrantes poloneses
e à sobrevivência da família. A acidez do solo, associada à falta d’água e o ata-
que das formigas deixavam o colono em estado miserável na maioria dos
núcleos coloniais. Entretanto, é nesse cenário que o grupo desenvolveu ativi-
dades visando à edificação e instalação de construções que permitiram a so-
brevivência em solo sul-rio-grandense.
Em geral, as residências tinham medidas de quatro por seis metros e
eram cobertas de pequenas tábuas de madeira, como as moradias italianas.
A casa compreendia um ou dois cômodos: cozinha e quarto, sem assoalho, com
o piso de terra batida. Os imigrantes dormiam em camas trazidas da Polônia
ou em tarimbas construídas por eles. A fumaça e as más condições de higiene Volume 3
eram comuns nessas diminuídas moradias. A cozinha era separada dos quartos República Velha
Tomo I
para isolar o ambiente das cinzas, fumaça, odores e do picumã. Essa lógica de
construção também era habitual na zona colonial italiana.
Ainda não existe um trabalho especializado sobre a arquitetura residen- XIV.
cial e a mobília do grupo polonês no Rio Grande do Sul. O pouco que se sabe A imigração
polonesa
sobre o assunto está esparso em capítulos de estudos sobre o tema e na his-
tória oral. De forma geral, as mesmas condições de produção, os mesmos mate-
433
riais, os mesmos recursos técnicos disponíveis no ambiente determinaram
uma importante unidade no que se refere à moradia colonial.
As famílias não só construíam suas próprias casas como fabricavam tam-
bém seus móveis e peças de vestuário. No mobiliário encontravam-se bancos,
mesa, guarda-comidas e, nem sempre, o armário. As roupas eram pendura-
das em pregos fixos nas paredes dos quartos, os quais eram predominante-
mente em madeira (WENCZENOVICZ, 2002, p. 87).
Quanto ao mobiliário residencial, acrescenta-se: “Ainda armamos algu-
mas prateleiras para a guarda de uso diário e construímos com tampos de cai-
xas, uma mesa tosca e alguns bancos. Já podíamos então comer, sentados à
mesa” (WEISS, 1949, p. 49). O guarda-roupa era o prego. As melhores peças
do vestuário, usadas geralmente em eventos religiosos e festivos, reservava-
se o canto dos quartos onde pregava-se uma madeira sem farpas para não com-
prometer as peças que posteriormente seriam penduradas. As roupas sujas
iam para o tanque ou para cestos designados para este fim. O processo de higie-
nização, lavagem e preservação do vestuário familiar era reservado ao universo
feminino.
Além da casa, as propriedades possuíam outras construções, duas delas
muito importantes: o galpão e o abrigo de animais. A facilidade de acesso a um
ponto de abastecimento de água foi determinante na localização da casa, do
galpão, do abrigo dos animais e do banheiro.
Nas proximidades da residência, os imigrantes construíram o galpão, de
utilidade variada, que servia como depósito de implementos agrícolas, ofici-
na e de local para as crianças brincarem em dias chuvosos. Na região colonial
italiana, o galpão era um prédio erguido sem acabamento esmerado, bastan-
te utilizado para armazenar os cereais.
Inicialmente, os animais eram encerrados por cercas de arbustos, espi-
nhos e galhos entrelaçados. Mais tarde, surgiram as cercas de taipas de ma-
deira e pedra (fartamente encontrada nas regiões ocupadas por imigrantes po-
loneses), dispensando a estética. Era grande a preocupação com a saúde e se-
gurança dos animais – aves, bovinos, caprinos, muares e suínos –, pois
História Geral do
Rio Grande do Sul
serviam para as lidas agrícolas e como fonte de proteína alimentar.
Com o passar do tempo, surgiram os cochos para o sal dos animais, que
podiam receber coberturas de duas águas, e alguns depósitos para armazenar
cereais, lenhas e forragens. Se fosse possível, construía-se um bebedouro, per-
Thaís Janaina
Wenczenovicz mitindo o acesso dos animais à fonte de água, na área aberta reservada à cria-
ção dos mesmos, diminuindo o trabalho do colono de conduzi-los a outros lu-
gares para saciar a sede.
434
Algumas propriedades tinham apiários, alambiques, coelheiras e peque-
nas oficinas. Também próximas a casa, eram destinadas áreas de plantio para
horta e pomar. Na horta plantavam-se hortaliças e legumes. As árvores frutí-
feras podiam estar espalhadas pela propriedade. Mesmo que a preferência
fosse a carne, devido à escassez deste produto na Polônia, os legumes e vege-
tais eram consumidos fartamente.
Com a melhoria das instalações, solucionou-se a preocupação com os há-
bitos de higiene corporal. Pela construção dos primeiros banheiros colo-
niais, houve a possibilidade de tomar banhos mais demorados e tranqüi-
los. Até então, córregos ou rios serviam de grandes banheiras e os arbus-
tos, de banheiros.
Com a ampliação das áreas construídas, observa-se que o espaço desig-
nado para a realização da higiene corporal e necessidades físicas passaram a
ocupar o mesmo local, porém com características arquitetônicas diferen-
ciadas.

“Uma casinha de um por dois metros dividia ao meio, servindo uma parte para
o W. C. colonial, contendo um banco sobre um buraco fundo, e a outra parte
para o chuveiro colonial, que consistia em uma lata de querosene perfurada e
suspensa por cordão de couro cru” (WEISS, 1949, p. 56).

A gamela e o tanque serviam para a higiene individualizada. Pela manhã,


fazia-se a higiene matinal, lavando-se a face e as mãos; ao meio-dia, repetia-
se a operação, lavando também os pés. À noite, o banho era mais longo e ri-
goroso, devido às inúmeras atividades braçais realizadas durante o dia. Geral-
mente, as crianças eram lavadas com água quente e muito sabão. Lavar a ca-
beça era tarefa realizada aos sábados. No verão, a limpeza corporal era mais
sistemática, devido à alta temperatura (WENCZENOVICZ, 2002, p. 89).
Ao contrário da constituição social vivenciada da Polônia, onde se vivia
em pequenas vilas, com pequenas nesgas de terra para cultivar e pouco espaço
Volume 3
nas residências, no Brasil os colonos se depararam com grandes extensões República Velha
Tomo I
devolutas. O processo de colonização e povoamento em lotes coloniais isola-
dos, afastando as famílias, fez com que elas providenciassem espaços de con-
vivência coletiva: escolas e igrejas.
XIV.
A localização geográfica de grande parte dos núcleos constituídos majo- A imigração
polonesa
ritariamente por imigrantes poloneses forçou-os a um isolamento, assim como
o tipo de atividade econômica, quase que exclusivamente agrícola, determi-
435
nou em parte seu fechamento à penetração da cultura nacional por meio da
educação.
Considerando que a maioria dos imigrantes não sabia ler ou escrever, não
se exigia do polonês, para ingresso na atividade agrícola, nenhum nível de co-
nhecimento, domínio da prática ou técnica. A atividade era decorrente do tipo
de organização produtiva da colônia, cuja base era a mão-de-obra familiar. Des-
de a infância, as crianças ajudavam seus pais na agricultura, não necessitan-
do uma aprendizagem duradoura e orientada.
Inicialmente, os poloneses viam a escola como uma forma de instruir
seus filhos, já que esta não era encarada como necessária à ascensão social. A
atividade econômica não demandava nenhum tipo de preparo que a escola pu-
desse fornecer.
As primeiras aulas ocorreram em espaço coletivo, como capela ou na re-
sidência do professor, segundo acerto das partes envolvidas – pais e professor.
As aulas eram ministradas, inicialmente, em polonês. A tarefa era executada
por algum colono que sabia escrever, ler e dominava as quatro operações arit-
méticas. O pagamento poderia ser em gêneros coloniais. O professor geralmen-
te assumia outros cargos na comunidade, como direção de coral, sessões reli-
giosas, organizador de atividades festivas ou recreativas e até conselheiro.
Livros eram peças raras, porém havia alguns que acompanharam os imi-
grantes da Polônia até o Brasil, os quais possuíam função muito mais decora-
tiva do que instrutiva. O nível escolar dependia das aptidões e preparo técni-
co do professor, bem como do desenvolvimento e envolvimentos dos alunos.
Até a nacionalização, ocorrida em 1938, praticamente todas escolas dos
núcleos poloneses eram bilíngües e funcionavam em turno integral. O horá-
rio e calendário escolar era determinado pelos pais, considerando a época das
colheitas. Essa atitude era tomada considerando-se o gasto com a manuten-
ção da criança na escola e o efeito que a ausência de um elemento na cadeia
produtiva poderia ter.
O clero também influenciou a educação nas colônias. O impulso inicial em
História Geral do
Rio Grande do Sul
criar escolas coloniais incentivadas por religiosos católicos demonstrou a per-
manência da submissão do grupo, pois saindo de uma ambiente senhorial,
onde sua iniciativa era diminuída, criou seus primeiros espaços de socialização,
com características do Velho Mundo.
Thaís Janaina
Wenczenovicz Como se constatou, a escola colonial serviu para tirar do analfabetismo
uma considerável camada da população de imigrantes poloneses. Entretan-
436
to, somente com o desenvolvimento econômico das colônias, no século XIX e XX,
e a conseqüente integração na economia regional e estatal, que o ensino come-
çou a atuar como elemento indispensável e imprescindível aos imigrantes.
A iniciativa e o desejo de construção de um espaço religioso em cada nú-
cleo colonial esteve ligado intrinsecamente à esmagadora preponderância do
elemento aldeão, na composição mental católica do imigrante polonês. A pa-
róquia era, na Polônia do século XIX, o único espaço onde o polonês tinha a
oportunidade de participar, ocupando cargos na administração local das ati-
vidades paroquiais ou fazendo parte de associações religiosas.
A adoção do cristianismo católico por parte da Polônia ocorreu no final do
século X. A decisão partiu do poder político da época, pois este vínculo servi-
ria de elo entre a Polônia e o restante da Europa ocidental, privando os prín-
cipes germânicos do cômodo pretexto de fazer ataques constantes por serem
os poloneses, na maioria, pagãos. Com a cristianização, a posição política do
império polonês foi fortalecida, o qual também beneficiou-se no cenário inter-
nacional em face dos demais impérios e, principalmente, dos seus vizinhos que
permaneciam pagãos (WACHOVICZ, 1974, p. 24).
A adoção do catolicismo por derivar de um acordo político, representou
para as camadas dirigentes uma significativa melhoria na condição econômi-
ca e social, fazendo com que a maioria da população composta por campone-
ses ou proletários rurais e comerciantes formassem um padrão de comporta-
mento que com o passar dos séculos se concretizaria com a grande marca do
imigrante polonês: a religiosidade católica.
Ressalta-se a essa condição imposta ao imigrante polonês a profunda reli-
giosidade essencialmente aos elementos católicos. O clero aliado à nobreza afi-
gurou-se ao homem simples do campo como seu explorador, daí a junção de
ambos que figurou em dois fatores: a nobreza ampliava seus bens pela guer-
ra, ou saques, enquanto os eclesiásticos cresciam com as arrecadações/doações
e ambos obtinham resultados positivos devidos à dominação cultural e men-
tal através do domínio religioso.
Mesmo que o religioso católico fosse tratado em solo nacional da mesma
maneira como o era o senhor na Polônia, viam a capela/igreja como um cen- Volume 3
tro de convergência e socialização. Espaço sagrado designado às celebrações República Velha
Tomo I
e outras atividades religiosas, adquiriu uma conotação, mais ampla. A freqüên-
cia aos espaços religiosos configurou-se uma fuga do quotidiano.
Enquanto predominaram as idéias da estrutura mental vigente nas al- XIV.
deias polonesas, a obediência ao representante religioso foi total. Essa obediên- A imigração
polonesa
cia do camponês ultrapassava as fronteiras de ordem espiritual e prosseguia
na temporal.
437
Concluindo:
Em lei de 1882, o governo imperial autorizou a venda das terras públi-
cas estaduais a particulares, sob compromisso de que promovessem a coloni-
zação. Todavia, não raro, essas terras eram loteadas e vendidas aos imigran-
tes por preços quadruplicados.
Nos anos 1880, o Brasil encaminhava-se à abolição da escravidão e os
grandes cafeicultores preocupavam-se com o espectro da falta de mão-de-obra
em suas fazendas. Sendo o café o principal produto da economia nacional,
seriam grandes os reflexos negativos de tal medida. A política imigratória foi
a solução adotada pelo poder político brasileiro, a qual possuía três objetivos
básicos: a) substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra livre, num
momento em que ocorria expansão do capitalismo em nível mundial; b) povoa-
mento e colonização de áreas ainda virgens, com a possibilidade de surgimen-
to de núcleos de pequenos proprietários agrícolas; c) diversificação da estru-
tura produtora que contribuísse para o abastecimento interno do país e ame-
nizasse o desnível da balança comercial causado pelo grande peso das impor-
tações de alimentos.
Com a república, proclamada em 15 de novembro de 1889, as terras devo-
lutas passaram à propriedade e domínio dos estados da Federação, de acor-
do com o artigo 64 da Constituição Federativa de 1891. Em decorrência des-
se fato, a colonização e imigração passam à competência dos governos esta-
duais, agora regidos por Constituição própria, em regime de Federação. No
Rio Grande do Sul, a legislação-base foi a lei 28, de 5 de outubro de 1899, so-
bre “Terras Públicas, Colonização e Florestas” e o Regulamento aprovado pelo
decreto 313, de 4 de julho de 1900.
O fato de que os estados e a União subsidiariam e assumiriam conjunta-
mente a empresa de imigração e colonização oficial, acarretava atritos e difi-
culdades ao poder público em vários momentos. Por essas e outras razões, o
governo do estado do Rio Grande do Sul rompeu, em 1914, seu acordo com a
União, pondo fim à imigração oficial subsidiada no estado (decreto 2.098, de
13 de julho de 1914). Após essa decisão, as empresas colonizadoras fortalece-
História Geral do
Rio Grande do Sul
ram o processo de atração desses imigrantes. Na região do Alto Uruguai, sur-
giram duas empresas responsáveis pela ocupação e legalização dos lotes nas
áreas rural e urbana. A primeira foi a Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. e
a segunda, a empresa de colonização gerenciada pelo estado.
Thaís Janaina
Wenczenovicz Os propagandistas e recrutadores de imigrantes eram conhecidos como
“agentes recrutadores”, que espalhavam-se pelas diversas regiões da Polônia,
com a finalidade de entusiasmar a população a emigrar, distribuindo artigos,
438
livretos, brochuras e comunicados sobre as excepcionais condições oferecidas
pelo Brasil.
Na Polônia, como assinalado, tais agentes encontraram campo propício
de trabalho, devido aos inúmeros problemas econômicos, políticos – três par-
tilhas territoriais –, e sociais em que vivia a população polonesa da época. O
reino da Polônia e a Galícia foram as regiões que mais sentiram o efeito da
atuação dos agentes recrutadores.
Inicialmente, imigraram ao Brasil agricultores da parte alemã dos atuais
territórios poloneses. Incorporados à corrente imigratória alemã, eles confun-
diram-se com a mesma. Por isso, até hoje existem contradições estatísticas
sobre os números de imigrantes poloneses que vieram para a América Lati-
na. Muitos poloneses, ao chegaram aos novos países, declaravam em seus pas-
saportes que eram alemães.
Nem todas as famílias eram direcionadas para o mesmo estado. Os que
se dirigiam ao Rio Grande do Sul continuavam a viagem de vapor até Porto
Alegre, onde descansavam por mais alguns dias. Após serem informados so-
bre a região onde se instalariam, prosseguiam, geralmente, por via fluvial, até
o porto de São João do Montenegro. A maioria dos imigrantes poloneses che-
gados à região de Áurea eram originários das regiões polonesas de Lublin e
Siedle, então dominadas pela Rússia. E a maior parte desses era de campo-
neses pobres, que não possuíam bens imóveis na terra de origem. Em geral,
possuíam pouca ou nenhuma escolaridade.
Quanto ao estabelecimento no lote territorial, o colono aproveitava pri-
meiramente as terras de cultivo mais acessível, as regiões com menos pedras
e inclinações, não desconsiderando, porém, o relevo acidentado da região. As
propriedades rurais possuíam, em sua maioria, de 12 a 25 hectares. Com o
passar do tempo, o colono passou a recorrer às reservas florestais devido à falta
de madeira para ampliar as instalações ou de lenha, utilizada para o cozimento
da alimentação e o aquecimento da residência nos dias frios.

Volume 3
República Velha
Tomo I

XIV.
A imigração
polonesa

439
História Geral do
Rio Grande do Sul

Thaís Janaina
Wenczenovicz

440
Capítulo XV

OS JUDEUS1

Isabel Rosa Gritti

Com a imigração européia, o governo brasileiro propunha-se, entre


outros objetivos, a impulsionar uma agricultura explorada por homens livres
e sob o regime da pequena propriedade, bem como a aumentar a população
do país, a fim de favorecer a implantação da indústria e do comércio.
Para Olívio Manfroi, o decreto de 25 de novembro de 1808 foi um elemen-
to importante, se não fundamental, à construção da nossa independência eco-
nômica e política. O referido decreto permitia, não só aos portugueses e luso-
brasileiros, mas também aos demais estrangeiros, possuírem terras no Bra-
sil. Diz Manfroi (1975, p. 21) que, D. João não se limitou a este decreto; iniciou
uma verdadeira política de imigração estrangeira para atrair o maior núme-
ro de trabalhadores europeus, pois o objetivo era dar novas condições ao de-
senvolvimento social, econômico e político do Brasil e criar uma nova menta-
lidade na sociedade brasileira. Para tanto, o governo oferecia aos colonos eu-

1 O presente texto, inicialmente, aborda a política de imigração e colonização do governo Volume 3


brasileiro, bem como as causas que impulsionaram os imigrantes israelitas a emigrarem. República Velha
Analisa-se a atuação da Jewish Colonization Association (ICA) nesse processo – a partir de Tomo I
vasta e significativa documentação da própria companhia, disponível no Arquivo Histórico
Judaico Brasileiro de São Paulo, compreendendo todo o período de atuação desta no país e
no estado, de 1904 a 62 –, uma vez que foi esta responsável pela vinda dos judeus ao Brasil
e ao Rio Grande do Sul, no início do século XX; estuda-se, também, o assentamento desses
imigrantes nos núcleos coloniais de Filipson e Quatro Irmãos, ambos no Rio Grande do Sul, XV.
que constituíram os mais importantes núcleos de assentamento de imigrantes judeus no Os judeus
Brasil e no próprio estado. Porém, apesar de estarem sob a proteção de uma poderosa
Companhia de Imigração e Colonização, os imigrantes israelitas por esta assentados naque-
les núcleos coloniais, não se fixam nos mesmos. Na sua quase totalidade, dirigiram-se para
diferentes cidades gaúchas, onde contribuiram no processo de nossa formação social. 441
ropeus, que quisessem estabelecer-se no Brasil, transporte gratuito, a conces-
são de um lote rural com instrumentos necessários ao trabalho e ajuda finan-
ceira nos primeiros tempos.
Em 1850, sob pressão inglesa, o governo brasileiro decidiu abolir o tráfi-
co de escravos, o que coincidiu com a expansão da cultura do café, e, diante
da ameaça que pesava sobre a nova riqueza nacional, alguns fazendeiros pro-
moveram a imigração européia como salvação dos cafezais do Brasil. A primei-
ra experiência foi realizada pelo senador Vergueiro, em 1874 que introduziu,
em sua propriedade de Ibicaba, São Paulo, 80 famílias alemãs.
Ainda em 1850, o governo imperial retomou a colonização que fora atri-
buída, em 48, aos governos provinciais – e lhe deu nova legislação, pela Lei nú-
mero 601, de setembro de 50.
Essa lei estabeleceu uma definição para o que deveriam ser considera-
das terras devolutas; suprimiu a concessão gratuita de lotes aos imigrantes e
decidiu que a compra seria o único meio e o único título de posse.
Com a intensificação da campanha a favor da abolição da escravatura, o
governo imperial promulgou, em 1871, a Lei do Ventre Livre. Ao mesmo tem-
po, aumentou seus esforços em favor da imigração a fim de garantir mão-de-
obra. Retomou sua ação em favor da colonização e imigração européias sub-
vencionadas o que gerou a oposição dos parlamentares proprietários. A As-
sembléia Geral reduziu, em 79, o orçamento destinado à colonização, obrigan-
do o governo a suspender as vantagens concedidas pela lei de 1867 e as pro-
messas formuladas.
E pela lei de 1882, o “governo autorizou a venda de terras públicas aos
particulares que se comprometessem a colonizá-las. Essa lei provocou a to-
mada de posse, por particulares, de imensas regiões que foram em segui-
da, vendidas aos imigrantes por um preço quatro vezes maior” (MANFRÓI,
1975, p. 43).
Com a eliminação do grande empecilho à imigração, que era o trabalho
escravo, começaram a aparecer novos grupos imigratórios, como japoneses,
História Geral do
Rio Grande do Sul eslavos e judaicos, além dos italianos e alemães. Em relação ao aumento da
corrente imigratória no período pós-abolição da escravatura, Fernando Car-
neiro argumenta que não se deve considerar a entrada de imigrantes num
país, e muito menos sua fixação, como função da propaganda e das despesas
Isabel Rosa Gritti que se queiram fazer com a imigração, mas, mais importante do que o dinheiro
gasto pela administração, é a situação social, política e econômica da nação. O
aumento da corrente imigratória tem como causa a expansão da lavoura cafeei-
442
ra que exigirá um número maior de braços, além da diversidade de oportu-
nidades que são apresentadas pelos centros urbanos em crescimento.
Com a Primeira Guerra, houve uma redução nas correntes imigratórias,
e, em 1921, o governo federal estabeleceu restrições à entrada de estrangei-
ros. Era a chamada “lei dos indesejáveis”.
Fernando Carneiro lembra que tal decreto não foi uma inovação na legis-
lação brasileira, nem era a primeira vez que ocorriam manifestações contra
portugueses ou estrangeiros de outras procedências. O decreto federal nº
6.455, de 1907, dizia que seriam acolhidos como imigrantes menores de 60
anos que, não sofram de doenças contagiosas, não exerçam profissão “ilícita,
não sendo reconhecidos como criminosos, desordeiros, mendigos, vagabun-
dos, dementes ou inválidos, chegarem aos portos nacionais como passageiros
de terceira classe, à custa da União, dos Estados ou terceiros” (CARNEIRO,
1950, p. 32).
Foi no período posterior à Primeira Guerra Mundial que a imigração ju-
daica ao Brasil se intensificou. O Brasil passou a ser a opção dos israelitas à
medida em que os Estados Unidos, a Argentina e o Canadá, países que rece-
biam um elevado número de imigrantes judeus, passaram a limitar a entra-
da dos mesmos (LESSER, 1989, p. 78).
Os judeus que imigraram ao Brasil e ao Rio Grande do Sul tinham duas
origens: asquenazi e sefaradi.
A palavra asquenazi, derivada de Aschkenaz (Alemanha), designava os
judeus da Europa Central e Oriental. Eram imigrantes da Polônia, Lituânia
e Rússia. Falavam idish, língua formada de elementos hebraicos, germanos
e eslavos e correspondiam a 95% dos imigrantes judeus que se estabeleceram
no Rio Grande do Sul. Eram esses imigrantes judeus, os asquenazi, que fo-
ram instalados pela Jewish Colonization Association nas colônias agrícolas de
Filipson e Quatro Irmãos, e, que posteriormente abandonam as mesmas em
direção a várias cidades gaúchas.
A palavra sefaradi, derivada de Sefarad (Espanha), refere-se aos judeus
que expulsos da Espanha, migraram à Turquia, Grécia e Egito. Falavam la- Volume 3
dino, um espanhol arcaico, e constituíam 5% da imigração judaica ao Rio Gran- República Velha
Tomo I
de do Sul. Assim, como os asquenazi, os judeus sefaradi chegaram ao estado
no início do século XX, mais particularmente nas décadas de 1910 e 20. Loca-
lizaram-se, principalmente, em Porto Alegre, dedicando-se ao comércio. Mar- XV.
ta Rosa Borin (1993, p. 8), nos diz que eles ajudaram na formação social e eco- Os judeus
nômica da capital gaúcha, onde se “estabeleceram residencial e comercialmen-
te, dando grande impulso ao desenvolvimento da cidade no início do século
443
XX. Em Porto Alegre, muitos prosperaram, seus filhos nasceram e formaram
a primeira geração de sefaradim brasileiros”.
Ainda, segundo Marta Rosa Borin (p. 22), para manter seus dogmas de
fé, suas tradições culturais, os judeus sefaradim se organizaram e fundaram
o Centro Hebraico Rio-Grandense, “que com o tempo passou a representá-los
oficialmente”. Diferenciavam-se dos outros judeus por possuírem costumes
próprios, resultantes da tradição hispânica e de quatro séculos de convivên-
cia com o mundo muçulmano.
A imigração judaica para o Brasil, a partir de 1904, está diretamente li-
gada à ação da Jewish Colonization Association, companhia responsável pela
vinda dos israelitas que foram instalados em Filipson e Quatro Irmãos.
Porém, apesar da intensa campanha desenvolvida pela Jewish
Colonization Association nos países do Leste europeu a fim de atrair os emi-
grantes as suas colônias brasileiras, o número de israelitas, que no início do
século escolheram o Brasil como seu novo país, foi reduzido.
Dessa forma, comparando-se a corrente imigratória judaica às demais
correntes, ou, pelo menos, às mais significativas, como a italiana, a alemã e a
polonesa, percebe-se que a judaica foi a que mais tardiamente aconteceu. Isso
se explica, como já mencionado pelas restrições impostas à imigração pelos
países tradicionalmente receptivos dos imigrantes israelitas e pelo crescente
anti-semitismo nos países europeus, especialmente com a ascensão do nazis-
mo na Alemanha.

Quadro 1. A imigração judaica e geral ao Brasil – 1881-1930.

Anos Total Judaica J u d a i c a Imigração judaica


em % do mundo
em %
1881-1900 1.654.101 1.000 0,6 0,1
1901-1914 1.252.678 8.750 0,7 0,5
1915-1920 189.417 2.000 1,0 2,2
1926-1930 453.584 22.296 4,9 12,9
História Geral do
Rio Grande do Sul
1931-1935 180.652 13.075 7,2 5,5
Fonte: LESSER, Jeff H. Pawns of the powerful: jewish imigration to Brasil, 1904-1945. New York: New York
University, 1989.

