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O Egito Antigo PDF
O Egito Antigo PDF
FUNARI, R. S.; Gralha, J. . O Egito Antigo. In: Renata Lopes Biazotto Venturini. (Org.).
Antiguidade Oriental e Clássica: economia, sociedade e cultura. 1ed.Maringá: Eduem,
2010, v. 1, p. 13-36.
O Egito Antigo
Introdução
Antes, convém deixar claro a perspectiva adotada por nós. Não se pode conhecer
o passado senão a partir de pontos de vista e pressupostos. Não se pode voltar ao
passado, tal como ele foi, e mesmo que isso fosse possível, não o poderíamos descrever
senão com nossos olhos. Por isso tudo, é bom explicitar nossa abordagem. Para nós,
para estudarmos o passado é necessário um exercício tanto de aproximação, quanto de
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Pós-Doutoranda do Departamento de História, IFCH, Unicamp.
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Professor Substituto do Departamento de História, IFCH, UERJ e vice-coordenador do Núcleo de Estudos
da Antiguidade - NEA.
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distanciamento. Por um lado, não se pode conhecer, como veremos, o Egito antigo sem
irmos às fontes, aos documentos. Precisamos, além disso, de uma dose de empatia, para
que tentemos entender como aquela civilização pôde construir obras tão magníficas,
assim como sobreviver por tantos milênios. Por outro lado, não podemos perder de vista
que os egípcios antigos eram diferentes de nós, tinham especificidades que apenas
podemos tentar entender. Como enfatiza o egiptólogo britânico Ian Shaw, a atração da
antiga cultura egípcia está na sua combinação de coisas exóticas e familiares. Por isso
mesmo, começamos nosso capítulo com as fontes e com a história do estudo do Egito
antigo, para, em seguida, aí sim, irmos à trajetória histórica, tal como a interpretamos.
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O Egito faraônico era conhecido no Ocidente, até o final do século XVIII por duas
grandes categorias de fontes: a Bíblia e os textos de autores gregos e latinos. O texto
sagrado foi usado para o conhecimento do Egito, mas as informações relativas à vida
egípcia eram encaradas do ponto de vista religioso, como se relatassem fatos históricos,
como no caso do êxodo dos hebreus. Hoje, no século XXI, a maioria dos egiptólogos
considera que não há qualquer evidência da historicidades dessas referências bíblicas,
mas, por muito tempo, foram tomadas como indicações seguras. As fontes gregas e
latinas foram muito utilizadas, com destaque para Heródoto, que dedica todo um livro da
sua obra ao Egito, escrito por volta de 430 a.C., relatando a sucessão das dinastias
egípcias, desde o primeiro faraó. O historiador Diodoro da Sicília (90-21 a.C.) e o
geógrafo Estrabão (63 a.C.- 24 d.C.) descreveram também aspectos históricos,
geográficos e culturais. Todos esses autores viveram na fase final ou após o período
faraônico e suas informações provinham do contato que puderam ter com os próprios
egípcios de sua época. Além dessa limitação, como observadores externos da cultura
egípcia, não tinha acesso aos documentos egípcios antigos, nem compreendiam, de
maneira interna, as particularidades da cultura egípcia, ainda que, por contraste, nos
informem também aspectos muito interessantes, como sobre a mumificação.
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Napoleão no Egito,
A cronologia
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Neste capítulo, nossa atenção estará voltada para o Egito faraônico stricto sensu,
entre 3200 e 332 a.C., ainda que nos refiramos à continuidade em época helenística e
romana, na medida em que os governantes eram considerados, em parte, como faraós.
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por fim às imensas geleiras acarretaria mudanças climáticas em todo o planeta e criaria o
grande deserto (as sahar al kubra, em árabe, quer dizer, precisamente, “o grande
deserto”). Com isso, as populações não tiveram como continuar no interior e foram para a
floresta equatorial, para o Mediterrâneo ou para o vale do Rio Nilo. Este foi o único rio que
conseguiu persistir, mesmo quando seus afluentes deixaram de fluir. Isto só foi possível
porque o Nilo nasce na África equatorial e suas águas não dependem dos afluentes, que
secaram e se transformaram em vales secos, chamados pelos árabes wadis (“rios”). O
Nilo é um rio, no meio de um deserto, cujas margens são fertilizadas por cheias anuais,
vindas da profundidade do continente africano. Os antigos não sabiam de onde vinham as
águas do rio, apenas testemunhavam esse fato admirável, para usarmos a expressão de
Heródoto, de que corria uma rio em meio a um imenso deserto. Por mais de mil
quilômetros, não havia outra fonte d’água, só o Nilo, do Mediterrâneo para o interior. Isso
devia impressionar os povos que ali viveram e marcou os egípcios, como veremos.
