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CAPÍTULO 8 - ENZIMAS
Existem duas condições fundamentais para a vida. Uma delas é que o organismo
vivo deve ser capaz de se auto replicar (um tópico que será visto na Parte IV deste livro).
A segunda é que o organismo deve ser capaz de catalisar reações químicas eficiente e
seletivamente. A importância fundamental da catálise pode surpreender alguns estudantes
iniciantes em bioquímica, mas é fácil ilustra-la. Como descrito no Capítulo 1, os sistemas
vivos utilizam energia do meio ambiente. Os seres humanos, por exemplo, consomem
quantidades substanciais de sacarose – o açúcar comumente usado – como uma espécie de
combustível, na forma de comidas açucaradas, bebidas ou como açúcar. A conversão da
sacarose em CO2 e H2O na presença de oxigênio é um processo altamente exergônico, que
libera energia livre que pode ser usada para pensar, mover, sentir e ver. Entretanto, um
saco de açúcar pode ser armazenado durante vários anos sem ser transformado em CO2 e
H2O. Embora esse processo químico seja termodinamicamente favorável, ele é muito lento
! Contudo, quando a sacarose é consumida por uma pessoa (ou qualquer outro organismo),
ela libera sua energia química em segundos. A diferença é a catálise. Sem a catálise, as
reações químicas necessárias para sustentar a vida não ocorrem em uma escala de tempo
útil.
Nós dirigiremos agora a atenção para os catalisadores das reações que ocorrem nos
sistemas biológicos: as enzimas, as mais notáveis e altamente especializadas proteínas. As
enzimas apresentam uma eficiência catalítica extraordinária, em geral muito maior que a
dos catalisadores sintéticos ou inorgânicos. Elas têm um alto grau de especificidade por
seus substratos, aceleram as reações químicas de uma maneira formidável e funcionam em
soluções aquosas sob condições muito suaves de temperatura e pH. Poucos catalisadores
não-biológicos apresentam tais propriedades.
As enzimas são fundamentais para qualquer processo bioquímico. Agindo em
seqüências organizadas, elas catalisam as centenas de reações sucessivas onde as moléculas
nutrientes são degradadas, a energia química é conservada e transformada e as
macromoléculas biológicas são sintetizadas a partir de moléculas precursoras simples.
Devido à ação das enzimas reguladoras, as vias metabólicas são altamente coordenadas de
forma a produzir uma atuação harmoniosa das muitas diferentes atividades necessárias
para manter a vida.
O estudo das enzimas tem uma grande importância prática. Em algumas doenças,
especialmente nas desordens genéticas herdadas, pode ocorrer uma deficiência ou mesmo a
ausência total de uma ou mais enzimas. Outras condições anormais também podem ser
causadas pela excessiva atividade de uma enzima. Medidas da atividade de enzimas no
plasma sangüíneo, eritrócitos ou amostras de tecido são importantes no diagnóstico de
várias doenças. Muitas drogas exercem seu efeito biológico através de interações com as
enzimas. As enzimas tornaram-se importantes ferramentas práticas, não apenas na
medicina, mas também na indústria química, no processamento de alimentos e na
agricultura.
Nós iniciaremos este capítulo com a descrição das propriedades das enzimas e dos
princípios fundamentais do seu poder catalítico. Em seguida será feita uma introdução à
cinética enzimática, uma disciplina que fornece a maior parte dos fundamentos para
qualquer discussão sobre enzimas. Exemplos específicos de mecanismos enzimáticos serão
então mostrados, ilustrando os princípios introduzidos anteriormente. Finalmente faremos
uma discussão sobre as enzimas reguladoras.

Uma Introdução Às Enzimas


A maior parte da história da bioquímica é a história da pesquisa sobre enzimas. A
catálise biológica foi inicialmente reconhecida e descrita no final de 1700, em estudos
sobre a digestão da carne por secreções do estômago. Em 1800 as pesquisas continuaram
com o estudo da conversão do amido em açúcares simples pela saliva e por vários extratos
vegetais. Em 1850, Louis Pasteur concluiu que a fermentação do açúcar em álcool pela
levedura é catalisada por “fermentos”. Ele postulou que esses fermentos eram inseparáveis
da estrutura das células de levedura vivas, uma hipótese chamada vitalismo, que
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prevaleceu por muitos anos. Em 1897, Edward Buchner descobriu que os extratos de
levedura podiam fermentar o açúcar até álcool, provando que a fermentação era promovida
por moléculas que continuavam funcionando mesmo quando removidas das células.
Frederick W. Kühne denominou tais moléculas de enzimas. À medida que as noções do
vitalismo da vida foram refutadas, o isolamento de novas enzimas e a investigação das
suas propriedades propiciaram o progresso da ciência da bioquímica.

Edward Buchner

1860-1917

James Sumner

1887-1955

J.B.S. Haldane

1892-1964

O isolamento e a cristalização da urease em 1926 por James Sumner, propiciou um


significante avanço nos estudos iniciais acerca das enzimas. Sumner demonstrou que os
cristais de urease consistiam inteiramente de proteína e postulou que todas as enzimas são
proteínas. Devido à falta de outros exemplos, esta idéia permaneceu controvertida por
algum tempo. Somente em 1930, após John Northrop e Moses Kunitz terem cristalizado a
pepsina, a tripsina e outras enzimas digestivas e terem concluído que elas também eram
proteínas, é que a conclusão de Sumner foi completamente aceita. Durante esse período,
J.B.S. Haldane escreveu um tratado intitulado “Enzimas”. Embora a natureza molecular
das enzimas não estivesse completamente entendida, Haldane fez a extraordinária sugestão
de que as interações fracas que se estabelecem entre a enzima e o seu substrato poderiam
ser usadas para distorcer a molécula do substrato e catalisar a reação. Este conhecimento
representa o cerne da compreensão atual da catálise enzimática.
No final do século XX, a pesquisa com enzimas que catalisam as reações do
metabolismo celular foi intensa. Isto levou à purificação de milhares de enzimas, à
elucidação da estrutura molecular e do mecanismo químico da ação de centenas delas e a
uma compreensão geral de como as enzimas funcionam.

A maioria das enzimas são proteínas


Com exceção de um pequeno grupo de moléculas de RNA que apresentam
propriedades catalíticas (Capítulo 26), todas as enzimas são proteínas. A sua atividade
catalítica depende da integridade da sua conformação protéica nativa. Se uma enzima é
desnaturada ou dissociada em subunidades, a atividade catalítica geralmente é destruída.
Se uma enzima é quebrada em seus aminoácidos constituintes, a sua atividade catalítica
sempre é destruída. Assim, as estruturas proteicas primária, secundária, terciária e
quaternária das enzimas são essenciais para a sua atividade catalítica.
As enzimas, como outras proteínas, têm pesos moleculares que variam entre cerca de
12.000 até mais de 1 milhão. Algumas enzimas não requerem nenhum outro grupo
químico além dos seus resíduos de aminoácidos. Outras requerem um componente químico
adicional chamado de cofator – um ou mais íons inorgânicos, tal como Fe2+, Mg2+, Mn2+
ou Zn2+ (Tabela 8-1), uma molécula orgânica complexa ou uma molécula metalorgânica
chamada de coenzima (Tabela 8-2). Algumas enzimas requerem ambas, a coenzima e um
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ou mais íons metálicos para sua atividade. A coenzima ou íon metálico que está
firmemente ou até mesmo covalentemente ligada à parte protéica da enzima é chamada de
grupo prostético. Uma enzima completa e cataliticamente ativa, juntamente com a sua
coenzima e/ou íons metálicos ligados, é chamada de holoenzima. A parte protéica desta
enzima é chamada de apoenzima ou apoproteína. As coenzimas funcionam como
transportadores transitórios de grupos funcionais específicos (Tabela 8-2). Geralmente elas
são derivadas de vitaminas, nutrientes orgânicos necessários em pequenas quantidades na
alimentação diária. As coenzimas serão estudadas com maiores detalhes à medida que elas
forem sendo encontradas nas vias metabólicas discutidas na Parte III deste livro.

tabela 8-1
Alguns elementos inorgânicos que servem como cofatores das enzimas
Cu2+ Citocromo oxidase
Fe2+ ou Fe3+ Citocromo oxidase, Catalase, Peroxidase
K+ Piruvato quinase
2+
Mg Hexoquinase, Glicose-6-fosfatase, Piruvato quinase
Mn2+ Arginase, Ribonucleotídeo redutase
Mo Dinitrogenase
2+
Ni Urease
Se Glutationa peroxidase
Zn2+ Anidrase carbônica, Desidrogenase alcoólica, Carboxipeptidases A
eB
Finalmente, algumas enzimas são modificadas covalentemente por fosforilação,
glicosilação e outros processos. Muitas destas alterações estão envolvidas na regulação da
atividade enzimática.

tabela 8-2
Algumas coenzimas que servem como carregadores transientes de átomos específicos
ou grupos funcionais*
Coenzima Exemplos de grupos Precursor dietético em
químicos transferidos mamíferos
Biocitina CO2 Biotina
Coenzima A Grupos acila Ácido pantotênico e outros
compostos
5’-deoxiadenosilcobalamina Átomos de H e grupos acila Vitamina B12
(coenzima B12)
Flavina adenina Elétrons Riboflavina (vitamina B2)
dinucleotídeo
Lipoato Elétrons e grupos acila Não requerido na dieta
Nicotinamida adenina Íon hidreto (:H-) Ácido nicotínico (niacina)
dinucleotídeo
Piridoxal fosfato Grupos amina Piridoxina (vitamina B6)
Tetrahidrofolato Grupos monocarbônicos Folato
Tiamina pirofosfato Aldeídos Tiamina (vitamina B1)
*A estrutura e o modo de ação destas coenzimas estão descritos na Parte III deste livro.

As enzimas são classificadas pelas reações que catalisam


Muitas enzimas têm sido nomeadas pela adição do sufixo “ase” ao nome do seu
substrato, ou à palavra ou frase que descreve sua atividade. Assim, a urease catalisa a
hidrólise da uréia e a DNA polimerase catalisa a polimerização dos nucleotídeos para
formar o DNA. Outras enzimas, como a pepsina e a tripsina, têm nomes independentes dos
seus substratos ou reações. Algumas vezes, a mesma enzima tem dois ou mais nomes ou
duas diferentes enzimas possuem o mesmo nome. Devido a tais ambigüidades e ao sempre
crescente número de enzimas recém descritas, através de um acordo internacional, foi
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adotado um sistema para nomear e classificar as enzimas. Este sistema divide as enzimas
em seis grandes classes, cada uma com subclasses, conforme o tipo de reação catalisada
(Tabela 8-3). A cada enzima é atribuído um número classificatório de quatro dígitos e um
nome sistemático, que identifica a reação que ela catalisa. Exemplificando, o nome
sistemático formal da enzima que catalisa a reação:

ATP + D-glicose ADP + D-glicose-6-fosfato


é ATP-glicose fosfotransferase, indicando que ela catalisa a transferência de um grupo
fosfato do ATP para a glicose. O seu número na Comissão de Enzimas (número E.C.) é
2.7.1.1. O primeiro dígito (2) denota o nome da classe (transferase); o segundo dígito (7),
a subclasse (fosfotransferase); o terceiro dígito (1), uma fosfotransferase que apresenta um
grupo hidroxila aceptor de fosfato; e o quarto dígito (1), indica que a D-glicose é o aceptor
do grupo fosfato. Para muitas enzimas, um nome trivial pode ser usado, como por exemplo
no caso da hexoquinase.

tabela 8-3
Classificação internacional das enzimas*
No. Classe Tipo de reação catalisada
1 Oxidoredutases Transferência de elétrons (íons hidretos ou átomos de H)
2 Transferases Reações de transferência de grupos
3 Hidrolases Reações de hidrólise (transferência de grupos funcionais
para a água)
4 Liases Adição de grupos à duplas ligações ou formação de duplas
ligações através de remoção de grupos
5 Isomerases Transferência de grupos dentro da mesma molécula para
formar isômeros
6 Ligases Formação de ligações do tipo C-C, C-S, C-O e C-N através
de reações de condensação acopladas à quebra do ATP
*A maioria das enzimas catalisa a transferência de elétrons, átomos ou grupos funcionais.
Desse modo, elas são classificadas de acordo com um número de código e atribuindo-se
um nome de acordo com o tipo da reação de transferência, do grupo doador e do grupo
aceptor. Uma lista completa e a descrição das milhares de enzimas conhecidas está além do
objetivo deste livro. Este capítulo é destinado principalmente aos princípios e às
propriedades comuns a todas as enzimas.

Como As Enzimas Funcionam


A catálise enzimática das reações é essencial para os sistemas vivos. Sob condições
biológicas relevantes, as reações não catalisadas tendem a ser lentas – muitas das
moléculas biológicas são bastante estáveis no ambiente aquoso, de pH neutro e
temperatura moderada, do interior das células. Além disso, muitas reações bioquímicas
comuns envolvem eventos químicos que são desfavoráveis ou improváveis no ambiente
celular, tais como a formação de intermediários carregados ou a colisão de duas ou mais
moléculas com a orientação precisa necessária para que ocorra a reação. Sem catálise, as
reações necessárias para digerir os alimentos, enviar sinais através dos nervos ou contrair
um músculo simplesmente não ocorrem com uma velocidade útil.
Uma enzima contorna estes problemas fornecendo um ambiente específico onde
uma dada reação é energeticamente mais favorável. A característica que distingue uma
reação catalisada enzimaticamente é que ela ocorre no interior dos limites de uma cavidade
na enzima chamada sítio ativo (Fig. 8-1). A molécula que se liga ao sítio ativo e que sofre
a ação da enzima é chamada substrato. A superfície do centro ativo é contornada com
resíduos de aminoácidos cujos grupos substituintes se ligam ao substrato e catalisam a sua
transformação. O complexo enzima-substrato, cuja existência foi inicialmente proposta por
Adolphe Wurtz em 1980, é fundamental para a ação das enzimas. Ele é também o ponto de
partida para os tratamentos matemáticos que definem o comportamento cinético das
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reações catalisadas por enzimas bem como para as descrições teóricas dos mecanismos
enzimáticos.

figura 8-1
Ligação de uma molécula de substrato no sítio ativo de uma enzima. A enzima
quimotripsina está ligada ao substrato mostrado em vermelho. Alguns aminoácidos
essenciais do sítio ativo são mostrados como manchas vermelhas na superfície da enzima.

As enzimas afetam a velocidade mas não o equilíbrio químico das reações


Uma reação enzimática simples pode ser escrita

E + S ES EP E + P (8-1)


onde E, S e P representam, a enzima, o substrato e o produto. ES e EP são complexos
transientes da enzima com o substrato e com o produto.
Para compreender a catálise enzimática, precisamos primeiro entender a importante
distinção entre equilíbrio da reação (discutido no Capítulo 4) e velocidade da reação. A
função de um catalisador é aumentar a velocidade de uma reação. Os catalisadores não
afetam o equilíbrio da reação. Qualquer reação, do tipo S P, pode ser descrita por um
diagrama de coordenadas da reação (Fig. 8-2), uma representação das mudanças de energia
durante a reação. Conforme explicado nos Capítulos 1 e 3, a energia nos sistemas
biológicos é descrita em termos de energia livre, G. No diagrama de coordenadas, a
energia livre do sistema é representada em função do progresso da reação (coordenada da
reação). O ponto de partida, tanto para a reação de ida como para a reação reversa, é
chamado estado fundamental e representa a contribuição de uma molécula típica (S ou P)
para a energia livre do sistema, em um dado conjunto de condições. Para descrever as
variações de energia livre das reações, os químicos definem um conjunto de condições
padrões (temperatura 298 K; pressão parcial de cada gás, 1 atm ou 101,3 kPa;
concentração de cada soluto 1M, e expressam a variação da energia livre para este sistema
reagente como ∆Go, a variação da energia livre padrão. Como os sistemas biológicos
geralmente envolvem concentrações de H+ muito diferentes de 1M, os bioquímicos
definem a variação da energia livre padrão bioquímica ∆G’o, como sendo a variação da
energia livre padrão em pH 7,0, que será utilizada neste livro. Uma definição mais
completa de ∆G’o é dada no Capítulo 14.

figura 8-2
Diagrama de coordenadas de reação para uma reação química. A energia livre do
sistema é representada em função do progresso da reação S P. Um diagrama desta
natureza descreve as mudanças de energia durante a reação e o eixo horizontal
(coordenadas da reação) reflete as mudanças químicas sucessivas (por exemplo, quebra e
formação de ligações) à medida que S é convertido em P. As energias de ativação para as
reações S P e P S, estão indicadas por ∆G‡. ∆G’o é a variação total da energia livre
padrão para a reação SP.
O equilíbrio entre S e P reflete a diferença em energia livre dos seus estados
fundamentais. No exemplo mostrado na Figura 8-2, a energia livre do estado fundamental
de P é menor que a de S, assim ∆G’o é negativa para a reação S P e o equilíbrio favorece
a formação de P. A posição e a direção do equilíbrio não são afetadas por nenhum
catalisador.
Um equilíbrio favorável não significa que a conversão SP ocorra com uma
velocidade mensurável. A velocidade da reação depende de um parâmetro completamente
diferente. Existe uma barreira energética entre S e P que representa a energia necessária
para o alinhamento dos grupos químicos reagentes, formação de cargas transientes
instáveis, rearranjos de ligações e outras transformações necessárias para que a reação
ocorra em uma das direções. Isto é ilustrado pela “colina” de energia nas Figuras 8-2 e 8-
3. Para sofrer a reação, as moléculas devem superar esta barreira e portanto precisam ser
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excitadas para um nível de energia maior. No topo da colina de energia está um ponto
onde a passagem para o estado de S ou P é igualmente provável (é sempre um caminho
morro abaixo em cada sentido). Este é o chamado estado de transição. O estado de
transição não é uma espécie química que apresenta uma estabilidade significativa e não
deve ser confundido com um intermediário da reação (tal como ES ou EP). Ele é apenas
um momento molecular efêmero onde eventos como quebra de ligações, a formação de
ligações e o desenvolvimento de cargas ocorrem em um ponto preciso onde a
decomposição para formar o substrato ou o produto é igualmente provável. A diferença
entre os níveis de energia do estado fundamental e do estado de transição é chamada
energia de ativação (∆G‡). A velocidade de uma reação reflete essa energia de ativação,
isto é, uma energia de ativação alta corresponde a uma reação lenta. As velocidades das
reações podem ser aumentadas pela elevação da temperatura, que aumenta o número de
moléculas com energia suficiente para superar esta barreira de energia. Alternativamente,
a energia de ativação pode ser diminuída pela adição de um catalisador (Fig. 8-3). Os
catalisadores aumentam a velocidade das reações diminuindo a energia de ativação.
As enzimas não são exceção à regra de que os catalisadores não afetam o equilíbrio
da reação. As setas bidirecionais na equação 8-1 deixam claro este ponto: qualquer enzima
que catalisa a reação SP também catalisa a reação PS. O papel das enzimas é acelerar a
interconversão de S e P. A enzima não é gasta no processo e o ponto de equilíbrio não é
afetado. Entretanto, a reação atinge o equilíbrio muito mais rapidamente quando a enzima
apropriada está presente, uma vez que a velocidade da reação é aumentada.
Este princípio geral pode ser ilustrado considerando-se a conversão da sacarose e oxigênio
em CO2 e H2O:

C12H22O11 + 12 O2 12 CO2 + 11 H2O


Esta conversão, que ocorre através de uma série de reações isoladas, tem um ∆G’o
grande e negativo e, no equilíbrio a quantidade de sacarose é desprezível. A sacarose é um
composto estável porque a barreira de energia de ativação que deve ser superada para que
ela reaja com o oxigênio é muito grande. Ela pode ser armazenada em um recipiente
contendo O2 indefinidamente sem reagir. Entretanto, nas células a sacarose é rapidamente
transformada em CO2 e H2O através de uma série de reações catalisadas por enzimas.
Essas enzimas não apenas aceleram as reações, mas as organizam e as controlam de tal
forma que a maior parte da energia liberada é conservada em outras formas químicas e que
fica disponível para a célula executar outras tarefas. O caminho reacional através do qual a
sacarose (e outros açúcares) é degradada é a via primária de liberação de energia
(Capítulos 15 e 19) e as enzimas desta via permitem que a seqüência de reações ocorra em
uma escala de tempo biologicamente útil.
Na prática, qualquer reação pode ter vários passos (etapas) envolvendo a formação
e o consumo de espécies químicas transientes chamados de intermediários da reação*.
Quando a reação S P é catalisada por uma enzima, os complexos ES e EP são os
intermediários (equação 8-1). Eles ocupam os vales no diagrama de coordenadas da reação
(Fig. 8-3). Quando ocorrem vários passos em uma reação, a velocidade total é determinada
pelo passo (ou passos) com a maior energia de ativação. Esse passo é chamado “passo
limitante da velocidade”.
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* Observe que os termos “passos” e “intermediários” neste capítulo se referem às espécies
químicas que ocorrem no caminho reacional de uma simples reação catalisada
enzimaticamente. No contexto das vias metabólicas que envolvem várias enzimas (Parte
III deste livro) esses termos são usados de uma maneira diferente. Uma reação enzimática
geralmente é considerada como um “passo” em uma via metabólica e o produto de uma
reação enzimática (que é o substrato para a próxima enzima na via) é considerada como
um “intermediário”.