Esses dados, fornecidos por Lesser, indicam que, no final do século XIX,
Isabel Rosa Gritti
período em que a imigração européia ao Brasil foi mais intensa, a imigração
judaica foi pouco significativa, tendo crescido numericamente após a I Guer-
444 ra Mundial.
Entretanto, a presença de judeus no Brasil data do período colonial. Eram
os cristãos-novos, judeus convertidos compulsoriamente ao catolicismo em
Portugal e que, aqui, temerosos de serem descobertos pelos agentes secretos
da inquisição, praticavam os ritos judaicos em segredo.
Mesmo no período pós-1930, quando o Brasil também limitou a entrada
de imigrantes através do estabelecimento de quotas, como determinava a
Constituição de 34, os israelitas continuaram, embora em número reduzido,
a entrar no Brasil.
Do início do século até o período posterior à II Guerra Mundial, a Jewish
Colonization Association e outras instituições de amparo aos imigrantes
israelitas empenharam-se para que os mesmos pudessem encontrar países que
os acolhessem e entre estes estava, naturalmente, o Brasil.
À imigração judaica, inserida no contexto das grandes correntes imigra-
tórias e, por conseguinte, provocada pelos mesmos fatores de expulsão (dese-
quilíbrios demográficos e econômicos nos países de origem) e de atração (a
procura de trabalho e o sonho de conseguir um pedaço de terra), juntou-se
outro elemento: o das discriminações e perseguições de que os judeus eram
vítimas, primeiramente, no Império Russo e, posteriormente, pelo nazismo
europeu.
Em decorrência desse contexto de discriminações, surgiram várias ins-
tituições de auxílio aos israelitas. Entre as numerosas instituições criadas pe-
las ricas comunidades judaicas da Europa para auxiliar seus correligionários
do Leste europeu e dos Bálcãs, encontramos: a Alliance Israélite Universelle,
fundada, em Paris, em 1860; a Anglo Jewish Association, em 1871, em Lon-
dres; a Israelitische Allianz, em Viena, em 1872, e a Hilfsverein der Deutschen
Juden, de Berlim, em 1901.
Porém, a mais poderosa das instituições de amparo aos emigrantes ju-
deus foi a Jewish Colonization Association (ICA), fundada por Maurice de
Hirsh, em 1891, a qual caracterizou-se pelos “formidáveis recursos financeiros
que estavam à sua disposição, recursos que não tiveram paralelo no fim do
século XIX e começo do século XX e, no caso, em nenhuma outra organização Volume 3
dentro do povo judaico’’ (AVNI, 1983, p. 11). República Velha
Tomo I
O auxílio do barão de Hirsh aos israelitas, vítimas da miséria e das per-
seguições, barão anterior à fundação da Jewish Colonization Association. O
financiamento da construção da ferrovia de Viena a Constantinopla possibili- XV.
tou ao banqueiro contato com as comunidades judias, existentes ao longo desta Os judeus
ferrovia. O barão de Hirsh ficou espantado com a pobreza e a negligência dos
judeus do Império Otomano. Eles não eram vítimas da repressão governa-
445
mental, mas da ignorância e da estagnação da economia. “Desde essa época,
ele fazia doações consideráveis de dinheiro para os judeus da Turquia. E, em
dezembro de 1873, ofereceu à Aliança Universal Israelita um milhão de fran-
cos para estabelecer um programa de educação e treinamento vocacional para
eles”.
Segundo Rakos, o barão de Hirsh desprezou a tradicional forma de filan-
tropia de dar gorjetas, que era praticada pelos proeminentes judeus daque-
les dias e que sustentava Yishuv (comunidade) na Palestina. Ele estava espe-
cialmente preocupado com os efeitos nos receptores: isto apenas criaria mais
pobres, o que considerava o grande problema na filantropia, por tornar seres
humanos, capazes de trabalhar individualmente, pobres e, desta maneira,
criando membros imprestáveis à sociedade; acreditava ser necessário erradi-
car as causas da pobreza e não apenas remediar seus sintomas (RAKOS, p. 388).
Ainda na opinião de Rakos, Hirsh, como um credor e beneficiário da Re-
volução Industrial, defendeu a reintegração do ghetto judeu, dentro da ordem
econômica do século XIX. O único remédio à pobreza judaica e o único senti-
do da normalização da posição judaica na sociedade dar-se-iam através da pro-
dução do trabalho. Para o barão de Hirsh, ao povo judeu, era preciso dar a opor-
tunidade para se tornarem trabalhadores úteis e independentes, negociantes,
artistas e agricultores. A existência de uma força de trabalho que tornasse os
judeus auto-suficientes promoveria seu meio de vida e também demonstra-
ria ao resto do mundo que, apesar de prejudicados e restringidos, os judeus
eram capazes de se tornar parte útil na sociedade.
Em 1881, Hirsh voltou sua atenção quase que exclusivamente aos judeus
da Rússia e Leste da Europa, que considerava a mais desesperadora situação
no mundo judeu. A partir deste ano, a vida dos judeus russos tornou-se mais
difícil, pois o anti-semitismo existente na Rússia agravou-se com o assassina-
to do czar Alexandre II.
Com a morte do czar, cujo governo se caracterizara pelo respeito às mino-
rias étnicas, entre elas, os judeus, assumiu o comando do Império Russo o
Czar Alexandre III. Foi sob o reinado dele que se iniciaram os massacres aos
História Geral do judeus. Tais massacres, conhecidos como “pogroms”, estenderam-se até o
Rio Grande do Sul
início do século XX.
O czar Alexandre III manteve todas as leis restritivas e discriminatórias,
usadas especialmente contra os judeus, como o serviço militar que, a partir de
Isabel Rosa Gritti 1827, passou a ser de 25 anos. Isso provocou a fuga de bandos de rapazes que
vagavam pelos campos. As autoridades estimularam a criação de quadrilhas
para caçá-los: quando não encontravam os fugitivos, invadiam as casas, seqües-
446
trando crianças desde os oito anos para vendê-las ao exército. “Como os judeus
eram os mais indefesos, estavam à mercê dessas quadrilhas: perdiam seus
filhos ou pagavam o suborno para serem deixados em paz relativa”
(CHIAVENATO, 1985, p. 204).
Diante deste contexto, Hirsh concluiu que a única maneira de auxiliá-los
seria libertá-los do domínio do czar e colocá-los em países cujos governantes
eram a favor da liberdade e igualdade. Essa posição diferia totalmente daquela
adotada pelos demais líderes israelitas, que se opunham à emigração dos ju-
deus russos.
A Jewish Colonization Association, foi registrada em 1891, como uma
Companhia Limitada, com um capital inicial de 2 milhões de libras, divididos
em 20 mil ações de 100 libras cada. O barão de Hirsh subscreveu 19.991 ações,
enquanto alguns dos mais ricos judeus da comunidade de Bruxelas, Londres,
Berlim e Frankfurt compraram as outras (LESSER, 1989, p. 25).
O objetivo declarado da Associação era assistir e promover a emigração
dos judeus de qualquer parte da Europa ou Ásia e, principalmente, de países
em que eles eram submetidos a impostos especiais ou políticos e outras des-
vantagens, para qualquer parte do mundo e formar e estabelecer colônias em
várias partes do norte e sul da América e noutros países, pela agricultura, co-
mércio e outras atividades. Para realizar esses objetivos, a Jewish Colonization
Association estava autorizada a adquirir qualquer território fora da Europa
através de governos estaduais, municipais ou autoridades locais, corporações
e pessoas (RAKOS, p. 391).
Também, segundo Rakos foi dado poder para estabelecer agências de
emigração em várias partes do mundo, para construir, alugar, fretar e equi-
par navios a vapor e outras embarcações, com o propósito de facilitar a emi-
gração.
Baseado em estudos feitos por seus conselheiros, o barão de Hirsh deci-
diu iniciar sua atividade de instalação de emigrantes russos, na Argentina.
Este país fora o escolhido, porque as informações obtidas indicavam ser o mes-
mo política, econômica e geologicamente adequado aos objetivos estabelecidos. Volume 3
Ainda no mesmo ano da fundação da Jewish Colonizatiom Association República Velha
Tomo I
(ICA), isto é, em 1891, chegavam à Argentina os primeiros imigrantes judeus.
Eram judeus originalmente destinados à Jafa, na Palestina, nesta época sob
o domínio da Turquia, porém devido ao fechamento do porto pelos turcos, di- XV.
rigem-se à Argentina, pois não havia possibilidade de retornar à Rússia. Os judeus

Durante a era pré-guerra, a ICA fundou estabelecimentos destinados a


reconstruir e revitalizar a infra-estrutura das comunidades judias na Rússia 447
e Europa Oriental; abriu comércio, escolas agrícolas e fazendas modelos; sub-
sidiou programas de aprendizagens vocacionais e fundou caixas de emprés-
timo, onde os negociantes judeus poderiam tomar dinheiro emprestado.
Patrocinou o desenvolvimento agrícola e industrial judeu através da
Rússia e Europa Oriental num esforço para erradicar o marginalismo
econômico e para adaptar a massa judia a um trabalho vigoroso, produtivo e
suficientemente próprio, que pudesse contribuir para seus países de residên-
cia. Contudo, russos e judeus orientais continuaram a migrar ao Ocidente em
números que cresciam constantemente ano após ano. Sua jornada através do
continente europeu e sua chegada aos portos do Novo Mundo – Nova York,
Montreal, Buenos Aires – instalaram pesada carga nas comunidades judias
ao longo de sua rota de imigração. Por isso, os administradores foram força-
dos a aceitar sua responsabilidade como diretores de uma das organizações
judias mais ricas e ajudar os imigrantes e suas comunidades hóspedes.
Para Jeff Lesser (1989, p. 25), o novo Conselho da Jewish Colonization
Association eleito após a morte de Hirsch em 1896, possuía muito pouco do
espírito bondoso do barão. Em 1900, decidiram “expandir o alcance da orga-
nização, sempre com a idéia de que uma coincidência de interesses poderia
ser estabelecida entre benevolência e capitalismo”. O Canadá foi uma das mais
novas nações escolhidas pela colonizadora judaica. E, em 1901, a ICA enviou
seu diretor argentino David Cazés e Eusébio Lapine, engenheiro-agrônomo
e administrador-chefe da colônia argentina de Entre Rios, para estudarem as
condições de expansão no sul do Brasil. As informações que eles colheram fo-
ram boas e a Companhia decidiu que o Rio Grande do Sul, devido a sua pro-
ximidade com as colônias argentinas, a sua religião tolerante, comandada cons-
titucionalmente, e ao seu desejo por novos imigrantes, seria um bom lar para
os judeus russos.
A colonização de áreas despovoadas era um dos propósitos tanto do go-
verno federal quanto dos governos provinciais. Dessa forma foi que a criação
de núcleos coloniais, tanto oficiais, isto é, criados pelo Estado, quanto, através
de companhias de colonização, tornou-se possível. E a ação da Jewish
História Geral do Colonization Association esteve inserida no universo das companhias coloni-
Rio Grande do Sul
zadoras.
No caso específico do Rio Grande do Sul, o povoamento de regiões pou-
co povoadas e a conseqüente valorização das mesmas através da criação de
Isabel Rosa Gritti toda uma infra-estrutura necessária à fixação dos imigrantes dizia respeito ao
programa do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) que governou o es-
tado, ininterruptamente, de 1891 a 1930.
448
A autorização para que a companhia pudesse atuar no Rio Grande do Sul
fora concedida pelo governo do estado, em julho de 1903. O jornal A Federa-
ção de 20 de julho de 1903, publicou a referida autorização, que fora concedi-
da nos seguintes termos: Considerando que a companhia denominada Jewish
Colonization Association, com sede na Inglaterra, organizou-se para promo-
ver a imigração dos hebreus de vários pontos da Europa e Ásia para diferen-
tes regiões da América; considerando que, de acordo com seus fins institu-
cionais, pretende a mesma companhia fundar neste estado núcleos coloniais
dedicados aos trabalhos da agricultura, comércio e indústria; considerando,
portanto, que os fins da Companhia são de utilidade pública concorrendo para
fomentar a imigração e ativar o progresso material, resolvo, na forma do de-
creto nº 434, de 4 de julho de 1891, artigos 47, 51, 52, 53 e 54, conceder a auto-
rização que solicita o engenheiro Eusébio Lapine, para que possa a dita com-
panhia funcionar neste estado.
A Jewish Colonization Association iniciou sua longa trajetória de ativida-
des no Brasil e, mais especificamente, no Rio Grande do Sul, no ano de 1902,
quando a ICA comprou sua primeira propriedade no Estado, uma área de
4.472 hectares, posteriormente ampliada para 5.500, comprada do coronel
João Batista de Oliveira Mello, em Pinhal, no município de Santa Maria.
Esse primeiro núcleo judaico no Rio Grande do Sul foi denominado de
Filipson, em homenagem ao então vice-presidente da ICA e presidente da
Compagnie Auxiliare de Chemins du Fér au Brésil, empresa belga arrenda-
tária, na época, da rede da Viação Férrea do Rio Grande do Sul.
Em 1904, a ICA deu início a sua atividade de colonização. Inicialmente,
instalou, em Filipson, 37 famílias judias, num total de 267 pessoas vindas da
Bessarábia, em lotes de 25 hectares de terra de campo e mato. Além disso,
quando de sua chegada os imigrantes receberam uma casa para moradia, ins-
trumentos de trabalho agrícola, duas juntas de bois, duas vacas, um cavalo e,
enquanto não pudessem viver do produto das colheitas, a ICA lhes dava um
suprimento em dinheiro, variável de acordo com o número de pessoas da fa-
Volume 3
mília. República Velha
Tomo I
Muitos dos imigrantes israelitas que foram estabelecidos em Filipson não
tinham conhecimento do trabalho agrícola. Além disso, o terreno que lhes fora
destinado para ser cultivado era constituído de áreas de campo. Esses terre- XV.
nos, devido a sua pouca fertilidade, eram inadequados, na época, ao cultivo Os judeus
agrícola. E, embora os agrônomos da companhia defendessem a fertilidade
dos mesmos, as colheitas revelavam-se cada vez mais desanimadoras.
449
As dificuldades vivenciadas pelos imigrantes russos, estabelecidos pela
Jewish Colonization Association em sua primeira colônia agrícola no Rio
Grande do Sul e a pouca atenção dispensada aos mesmos pela companhia
são evidenciadas por Jacques Scheweidson, na obra Judeus de Bombacha
e Chimarrão.
O fato de a colônia Filipson estar instalada nas proximidades da estrada
de ferro administrada por Franz Philipson, pareceu a Lassance Cunha (1908,
p. 254) um elemento importante para a prosperidade da mesma, pois que,
“sem dúvida, será motivo para que se interesse pela prosperidade desta e de
outras colônias que estabelecer, pelos resultados pecuniários que delas advirão
no transporte de produtos coloniais pela estrada de ferro”.
Contudo, a tão esperada e propalada prosperidade da colônia Filipson
não aconteceu, o que não impediu que a ICA adquirisse novas áreas no esta-
do e, não acidentalmente, nas proximidades da linha férrea.
Assim, quando, em 1909, a Jewish Colonization Association comprou a
Fazenda Quatro Irmãos, onde pretendia criar um novo núcleo israelita, a co-
lônia Filipson encontrava-se praticamente despovoada.
Ao instalar sua segunda colônia agrícola no Rio Grande do Sul, a ICA es-
tava disposta a esquecer os problemas que tivera em Filipson, seu primeiro nú-
cleo colonial no estado, que não correspondeu à expectativa inicial, pois os colo-
nos, decepcionados com os rendimentos obtidos do seu trabalho com a terra
abandonaram a colônia, indo buscar fora dessa resultados mais animadores.
Diante da necessidade de iniciar a colonização da Fazenda Quatro Ir-
mãos, com elementos conhecedores da atividade agrícola, a ICA decidiu que
o primeiro grupo a ser instalado fosse composto por imigrantes estabelecidos
em suas colônias argentinas, detentores de certa experiência agrícola.
A busca de elementos interessados na colonização de Quatro Irmãos re-
velou-se, desde o início, muito difícil. Os imigrantes estabelecidos nas colônias
argentinas manifestaram-se desinteressados por uma nova migração; argu-
mentaram não estarem dispostos a enfrentar novos sacrifícios e aprendizagens
num novo país. Mas, o fator mais importante para a recusa de um novo pro-
História Geral do
Rio Grande do Sul cesso migratório deveu-se ás notícias pouco alentadoras que eles recebiam do
Brasil, o que fez com que tivessem pouca confiança de alcançar uma situação
de satisfação, tão boa quanto a de seus companheiros da Argentina.
Quando os primeiros imigrantes vindos da colônia argentina de Maurí-
Isabel Rosa Gritti
cio chegaram, os lotes foram subdivididos, e, embora tenha havido, em maio
de 1912, um movimento de 50 famílias judaicas em direção ao Brasil, “e en-
450 tre elas as menos aptas”, seria somente dois meses mais tarde que o primei-
ro grupo de 33 colonizadores chegou a Quatro Irmãos, 14 deles com as res-
pectivas famílias, e 19 sem elas. Ao primeiro grupo de 33 colonizadores argen-
tinos, seguiram-se, após três semanas, 60 famílias, originadas da Bessarábia.
Destas famílias, poucos eram agricultores preparados. Entre eles havia cin-
co carpinteiros, quatro ferreiros e dois sapateiros (LESSER, 1989, p. 41).
Quando os primeiros imigrantes começaram a chegar na colônia de Qua-
tro Irmãos, as casas não estavam prontas, e eles foram instalados em pousa-
das. A administração central da ICA, sediada em Paris, propôs que os imigran-
tes fossem utilizados nos trabalhos de instalação. A precariedade das instala-
ções com que os imigrantes israelitas se defrontaram ao chegarem em Qua-
tro Irmãos, pode ser parcialmente entendida se considerarmos que o agente
designado, em outubro de 1911, para coordenar os trabalhos preparatórios
á instalação dos colonos, desconhecia totalmente a atividade a qual fora de-
signado.
A disposição da ICA em deixar o fracasso de Filipson para trás, pareceu
confirmar-se quando da transferência da sede administrativa da mesma para
Quatro Irmãos, dirigida, a partir de fevereiro de 1912, por Hugo Baruch, que
ocupava o cargo de diretor do escritório central da ICA, em Buenos Aires.
A transferência da sede administrativa da ICA foi incapaz de solucionar
os problemas que, ao contrário, aumentavam e, em março de 1913, a adminis-
tração local pediu á direção de Paris que comunique ao Comitê Central de São
Petersbourg que parasse ou, ao menos, moderasse o movimento de emigra-
ção ao Brasil, que parece, deverá tomar fortes proporções.
Do grupo de 43 famílias que deixou a Bessarábia, em abril de 1913, diri-
gindo-se a Quatro Irmãos, Lesser (1989, p. 56) fez a seguinte análise: O primei-
ro grupo era composto de 307 pessoas, embora 22, doentes, tenham ficado na
Rússia; os 285 que chegaram ao Brasil foram predominantemente homens
(56%), embora imigrantes solteiros estivessem incluídos no grupo, e ninguém
viajasse sem cônjuge. A proporção por família foi um pouco menor que sete,
com homens predominando -3,7 por família, por 2,9 femininos. Todas as famí-
lias eram acompanhadas por crianças, exceto três pares jovens. Volume 3
República Velha
Contrariamente às dificuldades iniciais, constatadas no processo de se- Tomo I
leção de imigrantes com uma certa experiência agrícola, para serem coloni-
zados no novo núcleo israelita da ICA, os problemas enfrentados agora carac-
terizam-se pelo excesso populacional da colônia, que se programou para a ins- XV.
talação inicial de um número aproximado de 50 famílias. Pela avaliação da ad- Os judeus

ministração local, o número de famílias imigrantes que se encontrava em Qua-


tro Irmãos, em abril de 1913, era de aproximadamente 300. 451
MUSEU JUDAICO DE PORTO ALEGRE/ICJMC.
Rua principal de Quatro Irmãos.

Os problemas enfrentados pela administração local agravam-se com o sur-


gimento da febre tifóide entre os imigrantes recém-chegados, o que constitui
um claro indicativo das precárias instalações e da ausência de qualquer ser-
viço sanitário destinado aos imigrantes, alojados em galpões, à espera de um
possível assentamento.
A afluência do elevado número de imigrantes, que chegavam nos primei-
ros anos da colonização do novo núcleo da ICA no Rio Grande do Sul, deveu-
se a uma forte propaganda feita na Rússia pelos agentes das companhias co-
lonizadoras, em favor da imigração ao Brasil. A ICA não foi exceção. Marcos
Iolovitch conta que, numa clara manhã de abril de 19..., quando a estepe co-
meçara a reverdecer à entrada alegre da primavera, apareceram espalhados,
em Zagradowka, pequena e risonha aldeia russa, da província de Kersan,
História Geral do lindíssimos prospectos, com ilustrações coloridas, descrevendo a excelência do
Rio Grande do Sul clima, a fertilidade da terra, a riqueza e a variedade da fauna, a beleza e exu-
berância da flora, dum vasto e longínquo país da América, denominado “Bra-
sil” onde uma empresa colonizadora israelita, Jewish Colonization
Association, mais conhecida por ICA, proprietária duma grande área de ter-
Isabel Rosa Gritti
ras, duma fazenda chamada Quatro Irmãos, situada no município de Boa Vista
do Erechim, estado do Rio Grande do Sul, oferecia colônias, mediante vanta-
452 josas propostas, a quem se quisesse tornar lavrador (IOLOVITHC, 1987, p. 9).
Analisando-se os documentos da Jewish Colonization Association, obser-
va-se que o maior fluxo imigratório à colônia agrícola de Quatro Irmãos ocor-
reu nos primeiros cinco anos de sua instalação. O movimento migratório no
período é intenso, pois, da mesma forma que os imigrantes foram atraídos ao
novo núcleo israelita, deu-se o movimento inverso, o de repulsão, uma vez que
a direção local da ICA revelou-se extremamente limitada a administrar a se-
leção e instalação dos imigrantes, considerando que o elevado afluxo inespe-
rado de imigrantes contribuiu grandemente à ineficiência do quadro adminis-
trativo local.
Constata-se também, que, a partir de 1917, a corrente imigratória sofreu
estagnação quase total, enquanto que o abandono da colônia foi, além de cons-
tante, crescente. Com a redução da entrada de imigrantes na colônia agríco-
la, ocorreu também uma redução quase total da instalação dos mesmos, ten-
do-se em vista que, em 1918, foram instalados apenas três colonos. A colônia
somente viveria um novo período de considerável movimento imigratório em
1926/1927, quando a companhia criou dois novos núcleos de colonização em
seu domínio de Quatro Irmãos, que se tornariam conhecidos pelos nomes de
“barão Hirsh” e “baronesa Clara”.
Importante destacar, que, agora, no pós-guerra, a atividade principal da
ICA passou a ser a de uma organização voltada mais ao auxílio à emigração
do que à atividade de colonização dos imigrantes israelitas. Essa posição evi-
denciou-se quando da conferência realizada em Bruxelas, em junho de 1921,
onde a ICA decidiu coordenar a atividade dos diferentes Comitês e Socie-
dades de Emigração Judia. Daí, o empenho da mesma em conseguir a auto-
rização do governa brasileiro para que um grupo de sessenta cultivadores tche-
co-eslovacos entrassem no Brasil.
Sugeriu que, para isso, a administração local fosse ao Rio de Janeiro ob-
ter uma audiência com o presidente ou com um ministro para tratar das ques-
tões da imigração. Acrescentou ser importante informar que a ICA auxiliou
grande número de instituições na Europa que se encarregaram de guiar e pro-
teger os imigrantes no curso de suas viagens e “será preciso expor a este per-
sonagem o fim puramente filantrópico da atividade da ICA e insistir sobre o Volume 3
fato de que o único proveito que ela tira de seus empreendimentos é um pro- República Velha
Tomo I
veito moral” (AHJB-SP).
Quando do assentamento inicial dos imigrantes judeus na Fazenda Qua-
tro Irmãos, isto é, em 1911, a intenção de tornar os imigrantes agricultores evi- XV.
denciou-se, segundo a ICA, pelo seu método de ação: “Antes de receber os imi- Os judeus
grantes, a associação prepara-lhes os lotes coloniais construindo moradias,
hortas, roças etc. de modo a facilitar-lhe o trabalho no período inicial de adap-
453
tação”. Também nesse período, forneceu-lhes ferramentas agrícolas, animais
e tudo o mais que é necessário para a agricultura.
A ação da ICA em relação aos colonos judeus caracterizou-se pela
preocupação constante em mantê-los ligados à terra. Tal preocupação foi fa-
cilmente identificada nos contratos que a Jewish fez com os colonos, “obrigan-
do-os a trabalhar nela pelo maior prazo possível” (AHJB-SP).
Assim é que a ICA estabeleceu prazos longos para que os colonos saldas-
sem suas dívidas, além de não aceitar o pagamento antecipado das anuidades
correspondentes à dívida contraída pela compra do terreno.
Se, por um lado, a Associação de Colonização Judaica preocupou-se em
manter o imigrante judeu ligado a terra através dos longos prazos concedidos
para o pagamento de suas dívidas e do auxílio financeiro, através dos subsí-
dios, a mesma preocupação não foi constatada em relação às condições con-
cretas oferecidas ao desempenho da atividade agrícola.
Em se tratando de uma colonização agrícola levada a efeito por uma com-
panhia que possuía um famoso staff de especialistas, acredita-se que a ativi-
dade agrícola deveria ser priorizada através de um projeto de exploração racio-
nal e remunerada. Porém, o que se verifica é uma sucessão de experimentos
improdutivos.
Ao já problemático início da atividade de colonização de Quatro Irmãos,
junta-se o descuido da ICA na orientação técnica que deveria ser dada aos co-
lonos, uma vez que as condições de trabalho agrícola no Brasil diferiam daque-
las conhecidas na Europa. A falta de orientação técnica aos colonos israelitas
e o conseqüente e constante insucesso agrícola devem ser atribuídos à pouca
atenção que a ICA dispensava ao trabalho agrícola. Assim é que, durante os
dez primeiros anos de sua atividade colonizadora em Quatro Irmãos, não con-
tava a colônia com elementos conhecedores da atividade agrícola em seus qua-
dros administrativos.
A produção agrícola não apresenta resultados satisfatórios, e a ICA
procurou justificativas, ora dizendo que a falta de dedicação aos trabalhos agrí-
História Geral do
Rio Grande do Sul
colas deu-se, essencialmente, aos subsídios distribuídos aos colonos, ora à espe-
culação por eles feita sobre o gado. Porém, o que se constata é o desamparo
cada vez maior dos colonos, apesar de estarem sob a proteção de uma com-
panhia filantrópica.
Isabel Rosa Gritti
Vários autores têm atribuído à Revolução de 1923 a causa primeira do
êxodo israelita da Fazenda Quatro Irmãos. Pela discussão por nós até aqui
454 realizada, e sem deixar de considerar os aspectos negativos produzidos pelo
movimento revolucionário na colônia agrícola de Quatro Irmãos, entendemos
que a referida revolução foi o golpe final na colonização judaica da Fazenda,
uma vez que em 1922, encontrava-se um número reduzido de colonos
israelitas, 55 no total, que ainda permaneciam em Quatro Irmãos.
Pela localização estratégica às margens da ferrovia São Paulo-Rio Gran-
de, a Fazenda Quatro Irmãos esteve diretamente envolvida nesse movimen-
to revolucionário, pois constituindo “passagem obrigatória do Norte para ou-
tras regiões do Estado, acamparam e transitaram tropas, quer legalistas, quer
revolucionárias, ferindo-se mesmo no território, ora ocupado pelo município
(Getúlio Vargas), o mais cruento combate desta região” (STUMP; RANZOLIN,
1952, p. 23).
Quando da Revolução de 23, a colônia judaica de Quatro Irmãos encon-
trava-se em crise. No ano anterior, os colonos haviam pedido à ICA que lhes
fosse permitido explorar livremente a madeira existente em seus lotes e que
a anuidade correspondente ao ano de 1922 fosse perdoada, uma vez que a difí-
cil situação dos mesmos fora agravada pelas colheitas ínfimas. Dessa manei-
ra, as requisições e os saques de alimentos e animais, feitos pelas tropas esta-
duais e pelos revolucionários, durante o período de conflito, agravaram a já
insuficiente colheita agrícola de 1922.
Embora a Revolução de 23 tenha contribuído ao movimento emigrató-
rio dos colonos israelitas, já que, em novembro de 24, encontrava-se um nú-
mero de 45 famílias judaicas em Quatro Irmãos, contra 55 do ano anterior, o
referido movimento não foi o desencadeador do êxodo vivenciado pela colô-
nia, uma vez que o mesmo era caracterizado desde o início da colonização pela
constância.
Muitos dos colonos israelitas que abandonaram a colônia durante os anos
de 1923/24 não mais retornaram. Foram estabelecer-se nas cidades vizinhas,
para onde tinham ido, em busca de proteção. Alguns dentre eles encaminha-
ram-se a regiões mais distantes, inclusive ao exterior, como foi o caso dos
israelitas de Quatro Irmãos instalados na colônia uruguaia 19 de Abril.
Para dar novo impulso ao povoamento da Fazenda Quatro Irmãos, a Volume 3
Jewish Colonization Association criou novos núcleos populacionais dentro do República Velha
Tomo I
referido domínio. Para a nova tentativa de colonização feita nos dois novos gru-
pos, o de barão Hirsh e o de baronesa Clara, a escolha do imigrante foi crite-
riosa. E foi um colono que se ocupou especialmente da indústria da madeira, XV.
Gregório Joschp, “homem ativo e inteligente”, que a ICA mandou à Europa a Os judeus
fim de atrair novos imigrantes. A escolha de Joschp como representante da
companhia foi assim justificada: “as vantagens da propaganda direta de um
455
dos colonos convencidos do trabalho e do resultado que se pode obter de Qua-
tro Irmãos, é indiscutível” (AHJB-SP).
A Companhia acreditava que, com a fundação desses dois novos núcleos
populacionais, concretizaria seu principal objetivo, isto é, o de instalar e tor-
nar o imigrante israelita agricultor. Para isso, contava com a experiência que
adquirira ao longo de sua atividade de colonização.
Colhendo resultados pouco animadores com a colonização israelita, leva-
da a efeito no início do processo de ocupação e povoamento de Quatro Irmãos,
a companhia esforçava-se para não repetir os erros cometidos nas instalações
anteriores. Cuidadosamente, ocupou-se de todos os detalhes concernentes ao
adequado estabelecimento dos novos imigrantes.
Convencida de que a principal causa das dificuldades vivenciadas na co-
lonização de elementos israelitas deveu-se à pouca ou nenhuma aptidão dos
mesmos para o trabalho agrícola, a ICA preocupou-se em realizar uma sele-
ção mais rigorosa do imigrante a ser instalado. E para concretizar esse pro-
pósito, a Jewish mandou à Europa Gregório Joschp, imigrante israelita que
prosperou na colônia de Quatro Irmãos dedicando-se à indústria madeireira.
A formação do núcleo colonial barão Hirsch foi descrita por Leon Back
(1958, p. 345) que dizia ser o núcleo atravessado, em sua sede, por uma rua de
2 km de extensão. As casas dos colonos estavam de ambos os lados dessa rua,
que era toda arborizada.” Nela também se encontravam o hospital, uma es-
cola, uma biblioteca, a sede da administração da colônia e um edifício para
reuniões dos colonos e diversões. Cada grupo de duas casas tem um poço de
água potável”.
De 1912, ano em que a ICA deu início ao processo de ocupação da colô-
nia de Quatro Irmãos, até 1925, ano em que a companhia decidiu repovoar a
colônia com imigrantes israelitas, a atividade de colonização estava apresen-
tando-se deficitária. Daí a preocupação com os novos núcleos populacionais
criados em 1926-27.
Os imigrantes poloneses e lituanos selecionados pela ICA, com o auxílio
de Joschp e que se destinavam a povoar Barão Hirsch chegaram a Quatro Ir-
História Geral do
Rio Grande do Sul mãos em dois grupos. O primeiro chegou em junho de 1926 e o segundo,
menor, com apenas sete famílias, num total de 53 pessoas, chegou em setem-
bro do mesmo ano. O número total de famílias vindas da Polônia e da
Lituânia, naquele ano, assentadas em Barão Hirsch, foi de trinta e três.
Isabel Rosa Gritti
As trinta e cinco famílias européias, escolhidas como o grupo anterior, na
Polônia e na Lituânia, com o auxílio de Gregório Joschp, formaram em 1927,
456 o grupo Baronesa Clara, em homenagem à esposa do barão Maurício de
ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE ERECHIM.
Hospital de Quatro Irmãos.

