Você está na página 1de 13

Universidade Federal de Santa Catarina

Homossexualidade, Psicopatologia e Saúde Mental

Disciplina: Psicopatologia I
Autores: Bernardo Peressoni Luz e
Luiz Henrique Toresan
Resumo

Este artigo objetiva discutir a presença da homossexualidade como


psicodiagnóstico no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM), além das implicações práticas da presença de tal diagnóstico no manual
estatístico elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o CID.
Primeiramente caracterizaremos a construção histórica da homossexualidade como
patologia, discutindo os acontecimentos históricos que fizeram com que tal
diagnóstico fosse incluido em manuais como o DSM e o CID e, depois, excluído dos
manuais em questão. Após, abordaremos alguns dos impactos que a homofobia e a
classificação da homossexualidade como transtorno mental têm no sujeito, citando,
por exemplo, maiores taxas de transtornos mentais e de suicídio entre os
homossexuais. Além dos impactos no sujeito, abordaremos brevemente a atenção
necessária do sistema de saúde com o grupo já citado. Por fim, nos posicionamentos,
como autores, sobre o assunto, elucidando os motivos para tal posicionamento, além
de apresentarmos nossa visão sobre como o assunto deve ser tratado.

Palavras chave: Homossexualidade; Homofobia; Psicopatologia; DSM; CID; Saúde


Mental

Introdução

O presente artigo visa abordar uma temática cada vez mais presente na
construção acadêmica de psicologia, inflada por constantes mudanças na elaboração
de uma psicologia que reafirma seu compromisso ético e teórico: a discussão relativa
ao Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e, nesse caso
especificamente, abordando com mais ênfase a homossexualidade.
Os principais instrumentos utilizados para o psicopatodiagnóstico - ou que
influenciaram a criação de outros manuais de psiquiatria, em um âmbito geral são o
DSM e o CID (organizados pela OMS), desde suas respectivas criações (Laurenti,
1984; Dunker & Neto, 2010; Garcia & Mattos, 2020). Sendo assim, buscaremos
discutir a influência social e científica desses manuais e seus posicionamentos frente
o diagnóstico da homossexualidade como um transtorno mental.
Para fins de elucidação teórica, entendemos a homossexualidade como
referente à atração exclusiva a pessoas do mesmo sexo (homo = mesmo), embora
possa-se extender os dados aqui apresentados a pessoas bissexuais. A primeira
aplicação desta palavra data o ano de 1869, escrita em uma carta para o Ministério
da Justiça da Alemanha. Carta esta redigida por uma médica húngara que defendia
o fim das perseguições e agressões aos então chamados homossexuais (Carolina,
2018).
Adentraremos a discussão sobre homossexualidade como patologia, refletindo
sobre o impacto de sua categorização como um transtorno mental, visto que o papel
da psiquiatria na enraização da homofobia foi relevante. Buscaremos, também,
entender melhor quais são os impactos psicológicos da patologização e discriminação
da homossexualidade no sujeito, ampliando nossa discussão. Este presente texto se
mostra relevante ao ponto em que aponta o papel das próprias instituições de saúde
(como a OMS) na deterioração da qualidade de vida de uma população já vulnerável.
Homossexualidade como psicopatologia