Para os casos simples, o passo limitante da velocidade é o ponto de mais alta


energia no diagrama para as interconversões de S e P. Na prática, o passo limitante da
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velocidade pode variar com as condições da reação. Para muitas enzimas vários passos têm
energia de ativação similar, o que significa que todos eles são parcialmente limitantes da
velocidade.

figura 8-3
Diagrama de coordenadas de reação comparando uma reação catalisada
enzimaticamente com uma não-catalisada. Na reação SP, os intermediários ES e EP
assumem valores mínimos na curva de progresso da reação catalisada enzimaticamente. Os
termos ∆G‡não cat e ∆G‡cat correspondem às energias de ativação das reações não catalisada e
catalisada, respectivamente. A energia de ativação para o processo global é menor quando
a enzima catalisa a reação.

Como descrito no Capítulo 1, as energias de ativação são barreiras energéticas para


as reações químicas. Estas barreiras são cruciais para a existência da própria vida. A
estabilidade de uma molécula aumenta com o aumento da altura da sua barreira de
ativação. Sem tais barreiras energéticas, as macromoléculas complexas poderiam reverter
espontaneamente para as formas moleculares mais simples e, as estruturas complexas e
altamente ordenadas bem como os processos metabólicos das células poderiam não existir.
As enzimas evoluíram para diminuir seletivamente as energias de ativação de reações
necessárias à sobrevivência das células.

A velocidade das reações e o equilíbrio têm definições termodinamicamente precisas


O equilíbrio de uma reação está intrinsecamente ligado ao ∆G’o enquanto a
velocidade da reação está ligada ao ∆G‡. Uma introdução básica a essas relações
termodinâmicas é o próximo passo na compreensão de como as enzimas trabalham.
Um equilíbrio como S  P é descrito por uma constante de equilíbrio, Keq ou
simplesmente K. Sob condições padrões, empregadas para comparar processos
bioquímicos, uma constante de equilíbrio é expressa por K’eq (ou K’):
K’eq= [P]/[S] (8-2)
Da termodinâmica, a relação entre K’eq e ∆G’ pode ser descrita pela expressão:
o

∆G’o= - RT ln K’eq (8-3)


onde R é a constante dos gases, 8,315J/mol.K e T é a temperatura absoluta, 298 K (25ºC).
A equação 8-3 será desenvolvida e discutida com mais detalhes no Capítulo 14. O ponto
importante aqui é que a constante de equilíbrio está diretamente relacionada com a
variação global da energia livre padrão da reação (Tabela 8-4). Um grande valor negativo
para ∆G’o reflete um equilíbrio de reação favorável mas, como já foi salientado, isto não
significa que a reação ocorrerá com uma velocidade considerável.
tabela 8-4
A relação entre K’eq e ∆G’o (veja a equação 8-3)
K’eq ∆G’o (kJ/mol)

10-6 34,2

10-5 28,5

10-4 22,8

10-3 17,1

10-2 11,4
8

10-1 5,7

1 0,0

10 -5,7

102 -11,4

103 -17,1

A velocidade de qualquer reação é determinada pela concentração do reagente (ou


dos reagentes) e pela constante de velocidade, geralmente representada pelo símbolo k.
Para a reação unimolecular SP, a velocidade da reação v, que representa a quantidade de
S que reage por unidade de tempo, é expressa pela equação da velocidade:
V = k [S] (8-4)
Nesta reação a velocidade depende apenas da concentração de S. Ela é chamada de
uma reação de primeira ordem. O fator k é uma constante de proporcionalidade que reflete
a probabilidade da reação ocorrer em um dado conjunto de condições (pH, temperatura
etc.). Aqui, k é uma constante de velocidade de primeira ordem e sua unidade é o
recíproco do tempo, por exemplo s-1. Se uma reação de primeira ordem tem uma constante
de velocidade de 0,03 s-1, isto pode ser interpretado (qualitativamente) que 3% do S
disponível será convertido a P em 1 s. Uma reação com uma constante de velocidade de
2.000 s-1 estará terminada em uma pequena fração de segundo. Se a velocidade da reação
depende da concentração de dois compostos diferentes, ou se duas moléculas do mesmo
composto reagem entre si, a reação é de segunda ordem e k é uma constante de velocidade
de segunda ordem, com unidade M-1 s-1. Neste caso, a equação da velocidade torna-se:
V = k [S1] [S2] (8-5)
A partir da teoria do estado de transição, pode-se derivar uma expressão que
relaciona a magnitude da constante de velocidade com a energia de ativação:
k = (k T e-∆G‡/RT)/h (8-6)
onde k é a constante de Boltzmann e h é a constante de Planck. O ponto importante a
salientar aqui é que a relação entre a constante de velocidade, k, e a energia de ativação,
∆G‡, é inversa e exponencial. Em outras palavras, esta é a base para a afirmação de que
uma energia de ativação menor significa uma velocidade de reação maior e vice-versa.
Agora vamos mudar o assunto de o que as enzimas fazem, para como elas o fazem.

Alguns princípios explicam o poder catalítico e a especificidade das enzimas


As enzimas são catalisadores extraordinários. Os aumentos da velocidade
provocado pelas enzimas variam entre 5 a 17 ordens de magnitude (Tabela 8-5). As
enzimas também são muito específicas, discriminando entre substratos com estruturas
muito similares. Como esses aumentos, enormes e altamente seletivos, na velocidade das
reações podem ser explicados ? De onde vem a energia que diminui dramaticamente a
energia de ativação para reações específicas ?

tabela 8-5
Alguns valores do aumento da velocidade produzido por enzimas
Ciclofilina 105
Anidrase carbônica 107
Triose fosfato isomerase 109
Carboxipeptidase A 1011
Fosfoglicomutase 1012
9

Succinil CoA transferase 1013


Urease 1014
Orotidina monofosfato descarboxilase 1017

A resposta para estas questões apresenta duas partes distintas mas interligadas. A
primeira diz respeito aos rearranjos das ligações covalentes durante a reação enzimática.
Reações químicas dos mais variados tipos ocorrem entre o substrato e os grupos funcionais
da enzima (cadeias laterais de aminoácidos específicos, íons metálicos e coenzimas). Os
grupos funcionais catalíticos das enzimas podem formar uma ligação covalente transitória
com um substrato e ativá-lo para a reação ou então, algum grupo pode ser transferido
transientemente do substrato para um grupo da enzima. Em muitos casos, estas reações
somente ocorrem no centro ativo da enzima. Elas diminuem a energia de ativação (e
portanto aceleram a reação) propiciando um caminho reacional alternativo de energia mais
baixa.
A segunda parte da resposta diz respeito às interações não covalentes entre a
enzima e o substrato. A maior parte da energia necessária para diminuir a energia de
ativação é derivada de interações fracas, não-covalentes, entre o substrato e a enzima. O
fator que, de fato distingue as enzimas da maioria dos catalisadores não enzimáticos é a
formação de um complexo ES específico. A interação entre o substrato e a enzima neste
complexo é mediada pelas mesmas forças que estabilizam a estrutura protéica, incluindo as
pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas e iônicas (Capítulo 6). A formação de cada
interação fraca no complexo ES é acompanhada por uma pequena liberação de energia
livre que garante o grau de estabilidade para a interação. A energia derivada da interação
enzima-substrato é chamada de energia de ligação, ∆GB. O seu significado vai além de
uma simples estabilização da interação enzima-substrato. A energia de ligação é a maior
fonte de energia livre usada pelas enzimas para diminuir a energia de ativação das
reações.
Dois princípios fundamentais e inter-relacionados fornecem uma explicação geral para
o fato das enzimas utilizarem a energia de ligação não covalente.
1. A maior parte do poder catalítico das enzimas é derivada, em última instância, da
energia livre liberada na formação das múltiplas ligações fracas e interações entre a
enzima e o seu substrato. Esta energia de ligação contribui tanto para a especificidade
como para a catálise.
2. As interações fracas são otimizadas no estado de transição da reação. Os centros ativos
das enzimas são complementares não aos respectivos substratos per si, mas aos estados
de transição pelos quais os substratos passam à medida que são transformados em
produtos durante as reações enzimáticas.
Esses aspectos são críticos para a compreensão da ação das enzimas e agora eles se
tornarão o foco da nossa atenção.

As interações fracas entre a enzima e o substrato são otimizadas no estado de


transição
Como uma enzima utiliza a energia de ligação para diminuir a energia de ativação
da reação ? Embora a formação do complexo ES não é a explicação adequada, algumas
das primeiras considerações dos mecanismos enzimáticos começaram com esta idéia. Os
estudos sobre a especificidade das enzimas desenvolvidos por Emil Fischer levaram-no a
propor, em 1894, que as enzimas eram estruturalmente complementares aos seus
substratos, de tal forma que eles se ajustariam tal qual uma “fechadura e chave” (Fig. 8-4).
Esta idéia elegante, de que a interação específica (exclusiva) entre duas moléculas
biológicas é mediada por superfícies moleculares com formas complementares, influenciou
fortemente o desenvolvimento da bioquímica e tais interações permanecem no cerne de
muitos processos bioquímicos. Entretanto, a hipótese “fechadura e chave” pode gerar
confusão quando aplicada à catálise enzimática. Uma enzima totalmente complementar a
seu substrato seria uma enzima muito pouco eficiente.
10

figura 8-4
Formas complementares de um substrato e seu sítio ativo em uma enzima. A enzima
diidrofolato redutase é mostrada com o seu substrato NADP+ (vermelho) não ligado
(esquerda) e ligado (direita). Também é visível um outro substrato ligado à enzima, o
tetraidrofolato (amarelo). O NADP+ se liga a uma cavidade que é complementar à sua
forma e propriedades iônicas. Na realidade, a complementaridade entre a proteina e o
ligante (neste caso o substrato) raramente é perfeita, como já visto no Capítulo 7. A
interação de uma proteína com um ligante freqüentemente envolve mudanças na
conformação de uma ou ambas as moléculas, um processo denominado ajuste induzido.
Esta falta de uma complementaridade perfeita entre a enzima e o substrato (não
evidenciada nesta figura) é importante para a catálise enzimática.

Considere uma reação imaginária, a quebra de um bastão de metal magnetizado. A


reação não catalisada está mostrada na Figura 8-5a. Vamos analisar duas enzimas
imaginárias – duas “bastonases” – que catalisam esta reação e ambas empregando forças
magnéticas como modelo para a energia de ligação empregada pelas enzimas reais. Vamos
considerar inicialmente uma enzima perfeitamente complementar ao substrato (Fig. 8-5b).
O centro ativo desta “bastonase” é uma cavidade delimitada por magnetos. Para reagir
(quebrar), o bastão precisa atingir o estado de transição da reação, mas ele se ajusta muito
firmemente ao sítio ativo que não pode se dobrar. Isto porque o dobramento do bastão
eliminaria parte das interações magnéticas entre ele e a enzima. Esse tipo de enzima
impede a reação uma vez que, na realidade, estabiliza o substrato. Num diagrama de
coordenadas da reação (Fig. 8-5b), este tipo de complexo ES corresponderia a um poço de
energia do qual o substrato dificilmente escaparia. Esse tipo de enzima seria inútil.
A noção moderna de catálise enzimática, proposta inicialmente por Haldane em
1930, foi elaborada por Linus Pauling, em 1946: afim de catalisar reações, uma enzima
deve ser complementar ao estado de transição. Isto significa que as interações ótimas
(através de ligações fracas) entre o substrato e a enzima ocorrem apenas no estado de
transição. A Figura 8-5c mostra como uma enzima deste tipo pode trabalhar. O bastão de
metal se liga à enzima, mas algumas poucas interações magnéticas são usadas para formar
o complexo ES. O substrato ligado precisa ainda receber um aumento de energia livre para
atingir o estado de transição. Assim, o aumento em energia livre necessário para dobrar o
bastão e quebrar parcialmente a sua conformação é compensado ou “pago” pelas
interações magnéticas (energia de ligação) que se formam entre a enzima e o substrato no
estado de transição. Muitas destas interações envolvem partes do bastão que estão longe do
ponto de rompimento. Assim sendo, as interações entre a “bastonase” e as regiões não
reativas do bastão fornecem parte da energia necessária para o rompimento do bastão. Este
“pagamento de energia” é traduzido em uma menor energia de ativação real e uma maior
velocidade de reação.

figura 8-5
Uma enzima imaginária (“bastonase”) projetada para catalisar a quebra de um
bastão de metal. (a) Para ser quebrado, primeiramente o bastão deve ser dobrado (o
estado de transição). Em ambos os exemplos de “bastonase” as interações magnéticas
fazem o papel das interações por ligações fracas entre enzima e substrato. (b) Uma
“bastonase” que apresenta uma cavidade magnetizada com estrutura complementar à
estrutura do bastão (o substrato) estabiliza este substrato. O dobramento do bastão é
impedido pela atração magnética entre bastão e a “bastonase”. (c) Uma enzima
complementar ao estado de transição da reação ajuda a desestabilizar o bastão,
contribuindo para a catálise da reação. A energia de ligação das interações magnéticas
compensa o aumento de energia livre necessária para dobrar o bastão. Os diagramas de
coordenadas da reação (à direita) mostram as conseqüências energéticas da
complementaridade ao substrato versus a complementaridade ao estado de transição. O
11

termo ∆GM representa a diferença entre as energias dos estados de transição da reação não
catalisada e da catalisada e provém das interações magnéticas entre o bastão e a
“bastonase”. Quando a enzima é complementar ao substrato (b), o complexo ES é mais
estável e tem menos energia livre no estado fundamental que o próprio substrato. O
resultado é um aumento na energia de ativação.

As enzimas reais trabalham dentro de um princípio análogo. Algumas interações


fracas são formadas no complexo ES, mas a totalidade das interações fracas que se
estabelecem entre o substrato e a enzima é estabelecida apenas quando o substrato atinge o
estado de transição. A energia livre (energia de ligação) liberada pela formação dessas
interações supre parcialmente a energia requerida para se atingir o topo da colina de
energia. A somatória da energia de ligação desfavorável (positiva), ∆G‡, e favorável
(negativa), ∆GB, resulta em uma energia de ativação líquida menor (Fig. 8-6). Mesmo para
a enzima, o estado de transição não é uma espécie estável, mas um breve ponto no tempo
que o substrato gasta para atingir o topo da barreira de energia. A reação catalisada
enzimaticamente é muito mais rápida que o processo não catalisado, porque a barreira é
muito menor. O princípio importante é que as interações de ligações fracas entre a enzima
e o substrato fornecem a maior parte da força que dirige a catálise enzimática. Os grupos
no substrato que são envolvidos nessas interações fracas podem estar a uma certa distância
das ligações que são quebradas ou mudadas. As interações fracas que se formam apenas no
estado de transição são as que contribuem fundamentalmente para a catálise.

figura 8-6
O papel da energia de ligação na catálise. Para diminuir a energia de ativação de uma
reação, o sistema precisa adquirir uma quantidade de energia equivalente à diminuição do
∆G‡. A maior parte desta energia provém da energia de ligação (∆GB) e é disponibilizada
pela formação de interações não-covalentes fracas entre o substrato e a enzima no estado
de transição. O significado de ∆GB é análogo ao do ∆GM na Figura 8-5.
A necessidade de múltiplas interações fracas para dirigir a catálise é uma das razões
porquê as enzimas (e algumas coenzimas) são moléculas tão grandes. A enzima deve
fornecer os grupos funcionais para a formação de interações iônicas, pontes de hidrogênio
e outras interações bem como posicionar precisamente esses grupos de tal forma que a
energia de ligação seja otimizada no estado de transição.

A energia de ligação contribui para a especificidade da reação e catálise


É possível demonstrar quantitativamente que a energia de ligação é responsável
pela enorme aceleração da velocidade das reações catalisadas pelas enzimas ? Sim. Como
um ponto de referência, a equação 8-6 permite calcular que o ∆G‡ deve diminuir
aproximadamente 5,7 kJ/mol para acelerar cerca de dez vezes uma reação de primeira
ordem, sob as condições comumente encontradas nas células. A energia disponível devido
à formação de uma única interação fraca geralmente é da ordem de 4 a 30 kJ/mol. A
energia total disponível, devido à formação de um certo número destas interações,
provavelmente é suficiente para diminuir a energia de ativação de cerca de 60 a 100
kJ/mol, requerida para explicar os grandes aumentos na velocidade observados para muitas
enzimas.
A mesma energia de ligação que fornece a energia para a catálise também é
responsável pela especificidade, a habilidade da enzima em discriminar entre o substrato e
uma outra molécula competidora. Conceitualmente, a especificidade é fácil de ser
diferenciada da catálise, mas essa distinção é muito mais difícil de ser feita
experimentalmente porque a catálise e a especificidade são originárias do mesmo
fenômeno. Se o centro ativo de uma enzima tem grupos funcionais arranjados de uma
forma otimizada para formar uma variedade de interações fracas com um dado substrato
no estado de transição, a enzima não será capaz de interagir do mesmo modo com qualquer
outra molécula. Por exemplo, se o substrato tem um grupo hidroxila que forma uma ponte
12

de hidrogênio específica com um resíduo de ácido glutâmico na enzima, qualquer


molécula que não possuir aquele grupo hidroxila específico será, de uma maneira geral,
um substrato mais pobre para a mesma enzima. Além disso, qualquer molécula com um
grupo funcional extra, para o qual a enzima não apresenta uma cavidade ou um sítio de
ligação, muito provavelmente será excluída da enzima. Geralmente, a especificidade é
derivada da formação de múltiplas interações fracas entre a enzima e a molécula do seu
substrato específico.
Os princípios gerais já descritos podem ser ilustrados por uma grande variedade de
mecanismos catalíticos conhecidos. Estes mecanismos não são mutuamente exclusivos e
uma dada enzima pode incorporar vários deles em seu mecanismo de ação. Geralmente é
difícil quantificar a contribuição de um dado mecanismo catalítico para a velocidade e/ou
especificidade de uma determinada reação catalisada enzimaticamente.
A energia de ligação é a força impulsionadora dominante em vários mecanismos e ela
pode ser o principal, senão o único, contribuinte para a catálise. Vamos considerar o que é
necessário acontecer para que a reação ocorra. Os fatores físicos e termodinâmicos
importantes que contribuem para o ∆G‡, a barreira energética, incluem: (1) a mudança na
entropia, na forma de movimento de liberdade de duas moléculas em solução; (2) a
camada de solvatação de moléculas de água ligadas por pontes de hidrogênio que
envolvem e ajudam a estabilizar a maioria das biomoléculas em solução aquosa; (3) a
distorção dos substratos que precisa ocorrer em muitas reações e (4) a necessidade de se
obter um alinhamento adequado dos grupos catalíticos funcionais na enzima. A energia de
ligação pode ser usada para vencer todas essas barreiras.
A vantagem mais evidente da ligação dos substratos à enzima é uma grande
redução nos movimentos relativos, ou redução da entropia, desses substratos. A energia
de ligação mantém os substratos orientados adequadamente para reagir. Isto representa
uma importante contribuição à catálise, uma vez que as colisões produtivas entre as
moléculas em solução podem ser muito raras. Esse alinhamento preciso do substrato sobre
a superfície da enzima é devido à grande quantidade de interações fracas entre cada
molécula de substrato e grupos estrategicamente localizados na enzima que fixam as
moléculas de substrato na posição adequada. Estudos têm demonstrado que a restrição do
movimento de dois reagentes pode produzir aumentos de velocidade da ordem de 10 8
M (Fig. 8-7).
A formação de ligações fracas entre o substrato e a enzima também resulta na
dessolvatação do substrato. As interações enzima-substrato substituem a maior parte (ou
mesmo todas) das pontes de hidrogênio existentes entre o substrato e a água.
A energia de ligação envolvendo as interações fracas formadas apenas no estado de
transição da reação ajuda a compensar termodinamicamente qualquer distorção
(fundamentalmente uma redistribuição de elétrons) que o substrato deva sofrer para reagir.
Finalmente, a própria enzima pode sofrer mudanças conformacionais induzidas pelas
múltiplas interações fracas com o substrato, quando da ligação com o substrato. Este fato é
denominado de ajuste induzido, um mecanismo postulado por Daniel Koshland, em 1958.
O ajuste induzido serve para colocar grupos funcionais específicos da enzima em uma
posição apropriada para catalisar a reação. A mudança conformacional também permite a
formação de interações adicionais por ligações fracas no estado de transição. Em quaisquer
destes casos, a nova conformação apresenta propriedades catalíticas aumentadas. Como
vimos, o ajuste induzido é uma característica comum da ligação reversível dos ligantes às
proteínas (Capítulo 7). O ajuste induzido também é importante na interação de quase todas
as enzimas com os seus substratos.

figura 8-7
Aumento da velocidade através da redução da entropia. São representadas reações de
um éster com um grupo carboxílico para formar um anidrido. O grupo R é o mesmo em
cada caso. (a) Para esta reação bimolecular, a constante de velocidade é de segunda ordem
com unidade M-1 s-1. (b) Quando os dois grupos reagentes estão na mesma molécula, a
13

reação é muito mais rápida. Para esta reação unimolecular, a unidade de k é s-1. Dividindo-
se a constante de velocidade de (b) pela constante de velocidade de (a) tem-se um aumento
da velocidade de cerca de 105 M (a unidade de molaridade é resultante do fato que foi
comparada uma reação unimolecular com outra bimolecular). Colocando-se de um outro
modo, se o reagente em (b) estivesse presente em uma concentração 1 M, os grupos
reagentes se comportariam como se estivessem presentes em uma concentração 105 M.
Embora o reagente em (b) apresenta livre rotação em três ligações (mostradas com setas
curvas), isto ainda representa uma substancial redução da entropia em relação a (a). Se as
ligações que giram em (b) ficam impedidas como em (c), a entropia é reduzida mais ainda
e a reação exibe um aumento de velocidade de 108 M em relação a (a).