Hirsch. Esse grupo localizou-se próximo ao ramal férreo Quatro Irmãos-Ere-


bango. Antes da instalação dos imigrantes poloneses e lituanos, o local era co-
nhecido como “Chalet”. A proximidade do ramal férreo permitiu que os co-
lonos desse grupo vendessem à Viação Férrea do Rio Grande do Sul madei-
ra para servir de combustível às locomotivas. Essa venda proporcionou aos
mesmos uma renda suplementar àquela do trabalho agrícola, a qual foi impor-
tante à estabilização inicial do grupo. O processo inverso deu-se com os
israelitas de Barão Hirsch que não dispunham de nenhuma renda, senão aque-
la decorrente do cultivo da terra. Decepcionados, logo abandonam a colônia.
Além de se localizarem distantes do ramal férreo, os lotes dos colonos de Ba- Volume 3
rão Hirsch eram fragmentados, uma vez que as casas foram construídas so- República Velha
Tomo I
bre áreas de cinco hectares, conhecidas como “quintas”, distantes dois a três
quilômetros do restante do seu lote. O mesmo acontecia com o campo, com o
mais próximo encontrando-se a uma distância de cinco quilômetros.
XV.
Para cada um desses novos grupos, à semelhança de Quatro Irmãos, a Os judeus
companhia organizou uma cooperativa que se ocuparia basicamente da ven-
da de produtos alimentícios, isso porque os colonos receberam, ou melhor,
457
compraram diretamente da ICA todos os instrumentos agrícolas necessários
à exploração de suas terras.
Nesse processo de vivificação da colônia, a fábrica de azeite de Quatro Ir-
mãos, fechada por falta de matéria-prima (amendoim), foi reativada com a aqui-
sição do produto nas colônias vizinhas. Entretanto, em 1929, após algumas
experiências feitas, a fábrica foi definitivamente desativada, pois para obten-
ção de um produto de qualidade, era indispensável “o emprego de aparelhos
de um preço muito custoso e fora de proporção com a importância do
empreendimento projetado” (AHJB-SP).
Quando da instalação dos dois novos grupos populacionais em seu domí-
nio de Quatro Irmãos, a Jewish estava ciente de que, dedicando-se apenas ao
trabalho agrícola, os colonos israelitas muito dificilmente prosperariam. Daí
as tentativas, embora tímidas, de reorganizar a cooperativa Mutua, como uma
forma de amenizar a discrepância entre os agricultores (enquanto elementos
dedicados ao cultivo da terra) e os poucos imigrantes israelitas que se dedica-
vam a uma atividade industrial, como a da madeira, ou outras menos lucrati-
vas, como a industrialização da mandioca, a fabricação de móveis. Contudo,
as cooperativas de Barão Hirsch e Baronesa Clara tiveram o mesmo destino
que a de Quatro Irmãos. Dois anos após a sua criação, foram fechadas.
Enfaticamente, a companhia afirmava que o desempenho dos grupos Ba-
rão Hirsch e Baronesa Clara seria elemento fundamental à definição do rumo
a ser dado a sua obra de colonização. Entretanto, essa importância não foi além
da intenção, pois a concretização do discurso revelou-se extremamente defi-
citária.
A estabilização dos grupos tem-se apresentado problemática desde o
início, quando não inexistente, como foi o caso de Barão Hirsch. Esse grupo
logo começou a sofrer um processo de deserção. Um ano após sua instalação,
os israelitas de Barão Hirsch começaram a abandonar o grupo. Os israelitas
assentados no grupo Baronesa Clara também foram vítimas de uma propa-
ganda enganosa. Aqui se depararam com uma realidade oposta àquela apre-
goada pelos agentes da ICA na Europa. Em 1931, a direção central da ICA ava-
História Geral do
Rio Grande do Sul liou que, das trinta e cinco famílias instaladas em Baronesa Clara, ocorreu ape-
nas uma deserção, enquanto que em Barão Hirsch, o grupo instalado em 1926,
com 33 colonos, sofreu uma deserção de 60%, contando hoje com treze famí-
lias (AHJB-SP). Todas essas famílias haviam sido recrutadas e selecionadas na
Isabel Rosa Gritti mesma região da Europa Oriental.
Em Baronesa Clara, o fato de os colonos estarem próximos à via férrea
permitiu aos mesmos escoarem como madeira de aquecimento os arbustos
458
cortados nas áreas destinadas ao cultivo. Apesar da condição mais favorável,
o colono de Baronesa Clara, tinha como o de Barão Hirsch, rendimentos insu-
ficientes para saldar seus compromissos com a ICA. Porém, quando, em 1932,
a Viação Férrea do Rio Grande do Sul suspendeu a compra da madeira para
combustível, e os israelitas de Baronesa Clara perderam essa fonte de renda,
os mesmos se encontravam em situação semelhante à enfrentada inicialmente
por seus correligionários de Barão Hirsch. Além disso, a qualidade da terra
nesse grupo era muito inferior àquela de Barão Hirsch.
A insatisfação dos colonos israelitas das duas colônias, diante da indefi-
nição da sua situação frente à Jewish Colonization Association, por desconhe-
cerem seus contratos, foi evidenciada por Adão Voloch em seu livro O colono
judeu-açu. Escreveu: Todos os colonos imigrantes devem à ICA. “Existe um
contrato que quase ninguém conhece, e os diretores pouco falam disso. A Di-
retoria e a fiscalização são para resolver problemas imediatos, locais, como
relacionamento com as instituições governamentais” (VOLOCH, p. 43).
Em 1931, a ICA decidiu suspender a colonização de imigrantes israelitas.
Isso, porém, não interferiu na corrente imigratória dirigida ao Brasil, uma vez
que, desde 1921, a companhia decidiu que sua atividade prioritária seria a de
auxiliar a entrada de judeus no país e não mais a de colonizar.
Embora, a partir da Revolução de 1930, a entrada de imigrantes judeus
no Brasil sofresse limitações com a adoção por parte do governo federal de
uma política imigratória restritiva, a resolução da ICA em não mais dedicar-
se à atividade de colonização de imigrantes israelitas não foi em decorrência
deste movimento revolucionário, mas deveu-se, tão-somente, ao fato de a ati-
vidade de colonização com elementos israelitas ter-se apresentado até o mo-
mento deficitária.
Além disso, os dados da tabela a seguir demonstram ser extremamente
reduzido o número de imigrantes instalados no Brasil de 1904 (ano em que se
instalam os primeiros israelitas em Filipson) até 1930, por uma companhia que
tinha como objetivo primeiro de sua existência livrar os judeus das persegui-
ções de que eram vítimas, primeiramente na Rússia e mais tarde em várias
Volume 3
nações européias, procurando localizá-los em países onde pudessem viver li- República Velha
vremente. Tomo I

XV.
Os judeus

459
Quadro 2. Colonos Israelitas instalados no Brasil pela Jewisch Colonization
Associaton – 1904-30.

Quatro Irmãos Filipson


Anos Colonos Instalados Anos Colonos Instalados
1912 73 1904 38
1913 120 1907 01
1914 101 1908 02
1915 03 1909 12
1916 09 1910 04
1917 10 1911 07
1918 03 1912 20
1919 04 1913 07
1920 02 1914 06
1920 02 1925 07
1921 -
1922 -
1923 -
1924 -
1925 02
1926 45
1927 63
1928 12
1929 06
1930 01
TOTAL 453 104
Fonte: AHJB-SP.

É necessário lembrar que o número de israelitas que residiam em Qua-


tro Irmãos nos anos recém-indicados não corresponde ao número de instala-
dos no respectivo período, pois o abandono da referida colônia foi um proces-
so contínuo e constante.
À última etapa de atuação da Jewish Colonization Association, na Fazen-
da Quatro Irmãos, caracterizou-se pela estabilidade na produção e na admi-
História Geral do
Rio Grande do Sul
nistração. À administração foi assegurada pela presença do engenheiro agrô-
nomo Isidoro Eisenberg, que respondera pela Direção da Companhia no Brasil
durante um longo período, de 1934 a 62, ano em que a ICA encerrou suas ati-
vidades em Quatro Irmãos e transferiu seu escritório para Erechim, a fim de
Isabel Rosa Gritti ultimar pequenos detalhes relacionados às frações de terra ainda existentes
naquela área. Mesmo ausente de Quatro Irmãos de 1937 a 40, quando a sede
administrativa da empresa foi transferida à nova colônia agrícola de Rezen-
460
de, no Rio de Janeiro, criada em 1936, com o objetivo de instalar judeus ale-
mães, Eisenberg não descuidou da administração de Quatro Irmãos. Essa es-
tabilidade administrativa, porém, não se fez sentir sobre os israelitas instala-
dos pela Jewish, durante os seus 53 anos de atividades na sua principal colô-
nia agrícola do Rio Grande do Sul.
A atividade de instalação de imigrantes israelitas por parte da compa-
nhia cessou em 1926/27 com a formação dos grupos Barão Hirsch e Baronesa
Clara e com o assentamento de alguns imigrantes nos grupos Rio Padre e Rio
Pampa, também estes localizados dentro dos limites da fazenda. A partir de
1934, a ICA limitou sua atividade de colonização a alguns poucos filhos de co-
lonos israelitas que permaneceram na colônia. Nem a existência dos servi-
ços essenciais à comunidade foi suficiente para que os israelitas se fixassem
em Quatro Irmãos. Na razão inversa ao êxodo israelita, dava-se o afluxo de
não-israelitas à colônia, que, através da compra de terrenos, instalavam-se
na fazenda, contribuindo, dessa forma, para o crescimento populacional da
mesma.
Apesar da contribuição da companhia para manutenção dos serviços co-
munitários essenciais, como ensino escolar e serviço sanitário, os mesmos não
eram eficientes. A construção, em 1933, de um hospital mais moderno e mais
bem aparelhado que o anterior, na vila de Quatro Irmãos, não foi capaz de im-
pedir a constante alternância dos profissionais da saúde, contratados para aten-
derem à população. Ao contrário, houve períodos em que o hospital esteve
completamente paralisado. Em fevereiro de 1933, o Jornal Boavistense de
Erechim noticiava a inauguração festiva do “hospital visitado por todos os pre-
sentes, sendo das melhores a impressão causada em todos pela sua excelen-
te instalação, que obedece a todos os requisitos de edifícios destinados a fim
tão humanitário”.
Nem mesmo a promessa da companhia de não se descuidar do ensino e
de subsidiar o funcionamento das escolas obteve resultados compensadores.
Essa situação foi agravada a partir de 1938, quando, por força da Legislação
Federal, a ICA suspendeu a subvenção às escolas existentes na colônia. A par- Volume 3
tir de 1940, o município passou a responsabilizar-se inteiramente pelo funcio- República Velha
Tomo I
namento das escolas.
Apesar da multiplicidade de tarefas, a principal atividade a ser adminis-
trada pela direção local da ICA, a partir de 1935, foi a exploração florestal, que XV.
se processou intensamente na fazenda. Em decorrência da acentuada explo- Os judeus
ração florestal, os serviços ligados ao ramal férreo também exigiram cuidado
especial por parte da administração local, uma vez que toda madeira extraí-
461
da na fazenda seria, necessariamente, transportada pelo ramal férreo da com-
panhia.
Assim, o objetivo principal da ICA de favorecer a imigração de judeus a
outras partes, onde as condições de vida lhes fossem melhores, tendo a inten-
ção decidida de instalar os imigrantes como colonos, ou seja, como agriculto-
res, limitou-se ao estabelecimento de alguns poucos imigrantes até 1941 e a
instalação de 36 filhos de colonos israelitas que permaneceram na colônia. Em
junho de 60, a situação dos trinta e seis filhos de colonos instalados era a se-
guinte: 10 moravam na colônia; 20 arrendaram as suas terras e moravam na
cidade; 6 abandonaram e venderam suas terras. Desses, em dezembro de
1963, somente dois não tinham escriturado suas terras e estavam em débito
com a companhia.
A instalação de colonos israelitas em zonas suburbanas concretizou-se
com a compra, em 1936, de uma área de 1936 hectares, em Rezende, Rio de
Janeiro, atravessada pela estrada de ferro que a ligava ao Rio de Janeiro. Nes-
sa nova colônia, à qual a ICA transferiu a direção geral das suas colônias no
Brasil, de 1936 a 1940, pretendia instalar imigrantes alemães com conheci-
mento do trabalho agrícola. Porém, os imigrantes que deveriam povoá-la não
puderam entrar no país, em razão das restrições impostas pelo governo federal
à imigração. Assim, quando, em junho de 1938, o presidente Getúlio Vargas
visitou essa colônia, a mesma encontra-se despovoada.
Não obtendo permissão para introduzir no Brasil os imigrantes alemães,
a ICA resolveu instalar 15 famílias de imigrantes já existentes no país. Dada
a reduzida atividade da colônia, em decorrência do abandono de muitas famí-
lias e da não substituição das mesmas, a companhia decidiu, em 1948, fechar
seu escritório ali existente. E, em outubro de 55, a colônia de Rezende foi de-
sapropriada pelo governo federal.
A população judia de Quatro Irmãos diminuiu constantemente. O inverso
deu-se com a população não-judia, isto é, seu número aumentou. Em 1959, a po-
pulação israelita da fazenda era de 134 pessoas, distribuídas nos diversos grupos.
História Geral do
Rio Grande do Sul De 1934 a 62, a companhia foi administrada por Isidoro Eisenberg, e a sua
principal atividade no Rio Grande do Sul e no Brasil, neste período, foi a ex-
ploração florestal e a venda dos terrenos da Fazenda Quatro Irmãos. Toda
infra-estrutura construída, incluindo o ramal férreo que ligava a sede da fazen-
Isabel Rosa Gritti
da à linha da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, na estação Erebango, es-
tava voltada à exploração madeireira, desenvolvida intensamente, nas duas
462
últimas décadas de atuação da companhia em Quatro Irmãos.
Assim, percebe-se que a vinda dos imigrantes israelitas ao Brasil e ao Rio
Grande do Sul esteve diretamente ligada à atuação da Jewish Colonization
Association. Alguns, como já o demonstramos, foram instalados nos dois
núcleos coloniais criados pela companhia no Rio Grande do Sul, quais fossem,
Filipson e Quatro Irmãos, outros, instalam-se diretamente em várias áreas
urbanas brasileiras e gaúchas. Mesmo os que foram assentados pela compa-
nhia nas áreas agrícolas, cedo abandonam as mesmas e, foram aumentar nu-
mericamente a presença judaica nas cidades gaúchas e contribuir ao proces-
so de formação social deste estado.

Volume 3
República Velha
Tomo I

XV.
Os judeus

463
História Geral do
Rio Grande do Sul

Isabel Rosa Gritti

464
Capítulo XVI

A QUESTÃO DA TERRA NA OCUPAÇÃO


DO NORTE: CABOCLOS, ERVATEIROS
E CORONÉIS

Lurdes Grolli Ardenghi

O processo de apropriação da terra, expresso pela luta e resistência de


caboclos e ervateiros que ocupavam áreas florestais e os confrontos político-
militares do período da República Velha marcaram a região norte do Rio Gran-
de do Sul de forma peculiar, pois essas lutas colocaram em confronto coronéis
republicanos, que controlavam o poder local, e federalistas, em cujo grupo pre-
dominavam os moradores da zona florestal, o que se expressa no antagonis-
mo entre o poder do campo e o poder do mato.
Essa região é percebida como parte de um sistema global, do qual foi re-
cortada, possuidora de múltiplos fatores interferentes, caso sejam considera-
dos, além dos aspectos físicos, os elementos de ordem cultural, política,
econômica e ideológica presentes num determinado espaço, construindo-se Volume 3
com identidade própria, porém articulada a um sistema maior. Em suma, a República Velha
Tomo I
região é vista como um produto da ação humana, como um espaço vivido e com
uma carga de historicidade própria (RECKZIEGEL, 1999, p. 15-22); permite XVI.
A questão da terra
análise de manifestações do imaginário social, onde a área é percebida como na ocupação do
um espaço de violência, envolvendo a intrincada rede das relações de poder, Norte: caboclos,
ervateiros e
cujas marcas estão presentes (muito além do tempo dos confrontos reais), em coronéis
manifestações da memória coletiva; abrange parte da região norte do estado, 465
tendo como referência a área primitiva do município de Palmeira das Mis-
sões1, estendendo-se para os municípios que, no período, se constituíam em
limites (Passo Fundo, Cruz Alta e Santo Ângelo).
A alternância de vegetação nativa de campos e matas contribuiu para a
formação de aspectos socioculturais diferenciados, responsáveis, em grande
parte, pelos rumos que caracterizaram o processo de apropriação da terra. As
áreas de campo, ocupadas pela pecuária extensiva, constituíram o espaço
privilegiado dos coronéis-latifundiários que controlavam o poder local, como
representantes do castilhismo/borgismo. As áreas de mata, na fase inicial,
constituíram-se em fator de atração para exploração da erva-mate, onde se
instalou uma população cabocla, muitas vezes nômade, que se transferia para
os locais onde predominavam os ervais nativos. Mais tarde, esse espaço foi
ocupado por colonos de origem européia estimulados pelos processos de co-
lonização que, em grande parte, ignoraram a presença da população cabocla.
A ocupação primitiva levou à formação de uma sociedade dicotômica, que,
de acordo com Mozart P. Soares (1974, p. 250), apresentava uma “nítida pola-
rização de forças entre os homens do campo – fazendeiros, criadores e tropei-
ros – e os da mata – ervateiros, lavoureiros e madeireiros”. Formaram-se, as-
sim, grupos de poder cujas relações se apresentavam freqüentemente confli-
tantes e que serão designados, neste estudo, como “poder do campo”, identi-
ficados com as forças do situacionismo, e como “poder do mato”, identificados
com as forças de oposição política, conforme designação atribuída por Loiva
Otero Félix (1996, p. 95), quando estabelece relações entre espaço e poder lo-
cal, no Planalto Médio .
A polarização de forças marcou o espaço regional, mantendo os dois gru-
pos em constante enfrentamento, em embates que envolviam disputas de po-
der político ou confrontos armados, durante todo o período da República Ve-
lha, onde o poder do mato sustenta uma luta em condições adversas, sob a li-
derança do caudilho-a-pé Leonel Rocha, mobilizando a população cabocla das
áreas florestais e conseguindo manter em constante tensão o poder consti-
História Geral do
tuído, representado pelos coronéis-latifundiários, cooptados ao governo casti-
Rio Grande do Sul lhista/borgista. As forças políticas do campo concentravam-se em Vazulmiro
Dutra, que liderava a política em Palmeira das Missões, nas primeiras déca-
das do século XX, dividindo o poder regional com Vitor Dumoncel, em Santa
Lurdes Grolli
Ardenghi
1 O município de Palmeira das Missões abrangia uma área de 15.600 km², estendendo-se até
as margens do rio Uruguai, no limite de Santa Catarina e Argentina. Atualmente, esse espaço
constitui a área de mais de 50 municípios que se desmembraram da área denominada
“Grande Palmeira”.
466
Bárbara do Sul, numa rede de relações de poder piramidal com Firmino
Paula, que comandava a política regional desde a Revolução Federalista.
O presente estudo tem a preocupação de incorporar os sujeitos históri-
cos marginalizados no processo de ocupação e esquecidos na maior parte da
historiografia regional. Trata-se de uma população de caboclos, expropriados
de suas terras quando houve a privatização dos ervais nativos, que passou a
ocupar os fundos de campo como posseiros, meeiros ou como peões das estân-
cias, ou até mesmo como mão-de-obra temporária dos proprietários-imigran-
tes e ervateiros.
A presença desses agentes históricos exige uma melhor conceituação,
considerando as representações que se fazem desses sujeitos nas diversas re-
giões e de acordo com as concepções de quem os denomina. Nos dicionários
de língua portuguesa, são indicados como mestiços de branco com índio, ten-
do como sinônimos mameluco, sertanejo, caipira. Nos documentos que tra-
tam da questão da terra, são freqüentemente designados como nacionais, dis-
tinguindo-os dos migrantes descendentes de europeus. Zarth (1998, p. 48)
aponta uma distinção, no Sul do Brasil, entre os dois tipos de camponeses que
constituem os lavradores nacionais, destacando que “colono é o camponês
imigrante ou filho de imigrantes europeus, enquanto caboclo se refere ao la-
vrador nacional e ao modo de vida diferenciado, mais próximo do nível de vida
original do indígena”.
Essa distinção, fruto das representações construídas pelos colonos sobre
os caboclos, não corresponde à visão que o caboclo tem sobre si mesmo. Para
Zarth (Ibidem), a expressão caboclo designa o lavrador nacional pobre, es-
tando “fortemente marcada pelo aspecto cultural, tanto que foi utilizada para
designar imigrantes alemães que caíram a um nível de vida semelhante ao do
lavrador nacional”. Contudo, admite que, embora o conceito não sendo pura-
mente étnico, em cuja grande maioria os caboclos são descendentes de índios,
portugueses e africanos.
A literatura, em geral, considera os caboclos os autênticos brasileiros, re-
sultado da miscigenação do índio com o branco, apresentando muitas vezes
um caráter de estigma. Marcon (1998, p. 65) destaca que sua preocupação é Volume 3
República Velha
pensar o caboclo “para além dos critérios étnicos [...] e incorporar os costumes, Tomo I
valores crenças e modos de vida”. Comumente, aparece a ascendência indí-
gena como um componente definidor, além da “idéia de que a denominação XVI.
A questão da terra
caboclo é depreciativa, pois, na medida em que os sujeitos ascendiam econô- na ocupação do
mica, política e socialmente, deixavam de ser assim denominados”. Sem des- Norte: caboclos,
ervateiros e
conhecer a existência de representações que qualificam o caboclo de pregui- coronéis
çoso, desleixado, pouco afeito ao trabalho, aponta a necessidade de avaliar
467
mais profundamente o significado depreciativo do termo, visto que é utiliza-
do para caracterizar grupos sociais que decaíram socioeconomicamente. A
partir das constatações feitas, propõe “pensar o caboclo a partir dos modos de
ser e de viver, tendo consciência de que não estão desvinculados de traços étni-
cos” (MARCON, 2000, p. 74).
Apoiada na conceituação de vários autores, Bloemer (2000, p. 23, 180)
salienta que a despeito de seus vários significados regionais, a designação de
caboclo “parece remeter a um determinado modo de vida ou a uma cultura
específica, denominada de cultura cabocla”, definindo-a, assim, como uma
categoria sociológica que leva à designação de uma condição social. Prefere
utilizar a expressão brasileiros, porque “o termo caboclo, pelo qual são reco-
nhecidos na região, tem significativa carga pejorativa”. Destaca que é invaria-
velmente entre os brasileiros categorizados como produtores fracos, que se
encontram os que possuem menos terras, ou vivem na condição de agregados,
arrendatários ou são proprietários das piores terras.
O estudo de Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997, p. 14), um dos mais
importantes sobre o assunto, ao analisar o universo dos homens livres e po-
bres, destaca que a constituição desse tipo humano deve-se à forma como se
organizou a ocupação do solo, concedido em grandes extensões e visando a cul-
turas onerosas, na área cafeicultora, seu foco de estudo. A grande propriedade
não favoreceu a inserção das comunidades caipiras ao sistema produtivo ca-
pitalista. Desenvolveram em seu isolamento um estilo de vida específico e uma
organização social que os relegou “a uma intransponível marginalidade, deter-
minando que esses grupos ficassem excluídos da participação na sociedade
mais ampla”. A marginalização a que foram submetidos conservou-os como
andarilhos. “Sem vínculos, despojados, a nenhum lugar pertenceram e a toda
parte se acomodaram” (Ibidem, p. 34).
Sua análise pode ser aplicada à região deste estudo, pois devido à ampli-
tude das áreas apropriadas, decorreu uma grande ociosidade das terras incor-
poradas ao patrimônio privado, podendo ser cedidas, sem prejuízo econômi-
co, para uso de outro. Possibilitou, dessa forma, a existência de um grupo
História Geral do
Rio Grande do Sul social destituído da propriedade da terra, mas não do seu uso. A formação do
latifúndio pastoril, que exigia pouca mão-de-obra, permitiu a constituição de
um grupo social de homens livres e pobres que não foram integrados ao sis-
Lurdes Grolli
tema produtivo que era econômico e socialmente valorizado. No entanto, a
Ardenghi autora destaca as relações de dependência que se estabeleceram com os do-
nos dos latifúndios, havendo o aproveitamento do trabalho de brancos livres
e sem posses nas fazendas para execução das tarefas mais arriscadas ou usu-
468
almente não confiadas aos escravos. Esses grupos viviam, assim, sob a influên-
cia das grandes propriedades: “parte achava-se diretamente a elas ligada; a
outra, maior, vivia num mundo que lhes era paralelo, mas não de todo estra-
nho” (Ibidem, p. 35).
O que se observa nos textos consultados é que a categoria caboclos não é
nada clara, pois o termo adquire conotações e significados diversos conforme
a região. Para fins deste estudo, temos presente na designação de caboclo não
só o componente étnico, mas também os aspectos socioeconômicos e culturais.
Referimo-nos aos moradores das áreas rurais, que se dedicavam às ativida-
des extrativistas – especialmente a erva-mate – ou relacionadas a culturas de
subsistência, em roçados de pequeno porte. Trata-se de pequenos proprie-
tários, posseiros, agregados ou arrendatários, com significativa carga étnica,
fruto da mestiçagem do índio, branco e mesmo do negro, apresentando um
modo de vida típico do meio rural. Enfim, considera-se caboclo o homem da
terra com uma cultura própria, vinculada a práticas coletivas e atividades eco-
nômicas relacionadas ao setor primário.
Destaca-se na região a figura do ervateiro, devido à importância que a
erva-mate adquiria por movimentar capitais, tanto no mercado interno como
na exportação para a região platina, constituindo-se, assim, em importante
fonte de renda. Zarth (1998, p. 61) destaca diferenças entre os grupos de er-
vateiros:

alguns trabalhavam em parceria e repartiam o produto do trabalho; outros tra-


balhavam como peões assalariados para algum dono de engenho de moer erva-
mate, ou para alguma espécie de empreiteiro, que pagava uma licença junto à
administração municipal ou comprava a erva nos estabelecimentos privados.

A designação ervateiros será utilizada para o grupo que detém algum con-
trole sobre a extração, comércio e transformação do produto, constituindo-se
num grupo intermediário entre o campo e a mata, gozando de uma posição
socioeconômica que lhes possibilitou, em parte, o controle do poder em áreas Volume 3
e momentos determinados. Distinguiam-se dos coletores ou tarefeiros que República Velha
Tomo I
executavam as atividades de corte, coleta e sapeco da erva, destinada poste-
riormente à fase de transformação e comercialização. XVI.
A questão da terra
O estudo desses grupos apresenta dificuldades, pois não deixaram na ocupação do
documentos escritos e a distância temporal dos fatos não favorece a utilização Norte: caboclos,
ervateiros e
de fontes orais. Alguns processos judiciais têm permitido dar voz a esses ato- coronéis
res sociais e, através dos documentos dos que detinham o poder, pode-se fa-
469
zer inferências dos conflitos existentes. As transformações que se processaram
no espaço regional geraram conflitos e tensões devido à expropriação dos ca-
boclos e a presença de novos sujeitos, especialmente os colonos imigrantes.
Inovações nas formas de produzir e explorar a terra deram origem a dispu-
tas em que se manifesta claramente a questão agrária ou está presente nas
lutas armadas que conflagraram o Rio Grande do Sul no período em estudo.