A realização de estudos sobre a saúde mental da população homossexual é


dificultada pelo recorrente debate acerca da classificação - ou não - da
homossexualidade como um transtorno mental. O assunto é dividido principalmente
entre uma perspectiva que entende a homossexualidade com cunho natural e uma
perspectiva conservadora, que acredita na homossexualidade como um transtorno
mental. Embora, em 1973, o DSM tenha retirado tal classificação como um transtorno
mental, as heranças do posicionamento conservador se mantém até os dias de hoje
(Meyer, 2003).
A origem da corrente conservadora tem raízes na visão da homossexualidade
como um pecado - perversão, desvio ou até mesmo crime. Dados arqueológicos
sugerem que a homossexualidade humana teve origem com o próprio homo sapiens
(Cuesta & Diez, 2006). Entretanto, ao longo da história, principalmente com o
desenvolvimento das civilizações, a população homossexual - ou presumidamente
homossexual - foi perseguida, condenada, torturada fisica e psicologicamente, e
morta. Diversos impérios e governos, principalmente da idade média até os dias de
hoje, tipificaram e ainda tipificam a homossexualidade (na bíblia, sodomia) como um
desvio de conduta, ou, principalmente, um pecado. Portanto, deveriam os
homossexuais ser queimados, brutalmente atacados e presos.
Diversos relatos apontam o início da pena de morte para homossexuais no
império chinês de Gengis Khan (China Org., 2007), ocorrendo em diversos impérios
e governos, como Portugal, Inglaterra e França, atingindo quase todos os países e
governos europeus. Em períodos específicos, como nas ditaduras em Cuba, na
Espanha, no nazismo e na União Soviética, o extermínio de homossexuais ou
“supostos” homossexuais se tornou um marco histórico de massacres de populações
LGBT, que perduram até hoje (Brasil, 2017; BBC, 2017; Elídio, 2010; UOL, 2019;
Pinheiro, 2018; Jesus, 2010). Essas políticas públicas de extermínio de populações
“indesejadas” (incluindo negros, ciganos e outros grupos sociais específicos)
demonstram uma das diversas formas tomadas de apagamento da realidade
homossexual. Eram proibidas quaisquer “manifestações de comportamentos
homossexuais” ou representação homossexual na mídia, eram - também -
rechassados comportamentos ditos “não-masculinos” em homens. Todas essas
investidas serviam como formas de punir e excluir os homossexuais, ou “desviantes”
(Garcia & Mattos, 2020; Ribeiro, 2010; Nucci & Russo, 2009).
Embora não seja o intuito deste trabalho, discorrer brevemente sobre a história
da homofobia e o extermínio da população homossexual faz-se necessário. Pintar um
quadro geral que reflita tais atos auxilia uma compreensão mais aprofundada do tema.
Voltamo-nos então a um olhar específico: o quanto as ciências médicas e biológicas
(especialmente a psiquiatria) participou e alicerçou as brutalidades contra
homossexuais.
As primeiras pesquisas científicas realizadas no campo da sexualidade, com
enfoque na homossexualidade, iniciaram com um teor patologizante, tendo como
“causas” para tais “condutas patológicas” o “hermafrodismo da mente”, disfunções
nas genitálias, problemas endócrinos, perversão (por Kraft-Ebing, famoso psiquiatra),
problemas psíquicos (por Freud), malformações fetais, tamanho do pênis, dentre
diversas outras teorias (Nucci & Russo, 2009; Aragusuku & Lara, 2020; Góis, 2000;
Ribeiro, 2010; Garcia & Mattos, 2020; Laurenti, 1984; Dunker & Neto, 2010). Sendo
assim, percebe-se um forte esforço do campo científico biomédico e psicológico para
a transferência da origem epistemológica da homofobia: o que antes tinha
fundamentos religiosos e morais, agora se torna cientificamente fundamentado.
Essas inúmeras contribuições para a determinação patológica da
homossexualidade refletiram diretamente no campo da ciência e da saúde como um
todo: era então, quase que unânime a posição do homossexual como um “erro”, ou
como um doente. Esse reconhecimento científico - dentro de uma sociedade moderna
positivista - ancorou juridicamente e socialmente o extermínio e a exclusão do grupo
em questão.