Grupos catalíticos específicos contribuem para a catálise


Uma vez que o substrato se liga à enzima, os grupos catalíticos funcionais
adequadamente posicionados auxiliam a quebra e formação de ligações através de uma
variedade de mecanismos incluindo a catálise ácido-base geral, catálise covalente e catálise
por íons metálicos. Estes são mecanismos distintos daqueles baseados na energia de
ligação, uma vez que eles geralmente envolvem uma interação covalente transiente com o
substrato ou uma transferência de grupos do substrato ou para o substrato.

Catálise ácido-base geral – Muitas reações bioquímicas envolvem a formação de


intermediários carregados instáveis que tendem a se transformar rapidamente em suas
espécies reagentes constituintes impedindo assim a reação (Fig. 8-8). Esses intermediários
carregados freqüentemente podem ser estabilizados pela transferência (retirada ou adição)
de prótons do substrato ou de um intermediário, para formar espécies que se quebram em
produtos mais rapidamente que os reagentes. Para as reações não enzimáticas, a
transferência de prótons pode envolver apenas os constituintes da água ou também outros
doadores ou aceptores fracos de prótons. A catálise que envolve apenas os íons H+ (H3O+)
ou OH-, presentes na água, é denominada catálise ácido-base específica. Se a
transferência de prótons entre o intermediário e a água é mais rápida que a transformação
do intermediário nos reagentes, o intermediário será efetivamente estabilizado todas as
vezes que se formar. Desse modo, nenhuma catálise adicional, mediada por outros
receptores ou doadores de prótons, ocorrerá. Entretanto, em muitos casos, apenas a
participação da água não é suficiente. O termo catálise ácido-base geral se refere a
transferências de prótons mediada por outras classes de moléculas. Para reações não
enzimáticas em soluções aquosas isto ocorre apenas quando o intermediário instável da
reação se transforma nos reagentes com uma velocidade maior com que os prótons são
transferidos da água ou para a água. Nestas situações, vários ácidos orgânicos fracos
podem suplementar a água como doadores de prótons, ou ainda, bases orgânicas fracas
podem servir como aceptoras de prótons.
No centro ativo de uma enzima, um certo número de cadeias laterais de
aminoácidos podem atuar tanto como doadores quanto aceptores de prótons (Fig. 8-9).
Estes grupos podem ser posicionados precisamente no centro ativo de uma enzima
permitindo a transferência de prótons e garantindo aumentos na velocidade da reação da
ordem de 102 a 105. Este tipo de catálise ocorre com a maioria das enzimas. De fato, as
transferências de prótons são as reações bioquímicas mais comuns.

figura 8-8
Desenvolvimento desfavorável de cargas durante a quebra de uma ligação amida que
pode ser evitado pela catálise. É mostrada a hidrólise de uma ligação amida, a mesma
reação catalisada pela quimotripsina e outras proteases. O desenvolvimento da carga é
desfavorável e pode ser evitado pela doação de um próton pelo H 3O+ (catálise ácida
específica) ou HA (catálise ácida geral), onde HA representa um ácido qualquer.
Similarmente, a carga pode ser neutralizada pela captura de um próton pelo OH- (catálise
básica específica) ou B: (catálise básica geral), onde B: representa uma base qualquer.
14

Catálise covalente – Neste tipo de catálise é formada uma ligação covalente transitória
entre a enzima e o substrato. Considere a hidrólise da ligação química entre os grupos A e
B:
H2 O
A–B A + B
H2O
Na presença de um catalisador covalente (uma enzima com um grupo nucleofílico
X:) a reação ocorre da seguinte forma:
A–B + X: A–X + B A + X: + B
Isso altera o caminho da reação e resulta em catálise apenas quando o novo
caminho tem uma energia de ativação menor que aquele da reação não-catalisada. Assim,
os dois novos passos precisam ser mais rápidos que os da reação não-catalisada. Algumas
cadeias laterais de aminoácidos, incluindo as da Fig. 8-9, e os grupos funcionais de alguns
cofatores de enzimas podem servir como nucleófilos na formação de ligações covalentes
com os substratos. Estes complexos covalentes sempre sofrem reações posteriores para
regenerar a enzima livre. A ligação covalente formada entre a enzima e o substrato pode
ativar esse substrato para uma reação subsequente de uma maneira particularmente
específica para o grupo ou coenzima envolvido.

figura 8-9
Os aminoácidos em uma catálise ácido-base geral. Muitas reações orgânicas são
promovidas por doadores de prótons (ácidos gerais) ou aceptores de prótons (bases gerais).
Os sítios catalíticos de algumas enzimas contêm grupos funcionais de aminoácidos, como
os mostrados aqui, que podem participar no processo catalítico como doadores ou
aceptores de prótons.

Resíduo de aminoácido Forma ácida geral Forma básica geral


(doador de próton) (aceptor de próton)
Glu, Asp
Lis, Arg
Cis
His
Ser
Tir

Catálise por íons metálicos – Os metais, firmemente ligados à molécula da enzima ou


captados da solução junto com o substrato, podem participar de várias maneiras na
catálise. As interações iônicas entre um metal ligado à enzima e o substrato podem ajudar
a orientar o substrato para a reação ou estabilizar os estados de transição carregados
eletricamente. O uso de interações por ligações fracas entre o metal e o substrato é similar
à utilização da energia de ligação enzima-substrato já descrita anteriormente. Os metais
podem também mediar reações de oxidação-redução através de mudanças reversíveis no
estado de oxidação do íon metálico. Cerca de um terço das enzimas conhecidas requerem
um ou mais íons metálicos para sua atividade catalítica.
A maioria das enzimas emprega uma combinação de várias estratégias catalíticas
para aumentar a velocidade da reação. Um bom exemplo do uso das catálises covalente e
ácido-base geral, é a reação catalisada pela quimotripsina. O primeiro é a quebra de uma
ligação peptídica que é acompanhada pela formação de uma ligação covalente entre um
resíduo de serina da enzima e parte do substrato. A reação é acelerada pela catálise básica
geral envolvendo outros grupos na enzima (Fig. 8-10). A reação da quimotripsina será
descrita com maiores detalhes mais adiante neste capítulo.
15

A Cinética Enzimática Como Uma Abordagem Para A Compreensão Do Mecanismo


De Ação Das Enzimas
Múltiplas abordagens são comumente empregadas para estudar o mecanismo de
ação de uma enzima purificada. O conhecimento da estrutura tridimensional da proteína
fornece informações importantes e o valor dessa informação estrutural é aumentado
significativamente pelos conhecimentos obtidos através da química de proteína clássica e
pelos métodos modernos de mutagênese sítio dirigida (mudança da seqüência de
aminoácidos de uma proteína através da engenharia genética; veja Capítulo 29). Essas
tecnologias permitem ao enzimologista examinar o papel individual dos aminoácidos tanto
na estrutura da enzima como na sua ação catalítica. Entretanto, a abordagem central para
estudar o mecanismo de uma reação catalisada por uma enzima é determinar a velocidade
da reação e como ela muda em função de mudanças nos parâmetros experimentais, uma
disciplina conhecida como cinética enzimática. Esta é a abordagem mais antiga para a
compreensão dos mecanismos enzimáticos e continua sendo muito importante até hoje. O
que segue é uma introdução básica à cinética das reações catalisadas por enzimas. Para um
estudo mais avançado devem ser consultadas as referências citadas no final do capítulo.

figura 8-10
Catálises covalente e ácido-base geral. O primeiro passo da reação catalisada pela
quimotripsina, é chamado de passo da acilação. O grupo hidroxila da Ser 195 é o
nucleofílico em uma reação acelerada pela catálise básica geral (a base é a cadeia lateral da
His57). Isto proporciona um novo caminho para a hidrólise da ligação peptídica. A catálise
somente ocorre se cada passo do novo caminho é mais rápido que o da reação não
catalisada. A reação da quimotripsina está descrita com mais detalhes na Figura 8-19.

A concentração do substrato afeta a velocidade das reações catalisadas por enzimas


Um dos principais fatores que afetam a velocidade de uma reação in vitro,
catalisada por uma enzima purificada é a concentração do substrato, [S]. Entretanto,
estudar os efeitos da concentração do substrato é complicado pelo fato da [S] variar
durante o curso de uma dada reação, à medida que o substrato é convertido em produto.
Uma abordagem simplificada em experimentos cinéticos, é medir a velocidade inicial da
reação, designada por Vo, quando [S] é geralmente muito maior que a concentração da
enzima, [E]. Assim, se o tempo de reação é suficientemente curto as mudanças na [S]
serão desprezíveis e a [S] pode ser considerada constante.
O efeito em Vo provocado pela variação da [S], quando a concentração de enzima é
mantida constante, está mostrado na Figura 8-11. Em concentrações relativamente baixas
de substrato, Vo aumenta quase linearmente com o aumento da [S]. Em altas concentrações
de substrato Vo aumenta cada vez menos em resposta aos aumentos da [S]. Finalmente, é
alcançado um ponto acima do qual ocorrem aumentos insignificantes de Vo à medida que a
[S] aumenta. Esse patamar atingido para tais valores de Vo é muito próximo da velocidade
máxima, Vmáx.

figura 8-11
Efeito da concentração de substrato na velocidade inicial de uma reação catalisada
enzimaticamente. Através deste tipo de gráfico, a Vmáx pode ser determinada apenas
aproximadamente, isto porque Vo se aproxima mas nunca chega a atingir Vmáx. A
concentração de substrato onde Vo é metade da Vmáx é o Km, a constante de Michaelis-
Menten. A concentração da enzima, em um experimento como este é geralmente tão baixa
que [S] >> [E] mesmo quando [S] é descrita como pequena ou relativamente pequena. As
unidades são típicas para reações catalisadas enzimaticamente e são apresentadas apenas
para ilustrar o significado Vo e [S] (note que a curva descreve parte de uma hipérbole
retangular, com uma das assíntotas em Vmáx. Se a curva continuasse para concentrações
abaixo de [S]= 0, ela se aproximaria de uma assíntota vertical quando [S]= –Km).
16

O complexo ES é fundamental para a compreensão deste comportamento cinético


já que ele foi o ponto de partida para a discussão da catálise enzimática. O perfil cinético
apresentado na figura 8-11 levou Victor Henri, seguindo as diretrizes de Wurz, a propor
em 1903, que a combinação de uma enzima com a molécula do seu substrato para formar o
complexo ES, é um passo obrigatório na catálise enzimática. Em 1913 esta idéia foi
expandida em uma teoria geral da ação das enzimas por Leonor Michaelis e Maud Menten.
Eles postularam que inicialmente a enzima primeiro se combina reversivelmente com o
substrato para formar o complexo enzima-substrato, em um passo reversível relativamente
rápido:
k1
E + S  ES (8-7)
k-1
Em uma segunda etapa lenta, o complexo ES então se quebra liberando a enzima
livre o produto da reação, P:
k2
ES  E + P (8-8)
k-2
Como a segunda reação é mais lenta (equação 8-8) ela limita a velocidade da
reação enzimática. Assim, a velocidade da reação enzimática deve ser proporcional à
concentração da substância que reage no segundo passo, isto é, ES.

Leonor Michaelis
1875-1949
Maud Menten
1879-1960

Em qualquer instante de uma reação catalisada enzimaticamente, a enzima existe


em duas formas, a não ligada ao substrato ou forma livre E, e a forma ligada ao substrato,
ES. Em baixas [S], a maior parte da enzima está na forma livre E. Nestas condições a
velocidade da reação será proporcional à [S] porque o equilíbrio da equação 8-7 é
deslocado na direção da formação de mais ES à medida que a [S] aumenta. A velocidade
inicial máxima da reação (Vmáx) será atingida quando praticamente todas as moléculas da
enzima estiverem na forma do complexo ES e a concentração da enzima livre E for
significativamente pequena. Nestas condições, a enzima está “saturada” com seu substrato
e a velocidade da reação não aumenta mais com novos aumentos da [S]. Esta condição
existirá sempre que a [S] for suficientemente alta para manter todas as moléculas de
enzima na forma combinada com o substrato, ES. Em seguida o complexo ES se
transforma no produto P e a enzima é liberada para catalisar a transformação de outra
molécula de substrato. O efeito de saturação é uma característica que distingue os
catalisadores enzimáticos e é o responsável pelo patamar observado na Figura 8-11. Esta
condição de saturação existirá sempre que [S] for suficientemente alta.
Quando a enzima é misturada com um grande excesso de substrato, existe um
período inicial, o estado pré-estacionário, onde a concentração de ES aumenta. Esse
período é muito curto para poder ser facilmente observado. A reação atinge rapidamente o
estado estacionário, onde a [ES] (e a concentração de quaisquer outros intermediários)
permanecerá praticamente constante durante o decorrer de um certo tempo. O conceito de
estado estacionário foi introduzido por G.E. Briggs e J.B.S. Haldane em 1925. A
velocidade medida Vo geralmente reflete o estado estacionário (mesmo considerando-se
que Vo esteja limitada aos tempos iniciais da reação) e a análise destas velocidades iniciais
é chamada de cinética de estado estacionário.

A relação entre a concentração do substrato e a velocidade da reação pode ser


expressa quantitativamente
A curva que expressa a relação entre [S] e Vo (Fig. 8-11) tem a mesma forma geral
para a maioria das enzimas (ela se aproxima de uma hipérbole retangular) que pode ser
17

expressa algebricamente pela equação de Michaelis-Menten. Michaelis e Menten


derivaram esta equação partindo de sua hipótese básica de que o passo limitante da
velocidade nas reações enzimáticas é a quebra do complexo ES para formar o produto e a
enzima livre. A equação é
Vo = Vmáx [S]/( Km + [S]) (8-9)

Os termos importantes são [S], Vo ,Vmáx e uma constante chamada de constante de


Michaelis, Km. Todos estes termos são facilmente medidos experimentalmente.
Nós vamos desenvolver aqui a lógica básica e os passos algébricos da dedução
moderna da equação de Michaelis-Menten, que inclui a consideração do estado
estacionário introduzido por Briggs e Haldane. A dedução começa com as duas etapas
básicas envolvidas na formação e quebra de ES (equações 8-7 e 8-8). Nos primeiros
momentos da reação a concentração do produto, [P], é negligenciável e para simplificar
vamos assumir que k-2 (que descreve a reação reversa de P para S) pode ser ignorada. Essa
consideração não é crítica mas simplifica nossa tarefa. Assim, a reação geral se reduz a
k1 k2
E + S  ES  E + P (8-10)
k-1
Vo é determinada pela quebra de ES para formar o produto, que por sua vez é
determinada pela [ES]:
Vo = k2 [ES] (8-11)
Como a [ES] na equação 8-10 não é facilmente medida experimentalmente, é
preciso encontrar uma expressão alternativa para [ES]. Primeiro vamos introduzir o termo
[Et] que representa a concentração total da enzima (a soma das concentrações da enzima
livre e da ligada ao substrato). Desse modo, a concentração da enzima livre ou não ligada
ao substrato pode ser representada por [Et] – [ES]. Como a [S] geralmente é muito maior
que a [Et], a quantidade de substrato ligada à enzima, em qualquer momento da reação, é
desprezível quando comparada com a [S]. Tendo em vista estas considerações, os passos
que seguem conduzirão a uma expressão simples para Vo, em termos de parâmetros que
podem ser facilmente medidos experimentalmente.
Passo 1. As velocidades de formação e quebra de ES são determinadas pelos passos
governados pelas constantes de velocidade k1 (formação) e k-1 + k2 (desaparecimento), de
acordo com as expressões
Velocidade de formação de ES = k1 ([Et] - [ES]) [S] (8-12)
Velocidade de quebra de ES = k-1 [ES] + k2 [ES] (8-13)

Passo 2. Considera-se agora que a velocidade inicial da reação reflete um estado


estacionário onde a [ES] é constante, isto é, a velocidade de formação de ES é igual à
velocidade de quebra de ES. Esta é a chamada consideração de estado estacionário. Assim,
as expressões nas equações 8-12 e 8-13 podem ser igualadas
k1 ([Et] - [ES]) [S] = k-1 [ES] + k2 [ES] (8-14)
Passo 3. Desenvolvemos agora uma série de passos algébricos para resolver a equação 8-
14 em função da [ES]. Primeiramente, o lado esquerdo da equação é multiplicado e o lado
direito é simplificado
k1 [Et][S] – k1 [ES][S] = (k-1 + k2) [ES] (8-15)
Adicionando-se o termo k1[ES][S] a ambos os lados da equação e simplificando
k1[Et][S] = (k1[S] + k-1 + k2)[ES] (8-16)
Resolvendo esta equação em função da [ES]
[ES] = k1[Et][S]/( k1[S] + k-1 + k2) (8-17)
Simplificando esta última expressão e combinando-se todas as constantes de
velocidade em um único termo:
[ES] = [Et][S]/( [S] + (k2 + k-1)/k1) (8-18)
O termo (k2 + k-1)/k1 é definido como a constante de Michaelis, Km. A
substituição desse valor na equação 8-18, simplifica a expressão para
18

[ES] = [Et][S]/ (Km + [S]) (8-19)


Passo 4. Vo agora pode ser expressa em termos da [ES]. Substituindo-se a [ES] da equação
8-11 pelo lado direito da equação 8-19 obtém-se
Vo = k2[Et][S]/( Km + [S]) (8-20)
Esta equação ainda pode ser simplificada. Já vimos que a velocidade atingirá o
ponto máximo quando a enzima estiver saturada, isto é, quando [ES] = [E t]. Assim Vmáx
pode ser definida como k2 [Et]. Substituindo este valor na equação 8-20 obtém-se
Vo = Vmáx [S]/ (Km + [S])
Esta é a equação de Michaelis-Menten, a equação da velocidade para uma
reação catalisada enzimaticamente e com um único substrato. Ela é uma expressão da
relação quantitativa entre a velocidade inicial Vo, a velocidade inicial máxima Vmáx, e a
concentração inicial de substrato [S], todas relacionadas através da constante de Michaelis,
Km. Note que o Km tem unidade de concentração. Esta equação está realmente de acordo
com resultados experimentais reais ? Sim. Vamos confirmar esta afirmação considerando
situações limites onde a [S] é muito alta ou muito baixa, como mostrado na Figura 8-12.
Uma importante relação numérica emerge da equação de Michaelis-Menten no caso
especial quando Vo é exatamente metade de Vmáx (Fig. 8-12). Então:
Vmáx/2 = Vmáx [S]/(Km + [S]) (8-21)
Dividindo por Vmáx obtém-se
1/2 = [S]/(Km + [S]) (8-22)
Resolvendo em função de Km, obtém-se Km + [S] = 2 [S], ou:
Km = [S], quando Vo = Vmáx/2 (8-23)
Isto representa uma definição prática muito útil de Km: o Km é equivalente à
concentração de substrato onde Vo é igual à metade de Vmáx.
A equação de Michaelis-Menten (equação 8-9) pode ser transformada
algebricamente em formas que são mais úteis para a determinação prática de Km e Vm
(Adendo 8-1) e, como descreveremos posteriormente, na análise da ação de inibidores
(veja Adendo 8-2).

figura 8-12
Efeito da concentração do substrato na velocidade inicial da reação. O gráfico mostra
os parâmetros cinéticos que definem os limites da curva em baixas e altas [S]. Em baixas
[S], Km>>[S] e o termo [S] no denominador da equação de Michaelis-Menten (equação 8-
9) torna-se insignificante. A equação pode ser simplificada para Vo = Vmáx [S]/Km e Vo
passa a ter uma dependência linear em função da [S], como pode ser observado na figura.
Em [S] elevadas, onde [S]>>Km, o termo Km no denominador da equação de Michaelis-
Menten torna-se insignificante e a equação pode ser simplificada para Vo = Vmáx. Isto é
consistente com o patamar observado em [S] elevadas. Portanto, a equação de Michaelis-
Menten é consistente com a dependência observada de Vo em relação a [S]. A forma da
curva é definida pelos termos Vmáx/Km quando a [S] é pequena e, apenas por Vmáx quando a
[S] é alta.