A emergência dos conflitos


O domínio dos coronéis era incontestável. Seus poderes não se manifes-
tavam só na atuação política, mas também incluíam a dominação pelo temor
que causavam, devido à capacidade de mobilização de forças, tanto a força ofi-
cial que controlavam, como a utilização de capangas e asseclas para fazer va-
ler sua vontade. Contudo, constatam-se formas de resistência que se davam
não só pela luta armada, nas quais se envolviam grupos específicos e claramen-
te definidos como adversários, mas formas veladas de oposição aos coronéis,
representada por setores urbanos, dentre eles os comerciantes e profissionais
liberais, que procuravam, de alguma forma, resistir às imposições do grupo
dominante.
A forma como foram legalizadas as terras deu margem ao surgimento de
conflitos, que se agravaram na proporção inversa à disponibilidade de terras
devolutas. Algumas questões são constatadas em documentos, outras emer-
gem de relatos presentes no imaginário e na memória coletiva.
Um dos fatos que se destaca é a reação dos caboclos dos ervais de Cam-
po Novo quando as áreas começaram a ser medidas com vistas à privatização.
As terras de Campo Novo se constituíam em áreas comunais de exploração
de erva-mate, cuja situação tinha sido regulamentada desde 1861, por deter-
minação do governo federal. A sentença que transformou as terras devolutas
em propriedade municipal permitiu condições de sobrevivência aos seus mo-
radores por meio da exploração dos ervais comunais, constituindo-se em im-
portante fonte de renda aos cofres municipais graças à exportação.
História Geral do
Rio Grande do Sul Os moradores de Campo Novo foram à Câmara de Palmeira, denun-
ciando a demarcação de terras consideradas de servidão pública, aludindo à
concessão feita em 1861, “depois de um grande processo pelos direitos de
propriedade de todo Campo Novo, entre o descobridor, os invasores tardios
Lurdes Grolli
Ardenghi e a Câmara Municipal de Cruz Alta” (BESCHOREN, 1989, p. 136). Com a
emancipação de Palmeira, em 1874, o domínio dessas áreas deveria ter pas-
sado para a administração da Câmara deste município, visto que as referidas
470
terras constituíam parte de seu território. No entanto, a correspondência tro-
cada entre a Câmara Municipal de Palmeira e de Cruz Alta demonstra a fal-
ta de conhecimento das administrações quanto às reais condições de domínio
e exploração das áreas. Os moradores destacam que a privatização favorece-
ria apenas “meia dúzia de interessados, fazendo assim um prejuízo conside-
rável a Ilmª. Câmara”2.
As terras já tinham sido fruto de disputas anteriores e a Câmara não sou-
be como proceder, visto que a competência da regularização não lhe perten-
cia. Dirigiu-se, então, às autoridades estaduais, informando que “os habitan-
tes do Campo Novo não puderam, por sua pobreza, medir as terras que ocu-
pavam, tendo o mencionado distrito se despovoado, pois passaram a apossar
terrenos no estado vizinho em número talvez de duzentas almas”.3 A expul-
são dos posseiros acarretava o abandono das terras e o despovoamento e, em
conseqüência, a diminuição na exploração da erva-mate, que era a principal
fonte de renda.
O conflito permaneceu latente, pois no ano de 1879 encontram-se vários
registros que tratam ainda das posses das terras na região. Pode-se avaliar a
gravidade dos fatos diante de um abaixo-assinado dirigido ao imperador D.
Pedro II, onde os posseiros denunciam a medição das terras entre os rios Tur-
vo, Uruguai e Várzea, que lhes tinham sido concedidas para uso comum des-
de 1861, denunciando que o

Juiz Comissário que se acha investido do poder para medir e demarcar os ter-
renos de posse, nem respeito tem da lei de 1861, já medindo posses tão
criminosas, por seus princípios e contra a disposição da lei nº 601 de 18 de
setembro de 1850, art. 1º, que proibiu a aquisição de terras devolutas4.

Os signatários sentiam-se ameaçados de perder as terras devido às me-


dições que estão sendo realizadas. O documento revela inconformidade e fra-
queza, pois aqueles não tinham a quem recorrer dentre às autoridades pró-
ximas, tendo que se dirigir ao mandatário supremo da nação, denuncian- Volume 3
do medições realizadas de forma fraudulenta e expondo a condição de mi- República Velha
Tomo I
séria em que viviam, absolutamente dependentes da extração da erva-mate
XVI.
2 Doc. nº 20 a – de 26/03/1876. Abaixo-assinado dos moradores de Campo Novo à Câmara A questão da terra
Municipal de Palmeira. AHRS . na ocupação do
3 Documentação da Câmara Municipal de Palmeira. nº 33, de 26/07/1877, maço: 97, caixa Norte: caboclos,
43. AHRS. ervateiros e
4
coronéis
O documento possui 73 assinaturas, datado de 24 de maio de 1879. Documentação das
Câmaras Municipais. nº. 70 A, maço 97, caixa 43. AHRS .
471
ao afirmar que se as medições fossem mantidas “então se verá os pobres sú-
ditos na dura necessidade de mendigar o pão para suas famílias no país es-
tranho”. A emigração para a vizinha Argentina pareceu ser, pela proximi-
dade, a alternativa possível. Queixam-se, ainda que alguns estão sendo ex-
pulsos de seus domicílios, outros chamados aos tribunais e outros ameaça-
dos “de tudo sofrer”5. Os conflitos são gestados na ocupação das imensas
áreas e começam a manifestar as contradições, a partir da metade do século
XIX, com a aplicação da Lei de Terras. É, no entanto, na República Velha
que ocorre a explosão dos conflitos pela posse e uso da terra e onde o papel
do estado, como interventor e agenciador das políticas econômicas ditas
“modernizantes”, torna-se mais presente. Na medida em que a terra adqui-
ria maior valor com a expansão capitalista e a especulação fundiária, surgi-
ram os conflitos sociais decorrentes de posses mal resolvidas, em que o que
estava em jogo não era apenas o poder econômico, mas o poder político e o
prestígio social inerente à posse da terra. Controlar a terra significava contro-
lar as populações que dela dependiam.
A Lei de Terras, de 1850, regulamentada em 18546, pretendia resolver
os conflitos agrários existentes, substituindo a concessão pela venda e dispon-
do sobre a legitimação de posses. O art. 5º determinava:

Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primá-


ria, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com prin-
cípio de cultura, e morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem o
represente7.

A mesma lei determinava que os ocupantes de áreas que deixassem de


proceder à medição nos prazos marcados pelo governo perderiam o direito
sobre as mesmas.
A Lei de Terras não levava em conta as especificidades e interesses regio-
nais, conforme Luiza Kliemann (1986, p. 20); havia um “descompasso entre o
legal e o real”, dando margem ao surgimento de contradições.
História Geral do
Rio Grande do Sul

Teoricamente, a Lei de Terras de 1850 resolveria inúmeros problemas. [...]


Na prática, ela foi geradora de novos conflitos, pois a centralização forçada
Lurdes Grolli
Ardenghi 5 Idem.
6 Coleção das Leis do Império do Brasil. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. p. 307-313.
L0079. AHRS .
7 Idem, p. 307-313.
472
não conseguiu atenuar o descompasso entre o projeto do governo central e
dos governos provinciais, ou seja, entre a legislação e as realidades agrárias
regionais.

A regulamentação da lei estabelecia uma série de medidas para legitimar


as posses, que ia desde a medição à criação de cargos diversos para executar
e fiscalizar tais procedimentos, o que gerou uma complexa rede de relações
de poder, dificultando aos posseiros mais humildes a regularização das terras.
Muitos processos arrastariam-se por anos, ocasionando gastos, usurpações de
posse e toda série de abusos e corrupção por parte daqueles que tinham mais
condições econômicas, legitimando grandes áreas, em detrimento dos peque-
nos. A terra transformou-se em mercadoria que favorece a especulação e o lu-
cro. Extensas áreas foram controladas e comercializadas pelas companhias de
colonização nacionais e estrangeiras. Os pequenos proprietários e posseiros ti-
nham dificuldades de contestar as legitimações que eram feitas por grandes
proprietários, incluindo áreas que não lhe pertenciam.
A forma como o governo tratou a ocupação das áreas de mata leva a crer
que eram tidas como vazias demograficamente, sem considerar a presença
dos extrativistas de erva-mate e cultores de roças com produtos de subsistência
ou sobrevivendo dos recursos da natureza. A vinda de colonos transformou o
espaço regional, criando conflitos e marginalizando os caboclos. À medida em
que o governo adotou uma política efetiva de ocupação das áreas de mata no
norte do estado, os moradores desse espaço foram progressivamente sendo
empurrados para regiões mais inóspitas e, na proporção que essas áreas fo-
ram escasseando, os intrusos ou nacionais começaram a manifestar algumas
formas de resistência.
Logo após a implantação da república, a junta governativa do municí-
pio de Palmeira enviou ao governo do estado uma extensa correspondên-
cia referindo-se a conflitos e tensões na questão de terras, que se constituiu
num ponto muito sensível de atritos na região. Destacaram que o municí- Volume 3
pio possuía extensas áreas de terras nacionais e devolutas, que freqüente- República Velha
Tomo I
mente eram invadidas pela população. Derrubavam e queimavam as matas,
estragando até os ervais nacionais, que são uma fonte de receita para a po- XVI.
breza. Assim constituem o que eles chamam posse por um ou dois anos para A questão da terra
na ocupação do
depois venderem a outros, e irem adiante na serra fazer outra posse para o Norte: caboclos,
ervateiros e
mesmo fim. Denunciam que tais fatos têm ocorrido com mais freqüência nos coronéis
últimos dez anos
473
e atualmente não respeitam nem a propriedade particular, invadindo as posses
legitimadas, devastando os matos de diversos proprietários, que constantemente
reclamam providências. A Lei de Terras de 1850 e seu regulamento de 1854
nunca foi executada neste município8 (grifo nosso).

A política do governo positivista voltava-se principalmente à moralização


dos serviços administrativos, tendo preocupações com a revalidação dos títu-
los, medições e legitimação de terras, em vista da constatação de inúmeras
fraudes, o que levou o governo à criação de Comissões Verificadoras em, 1897.
O governo procurou reaver terras em regiões valorizadas para promover o
desenvolvimento do capital. Foram privilegiados os colonos que entraram no
estado espontaneamente, as companhias estrangeiras e aqueles particulares
que, com seus capitais, pudessem contribuir para o desenvolvimento do esta-
do. Muitas vezes, essas medidas prejudicaram os pequenos proprietários
nacionais e estrangeiros que, oriundos da colonização oficial, foram por ela
abandonados (KLIEMANN, 1996, p. 55-56).
No entanto, os problemas agrários continuavam a crescer e, no último ano
do governo Júlio de Castilhos, o estado republicano tentaria manter a “ordem
para o progresso” com o projeto de uma nova Lei de Terras, sob a justificava
de adequar as questões fundiárias à instalação do sistema federativo para que
o estado pudesse melhor proteger suas áreas florestais.

A Lei de Terras de 1899 e seus desdobramentos


As mudanças que se operam no setor econômico e social, colocadas den-
tro da proposta do PRR, não se alteram com a saída de Castilhos. Coube a
Borges de Medeiros a implementação da nova Lei de Terras de nº 28, de 05
de outubro de 1899, regulamentada pelo decreto 313 de 04 de julho de 1900.
O governo justifica a necessidade de uma nova lei devido aos abusos que se ve-
rificaram na aplicação da lei de 1850.
História Geral do
Rio Grande do Sul A lei de 1899 dispõe sobre o serviço das terras públicas, legitimação de
posses, medição, conservação e alienação das terras devolutas e provê acerca
do regimen colonial e florestal do estado. A lei dispunha que a legitimação
Lurdes Grolli das posses ocorreria nas áreas com cultura efetiva e morada habitual do pos-
Ardenghi seiro.

8 Documentos da Junta Municipal de Palmeira - 20/07/1890. M. 353, Cx. 190. A HRS.


474
Um dos artigos mais citados da lei diz respeito ao tamanho das posses le-
gitimadas. O artigo 6º estabelecia “a área de cada posse, sempre que possível,
não será inferior a vinte e cinco hectares nas terras de mata e a cinqüenta nas
de campo”. As posses estabelecidas posteriormente a 15 de novembro de 1889
não seriam legitimáveis, mas poderiam ser adquiridas, dispondo detalhada-
mente sobre todos os procedimentos necessários para o encaminhamento das
soluções.
Os processos dos Autos de Medição de posses da região da Grande Pal-
meira são em número bastante expressivo, aproximadamente 490, solicita-
dos, em grande maioria, no período de 1901 e 1902. Já as sentenças levaram
muitos anos para serem proferidas, algumas raras foram resolvidas ainda em
1902, outras, algumas décadas depois.
Os problemas herdados do período castilhista aumentaram e a nova Lei
de Terras não foi suficiente para resolver as questões que se arrastavam. Bor-
ges de Medeiros incluiu, a partir de 1903, a questão do imposto territorial. No
entanto, no âmbito social, as tensões avolumavam-se por conta dos problemas
agrários e a questão da imigração assume rumos que nem sempre estavam em
consonância com as pretensões governamentais.
A imigração destinava-se à ocupação das áreas de matas, visto que os
campos estavam em poder dos pecuaristas. Em relação ao espaço do latifún-
dio, a imigração não ameaçou os interesses da oligarquia regional, pois os
imigrantes ocuparam as áreas florestais e, portanto, não lhes fazia concorrên-
cia. As levas de migrantes que ocuparam a região são, sobretudo, descenden-
tes dos primitivos colonos europeus, que buscam, no planalto, a possibilidade
de aumento de suas terras, pois nas colônias de origem elas são insuficientes
para os descendentes da mesma família. A introdução da colonização estran-
geira no Rio Grande do Sul estabelecera as bases da pequena propriedade ru-
ral e, com ela, um novo sistema de aproveitamento do solo, que no final do
século XIX se estende para o norte do estado.
O governo buscou, através de extensa regulamentação, alternativas para
a questão fundiária, tendo em vista adequar os problemas relativos à posse e
à intrusão com as novas perspectivas de modernização da economia. A pre- Volume 3
República Velha
sença de caboclos nas áreas destinadas à imigração, os quais, em grande par- Tomo I
te, não possuíam a regulamentação de suas propriedades, constitui-se num
fator alimentador das tensões. O governo criou a Diretoria de Terras e Colo- XVI.
nização que, por intermédio das inspetorias, procedia a discriminação e a legi- A questão da terra
na ocupação do
timação das terras e coordenava a política de colonização. Norte: caboclos,
ervateiros e
Os rumos da política agrária no estado durante o governo perrepista de- coronéis
vem muito à orientação doutrinária de Carlos Torres Gonçalves, que dirigiu
475
a Diretoria de Terras e Colonização durante o período de 1909 a 1928, desem-
penhando “importante papel na história da colonização do Rio Grande do Sul.
Ele dirigia os trabalhos de organização das novas regiões, sobretudo do pon-
to de vista social” (NORA, 2002, p. 48). Orientava-se pela doutrina do positi-
vismo que servia como justificativa científica das deliberações tomadas.
As medidas, na região, foram postas em prática por Frederico
Westphalen, como chefe da Comissão de Terras e Colonização, que exerceu
um papel destacado na política agrária regional. Sua atuação coincide com um
momento de bastante perturbação da ordem política. Seguiu a orientação
doutrinária de Torres Gonçalves, que, na defesa intransigente de seus princí-
pios, pregava que “cabia ao estado a missão de colonizar o seu solo”, e dessa
forma procurou voltar-se a todos os aspectos que envolviam a questão da ter-
ra. “Os primeiros anos da sua gestão foram mais dedicados aos assuntos da ter-
ra do que à colonização, em virtude da existência de grandes áreas de domí-
nio público recobertas por matas” (Ibidem, p. 49). Defendia que não era inte-
resse do estado manter essas terras em seu poder e que era natural e mes-
mo conveniente que fossem aos poucos sendo privatizadas, mas devia man-
ter o controle dessa transformação, a fim de evitar a exploração industrialista.
Através da criação da Colônia Guarita, Torres Gonçalves procurou concreti-
zar a idéia do estado como executor do processo de colonização, atribuindo ao
diretor da colônia todos os poderes, o que tornou Westphalen um chefe res-
peitado na região em que atuava.
O governo preconizava o protecionismo à economia, no entanto a presen-
ça de capitais, tecnologia e mão-de-obra estrangeira foi uma constante nos vá-
rios setores. Nas áreas destinadas à colonização, grandes extensões passaram
às mãos das companhias de colonização, que deveriam demarcá-las, vendê-las
aos colonos e providenciar a infra-estrutura necessária ao assentamento e cres-
cimento da região. As companhias nem sempre cumpriram com esses com-
promissos.
Na região, um dos problemas mais sérios relaciona-se com a ocupação das
terras por posseiros. As áreas destinadas à colonização eram as mesmas em
História Geral do
Rio Grande do Sul que os coletores de erva-mate exerciam suas atividades, percorrendo os ervais,
sem se fixar definitivamente em nenhuma área. As companhias compravam
as terras, loteavam e vendiam-nas a terceiros sem se ocuparem dos intrusos.
Lurdes Grolli
É exemplar o que aconteceu com as terras de Hermann Meyer e Cia. que se
Ardenghi situavam na região de Cruz Alta onde já viviam, há mais de trinta anos, alguns
posseiros dos quais o governo tinha conhecimento. A empresa revendeu as
terras e o novo proprietário, Carlos Dhein, para livrar-se dos intrusos, man-
476
dou publicar nota exigindo a retirada dos animais das terras. Agindo com ex-
trema violência, mandou despejar os ocupantes, conseguindo assim o controle
da situação. Isso só foi possível devido a sua posição: Carlos Dhein era repre-
sentante de Hermann Meyer e já possuía grandes áreas. Quando essa situa-
ção ocorria com colonos de poucas posses, os processos podiam arrastar-se por
muitos anos, gerando violência e tensões. Na localidade de Boi Preto, o mes-
mo Meyer procurou inscrever áreas, sendo contestado pelos primitivos mo-
radores das áreas pretendidas, antes de concretizar o apossamento das mes-
mas9.
O governo não conseguiu fugir às contradições de seu programa, tentou
manter o consenso, mas usou também a repressão para enfrentar as resis-
tências. Em muitos casos, omitiu-se de sua responsabilidade e muitas pessoas
sem condições de resistir, quer pela força, quer judicialmente, saíam em bus-
ca de novas áreas, que também já tinham dono ou pertenciam às reservas in-
dígenas. Como se sabe, o índio foi a primeira vítima da disputa pela terra. Tal
processo estendeu-se por séculos, limitando as áreas indígenas cada vez mais,
fruto da expansão das propriedades, sem que os governos solucionassem a
questão. Sempre que conflitos fundiários se estabeleciam, novas invasões ocor-
riam nas áreas indígenas.
Assim, a região do Alto Uruguai, que possuía ainda boa parte das flores-
tas inexploradas, era o espaço onde se concentrava a maior parte das popu-
lações indígenas do estado. Embora a política protecionista de Rondon fosse
adotada pelos positivistas, como Torres Gonçalves, não puderam evitar a usur-
pação das terras indígenas. O Regulamento de Terras de 192210 estabeleceu
novas medidas de proteção às terras dos índios. Certamente, ocorre grande
distância entre o que é estabelecido pela lei e a realidade, considerando a fre-
qüência de registros e relatos de conflitos entre colonos e índios.
O regulamento dispõe “sobre os serviços de discriminação de terras, legi-
timação de posses, povoamento, proteção aos indígenas e aos nacionais, con-
servação e exploração das matas”11. O desconhecimento da realidade das
propriedades era evidente e o regulamento pretendia solucionar as questões
Volume 3
de terras que se arrastavam desde o império. Assim, estabelece no art. 8º do República Velha
regulamento que estão sujeitas à legitimação as posses com processos inicia- Tomo I

9 XVI.
Hermann Meyer foi um empresário alemão e editor em Leipzig. Teve grande atuação no
mercado imobiliário da região, destacando-se entre suas colônias Neu-Württemberg, atual
A questão da terra
Panambi, no município de Cruz Alta; a Colônia Xingu, atual Constantina. Ver: ZARTH, Paulo
na ocupação do
Afonso. op. cit. Norte: caboclos,
10
ervateiros e
Ver: Regulamento das terras públicas e seu povoamento. Decreto nº 3004 de 10/08/1922. coronéis
Coletânea de Leis e Decretos do Estado do Rio Grande do Sul. AHRS .
11 Idem. 477
dos com as leis de 1850, 1899 e as posses transmitidas por escrituras de mais
de 30 anos e as áreas de posse efetiva e ininterrupta de mais de 30 anos12. De-
termina os procedimentos a serem observados na discriminação das terras e
legalização das posses.
Vários artigos tratam da intrusão, sendo que o artigo 7º determina que
“os que intrusamente se estabelecerem em terras de domínio público estão
obrigados a despejo imediato, com perda das benfeitorias existentes e mais
indenização dos danos causados”. A lei também se refere a ervais de domínio
público que podiam ser arrendados. A diretoria de terras ficava incumbida de
expedir instruções, regulando a exploração dos ervais. As terras de ervais
poderiam ser aproveitadas na organização colonial, porém seria computado
no preço de venda dos lotes rurais o valor do erval. Quando se tratasse de er-
vais plantados e não simplesmente cuidados, deviam ser equiparados às de-
mais culturas.
Encontra-se, no Arquivo Histórico, um número significativo de processos
de Autos de Medição, relativos à discriminação e regularização das posses. São
mais de 150 processos do município de Palmeira, cuja tramitação se estende
por vários anos, sendo alguns solucionados muito tempo após a solicitação.
A aplicação das novas determinações na região trouxe dificuldades para
muitos posseiros que não apresentavam as condições exigidas para a regula-
mentação de suas terras, pois a atividade seminômade dos ervais impedia o
atendimento de dispositivo de áreas efetivamente cultivadas. Por outro lado,
o processo de colonização com imigrantes/migrantes tinha desalojado os an-
tigos posseiros de suas áreas primitivas, não tendo o prazo necessário para jus-
tificar a regulamentação. Na região da Fortaleza, onde se concentravam as for-
ças maragatas, a Comissão de Terras agia com eficiência, procurando cumprir
a lei, contribuindo para o acirramento das rixas e desavenças.
O apossamento de grandes glebas pelos proprietários das áreas de cam-
po, que tinham o poder e os recursos econômicos para o registro das mesmas,
se constituiu ao longo do período imperial e, sobretudo, durante a República
História Geral do Velha, fator de desestabilização social, que gerou vários momentos de tensão
Rio Grande do Sul
e crise, independentemente das motivações que inspiraram os enfrentamen-
tos em nível estadual. No momento em que as lutas eclodiram no estado, os
setores marginalizados se levantaram em armas, contra o governo que os opri-
Lurdes Grolli
Ardenghi
mia, representado nos coronéis locais.

12 Idem.
478
Poder do campo & poder do mato
A historiografia rio-grandense (ANTONACCI, 1981; PESAVENTO, 1979;
PINTO, 1986; FÉLIX, 1996) tem tratado as questões de luta política como sen-
do uma luta intraclasse dominante, que colocava em confronto os pecuaristas
da campanha com os coronéis do planalto. Essa generalização não se confir-
ma na região que é objeto deste estudo, onde o enfrentamento se dá entre o
poder do mato e o poder do campo, os quais eram constituídos de modo dife-
rente na base econômica e fundiária, em relação aos grupos que se defronta-
vam no estado. A consulta à documentação da época tem confirmado que o
grupo que se levanta em armas, nos vários momentos da história regional, é
constituído pelos marginalizados do poder e que estão associados aos margi-
nalizados na posse da terra.
As questões fundiárias, que vinham se acumulando desde a Lei de Ter-
ras de 1850, adquiriram no início da república, novos enfoques gerados pela
legislação federal e estadual. Sintetizando, pode-se destacar:
• a implementação do registro e transmissão de propriedade pelo sis-
tema Torrens, colocando na ilegalidade as propriedades que não fos-
sem medidas nos prazos estabelecidos;
• as fraudes e usurpações que eram constantes na regularização das ter-
ras;
• a política de colonização que promoveu um avanço sobre as terras pú-
blicas, reduzindo o espaço da economia de cooperação cabocla;
• o comércio das terras através das companhias de colonização, que di-
ficultou ainda mais a regularização ou mesmo aquisição pelos nacio-
nais, enfim, toda série de medidas que contribuíram para a expropri-
ação das terras dos caboclos.
Todos esses fatores demonstram que a desestruturação do modo de vida
das populações da área da mata se manifesta na resistência cabocla ao poder
constituído, representado em nível local pelos coronéis que detinham, além Volume 3
do poder econômico, o controle dos cargos e funções públicas. Daí a intensa República Velha
Tomo I
participação, na Revolução de 1893, dos caboclos da área denominada “For-
taleza”, que correspondia ao limite entre o campo e a mata, onde hoje se loca- XVI.
lizam os municípios de Seberi, Boa Vista das Missões e Jaboticaba. A questão da terra
na ocupação do
No início da república, ocorrem na região alguns fatos que manifestam o Norte: caboclos,
ervateiros e
clima de tensão existente e que mantém-se vivo até o final da República Ve- coronéis
lha. Os coronéis republicanos de Cruz Alta e Palmeira das Missões mantinham
479
estreitos vínculos e laços de cooperação que contribuíam para exaltar os âni-
mos dos oposicionistas. A aplicação de multas, por parte do intendente Eva-
risto Teixeira do Amaral, levou um dos atingidos Antonio Maria da Rocha
Tico, inconformado, a invadir a Vila da Palmeira em fevereiro de 1892 “à pro-
cura de Evaristo e seus sequazes que, avisados a tempo imigraram para
Misiones, Argentina” (SOARES, 1974, p. 180). Escobar registra a cobrança das
multas abusivas que teriam provocado a reação de Rocha Tico. Isso leva a iden-
tificar a emergência de um grupo de contestação ao poder dos coronéis casti-
lhistas, que, aliado aos caboclos da zona da mata, vai estender sua ação por todo
período da República Velha.
Evaristo, ao retornar de seu exílio, continuou a exercer seu papel de au-
toridade regional e, pelo que indicam os fatos que se seguiram, passou a agir
com maior rigor contra os adversários políticos. De acordo com Prestes Gui-
marães (1987, p. 25), chefe federalista, as arbitrariedades corriam soltas e “na
Palmeira, Evaristo Amaral, confiscava tropas de bestas de seus adversários
ausentes e extorquia dos oprimidos indefesos contos e contos de réis a título
de indenizações”.

Essas atitudes teriam contribuído para que “quando tentava extorquir dinheiro
do fazendeiro Gaspar José Fagundes, no Rincão do Cadeado, próximo à Cruz
Alta, o coronel Evaristo fosse morto brutalmente por quinze homens que, num
ato de extremo banditismo, o degolaram, castraram e ainda deceparam suas
mãos e pés” (CAVALARI, 2001, p. 56).

A repercussão do assassinato se fez sentir em todas as esferas republica-


nas e, segundo alguns autores, o fato marca o início da Revolução de 1893 na
região, motivada pela represália e atos de vingança.
Na região do Planalto Médio, registraram-se, durante a Revolução, vá-
rios episódios brutais. Dentre esses, sem dúvida, foi o Massacre do Boi Preto
que deixou marcas mais profundas. No episódio foram mortos mais de 370
maragatos, conforme telegrama enviado a Júlio de Castilhos por Firmino
História Geral do
Rio Grande do Sul Paula, que comandou o massacre (SOARES, 1974, p. 183). Embora havendo re-
gistros discordantes quanto ao número e a forma de execução, o fato ficou mar-
cado no imaginário pela crueldade e frieza. Os ressentimentos deixados pela
violência dos confrontos fizeram ressurgir novos levantes, principalmente por-
Lurdes Grolli
Ardenghi que não ocorreram mudanças na estrutura de poder e os republicanos
enfeixaram cada vez mais poderes obrigando os opositores ao exílio ou à re-
signação.
480
Finda a Revolução Federalista, o clima de hostilidade continuou laten-
te, e em 1902 ocorreu, na sede do município de Palmeira, um movimento revo-
lucionário comandado pelos líderes maragatos13. Tratou-se de um aconteci-
mento que bem demonstra a permanência do clima de hostilidade e ressen-
timentos, fruto dos acontecimentos de 1893/1895, onde o Massacre do Boi
Preto e outros barbarismos permaneciam vivos e, mesmo havendo paz, os pi-
quetes republicanos e maragatos continuavam a percorrer o interior do mu-
nicípio mantendo um clima de constante insegurança. A situação política con-
solida o domínio do PRR. Sem ter que enfrentar a oposição, cujos líderes es-
tavam emigrados, os castilhistas podiam agir com liberdade para impor sua
hegemonia.
No limiar do século XX, Palmeira das Missões apresentava-se como um
núcleo urbano com dificuldades de comunicação, onde as notícias da capital
do estado chegavam não apenas com grande atraso, mas também deturpadas,
conforme os interesses em jogo. Esse fator aliado à ignorância da real situa-
ção em que se encontrava a política estadual, teria favorecido o confronto. A
presença de uma “memória popular do antagonismo” entre os coronéis-lati-
fundiários e os moradores da área da mata contribuiu para a potencialização
do confronto. O boato aparece como desencadeador de ações e propiciador de
eventos políticos que, no caso, contribuíram para a emergência dos antagonis-
mos cristalizados na oposição entre os coronéis, detentores do poder e os mo-
radores das áreas de mata, excluídos da rede de influência. A população vivia
sob a angustiante ameaça de uma revolução iminente. Alguns maragatos, so-
breviventes da Revolução de 1893, “sentindo-se perseguidos injustamente, re-
solveram enfrentar à mão armada o subintendente Serafim de Moura Reis
Júnior, homem de temperamento agressivo e intolerante”.14 Os rebeldes ata-
caram a vila, onde foram rechaçados por um contingente numericamente su-
perior e fortemente armado. Num combate de extrema violência morreram
Valentim Modesto, mais um filho e Alberto Corrêa. Serafim Júnior ficou gra-
vemente ferido, tendo que amputar uma perna.
É o poder do mato levantando-se novamente, após um breve intervalo
de 1895 a 1902. Nota-se que o fato ocorre num período de intranqüilidade nas Volume 3
República Velha
áreas de mata, que passavam por um processo de privatização, apossadas pe- Tomo I
los grandes fazendeiros ou adquiridas por companhias de colonização e depois
vendidas para os colonos. O regulamento nº 313, de 4 de julho de 1900, esta- XVI.
A questão da terra
va em fase de execução e a aplicação da legislação criava áreas de atrito, por na ocupação do
Norte: caboclos,
ervateiros e
13 Arthur Ferreira Filho registrou o fato em longo artigo publicado no Correio do Povo de 1960,
coronéis
sob o título de A revolução da Palmeira.
14 FERREIRA F ILHO, Arthur. A revolução da Palmeira. Correio do Povo, 1960. p. 14. 481
FOTO OTTO PASSO FUNDO
afetar a vida dos caboclos e ativar rivalidades entre os
grandes proprietários, pela disputa de maiores e me-
lhores áreas.
A regulamentação da atividade ervateira e as leis
de terra favoreceram a emergência de conflitos. Os
posseiros não tinham a quem recorrer, pois a explo-
ração dos ervais e o exercício do poder estavam nas
mãos das mesmas pessoas e a resistência dos caboclos
continuou após a rebelião de 1902. O que fica eviden-
ciado é que o poder do mato tinha sua base de susten-
tação entre os habitantes das áreas florestais e as me-
didas adotadas pelo governo, traduzidas em leis e re-
gulamentos, quase sempre contribuíam para margi-
nalizar os nacionais que ocupavam áreas sem os de-
vidos registros de posse. O governo estadual criava
aparatos específicos para reprimir os caboclos, tentan-
do evitar o envolvimento da Intendência com o confli-
to. Em 10 de março de 1904, criou uma polícia flores-
tal para fazer cumprir os códigos e enfrentar a resis-
tência cabocla (MARTINI, 1993, p. 325).
A partir do início do século XX, há um aumento
da corrente migratória para o Alto Uruguai, o que ge-
rou, além da invasão de terras particulares, a intru-
são em áreas do estado, da União ou áreas indígenas.
Apesar da falta de uma política que integrasse os
nacionais de modo efetivo à ocupação do solo, os ca-
boclos resistiram na floresta, mantendo seus vínculos
comunitários e reorganizando-se militarmente, sob o
comando de Leonel Rocha, quando os setores domi-
nantes chegaram novamente ao rompimento em
1922.
História Geral do Contudo, a questão conflitante do domínio das
Rio Grande do Sul áreas de mata não pode ser vista isoladamente e só
adquire relevo quando confrontada com o exercício da dominação política, na
qual as disputas pelo poder em nível local impulsionaram enfrentamentos
Lurdes Grolli entre o poder do mato e o poder do campo. O período intermediário entre as
Ardenghi duas grandes conflagrações que marcaram a República Velha, 1893 e 1923,
apresentou uma permanente instabilidade que, quando não se manifestava
482 em lutas armadas, era pródiga em disputas políticas pelo controle do poder
Cena pública rural em Passo Fundo. Aspectos da influência
cabocla na formação da população. 1921.