Surge no final do século XIX e início do século XX - com a expansão da
psiquiatria e o período pré e pós-guerra - a necessidade da criação de uma referência
universal padronizada no campo da psiquiatria. Influenciada pelo CID (Classificação
Internacional de Doenças), a Associação Americana de Psiquiatria (APA) publica em
1952 a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais
(DSM), com forte raiz psicanalítica (Martinhago & Caponi, 2019). O
“homossexualismo” entra como diagnóstico em sua primeira edição, já sendo um
quadro no CID (elaborado pela Organização Mundial de Saúde) desde 1948 (Laurenti,
1984). Tais “quadros clínicos” cristalizaram estruturalmente o ódio, a exclusão e a
punição aos homossexuais e os “ditos” homossexuais. A ciência, nesse ponto,
universalmente e globalmente garantiu fundamentos teóricos e “racionais” à
homofobia. Além de - na época - já ser crime na maioria dos países, a
homossexualidade torna-se também doença. A prática psiquiátrica, incluindo
internações forçadas, a estigmatização da “doença”, terapias de eletrochoque,
lobotomias e diversas abordagens hoje entendidas como brutais, aconteceu de forma
massiva (Laurenti, 1984; Dunker & Neto, 2010; Sobral, Silva & Fernandes, 2019;
Aragusuku & Lara, 2020; Nucci & Russo, 2009; Ribeiro, 2010). Torna-se uma tarefa
quase impossível quantificar o total de vítimas, mas tais práticas se espalharam
globalmente, principalmente nos países mais alinhados com a OMS.
Esses diagnósticos deram aporte científico a muitas legislações da época,
sendo considerado, então, um dos piores crimes possíveis. Dentre as vítimas, pode-
se citar como exemplo a condenação de dois nomes importantes para a história da
humanidade: Oscar Wilde (escritor e poeta inglês) e Alan Turing (o pai da computação
moderna e da inteligência artificial). O magistrado, ao pronunciar a sentença de Wilde,
disse palavras históricas: “Nunca tive, até hoje, em toda a minha vida, que julgar uma
causa tão vil como a vossa.” (Ribeiro, 2010, p. 510).
O fato das psicopatologias não terem marcadores biológicos bem definidos,
como o câncer e a diabetes, seus critérios de diagnóstico recorrem à sugestões e
convenções. Sendo assim, nessa instabilidade entre o normal e o patológico, os
manuais de classificação - como o CID e o DSM - adotam historicamente um papel
normativo, classificando e patologizando comportamentos sociais “indesejáveis”
pelos que os compõem, utilizando como base critérios estatísticos (Caponi, 2014).
Foucault analisa como o discurso psiquiátrico em sua lógica de biopolítica, onde o
Estado (por meio da psiquiatria) opõe populações, garantindo a uma segurança e
proteção, enquanto que à outra impõe silenciamento, exclusão e controle (Foucault,
2014). Apresentando, rapidamente, algumas das possíveis consequências de uma
má utilização dos manuais citados.
Com o desenvolvimento social, a presença de lutas por direitos humanos e
LGBT+ e a participação ativa de uma resistência teórica e prática de profissionais da
área da saúde, em 1973 a homossexualidade foi removida como diagnóstico do DSM
II (Aragusuku & Lara, 2020). Entretanto, foi substituída por “Distúrbio de Orientação
Sexual”, e renomeada como “Transtorno de Homossexualidade Egodistônica” (THE)
no DSM III, garantindo a manutenção de uma prática patologizante na atuação
psiquiátrica (Dunker & Neto, 2010; Drescher, 2015). No ano de 1987, a APA retirou o
“THE” do DSM III, e apenas em 1990 (30 anos atrás), a homossexualidade foi
removida pela OMS no CID 10.
Em 1999, por meio da resolução nº 01/99, o Conselho Federal de Psicologia
proibiu a patologização da homossexualidade na prática psicológica brasileira
(Aragusuku & Lara, 2020). Embora a resolução tenha sido um marco histórico para a
população LGBT, tal decisão tem encontrado muita resistência dos movimentos
conservadores que se ampliam no país. Os mesmos autores ressaltam a participação
fundamental de um ativismo político e um forte movimento LGBT no país para a
manutenção de tal resolução, e especial menção às históricas marchas LGBT em
2016 nas capitais do país contra uma prática dita “cura gay”.