Adendo 8-1
Transformações da equação de Michaelis-Menten: o gráfico dos duplos recíprocos
A equação de Michaelis-Menten
Vo = Vmáx [S]/(Km + [S])
pode ser transformada algebricamente equações que são mais úteis no tratamento gráfico
dos dados experimentais. Uma transformação comum é obtida simplesmente invertendo-se
os dois lados da equação de Michaelis-Menten:
1/Vo = (Km +[S])/Vmáx [S]
Separando-se os componentes do numerador do lado direito da equação obtém-se
1/Vo = Km /Vmáx [S] + [S]/Vmáx [S]
que pode ser simplificada para:
1/Vo = Km /Vmáx [S] + 1/Vmáx
19

Esta forma da equação de Michaelis-Menten é chamada de equação de


Lineweaver-Burk. Para as enzimas que obedecem a equação de Michaelis-Menten, o
gráfico de 1/Vo versus 1/[S] (gráfico dos “duplos recíprocos” de Vo versus [S] que usamos
até agora) é representado por uma linha reta (Fig. 1). Essa linha tem uma inclinação de Km
/Vmáx , um intercepto de 1/Vmáx no eixo de 1/Vo e um intercepto de -1/Km no eixo de 1/[S].
A representação dos duplos recíprocos, também chamada representação de Lineweaver-
Burk, tem a grande vantagem de permitir uma determinação mais acurada Vmáx, que pode
ser obtida apenas aproximadamente através do gráfico Vo versus [S] (veja Fig. 8-12).

figura 1
O gráfico dos duplos recíprocos de Lineweaver-Burk.
Outras transformações da equação de Michaelis-Menten têm sido deduzidas, cada uma
apresentando alguma vantagem particular na análise de dados de cinética enzimática (veja
problema 11).
O gráfico dos duplos recíprocos para velocidades de reações enzimáticas é muito útil na
diferenciação de diferentes mecanismos de reação enzimática (veja Fig. 8-14) e na análise
de inibidores de enzimas (veja Adendo 8-2).

Os parâmetros cinéticos são usados para comparar as atividades das enzimas


É importante distinguir entre a equação de Michaelis-Menten e o mecanismo
cinético específico sobre o qual ele foi originalmente baseado. A equação descreve o
comportamento cinético da grande maioria das enzimas e, todas as enzimas que exibem
uma dependência hiperbólica de Vo em relação a [S] são denominadas enzimas que
seguem a cinética de Michaelis-Menten. A regra prática de que Km = [S] quando Vo =
Vmáx (equação 8-23) é válida para todas as enzimas que seguem a cinética de Michaelis-
Menten (a maioria das exceções à cinética de Michaelis-Menten são as enzimas
reguladoras, discutidas no final deste capítulo). Entretanto, a equação de Michaelis-Menten
não depende do mecanismo de reação relativamente simples, de duas etapas, proposto por
Michaelis e Menten (equação 8-10).
Muitas enzimas que seguem a equação de Michaelis-Menten têm mecanismos de
reação muito diferentes entre si e, enzimas que catalisam reações com seis ou oito etapas
identificáveis freqüentemente exibem o mesmo comportamento cinético de estado
estacionário. Mesmo considerando que a equação 8-23 é verdadeira para muitas enzimas, a
magnitude e o significado real de Vmáx e Km podem variar de uma enzima para outra. Isto é
uma limitação importante do modelo do estado estacionário para a cinética enzimática.
Vmáx e Km são parâmetros que podem ser obtidos experimentalmente para qualquer enzima,
mas mesmo assim eles fornecem pouca informação sobre o número, velocidade ou
natureza química das etapas discretas da reação. Não obstante, a cinética de estado
estacionário representa a linguagem padrão através da qual as eficiências catalíticas das
enzimas são caracterizadas e comparadas. Vamos agora tratar da aplicação e interpretação
e aplicação dos termos Vmáx e Km.
Um método gráfico simples para se obter um valor aproximado para o Km está
mostrado na Figura 8-12. Um procedimento mais conveniente, usando o gráfico dos
duplos recíprocos está apresentado na Adendo 8-1. O Km pode variar muito de enzima
para enzima e mesmo para diferentes substratos de uma mesma enzima (Tabela 8-6). O
termo Km muitas vezes é empregado (inapropriadamente) como uma indicação da
afinidade da enzima pelo seu substrato. O significado real do Km depende de aspectos
específicos do mecanismo de reação tais como o número e as velocidades relativas dos
passos individuais da reação. Para reações com duas etapas,
Km = (k2 + k-1)/k1 (8-24)
Quando k2 é limitante da velocidade, k2 << k-1 e Km se reduz a k-1/k1, que é
definida como a constante de dissociação, Kd, do complexo ES. Nos casos onde essas
condições prevalecem, o Km representa uma medida da afinidade da enzima pelo substrato
no complexo ES. Entretanto, essas condições não se aplicam para a maioria das enzimas.
20

Algumas vezes k2 >> k-1 e então Km = k2/k1. Em outros casos, k2 e k-1 são comparáveis e Km
permanece como uma função mais complexa das três constantes de velocidade (equação 8-
24). Nesse caso, a equação de Michaelis-Menten e o comportamento característico da
saturação da enzima ainda são validos, mas o Km não pode ser considerado como uma
medida da afinidade da enzima pelo substrato. Ainda mais comuns são os casos onde a
reação ocorre através de etapas múltiplas após a formação do complexo ES. O Km então se
torna então uma função muito complexa de muitas constantes de velocidade.

tabela 8-6
Valores de Km para algumas enzimas e substratos
Enzima Substrato Km (mM)
Catalase H2O2 25
Hexoquinase (cérebro) ATP 0,4
D-Glicose 0,05
D-Frutose 1,5
Anidrase carbônica HCO3- 26
Quimotripsina Gliciltirosinilglicina 108
N-Benzoiltirosinamida 2,5
β-Galactosidase D-Lactose 4,0
Treonina desidratase L-Treonina 5,0

A Vm também varia muito de uma enzima para outra. Se uma enzima reage de
acordo com o mecanismo de duas etapas Michaelis-Menten, Vm é equivalente a k2[Et],
onde k2 é a etapa limitante da velocidade. Entretanto, o número de etapas de reação e a
identidade da(s) etapa(s) limitante(s) da velocidade podem variar de enzima para enzima.
Por exemplo, considere uma situação muito comum onde a liberação do produto, EPE +
P, é limitante da velocidade. Nos instantes iniciais da reação (quando a [P] é baixa), a
reação global pode ser descrita pelo esquema
k1 k 2 k3
E + S ES EP E + P (8-25)
k-1 k-2
Neste caso, a maior parte da enzima está na forma EP em condições de saturação e
Vmáx = k3[Et]. É útil definir uma constante mais geral, kcat, para descrever a velocidade
limitante de qualquer reação catalisada por uma enzima em condições de saturação. Se
existirem várias etapas na reação enzimática e uma delas é visivelmente limitante da
velocidade, kcat é equivalente à constante de velocidade da etapa limitante. Para a reação da
equação 8-10, kcat = k2. Para a reação da equação 8-25, kcat = k3. Quando várias etapas são
parcialmente limitantes da velocidade, kcat pode se transformar em uma função complexa
de várias das constantes de velocidade que definem cada etapa individual da reação. Na
equação de Michaelis-Menten, kcat = Vmáx/[Et] e a equação 8-9 se transforma em
Vo = kcat [Et][S] /(Km + [S]) (8-26)
A constante kcat é uma constante de velocidade de primeira ordem cuja unidade é o
recíproco do tempo. Ela também é chamada de número de renovação e é equivalente ao
número de moléculas do substrato convertidas em produto por uma única molécula da
enzima, em uma dada unidade de tempo, quando a enzima está saturada pelo substrato. Os
números de renovação de várias enzimas são apresentados na Tabela 8-7.

tabela 8-7
Número de renovação (kcat) de algumas enzimas
Enzima Substrato kcat (s-1)
Catalase H2O2 40.000.000
Anidrase carbônica HCO3- 400.000
Acetilcolinesterase Acetilcolina 140.000
β-Lactamase Benzilpenicilina 2.000
21

Fumarase Fumarato 800


Proteína RecA (uma ATPase) ATP 0,4

Os parâmetros cinéticos kcat e Km geralmente são úteis para o estudo e a


comparação de diferentes enzimas independentemente de seus mecanismos de reação
serem simples ou complexos. Cada enzima apresenta valores ótimos de kcat e Km que
refletem o ambiente celular, a concentração do substrato normalmente encontrado in vivo
pela enzima e a química da reação que está sendo catalisada.
Os parâmetros kcat e Km permitem avaliar a eficiência catalítica das enzimas mas,
esses parâmetros isoladamente são insuficientes para essa tarefa. requer a seleção de um
parâmetro adequado. Duas enzimas que catalisam reações diferentes podem ter a mesma
kcat (número de renovação), embora as velocidades das reações não catalisadas possam ser
diferentes. Desta forma, o aumento da velocidade provocado pela enzima pode ser muito
diferente. Experimentalmente, o Km de uma enzima tende a ser similar à concentração
celular do seu substrato. Uma enzima que atua sobre um substrato presente em uma
concentração muito baixa no interior da célula tenderá a ter um Km muito menor que
aquela que atua sobre um substrato que é mais abundante.
A melhor maneira de se comparar a eficiência catalítica de diferentes enzimas ou o
número de renovação de diferentes substratos para uma mesma enzima é comparar a
relação kcat/Km para as duas reações. Este parâmetro, que algumas vezes é denominada
constante específica, é a constante de velocidade para a conversão de E + S em E + P.
Quando [S] << Km, a equação 8-26 se reduz à forma
Vo = kcat [Et][S]/Km (8-27)
Neste caso, como Vo depende da concentração de dois reagentes, [Et] e [S], ela é
uma equação de velocidade de egunda ordem e a constante kcat/Km é uma constante de
velocidade de reação de segunda ordem com unidades M-1 s-1. Existe um limite superior
para kcat/Km, imposto pela velocidade com que E e S se difundem em uma solução aquosa.
Este limite, controlado pela difusão, é da ordem de 108 - 109 M-1 s-1 e muitas enzimas
apresentam o valor de kcat/Km próximo a este intervalo (Tabela 8-8). Tais enzimas são
consideradas cataliticamente perfeitas. Note que diferentes valores de kcat e Km podem
produzir relações máximas.

tabela 8-8
Enzimas onde o valor de kcat/Km está próximo do limite controlado pela difusão (108 -
109 M-1 s-1)
Enzima Substrato kcat (s-1) Km (M) kcat/Km
(M-1 s-1)
Acetilcolinesterase Acetilcolina 1,4104 910-5 1,6108

Anidrase carbônica CO2 1106 1,210-2 8,3107


HCO3- 4105 2,610-2 1,5107
Catalase H2O2 4107 1,1 4107

Crotonase Crotonil CoA 5,7103 210-5 2,8108

Fumarase Fumarato 8102 510-6 1,6108


Malato 9102 2,510-5 3,6107
β-Lactamase Benzilpenicilina 2,0103 210-5 1108
22

Triose fosfato isomerase Gliceraldeido-3- 4,3103 4,710-4 2,4108


fosfato
Fonte: Fersht, A (1999) Structure and Mechanism in Protein Science, p. 166. Freeman and
Company, NewYork.

Muitas enzimas catalisam reações envolvendo dois ou mais substratos


Já vimos como a [S] afeta a velocidade de uma reação enzimática simples (SP) na
qual participa apenas uma molécula de substrato. Entretanto, em muitas reações
enzimáticas duas (algumas vezes mais de duas) moléculas de substratos diferentes se ligam
à enzima e participam da reação. Por exemplo, na reação catalisada pela hexoquinase, o
ATP e a glicose são as moléculas de substrato e o ADP e a glicose-6-fosfato são os
produtos:
ATP + glicose ADP + glicose-6-fosfato
As velocidades dessas reações com dois substratos também podem ser analisadas
através pela abordagem de Michaelis-Menten. A hexoquinase tem um Km característico
para cada um dos seus dois substratos (Tabela 8-6).

figura 8-13
Mecanismos comuns para reações com dois substratos catalisados enzimaticamente.
Em (a) a enzima e ambos os substratos se juntam para formar um complexo ternário. Em
uma associação ordenada, o substrato 1 deve ser ligado antes para que o substrato 2 possa
se ligar produtivamente. Em uma associação ao acaso, os substratos podem se ligar em
qualquer ordem. Em (b), um complexo enzima-substrato se forma, um produto é formado,
a enzima modificada forma um segundo complexo com uma molécula de um outro
substrato e, um segundo produto é formado, regenerando a enzima livre. O substrato 1
pode transferir um grupo funcional para a enzima (originando a forma modificada
covalentemente, E’), que é subseqüentemente transferida para o substrato 2. Este é o
mecanismo chamado pingue-pongue ou de dupla-troca.

As reações enzimáticas com dois substratos usualmente envolvem a transferência


de umátomo ou um grupo funcional de um substrato para o outro. Tais reações ocorrem
através de um ou vários caminhos diferentes. Em alguns casos, ambos os substratos estão
ligados à enzima ao mesmo tempo em algum instante da reação, formando um complexo
ternário não covalente (Fig. 8-13a). Este complexo pode ser formado pela ligação dos
substratos em uma seqüência ao acaso ou em uma ordem específica. Nenhum complexo
ternário é formado se o primeiro substrato é convertido em produto e se dissocia antes da
ligação do segundo substrato. Um exemplo, é o mecanismo chamado de pingue-pongue ou
dupla-troca (Fig. 8-13b). A cinética do estado estacionário freqüentemente pode ajudar na
distinção entre estas possibilidades (Fig. 8-14).

figura 8-14
Análise cinética do estado estacionário para reações com dois substratos. Nestes
gráficos dos duplos recíprocos (veja Adendo 8-1), a concentração do substrato 1 é variável
enquanto a concentração do substrato 2 é mantida constante. Isto é repetido para vários
valores de [S2] gerando várias retas separadas. A interseção destas retas indicam a
formação de um complexo ternário na reação (a); retas paralelas indicam que a reação
ocorre através de uma via tipo Pingue-Pongue ou dupla-troca (b).

A cinética de estado pré-estacionário pode fornecer evidências para etapas específicas


da reação
A cinética enzimática foi introduzida como um método importante para estudar as
etapas de uma reação enzimática bem como foram mencionadas as limitações dos
parâmetros cinéticos mais comuns que fornecem tal informação. Os dois parâmetros
experimentais mais importantes fornecidos pela cinética de estado estacionário são o kcat e
23

o kcat/Km. As variações destes parâmetros com a variação do pH e da temperatura podem


fornecer informações adicionais a respeito das etapas de uma reação. No caso de reações
com dois substratos, a cinética do estado estacionário pode ajudar a determinar se durante
a reação é formado um complexo ternário (Fig. 8-14). Um quadro mais completo
geralmente requer métodos cinéticos mais sofisticados, que vão além dos objetivos de um
texto introdutório. Assim, será introduzida de uma forma muito breve, uma das mais
importantes abordagens para se estudar o mecanismo de uma reação, a cinética de estado
pré-estacionário.
Uma descrição completa de uma reação catalisada por enzimas requer medidas
diretas das velocidades das etapas individuais da reação, como por exemplo a medida da
associação da enzima e do substrato para a formar o complexo ES. É durante o estado pré-
estacionário que as velocidades de muitas etapas da reação podem ser medidas
independentemente. As condições da reação são ajustadas para facilitar a medida dos
eventos que ocorrem durante a transformação de uma única molécula de substrato. Uma
vez que a fase de estado pré-estacionário geralmente é muito curta, freqüentemente são
necessárias técnicas especializadas para efetuar uma mistura muito rápida dos reagentes e a
amostragem que segue. Um dos objetivos é a obtenção de um quadro completo e
quantitativo das mudanças de energia durante a reação. Conforme mencionado
anteriormente, a velocidade das reações e o equilíbrio estão relacionados com as mudanças
de energia livre que ocorrem durante a reação. A medida da velocidade das etapas
individuais de uma reação revelam como a energia é usada por uma enzima específica, o
que representa um componente importante do mecanismo global da reação. Em um grande
número de casos já é possível medir a velocidade de cada uma das etapas individuais de
uma reação enzimática que apresenta várias etapas. Alguns exemplos da aplicação da
cinética de estado pré-estacionário estão incluídos nas descrições de enzimas específicas,
ainda neste capítulo.

As enzimas são sujeitas à inibição


Os inibidores das enzimas são agentes moleculares que interferem com a catálise,
diminuindo ou interrompendo as reações enzimáticas. As enzimas catalisam virtualmente
todos os processos celulares e não é surpreendente que os inibidores das enzimas estão
entre os mais importantes agentes farmacêuticos conhecidos. Por exemplo, a aspirina
(acetilsalicilato) inibe a enzima que catalisa o primeiro passo na síntese das
prostaglandinas, compostos envolvidos em muitos processos, incluindo alguns que
produzem a sensação de dor. O estudo dos inibidores das enzimas tem fornecido valiosas
informações a respeito dos mecanismos enzimáticos e tem ajudado a definir algumas vias
metabólicas. Existem duas grandes classes de inibidores enzimáticos: reversíveis e
irreversíveis.

A inibição reversível pode ser competitiva, incompetitiva ou mista. Um tipo comum de


inibidor reversível é chamado competitivo (Fig. 8-15a). Um inibidor competitivo
compete com o substrato pelo sítio ativo da enzima. Enquanto o inibidor (I) ocupar o
centro ativo da enzima, ele impede a ligação do substrato. Os inibidores competitivos são
compostos cujas estruturas moleculares freqüentemente lembram a do substrato e que se
combinam com a enzima para formar um complexo EI, sem contudo propiciar a catálise.
Até mesmo associações rápidas deste tipo afetarão negativamente a eficiência da enzima.
Levando-se em consideração a geometria molecular do inibidor, que é parecido com o
substrato, é possível tirar-se conclusões sobre quais partes do substrato normal se ligam à
enzima. A inibição competitiva pode ser analisada quantitativamente pela cinética de
estado estacionário. Na presença de um inibidor competitivo, a equação de Michaelis-
Menten fica:
Vo = Vmáx [S]/(αKm + [S]) (8-28)
onde
α= 1 + [I]/KI
e
24

KI = [E][I]/[EI]
A equação 8-28 descreve as características importantes da inibição competitiva. O
termo αKm (Km observado na presença do inibidor), determinado experimentalmente é
freqüentemente denominado Km “aparente”.
Como o inibidor se liga reversivelmente à enzima, a competição pode se tornar
favorável ao substrato, através da adição de mais substrato. Quando a [S] é muito maior
que a [I], a probabilidade de uma molécula do inibidor se ligar à enzima será mínima e a
reação exibirá uma Vmáx normal. Entretanto, a [S] onde Vo = Vmáx/2, o Km aparente, estará
aumentada de um fator α na presença do inibidor. Este efeito no Km aparente combinado
com a ausência de um efeito em Vmáx é diagnóstico da inibição competitiva e é facilmente
revelado no gráfico dos duplos recíprocos (Adendo 8-2). A constante de equilíbrio para a
ligação do inibidor, KI, pode ser obtida a partir do mesmo gráfico.

figura 8-15
Três tipos de inibição reversível. (a) Os inibidores competitivos se ligam ao centro ativo
da enzima. (b) Os inibidores incompetitivos se ligam em regiões diferentes do sítio ativo,
mas se ligam apenas ao complexo ES. KI é a constante de equilíbrio para a ligação do
inibidor à enzima enquanto KI’ é a constante de equilíbrio para a ligação do inibidor ao
complexo ES. (c) Os inibidores mistos se ligam em regiões diferentes do sítio ativo, mas
podem se ligar tanto a E como ES.