Volume 3
República Velha
Tomo I
local que se dava dentro do Partido Republicano, onde as dissidências foram
constantes. A oposição federalista esteve ativa em todo período, ora levantan- XVI.
A questão da terra
do-se como poder do mato em momentos específicos de mobilização armada, na ocupação do
ora unindo-se à dissidência republicana nos embates eleitorais. Norte: caboclos,
ervateiros e
As lutas coronelistas que se manifestaram em animosidades e rixas po- coronéis
líticas, durante todo período da República Velha, explodiram em novo confron- 483
to armado em 1923. A oposição, que não conseguiu se organizar para fazer fren-
te ao grupo no poder, encontra na reeleição de Borges de Medeiros, em 22,
estímulo para nova mobilização.
Pereira Soares afirma ser a participação de Palmeira “geográfica e social-
mente excêntrica ao sentido dessa luta entre fazendeiros e o poder em mãos
de Borges de Medeiros” (SOARES, 1974, p. 208). Pode-se destacar, nesse sen-
tido, dois aspectos que a diferenciam do restante do estado. O primeiro diz res-
peito ao chefe revolucionário, que em Palmeira não foi um fazendeiro pode-
roso, mas um caudilho-a-pé. E o segundo está na composição das tropas e nas
motivações da luta. Os excluídos da posse da terra estavam prontos a pegar
em armas para derrubar um governo que
consideravam a causa de seus in-
fortúnios. Alguns fatos per-
mitem vincular a luta ar-
mada com a questão da

COSTA, 1922.
terra.
As tropas rebeldes
eram oriundas da região
de Fortaleza, rio da Vár-
zea, Potreiro Bonito,
onde Leonel Rocha reu-
nia o contingente das tro-
pas revolucionárias. A
aplicação dos regula-
mentos, que tinham em
vista legalizar a situação
da propriedade, margi-
nalizou os caboclos que
viviam do extrativismo
ervateiro e, nesse mo-

História Geral do
Rio Grande do Sul

Lurdes Grolli
Ardenghi

Brigada Militar, Comando


484 1922.
mento, especialmente, a implementação da Lei de Terras de 1922, em que os
nacionais foram preteridos em favor dos novos grupos migratórios que che-
gavam à região para ocupar as extensas áreas de mata.
A atuação da Comissão de Terras e Colonização, através de seu chefe,
Frederico Westphalen, ao aplicar a regulamentação do governo positivista,
atingia os interesses dos posseiros que não tinham regularizado suas terras.
Os fatos que ocorreram em novembro de 22, na região denominada “Fortale-
za”, hoje Seberi, demonstram a existência de um clima de enfrentamento en-
tre caboclos e o chefe da Comissão de Terras, antes de ser deflagrada a revo-
lução no estado.
Trata-se de um episódio envolvendo representantes do poder local –
Frederico Westphalen e Vicentino Pereira Soares – em confronto com alguns
chefetes da zona da mata, entre eles, Felício Bueno, Pedro Domingos, Domin-
gos Galvão, configurando, assim, um enfrentamento entre poder do campo e
poder do mato. Através do exame do processo15, constata-se que uma escolta
composta por praças da Brigada Militar e alguns civis comandados por Vicen-
tino Pereira Soares e da qual faziam parte, dentre outros nomes, Frederico
Westphalen, tentou desarmar um grupo que carregava armas proibidas. Hou-
ve reação e um dos praças da escolta foi ferido, como também um dos compo-
nentes do grupo local, esse com participação ativa entre os maragatos.
Os depoimentos demonstram que o episódio não era um fato isolado, mas
a continuidade de uma série de manifestações com o mesmo propósito: opor-
se às medidas adotadas pela Comissão de Terras, manifestando a revolta con-
tra as autoridades constituídas. Entre elas, o assassinato de um agrimensor;
a dissolução de um puchirão que se realizava nos matos de um juiz distrital e
ataques às propriedades como a do colono Thomaz Koproski e outros, obrigan-
do os colonos a arrancarem suas próprias casas. Destruíam cercas de arame
e madeira, sob o pretexto de que as referidas terras lhes pertenciam e que ti-
nham sido vendidas pela Comissão de Terras para os ditos colonos.
A luta partidária foi um dos fatores de acirramento das animosidades. O
subdelegado declarou que, por ocasião da propaganda política da eleição pre-
Volume 3
sidencial do estado, alguns elementos agrupados corriam o distrito ostensiva- República Velha
mente armados de winchester, ameaçando os eleitores e declarando que der- Tomo I

rubariam o dr. Borges de Medeiros. Os nomes dos personagens envolvidos


XVI.
faziam parte dos grupos antagônicos que se confrontavam na região, fazendo A questão da terra
referências à participação de Leonel Rocha. Além disso, ficou demonstrado o na ocupação do
Norte: caboclos,
ervateiros e
coronéis
15 Processo nº 389, de 14/08/1923. Maço: 18, Est. 60. A PRS . 485
Figura 1. Mapa dos combates da
Revolução de 1923.
História ilustrada do Rio Grande do Sul, 1998.

vínculo de luta pela terra, quando os envolvidos foram acusados de atacarem


as propriedades rurais de colonos. Mais que tudo, o poder do mato enfrentou
o chefe da Comissão de Terras, que representava o poder oficial.
O município de Palmeira, dispondo de vasta área florestal, constituiu-se
num espaço privilegiado para ação intensa dos maragatos na região, durante
o convulsionado ano de 1923. Os líderes revolucionários que agiam na região
norte do estado, entre eles, Fidêncio Mello, Mena Barreto e Serafim Assis,
dividiam suas tropas em vários grupos e “em caso de necessidade, agregavam-
se a Leonel Rocha, caudilho maragato de real prestígio entre os caboclos
palmeirenses, que engrossavam suas fileiras com adesões diárias” (FERREI-
RA FILHO, 1973, p. 38).
História Geral do
Rio Grande do Sul As tropas revolucionárias foram acrescidas de um reforço vindo de San-
ta Catarina, com Felipe Portinho, que trouxe um pequeno contingente e uniu-
se a Salustiano de Pádua. O jornal A Federação faz duras críticas a essas tro-
pas, afirmando serem remanescentes da Guerra do Contestado:
Lurdes Grolli
Ardenghi

[...] os esclarecidos patriotas educados na escola cívica do monge João Maria,


486 e que vieram com Portinho do Contestado, são os únicos que ainda o acom-
panham. Ver-se livre desses, ser-lhe-á difícil, aliás. Esse pessoal que não se
contenta com pouca cousa: veio para roubar, saquear e satisfazer todos os
seus baixos instintos (grifo nosso)16.

Na região de Erechim, foi instalada a administração revolucionária, sen-


do nomeado presidente provisório do estado Temístocles Ochôa. Aí, as tropas
de Portinho mantinham seu reduto, podendo facilmente evadir-se para o es-
tado vizinho. O presidente de Santa Catarina, Hercílio Luz, favorecia aberta-
mente os rebeldes, permitindo que ali se organizassem e permanecessem
acampados e armados, estando as fronteiras entre os dois estados sempre
franqueadas. Isso permitiu uma aproximação com a população cabocla da re-
gião oeste de Santa Catarina. A Federação registrava essa aproximação de
maneira irônica:

Supersticioso como qualquer libertário educado por João Maria, o da ‘Virge de


Bascelona’, Portinho entendeu que é de mau agouro entrar por um lugar e sair
por outro. Daí o seu esforço, em voltar pelos caminhos já percorridos, até
poder se abrigar nos salvadores matos da fronteira com Santa Catarina17.

A tática de guerrilha exigia dos governistas uma ação constante em vá-


rias frentes. Daí a criação dos Corpos Provisórios, compostos por civis. As tro-
pas rebeldes, no norte do estado, eram comandadas por Leonel Rocha e Felipe
Portinho.
Durante a revolução, Leonel Rocha manteve-se nas matas da região, fa-
zendo ataques freqüentes, num típico movimento de guerrilha. O ataque de
maiores proporções aconteceu em 4 de junho de 23, quando ele, auxiliado por
Mena Barreto e Serafim de Moura Assis, e contando ainda com o republica-
no dissidente, Josino Eleuthério dos Santos, tentaram tomar a Vila de Palmei-
ra. O ataque era esperado há muito, e Vazulmiro tratou de fortificar a Vila e
tomar uma posição defensiva. Concentrou tropas nas principais entradas da
Volume 3
cidade, pôs trincheiras e barreiras na entrada das ruas que davam para o Quar- República Velha
tel e a Intendência. “Algumas ruas públicas foram minadas com latas de que- Tomo I

rosene carregadas de explosivos, que detonariam acionadas por um disposi-


XVI.
tivo elétrico” (SOARES, 1974, p. 215-220). O problema maior para os grupos em A questão da terra
na ocupação do
Norte: caboclos,
ervateiros e
16 O exército libertário: as suas façanhas e os seus triunfos. A Federação, 2/04/1923, p. 1.
coronéis
MCSHJC.
17 A Federação, 2/04/1923. MCSHJC . 487
ÁLBUM DOS BANDOLEIROS. IHRGS
Conferência de Bagé. Quadro histórico da reunião efetuada no Salão do Hotel do Comér-
cio, em 14 de novembro de 1923. Da esquerda para a direita: gen. Setembrino de Carva-
lho, gen. Zeca Neto, dr. Ângelo Pinheiro, gen. Honório Lemes, gen. Felipe Portinho, gen.
Leonel Rocha, gen. João Rodrigues Menna Barreto, cel. Chiquinote Pereira, gen. Estácio
Azambuja, dr. Assis Brasil; de pé: cel. Lafayette Cruz.

confronto era a escassez de munição, daí usarem estratégias de efeito psico-


lógico para impressionar o inimigo.
O inquérito que apurou a Revolução de 23 é um demonstrativo da
atuação de Leonel Rocha e dos demais envolvidos na deflagração do movimen-
to, na região do Planalto, de acordo com a visão do poder. Na denúncia inicial
História Geral do
consta que, a 12 de janeiro do fluente ano (1923), João Rodrigues Menna Barre-
Rio Grande do Sul to, Adão Issler, Otaviano Issler, Salustiano de Pádua, Pedro Lopes de Olivei-
ra, vulgo Lolico, e o deputado federalista Arthur Caetano da Silva e chefes
assisistas, no município de Passo Fundo, “começaram a reunir partidários des-
Lurdes Grolli peitados pela estrondosa vitória conquistada na manifestação libérrima das
Ardenghi urnas, no último pleito para sucessão presidencial do Estado. [...]”
Seguem-se vários depoimentos acusando os federalistas por abusos. A
488 denúncia afirma que nos três municípios, Passo Fundo, Palmeira e Erechim,
os sediciosos confiscaram bens, como cavalos, reses e armas, e, ainda, faziam
pressão para que a população aderisse ao movimento. Em anexo constam
documentos diversos, especialmente, requisições dos chefes revolucionários18.
Os depoimentos das testemunhas levam o subchefe de polícia a concluir
que:

[...] em 12 de janeiro próximo passado, teve início neste município um movi-


mento subversivo da ordem pública, chefiado por Leonel Rocha, Serafim de
Moura Assis, Serafim de Moura Reis Junior e Hortencio Onofre da Silveira,
movimento este que tinha por objetivo procurar impedir, por meios violentos,
a posse do Dr. Borges de Medeiros [...]

Afirma, ainda, que se trata de uma sedição preconcebida, em alguns


municípios da Região Serrana, que tinha como chefe, em Passo Fundo, o de-
putado estadual Arthur Caetano da Silva19.
Apesar das investigações constantes no processo insistirem em tratar o
assunto como uma conspiração ou um fato isolado, o movimento revolucio-
nário prosseguiu no estado, só tendo sido pacificado no final do mesmo ano.
As propostas de paz caminharam no sentido de buscar a conciliação entre as
frações da classe dominante, em luta. A saída de Borges de Medeiros, razão
da luta armada, era uma questão fora de cogitações, tanto por parte dos re-
publicanos, como por parte do governo federal. O consenso só foi alcançado
mediante a ênfase nos procedimentos eleitorais, passando, assim, da luta das
armas para a luta das urnas, conforme proclamação de Assis Brasil.
A 14 de dezembro de 23, no castelo de Pedras Altas, foi assinada a Ata
de Pacificação, não sem antes ter ocorrido intensa luta interna, em ambas as
facções. Os assisistas conseguiram a proibição da reeleição do presidente e dos
intendentes, e a eleição do vice-presidente, que se constituía no sustentáculo
do PRR, garantindo a continuidade administrativa (ANTONACCI, 1981, p. 110).
Embora o acordo não agradasse a todos os federalistas, Love afirma que “a paz
significou uma situação diferente daquele relacionamento vencedor-vencido Volume 3
República Velha
de 1895, quando não, um acordo entre iguais” (LOVE, 1975, p. 223). Tomo I
Os revolucionários do norte do estado renderam-se à solução concilia-
tória negociada pelos líderes federalistas. O documento mais importante para XVI.
A questão da terra
na ocupação do
18
Norte: caboclos,
Os depoimentos são em número de quarenta, tomados em Passo Fundo e datados de 23/03/ ervateiros e
1923. Processo nº 1.588 de 23/04/1923, p. 10-66, relativos ao movimento em Passo Fundo. coronéis
Maço: 105, Est. 42. APRS.
19 Denúncia constante do processo citado. p. 2 489
elucidar a posição de Leonel Rocha quanto às negociações de paz é uma car-
ta enviada a Setembrino de Carvalho na qual expõe os motivos que o levaram
à luta e que se constituem na condição para a deposição das armas. Declara
que não reconhece a eleição de Borges de Medeiros, tendo em vista que usur-
pou o cargo de presidente do estado e praticou toda sorte de fraudes, a ponto
de ir até a prática de assassinatos em mesas eleitorais. É incisivo quanto às con-
dições de paz: “se as causas desta luta são a deposição do déspota e conseqüen-
temente a realização de uma nova e verdadeira eleição, – “só cessando essa
causa poderá desaparecer o efeito” (grifo nosso). Afirma que seu pensamen-
to consubstancia o pensamento dos seus comandados. No entanto, ao final, faz
ressalva que se essa não for a deliberação tomada pelos chefes das outras di-

Foto histórica das personalidades presentes às negociações do Acordo de Pedras


Altas. Da esquerda para a direita: gen. João Rodrigues Menna Barreto; cel.
Estácio Azambuja; gen. Zeca Neto; gen. Honório Lemes; dr. Assis Brasil; gen.
Setembrino de Carvalho, ministro da Guerra; dr. Ângelo Pinheiro Machado; gen.
Leonel Maria da Rocha; gen. Felipe Portinho e cel. Chiconete Pereira.

ÁLBUM DOS BANDOLEIROS. IHGRS.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Lurdes Grolli
Ardenghi

490
visões [...] não serei eu, certamente, a nota dissonante, o óbice à harmonia da
família rio-grandense submetendo-me ao que a maioria resolver20.
Ele, como outros líderes, não aceitou facilmente depor as armas, visto que
o objetivo que os movia não seria atendido de imediato. Contudo, submeteu-
se, conforme afirmou, à decisão tomada pela maioria, assinando, juntamen-
te com os demais generais do Exército Libertador, o acordo negociado.
No entanto, a Paz de Pedras Altas atendia aos interesses da classe domi-
nante, mas não resolveu os motivos subjacentes, que nem mesmo eram expli-
citados pelos federalistas que compunham o poder do mato na área do muni-
cípio de Palmeira. A luta armada não cessava na região, e Leonel Rocha apa-
recia, ora atuando em confrontos de terra e disputas locais, ora aproximan-
do-se do movimento tenentista no período de 1924 a 26. No estado, ocorre uma
nova composição de forças e o controle exclusivo do PRR entrou em declínio.
“Avanços e recuos marcaram este difícil reencontro político, registrando-se con-
flitos e lutas armadas no velho estilo” (ANTONACCI, 1981, p. 111).
Apresenta-se uma conjuntura histórica em que se configuram novas
estratégias na luta política. Assis Brasil mantém sua liderança nas forças de
oposição e, em janeiro de 24, é fundada a Aliança Libertadora (AL) (KIELING,
1984, p. 3). Quando ocorre o levante das guarnições federais de São Luiz, São
Borja, Uruguaiana e Santo Ângelo, a situação da AL se transforma. “Até en-
tão, estava ela manietada pelo compromisso tácito com o governo federal, res-
tringindo-se a atacar – inutilmente – o borgismo e a pedir – inutilmente – fa-
vores à presidência da República” (KIELING, 1984, p. 58). A partir de então,
aproxima-se de outros movimentos revolucionários, tornando-se vulnerável
à influência de setores mais populares. O movimento transpõe os limites de
articulação oligárquica e alguns generais revolucionários, como Honório Le-
mes e Zeca Neto, estabelecem ligações com Prestes, que distribui comunica-
do em Santo Ângelo, já contando com o apoio desses generais na zona da fron-
teira, além do apoio de revolucionários de Palmeira, Nova Würtenberg, Ijuí
e outras localidades. O que se observa nas ações seguintes é que a AL vai in-
corporando-se ao movimento tenentista, absorvendo-o e passando a tratá-lo
Volume 3
como uma questão sua. República Velha
A despeito de Leonel Rocha ser um dos signatários do Acordo de Pedras Tomo I

Altas, poucas mudanças parecem ter ocorrido em sua vida caudilhesca, após
XVI.
o término da revolução. Não desmobilizou totalmente suas tropas, entrando A questão da terra
na ocupação do
20
Norte: caboclos,
Carta de Leonel Maria da Rocha, na condição de general-em-chefe da Divisão da Palmeira, ervateiros e
no Exército Libertador Sul Rio-Grandense, a Setembrino de Carvalho, ministro da Guerra e coronéis
encarregado das negociações para o acordo de paz. 12/10/1923, CPDOC- FGV. p. 1-2. Cópia
no NHP/UPF.
491
noutro outro ciclo de lutas, agora distanciado dos interesses dos coronéis fede-
ralistas da Campanha. O prestígio adquirido nas lutas de que participara, tor-
naram-no um líder natural em outros movimentos de contestação. Na estei-
ra da Coluna Prestes, associa as lutas, na região, aos interesses dos caboclos
nas áreas de colonização. Em 1924, é encontrado em lutas nitidamente rela-
cionadas à questão da terra, ao lado dos caboclos que lutavam contra a demar-
cação da Fazenda Sarandi, conforme se constata na documentação da Direto-
ria de Terras.21 Ataca áreas de colonização onde atuavam companhias parti-
culares como a Colônia Xingu, a Colônia de Tesouras, ao mesmo tempo em
que estabelece vínculos com o movimento tenentista.
O manifesto da AL, em apoio ao tenentismo, é assinado, inclusive, por
Leonel Rocha (KIELING, 1984, p. 64). O próprio Leonel Rocha faz referências
claras de sua adesão, declarando que “levantou forças em Palmeira para fa-
zer junção com Luis Carlos Prestes, que estava em São Luiz. Entretanto, tal
junção não foi possível [...]”22. Em virtude desse fracasso, emigrou novamen-
te para a Argentina, onde também se encontrava Isidoro Dias Lopes, que ali
preparou a invasão do estado, em Libres, para recomeçar a luta.
Na região de Palmeira, o movimento contou, de um lado, com o apoio de
Leonel Rocha, que se solidarizou com Luís Carlos Prestes, e, por outro, com
a perseguição de Vazulmiro Dutra, que impediu que Leonel desempenhasse
o papel que premeditara. Vazulmiro passa a fazer parte do destacamento sob
o comando do coronel Eneas Pompílio Pires, e em 1º de junho de 25, o Ter-
ceiro Corpo Provisório inicia em Santa Bárbara a longa marcha de persegui-
ção à coluna Prestes (SOARES, 1974, p. 228). Diários de campanha registram
essa marcha através dos estados de Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais,
Mato Grosso e Goiás23. A passagem da coluna ficou marcada no imaginário,
porque foi travado, na região, o combate da Ramada, que é considerado um
dos mais sangrentos que a coluna teve que enfrentar.
Nessa nova fase de lutas, Leonel Rocha atacou as áreas das companhias
de colonização, destacando-se inicialmente o ataque à Colônia Xingu, na qual
foi preso Oscar Luiz Meissinger, chefe da colônia, de propriedade de
Hermann Meyer. Sobre esse fato foram localizados poucos registros. Carlos
História Geral do Dhein, representante de Meyer e contemporâneo dos fatos, registra que a co-
Rio Grande do Sul
lônia foi atacada e o filho de Meissinger foi ferido gravemente. Após dominar
a situação, Leonel Rocha chamou todos os colonos, pôs o senhor Simon como
intendente provisório e enviou um escrito ao Meissinger, garantindo sua vida
Lurdes Grolli
Ardenghi
21 Doc. nº 538, Cx. 22, AHRS.
22 Entrevista de Leonel Rocha ao Correio do Povo. 09/05/1944.
23 Diários de Campanha; de 23/05/1925 a 20/09/1925. AVaD/I HGRS .
492
e livre retirada com o seu pessoal se ele entregasse as armas. Rocha levaria a
família para Neu-Würtenberg. De acordo com o relato, a proposta foi aceita,
e o caudilho manteve sua palavra (RENNER, 1997, p. 79).
A seguir, atacou a Colônia Sarandi e Tesouras. Essas passagens constam
do inquérito que apurou o “Movimento Sedicioso”, como foi designado na im-
prensa da época24. O jornal Correio do Povo noticia as audiências que então
se procediam, em Porto Alegre, relativas ao processo dos implicados na Re-
volução de 24. Constata-se que os ataques que ocorreram na região estavam
relacionados com questões locais de luta agrária que encontraram condições
de vir à tona, diante do clima de instabilidade e contestação que a passagem
da Coluna Prestes propiciou. Alguns dos depoimentos que constaram no pro-
cesso dos implicados na Revolução de 24 esclarecem a atuação do líder mara-
gato, que juntamente com outros chefes locais, nitidamente identificados com
o poder do mato, pegaram novamente em armas.
Frederico Westphalen, então intendente municipal, em seu depoimento,
afirma que, em fins de outubro de 24, no município de Palmeira, Leonel Ro-
cha, em combinação com o Batalhão Ferroviário, estacionado em Santo Ân-
gelo, “começou a reunir gente, a fim de dar início a um movimento revolucio-
nário; que, à frente de 200 homens, na sede da colonização particular Xingu,
deu início a esse movimento, travando combate com a força organizada e co-
mandada por Oscar Luiz Meissinger”.25 Em seguida, as forças rebeldes ataca-
ram a colonização particular Sarandi e dela se apossaram, partindo então
para Tesouras. Depois dos ataques, os rebeldes foram perseguidos pelas for-
ças legais e emigraram para a Argentina. Afirma, ainda, que a força sob o co-
mando de Leonel Rocha requisitou mercadorias e dinheiro na Colônia Qua-
tro Irmãos e, em Tesouras, além da requisição de mercadorias, os ataques pro-
vocaram a morte de alguns indivíduos. Um dos depoentes informa que os revo-
lucionários espalharam boletins “nos quais declaravam que pretendiam, com
a revolução, depor o governo federal e alterar a Constituição da República”26.
Como se pode constatar nos depoimentos, os locais de atuação de Leonel Ro-
cha, no movimento de 1924, coincidem com áreas onde atuavam companhi-
as de colonização particular.
Volume 3
Com referência aos ataques à Colônia Sarandi, a correspondência de República Velha
Tomo I
Carlos Torres Gonçalves, diretor de Terras e Colonização, ao secretário de
24 O jornal Correio do Povo em várias edições subseqüentes, nos meses de janeiro e fevereiro XVI.
de 1926, fez referências ao processo dos implicados na Revolução de 1924, sob o título A questão da terra
Movimento sedicioso, transcrevendo parte dos depoimentos colhidos no estado em sucessi- na ocupação do
vas audiências. Norte: caboclos,
25
ervateiros e
Depoimento de Frederico Westphalen, no processo dos implicados na Revolução de 1924.
coronéis
Correio do Povo, 26/01/1926. p. 8.
26 Correio do Povo de 29/01/1926.
493
Obras Públicas permite uma melhor compreensão dos fatos. Comunica ter
sido informado de “graves ameaças” à perturbação da ordem. “Cerca de no-
venta homens armados sob direção de Leonel Rocha ameaçam atacar turma
medição fazenda e em seguida povoado Sarandi, sede da colônia. [...]”27. Ma-
nifesta preocupação com a violência que poderia vir a ocorrer e envia corres-
pondência a Leonel Rocha, buscando estabelecer entendimentos e acalmar
ânimos28.
Sobre a situação da colônia, informa que são

cerca de quatro mil pessoas ou setecentas famílias. Os chefes de cerca de trinta


dessas famílias, homens de maus precedentes, todos muito conhecidos, parti-
cipantes da última revolução, foram os que atacaram em 25 de julho as turmas
de medição, assassinando o agrimensor João Pedro Flores e um peão, e ferin-
do outro peão.

A companhia colonizadora expulsou em seguida essas trinta famílias das


terras e outras oitenta famílias retiraram-se na mesma ocasião, algumas por
serem seus chefes solidários com autores do atentado, e a maioria em virtu-
de da intranqüilidade da colônia29.
Diante da situação tensa, apontou como alternativa oferecer a essas famí-
lias lotes em uma região mais afastada, na colônia Santa Rosa, onde o gover-
no mantém um serviço de proteção aos nacionais, dando-lhes transporte gra-
tuito e facilitando o pagamento dos lotes em serviço, assim como o pagamen-
to de indenização pelas benfeitorias que perderem em Sarandi. Buscando acal-
mar os ânimos, encontrou-se com Leonel Rocha, em Palmeira, onde o mes-
mo declarou concordar com as medidas propostas. Solicitou, então, ao secre-
tário autorização para transferência das famílias para Santa Rosa ou Erechim,
pois a permanência das mesmas era uma ameaça à manutenção da ordem.
A Companhia Sarandi estaria disposta a ficar com as benfeitorias, indenizan-
do os moradores, segundo a avaliação feita pela Comissão de Passo Fundo30.
História Geral do
Rio Grande do Sul Sarandi era um reduto de muitos habitantes caboclos e ali se processava
uma colonização com colonos italianos, decididos a tomar posse das terras

27 Telegrama de Carlos Torres Gonçalves ao secretário de Obras Públicas, dr. Ildefonso Pinto,
Lurdes Grolli em 28/09/1924. Pasta. nº 538, Doc. nº1, Cx. 22. AHRS .
Ardenghi 28 Idem. Anexo nº 2.
29 Carta de Carlos Torres Gonçalves ao dr. Ildefonso Pinto. Pasta 538, Doc. nº. 3, Cx. 22. AHRS.
30 Torres Gonçalves para Ildefonso Pinto, secretário das Obras Públicas de 05/10/1924. Doc.
nº 4. Idem.
494
Engenheiros. Obras públicas.

que tinham adquirido da companhia colonizadora. Estabeleceu-se o conflito,


porque os caboclos não aceitavam que os colonizadores medissem as suas ter-
ras. Conforme Vencato:

Sarandi passa a ser alvo da atenção dos maragatos, pois, além de ser reduto de
muitos habitantes caboclos (intrusos da Fazenda dos Castelhanos), aqui se
processava uma colonização de elementos alienígenas que, para os caboclos,
eram gringos, tidos (estes sim) como intrusos [...].