Homofobia e psicopatologias

Antes de adentrarmos a discussão da homofobia, faz-se necessário diferenciar


estereótipo de preconceito de discriminação. Esses conceitos normalmente
caminham lado a lado e têm potencial para gerar confusão.
O conceito de estereótipo data o século XX, tendo sido utilizado pelo jornalista
americano Walter Lippmann. A palavra tem sua origem na combinação de expressões
gregas,: stereo, significando “sólido” e tupos, que significa “impresso”. A ideia da
combinação desses termos se baseia na analogia do “impresso em algo sólido”, ou
seja, difícil de ser mudado, cristalizado (Ministério da Educação, 2009). O estereótipo
funciona como um recurso intelectual classificatório que visa simplificar uma relação,
imagem ou conceito. Não se pode dizer que um estereótipo per se é bom ou ruim, é
apenas uma simplificação.
Ao tratarmos de preconceito, estamos utilizando a noção de estereótipo, porém
com cunho negativo. Segundo do dicionário Dicio, preconceito pode ser entendido
como: “Opinião ou pensamento acerca de algo ou de alguém, construída a partir de
análises sem fundamento, conhecimento nem reflexão.” (“Preconceito”, 2011), tendo
sua origem etimológica na ideia de pré + conceito, ou seja, um conceito concebido
antes da informação necessária. O preconceito acrescenta a noção de julgamento,
uma classificação entre bom e mau, bem e mal. Outra característica importante a ser
ressaltada é que, o preconceito muitas vezes caminha lado a lado com a
discriminação.
A discriminação pode ser entendida como um ato de separar. Essa separação
pode ser tanto com vistas no privilégio de um determinado grupo ou no prejuízo deste
mesmo. Podemos pensar a discriminação como a ação do preconceito (Ministério da
Educação, 2009).
Tendo diferenciado os conceitos, podemos adentrar no entendimento e na
discussão sobre o preconceito e a discriminação frente à homossexualidade: a
homofobia. Além de discutir a homofobia em si, faz-se de suma importância entender
os impactos dela nos sujeitos.
Cunha & Gomes (2014) possibilitam, por meio sua revisão sistemática, um
mais profundo entendimento sobre a discriminação e o preconceito frente à
homossexualidade. Segundo os autores, a constante aparição de discursos
homofóbicos auxilia no processo de silenciamento e segregação do homossexual.
Esse discurso tem origem, principalmente, em ideias estigmatizantes que versam
sobre a homossexualidade como ploriferadora de doenças, como um pecado, como
aberrações da natureza, etc. A presença do discurso discriminatório relativo ao grupo
homossexual traz diversas consequências aos sujeitos deste grupo. A ampla
pesquisa realizada por Ghorayeb (2012) aponta dados quantitativos e qualitativos de
como a homofobia afeta negativamente os aspectos socioemocionais da população
homossexual, incluindo desde índice de transtornos mentais, percepção de bem-estar
à recorrente vergonha identitária.
Ceará & Dalgalarrondo (2010) mostram em seu estudo como a segregação
influencia o sujeito. Ao estudarem homossexuais na maturidade e na velhice, os
autores perceberam uma maior incidência de transtornos mentais e risco de suicídio
em gays e lésbicas. Outra informação presente no estudo foi a de que homossexuais,
em comparação com heterossexuais, apresentam melhor qualidade de vida. Uma
hipótese levantada pelos autores está na relação do ambiente com o sujeito. Alguns
indivíduos mantinham sua sexualidade completamente escondida ou a resguardavam
em algumas áreas da vida que julgavam mais importantes. A maior presença de
transtornos mentais pode ter relação com a angústia presente no “esconder a
sexualidade”, ao mesmo tempo que, quando o sujeito vive em um ambiente
