Você está na página 1de 15

A FARSA DE

INÊS PEREIRA
Gil Vicente
Que casamento e que tormento!
Ida a Mãe, fica Inês Pereira e o ESCUDEIRO: Mas é bem que o escuseis
Escudeiro, e senta-se Inês Pereira a e outras cousas que não digo.
lavrar e canta esta cantiga: INÊS: Porque bradais vós comigo?
INÊS: Si no os hubiera mirado ESCUDEIRO: Será bem que vos caleis.
no penara E mais sereis avisada
pero tan poco os mirara. que não me respondais nada
O Escudeiro, vendo cantar Inês Pereira, em que ponha fogo a tudo,
mui agastado lhe diz: porque o homem sesudo
traz a molher sopeada.
ESCUDEIRO: Vós cantais, Inês Pereira?
em bodas me andáveis vós? Vós não haveis de falar
Juro ao corpo de Deos com homem nem molher que seja
que esta seja a derradeira. nem somente ir à igreja
Se vos eu vejo cantar nam vos quero eu leixar.
eu vos farei assoviar. Antítese Já vos preguei as janelas,
INÊS: Bofé senhor meu marido por que vos não ponhais nelas
se vós disso sois servido estareis aqui encerrada
bem o posso eu escusar. nesta casa tam fechada
como freira d’Oudivelas. Comparação
Que casamento e que tormento!
INÊS: Que pecado foi o meu?
Por que me dais tal prisão?
ESCUDEIRO: Vós buscais discrição
que culpa vos tenho eu?
Pode ser maior aviso
Moço às partes dalém
maior discrição e siso
Interrogativa que guardar eu meu tisouro? me vou fazer cavaleiro.
retórica e MOÇO: Se vós tivésseis dinheiro
Nam sois vós molher meu ouro?
Metáfora nam seria senam bem. Ironia
Que mal faço em guardar isso?
ESCUDEIRO: Tu hás de ficar aqui
olha por amor de mi
Vós não haveis de mandar
o que faz tua senhora
em casa somente um pêlo
fechá-la-ás sempre de fora.
se eu disser isto é novelo
Vós lavrai ficai per i.
havei-lo de confirmar.
E mais quando eu vier
de fora haveis de tremer
e cousa que vós digais
nam vos há de valer mais
que aquilo que eu quiser.
Que casamento e que tormento!
MOÇO: Com o que me vós deixais Ido o Escudeiro, diz o Moço:
nam comerei eu galinhas.
ESCUDEIRO: Vai-te tu por essas vinhas MOÇO: Senhora o que ele mandou
Que diabo queres mais? nam posso menos fazer.
MOÇO: Olhai olhai como rima INÊS: Pois que te dá de comer
e depois de ida a vendima? faze o que te encomendou.
ESCUDEIRO: Apanha esse rabisco. MOÇO: Vós fartai-vos de lavrar
MOÇO: Pesar ora de sam Prisco eu me vou desenfadar
convidarei minha prima. com essas moças lá fora.
Vós perdoai-me senhora
Ironia E o rabisco acabado porque vos hei de fechar.
ir-m’-ei espojar às eiras.
ESCUDEIRO: Vai-te por essas figueiras Aqui fica Inês Pereira só fechada lavrando e cantando esta
e farta-te desmazelado. cantiga:
MOÇO: Assi.
ESCUDEIRO: Pois que cuidavas? Quem bem tem e mal escolhe
E depois virão as favas. por mal que lhe venha nam s’anoje.
Conheces túbaras da terra?
MOÇO: I-vos vós embora à guerra
que eu vos guardarei oitavas. Ironia
Que casamento e que tormento!
Falado: Renego da discrição
comendo ao demo o aviso
que sempre cuidei que nisso
estava a boa condição.
Cuidei que fossem cavaleiros
Juro em todo meu sentido
fidalgos e escudeiros
que se solteira me vejo
nam cheos de desvarios
assi como eu desejo
e em suas casas macios
que eu saiba escolher marido.
e na guerra lastimeiros.
À boa fé sem mal engano
pacífico todo o ano
Vede que cavalaria
Ironia, que ande a meu mandar.
vede já que mouros mata
Anáfora e Havia-me eu de vingar
quem sua molher maltrata
Antítese deste mal e deste dano.
sem lhe dar de paz um dia.
E sempre ouvi dizer
que homem que isto fizer
nunca mata drago em vale
nem mouro que chamem Ale
e assi deve de ser.
Que casamento e que tormento!
MOÇO: Vosso irmão está em Arzila
Entra o Moço com ũa carta de Arzila e apostarei que i vem
diz: nova de meu senhor também.
INÊS: Já ele partiu de Tavila?
MOÇO: Esta carta vem dalém MOÇO: Há três meses que é passado.
creo que é de meu senhor. INÊS: Aqui virá logo recado
INÊS: Mostrai cá meu guarda mor se lhe vai bem ou que faz.
veremos o que aí vem. MOÇO: Bem pequena é a carta assaz.
INÊS: Carta de homem avisado.
Lê o sobrescrito:
Lê Inês Pereira a carta, a qual diz:
À mui prezada senhora Muito honrada irmã
Inês Pereira da Grã esforçai o coração
a senhora minha irmã. e tomai por devação
De meu irmão. Venha embora. de querer o que Deos quer.
E isto que quer dizer?
Que casamento e que tormento!
Prossegue: E nam vos maravilheis
de cousa que o mundo faça
que sempre nos embaraça
com cousas. Sabei que indo
vosso marido fogindo
Guardar de cavaleirão
da batalha pera a vila
barbudo repetenado
a mea légua de Arzila
que em figura d’avisado
o matou um mouro pastor.
é malino e sotrancão.
MOÇO: Oh meu amo e meu senhor.
Agora quero tomar
pera boa vida gozar
INÊS: Dai-me vós cá essa chave
um muito manso marido
e i buscar vossa vida.
nam no quero já sabido
MOÇO: Oh que triste despedida.
pois tam caro há de custar.
INÊS: Mas que nova tam suave
Desatado é o nó.
Hipérbole se eu por ele ponho dó
o diabo m’arrebente.
Pera mi era valente Ironia
e matou-o um mouro só.
Características

Inês
Ingénua
Infeliz
Hipócrita
Vingativa
Inteligente
Características

Escudeiro
Interesseiro
Calculista
Autoritário
Violento
Opressor
Covarde
Egoísta
Violência Doméstica
Violência
Doméstica
Tipos de violência doméstica

Violência Violência Violência física


emocional social

Violência Violência
Perseguição
sexual financeira
Ciclo da violência doméstica

Violência Violência Violência física


emocional social le nt o
io
u ev
aq
At
Aume
nt o de t e
ns ã o

Lu
a-d
e-m
Violência Violência

el
Perseguição
sexual financeira
Violência doméstica em Portugal

Violência Violência Violência física


emocional social

Violência Violência
Perseguição
sexual financeira

Mulheres (50,1%) Crianças (48,6%) Homens (1,3%)


Violência doméstica

Violência Violência
emocional social Violência física

Atualmente
Antigamente

Violência Violência
Perseguição
sexual financeira
Provérbio

“Entre marido e mulher não se


mete a colher.”

Você também pode gostar