Quando surgiu o Egito faraônico? O mais antigo documento que pode ser
chamado de egípcio é a Paleta de Narmer, data de cerca de 3000 a.C. e conservada,
hoje, no Museu Egípcio do Cairo, publicada pelos escavadores em 1902. Trata-se de um
lasca de pedra de 63 cm de altura com um baixo-relevo em ambas as faces. De um lado,
estão dois leões de longos pescoços entrelaçados, segurados por dois homens barbados.
Eles representariam, segundo alguns, a unificação do Alto e do Baixo Egito, ou seja, da
parte Mediterrânica ou Delta do Nilo com o curso superior do rio Nilo, até a primeira
catarata. Acima, aparece um governante, Narmer, com a coroa vermelha, referente ao
Baixo Egito. O rei participa de uma procissão com seis pessoas, dentre os quais dois
ministros, em revista ao corpo de dez inimigos decapitados. Do outro lado da paleta, está
uma figura maior de Narmer, agora com a coroa branca do alto Egito, dominando um
cativo. Diante do faraó e sobre o cativo, aparece o deus falcão Hórus, que segura outro
cativo, com seis papiros que talvez representem seis mil prisioneiros. Na parte inferior,
estão dois homens nus, cativos ou inimigos abatidos.
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Imagem
Estela de Narmer
1. A narrativa de uma vitória militar do Alto Egito sobre o Baixo, que produziu a
unificação;
2. Um ritual real comemorativo sem base muito efetiva na realidade histórica;
3. Uma cerimônia de rememoração de uma vitória efetiva anterior do alto sobre o
baixo Egito;
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pensarmos que as saias dos escoceses foram inventadas modernamente, assim como os
bandeirantes foram criados em pleno século XX. A narrativa da vitória do Alto sobre o
Baixo Egito pode, portanto, ser uma historieta a posteriori. Não importa. Na paleta de
Narmer temos, pela primeira vez, um relato com as características egípcias: as coroas do
alto e do baixo Egito, o uso de hieróglifos primitivos, um esquema iconográfico que se
repetiria nos milênios seguintes. Lá estava Hórus (que não é o Hórus filho de Isis e
Osíris), um dos deuses egípcios principais, ligado à realeza e ao céu. Surgia o Egito
faraônico.
O processo de formação do Egito faraônico foi longo, durante o quarto milênio a.C.
Cidades pré-dinásticas proliferaram de Buto, no Delta, até Qustul e Sayala, na Núbia, ao
sul. Alguns dessas cidades evoluíram para centros maiores, intercaladas por cidades e
aldeias. O desenvolvimento de cada uma dependeu de sua posição em relação a
matérias-primas e rotas de comércio. O sistema de anotação escrita, já antes dos
hieróglifos, era usado na maioria das cidades, o que demonstra que comerciavam entre
si. Esse sistema de escrita correspondia àquele usado, à mesma época na Mesopotâmia
(atual Iraque), assim como motivos decorativos mesopotâmicos foram comuns tanto no
Alto como no Baixo Egito. Entre 3500 e 3200 a.C. as cidades se desenvolviam, assim
como o sistema de escrita, a cosmologia e a construção monumental, com a unificação
consolidada por volta de 3200 a.C., como propõe a egiptóloga Alicia I. Meza. Descobertas
arqueológicas recentes mostram que, já em 3500 a.C., usava-se a escrita hieroglífica e
que havia um sistema administrativo, arquitetura monumental e um sistema complexo de
trocas econômicas.