acolhedor, sua qualidade de vida tende a aumentar, relacionada - provavelmente -
com o sentimento de liberdade.
Uma pesquisa realizada na Universidade de Columbia por Meyer (2003)
aponta que homossexuais possuem 2,5x mais chance de desenvolver algum tipo de
transtorno mental por conta do efeito chamado minority stress (“estresse de minoria”).
Esse termo se refere ao impacto psicológico negativo que é conferido a uma minoria
social por conta de sua socialmente atribuída inferioridade. O estresse de minoria
envolve diversos aspectos, como sentimento de pertencimento, identidade,
expectativa de rejeição, homofobia internalizada, inclusão, acesso, autopercepção,
medo, fingimento, etc. Cerqueira-Santos, Azevedo e Ramos (2020) relatam dados
brasileiros que vão ao encontro da pesquisa de Meyer (2003): não-heterossexuais
têm níveis superiores de stress geral, como também têm significativamente inferior
nível de autoestima e autocuidado. Ambas pesquisas reforçam o alto fator de risco
que o estresse de minoria representa sobre a saúde mental e sua forte indução a
comportamentos de risco, como o suicídio e o abuso de substâncias (Cerqueira-
Santos, Azevedo & Ramos, 2020; Meyer, 2003; Cunha & Gomes, 2014; Natarelli,
Braga, Oliveira & Silva, 2015; Teixeira-Filho & Rondini, 2012; Cardoso & Ferro, 2012;
Guimarães et al., 2019; Ceará & Dalgalarrondo, 2010; Agoramoorthy & Minna, 2007;
Ghorayeb, 2012)
Acrescentando à discussão, Um das consequências dessa discriminação na
saúde pública é a menor presença de diagnósticos de doenças como câncer de mama
e de colo de útero entre mulheres lésbicas, gerada por uma menor procura desses
serviços por esse grupo. Além do exemplo citado, temos a associação feita da
homossexualidade masculina com a AIDS, que tem ligação com a segregação do
homem homossexual, gerando queda na auto-estima, episódios depressivos, medo,
isolamente social, abuso de álcool e outras drogas, etc (Cardoso & Ferro, 2012).
Outro fator que tem influência direta com a saúde dos homossexuais são os
casos de violência motivados unicamente pelo fato do sujeito ser homossexual.
Segundo Cardoso & Ferro (2012), dados do SUS de 1980 até 2005 mostram a
presença de 2.511 assassinatos de homossexuais, tendo em sua grande maioria o
motivo acima citado. 52% desses assassinatos foram cometidos por pessoas
conhecidas do assassinado, podendo ser um familiar, colegas de escola ou faculdade
ou amigos/conhecidos.
Além da violência física, Natarelli et al. (2015) destacam a presença da
violência verbal, psicológica e sexual. Por meio dos relatos dos participantes do
estudo, a presença das violências citadas gera uma reclusão social nos
homossexuais. Essa reclusão se dá, tanto de maneira física (a não presença em
determinados locais) como intelectual (por meio do silenciamento dessa população).
Tais relatos apontam que esse preconceito ocorre nos mais variados meios, como a
escola, a família, no atendimento médico, etc. Diversos desses relatos incluem a
ideação e a tentativa de suicídio, recorrente na população LGBT+. Uma pesquisa
realizada por Teixeira-Filho e Rondini (2012) relata que jovens homossexuais têm de
3x a 8x mais chances de tentar o suicídio do que jovens heterossexuais, sendo essa
diferença justificada pelos efeitos socioemocionais da homofobia.
As diversas pesquisas aqui citadas, de forma unânime, apontam pelo menos
um ponto central comum: a homofobia, como um processo social desenvolvido por
milhares de anos, que tem impacto devastador na população homossexual. Dessa
forma, a própria existência do homossexual no contexto social histórico e presente é
um fator de risco à saúde mental do mesmo.