Uma terapia médica baseada na competição pelo centro ativo é usada para tratar
pacientes que ingeriram metanol, um solvente encontrado em misturas anticongelantes. A
desidrogenase alcoólica do fígado converte o metanol em formaldeído, que é prejudicial à
maioria dos tecidos. A cegueira é um resultado freqüente da intoxicação pelo metanol,
porque os olhos são particularmente sensíveis ao formaldeído. O etanol compete
efetivamente com o metanol como um substrato alternativo para a desidrogenase alcoólica.
O efeito do etanol é muito parecido com o de um inibidor competitivo, com a ressalva de
que o etanol também é um substrato e a sua concentração diminuirá com o tempo à
medida que a enzima o converte em acetaldeído. Assim, a terapia para o envenenamento
com metanol é uma infusão endovenosa gradual de etanol, em uma velocidade que
mantenha uma concentração controlada na corrente sangüínea durante várias horas. Isto
diminui a formação do formaldeído, reduzindo o perigo enquanto os rins excretam o
metanol através da urina sem maiores danos.
As duas outras formas de inibição reversível, incompetitiva e mista, são
freqüentemente definidas em termos de enzimas com um único substrato, mas na prática
têm sido observadas apenas com enzimas que têm dois ou mais substratos. Um inibidor
incompetitivo (Fig. 8-15b) se liga em um sítio diferente do sítio ativo do substrato e,
diferentemente do inibidor competitivo, ele se liga apenas ao complexo ES. Na presença
de um inibidor incompetitivo a equação de Michaelis-Menten se altera para
Vo = Vmáx [S]/(Km + α’[S]) (8-29)
onde
α’ = 1 + [I]/KI’
e
KI’ = [ES][I]/[ESI]
Conforme descrito pela equação 8-29, em altas concentrações do substrato, Vo se
aproxima de Vmáx/α’. Assim, um inibidor incompetitivo diminui a Vmáx. O valor do Km
aparente também diminui porque a [S] requerida para alcançar metade da Vmáx diminui de
um fator α’.
Um inibidor misto (Fig. 8-15c) também se liga a um sítio diferente do sítio ativo
do substrato, mas ele pode se ligar tanto a E como ES. A equação que descreve a inibição
mista é
Vo = Vmáx [S]/(αKm + α’[S]) (8-30)
25

onde α e α’ são definidos como anteriormente. Um inibidor misto geralmente afeta tanto o
Km como a Vmáx. O caso especial onde α = α’, raramente encontrado na prática, é
definido classicamente como inibição não competitiva. Analise a equação 9-30 para ver
porque um inibidor não competitivo afeta a Vmáx mas não o Km.
Na prática, as inibições incompetitiva e mista são observadas somente para enzimas
com dois ou mais substratos (por exemplo, S1 e S2) e, esses substratos são muito
importantes na análise experimental de tais enzimas. Se um inibidor se liga ao sítio
ocupado por S1, ele pode atuar como um inibidor competitivo em experimentos onde a [S 1]
é variável. Se um inibidor se liga ao sítio normalmente ocupado por S2, ele pode atuar
como um inibidor misto ou um inibidor incompetitivo de S1. Os modelos de inibição
atualmente observados dependem do fato das ligações de S1 e S2 serem ordenadas ou ao
acaso. Desse modo, pode-se determinar a ordem com que esses substratos se ligam ao sítio
ativo e os produtos são liberados. Freqüentemente, o uso de um dos produtos da reação
como um inibidor, é particularmente informativo. Se somente um dos dois produtos da
reação está presente, então a reação inversa não ocorre. Contudo, um produto geralmente
se ligará em alguma parte do sítio ativo atuando como um inibidor. Os estudos de inibição
geralmente são elaborados e podem proporcionar uma descrição detalhada do mecanismo
de uma reação bisubstrato.

Adendo 8-2
Testes cinéticos para determinação dos mecanismos de inibição
O gráfico dos duplos recíprocos (veja Adendo 8-1) oferece uma forma fácil de determinar
se um inibidor enzimático é competitivo, incompetitivo ou misto. Dois conjuntos de
experimentos de determinação de velocidade devem ser realizados e, em ambos os
conjuntos a concentração da enzima é mantida constante. No primeiro conjunto, a [S]
também é mantida constante, permitindo a medida do efeito do aumento da concentração
do inibidor [I] na velocidade inicial Vo (não mostrado). No segundo conjunto a [I] é
mantida constante, mas a [S] varia. Os resultados são lançados em gráfico como 1/Vo
versus 1/[S].

figura 1
Inibição competitiva.

figura 2
Inibição incompetitiva.

figura 3
Inibição mista.

A Figura 1 mostra um conjunto de gráficos dos duplos recíprocos, um deles obtido


na ausência do inibidor e dois outros obtidos em duas concentrações diferentes de um
inibidor competitivo. O aumento da [I] resulta em uma família de retas com intercepto
comum no eixo 1/Vo mas com inclinações diferentes. Como o intercepto no eixo 1/Vo é
igual a 1/Vmáx, observa-se que a Vmáx permanece inalterada na presença de um inibidor
competitivo. Isto é, independentemente da concentração de um inibidor competitivo, uma
concentração suficientemente alta do substrato sempre deslocará o inibidor competitivo do
sítio ativo da enzima. Acima do gráfico está mostrado o rearranjo da equação 8-28 na
qual o gráfico é baseado. O valor de α pode ser calculado através da mudança da
inclinação para uma dada [I]. Conhecendo-se a [I] e α, é possível determinar KI através da
expressão:
α= 1 + [I]/KI
Para uma inibição incompetitiva e mista, gráficos similares das valores de
velocidade originam as famílias de retas mostradas nas Figura 2 e 3. Mudanças nos
interceptos dos eixos assinalam mudanças em Vmáx e Km.
26

A inibição irreversível é uma ferramenta importante na pesquisa das enzimas e em


farmacologia
Inibidores irreversíveis são aqueles que se combinam com um grupo funcional na
molécula da enzima ou o destroem ou ainda formam uma associação covalente bastante
estável. A formação de uma ligação covalente entre o inibidor e a enzima é muito comum.
Os inibidores irreversíveis representam uma ferramenta muito útil no estudo do
mecanismo das reações. Os aminoácidos essenciais do sítio ativo que apresentam funções
catalíticas importantes freqüentemente são identificados através da determinação do
aminoácido que está ligado covalentemente ao inibidor depois que a enzima é inativada.
Um exemplo está mostrado na Figura 8-16.

figura 8-16
Inibição irreversível. A reação da quimotripsina com o diisopropilfluorfosfato (DIFP)
inibe irreversivelmente a enzima. Isto levou à conclusão de que a Ser 195 é o resíduo chave
de serina do sítio ativo da quimotripsina.

Uma classe especial de inibidores irreversíveis é a dos inibidores suicidas. Estes


compostos são relativamente pouco reativos até se ligarem ao sítio ativo de uma enzima
específica. Um inibidor suicida é desenhado para participar dos primeiros passos químicos
da reação enzimática normal. Entretanto, ao invés de ser transformado no produto normal,
o inibidor é convertido em um composto muito reativo que se combina irreversivelmente
com a enzima. Estes compostos também são chamados de inibidores com base no
mecanismo, porque eles utilizam o mecanismo da reação enzimática normal para inativar
a enzima. Estes inibidores ocupam um papel central no desenvolvimento racional de
drogas, uma abordagem moderna para a obtenção de novos agentes farmacêuticos, onde
novos substratos são sintetizados baseado no conhecimento dos substratos já conhecidos e
nos mecanismos da reações. Um inibidor suicida bem planejado é específico para uma
única enzima e não é reativo até que esteja dentro do sítio ativo da enzima. Assim, as
drogas baseadas nesta estratégia oferecem a grande vantagem de apresentar poucos efeitos
colaterais (veja Adendo 22-1).

A atividade enzimática é afetada pelo pH


As enzimas têm um pH ótimo (ou um intervalo de pH) onde a sua atividade é
máxima (Fig. 8-17) Em um pH maior ou menor a atividade diminui. Isto não é
surpreendente. As cadeias laterais dos aminoácidos do centro ativo podem atuar como
ácidos e bases fracas com funções críticas que dependem da manutenção de certos estados
de ionização e, em algum lugar da proteina, as cadeias laterais ionizadas podem
desempenhar um papel essencial nas interações que mantém a estrutura da proteina. Por
exemplo, a remoção de um próton de um resíduo de His fora do centro ativo, pode
eliminar uma interação iônica essencial para a estabilização da conformação ativa da
enzima. Uma causa menos comum de sensibilidade ao pH é a titulação de grupos do
substrato.
O intervalo de pH onde a enzima sofre mudanças na atividade pode fornecer uma
pista sobre qual aminoácido está envolvido (veja Tabela 5-1). Uma mudança na atividade
enzimática ao redor de pH 7,0, por exemplo, em geral reflete a titulação de um resíduo
His. Entretanto, os efeitos do pH precisam ser interpretados com certa cautela. No
ambiente bem empacotado de uma proteina, o pKa da cadeia lateral de um aminoácido
pode variar significativamente. Por exemplo, uma carga positiva vizinha pode diminuir o
valor do pKa de um resíduo de lisina enquanto uma carga negativa vizinha pode aumenta-
lo. Algumas vezes esse efeitos resultam em um pKa deslocado de duas ou mais unidades de
pH em relação ao seu valor normal (do aminoácido livre). Na enzima acetoacetato
descarboxilase um resíduo Lis (pKa normal 10,5) apresenta um pKa de 6,6 devido a efeitos
eletrostáticos de cargas positivas próximas.
27

figura 8-17
O perfil pH-atividade de duas enzimas. Estas curvas são construídas com resultados de
medidas das velocidades iniciais quando a reação é desenvolvida em tampões com
diferentes pH. Como o eixo do pH é uma escala logarítmica que reflete mudanças da
ordem de 10 vezes nas concentrações de H+, as mudanças em Vo também são lançadas em
uma escala logarítmica. O pH ótimo para a atividade de uma enzima geralmente reflete o
ambiente onde a enzima é normalmente encontrada. (a) A pepsina que hidrolisa certas
ligações peptídicas das proteínas durante a digestão no estômago, tem pH ótimo de cerca
de 1,6. O pH do suco gástrico é da ordem de 1 a 2. (b) A glicose-6-fosfatase dos
hepatócitos (células do fígado) com pH ótimo de cerca de 7,8, é responsável pela liberação
da glicose no sangue. O pH normal do citosol dos hepatócitos é cerca de 7,2.

Exemplos de Reações Enzimáticas


Este capítulo focalizou até agora os princípios gerais da catálise e introduziu
alguns parâmetros cinéticos empregados para descrever a ação das enzimas. Os princípios
e os conhecimentos cinéticos estão combinados na Adendo 8-3 que descreve algumas das
evidências que indicam de que a energia de ligação e a complementaridade do estado de
transição são pontos centrais para a catálise enzimática. Vamos examinar agora vários
exemplos específicos de reação enzimática.
A compreensão do mecanismo de ação completo de uma enzima purificada requer
a identificação de todos os substratos, cofatores, produtos e reguladores. Além disso ele
requer o conhecimento da (1) seqüência temporal da ligação das formas intermediárias da
reação à enzima, (2) estrutura de cada intermediário e cada estado de transição, (3)
velocidade de interconversão dos intermediários, (4) relação estrutural da enzima com
cada intermediário e (5) energia de todos os grupos reagentes e que interagem que
contribuem para a formação dos intermediários e estados de transição. Provavelmente não
existe nenhuma enzima onde o nosso conhecimento atual satisfaça completamente esses
requisitos. Não obstante a isso, várias décadas de pesquisa produziram informações
mecanísticas a respeito de centenas de enzimas e, em alguns casos esta informação é
altamente detalhada.

Adendo 8-3
Evidências da complementaridade entre a enzima e estado de transição
O estado de transição de uma reação é difícil de ser estudado porque ele tem um tempo de
vida curto. Entretanto, para entender a catálise enzimática é preciso analisar a interação
entre a enzima e este momento efêmero durante a reação. A complementaridade entre a
enzima e o estado de transição é virtualmente um requisito para a catálise, já que a colina
de energia sobre a qual o estado de transição se situa é o que a enzima precisa diminuir se
a catálise ocorrer. Como podem ser obtidas evidências para a complementaridade entre a
enzima e o estado de transição ? Felizmente existe uma variedade de abordagens novas e
velhas, para atacar este problema, cada uma delas fornecendo evidências muito
convincentes em apoio a este princípio geral da catálise enzimática.
Correlações estrutura-atividade
Se as enzimas são complementares aos estados de transição da reação, então alguns
grupos funcionais no substrato e na enzima precisam interagir preferencialmente no estado
de transição do que no complexo ES. A alteração desses grupos deve provocar pouco
efeito na formação do complexo ES e, portanto não deve afetar os parâmetros cinéticos (a
constante de dissociação, Kd’ ou algumas vezes o Km se KS = Km) que refletem o equilíbrio
E + S ES. Entretanto, mudanças desses mesmos grupos devem provocar um grande
efeito na velocidade global (kcat ou kcat/Km) da reação, uma vez que o substrato não
apresenta as interações de ligação necessárias para diminuir a energia de ativação.
Um excelente exemplo deste efeito é mostrado na cinética associada a uma série de
substratos similares para a quimotripsina (Fig. 1). A quimotripsina normalmente catalisa a
28

hidrólise das ligações peptídicas adjacente a aminoácidos aromáticos. Os substratos


mostrados na Figura 1, são modelos menores convenientes para os substratos naturais
(polipeptídeos longos e proteínas; veja Capítulo 5). Os grupos químicos funcionais
adicionados a cada substrato (A para B para C) estão sombreados em vermelho. Conforme
mostrado na tabela, a interação entre a enzima e estes grupos funcionais adicionados
provoca um efeito mínimo sobre o Km (assumido como uma imagem de Kd), porém um
grande efeito positivo sobre kcat ou kcat/Km. Isto é o que esperaríamos se a interação
contribuísse significativamente para a estabilização do estado de transição. Os resultados
também mostram que a velocidade da reação pode ser afetada significativamente pelas
interações enzima-substrato que, fisicamente estão longe das ligações covalentes que serão
alteradas na reação enzimática. A quimotripsina é descrita em maiores detalhes mais
adiante.
Uma abordagem experimental complementar é modificar a enzima, eliminando
certas interações enzima-substrato pela substituição de aminoácidos específicos através de
mutagênese sitio-dirigida (Capítulos 6 e 29). Os resultados destes experimentos
demonstram novamente a importância da energia de ligação na estabilização do estado de
transição.

figura 1
Efeitos que pequenas mudanças estruturais na molécula do substrato provocam nos
parâmetros cinéticos da hidrólise de uma amida catalisada pela quimotripsina.

kcat Km kcat /Km


(s-1) (mM) (M-1 s-1)
Substrato A 0,06 31 2
Substrato B 0,14 15 10
Substrato C 2,8 25 114

Análogos do estado de transição


Muito embora o estado de transição não possa ser observado diretamente, os
químicos freqüentemente têm previsto a estrutura aproximada do estado de transição
baseados no acúmulo de conhecimento a respeito dos mecanismos de reação. O estado de
transição, por definição, é transiente e tão instável que medidas diretas da interação de
ligação entre estas espécies e a enzima são impossíveis. Entretanto, em alguns casos
moléculas estáveis muito semelhantes ao estado de transição, podem ser projetadas. Elas
são chamadas análogos do estado de transição. Em princípio, elas devem se ligar a uma
enzima mais firmemente do que o substrato no complexo ES, uma vez que elas devem se
ajustar melhor ao sítio ativo (isto é, formam um maior número de interações fracas) que o
próprio substrato. A idéia dos análogos do estado de transição foi sugerida por Pauling, na
década de 1940, e tem sido averiguada para um certo número de enzimas. Esses
experimentos têm a limitação de que um estado de transição análogo nunca pode
mimetizar perfeitamente o estado de transição. Entretanto, alguns análogos se ligam à
enzima 102 a 106 vezes mais firmemente que o próprio substrato normal, acarretando uma
boa evidência de que os sítios ativos das enzimas são realmente complementares aos
estados de transição. O mesmo princípio é atualmente usado como rotina na indústria
farmacêutica no desenvolvimento de novas drogas. As potentes drogas anti-HIV chamadas
inibidores de proteases foram desenvolvidas como análogos que se ligam fortemente ao
estado de transição e direcionadas para o centro ativo da protease do HIV.

Anticorpos catalíticos
Se um análogo do estado de transição pode ser projetado para a reação SP, então
um anticorpo que se liga fortemente ao análogo do estado de transição pode catalisar SP.
Os anticorpos (imunoglobulinas; veja Fig. 7-23) são os principais participantes da resposta
imunológica. Quando um análogo do estado de transição é empregado como uma proteina
ligante de epitopo para estimular a produção de anticorpos, os anticorpos que se ligam a
29

ele são catalisadores potenciais da reação correspondente. O uso de “anticorpos catalíticos”


inicialmente sugerida por William P. Jencks, em 1969, tornou-se prático com o
desenvolvimento de técnicas de laboratório para produzir anticorpos idênticos que se ligam
a um único antígeno específico (anticorpos monoclonais, veja Capítulo 7).
Trabalhos pioneiros nos laboratórios de Richard Lerner e Peter Schultz resultaram
no isolamento de alguns anticorpos monoclonais que catalisam a hidrólise de ésteres ou
carbonatos (Fig. 2). Nestas reações o ataque da água (OH-) ao carbono da carbonila produz
um estado de transição tetraédrico, onde uma carga parcial negativa se desenvolve no
oxigênio da carbonila. Os fosfonatos mimetizam a estrutura e a distribuição de cargas
desse estado de transição durante a hidrólise de ésteres, tornando-os bons análogos do
estado de transição. Por isso, os fosfonatos são usados nas reações de hidrólise de
carbonatos. Os anticorpos que ligam fortemente o fosfonato ou o fosfato aceleram as
reações de hidrólise do éster ou carbonato correspondentes, da ordem de 103 a 104.
Análises estruturais de alguns desses anticorpos catalíticos mostraram que as cadeias
laterais de alguns aminoácidos catalíticos estão arranjadas de tal modo que interagem com
o substrato principalmente quando ele se encontra no estado de transição.
Os anticorpos catalíticos geralmente não apresentam a mesma eficiência catalítica
das enzimas, entretanto, eles estão começando a ser utilizados na indústria e em medicina.
Por exemplo, os anticorpos catalíticos desenvolvidos para degradar a cocaína estão sendo
pesquisados como uma ajuda importante no tratamento da dependência a cocaína.

figura 2
Estados de transição esperados para as reações de hidrólise de ésteres ou carbonatos.
Derivados de fosfonato e fosfato representam bons análogos do estado de transição destas
reações, respectivamente.

O mecanismo das reações ilustra princípios


Apresentamos aqui os mecanismos da: quimotripsina, hexoquinase e enolase. Estas
enzimas foram escolhidas não por serem as mais bem conhecidas ou por abrangerem todas
as classes possíveis da química de enzimática, mas porque ilustram claramente alguns
princípios gerais explicados neste capítulo. A discussão está concentrada em princípios
selecionados juntamente com alguns experimentos cruciais que ajudaram a chamar a
atenção sobre esses princípios. Muitos detalhes mecanísticos e evidências experimentais
foram omitidas e, em nenhum caso, os mecanismos descritos fornecem uma completa
explicação para os aumentos da velocidade catalítica provocada por estas enzimas.

Quimotripsina – A quimotripsina (Mr 25.000) é uma protease, uma enzima que catalisa a
hidrólise de ligações peptídicas. Essa protease é específica para quebrar ligações peptídicas
adjacentes a resíduos de aminoácidos aromáticos (veja Tabela 5-7). A estrutura
tridimensional da quimotripsina é mostrada na Figura 8-18, onde estão enfatizados os
grupos funcionais do sítio ativo. A reação catalisada por esta enzima ilustra o princípio da
estabilização do estado de transição e também fornece um exemplo clássico de catálise
ácido-base geral e catálise covalente.

figura 8-18
Estrutura da quimotripsina. (a) Representação da estrutura primária mostrando as
ligações dissulfeto e os resíduos de aminoácidos cruciais para a catálise. A proteína
consiste de três cadeias polipeptídicas ligadas por pontes dissulfeto. A numeração dos
resíduos (14, 15, 147 e 148 não mostrados) está explicada na Fig. 8-31. Os aminoácidos do
sítio ativo estão agrupados na estrutura tridimensional. (b) Representação da enzima
enfatizando sua superfície. A fenda onde a cadeia lateral do aminoácido aromático do
substrato está ligada é mostrada em verde. Os resíduos chaves do centro ativo, incluindo a
Ser195, His57 e Asp102 são mostrados em vermelho. O papel destes resíduos na catálise está
ilustrado na Figura 8.19. (c) O esqueleto polipeptídico da quimotripsina como uma
30

estrutura em fita. As pontes dissulfeto são mostradas em amarelo; as cadeias A, B e C são


coloridas como mostradas em (a).
(d) Uma vista completa do sítio ativo com o substrato (verde) ligado. Dois dos resíduos
do centro ativo Ser195 e His57 (vermelho) são parcialmente visíveis. A Ser195 ataca o grupo
carbonila do substrato (o oxigênio é mostrado em púrpura) e a carga negativa que se
desenvolve no oxigênio é estabilizada pela cavidade oxiânion (nitrogênios da ligação
amida mostrados em alaranjado), conforme explicado na Figura 8-19. No substrato, a
cadeia lateral do aminoácido aromático e o nitrogênio amida da ligação peptídica que será
quebrada (projetando-se na direção do leitor e projetando a trajetória do resto da cadeia
polipeptídica do substrato) estão mostrados em azul.