As primeiras duas dinastias (3000-2686 a.C.) não são muito bem documentadas,
ao menos diante da abundância das dinastias seguintes (III a VI, 2686-2181 a.C.). Os
túmulos reais caracterizaram o período, a partir da Pirâmide de Degraus atribuída a
Imhotepe, o primeiro arquiteto e construtor dessas sepulturas monumentais. Sua pirâmide
em Sacará para o faraó Djoser (c. 2640 a.C.). Seguem-se as construções de mastabas
(sepulcros particulares no formato trapezoidal) e das pirâmides de Quéops, Quéfren e
Miquerinos, faraós da IV Dinastia (2613-2494 aC.). Tais monumentos eram completados
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A divisão dava-se, grosso modo, entre os Baixo e Médio Egito, sob controle de
governantes de Heracliópolis, perto do oásis Faium, e os tebanos, no Alto Egito. Ao
norte, começava um processo de retomada do Delta e de revalorização da cidade de
Mênfis e restabelecendo os contatos com a cidade de Biblos, no atual Líbano. Floresceu
em Heracliópolis a literatura mais filosófica e voltada para a ética, como o clássico Diálogo
do desesperado com sua alma, que descreve o drama interior de um homem desiludido,
incapaz de compreender sua época e suas próprias idéias contraditórias. Por isso, pensa
em suicidar-se e sua alma acaba por duvidar da eficácia dos ritos funerários e o
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aconselha a fugir dessa falta de esperança e a entregar-se à farra. Outra grande obra, em
pleno período intermediário, foi as Instruções ao filho Mericara, que afirmam que Deus
deu as plantas e os animais aos seres humanos. Apresenta-se, neste caso, a noção de
um Deus pessoal, à diferença das múltiplas manifestações divinas que sempre
dominaram a religiosidade egípcia. Algumas passagens demonstram bem esta ética
pessoal: “se conduza bem, quanto estiver vivo. Acalme os aflitos, não oprima a viúva, não
arranque ninguém de seu pai, não mate, não bata ou prenda ninguém. Assim, a terra
estará em ordem. A vingança é apanágio apenas de Deus”.
O crescente poder dos chefes locais levou, também, à difusão das práticas
mortuárias. Ao poder ultra-centralizado no faraó, segue-se a apropriação, por parte das
elites locais, de modo que as antigas tradições, voltadas apenas para o rei, foram
adaptadas para uso pelos privados. Difundiram-se, na mesma direção, os escritos
particulares e os hieróglifos cursivos, nos próprios sarcófagos.
O médio reino
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Particular atenção foi dada ao domínio do sul profundo, da Alta Núbia ao Sudão, com a
construção de fortes e feitorias até acima da terceira catarata, bem ao sul.
Foi nesse período que o culto ao deus Osíris expandiu-se e tornou-se mais
universal. Nos séculos anteriores, Osíris tinha posição secundária no panteão egípcio,
com uma divindade agrícola ligada ao rio Nilo e ao cultivo do cereal. Como protetor do
nono nomo (divisão administrativa egípcia), Osíris começou a absorver outras divindades
funerárias, como Socáris de Mênfis e Quentamentiou de Abidos. Osíris passou a ser o
principal deus funerário, ligado à imortalidade da alma. Seu reino está nas necrópoles, de
onde preside o destino dos humanos, soluciona o problema da morte e prepara o defunto
para a ressurreição. Com a assistência de quarenta e dois juízes divinos, ele preside o
julgamento das almas, enquanto Anúbis se encarrega de pesá-las. Osíris teria sido a
primeira múmia, “para sempre belo”, um dos seus epítetos.
Osíris e Ísis
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e ser reabilitado: “rejuvenesci muitos anos, pude fazer a barba, tive meus cabelos
penteados. Minha pobreza ficou no estrangeiro, minhas roupas velhas voltaram para os
andarilhos do deserto e me vesti com bom linho, fui ungido com azeite fino, voltei a dormir
em cama”. Final feliz, para um romance que, até hoje, nos traz deleite.
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A retomada da centralização deu-se, uma vez mais, de sul a norte, a partir da XVIII
dinastia (1550-1295 a.C.), com a tomada de Avaris por Amósis, por volta de 1550. O
poder tebano manifestou-se, nesse processo de unificação, pela imposição do culto a
Amon, seu deus tutelar em Tebas, em contraposição ao patrono dos hicsos, o deus Set.
Terras, servos, pastos e gado são postos à disposição dos templos de Amon.
