Roteiro Literartr

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ROTEIRO

A FARSA DA BOA PREGUIÇA

CENA ÚNICA

CENÁRIO: UM PÁTIO COM A CASA DO RICO DE UM LADO E A CASA DO POBRE


DO OUTRO. PERTO DA CASA DO POBRE HÁ UM BANCO ONDE O POETA SE DEITA
AO SOL.

Estão em cena Manuel Carpinteiro, Miguel Arcanjo e Simão Pedro.


Ele anuncia o enigma do mundo, destacando a presença de demônios
neste mundo.

MANUEL CARPINTEIRO, em tom de cansasso:

O inteligente cavalheiro pode apreciar o enigma do Fogo Escuro e o


rebanho humano. Há muitos planos e combates neste palco, com
cobras, morcegos e luz angelical acima. Abaixo, três demônios
passam.

ANDREZA e FEDEGOSO cruzam a cena

ADERALDO, CLARABELA, NEVINHA e SIMÃO cruzam a cena

MIGUEL ARCANJO:

Estão ferozes! Uma coisa terrível!

MANUEL CARPINTEIRO:

Aqui, como no palco deste mundo, essas forças se vão entrecruzar.


Aqui é a casa do pobre,do poeta Joaquim Simão. Em frente mora o
ricaço, Aderaldo Catacão. Aqui se passa a história, vamos ver quem
tem razão.

MIGUEL ARCANJO:

Quero contar algo, Senhor! O Poeta Joaquim Simão é preguiçoso,


vive atolado e se exibe animado.

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SIMÃO PEDRO:

Você detesta a preguiça por que nunca trabalhou. Você é um anjo,


isso é fácil. A Opinião dele é desconhecida, consulte São José, o
pai do Carpinteiro, com quem morei.

MIGUEL ARCANJO:

São José, um santo perfeito e justo, nunca enrolava no trabalho.

SIMÃO PEDRO:

Ele trabalhou muito, mas também ficava preguiçoso quando sentia


dor nas costas! Agora, existe um costume dos ricos endemoninhados:
como trabalham, se sentem no resto justificados. Pagam mal aos
operários, oprimem os camponeses, acusam quem defende os pobres de
ser do Mal instrumento.

MIGUEL ARCANJO:

Invejam pobres, amamos com defeitos e qualidades, sem


idealizá-los!

SIMÃO PEDRO:

O ócio criador da Poesia não deve ser criticado. O rico desgraçado


inveja o Poeta pobre.

MIGUEL ARCANJO:

Será que eles são casados?

SIMÃO PEDRO:

Seu Aderaldo é rico, sua esposa é excêntrica, coleciona objetos


artísticos e decorativos.

SIMÃO PEDRO e MIGUEL ARCANJO saem

ADERALDO e ANDREZA entram, vindo da casa de ADERALDO

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ANDREZA:

Seu encontro será um sucesso, Sr. Aderaldo, alguns elogios de


glamour e a esposa do Poeta se apaixona por você

ADERALDO:

Diga que pra ela serei mais que um amante: serei um pai!

ANDREZA:

Digo o que você quiser, Sr. Aderaldo. Eu vou dar outra cantada
nela. Vou trazê-la aqui agora!

Entra na casa de JOAQUIM SIMÃO

ADERALDO:

Sim! Sem demora! Vou me esconder aqui! Com mulher, estilo bode e
macaco! Ataco de surpresa!

Entram ANDREZA e NEVINHA

ANDREZA:

Pois é como eu lhe digo, Comadre:


não bote essa caçada fora!
Seu Aderaldo está louco por você!E ele é rico!

NEVINHA:

Pode ser rico como for. Sou casada com Simão!

ANDREZA:

Comadre, deixe de ilusão. Esse negócio de fidelidade e amor à


pobreza não dá em nada! Seu vestido está horrível, sua vida é
assim. A comadre é bonita e jovem, mas não quero uma mulher
descuidada e mal vestida.

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NEVINHA:

Simão traz como pode, e como Deus, é servido.

ANDREZA:

Amiga, agarre-se com Seu Aderaldo, um homem rico e generoso. Ele


oferece uma recompensa para quem mostrar interesse nele. Deixe de
ilusão, comadre! Joaquim Simão não vale nada, tudo isso foi
arranjado por Seu Aderaldo para agradá-la.

NEVINHA:

Dona Clarabela é fã de Simão e acha o que ele escreve bonito. Ela


vem do Recife para estudar suas histórias de folhetos.

ANDREZA:

E quem disse que aquele preguiçoso pensa em trabalhar?

Entra JOAQUIM SIMÃO, bocejando

SIMÃO:

Ai, ai, ai. Eu, hein?

ANDREZA, com raiva:

Lá vem!

SIMÃO:

Eita vida velha desmantelada! Menino, olha quem está aqui!


Andreza, minha amada! Que é que há, Andreza?

ANDREZA:

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Nada!