Considerações Finais

Nas últimas décadas, por conta de um amplo movimento global da luta LGBT+,
do desenvolvimento social dos países, e da recém batalha pelos Direitos Humanos,
a homossexualidade deixou de ser crime em diversos países ao redor do mundo
(Pretes & Vianna, 2008). Esse processo ainda é recente e dinâmico. A Índia, segundo
maior país do mundo, descriminalizou a homossexualidade apenas em 2018 (G1,
2018). Embora seja um movimento de grande impacto, o recente relatório da
Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (IGLA)
(Mendos, 2019) aponta que em 68 dos 193 Estados reconhecidos pela ONU a
homossexualidade ainda é ilegal, o que corresponde a 35% do mundo. Desses, 12
aplicam a punição de morte a relações homossexuais.
O casamento homoafetivo foi legalizado em alguns países e as concepções de
família sofreram alterações (Meyer, 2003). Hoje, o casamento gay é legal em apenas
27 países, o que corresponde a 14% do mundo (Mendos, 2019). Esse número é igual
para as adoções por casais homoafetivos. No Brasil, a Resolução nº 175 do Conselho
Nacional de Justiça, de 14 de maio de 2013, garantiu a realização de casamento civil
ou de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa resolução é
considerada um marco histórico na luta por direitos igualitários das pessoas
homossexuais (Carolina, 2018).
Com uma história pintada com sangue, a luta homossexual cresce cada vez
mais no mundo. Essa batalha é fundamental na garantia de direitos humanos e na
reformulação mundial do que é a homossexualidade (Toniette, 2006). Aliado ao
movimento, pode-se ressaltar a importância de uma formação crítica e ética dos
profissionais da saúde, participando ativamente no movimento de despatologização
e reconstrução da homossexualidade na ciência (Carneiro, 2015; Aragusuku & Lara,
2019). A psicologia se insere nessa problemática de forma fundamental, ao passo
que deve impedir uma atuação profissional que reforce a homofobia. Deve também
endereçar uma prática humanizadora ao lidar com questões específicas do sofrimento
homossexual, como a recém formulada Terapia Afirmativa, criada por Alan Malyon
em 1982 (Borges, 2009).
Faz-se necessário uma ciência psicológica que reduza os efeitos do Estresse
de Minoria, garantindo uma qualidade de vida mais digna a uma população tão
vulnerável social, física e psicologicamente. Ao lidar com questões específicas do
Estresse de Minoria, as ciências psicológica e psiquiátrica reduzem os tão altos
índices de transtornos psicológicos que assombram a comunidade homossexual.
Cardoso e Ferro (2012) pontuam a importância de políticas públicas de saúde
direcionadas à população homossexual. A discriminação tem impactos diretos na
saúde dos sujeitos. Sendo assim, uma atenção especial pública aos grupos
discriminados, atentando-se às características específicas de sofrimento de cada
grupo é essencial
Por fim, sugerimos um olhar crítico aos manuais normativos, como o CID e o
DSM, que ao longo de tantos anos contribuíram para o adoecimento dessa
população. É imprescindível a reformulação dos critérios de classificação de doenças
e transtornos mentais, visto que, com base exclusivamente estatística e social, podem
rotular, estereotipar, patologizar e violentar tantas populações. O campo da saúde
mental tem o dever ético e moral de reduzir o sofrimento psicológico dos seres-
humanos, garantindo uma melhor qualidade de vida aos indivíduos, e não o oposto.

Referências

Agoramoorthy, G., & Minna, J H. (2007). India's homosexual discrimination


and health consequences. Revista de Saúde Pública, 41(4), 657-660.
https://doi.org/10.1590/S0034-89102006005000036

Aragusuku, H. A., & Lara, M. F. A. (2019). Uma Análise Histórica da


Resolução n° 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia: 20 Anos de
Resistência à Patologização da Homossexualidade. Psicologia: Ciência e
Profissão, 39(3), e228652. https://doi.org/10.1590/1982-3703003228652

BBC. (2017, Abril 24). 'Campos de concentração para homossexuais': a


crescente perseguição a gays na Chechênia. BBC News Brasil. Recuperado
de https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39603792.

Borges, K. (2009). O que é terapia afirmativa? In Terapia afirmativa: Uma


introdução à psicologia e à psicoterapia dirigida a gays, lésbicas e bissexuais
(pp. 21–25). São Paulo: GLS.

Brasil. (2017, Dezembro 14). LGBT. Memórias da ditadura. Recuperado de


http://memoriasdaditadura.org.br/lgbt/.
Caponi, S.. (2014). O DSM-V como dispositivo de segurança. Physis: Revista
de Saúde Coletiva, 24(3), 741-763. https://doi.org/10.1590/S0103-
73312014000300005

Cardoso, M. R., & Ferro, L. F.. (2012). Saúde e população LGBT: demandas
e especificidades em questão. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(3), 552-
563. https://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932012000300003

Carneiro, A. J. dos S. (2015). A morte da clínica: Movimento homossexual e


a luta pela despatologização da homossexualidade no Brasil (1978-1990).
XXVIII Simpósio Nacional de Historia. Florianópolis, SC; Recuperado de
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1439866235_ARQUIVO_
Artigo-Amortedaclinica.pdf