Multiplicaram-se os monumentos oficiais em que se apresentam o faraó com sua esposa,
mãe ou mesmo avó. As rainhas passaram a ter prerrogativas de co-regência, algo pouco
comum no mundo antigo. Ahmes-Nefertari (cerca de 1540 a.C.) recebeu o título de
“segundo profeta do deus Amon”. Os matrimônios consangüíneos na família real
generalizaram-se, com o casamento entre irmãos, meio-irmãos ou outros parentes, de
modo a garantir a pureza do sangue real. Tutmés I (1524-1518) inaugurou, na margem
esquerda de Tebas, a Ocidente, uma nova forma de inumação real, ao escavar a primeira
tumba no que viria a se tornar o Vale dos Reis. Instalou, também, na atual Deir el
Medineh uma aldeia de construtores dos hipogeus reais, chamados de “servidores do
lugar de Maat”, deus que julga os mortos. Restaurou o comércio com Punte, a sudeste,
assim como as relações diplomáticas com Chipre, e demais localidades do Médio Oriente,
como a Anatólia (Turquia) e a Mesopotâmia (Iraque).
Mênfis voltou a ser valorizada com uma residência do faraó Tutmés I. A ascensão
ao trono da rainha Hatexepsute (1508-1458 a.C.) demonstrou o poder das mulheres
egípcias. Ela adotava todos os títulos faraônicos, com o uso das terminações no feminino.
Isto não é pouco, se considerarmos que, em português, quase não se usam alguns
termos de poder no feminino, como “presidenta” ou “apóstola”. Hatexepsute foi uma das
cinco mulheres que reinaram no Egito e gerações de egiptólogos ficaram fascinados pela
rainha, descrita como “pacifista”, por uns, mas como masculinizada, por outros. Os
monarcas sucessivos adotam uma agressiva política de expansão militar, resultado da
formação de um exército profissional, tanto em direção ao sul, como na Palestina e até
mesmo na Síria. Estabeleceram-se guarnições egípcias, mas a estratégia principal
consistia na aliança dos egípcios com os régulos locais. A administração do reino estava
nas mãos do faraó, que indicava os chefes militares, civis e sacerdotais. Os sacerdotes do
culto de Amon eram os mais fortes aliados do poder real. Uma intensa política de
construções também se consolida, com tumbas reais, templos e capelas, o gigantismo na
arquitetura, como em Lúxor.
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Akenaten
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Nefertiti
As duas dinastias seguintes (XIX e XX, 1295-1069 a.C.) ficaram conhecidas como
período ramessida. Ramses I foi o primeiro monarca da dinastia. Ele era oriundo de
família humilde do noroeste do Delta e seu nome mostra que o principal deus passava a
ser Rá (Sol). Como Ramses I reinou apenas um ano ao que tudo indica, seu filho, o faraó
Sethi I, ficou responsável por legitimar esta dinastia que não possuía de uma linhagem
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real. Era preciso estabelecer uma ligação forte com os diversos segmentos sacerdotais e
divindades (Ra de Heliópolis, Ptah de Menfis, Amon de Tebas, entre outros), além de
campanhas militares o que foi conseguido. Entretanto, o grande monarca foi Ramsés II
(1279-1212 a.C.) seu filho que estabeleceu a capital em Pi-Ramsés, no Delta. Enfrentou
os hititas e, após mais de vinte anos de lutas, foi firmado um tratado de paz, enquanto a
Palestina ficava sob controle egípcio. Alguns autores consideram que os 62 anos de
reinado de Ramsés II assinalaram o ápice do poderio e da cultura egípcia. Estabeleceram
um período longo de paz e permitiu que Ramses II fosse cultuando, em vida pelas
pessoas comuns como um grande deus. A partir da XX Dinastia (1186-1069) iniciou-se
um processo de encolhimento do império, com o exército passando a recrutar
mercenários e com a perda das possessões asiáticas e com rebeliões no Médio Egito, ao
final do período. A redação do Livro dos Mortos assinalou a passagem para
preocupações mais espirituais, que não dependiam do poder militar.
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egípcia apresentada como um faraó, ainda que os imperadores romanos (30 a.C.-311
d.C.) também tenham se representado dessa forma. Uma característica importante da
história egípcia desde o início do primeiro milênio a.C. foi a existência de um substrato
egípcio poderoso, em termos culturais, com o domínio político de povos estrangeiros que
se dirigiram ao vale do rio Nilo. Pode afirmar-se que até o triunfo do cristianismo, no
século IV d.C., a religiosidade, língua e costumes milenares egípcios continuaram
dominantes. A vida camponesa foi ainda mais persistente, com lembra Ciro Flamarion
Santana Cardoso: “a verdade, porém, é que a existência das comunidades e sua ligação
com o controle da irrigação persistiram no Egito tanto quanto o sistema de irrigação por
tanques ou bacias, ou seja, até o século XIX depois de Cristo”.