A quimotripsina aumenta a velocidade de hidrólise da ligação peptídica de um fator


de pelo menos 109. A enzima não catalisa o ataque direto da água sobre a ligação
peptídica. Ao invés disso, ocorre a formação de um intermediário covalente transiente, a
acil-enzima. Desse modo, esta reação tem duas fases principais (Fig. 8-19) Na fase de
acilação, a ligação peptídica é quebrada e uma ligação éster é formada entre o carbono da
carbonila e a enzima. Na fase de desacilação, a ligação éster é hidrolisada e a enzima não
acilada é regenerada. Na fase de acilação o nucleófilo é o oxigênio da Ser 195.
Normalmente, a hidroxila da serina está protonada em pH neutro, mas a Ser195 está ligada
por ponte de hidrogênio à His57, que também está ligada por ponte de hidrogênio ao Asp102.
Estes três aminoácidos são freqüentemente chamados de tríade catalítica. Quando o
oxigênio da Ser195 ataca o carbono da carbonila da ligação peptídica, a His57, que está
ligada por pontes de hidrogênio, funciona como uma base geral removendo o próton da
serina, enquanto o Asp102, carregado negativamente, estabiliza a carga positiva que se
forma no resíduo de His. Isto previne a formação de uma carga positiva muito instável na
hidroxila da Ser195 e a torna muito mais nucleofílica. A His57 pode também agir como um
doador de prótons e protonar o grupo amino na porção do substrato que foi deslocada (o
grupo que sai). Um conjunto semelhante de transferências de prótons ocorre no passo de
desacilação.
Enquanto o oxigênio da Ser195 ataca o grupo carbonila do substrato, é formado um
intermediário de vida muito curta, onde o oxigênio da carbonila adquire uma carga
negativa. Esta carga é formada dentro de uma cavidade na enzima, chamada de fenda
oxiânion e, é estabilizada por pontes de hidrogênio proporcionadas pelos nitrogênios dos
grupos amida de duas ligações peptídicas do esqueleto da quimotripsina. Uma dessas
pontes de hidrogênio ocorre apenas nesse intermediário e nos estados de transição da sua
formação e quebra, reduzindo assim a energia necessária para atingir estes estados. Este é
um exemplo do uso da energia de ligação na catálise.

figura 8-19
Passos na hidrólise de uma ligação peptídica pela quimotripsina. O substrato (um
polipeptídio ou proteína) está ligado no sítio ativo. A ligação peptídica a ser quebrada é
posicionada pela ligação da cadeia lateral do aminoácido hidrofóbico adjacente (um
resíduo de fenilalanina, neste exemplo) em uma fenda hidrofóbica especial na enzima. A
reação consiste de duas fases. Nas etapas  a , a formação do intermediário covalente
acil-enzima está associada à hidrólise da ligação peptídica (fase de acilação). Nas etapas 
a , a desacilação regenera a enzima livre (fase de desacilação). Em ambas as fases, o
oxigênio da carbonila do substrato adquire uma carga negativa no intermediário
tetraédrico. A carga é estabilizada por pontes de hidrogênio entre os nitrogênios amida da
Gli193 e da Ser195. A ponte de hidrogênio com a Gli193 é formada apenas neste intermediário
de curta duração e nos estados de transição que levam à sua formação e decomposição. A
desacilação é essencialmente o reverso da acilação, onde a água é usada em substituição ao
grupo amino do substrato. Os resíduos de His e Asp cooperam na tríade catalítica
proporcionando uma catálise básica geral nas etapas  e  e uma catálise ácido geral nas
etapas  e .
31

A primeira evidência da existência de um intermediário covalente acil-enzima veio


de uma aplicação clássica da cinética de estado pré-estacionário. Além da sua ação sobre
os polipeptídios, a quimotripsina também catalisa a hidrólise de pequenas moléculas de
amidas e ésteres. Essas reações são muito mais lentas que a hidrólise de peptídeos porque
menos energia de ligação está disponível com estas moléculas pequenas de substratos, mas
elas são mais fáceis de serem estudadas. As investigações de B.S. Hartley e B.A. Kilby
mostraram que a hidrólise do éster p-nitrofenilacetato pela quimotripsina, medida pela
liberação do p-nitrofenol, ocorre com um aumento brusco (‘burst”) antes de se estabilizar
em uma velocidade menor (Fig. 8-20). Extrapolando os resultados para o tempo zero, eles
concluíram que esse aumento brusco correspondia à liberação de exatamente uma
molécula de p-nitrofenol para cada molécula de enzima presente. Hartley e Kilby
sugeriram que isto refletia uma acilação rápida de todas as moléculas de enzima (com a
liberação de p-nitrofenol) e que a velocidade da renovação da enzima era limitada por uma
etapa lenta de desacilação. Resultados similares têm sido obtidos desde então com muitas
outras enzimas. A observação da etapa de aumento brusco constitui outro exemplo do uso
da cinética para decompor uma reação em suas etapas constituintes.

figura 8-20
A cinética de estado pré-estacionário evidencia um intermediário acil-enzima. A
hidrólise do p-nitrofenilacetato pela quimotripsina é medida pela liberação de p-nitrofenol
(um produto colorido). Inicialmente, uma quantidade de p-nitrofenol quase
estequiométrica com a quantidade de enzima presente é liberada através de um aumento
rápido. Isto reflete a fase rápida de acilação da reação. A velocidade subseqüente é menor
uma vez que a renovação da enzima é limitada pela velocidade da fase de desacilação,
mais lenta.

Hexoquinase – Esta é uma enzima bisubstrato (Mr 100.000) que catalisa a interconversão
de glicose e ATP em glicose-6-fosfato e ADP. O ATP e o ADP ligam-se às enzimas como
complexos do íon metálico Mg2+. A hidroxila do carbono 6 da glicose (para a qual o
fosfato γ do ATP é transferido) é similar à água em reatividade química, e a água entra
livremente no sítio ativo da enzima. Mesmo assim a hexoquinase discrimina a glicose da
água, sendo a glicose favorecida por um fator de 106.
A hexoquinase pode discriminar entre a glicose e a água devido às mudanças
conformacionais que ocorrem na enzima quando o substrato correto se liga ao sítio ativo
(Fig. 8-21). Assim, a hexoquinase representa um excelente exemplo de ajuste induzido.
Quando a glicose não está presente, a enzima está em uma conformação inativa, com as
cadeias laterais dos aminoácidos em uma posição inadequada para a reação. Quando a
glicose (mas não a água) e o ATP-Mg se ligam ao sítio ativo, a energia de ligação derivada
desta interação induz uma mudança conformacional para a forma cataliticamente ativa da
hexoquinase.

figura 8-21
Ajuste induzido na hexoquinase. As extremidades da hexoquinase, uma enzima em
forma de U (a) atuam como pinça devido a uma mudança conformacional induzida
pela ligação da D-glicose (vermelho) (b).
Esta conclusão tem sido reforçada por estudos cinéticos. A xilose, um açúcar de cinco
carbonos, estereoquimicamente similar à glicose mas com um carbono a menos, se liga à
hexoquinase mas em uma posição onde não pode ser fosforilada. Desse modo, a adição de
xilose à mistura de reação aumenta a velocidade de hidrólise do ATP. Evidentemente, a
ligação da xilose é suficiente para induzir uma mudança na hexoquinase para a sua
conformação ativa e, desse modo a enzima é “enganada” para fosforilar a água.
32

A reação da hexoquinase também ilustra que a especificidade da enzima não é


apenas um simples caso de ligação de um composto mas não de outro. No caso da
hexoquinase, a especificidade não é observada na formação do complexo ES mas sim nas
velocidades relativas das etapas catalíticas subsequentes. A água não é excluída do centro
ativo, mas a velocidade da reação aumenta consideravelmente na presença de um grupo
aceptor de fosfato (glicose). O ajuste induzido é apenas um aspecto do mecanismo
catalítico da hexoquinase: do mesmo modo que a quimotripsina, a hexoquinase utiliza
várias estratégias catalíticas. Por exemplo, os resíduos de aminoácidos do centro ativo
(aqueles posicionados pelas mudanças conformacionais resultantes da ligação do substrato)
participam de uma catálise ácido-base geral e estabilização do estado de transição.

Enolase – Esta enzima catalisa uma etapa da via glicolítica (Capítulo 15), a desidratação
reversível do 2-fosfoglicerato a fosfoenolpiruvato:
enolase
2-fosfoglicerato  fosfoenolpiruvato
A enolase de levedura (Mr 96000) é um dímero com 436 resíduos de aminoácidos
por subunidade. A reação da enolase ilustra um tipo de catálise por íon metálico e
proporcionaum exemplo adicional de catálise ácido-base geral e estabilização do estado de
transição. A reação ocorre em duas etapas (Fig. 8-22a). O resíduo Lis345 atua como um
catalisador básico geral, retirando um próton do carbono 2 do 2-fosfoglicerato na primeira
etapa. O Glu211 atua como um catalisador ácido geral, doando um próton para o grupo -OH
que é removido da molécula na segunda etapa.
O próton do carbono 2 do 2-fosfoglicerato não é muito ácido e portanto ele não é
removido rapidamente. Entretanto, no sítio ativo da enzima, o 2-fosfoglicerato é
submetido a fortes interações iônicas com dois íons Mg2+ ligados (Fig. 8-22b), o que torna
o carbono 2 mais ácido (diminuindo seu pKa) e mais fácil de abstrair. A formação de
pontes em outros resíduos do centro ativo também contribui para o mecanismo global. As
várias interações estabilizam efetivamente tanto o intermediário enolato como o estado de
transição que precede a sua formação.
Não foi incluída nestas discussões de mecanismos enzimáticos a contribuição
especial das coenzimas na atividade catalítica de muitas enzimas. A função das coenzimas
é quimicamente variada e, elas serão descritas à medida que forem sendo encontradas na
Parte III deste livro.

figura 8-22
As duas etapas da reação catalisada pela enolase. (a) Mecanismo de transformação do
2-fosfoglicerato em fosfoenolpiruvato pela enolase. O grupo carbonila do 2-fosfoglicerato
é coordenado por dois íons magnésio no centro ativo. Um próton é removido através de
uma catálise básica geral (Lis345). O intermediário enólico resultante é estabilizado pelos
dois íons Mg2+. A eliminação subsequente do –OH é facilitada por uma catálise ácida geral
(Glu211). (b) O substrato 2-fosfoglicerato em relação aos íons magnésio, Lis345 e Glu211 no
centro ativo da enolase. Os átomos de H não são mostrados. Todos os átomos de oxigênio
no 2-fosfoglicerato são azul claro; o fósforo é alaranjado.

Enzimas Reguladoras
No metabolismo celular, grupos de enzimas trabalham em conjunto em vias
seqüenciais para desenvolver um dado processo metabólico, tal como a conversão da
glicose em lactato no músculo esquelético através de várias reações ou a síntese de um
aminoácido a partir de precursores mais simples em uma célula bacteriana, através de
várias reações. Nesses sistemas enzimáticos, o produto da reação da primeira enzima
torna-se o substrato da próxima enzima e assim sucessivamente.
A maioria das enzimas em cada sistema, segue os padrões cinéticos já descritos.
Entretanto, em cada via metabólica existe pelo menos uma enzima que determina a
velocidade de toda a seqüência, porque ela catalisa a reação mais lenta ou a reação
33

limitante da velocidade. Além disso, estas enzimas reguladoras têm sua atividade
catalítica aumentada ou diminuída em resposta a determinados sinais. Ajustes na
velocidade das reações catalisadas pelas enzimas e consequentemente na velocidade da
seqüência metabólica permitem à célula acertar as mudanças nas necessidades de energia e
de biomoléculas requeridas para o crescimento e reparo.
Em muitos sistemas multienzimáticos a primeira enzima da seqüência é uma
enzima reguladora. Catalisar, ainda que somente algumas reações de uma via metabólica
que leva a um produto desnecessário, desvia energia e metabólitos de processos mais
importantes. Portanto, um lugar excelente para regular uma via metabólica é no ponto de
comprometimento da seqüência metabólica. As outras enzimas na seqüência estão
usualmente presentes em quantidades que fornecem um excesso de atividade catalítica.
Geralmente elas promovem suas reações tão rapidamente quanto seus substratos são
disponibilizados a partir das reações precedentes.
A atividade das enzimas reguladoras é modulada de várias maneiras. Existem duas
grandes classes de enzimas reguladoras nas vias metabólicas. As enzimas alostéricas
funcionam através da ligação não-covalente reversível de compostos reguladores
chamados moduladores alostéricos, que geralmente são pequenos metabólitos ou
cofatores. Outras enzimas são reguladas através de uma modificação covalente reversível.
Ambas as classes de enzimas reguladoras tendem a apresentar subunidades múltiplas e, em
alguns casos os sítios reguladores e o sítio ativo estão em subunidades separadas.
Existem pelo menos outros dois mecanismos de regulação da atividade enzimática.
Algumas enzimas são estimuladas ou inibidas quando elas estão ligadas por outras
proteinas regulatórias. Outras são ativadas quando segmentos peptídicos são removidos
através de uma clivagem proteolítica. Diferentemente da regulação mediada por um efetor,
a regulação através de uma quebra proteolítica é irreversível. Exemplos importantes destes
dois mecanismos são encontrados em processos fisiológicos tais como a digestão,
coagulação sangüínea, ação hormonal e o processo da visão.
O crescimento celular e a sobrevivência depende do uso eficiente dos recursos
disponibilizados pelas enzimas reguladoras. Nenhuma regra única governa a ocorrência
dos diferentes tipos e regulação nos diferentes sistemas. De um certo modo, a regulação
alostérica (não-covalente) permite um ajuste fino das vias metabólicas que são requeridas
continuamente, mas em diferentes níveis de atividade, à medida que condições celulares
mudam. A regulação por modificação covalente pode ser tudo ou nada – principalmente no
caso de quebra proteolítica – ou pode permitir mudanças tênues na atividade. Múltiplos
tipos de regulação são observados em um grande número de enzimas reguladoras. O
restante deste capítulo será destinado à regulação das enzimas.

As enzimas alostéricas sofrem mudanças conformacionais em resposta à ligação do


modulador
Conforme visto no Capítulo 7, as proteinas alostéricas são aquelas que apresentam
“outras formas” ou conformações induzidas pela ligação dos moduladores. O mesmo
conceito se aplica para determinadas enzimas reguladoras,onde mudanças conformacionais
induzidas por um ou mais moduladores interconvertem formas mais e menos ativas da
enzima. Os moduladores das enzimas reguladoras podem ser tanto inibidores ou
estimuladores. Geralmente o próprio substrato é um ativador da enzima. As enzimas
reguladoras cujos substrato e modulador são, idênticos são chamadas homotrópicas. O
efeito é similar à ligação do O2 à hemoglobina, uma proteina que não tem atividade
enzimática (Capítulo 7). A ligação do substrato causa mudanças conformacionais que
afetam a subsequente atividade dos outros sítios na proteina. Quando o modulador é uma
molécula diferente do substrato, a enzima é chamada heterotrópica.
É importante que os moduladores alostéricos não sejam confundidos com os
inibidores incompetitivos e mistos. Embora estes últimos se ligam a um segundo sítio na
enzima, eles não promovem necessariamente mudanças conformacionais entre as formas
ativa e inativa. Além disso os efeitos cinéticos são distintos.
34

As propriedades das enzimas alostéricas são significantemente diferente daquelas


das meras enzimas não reguladoras. Algumas das diferenças são estruturais. Além do sítio
ativo, as enzimas alostéricas apresentam um ou mais sítios reguladores ou alostéricos para
a ligação do modulador (Fig. 8-23). Tal como o centro ativo é específico para o seu
substrato, cada sítio regulador é específico para seu modulador. As enzimas que
apresentam vários moduladores geralmente apresentam sítios de ligação específicos
diferentes para cada um deles. Nas enzimas homotrópicas, o centro ativo e o sítio
regulatório são os mesmos.

figura 8-23
Interações entre as subunidades em uma enzima alostérica e interações com os
inibidores e ativadores. Em muitas enzimas alostéricas o sítio de ligação do substrato e
o(s) sítio(s) de ligação dos moduladores estão em subunidades diferentes, a subunidade
catalítica (C) e reguladora (R), respectivamente. A ligação de um modulador (M) positivo
(estimulador) ao seu sítio específico na subunidade reguladora é comunicada à subunidade
catalítica através de uma mudança conformacional. Esta mudança ativa a subunidade
catalítica que passa a ligar o substrato (S) com alta afinidade. Quando ocorre a dissociação
do modulador da subunidade reguladora a enzima reverte para sua forma inativa ou menos
ativa.

As enzimas alostéricas geralmente são maiores e mais complexas que as enzimas não
alostéricas. A maioria apresenta duas ou mais cadeias polipeptídicas ou subunidades. A
aspartato transcarbamilase, que catalisa a primeira reação da biossíntese de nucleotídeos de
pirimidina (Capítulo 22), apresenta 12 cadeias polipeptídicas organizadas em subunidades
catalíticas e reguladoras. A Figura 8-24 mostra a estrutura quaternária desta enzima,
deduzida de análise de raios X.

figura 8-24
Duas vistas da enzima reguladora aspartato transcarbamilase. Esta enzima reguladora
alostérica tem dois arranjos catalíticos empilhados, cada um com três cadeias
polipeptídicas catalíticas (sombreados de azul e púrpura) e três arranjos reguladores
empilhados, cada um com duas cadeias polipeptídicas reguladoras (em vermelho e
amarelo). Os arranjos reguladores formam os pontos de um triângulo que rodeia as
subunidades catalíticas. Os sítios de ligação para os moduladores alostéricos estão nas
subunidades reguladoras. A ligação do modulador provoca grandes modificações na
conformação e na atividade da enzima. A função desta enzima na síntese de nucleotídeos e
os detalhes da sua regulação são discutidos no Capítulo 22. (Cortesia de Ray Steven,
Universidade da Califórnia, Berkeley).

A etapa reguladora em muitas vias é catalisada por uma enzima alostérica


Em alguns sistemas multienzimáticos a enzima reguladora é inibida
especificamente pelo produto final da via sempre que a sua concentração exceder as
necessidades celulares. Quando a reação catalisada pela enzima reguladora diminui, todas
as enzimas subseqüentes operam em velocidades reduzidas uma vez que as concentrações
de seus substratos diminuem. A velocidade de produção do produto final da via é, portanto
balanceada com as necessidades celulares. Este tipo de regulação é chamado de inibição
por retroalimentação. O aumento da concentração do produto final da via basicamente
desacelera toda a via.
Um dos primeiros exemplos de inibição alostérica por retroalimentação descobertos
foi o sistema enzimático de bactéria que catalisa a conversão de L-treonina em L-
isoleucina (Fig. 8-25). A primeira enzima desse sistema, a L-treonina desidratase, é inibida
pela L-isoleucina, o produto da última reação da via. Este é um exemplo de inibição
alostérica heterotrópica e a isoleucina é um inibidor muito específico. Nenhum outro
intermediário nesta seqüência inibe a treonina desidratase e, nenhuma outra enzima da
35

seqüência é inibida pela isoleucina. A isoleucina não se liga ao sítio ativo, mas a um outro
sítio específico na molécula da enzima, o sítio regulador. Esta ligação é do tipo não-
covalente e facilmente reversível. Se a concentração de isoleucina diminui, a atividade da
treonina desidratase aumenta. Desse modo, a atividade da treonina desidratase responde
rápida e reversivelmente às variações da concentração da isoleucina na célula.

figura 8-25
Inibição por retroalimentação. A conversão da L-treonina em L-isoleucina é catalisada
por uma seqüência de cinco enzimas (E1 a E5). A L-treonina desidratase (E1) é inibida
especifica e alostericamente pela L-isoleucina, o produto final da seqüência, mas por
nenhum dos quatro intermediários (A a D). A inibição por retroalimentação está indicada
pela linha pontilhada e pelo símbolo  na seta da reação catalisada pela treonina
desidratase, um esquema que é usado neste livro.