Os caboclos logo se aliaram, em grande número, aos grupos revolucio-


nários maragatos, formando os famosos piquetes que atacavam, de surpresa, Volume 3
a população local, atemorizando os pacatos colonizadores. Os chefes da Cia. República Velha
Tomo I
Colonizadora, naturalmente, aliaram-se às forças governamentais, buscando
apoio e proteção. Assim, estabelece-se, o confronto entre as duas forças. XVI.
(VENCATO, 1994, p. 90). A questão da terra
na ocupação do
Vários episódios violentos ocorreram, e à medida que mais colonos iam Norte: caboclos,
ervateiros e
chegando a companhia colonizadora ia sendo pressionada a prosseguir na me- coronéis
dição das terras. No período revolucionário de 1923 a 25, ocorreram mortes
495
e vinditas políticas, sendo o período caracterizado pelo temor da ação das fac-
ções em luta. De acordo com Vencato, a companhia colonizadora contava com
o apoio do intendente Nicolau de Campos Vergueiro, que defendia a proprie-
dade da firma aos castelhanos Julio Mailhos, Mouriño e Lapido. Já os mo-
radores da zona da mata diziam que a área pertencia ao governo do estado e,
por isso, opunham-se à medição.
O episódio demonstra a gravidade das ações que acompanhavam os pro-
cessos de apropriação de terras, ditas devolutas, na região Norte do estado.
A correspondência de Torres Gonçalves mostra que o governo tinha conheci-
mento do clima de hostilidade que havia contra a Companhia Colonizadora
Sarandi e procurou agir com presteza, desativando um foco de tensão, que
poderia se agravar diante da participação de Leonel Rocha, quando as cinzas
da Revolução de 23 ainda não tinham se apagado de todo.
A percepção dos fatos do ponto de vista dos moradores consta em uma
carta enviada a Leonel Rocha, por Primo Savoldi,31 um dos principais acusa-
dos. Expressa confiança de que a vinda de Torres Gonçalves a Palmeira, para
conferenciar com Leonel Rocha, possa solucionar o problema, na expectativa
de que tal autoridade do governo do estado

lançará um olhar benigno sobre centenares de famílias laboriosas escorraçadas


de suas casas pelos infames usurpadores do direito desse pessoal, [...] porque
a atual companhia colonizadora veio destruir o direito deste grande número de
habitantes, desalojar moradores de suas casas e vender o referido lote a outros
compradores que nem se sabe de onde vêm [...]32.

Revela-se uma grande revolta contra a companhia, já que os moradores


foram expulsos, suas casas foram queimadas e que as famílias ficaram expos-
tas aos rigores do tempo. Afirmou que “estamos na época em que está sendo
violado o direito do laborioso trabalhador”; afirma também que muitos tiveram
que abandonar o solo nativo e ir para o estrangeiro.
Ele faz referências, em sua carta, a 400 habitantes que foram expulsos de
suas casas e muitas delas queimadas, havendo entre eles posseiros que resi-
História Geral do
Rio Grande do Sul

31 Savoldi foi o primeiro professor do ensino primário do povoado de Sarandi. Liderou os


maragatos da região de Sarandi e tomou parte em vários episódios que fazem a história do
município, sendo acusado de co-autor dos assassinatos do agrimensor e do chefe da medi-
ção das terras da Colônia Sarandi. Foi processado, junto com outros companheiros, e
Lurdes Grolli
absolvido por 7 a 0. Embora o crime tenha ocorrido em 28/06/1924, os indiciados somente
Ardenghi foram julgados em 1941. Desiludido com os acontecimentos, retirou-se para Iraí, onde
faleceu. Ver VENCATO, 1994, p. 86.
32 Carta de Primo Savoldi a Leonel Rocha, de 30/09/1924. Doc. nº 11, pasta 538, cx. 22.
AHRS.
496
diam no local há mais de 30 anos, “e agora vir uma companhia e tratar de
expulsá-los a todos sem ao menos dar a preferência aos habitantes das terras.
É verdade que estamos atravessando uma época que o homem que procura
o seu direito é considerado [...] bandido”33. Afirma depositar confiança em Leo-
nel Rocha, a quem trata com deferência, confiando que, se fosse firmado um
acordo, não seria prejudicial aos antigos moradores.
Vencato afirma que o desentendimento deu-se “porque se dizia que as
terras pertenciam ao governo, de vez que o mapa elaborado [...] fora alterado,
propositadamente, ocorrendo uma grande controvérsia entre os caboclos e
a companhia”. O professor Primo Savoldi, que se havia indisposto com o pes-
soal da companhia colonizadora, passou a liderar os que se opunham à medi-
ção de terras da Colônia Sarandi, organizando, então, dois grupos de caboclos
maragatos que se dispunham a impedir a tarefa dos agrimensores e, caso fosse
necessário, eliminá-los (VENCATO, 1994, p. 86). Os caboclos não admitiam que
os colonizadores medissem as terras, principalmente as que margeavam o rio
da Várzea, onde se concentrava maior número daqueles que vieram de Pal-
meira das Missões.
Os episódios que ocorreram no período após a Revolução de 1923 são reve-
ladores das motivações que impulsionavam o poder do mato, sendo trazidos
para a análise por demonstrar o vínculo de Leonel Rocha com os deserdados
da terra, comprovando que sua luta não era apenas contra o governo, mas con-
tra uma ordem social avalizada e mantida por esse mesmo governo.

Volume 3
República Velha
Tomo I

XVI.
A questão da terra
na ocupação do
Norte: caboclos,
ervateiros e
coronéis
33 Idem. 497
Frente pioneira. Turma de medição de terras. Erechim.
Acervo Carlos F. Fünfgelt. Álbum fotográfico da história de Erechim. Erechim: Edelbra, 2000.

1915. Frente pioneira. Abertura de estrada em Erechim.


A Voz da Serra. Álbum fotográfico da história de Erechim. Erechim: Edelbra, 2000.

História Geral do
Rio Grande do Sul

Lurdes Grolli
Ardenghi

498
Capítulo XVII

O MOVIMENTO OPERÁRIO

Beatriz Ana Loner

Inicialmente, é necessário assinalar que houve esforços organizativos e


mobilizações de categorias de trabalhadores antes do período republicano,
particularmente na última década do império. Os anos de 1880 marcaram o
momento inicial da organização classista no Rio Grande do Sul, no qual várias
categorias tornaram-se entidades mutualistas, onde a questão da representa-
ção de interesses já disputava espaço com a questão previdenciária. Isso fez
parte de um movimento associativo muito maior, abrangendo vários setores
da sociedade, o qual via na organização de interesses um caminho para o pro-
gresso, a modernização e a inserção do Brasil entre as sociedades adiantadas
do mundo, cujo referencial, naquele momento, era a Europa.
Esse também foi o período de transição do trabalho escravo para o livre
e a questão da abolição muito influenciou, ou permeou, essas tentativas orga-
nizacionais, não apenas como um reforço à identificação do trabalho livre com
o progresso, mas também devido à necessidade de ações concretas com o ob-
Volume 3
jetivo de acelerar o fim da instituição escravista. Como frentes de atuação e República Velha
Tomo I
esforços comuns entre trabalhadores escravizados e livres, destacam-se a par-
ticipação em sociedades abolicionistas e em atividades antiescravistas, legais
ou ilegais; a alforria de escravos em momentos festivos, por parte de socie- XVII.
dades beneficentes de artistas ou operários (ao lado da fundação de clubes, car- O movimento
operário
navalescos, teatrais ou literários), com participação de artesãos e que tinham,
como um dos seus objetivos, a luta abolicionista.
499
Se o primeiro passo na busca de valorização do trabalho manual foi a
extinção do trabalho forçado (a libertação do trabalhador), o segundo movi-
mento foi uma investida sobre o uso do termo operário. O trabalho e sua or-
ganização foram temas de sucessivos editoriais e conferências, e toda a orga-
nização de produtores (agrários, industriais ou manufatureiros) foi rebatizada
com o substantivo operário, que, naquele contexto, estava relacionado ao pro-
gresso, à modernidade e ao desenvolvimento econômico.
Por outro lado, com o fim da escravidão e a mudança no regime políti-
co, muitas eram as mudanças necessárias no sistema jurídico, político e
econômico do país, e era para essas mudanças que o grande bloco dos interes-
ses vinculados ao trabalho se direcionava, querendo participar e fazer ouvir
suas propostas e necessidades. Para ter maior força e expressividade, era
essencial que se fizesse representar em conjunto, aliando ao poderio do capi-
tal e da indústria a força do voto e da mobilização dos setores intermediários
ou dos próprios trabalhadores assalariados. Foi apenas ao longo da primeira
década republicana que ocorreu a diferenciação de interesses entre trabalha-
dores, artesãos e industriais, decantando o grande bloco do trabalho em seus
diversos componentes e redefinindo as suas associações representativas e rei-
vindicações específicas.
As condições de vida de um trabalhador no Brasil da República Velha
eram muito precárias: não tinha nenhuma garantia trabalhista, podia ser de-
mitido sem motivo e, se o patrão cometesse alguma injustiça, não teria a quem
recorrer. Como já notaram vários, esse trabalhador livre, para vender sua for-
ça de trabalho, também estava livre de qualquer proteção, bem como de am-
paro oficial quando doente ou quando velho, tendo que recorrer à família ou
à caridade nesses momentos.
Dentro das fábricas e oficinas, o trabalho costumava regular-se pelo nas-
cer e pôr-do-sol, portanto, no verão, as horas de trabalho eram maiores. Era
freqüente, em ramos como o têxtil, o operário receber por produção, mas ter
descontado do seu salário qualquer defeito na mercadoria fabricada. Contudo,
História Geral do
Rio Grande do Sul
se a máquina, por defeito ou falta de segurança, o machucasse, não haveria di-
reitos ou proteção para o mesmo, o qual provavelmente seria despedido.
Em lugar de casas arejadas, com sol e espaço, a grande maioria dos tra-
balhadores desse período teve que se sujeitar a morar em cortiços ou, então,
Beatriz Ana Loner
na periferia, em loteamentos irregulares, sem nenhuma urbanização nem
higiene, encontrando na rua o mesmo barro de que era feito o assoalho de suas
500
casas. As epidemias eram freqüentes e o atendimento médico precário.
Para mulheres e crianças (muito utilizadas pelas fábricas como mão de
obra mais barata e dócil), a situação era ainda pior, pois, explorados pelos pa-
trões, encontravam escassa solidariedade entre os operários adultos e viviam
sob vigilância estreita de pais e/ou maridos. Naquela república, criança e es-
cola ainda não eram palavras indissociáveis e, para a maioria delas, a escola
da vida não apenas era sofrida, mas humilhante e perigosa, podendo abrevi-
ar suas existências, devido aos acidentes de trabalho e uma maior predispo-
sição às doenças epidêmicas, além de desencadear doenças ocupacionais, vi-
síveis apenas tardiamente, em organismos fragilizados e gastos pelo excesso
de trabalho.
No Rio Grande do Sul, um terrível momento os aguardava: a conjuntu-
ra tensa e difícil da guerra civil, especialmente dos anos cruciais de 1893 a 1895,
mas também sentido em anos anteriores. Isso porque muitos dos trabalhado-
res foram incorporados às tropas, de um ou outro lado, mesmo que contra sua
vontade. A forma como foram tratados, antes e depois desses episódios infe-
lizes, em nada combinava com a expectativa, compartilhada por muitos deles,
que também eram republicanos, da conquista da cidadania e da igualdade com
a república. Pelo contrário, talvez permitida anteriormente pela mentalida-
de escravista e depois consolidada pelos anos de guerra civil, cometeram-se
muitas arbitrariedades contra os trabalhadores (pelas autoridades dos vários
municípios), em abusos que iam desde a prisão arbitrária até a obrigatoriedade
de trabalho gratuito em obras públicas. Muitas vezes, as fontes de relatos es-
candalizados sobre esses fatos vinham dos próprios patrões ou de jornalistas,
os mesmos que também apoiavam medidas de disciplinamento e moralização
das autoridades contra essa população de baixa renda, o que, freqüentemen-
te, conjugava cenas de humilhação e desconsideração de direitos com a coer-
ção ao trabalho.
As primeiras associações, normalmente organizadas a partir das várias
etnias e nacionalidades, visando o amparo mútuo e socorros para seus sócios,
datam da década de 1850, em Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. Durante
as décadas de 1860 e 70, essas sociedades, ainda basicamente étnicas, espa-
lhavam-se para outras cidades, mas foi apenas na década de 1880 que ocorreu Volume 3
República Velha
uma rápida disseminação das entidades de socorros mútuos1, muitas das Tomo I
quais agora incorporando ao étnico um viés classista, ou já se constituindo di-
retamente a partir do critério de pertencimento a uma categoria ou fábrica,
como são exemplos a S. União e Fraternidade dos Operários Chapeleiros XVII.
O movimento
operário

1 Segundo S ILVA Jr. (2005), houve 98 entidades fundadas até 1890, 63 destas apenas na
década de 1880. 501
(Pelotas, 1886) e a Sociedade dos Trabalhadores da Fábrica Rheingantz (Rio
Grande, 1881), essa última sob tutela patronal, como normalmente o eram
entidades vinculadas a uma determinada empresa.
As associações de socorros mútuos consistiam em uma real necessidade
para todos os setores sociais, provocada pela falta de mecanismos de apoio,
fosse pelo Estado, fosse por instituições que socorressem o indivíduo na doen-
ça, na morte ou no desemprego. Isso influenciava mesmo entidades claramen-
te de representação de interesses, operárias ou patronais, que acresciam a seus
objetivos de representação de classes ou categorias a prestação de algum tipo
de socorro ou apoio material a seus sócios.
Entidades étnicas e classistas, ou ainda de tipo misto entre as duas, vão
predominar em termos associativos, como a Fraternidade Artística e a Har-
monia dos Artistas em Pelotas, ambas de 1881 e de artesãos negros, embora
não exclusivamente. Em Porto Alegre, outras entidades foram criadas com
um claro sentido étnico e classista ao mesmo tempo, como a Societá Protettrice
di Cambisti Italiani, em 1888, e a Sociedade Beneficente de tipógrafos, litógra-
fos e encadernadores alemães, a Verein Deutscher Buchdrucher und
Fachverwandter, em 1884. Em Rio Grande, merece destaque a S. Coopera-
tiva Filhos do Trabalho (1890), por aceitar apenas sócios de etnia negra, em con-
traste com as demais sociedades beneficentes negras no estado, sempre aber-
tas à participação de brancos. Na década de 1880, mais entidades apareceram,
crescendo em número nos primeiros anos da república e conhecendo, poste-
riormente, um lento declínio.
A falta de uma nítida fronteira entre patrões e empregados, naqueles pri-
meiros anos, levou a que suas primeiras tentativas de organização política fos-
sem em conjunto, dentro do grande bloco dos interesses do trabalho. A orga-
nização das classes proprietárias foi iniciada em Pelotas, com a fundação do
Centro Agrícolo Industrial em 1887, entidade de charqueadores, fazendeiros
e industriais que manteve um jornal, o Sul do Brasil. Mas é na luta contra a
tarifa especial, em 1888, que vai surgir o grande elemento motivador da orga-
nização fabril. A chamada “tarifa especial”, mais baixa para os produtos de im-
História Geral do
Rio Grande do Sul portação no estado, tinha sido solicitada pelo alto comércio de Porto Alegre
como uma forma de compensar o forte contrabando, porém representava gran-
de ameaça aos setores manufatureiros e industriais que, já sofrendo o impac-
to do contrabando, ainda teriam que suportar o aumento da concorrência le-
Beatriz Ana Loner gal. Essa proposta dividiu as opiniões e o conjunto das classes proprietárias e
terminou motivando a organização de ligas agrárias e industriais em várias ci-
dades. Em Pelotas, inicialmente, organizou-se o Centro Cooperador dos Fa-
502
bricantes de Calçados, em agosto de 1888, que logo entendeu a necessidade
de uma organização mais ampla, chamando a formação do Congresso Operá-
rio, em março de 1889, montado a partir da representação de setores manu-
fatureiros, o qual transformou-se na Liga Operária, em julho de 1890.
Enquanto isso, em Porto Alegre criava-se, em julho de 1888, uma S. B.
União Operária, organizando-se a partir das próprias oficinas e fábricas. Em
seu segundo ano, fundou aulas noturnas e organizou uma biblioteca para os
sócios; em janeiro de 1889, em reunião conjunta de operários de Porto Alegre
e São Leopoldo, promoveu a fundação da Liga Agrícola e Industrial (LAI), vista
como instrumento político da associação, com a qual compartilhava mili-
tantes. Essa reunião objetivava a consolidação da luta contra a tarifa espe-
cial, tendo, ainda, outro objetivo manifesto: a discussão do projeto de pro-
grama de um novo partido – Liga Agrícola e Industrial. A síntese desse pro-
grama [...] é esta: protecionismo, vias de comunicação, extensão do direito
do voto, imposto eqüitativo, policiamento”2. A essas questões, agregar-se-á
o apoio à república como forma de governo. Esse programa foi assinado na
própria reunião, demonstrando que havia uma complexa elaboração anterior
a respeito da formação do Partido/Liga, significando uma ampla aliança en-
tre os setores do trabalho3.
Ainda não foi possível estabelecer ligações entre o programa desta Liga
e o Manifesto do Partido Operário, publicado em A Federação de 26 de feve-
reiro de 1890, que contemplava os pontos acima mencionados e vários outros,
tratando de retirar amarras ao desenvolvimento econômico do país, en-
quanto apenas dois artigos lembravam o socialismo (regulação da transmis-
são de bens por herança e criação de imposto sobre a renda). Embora fosse
uma proposta moderada, foi colocada como anônimo ensaio4, talvez para tes-
tar sua popularidade, com o jornal dizendo que esse programa “casualmen-
te” lhe chegara às mãos, tendo sido “encontrado em volante na rua”
(PETERSEN, 2001, p. 87).
Em inícios de 1890, a tarifa especial foi eliminada, mas a liga mobilizou-
se novamente, dessa vez contra os bancos de emissão, parte da política
Volume 3
República Velha
2 A Federação de 14/1/1889 e o Onze de Junho, de Pelotas, de 17/1/1888. Tomo I
3 “Está definitivamente constituída em Porto Alegre, a Liga Agrícola, Operária e Industrial”
(Onze de Junho, 22/1/1889).
4 Não se encontrou referência ao grupo que teria bancado o manifesto. A Reforma e o Mercan-
til corroboram que sua distribuição foi clandestina, e a análise demonstra que seu programa XVII.
é demasiadamente eclético para se tratar de um programa apenas operário, contemplando O movimento
questões a que o proletariado se oporia futuramente, como o serviço militar obrigatório, operário
tratando, ainda, da anexação de pequenos estados limítrofes e tornando o casamento obri-
gatório, entre vários outros pontos discutíveis. É necessário observar que naquela ocasião os
jornais publicavam vários ensaios de projetos de Constituição ou programas para o país.
503
econômica de Rui Barbosa, que vai gerar grande inflação no país. Demétrio
Ribeiro, ministro da Agricultura do governo Deodoro, auxiliou no fim da tari-
fa especial, mas demitiu-se pouco depois, por não concordar com essa políti-
ca financeira (BAK, 2000), tornando-se, assim, uma figura muito popular jun-
to aos trabalhadores.
Os acontecimentos do mês de maio contribuíram para evidenciar certa
aliança entre os setores representativos do trabalho e o Partido Republicano
Rio-Grandense (PRR), pois ocorreu uma manifestação popular que terminou
em depredação do Banco de Emissão em Porto Alegre, seguida, poucos dias
depois, por uma desastrada atuação policial na dispersão da comemoração
republicana do 13 de maio. No enterro de uma das vítimas da polícia, compa-
receram à União Operária, a Liga Agrícola e Industrial (LAI) e a União Repu-
blicana. Tais acontecimentos levaram à queda do governo5 e, posteriormente,
a LAI encaminhou proposta de subscrição em auxílio a operários feridos na
repressão a suas congêneres do interior, campanha que coincidiu com o perío-
do eleitoral.
Marcadamente influenciada pelos republicanos, a LAI sofreu as conse-
qüências do processo de disputa interna dentro do PRR, com o surgimento da
Dissidência Republicana, liderada por Demétrio Ribeiro e Barros Cassal, e
opondo-se à liderança de Castilhos. Um grupo importante da liga se solidari-
zou com a Dissidência, enquanto a entidade permanecia sob a influência casti-
lhista. Em fins de 1890, ocorreu a divisão da Liga, com o surgimento de uma
nova entidade (o Centro Operário), formada por Guelfo Zaniratti, Nicolau
Tolentino da Soledade e outros partidários dos dissidentes. E a LAI se trans-
formou na Liga Operária, situada mais próxima da facção de Castilhos, sob a
liderança de João Steenhagen. Comparativamente, o Centro Operário pare-
cia ter mais força, manifestada tanto nos cerca de 300 operários que compa-
receram a sua assembléia de fundação, quanto em suas ligações com o inte-
rior, pois caberia a este coordenar a formação de uma chapa operária para as
eleições da constituinte estadual, além de tentar formar uma espécie de fede-
ração de ligas no estado.
História Geral do De 1888 até 92, criaram-se e extinguiram-se ligas ou uniões, em cidades
Rio Grande do Sul
como Pelotas, Santa Maria, Bagé, Uruguaiana e Rio Grande. Nessa última,
apareceu uma proposta de desenvolvimento da indústria nacional, alicerça-
da no associativismo e na representação de interesses e articulada com a Socie-
Beatriz Ana Loner

5 PACHECO (2001) acredita que o PRR utilizou-se da capacidade de mobilização e disposição


para tomar de assalto as ruas destes setores, para derrubar o governo. O jornal oposicionista
504 Mercantil, de Porto Alegre, refere-se ao assunto como “A conspiração do 13 de Maio”.
dade Protetora da Indústria Nacional do Rio de Janeiro. Com as bênçãos do
comendador Rheingantz – maior industrial da cidade –, o Centro Industrial
Agrícola de Rio Grande formou-se em outubro de 1888, mas, embora tivesse
ambições de abarcar o setor agrícola, pecuário, manufatureiro, fabril “e mes-
mo aqueles que só dispõe dos seus próprios braços para o trabalho” 6, este cen-
tro não conseguirá consolidar-se, embora sustente o semanário O Trabalho
Nacional. Em 1890, pretendia fundir-se com o Grêmio Artístico e Industrial,
então em organização, desaparecendo as notícias sobre as duas associações
depois disso.
Mais preservadas que aquela da capital da influência dos partidos e fac-
ções em disputa, as ligas do interior têm maior possibilidade de articulação pró-
pria, procurando relacionar-se com o centro do país, como a Liga Operária Pe-
lotense, que enviou emissário para um encontro em 1891 e participou de um
congresso em 92, no qual foi fundado o efêmero Partido Operário Brasileiro,
ambos no Rio de Janeiro.
Boa parte da mobilização e da atuação das ligas têm cunho político. As-
sim, para a Constituinte estadual, no início da década de 1890, a articulação
entre as ligas ampliou-se, com a realização de uma fusão entre a liga peloten-
se com aquela da capital7, estabelecendo direitos iguais a sócios das mesmas
nas duas localidades. Esse processo estaria ocorrendo também com as demais
ligas de todo o estado8. E a idéia seria estabelecer uma associação nacional.
Essa articulação provavelmente está na origem da formação do “Partido Ope-
rário” que, poucos dias depois, “em combinação com as associações operárias
de todo o estado, apresentou, por seu diretório na capital, chapa de candida-
tos a membros do Congresso Constituinte”9, com uma lista de oito nomes. Ter-
minaram sendo eleitos Ismael Simões Lopes, proposto pela Liga de Pelotas
e João Steenhagen, da liga porto-alegrense, inseridos no conjunto dos candi-
datos do Partido Republicano. Entretanto, ambos eram correligionários de
Júlio de Castilhos e capitalistas ou industriais e pouco fizeram pelos trabalha-
dores na assembléia, como foi reconhecido em autocrítica posterior pelo mo-
vimento10.
Volume 3
República Velha
Tomo I

6 Diário de Pelotas, 16/10/1888, e também A Pátria 15/10/1888, Onze de Junho 30/10/1888


7 Tudo indica tratar-se do Centro Operário.
8 A Pátria, 6/4/1891. XVII.
9 Correio Mercantil, Pelotas, 17/4/1891 O movimento
10 Gazetinha, 15/1/1893 e 22/11/1896. O fato dessas autocríticas se referirem apenas a um operário
candidato, João Steenhagen, referenda a idéia de que Simões Lopes, apesar de candidato da
Liga de Pelotas, nem era considerado operário, pelas suas ligações familiares e políticas e
também por sua posição de classe.
505
Bak (2000) encontra sinais de uma maior autonomia em operários com-
prometidos com a dissidência republicana que tentavam uma organização au-
tônoma, representada na proposta de partido operário, com uma postura di-
ferenciada daqueles comprometidos com o PRR, mais subordinados à orienta-
ção castilhista. É fato que, coincidindo com o período de governo dominado
pela dissidência republicana, várias entidades novas se constituíram pelo es-
tado, destacando-se em Porto Alegre a Allgemeiner Arbeiter Verein, de operá-
rios alemães, e o Grêmio dos Artistas, etnicamente mista, as duas em 06/03/
1892, enquanto o Congresso Italiano surgia em junho de 1892, liderado por
Colombo Leoni e propondo a representação política do grupo italiano frente
ao estado11.
Um dia depois da fundação das duas primeiras, em 7/3/1892, no Teatro
São Pedro, com 200 participantes de várias nacionalidades, aconteceu nova
tentativa de formar um partido operário, reunindo alemães, italianos e bra-
sileiros, chamada por Nicolau Tolentino da Soledade, Leoni e Goerisch, pro-
pugnando a organização por etnias e uma federação partidária. Sendo Sole-
dade e Leoni simpatizantes dos federalistas, pode-se pensar que esta organi-
zação serviria para aglutinar setores diferenciados do bloco do trabalho, como
artesãos e operários, mobilizando-os pelos seus interesses e a favor do gover-
no dos dissidentes republicanos (BAK, 2000). Provavelmente assim foi enten-
dido pelo jornal A Gazetinha (10 e 17/4/1892), que criticou a proposta, aludindo
à manipulação política anterior, e propôs a formação de um centro operário
que aglutinasse os esforços de todo o operariado da capital, sem preocupar-
se com a questão partidária.
A crise política sobrepôs-se aos interesses profissionais, com muitos se in-
corporando a batalhões patrióticos ou trabalhando diretamente em órgãos
essenciais do governo, como Guelfo Zaniratti, que, de alfaiate e líder operário,
tornou-se subdelegado de Polícia. O setor vinculado a Castilhos não teve me-
lhor sorte, participando da guerra civil com ele. Enfim, o envolvimento políti-
co-partidário terminou por fragmentar e implodir o incipiente movimento dos
trabalhadores em Porto Alegre, “resultando no fim do partido e também na
História Geral do desorganização de muitas entidades, como escolas, clubes e associações bene-
Rio Grande do Sul ficentes operárias”12.
A guerra civil que se seguiu inibiu a organização na capital, enquanto no
interior a situação evoluiu para uma dupla diferenciação de interesses, com
Beatriz Ana Loner
11 Gazeta da Tarde, Pelotas, 9/6/1892. Leoni era médico e comandou uma coluna federalista,
na guerra civil.
12 A Gazetinha de 22/11/1896.
506
SILVIA PETERSEN; BENITO SCHMIDT
Prédio próprio da Sociedade União Operária de Rio Grande (1893-1964).