Carolina, A. (2018, fevereiro 25). Casamento homoafetivo. Recuperado de


https://jus.com.br/artigos/64395/casamento-homoafetivo

Ceará, A. de T., & Dalgalarrondo, P.. (2010). Transtornos mentais, qualidade


de vida e identidade em homossexuais na maturidade e velhice. Archives of
Clinical Psychiatry (São Paulo), 37(3), 118-123.
https://doi.org/10.1590/S0101-60832010000300005

Cerqueira-Santos, E., Azevedo, H., & Ramos, M. (2020). Preconceito e Saúde


Mental: Estresse de Minoria em Jovens Universitários. Revista de Psicologia
da IMED, 12(2), 7-21. doi:https://doi.org/10.18256/2175-
5027.2020.v12i2.3523

China, O. R. G. (2007, 31 de Agosto). Genghis Khan's Code Published in


Bilingual Edition. Beijing Review. Recuperado de
http://www.bjreview.com.cn/headline/txt/2007-08/31/content_74376.htm

Choi, V. P., Lopes, E. dos S. S., Silva, I. de O. da, Camilo, J. T. da S., Silva,
L. F. da (Orgs.) (2019). Manual APA: Regras Gerais de Estilo e Formatação
de Trabalhos Acadêmicos (2a ed. rev). São Paulo: Biblioteca FECAP Paulo
Ernesto Tolle. Recuperado de http://biblioteca.fecap.br/wp-
content/uploads/2012/08/Manual-APA-2.ed_3.pdf
Cuesta, J. A., & Diez, M. G. (2006). Diversity and meaning of Palaeolithic
phallic male representations in Western Europe. Actas Urologicas Espana,
30(3), 254-267. https://doi.org/10.1016/s0210-4806(06)73438-6

Cunha, R. B. B. e, & Gomes, R.. (2015). Os jovens homossexuais masculinos


e sua saúde: uma revisão sistemática. Interface - Comunicação, Saúde,
Educação, 19(52), 57-70. https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0089

Drescher, J. (2015). Out of DSM: Depathologizing Homosexuality. Behavioral


Sciences, 5(4), 565–575. https://doi.org/10.3390/bs5040565

Dunker, C. I. L., & Neto, F. K.. (2010). Curar a Homossexualidade?: a


psicopatologia prática do DSM no Brasil. Revista Mal Estar e Subjetividade,
10(2), 425-446. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-
61482010000200004&lng=pt&tlng=pt.

Elídio, T. (2010). A perseguição nazista aos homossexuais : o testemunho de


um dos esquecidos da memória (Dissertação de Mestrado). Instituto de
Estudos de Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP,
Brasil. Recuperado de
http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/270289/1/Elidio_Tiago
_M.pdf

Foucault, M. (2014). História da sexualidade: a vontade de saber (9a ed., Vol.


1, Ser. História da Sexualidade). São Paulo: Paz & Terra.

Garcia, Ma. R. V., & Mattos, A. R. (2019). “Terapias de Conversão”: Histórico


da (Des)Patologização das Homossexualidades e Embates Jurídicos
Contemporâneos. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(3), e228550.
https://doi.org/10.1590/1982-3703003228550

Ghorayeb, D. B. (2012). Homossexualidades na adolescência: aspectos de


saúde mental, qualidade de vida, religiosidade e identidade psicossocial
(Tese de doutorado). Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Recuperado de
http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/309446/1/Ghorayeb_
DanielaBarbetta_D.pdf
Góis, J. B. H. (2000). Olhos e Ouvidos Públicos para Atos (Quase) Privados:
a formação de uma percepção pública da homossexualidade como doença.
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, 10(2), 75–99.

Guimarães, A. N., Marqui, G. D. da S. de, Brum, M. L. B., Vendruscolo, C.,


Werner, J. M., & Za., E. A. (2019). Narratives of young people on same-sex
relationships about their path and implications for mental health. Escola Anna
Nery, 23(1), e20180240. https://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-
0240

G1. (2018, Setembro 6). Suprema Corte da Índia decide descriminalizar a


homossexualidade no país. G1 Mundo. Recuperado de
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/09/06/suprema-corte-da-india-
decide-descriminalizar-o-homossexualismo-no-pais.ghtml.