SIMÃO:

Isso é o que pode se chamar uma freipa de mulher escorropichada!

NEVINHA:

Dona Andreza, não se zangue!

SIMÃO:

Ai, Andreza. Minha paixão!

ANDREZA:

Você vá pra merda, viu seu Simão?

Sai arrebatadamente

SIMÃO:

Eita, velha desmantelada.

NEVINHA:

Simão, pare com brincadeiras e bobagens, agora não é hora.

SIMÃO se deita no banco

NEVINHA:

Simão, não brinque, temos filhos para alimentar. Se Dona Clarabela


se interessar por seus folhetos, Seu Aderaldo comprará tudo que
você produzir.

SIMÃO:

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Nevinha, não siga esse povo louco! Seu Aderaldo não está aí? E
como nunca vimos sua mulher? Toda mulher que eu conheço vive junto
com o marido

JOAQUIM SIMÃO cochila no banco

NEVINHA, cutucando-o:

Simão! Simão!

SIMÃO:

Ô, aperreio danado. Deixe eu dormir, Nevinha!

NEVINHA:

Simão adormeceu!

ADERALDO entra em cena enquanto JOAQUIM SIMÃO continua deitado

ADERALDO, no ouvido de NEVINHA:

Bom dia!

NEVINHA:

Ai, seu Aderaldo! Que susto!

ADERALDO, se aproximando:

Mas, sabe o que é, minha filha, é que eu…

NEVINHA:

Seu Aderaldo, fale de longe, viu? Esse homem é teimoso, mas eu


também sou. Simão é minha fraqueza e glória.

NEVINHA vai embora e ADERALDO fica com CLARABELA, que entra na cena

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CLARABELA:

Ah, o campo! O Sertão! Que pura e forte! A vida pura e renovada.


A vida primitiva, vontade de se confessar, de não chifrar mais o
marido.
Percebe Aderaldo
Aderaldo, querido! Que saudades você fez a transação do gado ao
sertão?

ADERALDO:

Fiz!

CLARABELA:

Como vai o amor conjugal? Estamos mostrando que nenhuma de nós


troca o marido por outro homem.

ADERALDO:

Trocar pelo o que?

CLARABELA:

A vivência do amor no casamento é um tema atual, um problema de


comunicação para evitar a superpopulação. Faça um curso.

ADERALDO:

Que curso?

CLARABELA:

Qualquer curso que você tiver vontade. Já sei! O poeta!

ADERALDO:

O que ele é, é podre de preguiça! Isso é preguiçoso que fede!

NEVINHA, entrando

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Ajeito o feijão, quando tem, tiro espinho de seu pé,cuido dos
meninos, faço a ponta dos lápis, quando ele pede, eu dou cafuné…

CLARABELA:

Mas não me diga que a senhora não o inspira.

NEVINHA:

Oxente, Dona Clarabela, quer encabular meu pensamento? Alegria de


pobre é essa, mesmo!

Vai acordar JOAQUIM SIMÃO

SIMÃO, entrando:

Ô, aperreio. O que é, mulher?

NEVINHA:

A Dona Clarabela queria te conhecer.

CLARABELA:

Joaquim Simão, Poeta, grande prazer em conhecê-lo! Sou uma amante


das Artes, uma colecionadora. Fiquei interessada em suas poesias.
Pode me recitar uma? Seus versos são puros?

SIMÃO:

Claro! Lá de baixo me mandaram


um canário de presente.
O canário é cantador:
muito cedo acorda a gente.
Mandei fazer uma gaiola,
o carpina prometeu:
antes da gaiola feita,
meu canário adoeceu.
Mandei chamar um Doutor
com uma lanceta na mão
pra sarjar o meu canário

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na veia do coração.

CLARABELA:

Seus versos não são puros.

SIMÃO:

Dona Clarabela, eu só temho este tipo de poesia em específico. Se


não gostou, pode sair.

CLARABELA:

Deixe isso para lá! Sumam-se, a senhora e seu marido!

Entra em casa, furiosa, junto de ADERALDO

NEVINHA:

Olhe o santinho do pau oco! Não venha com essas suas enroldadas
não, viu, seu Simão!

SIMÃO:

Você está doida, Nevinha! Eu não digo?


Essa mulher inventa cada coisa!

Entram MANUEL, MIGUEL e SIMÃO PEDRO


NEVINHA e JOAQUIM SIMÃO saem

SIMÃO PEDRO:

Temos, então, a lição de que a preguiça compensa!

MANUEL CARPINTEIRO:

A lição não foi essa, Simão, mas, sim, a de que é preciso temperar
sabiamente o trabalho com a contemplação e o descanso.

SIMÃO PEDRO:

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Não é que nós não reconheçamos que alguns dos nossos concorrentes
podem também fabricar e vender seus produtos, muito bem!

OS TRÊS:

Aceitem nosso produto: Terão paz e salvação!

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