o desenvolvimento de idéias socialistas entre muitos militantes operários, que


se afastam tanto dos republicanos quanto de associações em comum com
industriais ou capitalistas. Assim, em Pelotas, surge o Democracia Social, o
primeiro jornal socialista e um dos mais influentes do estado e, em Rio Gran-
de, aparece a Sociedade União Operária, também contando com influência
socialista, ambos em 1893.
Quando foi feita a pacificação do estado, as novas lideranças operárias ini-
ciaram uma nova prática, onde se aliava uma crescente desconfiança frente a
patrões e políticos, com uma difusa, mas sensível, influência de idéias socia- Volume 3
República Velha
listas provindas tanto da social democracia européia quanto de autores de vá- Tomo I
rios matizes, inclusive com traços positivistas e/ou darwinistas (BATALHA,
1995). Por outro lado, a intensa imigração tornou essa classe operária rio-
grandense em formação um verdadeiro caldeirão étnico, em que falares eu- XVII.
O movimento
ropeus se misturavam com hábitos da cultura da Fronteira e vivências de um operário
cotidiano ainda muito marcado pela escravidão. Isso resultou em associações
e jornais étnicos, embora prosseguisse a construção de centrais operárias em
507
comum e a convocação de manifestações, como o 1º de Maio, por panfletos em
português e alemão.
Nessa nova fase, o processo organizativo ampliou-se pelo estado, crian-
do-se novas entidades centrais em várias cidades, como Alegrete (1897), Bagé
(98), Cachoeira (97) e São Gabriel (98), algumas sem definição ideológica cla-
ra. Em Pelotas, criou-se a União Operária Internacional (1897), pois a Liga
Operária estava sob influência dos patrões, enquanto em Rio Grande a expan-
são da proposta socialista foi feita através da fundação do jornal Echo Operá-
rio e com a concretização do Partido Socialista de Rio Grande, que participou
de duas eleições municipais. Mas foi a partir de Porto Alegre que o movimento
teve seu maior desenvolvimento, fundando-se a Liga Operária Internacional
em 1895, menos de três meses depois da pacificação do estado. Naqueles anos,
a mesma vai desenvolver profusa atividade, como o lançamento do Partido
Socialista, em 1897, incentivando a organização de outras entidades e jornais
e articulando do 1º Congresso Operário gaúcho, em 1898.
Esse congresso reuniu cerca de 20 associações de todo o estado, já con-
tando com a presença de um grupo libertário, e focou suas deliberações em as-
pectos organizativos do movimento, nas quais se incluíam a criação de uma
confederação operária sul-rio-grandense, que deveria coordenar as ações ope-
rárias e congregar as novas ligas e uniões criadas (PETERSEN, 2001). Contu-
do, o fechamento do espaço político com a vitória do PRR e a escassa recep-
tividade da idéia socialista entre os setores populares levou ao refluxo do mo-
vimento, com muitos grupos se desfazendo, retornando seus integrantes à
uma atuação atomizada.
Alguns pesquisadores, como Marçal (1985), tenderam a superdimensio-
nar o papel dos alemães na evolução do movimento operário gaúcho, atribuin-
do-lhes a principalidade na criação das primeiras associações e no surgimen-
to da social democracia no estado. Entretanto, novos estudos descobriram um
maior número de militantes nacionais ou portugueses, com atuação em Por-
to Alegre e no interior, e as evidências apontam para a opção pelo socialismo
ao longo de um caminho que passou pela desilusão com a República, mesmo
História Geral do
que aceita a influência ideológica dos partidos socialistas europeus nesse pro-
Rio Grande do Sul cesso.
Quanto aos jornais operários, no século XIX, surgiram muitos, a maioria
notavelmente efêmera. Além dos já citados, marcaram presença O Social, de
Alegrete; A Evolução, de Bagé; L’ Avennire, A Voz do Operário e A
Beatriz Ana Loner
Gazetinha, de Porto Alegre. Esse último não era apenas operário, mas foi a
melhor tribuna para a projeção do líder socialista Francisco Xavier da Costa.
508 Na primeira década de 1900, enquanto no interior a imprensa operária de-
crescera, em Porto Alegre surgiram A
Democracia e Avante, jornais vincula-
dos a Xavier da Costa, o primeiro dos
quais vai combater o anarquista A Luta,
em ruidosa polêmica. Também estavam
em circulação importantes jornais ne-
gros, dirigidos às comunidades de traba-
lhadores urbanos: O Exemplo, de Porto
Alegre e A Alvorada, de Pelotas, ambos
misturando assuntos operários com
aqueles da etnia. Comparativamente,
foram os mais longevos, já que o primei-
ro circulou por 20 anos e o segundo ultra-
passou cinco décadas.
As greves no estado iniciaram ain-
da durante o império e, antes do primei-
ro aniversário da república, duas delas
já haviam despertado a atenção, fosse
pela sua organização, como a dos tece-
Montagem de alguns jornais de Pelotas e Rio Grande e
lões da fábrica Rheingantz em Rio Gran- diploma do Clube Caixeiral de Pelotas.
de, fosse por sua capacidade de articula-
ção com outras localidades, como a dos
tipógrafos de Pelotas. Esses movimentos paredistas de categorias normal-
mente significavam uma recusa frente às atitudes despóticas de algum mes-
tre ou contramestre odiado, ou então uma tentativa de melhoria de condições
de trabalho ou de salário, a qual poderia até ser satisfeita quando de seu final,
mas que implicava custos elevados, freqüentemente com a demissão de gre-
vistas e/ou formação de listas negras. As categorias mais mobilizadas foram as
vinculadas aos transportes e portos e as de categorias fabris com grande nú-
mero de trabalhadores, notando-se uma menor freqüência naqueles setores
de ofícios ainda artesanais ou dispersos em pequenas oficinas e, portanto, mais
sujeitos a relações clientelistas e/ou paternalistas de empregadores. Volume 3
República Velha
A primeira greve que significou uma real modificação nas condições de Tomo I
luta do operariado, tendo também representado uma mudança na coligação
de forças internas d o movimento, foi a de 1906 em Porto Alegre, que abran-
geu várias categorias e teve por objetivo a conquista das oito horas. Iniciada XVII.
O movimento
pelos marmoristas, logo se espraiou, atingindo estaleiros, fábricas de móveis, operário
tecidos, alimentação, funilarias e fundições, curtumes, estivadores e pedrei-
ros, entre outros. Pela sua duração (21 dias) e abrangência, a greve obrigou a
509
união dos empresários e a formação de uma comissão de negociação que, pelo
lado dos operários, contou com Francisco Xavier da Costa, estabelecendo uma
jornada de nove horas. Uma de suas conseqüências foi a fundação da Fede-
ração Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), que ficou sob a influência de
Xavier da Costa por alguns anos. Essa é uma polêmica figura dentre o movi-
mento, pois se fez presente em muitas das atividades relacionadas ao opera-
riado e que implicaram representação pública, por quase três décadas, con-
quistando muitos inimigos por suas práticas consideradas oportunistas e
personalistas por outros socialistas e pelos grupos libertários. Participou da
formação de jornais e associações, de centrais operárias e também de parti-
dos socialistas, em 1897 e 1905. Poucos anos depois, ele ligou-se ao governo do
PRR, tornando-se conselheiro municipal, mas continuou a influenciar o mo-
vimento através de seus apoiadores (SCHMIDT, 2004).
A campanha de luta pelas oito horas, em 1911 e 1912, atingiu várias cida-
des, como Bagé e Pelotas. Enquanto em Porto Alegre ela concentrou princi-
palmente operários da construção civil, em Rio Grande teve um caráter mais
abrangente, congregando vários setores operários. Essa foi uma proposta fa-
cilmente encampada pelos governantes, muitos dos quais concederam redu-
ção da jornada (oito ou nove horas) a seus funcionários, como exemplo para a
iniciativa privada. Por conta disso, nas manifestações do 1º de Maio, foram
saudadas as autoridades competentes. Em compensação, em 1913, em Pelo-
tas, houve uma mobilização contra a carestia, com o patrocínio das associações
operárias, mas conduzida por políticos oposicionistas (Correio Mercantil, 24/
3/1913), como em Rio Grande, onde já havia acontecido em finais do século
XIX.
Na verdade, a consulta aos livros de atas de muitas entidades operárias
pelo estado revela vínculos com os poderes constituídos e/ou com a oposição,
tanto na busca de benefícios para uma entidade ou categoria, quanto na per-
seguição de objetivos particulares, como a nomeação de uma liderança a um
cargo público (LONER, 2001). Se a primeira fase do movimento, marcada pelo
envolvimento político-partidário com os grupos republicanos, serviu como uma
História Geral do espécie de advertência para os futuros militantes, o sabor da grande política
Rio Grande do Sul continuou atraindo os socialistas. O grupo de Xavier da Costa, que criticara as-
peramente a subordinação do movimento à política partidária naquele primei-
ro momento, e, ainda em 1905, considerava a tese da “incorporação do prole-
Beatriz Ana Loner
tariado” dos positivistas, uma “comiserativa idéia”, afirmando que os trabalha-
dores eram párias na sociedade republicana13; apresentava uma trajetória de

13 Manifesto do Partido Operário de 1905 (P ETERSEN, 2001, p. 154).


510
muita flexibilidade em relação aos partidos políticos, pois em 1908 permitiu
a inclusão de um membro em chapa oposicionista para o governo, iniciando-
se, a seguir, uma aproximação com o PRR, que terminou pela própria incor-
poração de Xavier da Costa ao partido, em 1912. Esse cortejamento das lide-
ranças operárias pelos partidos tradicionais terminava interferindo no movi-
mento, pois

as disputas na grande política não apenas abrem espaço para a emergência de


demandas operárias, mas garantem um espaço efetivo de negociação dessas
demandas, com respeito ao qual se orientam as disputas no interior da peque-
na política [operária] (SILVA Jr., 1996, p. 7).

Realmente, muito do prestígio de algumas lideranças, especialmente


socialistas e/ou reformistas entre as suas bases, advinha dessas relações com
os poderes constituídos, com o conhecimento das pessoas certas nos lugares
certos. Por outro lado, houve momentos em que mesmo lideranças avessas a
envolvimentos com a política burguesa tiveram que sujeitar-se a conselhos ou
orientações subordinadas às esferas da grande política, como nos eventos de
1917.
Muitos dos trabalhos sobre esse tema ressaltam o relacionamento do mo-
vimento com o governo do Partido Republicano, quase todos enfatizando a di-
ferença entre o tratamento dado ao proletariado no estado, devido à tese da
incorporação do proletariado à sociedade, como um traço distintivo do PRR
levado ao governo gaúcho.
As greves do final da década representam um campo privilegiado para
discutir a intervenção do Estado no movimento. Na greve de 1917, em Porto
Alegre, o governo teve atitudes simpáticas aos grevistas, pressionando os
empresários para que negociassem, impondo decretos restritivos à exporta-
ção de alimentos e aumentando o salário de seus funcionários, pelo que seus
representantes foram ovacionados em assembléia de greve. Em outubro da-
quele ano, em paralisação dos funcionários da Viação Férrea, à época uma com- Volume 3
panhia estrangeira, verificou-se grande aproximação entre grevistas e Borges República Velha
Tomo I
de Medeiros, devido ao interesse de encampação da via férrea pelo governo
estadual (BAK, 1998).
Contudo, embora setores do proletariado ou das classes populares pu- XVII.
O movimento
dessem auferir ganhos eventuais ou benesses advindas dessas inter-relações, operário
para as lideranças isso implicava severos riscos de quebra de sua hegemonia
ideológica entre a classe e o enfraquecimento de sua capacidade de luta autô-
511
noma. Quanto ao PRR, a ênfase dada à proposta de “incorporação do prole-
tariado à sociedade”, também passava pela sua conformação a um papel sub-
misso e secundário, em relação às lideranças políticas e econômicas e na ne-
cessidade de subordinar seus interesses àqueles do desenvolvimento do esta-
do (QUEIROZ, 2003). Nesse sentido, a proposta positivista também tinha ou-
tra face, aquela da repressão, sempre evidenciada quando o interesse patro-
nal ou do Estado necessitasse. O governo oscilava entre uma visão paterna-
lista dos trabalhadores, o entendimento de que as questões entre operários e
seus patrões deveriam ficar restritas à esfera privada e à repressão. Assim,
se é inegável que o governo estadual teve um papel distinto daquele de outros
estados em certas conjunturas, especialmente em 1917, deve-se destacar que
foram episódios pontuais, não repetidos no mesmo ano em Pelotas, nas gre-
ves gerais de 1918 e 19 em Rio Grande ou naquela de Porto Alegre em 1919.
A FORGS foi a principal entidade gaúcha desses anos. Enquanto esteve
nas mãos dos socialistas, não assumiu completamente o papel de uma dire-
ção estadual, ficando mais restrita ao proletariado de Porto Alegre, além de
disputar espaço com a União Operária Internacional, fundada em 1902 pelos
sindicalistas libertários. Contudo, em inícios da década de 1910 esse grupo as-
sumiu sua direção, imprimindo-lhe, então, uma efetiva liderança nas lutas da
capital e irradiando sua influência para o interior, totalizando 20 entidades fi-
liadas e 52 com as quais mantinha relações fraternas, em 1913 (PETERSEN,
2001).
Aqui, é necessário um parêntese: embora, até agora, tenha se tratado de
socialistas e anarquistas, deve-se pensar que essas correntes funcionavam
como transmissoras de idéias, práticas e atitudes que influenciavam, em graus
variados, o conjunto dos trabalhadores e das demais lideranças. Na verdade,
aquilo que chamamos “movimento operário” reunia desde setores tendentes
a colaborar com os patrões e o governo até aqueles mais radicais, mas compor-
tando todos os tipos de práticas e atitudes intermediárias, muitas vezes por
meio de um mesmo militante, que podia assumir posições diferenciadas ao lon-
go do tempo, conforme situação ou conjuntura específica.
História Geral do
Rio Grande do Sul Nunca se deve perder de vista que operários completamente comprome-
tidos com os ideais socialistas ou libertários foram muito poucos, e que, na
maioria, os trabalhadores gaúchos não participaram de associações ou movi-
mentos reivindicatórios de qualquer tipo. Muitas das lideranças associativas,
Beatriz Ana Loner
tanto da capital quanto do interior, não tinham ideologia definida, talvez sen-
do mais fácil dizer-se que, de modo geral, eram reformistas, ou seja, aposta-
vam em melhoramentos para a classe dentro do sistema econômico atual, es-
512
MUSEU DA U FRGS.
Passeata na rua da Praia, por ocasião da greve de julho de 1917.

tando distante do seu horizonte a perspectiva de uma revolução social. Isso não
quer dizer que fossem “amarelos”, como eram chamados os que só se compor-
tavam conforme o interesse dos patrões e do governo. Eram apenas lideran-
ças que colocavam suas experiências, as especificidades de sua entidade e de
sua base associativa, como critério a partir do qual julgavam as propostas vin-
das dos congressos e dos jornais operários. Em alguns casos, podiam, inclusi-
ve, propor greves ou mobilizações. Em outros, acomodavam-se e só se mani-
festavam quando instados, fosse pelas bases, fosse por outros setores. E reser-
vavam-se o direito de cultivar boas relações com os poderes constituídos, a Volume 3
quem freqüentemente solicitavam a intercessão em assuntos de interesse pri- República Velha
Tomo I
vado ou coletivo, bem como procuravam harmonizar relações conflituosas en-
volvendo seus associados. Enfim, a experiência organizacional das classes tra-
balhadoras é muito variada e faltam estudos sobre fatores, como nacionali- XVII.
dade, gênero ou idade, categorias ou status profissional que podem exercer O movimento
operário
influência sobre o comportamento e as práticas das lideranças e dos seus li-
derados.
513
Contudo, as orientações vindas através dos encontros, jornais, congres-
sos ou práticas de lutas de militantes mais posicionados terminavam, em al-
gum grau, influenciando essas associações e expandindo as propostas desses
grupos, num processo que pode-se chamar de “conquista da hegemonia ideoló-
gica do movimento”. É isso que estará em disputa em Porto Alegre em iníci-
os daquela década. De um lado, havia a proposta socialista, muito vinculada
à figura de F. Xavier da Costa e seu grupo, e desmoralizada, em parte, pela
sua vinculação com a política partidária, o que terminou por dar maior impul-
so às propostas dos sindicalistas revolucionários para o movimento. Essa cor-
rente, que já vinha em regular processo de ascensão dentro dos grupos pro-
letários, motivada tanto pelo desgaste da proposta socialista como pela
frutificação de anos de propaganda e trabalho em associações, jornais, grupos
de teatro e escolas livres, por parte dos libertários, leva a uma grande modifica-
ção na conjuntura do movimento gaúcho, notando-se, no período de 1911 a 13,
a tomada do poder em algumas organizações centrais no estado, como a Liga
Operária de Pelotas e a FORGS, bem como o surgimento de novas associações.
Até pouco tempo, considerava-se “anarquistas” ou “anarco-sindicalistas”
os militantes que defendiam práticas sindicais baseadas na ação direta, violên-
cia proletária, antimilitarismo e greve geral. Entretanto, o estudo de Toledo
(2004) contribuiu para um maior esclarecimento dessas tendências do movi-
mento. Assim, o anarquismo seria uma visão de mundo expressa pela crítica
à expansão do capitalismo e à presença do Estado e favorável à construção de
comunidades autogeridas. Contudo, essa orientação geral se fragmentaria em
uma série de propostas e tendências, algumas delas dando maior ênfase à
educação, outras à violência ou ao isolamento em comunidades próprias e al-
gumas apostando na via sindical. O sindicalismo revolucionário reuniria idéias
socialistas e anarquistas, propondo o sindicato como o grande instrumento de
luta dos trabalhadores, defendendo a luta de classes, a ação direta dos traba-
lhadores e a manutenção de sua autonomia. Teria uma perspectiva de longo
prazo de construção de uma sociedade gerida pelos trabalhadores através dos
sindicatos. Como esse devia se manter autônomo e independente das corren-
História Geral do
Rio Grande do Sul
tes em seu interior, isso permitia o trabalho comum de várias tendências, cada
uma pondo a ênfase no setor que mais lhe conviesse – educação, cultura ou
sindicalismo – motivo da generalizada utilização do termo anarquismo para
referir-se a eles.
Beatriz Ana Loner O florescimento dessa proposta no estado foi marcada não só por uma
maior radicalidade no enfrentamento com os patrões, mas também por um
alargamento das atividades, pois a proposta libertária, ao visar criar um ho-
514
mem novo, apostando na educação e no convencimento dos indivíduos como
base para a transformação social, deu muita ênfase à criação cultural, através
da música, do teatro, da literatura e pela educação, com a fundação de ateneus
e colégios livres, como a Escola Moderna e, especialmente, a Eliseu Reclus,
ambas em Porto Alegre. Para ampliar as bases do protesto contra a socieda-
de burguesa, mobilizaram inquilinos, fizeram protestos contra o aumento do
custo de vida e tentaram arrancar as mulheres da influência da Igreja e da
sociedade burguesa. Enfim, eles apresentaram, pela primeira vez, ao conjunto
dos trabalhadores uma proposta que pretendia revolucionar todos os aspec-
tos das relações sociais, indo muito além de meras transformações políticas.
Com eles, desabrochou o teatro operário, que já estava presente desde
os primeiros grupos socialistas, mas que encontrou seu maior desenvolvimen-
to nessa fase, pois em sua tentativa de ocupar todo o tempo do lazer proletá-
rio, para não deixar que recaíssem sob a influência da Igreja, ou desperdiças-
sem seus tempos livres com mexericos ou álcool, eles inauguraram as vela-
das, promoções para todo o sábado ou domingo, contando com matiné para
crianças, canções e declamações, conferências, bailes e quadros cômicos, além
de peças teatrais cuidadosamente escolhidas para consolidar as crenças e as-
pirações do grupo.
Por exemplo, no curto espaço de 1914 a 18, em Pelotas, eles desenvolve-
ram o Grupo Teatral Cultural Social e outros, além de estabelecer um curso
sobre representação teatral. Criaram uma banda e um grupo musical, além
de uma escola de música para os operários. Na educação, fundaram o Atheneu
Sindicalista e uma escola primária, além de criar a Escola Racionalista em
1918. Houve, ainda, aulas noturnas para mulheres, vinculadas ao Centro Fe-
minino de Estudos Sociais, que também promovia conferências educativas.
Discussão e reflexão filosófica ou política foram tarefas do Centro de Estudos
Sociais (abandonado porque havia participação de elementos burgueses) e do
Grupo Iconoclasta, este um reduto de pensadores anarquistas. Publicaram
dois jornais, A Luta e o Terra Livre, e acresceram a essas tarefas culturais to-
das as demais atividades político-sindicais, como o trabalho nos sindicatos, a Volume 3
fundação da federação local e a formação da Liga de Inquilinos e do Núcleo Pró República Velha
Tomo I
Paz, além do Grupo de Jovens Anti-Militarista, o que criava problemas numa
sociedade militarizada como a gaúcha. Desenvolveram a Campanha pela Paz
e lutas contra a carestia, na qual se utilizavam do espaço público urbano, no XVII.
centro e bairros, em desfiles e comícios que marcavam a presença. O movimento
operário
Pelotas era uma cidade de porte médio, mas que contou com um grupo
libertário muito organizado e coeso. Já em Porto Alegre, havia maior diversi- 515
dade associativa, o que se refletiu em maior número de entidades, embora com
um trabalho menos coordenado. Mas, por todo o estado, proliferaram inicia-
tivas que tinham o concurso de simpatizantes ou militantes dessa corrente,
tanto na questão sindical, quanto na parte cultural. Os sindicalistas gaúchos
participaram ativamente do Congresso Operário Brasileiro de 1913, do Con-
gresso Internacional Pela Paz e do Congresso Anarquista Sul-Americano14, em
1915, e eram filiados à Confederação Operária Brasileira (COB). Lançaram vá-
rios jornais, muitos dos quais de pequena duração, editados em gráficas por-
táteis, como aquela pertencente a Zenon de Almeida, que editou Terra Livre
(1915) e A Luta (1916) em Pelotas e, depois, em Rio Grande o Nosso Verbo
(1920), tendo ainda servido à edição de outros periódicos em Porto Alegre, ci-
dade na qual se destacaram os periódicos A Voz do Trabalhador e O Sindi-
calista, órgãos da FORGS, surgindo, em 1920, Der Freie Arbeiter, que durou
até a década de 1930.
As greves do final da década surgiram pela combinação de vários fatores,
alguns provocados pela Primeira Guerra – que trouxe crise econômica, desem-
prego ou redução salarial, aliada a uma carestia crescente. Por outro lado, a
organização sindicalista havia avançado nesses anos, tanto em termos de sua
influência em associações, quanto em abrangência geográfica. A guerra repre-
sou as reivindicações operárias, o que pode ser visto pela baixa quantidade de
greves nos dois anos iniciais do conflito, situação que começou a mudar em
1916, destacando-se os movimentos dos mineiros de São Jerônimo e dos operá-
rios de pedreiras e calçamento urbano em Porto Alegre. Em 1917, houve a im-
portante paralisação dos ferroviários, mobilizando todo o estado. Dividiu-se em
duas fases, a primeira coincidindo e amplificando a greve geral em Porto Ale-
gre e a segunda, em outubro, caracterizando-se por uma atuação forte, que in-
cluiu depredações de locomotivas, mas, mesmo assim, contou com o apoio da
população e do governo, inclusive com a participação, como delegado dos tra-
balhadores frente ao governo federal, de Borges de Medeiros (BAK, 1998).
A greve geral de São Paulo inaugurou um ciclo grevista extremamente
importante no país, em que, sucessivamente, várias cidades foram envolvidas
História Geral do em movimentos congregando centenas ou milhares de trabalhadores e com
Rio Grande do Sul extrema facilidade a alastrar-se, contagiando outros locais ou categorias. Em-
bora em sua maioria tivessem como objetivo reivindicações salariais ou de con-
dições de trabalho, pareciam trazer muito mais implicações, pois freqüente-
Beatriz Ana Loner
mente, em confrontos com os patrões e a polícia ou através de reivindicações

14 Foi enviada representação ao Congresso Oficialista de 1912, no Rio de Janeiro, mas eles se
retiraram logo após sua abertura, denunciando-o como manobra politiqueira.
516
populares, terminavam se dirigindo ao Estado e interpelando-o com um sen-
tido classista explícito. Essa conjuntura mobilizatória, que perdurou até 1921,
embora com sinais de esgotamento crescentes, foi fundamental para modifi-
car a atitude dos governantes frente à situação operária, fosse dando início à
legislação social no país, fosse através de medidas legais e incremento do uso
de métodos repressivos sobre as principais lideranças.
As greves de 1917 no estado foram planejadas, tendo uma coordenação
central (Liga de Defesa Popular – Porto Alegre; Comissão de Defesa Popular
– Pelotas); combinando reivindicações de trabalhadores, como aumento sala-
rial e redução da jornada de trabalho, com outras de caráter popular, como a
luta contra a carestia de vida e o aumento de aluguéis, o que se refletia na com-
posição mista de sua liderança, com representantes sindicais e populares. Em
Porto Alegre15, a direção da FORGS não era favorável à greve e, devido a isso,
outras associações tiveram maior influência. Em Pelotas, houve uma atuação
conjunta da Liga com a União Operária, ambas representadas na coordenação,
que contou, assim, com elementos mais moderados na direção.
Na capital, ela durou cinco dias, abrangendo categorias de operários de
fábricas, empregados de empresas de serviços públicos, estivadores, operários
de estaleiro e tipógrafos. A cidade praticamente parou devido à paralisação dos
serviços de transporte, com a Liga de Defesa Popular decidindo quem pode-
ria circular pelas ruas e avenidas, as quais eram percorridas por piquetes, bus-
cando aliciar mais operários ao movimento. As atitudes das autoridades, sen-
síveis a muitas das reivindicações, contribuíram para que ela evoluísse rapi-
damente e sem maiores conflitos. À primeira vista, o resultado foi positivo,
mas a intromissão do governo custou caro ao movimento e a alguns militantes
individualmente, que arcaram com o ônus da retirada prematura da greve.
Posteriormente, a aceleração do aumento do custo de vida obrigou a novas
campanhas nos anos seguintes, enfrentando de forma combinada patrões e go-
verno.
Os acontecimentos na capital tiveram desdobramentos em Pelotas, que
iniciou sua mobilização a seguir (LONER, 2001). Aderiram ao movimento cate-
Volume 3
gorias fabris e de serviços, como transporte e construção civil, além dos esti- República Velha
vadores e pessoal do porto. Contudo, já no primeiro dia da greve ocorreu um Tomo I