A escrita egípcia
Das três formas básicas da língua egípcia a hieroglífica é a mais antiga podendo
ser atestada por volta de 3500 a.C. A forma cursiva da escrita hieroglífica é o hierático
que também é bem antiga e usada com freqüência em papiros. Tal forma parece ter
desaparecido ou seu uso foi reduzido consideravelmente por volta de 650 a.C. Nesse
momento, temos o aparecimento do demótico durante o reinado do faraó Psamético I da
26a dinastia (conhecida como dinastia Saita – cidade de Sais no Norte do Egito).Tal
forma é cursiva e mais recente e parece estar mais próxima da língua falada na época
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pelos egípcios. Tal língua/escrita possui como predecessora a língua egípcia tardia (a
hieroglífica com mais signos e a hierática) e como sucessora a língua copta que possui
caracteres gregos e elementos do demótico conforme James H. Jonhson, do The
Oriental Institute – University of Chicago. O Copta ainda é utilizada no Egito e foi de
importância para se ter uma certa idéia de como se pronunciar as palavras nos textos
hieroglíficos uma vez que a escrita egípcia não possuiu vogais. Apesar da existência do
Hierático e do Demótico a escrita hieroglífica continuou sendo usada nas estelas, papiros,
tumbas e templos. Ao que parece o conhecimento sobre a escrita egípcia desaparece
após a invasão do Templo de Filae, por cristãos por volta do V século da era cristã.
Foram necessários treze séculos para que as “pedras” voltassem a “falar”. O grande
desafio moderno tem sido traduzir esses textos. Como lembra a egiptóloga britânica
Penélope Wilson, “a habilidade na tradução dos textos egípcios antigos consiste em
encontrar um ponto de equilíbrio, de modo que o ritmo e estrutura das frases possa ser
em parte mantida, sem que se perda a compreensão imediata”.
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Pedra da Roseta
Por longa tradição, o estudo do Egito, desde o início do século XIX, esteve ligado à
expansão imperialista ocidental. Por isso, muitas vezes passou despercebido que a
civilização egípcia desenvolveu-se na África e que seu povo falava uma língua africana.
Ainda no início do século XX o pioneiro da Arqueologia do Egito Antigo, Flinders Petrie
(1853-1942) - um britânico racista e conservador - não admitia que a civilização egípcia
fosse autôctone, mas falava em uma invasão de uma raça superior vinda da...Europa!
Isto começou a mudar com o movimento de descolonização, a partir do final da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) e, mais particularmente, com os movimentos pelos direitos
civis e contra o racismo. O estudioso senegalês Cheikh Anta Diop (1923-1986), um dos
grandes intelectuais africanos anti-colonialistas, explicitou que os “egípcios eram negros”,
o que continua sendo um debate no meio acadêmico. Ainda que os egípcios, assim como
outros povos da Antiguidade, não se definissem por critérios de cor da pele e, portanto,
nunca se tenham chamados de negros, não cabe dúvida que sua população era, em sua
maioria, africana, mas não necessariamente negra e houve sempre, como vimos neste
capítulo, a entrada de povos da África subsaariana no vale do Nilo. No final do século XX,
o estudioso Martin Bernal (1937-) publicou o livro A Atena Negra e argumentou pela
importância das tradições e costumes africanos para as civilizações mediterrâneas
posteriores, como a grega e a romana, por intermédio do Egito faraônico. O
reconhecimento do caráter africano da civilização egípcia é tanto maior no contexto
brasileiro, tendo em vista que parte da nossa população possui ancestralidade africana e
que a cultura brasileira deve muito à herança afro.
Outro tema que resulta das transformações sociais das últimas décadas refere-se
ao papel da mulher e da sexualidade. Os movimentos pelos direitos das mulheres vêm
desde o século XIX, com a busca do direito de voto – no Brasil, só obtido na década de
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1930 – e com o reconhecimento das prerrogativas femininas quanto ao seu corpo. Tudo
isso levou, nas últimas décadas, à história das mulheres, das relações entre os gêneros e
da sexualidade. Isto não poderia deixar de afetar a egiptologia. Multiplicaram-se as
egiptólogas e novas descobertas foram feitas. Já no antigo reino, as mulheres ocupavam
alguns cargos administrativos e muitas mulheres da família real tiveram proeminência.