As propriedades cinéticas das enzimas alostéricas divergem do comportamento de


Michaelis-Menten
As enzimas alostéricas apresentam relações entre Vo e [S] que diferem da cinética
de Michaelis-Menten. Elas apresentam saturação pelo substrato quando [S] é
suficientemente grande mas, para algumas enzimas alostéricas, o gráfico de Vo versus [S]
(Fig. 8-26) resulta em uma curva de saturação sigmoidal ao invés da curva hiperbólica
típica das enzimas não reguladoras. Embora é possível encontrar um valor de [S] na curva
de saturação sigmoidal para a qual Vo é metade da velocidade máxima, não se pode referir
a ela como designando o Km pois a enzima não segue o comportamento hiperbólico de
Michaelis-Menten. Como substituto, o símbolo [S]0.5 ou K0.5 é frequentemente usado para
representar a concentração de substrato que produz metade da velocidade máxima da
reação catalisada por uma enzima alostérica (Fig. 8-26).
O comportamento cinético sigmoidal geralmente reflete interações cooperativas
entre múltiplas subunidades proteicas. Em outras palavras, mudanças na estrutura de uma
subunidade são traduzidas em mudanças estruturais nas subunidades adjacentes, um efeito
que é mediado por interações não covalentes na(s) interface(s) subunidade-subunidade. Os
princípios são muito bem ilustrados pela ligação do O2 à hemoglobina (Capítulo 7). O
comportamento cinético sigmoidal é explicado pelos modelos ajustado e sequencial para
interações de subunidades (Fig. 7-14).
As enzimas alostéricas homotrópicas geralmente apresentam múltiplas
subunidades. Conforme salientado anteriormente, o mesmo sítio de ligação em cada
subunidade pode funcionar tanto como sítio ativo ou sítio regulador. O substrato, pode ser
um modulador positivo (um ativador) porque as subunidades atuam cooperativamente: a
ligação de uma molécula do substrato a um sítio de ligação altera a conformação da
enzima e favorece a ligação de outras moléculas do substrato. Isto explica o aumento
sigmoidal, e não o hiperbólico, de Vo com o aumento da [S]. Uma característica da cinética
sigmoidal é que pequenas mudanças na concentração de um modulador pode ser associada
a grandes mudanças na atividade. Como fica evidente na Figura 8-26a, um aumento
relativamente pequeno na [S] na parte ascendente da curva provoca um aumento
comparativamente grande em Vo.
Para as enzimas alostéricas heterotrópicas, cujo modulador é um metabólito
diferente do substrato, é difícil fazer generalizações acerca da forma da curva de saturação
pelo substrato. Um ativador pode tornar a curva mais próxima de uma hipérbole, com uma
diminuição no K0.5 mas sem mudanças em Vo, resultando assim em uma maior velocidade
de reação para uma concentração fixa de substrato (Vo é maior para qualquer valor de [S])
(Fig. 8-26b, curva superior). Outras enzimas alostéricas heterotrópicas respondem a um
ativador através de um aumento de Vmáx com uma pequena variação no K0.5 (Fig. 8-26c).
Um modulador negativo (um inibidor) pode produzir uma curva de saturação pelo
substrato mais sigmoidal, com um aumento no K0.5 (Fig. 8-26b, curva inferior). As
enzimas alostéricas heterotrópicas podem apresentar diferentes tipos de respostas nas suas
36

curvas de variação da atividade em função da [S] porque várias apresentam moduladores


inibidores, várias apresentam moduladores ativadores e várias apresentam ambos os tipos.

figura 8-26
Curvas de variação da atividade em função da concentração do substrato para
enzimas alostéricas representativas. Três exemplos de respostas complexas dadas por
enzimas alostéricas aos seus reguladores. (a) Curva sigmoidal de uma enzima
homotrópica, onde o substrato também atua como um modulador positivo (estimulador) ou
ativador. Note a semelhança com a curva de saturação da hemoglobina pelo oxigênio (veja
Fig. 7-12). (b) Efeitos de um modulador positivo ⊕ e um modulador negativo Θ, sobre
uma enzima alostérica onde K0.5 é alterado sem mudanças na Vmáx. A curva central mostra a
relação atividade-concentração do substrato sem um modulador. (c) Tipo menos comum
de modulação onde Vmáx é alterada e K0.5 permanece quase constante.

Algumas enzimas reguladoras sofrem modificações covalentes reversíveis


Em uma outra classe importante de enzimas reguladoras, a atividade é regulada por
modificação covalente da molécula da enzima. Entre os grupos modificadores estão o
fosfato, adenosina monofosfato, uridila monofosfato, adenosina difosfato ribose e grupos
metila (Fig. 8-27). Estes grupos geralmente são ligados covalentemente e removidos da
enzima reguladora por outras enzimas.

figura 8-27
Exemplos de reações de modificação de enzimas.
Modificação covalente Resíduo de aminoácido que será modificado
covalentemente
Fosforilação Tir, Ser, Tre, His
Adenililação Tir
Uridililação Tir
ADP-ribosilação Arg, Gln, Cis, diftamida (His modificada)
Metilação Glu

Um exemplo de metilação é a proteína quimiotática aceptora de grupos metila de


bactérias. Esta proteína é parte de um sistema que permite uma bactéria nadar em direção a
uma substância atrativa (tal como um açúcar) em solução e se distanciar de uma substância
repelente. O agente metilante é o S-adenosilmetionina (adoMet) descrito no Capítulo 18.
Uma reação especialmente interessante é a ADP-ribosilação observada em algumas poucas
proteínas. A ADP-ribose é derivada da nicotinamida adenina dinucleotídeo (veja Fig. 10-
41). Este tipo de modificação ocorre para a enzima bacteriana dinitrogenase redutase,
resultando na regulação do importante processo de fixação biológica do nitrogênio. Além
disso, as toxinas da difteria e do cólera são enzimas que catalisam a ADP-ribosilação (e
inativação) de enzimas celulares de grande importância e proteinas. A toxina da difteria
age sobre e inibe, o fator de elongação 2, uma proteína envolvida na biossíntese de
proteinas. A toxina do cólera age sobre uma proteina específica (uma proteína G específica
que é parte de uma via de sinalização, veja Fig. 13-31), levando fundamentalmente a
várias respostas fisiológicas que inclui a perda maciça de fluidos corporais e algumas vezes
a morte.
As fosforilações representam a grande maioria das modificações reguladoras
conhecidas. Cerca de um terço ou até mesmo a metade de todas as proteinas de uma célula
eucariótica são fosforiladas. Algumas proteinas apresentam apenas um resíduo fosforilado,
outras apresentam vários e algumas poucas apresentam dúzias de sítios para fosforilação.
Esse tipo de modificação covalente é fundamental para um grande número de vias
reguladoras e por esse motivo será tratado detalhadamente a seguir.

Os grupos fosfato afetam a estrutura e a atividade catalítica das proteinas


37

A ligação de grupos fosfato a resíduos de aminoácidos específicos de uma proteina


é catalisada por proteinas quinases e a remoção desses grupos é catalisada por proteinas
fosfatases. A adição de um grupo fosfato a um resíduo de Ser, Tre ou Tir introduz um
grupo volumoso e carregado em uma região que era apenas moderadamente polar. Os
oxigênios do grupo fosfato são capazes de formar ligações de hidrogênio com um ou
vários grupos em uma proteina, geralmente os grupos amida do esqueleto peptídico no
início de uma alfa hélice ou então com grupos guanidino carregados das cadeias laterais da
Arg. A dupla carga negativa na cadeia lateral fosforilada também pode repelir grupos
vizinhos de resíduos carregados negativamente (Asp ou Glu). (Nenhuma cadeia lateral de
aminoácido não modificada apresenta duas cargas negativas). Quando a cadeia lateral
modificada está localizada em uma região da proteina que é crítica para a sua estrutura
tridimensional, pode-se esperar efeitos dramáticos da fosforilação na conformação da
proteina e por conseguinte na ligação do substrato e catálise.
Um exemplo importante de regulação pela fosforilação é observado na glicogênio
fosforilase (Mr 94.500) do músculo e fígado (Capítulo 15) que catalisa a reação:
(Glicose)n + Pi → (glicose)n-1 + glicose-1-fosfato
Glicogênio Glicogênio com cadeia diminuída
A glicose-1-fosfato assim formada pode ser usada para a síntese de ATP no
músculo ou convertida em glicose livre no fígado. A glicogênio fosforilase ocorre em duas
formas: a forma mais ativa ou fosforilase a e a forma menos ativa ou fosforilase b (Fig. 8-
28). A fosforilase a tem duas subunidades, cada uma delas com um resíduo de serina
específico que é fosforilado no seu grupo hidroxila. Esses resíduos de serina-fosfato são
requeridos para a atividade máxima da enzima. Os grupos fosfato podem ser removidos da
fosforilase a através de uma hidrólise efetuada por uma outra enzima denominada
fosforilase fosfatase:
Fosforilase a + 2H2O → fosforilase b + 2Pi
(mais ativa) (menos ativa)
Nesta reação a fosforilase a é convertida em fosforilase b pela quebra de duas
ligações covalentes de serina-fosfato, uma em cada subunidade da glicogênio fosforilase.
A fosforilase b, por sua vez, pode ser reativada novamente – transformada
covalentemente em fosforilase a ativa – por uma outra enzima, a fosforilase quinase que
catalisa a transferência dos grupos fosfato do ATP para os grupos hidroxila de dois
resíduos específicos de serina na fosforilase b:
2ATP + fosforilase b → 2ADP + fosforilase a
(menos ativa) (mais ativa)

figura 8-28
Regulação da atividade da glicogênio fosforilase por modificação covalente. Na forma
mais ativa da enzima, fosforilase a, um resíduo específico de serina em cada subunidade
está fosforilado. A fosforilase a é convertida na fosforilase b, menos ativa, através da
perda enzimática destes grupos fosfato que é catalisada pela fosforilase fosfatase. A
fosforilase b pode ser reconvertida (reativada) na fosforilase a pela ação da fosforilase
quinase.

figura 8-29
Regulação da glicogênio fosforilase. Devido ao seu papel central no metabolismo
intermediário, a glicogênio fosforilase está sujeita a vários níveis de regulação. Esta
representação transparente da molécula simétrica da glicogênio fosforilase a mostra os
sítios de regulação por modificação covalente (fosforilação da Ser14, amarelo) e ativação
alostérica pelo AMP (azul escuro) em cada uma das duas subunidades. A glicose
(vermelho) está ligada ao sítio ativo. O piridoxal fosfato (PLP; azul claro), um derivado da
vitamina B6, é um cofator ligado à enzima. Na glicogênio fosforilase, o PLP participa na
catálise ácido-base geral, um papel não usual para este cofator, cujas funções mais típicas
38

serão descritas em detalhe no Capítulo 18. Note quão distante os sítios reguladores estão
do centro ativo da enzima.

A quebra do glicogênio nos músculos esqueléticos e no fígado é regulada por


variações na relação entre as duas formas da glicogênio fosforilase. As formas a e b da
fosforilase diferem nas suas estruturas secundária, terciária e quaternária. O centro ativo
sofre mudanças na sua estrutura e, consequentemente, mudanças na sua atividade catalítica
à medida que as duas formas se interconvertem.
A regulação da glicogênio fosforilase pela fosforilação ilustra os efeitos da
fosforilação sobre a estrutura e a atividade catalítica (Fig. 8.29). No estado não fosforilado,
cada subunidade desta proteina está enovelada de tal forma a juntar 20 resíduos da
extremidade amino terminal, incluindo um certo número de resíduos básicos, em uma
região contendo vários aminoácidos. Isto produz uma interação eletrostática que estabiliza
a conformação. A fosforilação da Ser14 interfere com essa interação, forçando o domínio
do grupo amino terminal para fora do meio ácido e para uma conformação que permite a
interação entre (P)-Ser e várias cadeias laterais da Arg. Nesta conformação, a enzima é
muito mais ativa.
A fosforilação de uma enzima pode afetar a catálise de uma outra maneira:
alterando a afinidade de ligação com o substrato. Por exemplo, quando a isocitrato
desidrogenase (uma enzima do ciclo do ácido cítrico; Capítulo 16) é fosforilada, a repulsão
eletrostática pelo grupo fosfato, impede a ligação do citrato (um ácido tricarboxílico) no
centro ativo.
As interações entre as subunidades de proteínas estruturais oligoméricas podem ser
alteradas pela fosforilação no sítio de interação. Por exemplo, a fosforilação de proteinas
do citoesqueleto influencia o seu arranjo em estruturas supramoleculares. Tem sido
relatado que a proteina-2 associada a microtúbulos, tem mais de trinta sítios capazes de
serem fosforilados.

Fosforilações múltiplas proporcionam um apurado controle regulador


Os resíduos de Ser, Tre ou Tir que não estão fosforilados nas proteinas reguladoras
ocorrem no interior de motivos estruturais comuns, chamadas seqüências de consenso, que
são reconhecidas por proteinas quinases (Tabela 8-9). Algumas quinases são basófilas,
preferindo fosforilar um resíduo que apresenta vizinhos básicos; outras têm diferentes
preferências por substratos, tal como um resíduo próximo a uma prolina. A seqüência
primária não é o único fator para determinar se um dado resíduo será fosforilado. O
enovelamento da proteina aproxima resíduos que estão afastados na seqüência primária e,
a estrutura tridimensional resultante pode determinar se a proteina quinase tem acesso a
um dado resíduo, reconhecendo-o como um substrato. Um fator que influencia a
especificidade de substrato de certas proteinas quinases é a proximidade de outros resíduos
fosforilados.
A regulação pela fosforilação frequentemente é muito complicada. Algumas
proteínas apresentam seqüências de consenso reconhecidas por várias proteinas quinases
diferentes, cada uma podendo fosforilar a proteina e alterar a sua atividade. Em alguns
casos, a fosforilação é hierárquica: certos resíduos podem ser fosforilados somente se o
resíduo vizinho tiver sido fosforilado primeiro. Por exemplo, a glicogênio sintase é
inativada pela fosforilação de resíduos específicos de serina e também é modulada pelo
menos por quatro outras proteinas quinases que fosforilam quatro outros sítios na proteina
(Fig. 8-30). A proteína não é uma substrato para a glicogênio sintase quinase 3, por
exemplo, até que um dos sítios tenha sido fosforilado pela caseína quinase II. Algumas
fosforilações inibem a glicogênio sintase mais que outras e, algumas combinações de
fosforilação são cumulativas. Essas fosforilações reguladoras múltiplas proporcionam o
potencial para as modulações extremamente sutis da atividade enzimática.
Para atuar como um mecanismo regulador eficiente, a fosforilação deve ser
reversível. Geralmente os grupos fosfato são adicionados e removidos por diferentes
39

enzimas e, os processos podem ser regulados separadamente. As células apresentam uma


família de fosfoproteínas fosfatases que hidrolisam ésteres de Ser-P, Tre-P e Tir-P,
liberando Pi. As fosfoproteínas fosfatases conhecidas atuam sobre um conjunto de
fosfoproteinas, porém elas apresentam uma especificidade de substrato menor que as
proteínas quinases. Embora as fosfoproteínas fosfatases ainda não estão completamente
estudadas como as proteínas quinases, elas também parecem ser importantes na regulação
dos processos celulares e do metabolismo.

tabela 8-9
Sequência de consenso para proteínas quinases
Proteína quinase Sequência de consenso resíduo
fosforilado*
Proteina quinase A
Proteina quinase G
Proteina quinase C
Proteina quinase B
Ca2+/calmodulina quinase I
Ca2+/calmodulina quinase II
Quinase da cadeia leve da miosina (músculo
esquelético)
Fosforilase b quinase
Quinase regulada por sinal extracelular (ERK)
Proteína quinase dependente de ciclina (cdc2)
Caseína quinase I
Caseína quinase II
Quinase do receptor β-adrenérgico
Rodopsina quinase
Quinase do receptor da insulina
Quinase do receptor do fator de crescimento
epidérmico (EGF)
Fontes: Pinna LA & Ruzzene MH (1996) How do protein kinases recognize their
substrates ? Biochim. Biophys. Acta 1314, 191-225. Kemp BE & Pearson RB (1990)
Protein kinase recognition sequence motifs. Trends Biochem. Sci. 15, 342-346. Kennelly
PJ & Krebs EG (1991) Consensus sequences as substrate specificity determinants for
protein kinases and protein phosphatases. J. Biol. Chem. 266, 15555-15558.
* São mostradas aqui as seqüências de consenso (em tipo romano) e as seqüências reais de
substratos conhecidos (em itálico). Os resíduos de Ser (S), Tre (T) ou Tir (Y) que sofrem
fosforilação estão em vermelho; todos os aminoácidos estão mostrados na forma de suas
abreviações de uma letra (veja Tabela 5-1). X representa qualquer aminoácido; B, qualquer
aminoácido hidrofóbico; Sp, Tp e Yp, os resíduos de Ser, Tre e Tir já fosforilados.

figura 8-30
Fosforilações reguladoras múltiplas. A enzima glicogênio sintase apresenta pelo menos
nove sítios diferentes em cinco regiões designadas para fosforilação por uma das proteínas
quinases celulares. Por conseguinte, a atividade dessa enzima está sujeita à modulação em
resposta a uma variedade de sinais. Assim, a regulação não é simplesmente um disjuntor
binário (liga/desliga) mas uma modulação finamente ajustada da atividade em um grande
intervalo.
Sítios de fosforilação da
glicogênio sintase
Quinase Sítios de fosforilação Grau de inativação da
da glicogênio sintase sintase
Proteína quinase A
Proteína quinase G
40

Proteína quinase C
Ca2+/calmodulina quinase
Fosforilase b quinase
Caseína quinase I
Caseína quinase II
Glicogênio sintase quinase 3
Glicogênio sintase quinase 4

Alguns tipos de regulação requerem a proteólise de um precursor enzimático


Para algumas enzimas, um precursor inativo, chamado zimogênio, é hidrolisado
para formar a enzima ativa. Muitas enzimas proteolíticas (proteases) do estômago e do
pâncreas são reguladas desta forma. A quimotripsina e a tripsina são inicialmente
sintetizadas como quimotripsinogênio e tripsinogênio, respectivamente (Fig. 8-31). A
quebra específica provoca mudanças conformacionais que expõem o sítio ativo da enzima.
Uma vez que este tipo de ativação é irreversível, outros mecanismos são necessários para
inativar estas enzimas. As proteases são inativadas por proteínas inibidoras que se ligam
muito fortemente ao sítio ativo da enzima. Por exemplo, o inibidor da tripsina pancreática
(Mr 6.000) liga-se à tripsina e a inibe; a α1-antiproteinase (Mr 53.000) inibe primariamente
a elastase de neutrófilos. Uma insuficiência de α1-antiproteinase, que pode ser causada pela
exposição à fumaça de cigarros, tem sido associada com lesão do pulmão, incluindo
enfisema.
As proteases não são as únicas proteinas ativadas por proteólise. Porém em outros
casos, os precursores são chamados mais frequentemente de proproteínas ou proenzimas
ao invés de zimogênio. Por exemplo, o colágeno, uma proteína do tecido conectivo é
sintetizada inicialmente como o precursor solúvel procolágeno. O sistema de coagulação
sangüínea apresenta muitos exemplos de ativação proteolítica de proteínas. A fibrina, uma
proteína do coágulo sangüíneo, é produzida pela proteólise de sua proteína inativa, o
fibrinogênio. A protease responsável por esta ativação é a trombina (similar em muitos
aspectos à quimotripsina), que por sua vez é produzida pela proteólise da proproteína
(neste caso um zimogênio), protrombina. A coagulação sangüínea é mediada por uma
complicada cascata de ativação de zimogênios.