Ingo, C., & Kyrillos Neto, Fuad. (2010). Curar a Homossexualidade?: a


psicopatologia prática do DSM no Brasil. Revista Mal Estar e Subjetividade,
10(2), 425–446. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-
61482010000200004

Jesus, D. S. V. de. (2010). Espiões e bárbaros entre camaradas: o amor que


não ousava dizer o nome na União Soviética. Lutas Sociais, (24), 18–30.
Recuperado de http://www4.pucsp.br/neils/downloads/02-
Diego%20Santos%20Vieira%20de%20Jesus.pdf

Laurenti, R. (1984). Homossexualismo e a Classificação Internacional de


Doenças. Revista de Saúde Pública, 18(5), 344-347.
https://doi.org/10.1590/S0034-89101984000500002

Martinhago, F., & Caponi, S. (2019). Breve história das classificações em


psiquiatria. Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, 16(1), 73–90.
https://doi.org/10.5007/1807-1384.2019v16n1p73

Mendos, L. R. (2019, Dezembro). State-Sponsored Homophobia 2019: Global


Legislation Overview Update. Geneva.
https://ilga.org/downloads/ILGA_World_State_Sponsored_Homophobia_rep
ort_global_legislation_overview_update_December_2019.pdf.

Meyer, I. H. (2003). Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay, and
bisexual populations: Conceptual issues and research evidence.
Psychological Bulletin, 129(5), 674–697. https://doi.org/10.1037/0033-
2909.129.5.674

Ministério da Educação (2009). Gênero e diversidade na escola: formação de


professoras/es em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais.
Livro de conteúdo. Versão 2009. – Rio de Janeiro : CEPESC; Brasília : SPM,
2009. Recuperado de
http://estatico.cnpq.br/portal/premios/2014/ig/pdf/genero_diversidade_escola
_2009.pdf

Natarelli, T. R. P., Braga, I. F., Oliveira, W. A. de, & Silva, M. A. I. (2015). O impacto
da homofobia na saúde do adolescente. Escola Anna Nery, 19(4), 664-670.
https://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20150089

Nucci, M. F., & Russo, J. A. (2009). O terceiro sexo revisitado: a


homossexualidade no Archives of Sexual Behavior. Physis: Revista de Saúde
Coletiva, 19(1), 127-147. https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000100007

Pinheiro, D. (2018). Autoritarismo e homofobia: a repressão aos


homossexuais nos regimes ditatoriais cubano e brasileiro (1960-1980).
Cadernos Pagu, (52), e185213.
2018.https://doi.org/10.1590/18094449201800520013

Preconceito (2011). Acessado em 11 de novembro de 2020, do website Dicio:


https://www.dicio.com.br/preconceito/

Pretes, É. A., Vianna, T. (2008). História da criminalização da


homossexualidade no Brasil: da sodomia ao homossexualismo . In Iniciação
científica: destaques 2007 (Vol. 1, pp. 313–392). Minas Gerais: Editora PUC
Minas.
Ribeiro, L. (2010). Ciência homossexualismo e endocrinologia. Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13(3), 498-511.
https://doi.org/10.1590/S1415-47142010000300009

Sobral, H. S., Silva, M. L. V. D., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: o


que a psicologia brasileira tem a dizer? Artigo de revisão. CES Psicología,
12(3), 20–34. https://doi.org/10.21615/cesp.12.3.2

Teixeira-Filho, F. S., & Rondini, C. A. (2012). Ideações e tentativas de suicídio


em adolescentes com práticas sexuais hetero e homoeróticas. Saúde e
Sociedade, 21(3), 651-667. https://doi.org/10.1590/S0104-
12902012000300011

Toniette, M. A. (2006). Um breve olhar histórico sobre a homossexualidade.


Revista Brasileira De Sexualidade Humana, 17(1), 41–52.

UOL. (2019, Novembro 25). Regime Fidel Castro: A Repressão Aos Homossexuais.
UOL Aventuras Na História. Recuperado de
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-a-
homofobia-no-regime-fidel-castro.phtml.

Você também pode gostar