Mais do que isso, como propugna a egiptóloga Lynn Meskell (1967-), “a sexualidade
feminina, não sua fertilidade (gravidez), está representada nas cenas tumulares e as
qualidades sexuais das mulheres eram um atributo buscado na vida pós-morte, tanto
quanto servidores e comida”. Também outras sexualidades têm sido estudadas, tendo em
vista que homens castrados ou eunucos constituíam uma categoria social, assim como
temas antes pouco mencionados, como a infância. Todos esses estudos têm renovado o
campo dos estudos do Egito Antigo. O papel da mulher é significativo na perpetuação da
linhagem e isto pode ser verificado no que consideraríamos como sobrenome. De um
modo geral, as assinaturas nas tumbas dão ênfase à mãe, como se fosse algo como:
“fulano filho da senhora da casa fulana”. Além disso, o divorcio era algo instituído e no
Egito greco-romano os contratos definem claramente as clausulas e penalidades.
A religiosidade
Talvez o aspecto cujo interesse foi mais persistente tenha sido a religiosidade dos
antigos egípcios. Já os antigos gregos admiravam-se com os deuses, sacerdotes, mitos e
rituais egípcios e essa sensação perpassou as percepções posteriores de romanos e dos
modernos ocidentais. Movimentos como o espiritismo e sociedades secretas como a
maçonaria, os rosacruzes e a OTO, sobretudo, com Aleister Crowley inspiraram-se no
Egito Antigo e, em pleno século XXI, há intenso interesse por aquela religiosidade. Os
egípcios não distinguiam, de maneira clara, o mundo natural e sobrenatural, na medida
em que divindades e humanos interagiam no plano social e físico. A fertilidade ocupava
um lugar de destaque tantos nos relatos míticos, como nas representações e festivais.
Algumas divindades representavam o falo, clara referência à reprodução, assim como
Osíris era o deus da ressurreição. Osíris, deus dos mortos e da vida pós-morte, é uma
das mais antigas divindades egípcias, tendo surgido ligado à fertilidade, à agricultura e à
inundação anual do rio Nilo. Foi associado à ressurreição e à vida eterna. Já mumificado,
fecunda sua esposa, a deusa Ísis, que gera Hórus. A mumificação dos mortos associou-
se a Osíris e à sua promessa de vida eterna.
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Os egípcios, no geral, acreditavam na vida eterna que poderia ser garantida pela
piedade para com os deuses, pela preservação do corpo por meio da mumificação e pela
manutenção de um enxoval funerário. Acreditavam em aspectos vitais que mantinham a
vida, na forma de manifestações da alma, sob os nomes de ka, ba e akh, essenciais para
a sobrevivência humana tanto antes como depois da morte. As mais antigas múmias
descobertas pela Arqueologia recuam a 3600 a.C., em Hieracómpolis, com os corpos de
três mulheres preservados. Outros arqueólogos recuam a mumificação para muito antes,
entre 4500 e 4100 a.C., em Badari e Mostageda. Como quer que seja, dois aspectos
chamam a atenção: a preocupação tão antiga com a mumificação e a proeminência
feminina. Nessa ânsia pela vida eterna, a divindade Maat representa a verdade ou a
harmonia que a alma deve afrontar após a morte.
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Egito antigo, tão popular, tornou-se objeto tanto de estudos científicos e acadêmicos,
como de reflexões sobre as apropriações e usos contemporâneos.
É impressionante como o Egito continua a fascinar, mais de cinco mil anos depois
dos primeiros faraós. Esse fascínio demonstra a imensa riqueza cultural daquela
civilização e, ao mesmo tempo, indica como podemos usar essa extraordinária
experiência humana para aprimorar o conhecimento da nossa própria sociedade, em
pleno século XXI. Questões como a sexualidade, a espiritualidade e as dimensões étnicas
relacionam aquela civilização tão antiga e misteriosa à nossa realidade do século XXI. O
Egito continua fonte de inspiração e reflexão.
Agradecimentos
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