incidente grave, com a polícia cercando e disparando tiros na sede da Liga


Operária, justamente quando se realizava uma assembléia, resultando em
XVII.
vários feridos e um morto. A comoção causada por esse fato levou o governo O movimento
operário
15 Todos os dados com respeito ao movimento de Porto Alegre foram retirados de PETERSEN ,
(2001) e SILVA Jr. (1996).
517
a enviar um representante para auxiliar nas negociações, no que foi secunda-
do pela FORGS, que também enviou um delegado. As negociações prossegui-
ram, elaborando-se tabelamento de preços, com as reivindicações trabalhis-
tas sendo atendidas em reajustes que variaram dos 25% pedidos a outros ín-
dices menores. Apenas os estivadores e as tecelãs da Fiação e Tecidos tiveram
dificuldades para negociar, mas enquanto o conjunto do movimento sequer
considerou a hipótese de voltar sem que os interesses dos estivadores fossem
satisfeitos, não manteve a mesma posição em relação às operárias da Fiação
e Tecidos, denotando uma diferente percepção das lideranças quanto à ques-
tão de gênero. O movimento foi encerrado dia 17 e, embora várias categorias
operárias conseguissem aumento, as demais medidas contra o aumento do
custo de vida não surtiram efeito.
Rio Grande não teve nenhuma mobilização em 1917, pois apenas em 18
foi fundada a União Geral dos Trabalhadores (UGT), de tendência sindicalis-
ta. Nascida ao fim da greve da Swift, de 1918, exatamente pela constatação de
que faltava uma entidade para liderar a ação organizada da classe, a União co-
mandou as duas greves gerais de 1918 e 19 – nos dois momentos sua sede foi
fechada, tendo alguns de seus líderes presos. Em outras ocasiões, também foi
impedida de realizar assembléias ou reuniões pela ação policial. Entretanto,
a repressão não a impediu que se tornasse a principal entidade do período,
responsável por manter o ascenso do movimento na cidade até o final de 1921,
auxiliando a formação de sindicatos de categorias, como de charuteiros e
tecedeiras, dois sindicatos com grande participação feminina e que susten-
taram várias greves nesses anos.
As greves gerais, a primeira em outubro de 1918 e a segunda em maio
de 19, tiveram como objetivos a luta pelas oito horas e aumento salarial. A pri-
meira iniciou na Cia. Francesa, com trabalhadores de carga e descarga de ar-
mazéns, aos quais aderiram outras categorias, com a participação maior de tra-
balhadores do setor de serviços, operários de construção civil, dos estaleiros,
do setor naval, estivadores, funcionários da Light e carroceiros, num total de
1.100 trabalhadores até o segundo dia de greve. A repressão foi imediata, com
as sedes sindicais invadidas ou vigiadas pela Brigada, indústrias trabalhando
História Geral do
Rio Grande do Sul com garantia da polícia, bem como patrulhas policiais no porto e nos arma-
zéns. Ela se manteve e acordos parciais foram conseguidos, sendo seu encer-
ramento condicionado à liberação da sede da UGT e soltura dos presos.
A greve geral de 5 a 17 de maio de 1919 foi um movimento ainda mais for-
Beatriz Ana Loner
te e abrangente, que começou com os trabalhadores das obras do Novo Por-
to, mas logo se espalhou para outras categorias, tomando proporções gigan-
518
tescas, inclusive com categorias aderindo apenas em solidariedade, como fer-
roviários de Rio Grande e Santa Maria. Bombeiros participaram de assem-
bléias de greve, recusando-se a reprimir os operários. A grande greve de Rio
Grande coincidiu com mobilizações portuárias em Santos, Porto Alegre e Pelo-
tas, pois algumas categorias marítimas já estavam em movimento paredista
nacional.
A repressão agiu mais fortemente a partir do dia 7, dissolvendo piquetes.
No dia 8, cerca de três mil pessoas foram atacadas em praça pública pela po-
lícia a cavalo, havendo dois mortos e feridos, seguindo-se novo tiroteio em fren-
te à sede da UGT, com seu fechamento e prisão de líderes. O governo proibiu
ajuntamentos, fechou outras sedes sindicais e censurou o telégrafo, obrigan-
do o deslocamento de delegados dos trabalhadores à cidade (FORGS e Estiva-
dores). O clima de tensão acirrou-se; algumas fábricas fecharam suas portas
e a cidade teve vários locais, como o porto, Usina, Viação Férrea e edifícios pú-
blicos federais, vigiados pela polícia por vários dias. Desde o início do movimen-
to, tropas do Exército e da Brigada, bem como um navio de guerra, haviam
sido deslocados para a cidade.
Os desdobramentos da greve alarmaram as classes proprietárias e auto-
ridades, pois a cidade, paralisada, era palco de tumultos intermitentes, pro-
vocados pela polícia ou pelos grevistas. A greve encerrou-se apenas dia 20,
depois da libertação dos operários presos e da devolução do estandarte da
UGT, apreendido pela polícia na manifestação reprimida, reabrindo-se as se-
des. Seu saldo foi positivo para algumas categorias, que conseguiram aumen-
to salarial ou redução de horas de trabalho, e até mesmo categorias que não
entraram em greve conseguiram vantagens de seus patrões.
As greves de 1918 e 19 em Rio Grande, da qual a segunda ficou próxima
de uma quase insurreição, foram influenciadas por fatores significativos:
• pelo fato da cidade ser um porto marítimo e um entroncamento ferro-
viário;
• forte concentração operária;
• consolidação tardia, mas eficaz, de uma entidade operária sindicalista;
• péssimas relações de trabalho em alguns setores responsáveis pelo es- Volume 3
topim das duas greves; República Velha
Tomo I
• política repressiva do governo em relação a essas manifestações.
Contudo, a radicalidade desses movimentos pode estar refletindo uma
diferença essencial em sua condução, pois os movimentos e suas reivindica- XVII.
O movimento
ções foram apenas da classe operária, sem a composição com interesses de operário
setores populares, como nas outras cidades. A UGT, por seu lado, sendo re-
cém-criada, não trazia preocupações com sua preservação ou de seu patri-
519
mônio, como acontecia com a Liga e a União Operária de Pelotas ou a FORGS
de Porto Alegre.
Em 1918, Porto Alegre viu uma ampla mobilização operária, que deu ori-
gem a greves de várias categorias, fracassadas devido à repressão. Entretan-
to, internamente, ocorreu uma recomposição da FORGS, com a adequação de
seu estatuto aos princípios sindicalistas revolucionários, reafirmando a lide-
rança do grupo.
Em 1919 ocorreu nova greve geral na capital, devido ao aumento insu-
portável do custo de vida, mas defrontou-se com um governo interessado em
derrotá-la, devido ao que chamava de “influências subversivas” entre o movi-
mento, que não estaria preocupado com as reivindicações operárias (que o go-
verno considerava solucionadas), mas com a derrubada da ordem social. Essa
greve foi muito extensa, abrangendo um terço do contingente operário na ci-
dade, e longa (18 dias), além de apresentar incidentes graves, como um tiro-
teio pela polícia de comício operário, com saldo de feridos e um morto, e, ain-
da, episódios de sabotagem e detonação de bombas pelos grevistas. Com o fe-
chamento da FORGS e de outras entidades, o movimento arrefeceu. O gran-
de crescimento mobilizatório conseguido com essa greve foi rapidamente des-
baratado pela ação combinada de duas forças divergentes: a repressão seve-
ra pelas autoridades e o processo de divisão do movimento com o surgimen-
to de novas forças que disputaram com a FORGS a sua condução.
Entretanto, se a expressão mais organizada do movimento encontrava-
se desarticulada, isso não significava que os impulsos que deram origem a essa
conjuntura de mobilização já estivessem dissipados. Assim, os anos de 1918
e 19 contemplam muitas greves importantes de categoria, em cidades tão di-
ferentes, como a de Arroio dos Ratos (mineiros, em 1918), Livramento (frigo-
ríficos, em 19) e Caxias (curtume, em 19), além de vários episódios em Pelo-
tas (construção civil, em 1918 e 19; estivadores, em 19; chapeleiras, em 19 e
canteiros, em 19). Em 1920 e 21, a situação se repete com intensa atividade
grevista na capital e no interior. O influxo ascendente de mobilização perdu-
rou até o início de 22, especialmente naquelas categorias com organização na-
História Geral do
Rio Grande do Sul cional, quase todas ligadas ao transporte ferroviário e marítimo.
A partir de então, entrou em curso uma campanha contra o movimento
organizado dos trabalhadores, que o fez declinar devido ao fechamento de
muitas associações e à criação de novas leis contra estrangeiros. Os anos de
Beatriz Ana Loner
1920 marcaram o início de propostas do governo em relação ao trabalhador e
a regulação do trabalho, pois os acontecimentos do final da década anterior ti-
520 nham evidenciado a necessidade de sua integração. Especialmente visados fo-
ram os libertários, que, caso fossem estrangeiros, estariam sujeitos à depor-
tação para seus países de origem, e, se nacionais, à prisão ou ao envio para a
Clevelândia, no norte do país, local insalubre, do qual a maioria não retornou.
Com um clima tão adverso, a maioria das lideranças sobreviventes teve que
desistir da militância.
Como resultado de todo o trabalho da década anterior, ocorreram dois
congressos operários em 1920: o 2º Congresso Estadual, em março, com a re-
presentação de 30 associações, quase metade do interior do estado e que rea-
firmou a orientação sindicalista sobre o movimento, e o 3º Congresso Brasi-
leiro, no Rio de Janeiro, também sob hegemonia dessa corrente e no qual a de-
legação da FORGS teve a maior representatividade entre as federações. Apa-
rentemente, tudo indicava que a orientação sindicalista revolucionária conse-
guira consolidar-se, pois suas práticas tornaram-se a referência no combate aos
patrões (esta apresentou nova visão de mundo aos trabalhadores e setores po-
pulares, em geral, e conseguiu fazer greves fortes e amplas, nacionalmente).
Contudo, apesar de todo o esforço conjunto e das várias lutas empreendidas,
a situação de vida dos trabalhadores não mudara substancialmente, o que ex-
pôs o impasse do movimento. Além disso, nessa nova década, os libertários
tiveram de buscar meios de escapar da repressão, conviver com os rescaldos
das cisões e das desilusões que os dilaceravam internamente e lutar contra a
atração de outras propostas, tanto a comunista, quanto à dos partidos polares
da política gaúcha.
Os anos 20 propuseram novos referenciais aos trabalhadores, os quais,
inicialmente, foram envolvidos na disputa político-partidária oligárquica, que
novamente opôs o PRR a seus opositores – reunidos na Aliança Libertadora,
sob o comando de Assis Brasil. Nas idas e vindas desse processo, que come-
çou com as eleições de 1922, estendendo-se pelos conflitos armados de 23 e per-
meando as eleições de 24, os trabalhadores foram instados a tomar posição
por um outro lado. E freqüentemente o fizeram, tanto se aliando à oposição
quanto aos republicanos (nesses anos e nos seguintes), inaugurando um perí-
Volume 3
odo em que seus votos e expressividade numérica tiveram valor político. República Velha
Tomo I
Na esteira dessa participação, formaram-se partidos operários auxiliares,
os quais não pretendiam disputar eleitoralmente os postos executivos, mas
apenas as candidaturas proporcionais, subordinados ao PRR ou à Aliança XVII.
Libertadora, alguns contando com lideranças do período anterior, como a Liga O movimento
operário
dos Operários Republicanos. Surgiu, ainda, outro tipo de partido, os chama-
dos “trabalhistas” (LONER, 2002), fazendo parte de um movimento de articu-
521
lação inicial dessa corrente no Brasil, inspirada no modelo inglês ou de outras
extrações.
O envolvimento político-partidário dos trabalhadores foi novamente de-
sastroso, tanto individual como coletivamente, pelo surgimento de conflitos e
desconfianças entre as lideranças, dissolvendo-se associações e trabalhos con-
juntos pelo afastamento de pessoas e militantes devido ao medo da manipu-
lação, além de envolver novamente os trabalhadores na órbita da grande po-
lítica estadual.
A crise da corrente sindicalista não lhe permitiu reverter essa situação,
embora consiga persistir organizadamente no estado, ao contrário de outras
regiões. Com uma constante perda de forças no movimento, representada pela
diminuição de militantes e associações sindicais, essa corrente sindicalista ain-
da consegue fazer dois congressos estaduais, em 1925 e 28, e editar o jornal
da FORGS, O Sindicalista, que, junto com o Der Freie Arbeiter, constituem
seus principais periódicos.
O Congresso de 1925 teve 27 delegados de 20 associações, mas apenas oito
eram organizações sindicais de Porto Alegre, principal centro industrial. O
declínio da corrente na capital gaúcha é mais evidente ainda no 4º Congres-
so, realizado em janeiro de 1928 na cidade de Pelotas, na qual Porto Alegre
tem representação de dois sindicatos e da Federação, um grupo cultural e um
jornal. As outras cidades representadas eram aquelas vizinhas à sede do con-
gresso ou próximas à Fronteira, tendo ainda a presença de Domingos Passos,
militante de São Paulo deportado para o estado, representando quatro asso-
ciações nacionais.
Esse congresso que, apesar de tão fraco, teve a honra de ser o último con-
gresso da corrente no país na República Velha (RODRIGUES, 1979), também
sinalizou claramente sua mudança de orientação, denotando o predomínio da
corrente anarquista, que conseguiu passar à proposição de criação de associa-
ções proletárias, de pensamento anti-estatal e anticlerical e sem caráter sin-
dical, pois entenderam que o sindicalismo havia sido uma das causas da fra-
queza do movimento libertário. Isso refletia o que já vinha acontecendo há cer-
História Geral do
Rio Grande do Sul
to tempo, pois, na prática, poucos eram os sindicatos ainda influenciados pelo
sindicalismo revolucionário, ganhando forças aqueles que propunham um tra-
balho mais cultural e educativo, o que vai estar representado na grande quan-
tidade de publicações, centros de estudo ácratas ou filosóficos que surgiram
Beatriz Ana Loner pelo estado na década.
Mas, antes de abandonar definitivamente os libertários, cumpre indagar
como, em um momento em que são tão perseguidos em todo o Brasil, eles ain-
522
da conseguiram suficiente força para realizar um congresso em plena luz do
dia, inclusive com cobertura da imprensa oposicionista16, como aconteceu em
Pelotas. Aparentemente, ocorreu um processo em que a intensificação da po-
larização política burguesa criou um espaço protegido, como um recesso nas
dobras do tecido político, que contribuiu para que as atividades operárias não
ficassem tão expostas e fragilizadas como em outros estados, na medida em
que qualquer atitude tomada contra as mesmas poderia ser denunciada pelo
grupo adversário, com o duplo objetivo de desgastar seu rival e atrair o apoio
do operariado. Para esta aparente generosidade de tratamento aos libertários,
contribuía o fato de que sua proposta de não participação eleitoral tinha escas-
sa receptividade e, na prática, deixava os operários livres para o seu alicia-
mento pelos partidos tradicionais. Além disso, devido às injunções da conjun-
tura política regional, as elites gaúchas tinham despertado mais precocemente
que suas congêneres de outros estados para a importância do apoio das clas-
ses populares aos seus respectivos projetos políticos, modificando, portanto,
a forma de tratamento. Outras causas possíveis para a sobrevivência do
anarquismo no Sul por tanto tempo, teórica e politicamente, incluem sua pro-
ximidade com o Prata (região em que a organização anarquista era muito mais
forte), a presença de militantes do restante do Brasil (aqui vindos por vonta-
de própria ou deportados) e o qualificado movimento gaúcho, que sempre se
destacou dentro do conjunto nacional.
O final da década foi assinalado pela participação decisiva dos comunis-
tas no movimento, responsável por um vigoroso ascenso da organização sin-
dical e da mobilização popular, especialmente nas cidades de Porto Alegre e
Pelotas. De posse de uma orientação sindical inovadora, que propunha a sindi-
calização por empresas e não mais por categorias, além de uma nova postura
frente ao Estado, procurando organizar os trabalhadores para aproveitar os
benefícios que começavam a ser conquistados, como a Lei de Férias, eles ra-
pidamente cresceram no meio operário, formando sindicatos, federações e a
Confederação Regional do Trabalho (CRT). Esta reuniu-se em abril de 1929
para discutir a participação no Congresso Operário Nacional, no Rio de Janei-
Volume 3
ro, ao qual enviaram dois representantes. Ainda em termos de atuação sin- República Velha
dical, organizaram um comitê de ação em defesa da greve dos gráficos paulis- Tomo I

tas, nacionalmente o movimento mais importante do período, inclusive pela


sua duração. No estado, participaram de vários movimentos de greve, a
XVII.
maioria na capital, dos quais se destacou o movimento pela aplicação da Lei O movimento
operário

16 Opinião Pública, Pelotas, 28 e 30/12/1927 e 5/1/1928; O Libertador, Pelotas, 4/1/1928. 523


de Férias, em janeiro de 1929, e algumas paralisações de fábricas de tecidos,
alimentos e calçados.
Contudo, a atuação da CRT não se restringiu ao plano sindical, pois, atra-
vés da sua expressão política, o Bloco Operário e Camponês (BOC), amplia-
ram seu trabalho para outros setores, como o das mulheres, jovens, inquili-
nos e consumidores, formando associações para congregar cada segmento,
além de entidades gerais, como ligas antiimperialistas e uma federação de es-
portes proletários (PEIXOTO, 2005). Contavam com dois órgãos de imprensa,
A Classe Operária e Extrema Esquerda, os quais, tal como suas associações,
tinham uma pauta mais ou menos comum, orientando-se no sentido da pro-
paganda e da busca de direitos aos trabalhadores/população em geral.
Entretanto, a nova proposta organizativa, que tentava combinar a luta
sindical com plataformas políticas de longo alcance e reivindicações imedia-
tas frente ao Estado, não conseguiu sobreviver à forte pressão das duas for-
ças político-partidárias do estado gaúcho, unidas a partir de 1929 na Aliança
Liberal, sendo vitimados por intensa repressão, motivada, em parte, pela
recusa de apoio à candidatura Vargas à presidência da República17. Ora, para
os grupos oligárquicos que dominavam a política estadual não era interessante
a consolidação de uma corrente operária que, além de congregar os operários
no plano sindical, pretendesse também liderá-los na disputa política eleitoral.
Com a severa repressão do início de 1930, a proposta comunista se desfez, mas
seu brilho e a extraordinária rapidez de sua implantação sinalizaram a capa-
cidade de difusão que possuía entre os trabalhadores, alertando os poderes
constituídos sobre a necessidade do disciplinamento e incorporação do ope-
rariado na sociedade brasileira.
Há, ainda, um aspecto da cultura e mobilização operária que, por suas ca-
racterísticas especiais de ritual operário (HOBSBAWN, 1987) e demonstração
pública, reúne condições de simbolizar não só o espírito, como também a situa-
ção do movimento em cada período da República Velha. Trata-se do Primei-
ro de Maio, que teve sua primeira comemoração em Porto Alegre, em 1892,
vinculada à disputa entre os grupos republicanos, espalhando-se posterior-
História Geral do mente pelo estado, sempre utilizando o mesmo modelo na primeira década:
Rio Grande do Sul
grandes desfiles de associações e seus estandartes, com várias bandas de mú-
sicas, discursos e visitas aos jornais, além de muitas salvas de fogos de artifí-
cio, culminando com sessão solene à noite. Todo esse ritual impressionava os
Beatriz Ana Loner seus contemporâneos, provando que o trabalho era uma força, numérica e

17 PLINIO Mello, dirigente da época, em entrevista à revista Teoria e Debate n. 7, jul./ago./set.


524 de 1989, p. 30-35.
politicamente, importante na sociedade. Com a entrada do pensamento liber-
tário, pouco a pouco se modificou a forma de comemoração, passando-se a ce-
lebrações mais discretas, como piqueniques ou sessões internas com progra-
mação especial, reafirmando os princípios proletários. Entretanto, ainda era
conveniente que houvesse o que eles chamavam de “contagem de forças”, ou
seja, uma manifestação física que evidenciasse o poderio da classe, a qual nor-
malmente se dava através de desfiles ou comícios, embora sem a suntuosida-
de dos outros anos. Houve grupos que preferiram percorrer as ruas em pique-
tes, não mais pedindo aos patrões a folga no Primeiro de Maio, mas tentando
conseguir a interrupção do trabalho pelo convencimento ou pela força.
Os anos difíceis e confusos da década de 20 foram expressos no decrésci-
mo da comemoração do Primeiro de Maio ou sua utilização por elementos es-
tranhos ao meio trabalhador, como a Falange Operária, que convocou o Pri-
meiro de Maio em 1924 em Pelotas, nunca mais encontrada. Por fim, o Pri-
meiro de Maio de 1929, sob inspiração comunista, retomou o aspecto de con-
tagem de forças, reunindo disciplinados batalhões de operários e operárias,
com muitos discursos e propaganda.
Nada que não se encaixasse na estratégia de uma classe que, por sofrer
de pouca visibilidade pública (embora muita visibilidade policial), necessitava
de um momento específico para demonstrar a sua existência e suas deman-
das à sociedade, cuja satisfação, naqueles anos, só poderia se dar pelo seu nú-
mero e capacidade de mobilização coletiva.
Como breve conclusão, pode-se dizer que a organização dos trabalhado-
res não pode ser estudada independentemente das conjunturas políticas e
conflitos internos da sociedade de que faz parte e que o movimento operário
gaúcho, se, em grandes linhas, seguiu aquele do restante do Brasil, teve tam-
bém implicações e diferenciações muito importantes, que terminaram por lhe
emprestar características especiais e únicas. Embora se considere que não
houve uma evolução ou acúmulo constante de forças no movimento, pois a
mobilização e os avanços conseguidos hoje podem ser perdidos ou
inviabilizados amanhã, devido às novas conjunturas político-sociais ou ainda
Volume 3
como resultado de transformações técnicas que ampliam o poder do capital República Velha
em relação ao do trabalhador, pode-se dizer que o operariado gaúcho, na Re- Tomo I

pública Velha, sempre esteve junto à cena política e, em alguns momentos,


suas ações auxiliaram a ampliar os estreitos limites permitidos à participação
XVII.
popular naquela república oligárquica. O movimento
operário

525
História Geral do
Rio Grande do Sul

Beatriz Ana Loner

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Volume 3
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História Geral do
Rio Grande do Sul

Referências

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OS AUTORES *
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Passo Fundo: Ppgh-UPF, 2002; 5) O olhar do vizinho: a opinião pública Argentina e a
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ANA LUIZA SETTI RECKZIEGEL. Doutora em História Ibero-Americana pela PUCRS; pro-
fessora titular do curso de História e do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade de Passo Fundo. Publicações: 1) A diplomacia marginal. Vinculações entre
o Rio Grande do Sul e o Uruguai ( 1893-1904). Ediupf, 2000; 2) O Pacto ABC. As rela-
ções Brasil-Argentina na década de 1950. Ediupf, 1996; 3) RECKZIEGEL; (Org.). RS: 200
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República Velha
Tomo I
BEATRIZ ANA LONER. Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Gran-
de do Sul (UFRGS); professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), do curso
de História e do Mestrado em Ciências Sociais. Publicações: 1) Construção de classe:
Os autores

* As informações dos currículos e das publicações dos autores são resumidas, portanto não
significa que as obras de um autor aqui apresentadas sejam o todo de sua produção intelec-
tual. O mesmo vale para os currículos. 547
operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1937). Pelotas: UFPEL/Unitrabalho, 2001; 2) La
lenta construcción de identidades colectivas: trabajadores em el final del império.
Entrepasados. Revista de História. Argentina, v. XV, n. 29, p. 27-42, 2006; 3) Dos cami-
nhos perigosos ao vale das sombras. In: DE CARLI, Ana e RAMOS, Flávia (Org.). Pala-
vra prima: as faces de Chico Buarque. Caxias do Sul, EDUCS, 2006, p. 48-65; 4) O canto
da sereia: os operários gaúchos e a oposição na república Velha. História Unisinos, São
Leopoldo, v. 6, n. 6, p. 97-126, 2002; 5) A história operária no Rio Grande do Sul. Histó-
ria Unisinos. v. esp, p. 53-79, 2001.

EUGENIO LAGEMANN. Doutor em Economia pela Universidade de Heidelberg, Alema-


nha; professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); fiscal de tri-
butos estaduais do Estado do Rio Grande do Sul. Publicações: 1) A industrialização do
Rio Grande do Sul – um estudo histórico. Porto Alegre: IEPE/UFRGS, 1978; 2) O Banco
Pelotense e o sistema financeiro regional. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985; 3) Zur
reform des brasilianischen steuersystems. Heidelberg: mimeo, 1992; 4) O Rio Grande
do Sul frente à integração regional e à globalização. In: Gerd Kohlhepp (Coord.). Bra-
sil: modernização e globalização. Madrid: Iberoamericana; Frankfurt am Main: Vervuert,
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GUNTER AXT. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo e pós-dou-
tor pela Fundação Getúlio Vargas, CPDOC-RJ; atualmente é presidente do Instituto
Hominus de Desenvolvimento Sociocultural; professor colaborador da Universidade
Luterana do Brasil; pesquisador associado do Laboratório de Estudos da Intolerância
da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de gestão cultural, memória
institucional e de História, com ênfase em História do Brasil República, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: história política, poder judiciário e coronelismo. Também
especializou-se como gestor cultural, estando à frente de diversos projetos com ênfase
na área cultural e de patrimônio histórico. É membro dos conselhos editoriais das re-
vistas Métis: História & Cultura, da Universidade de Caxias do Sul; História Hoje, da
Associação Nacional de História; História, da UNISINOS. Publicações: 1) The origins
of an enigma: Getúlio Vargas, Rio Grande do Sul’s decaying coronelismo, and the Genesis
História Geral do of the Intervencionist State before the 1930 Revolution. In: HENTSCHKE, Jens (Org.).
Rio Grande do Sul Vargas and Brazil: new perspectives. New York: Palgrave Macmillan, 2006; 2) AXT,
Gunter & SCHÜLLER, Fernando. Brasil contemporâneo: crônicas de um país incógni-
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tólica do Rio Grande do Sul (PUCRS); professora da Universidade Regional Integra-
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nização de Quatro Irmãos. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997; 2) Imigração judaica
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(UPF); professora Curso de Especialização História e Ensino do Rio Grande do Sul da
Universidade de Passo Fundo (UPF); professora do Instituto Estadual de Educação Borges
do Canto (IEEBC) e Colégio Jesus Maria José (JMJ), em Palmeira das Missões. Publi-
cações: 1) Caboclos, ervateiros e coronéis: luta e resistência no norte do Rio Grande do
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MARGARET MARCHIORI BAKOS. Doutora em História pela Universidade de São Paulo


(USP). Pós-doutora pelo University College London (UCL); professora do Curso e do
Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS). Publicações: 1) RS: escravismo e abolição. Porto Alegre: Mer-
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MARINÊS ZANDAVALI GRANDO. Doutora em Desenvolvimento Agrícola pela Université


de Paris I (Pantheon-Sorbonne); pesquisadora da Fundação de Economia e Estatísti-
ca (Secretaria do Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul). Publicações: 1) (co-
autora) 25 Anos de economia gaúcha: a agricultura no RS. Porto Alegre: FEE, 1978; 2)
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MERCEDES GASSEN KOTHE. Graduada em História pela UnB- DF, mestre em Histó-
ria do Brasil, PUCSP; doutora em História Social pela Universität Rostock-Alemanha;
professora de História da Educação na Faculdade de Educação – UnB até junho de 2004;
professora de Brasil Contemporâneo das Faculdades Integradas UPIS – DF, desde 1996;
membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF; editora da Revista Múltipla, da UPIS,
desde 1998. Publicações: 1) Os imigrantes na América: isolamento e integração nacio-
nal. In: Relações internacionais dos países americanos. Brasília: UnB, 1994; 2) Ques-
tões diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha: 1890-1939. In: Anais do Simpósio: O Cone
Sul no contexto internacional. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995; 3) (co-autora) Brasil – Ale-
manha 1827 1997. Perspectivas Históricas. Brasília: Thesaurus, 1997; 4) (co-autora) III
Simpósio Internacional: Estados americanos: Relações continentais e intercontinen-
tais – 500 anos de História. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. 5) Land der Verheissung. Die
deutsche Auswanderung nach Brasilien 1890-1914. Rostock: Meridian Verlag, 2004.

NÚNCIA SANTORO DE CONSTANTINO. Licenciada em História; mestre em Educação; dou-


tora em História Social pela Universidade de São Paulo e pós-doutora junto à Università
Degli Studi di Torino, Itália. Desde 1975 é docente da PUCRS, Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas, Departamento de História, no Programa de Pós-Graduação em
História, onde coordena o Centro de História Oral e um projeto de pesquisa sobre imi-
gração e urbanização, orientando mestrandos e doutorandos; palestrante em congres-
sos e universidades estrangeiras; professora visitante em universidades italianas; pes-
quisadora do CNPq, desenvolve projeto de pesquisa sobre a narrativa das cidades bra-
sileiras por estrangeiros; membro da Academia Literária Feminina do Rio Grande do
Sul. Publicações: 1) O italiano da esquina: imigrantes na sociedade porto-alegrense.
Porto Alegre: EST, 1991; 2) Gli italiani nelle cittá: l´immigrazione italiana nelle cittá
brasiliane. Perugia: Guerra, 2001; 3) Caixas no porão: vozes, imagens, lembranças. Porto
Alegre: Biblos, 2004. Produziu ensaios em coletâneas nacionais e estrangeiras, além de
inúmeros artigos em periódicos especializados.

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ. Doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho; pós-
doutor pelo Centro de Recherches Politiques Raymond Aron, Paris; professor adjunto Volume 3
República Velha
da Universidade Federal de Juiz de Fora; professor emérito da Escola de Comando e Tomo I
Estado Maior do Exército (RJ); professor visitante do Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Estudos Superiores de Juiz de Fora; professor visitante do Ins-
tituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa. Publicações:
1) Patrimonialismo e a realidade latino-americana. Rio de Janeiro: Documenta His- Os autores

tórica, 2006; 2) Ética empresarial: conceitos básicos. Londrina: Edições Humanidades,


2003; 3) Tópicos especiais de filosofia contemporânea. Londrina: UEL, 2001; 4) Casti-
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lhismo: uma filosofia da República. Brasília: Senado Federal, 2000; 5) Estado, cultura
y sociedad en la América Latina. Santafé de Bogotá: Universidad Central, 2000.

THAÍS JANAINA WENCZENOVICZ. Mestre em História pela Universidade de Passo Fundo


(UPF); docente da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI)
e Universidade do Oeste Catarinense (UNOESC). Publicações: 1) Montanhas que furam
as nuvens! Imigração polonesa em Áurea (1910-1945). Passo Fundo: EDIUPF, 2002; 2)
Luto e silêncio: imigração polonesa em Áurea. Erechim: Revista Perspectiva, 2003; 3)
A certeza do incerto: morte na imigração polonesa. Passo Fundo: Semina – Cadernos de
Pós-Graduação em História, 2004; 4) Pequeninos poloneses: o cotidiano das crianças
polonesas no Alto Uruguai (1920-1950). Passo Fundo: Semina – Cadernos de Pós-Gradua-
ção em História, 2005; 5) Os filhos da diáspora: uma análise teórico-metodológico no
ensino de História. Getúlio Vargas: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Ge-
túlio Vargas, 2005.

SUSANA BLEIL DE SOUZA. Professora e pesquisadora em História da América Latina e


História dos Estados Unidos, do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em
História, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; pesquisadora do CNPq; doutora
pela Universidade de Paris X - Nanterre, França; professora convidada da Facultadad
de Humanidades y Ciências de la Educacíón, da Universidad de la República, para mi-
nistrar seminários na Maestria em Ciências Humanas; coordenadora de convênios com
a Argentina e coordenadora do Comitê Acadêmico Historia y Fronteras da Associação
de Universidades Grupo Montevidéu (AUGM). Publicações: 1) (CO-AUTORA) Práticas
de integração nas fronteiras. Temas para o Mercosul Porto Alegre: UFRGS, Instituto
Goethe/ICBA, 1995; 2) América Latina: insurreição, resistência e repressão. O México
rebelde e o Uruguai da transição. In: HOLZMANN, Lorena e SERRA PADRÓS, Enrique.
1968: contestação e utopia. Porto Alegre: UFRGS, 2003; 3) Charqueadas i installacions
frigorífiques a la frontera gautxa: el trànsit pel port de Montevideo a principis del segle
XX. Receques. Història, Economia, Cultura. 45-46. Barcelona: 2002-2003 (Publicado em
catalão); 4) Com PRADO, Fabrício. Las representaciones del Brasil en el discurso de los
constructores de la identidad uruguaya en el siglo XIX. In: TRINCHERO, Héctor H.;
BLANCO, FernandO L. (compiladores) Fronteras, indígenas y migrantes en América del
Sur. Córdoba: Centro de Estudios Avançados (UNC), Ferreyra, 2004; 5) Com PRADO,
Fabrício. Brasileiros na fronteira uruguaia: economia e política no século XIX. In:
História Geral do Guazzelli; Grijó; Kühn e Neumann. Capítulos de História do Rio Grande do Sul. Por-
Rio Grande do Sul
to Alegre: UFRGS, 2004.

Os autores

552
Volume 3
República Velha
Tomo I

Referências

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