Algumas enzimas reguladoras usam mecanismos de regulação múltiplos


A glicogênio fosforilase catalisa a primeira reação de uma via que alimenta com
glicose armazenada o metabolismo de carboidratos que produz energia. (Capítulo 15).
Este é um importante passo metabólico e, a sua regulação é correspondentemente
complexa. Embora a sua regulação primária ocorre através de modificação covalente,
como delineada na Fig. 8-28, a glicogênio fosforilase também é modulada de uma maneira
alostérica e não covalente pelo AMP, que é um ativador da fosforilase b, e por várias
outras moléculas que são inibidores.
Outras enzimas reguladoras complexas são encontradas em cruzamentos
metabólicos chaves. A glutamina sintetase de bactérias, que catalisa uma das etapas que
introduz nitrogênio reduzido no metabolismo celular (Capítulo 22), é uma das mais
complexas enzimas reguladoras conhecidas. Ela é regulada por alosteria (com pelo menos
oito moduladores alostéricos diferentes) e por modificação covalente reversível. Ela
também é regulada pela associação de outras proteínas reguladoras, um mecanismo já
comentado muito brevemente neste capítulo mas que será examinado detalhadamente
quando considerarmos a regulação de vias metabólicas específicas.
Qual é a vantagem de tal complexidade na regulação da atividade enzimática ? Nós
começamos este capítulo enfatizando a importância central da catálise para a existência da
vida. O controle da catálise também é crítico para vida. Se todas as possíveis reações em
uma célula forem catalisadas simultaneamente, as macromoléculas e os metabólitos seriam
rapidamente quebrados em formas químicas mais simples. Ao invés disso, somente as
reações necessárias para a célula em um dado momento são catalisadas. Quando as
41

reservas químicas estão repletas, a glicose e outros metabólitos são sintetizados e


armazenados. Quando as reservas são escassas, esses depósitos são usados para alimentar o
metabolismo celular. A energia química é usada economicamente, dividida para várias vias
metabólicas à medida que as necessidades celulares ordenarem. A disponibilidade de
catalisadores poderosos, cada um específico para uma dada reação, torna possível a
regulação dessas reações. Isto, por sua vez, dá origem à uma complexa e altamente
ordenada sinfonia que nós chamamos vida.

figura 8-31
Ativação de zimogênios por clivagem proteolítica. É mostrada a formação da
quimotripsina e tripsina a partir de seus zimogênios. As barras representam as seqüências
primárias das cadeias polipeptídicas. Os aminoácidos nas extremidades dos fragmentos
polipeptídicos gerados pela clivagem estão indicados abaixo das barras. Os números dos
resíduos de aminoácidos representam as suas posições na seqüência primária dos
zimogênios quimotripsinogênio ou tripsinogênio (o aminoácido terminal é o número um).
Lembrar que as três cadeias polipeptídicas (A, B e C) da quimotripsina estão ligadas por
pontes dissulfeto. (veja Fig. 8-18).

resumo
A vida depende de catalisadores poderosos e específicos: as enzimas. Virtualmente,
todas as reações bioquímicas são catalisadas por uma enzima. Com exceção de uns poucos
RNAs catalíticos, todas as enzimas conhecidas são proteínas. As enzimas são catalisadores
extraordinariamente efetivos que comumente aumentam a velocidade das reações de um
fator de 105 a 1017. Para serem ativas, algumas enzimas requerem um cofator químico, que
pode estar fraca ou firmemente ligado à enzima. Cada enzima é classificada de acordo com
a reação específica que ela catalisa. As reações catalisadas pelas enzimas são
caracterizadas pela formação de um complexo entre o substrato e a enzima (o complexo
ES). A ligação ocorre em uma fenda na molécula da enzima chamada sítio ativo. A função
das enzimas e outros catalisadores é diminuir a energia de ativação da reação e, desta
forma, aumentar a velocidade da reação. O equilíbrio de uma reação não é afetado pela
enzima.
A energia empregada aumentar a velocidade da reação enzimática é derivada das
interações fracas (pontes de hidrogênio e interações hidrofóbicas e iônicas) entre o
substrato e a enzima. O sítio ativo enzimático está estruturado de tal maneira que algumas
dessas interações fracas ocorrem preferencialmente no estado de transição da reação,
estabilizando assim o estado de transição. A energia disponibilizada pela formação das
numerosas ligações fracas entre a enzima e o substrato (a energia de ligação) é substancial
e em geral pode explicar as acelerações na velocidade das reações. A necessidade de
interações múltiplas é uma das razões para o grande tamanho das enzimas. A energia de
ligação pode ser usada para diminuir a entropia do substrato, para tensioná-lo ou provocar
uma mudança conformacional na enzima (ajuste induzido). Esta mesma energia de ligação
responde pela refinada especificidade das enzimas em relação a seus substratos. Outros
mecanismos catalíticos incluem a catálise ácido-base geral e a catálise covalente.
Mecanismos de reação detalhados têm sido desenvolvidos para muitas enzimas.
A cinética é uma metodologia importante para o estudo dos mecanismos
enzimáticos. A maioria das enzimas tem algumas propriedades cinéticas em comum. À
medida que a concentração do substrato aumenta, a atividade catalítica de uma
concentração fixa de uma enzima aumenta de uma forma hiperbólica aproximando-se de
uma velocidade máxima, Vmáx característica, na qual praticamente toda enzima está na
forma do complexo ES. A concentração de substrato que produz metade da velocidade
máxima é a constante de Michaelis Km, que é característica para cada enzima agindo sobre
um determinado substrato. A equação de Michaelis-Menten
Vo= Vmáx [S]/(Km + [S])
42

relaciona a velocidade inicial de uma reação enzimática com a concentração de substrato e


a Vmáx através da constante Km. Tanto o Km como a Vmáx podem ser medidas. Elas têm
significados diferentes para enzimas diferentes. Em condições de saturação, a velocidade
limite de uma reação catalisada enzimaticamente é descrita pela constante kcat, também
chamada número de renovação. A relação kcat/Km fornece uma boa medida da eficiência
catalítica. A equação de Michaelis-Menten é também aplicável às reações com dois
substratos, que ocorrem ou pela formação de um complexo ternário ou de uma dupla-troca
(Pingue-Pongue). Cada enzima tem um pH ótimo (ou intervalo de pH) onde apresenta
atividade máxima.
As enzimas podem ser inativadas por modificações irreversíveis de um grupo
funcional essencial para atividade catalítica. Elas também podem ser inibidas por
moléculas que se ligam reversivelmente. Os inibidores competitivos competem
reversivelmente com o substrato pelo centro ativo, mas não são transformados pela
enzima. Os inibidores incompetitivos se ligam somente ao complexo ES, em um sítio
distinto do sítio ativo. Na inibição mista, o inibidor se liga tanto a E como ES. Neste
último caso, em um sítio distinto daquele onde o substrato se liga.
Algumas enzimas regulam a velocidade das vias metabólicas na células. Na
inibição por retroalimentação, o produto final de uma via inibe a primeira enzima desta
via. A atividade de algumas enzimas reguladoras, chamadas enzimas alostéricas, é ajustada
pela ligação reversível de um modulador específico a um sítio regulador. Tais
moduladores podem ser inibidores ou estimuladores e podem ser o próprio substrato ou
então algum outro metabólito. O comportamento cinético das enzimas alostéricas reflete
interações cooperativas entre as subunidades da enzima. Outras enzimas reguladoras são
moduladas por modificação covalente de um grupo funcional específico necessário para a
atividade. A fosforilação de resíduos de aminoácidos específicos é um meio muito comum
de regular a atividade da enzima. Muitas enzimas proteolíticas apresentam precursores
inativos chamados zimogênio. Pequenos peptídeos são quebrados do zimogênio para
formar a protease ativa.

leitura adicional
Geral
Evolution of Catalytic Function (1987) Cold Spring Harb. Symp. Quant. Biol. 52.
Uma coleção de excelentes artigos sobre muitos fundamentos; continua sendo muito
útil.

Fersht A (1999) Structure and Mechanism in Protein Science: A Guide to Enzyme


Catalysis and Protein Folding, W.H. Freeman and Company, New York.
Uma introdução concisa, clara e de caráter mais avançado.

Friedmann H (ed) (1981) Benchmark Papers in Biochemistry, Vol. 1: Enzymes,


Hutchinson Ross Publishing Company, Stroudsburg, PA.
Uma coleção de artigos clássicos em química de enzima, com comentários históricos
pelo editor. Extremamente interessante.

Jencks WP (1987) Catalysis in Chemistry and Enzymology, Dover Publications, Inc. New
York.
Um livro proeminente no assunto e de caráter mais avançado.

Kornberg A (1989) For the love of enzymes: The Odyssey of a Biochemist, Harvard
University Press, Cambridge, MA.

Princípios da catálise
Hansen DE & Raines RT (1990) Binding energy and enzymatic catalysis. J. Chem. Educ.
67, 483-489.
43

Um bom lugar para o estudante principiante adquirir uma melhor compreensão dos
princípios da catálise.

Kraut J (1988) How do enzymes work ? Science 242, 533-540.

Landry DW, Zhao K, Yang GXQ, Glickman M, & Georgiadis TM (1993) Antibody
degradation of cocaine. Science 259, 1899-1901.
Uma aplicação interessante de anticorpos catalíticos.

Lerner RA, Benkovic SJ & Schulz PG (1991) At the crossroads of chemistry and
immunology: catalytic antibodies. Science 252, 659-667.

Schramm VL (1998) Enzymatic transition states and transition state analog design. Annu.
Rev. Biochem. 67, 693-720.
Boas ilustrações dos princípios introduzidos neste capítulo.

Cinética
Cleland WW (1977) Determining the chemical mechanisms of enzyme-catalyzed
reactions by kinetic studies. Adv. Enzymol. 45, 273-387.

Radzicka A & Wolfenden R (1995) A proficient enzyme. Science 267, 90-93.


Exame definitivo do aumento da velocidade por uma enzima que acelera a sua reação
por um fator de 1017.

Raines RT & Hansen DE (1988) An intuitive approach to steady-state kinetics. J. Chem.


Educ. 65, 757-759.

Segel IH (1975) Enzyme Kinetics: Behavior and Analysis of Rapid Equilibrium and
Steady State Enzyme Systems, John Wiley & Sons, Inc., New York.
Um tratamento mais avançado do assunto.

Exemplos de enzimas
Babbit PC & Gerlt JA (1997) Understanding enzymes superfamilies: chemistry as the
fundamental determinant in the evolution of new catalytic activities. J. Biol. Chem. 27,
30591-30594.
Uma descrição interessante da evolução das enzimas com diferentes especificidades
catalíticas, que utilizam um repertório limitado de motivos estruturais proteicos.

Babbit PC, Hasson MS, Wedekind JE, Palmer DRJ, Barrett WC, Reed GH,
Rayment I, Ringe D, Kenyon GL & Gerlt JÁ (1997) The enolase superfamily: a general
strategy for enzyme-catalyzed abstraction of α-protons of carboxylic acids. Biochemistry
28, 16489-16501.

Warshel A, Nary-Szabo G, Sussman F & Hwang JK (1989) How do serine proteases


really work ? Biochemistry 28, 3629-3637.
Enzimas reguladoras

Barford D, Das AK & Egloff MP (1998) The structure and mechanism of protein
phosphatases: insights into catalysis and regulation. Annu. Rev. Biophys. Biomol. Struct.
27:, 133-164.

Dische Z (1976) The discovery of feedback inhibition. Trends Biochem. Sci. 1, 269-270.

Hunter T & Plowman GD (1997) The protein kinases of budding yeast: six score and
more. Trends Biochem. Sci. 22, 18-22.
44

Johnson LN & Barford D (1993) The effects of phosphorylation on the structure and
function of proteins. Annu. Rev. Biophys. Biomol. Struct. 22:, 199-232.

Koshland DE Jr, & Neet KE (1968) The catalytic and regulatory properties of enzymes.
Annu. Rev. Biochem. 37, 359-410.

Monod J, Changeux JP & Jacob F (1963) Allosteric proteins and cellular control
systems. J. Mol. Biol. 6, 306-329.
Um artigo clássico introduzindo o conceito de regulação alostérica.

problemas
1. Conservando o sabor doce do milho. O sabor adocicado do grão de milho recém-
colhido é devido ao alto nível de açúcar nos grãos. O milho comprado no mercado, vários
dias após a colheita, não é tão doce porque cerca de 50% do açúcar livre do milho é
convertido em amido um dia após a colheita. Para preservar o sabor adocicado do milho
fresco as espigas descascadas são mergulhadas em água fervente por alguns minutos
(“branqueamento”) e então resfriadas em água fria. O milho tratado dessa maneira e depois
guardado em congelador mantém seu sabor adocicado. Qual é a base bioquímica deste
procedimento ?

2. Concentração intracelular de enzimas. Para obter um valor aproximado da


concentração de enzimas em uma célula bacteriana considere que ela contém 1.000
enzimas diferentes, em igual concentração no citosol e que cada proteína tem um peso
molecular de 100.000. Considere que uma célula bacteriana é um cilindro (1 µm de
diâmetro e 2 µm de altura), que o citosol (densidade específica 1,20) contém 20% em peso
de proteínas solúveis e que todas as proteínas solúveis são enzimas. Calcule a concentração
molar média de cada enzima nesta célula hipotética.

3. Aumento da velocidade pela urease. A enzima urease aumenta a velocidade de


hidrólise da uréia em pH 8,0 e a 20°C de um fator de 10 14. Se uma dada quantidade de
urease pode hidrolisar completamente uma dada quantidade de uréia em 5 min a 20°C e pH
8,0, quanto tempo será necessário para que a mesma quantidade de uréia seja hidrolisada
na ausência de urease ? Suponha que ambas as reações ocorram em meios estéreis de tal
forma que forma que a uréia não possa ser atacada pela bactéria.

4. Proteção de uma enzima contra a desnaturação pelo calor. Quando uma solução de
enzima é aquecida, ocorre uma progressiva perda de atividade catalítica com o tempo
devido à desnaturação da enzima. Uma solução da enzima hexoquinase incubada a 45°C
perde 50% de sua atividade em 12 min. Entretanto, quando incubada a 45°C na presença
de uma grande concentração de um de seus substratos, ela perde apenas 3% de sua
atividade em 12 min. Sugira porque a desnaturação térmica da hexoquinase foi retardada
na presença de um dos seus substratos.

5. Requisitos dos sítios ativos de enzimas. A carboxipeptidase, que remove


seqüencialmente os resíduos de aminoácidos, a partir da carboxila terminal, de seus
substratos peptídicos é um polipeptídio simples com 307 aminoácidos. Os dois grupos
catalíticos essenciais no sítio ativo são Arg145 e Glu270.
(a) se a cadeia da carboxipeptidase fosse uma α-hélice perfeita, quão distantes (em
Angstrons) estariam Arg145 e Glu270 ? (Sugestão: veja Fig. 6-4b).
(b) Explicar como dois aminoácidos separados por essa distância podem catalisar reação
que ocorre em um espaço de poucos Angstrons ?

6. Ensaio quantitativo da desidrogenase láctica. A enzima desidrogenase láctica de


músculo catalisa a reação:
45

Piruvato → lactato
+
NADH e NAD são as formas reduzida e oxidada, respectivamente, da coenzima NAD.
Soluções de NADH, mas não de NAD+ absorvem luz em 340 nm. Esta propriedade é usada
para determinar a concentração de NADH em solução, através da medida
espectrofotométrica da quantidade de luz absorvida em 340 nm pela solução. Explique
como estas propriedades do NADH podem ser usadas para a padronização de um ensaio
quantitativo da desidrogenase láctica.

7. Relação entre a velocidade da reação e a concentração do substrato: equação de


Michaelis-Menten. (a) Qual será a concentração do substrato na qual uma enzima com kcat
de 30 s-1 e Km de 0.005M apresentará uma velocidade que é um quarto da velocidade
máxima ? (b) determine qual será a fração de Vm para as seguintes concentrações de
substrato: [S]= ½ Km, 2 Km e 10 Km.

8. Estimação de Vmáx e Km por inspeção. Embora existam métodos gráficos para a


determinação precisa dos valores de Vmáx e Km de uma reação catalisada enzimaticamente
(veja Adendo 8-1), algumas vezes esses valores podem ser estimados rapidamente por
inspeção dos valores de Vo para concentrações crescentes de S. Estime os valores de Vmáx e
Km de uma reação enzimática onde foram obtidos os seguintes resultados:

[S] (M) Vo (µM/min)


2,5 × 10-6 28
4,0 × 10-6 40
1 × 10-5 70
2 × 10-5 95
4 × 10-5 112
1 × 10-4 128
2 × 10-3 139
1 × 10-2 140

9. Propriedades de uma enzima da síntese da prostaglandina. As prostaglandinas são


uma classe de eicosanoides, derivados de ácidos graxos com uma variedade de ações
extremamente potente, cuja estrutura e ação será discutida posteriormente nos Capítulos 11
e 21. As prostaglandinas são responsáveis pela produção da febre e inflamação e a dor
associada a elas. Elas são derivadas do ácido araquidônico, um ácido graxo de 20
carbonos, através de uma reação catalisada pela prostaglandina endoperóxido sintase. Esta
enzima, uma ciclooxigenase, usa o oxigênio para converter o ácido araquidônico em
PGG2, o precursor imediato de muitas prostaglandinas diferentes (Capítulo 21).
(a) Os dados cinéticos que seguem são da reação catalisada pela prostaglandina
endoperóxido sintase. Considerando-se apenas os valores das duas primeiras colunas,
determinar a Vmáx e o Km da enzima.
[Ácido Velocidade de formação do PGG2 Velocidade de formação
araquidônico] (mM/min) do PGG2 com 10 mg/mL
(mM) de ibuprofen (mM/min)
0,5 23,5 16,67
1,0 32,2 25,25
1,5 36,9 30,49
2,5 41,8 37,04
3,5 44,0 38,91
(b) O ibuprofen é um inibidor da prostaglandina endoperóxido sintase. Inibindo a síntese
das prostaglandinas, o ibuprofen reduz a inflamação e a dor. Usando os dados da primeira
e terceira colunas da tabela, determine o tipo de inibição que o ibuprofen exerce sobre a
prostaglandina endoperóxido sintase.
46

10. Análise gráfica de Vmáx e Km. Os dados experimentais que seguem foram coletados
durante um estudo da atividade catalítica de uma peptidase intestinal com o substrato
glicilglicina:
Glicilglicina + H2O → 2 glicina
[S] (mM) Produto formado (µmol/min)
1,5 0,21
2,0 0,24
3,0 0,28
4,0 0,33
8,0 0,40
16,0 0,45
Use a análise gráfica (ver Adendo 8-1) para determinar o Km e Vmáx
para esta preparação de enzima e substrato.

11. A equação de Eadie-Hofstee. Uma transformação da equação de Michaelis-Menten é


a equação de Lineweaver-Burk ou dos duplos recíprocos. Multiplicando-se ambos os
termos da equação de Lineweaver-Burk por Vmáx e rearranjando-se tem-se a equação de
Eadie-Hofstee:
Vo= (-Km)Vo/[S] + Vmáx
O gráfico de Vo versus Vo/[S] para uma reação enzimática é mostrado a seguir.
A curva azul foi obtida na ausência de inibidor. Qual a curva (A, B ou C) que mostra a
atividade da enzima quando um inibidor competitivo é adicionado à mistura de reação ?

12. O número de renovação da anidrase carbônica. A anidrase carbônica de eritrócitos


(Mr 30.000) tem o maior número de renovação entre todas as enzimas conhecidas. Ela
catalisa a hidratação reversível do CO2:
H2O + CO2 → H2CO3
Este é um importante processo no transporte de CO2 dos tecidos até os pulmões. Se 10 µg
de anidrase carbônica pura catalisam a hidratação de 0,30 g de CO2 em 1 min a 37°C sob
condições de Vmáx, qual é o número de renovação (kcat) da anidrase carbônica (em unidades
de min-1).

13. Derivando a equação da velocidade para uma inibição competitiva. A equação da


velocidade para uma enzima sujeita a uma inibição competitiva é
Vo = Vmáx [S]/(αKm + [S])
Começando com uma nova definição de enzima total:
[E]t = [E] + [EI] + [ES]
e as definições de α e Ki (ver eq. 8-28), derivar a equação da velocidade acima. Use a
derivação da equação de Michaelis-Menten como exemplo.

14. Inibição irreversível de uma enzima. Muitas enzimas são inibidas irreversivelmente
por íons de metais pesados como Hg2+, Cu2+ ou Ag+, que podem reagir com grupos
sulfidrilas essenciais para formar mercaptídios:
Enz-SH + Ag+ → Enz-S-Ag + H+
+
A afinidade dos íons Ag pelos grupos sulfidrila é tão grande que estes íons podem ser
usados para titular quantitativamente os grupos -SH. A 10 mL de uma solução contendo
1,0 mg/mL de uma enzima pura, um pesquisador adicionou AgNO3 em uma quantidade
suficiente para inativar completamente a enzima. Um total de 0,342 µmol de AgNO3
foram necessários. Calcule o peso molecular mínimo da enzima. Por que o valor obtido
desta maneira fornece apenas o peso molecular mínimo ?

15. Aplicação clínica de inibição diferencial de enzimas. O soro humano contém uma
classe de enzimas conhecidas como fosfatases ácidas, que hidrolisam ésteres de fosfato em
condições levemente ácidas (pH 5,0):
47

O- O-
R - O - P - O + H2O → R - OH + HO - P - O-
-

O- O-
As fosfatases ácidas são produzidas pelos eritrócitos, fígado, rim, baço e próstata. A
enzima da próstata é clinicamente importante porque o aumento da sua concentração no
sangue é freqüentemente uma indicação de câncer da próstata. A fosfatase da próstata é
fortemente inibida pelo íon tartarato, mas as fosfatases de outros tecidos não são. Como
esta informação pode ser usada para desenvolver um procedimento específico para dosar a
atividade da fosfatase ácida da próstata no soro sangüíneo humano ?

16. Inibição da anidrase carbônica pela acetazolamida. A anidrase carbônica é


fortemente inibida pela droga acetazolamida, que também é usada como diurético (para
aumentar a secreção de urina) e para tratar o glaucoma (para reduzir a
pressãexcessivamente alta no olho, devido a um acúmulo de fluido intra-ocular). A
anidrase carbônica desempenha um importante papel, nestes e em outros processos de
secreção porque ela participa na regulação do pH e do teor de bicarbonato em um grande
número de fluidos do corpo. A curva experimental da velocidade inicial da reação (como
porcentagem de Vmáx) versus [S] para a reação catalisada pela anidrase carbônica é
ilustrada a seguir. Quando o experimento é repetido na presença de acetazolamida, obtém-
se a curva inferior. Através da inspeção das duas curvas e do seu conhecimento das
propriedades cinéticas dos inibidores competitivos e mistos competitivos, determine a
natureza da inibição provocada pela acetazolamida. Explique.

17. O pH ótimo da lisozima. O sítio ativo da lisozima contém dois resíduos de


aminoácidos essenciais para a catálise: Glu35 e Asp52. Os valores de pKa das cadeias
carboxílicas laterais desses dois resíduos são 5,9 e 4,5, respectivamente. Qual o estado de
ionização (protonado ou não protonado) de cada um desses resíduos em pH 5,2, o pH
ótimo da lisozima ? Como os estados de ionização destes dois resíduos de aminoácidos
podem explicar o perfil pH-atividade da lisozima mostrado a seguir ?

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