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DOI: 10.29327/523740
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OLHARES PLURAIS
NA EDUCAÇÃO

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FABIANA DE MOURA CABRAL MALTA
IZABEL CRISTINA DA SILVA
PATRÍCIA BATISTA DOS SANTOS
ORGANIGADORAS

OLHARES PLURAIS
NA EDUCAÇÃO

4
Editora Performance
www.editoraperformance.com

Editor: Carla Emanuele Messias de Farias


Diagramação: Carla Emanuele Messias de Farias
Capa: Carla Emanuele Messias de Farias

Esta obra é licenciada sob uma Licença Creative Commons


Attribution-ShareAlike4.0 Brasil.

FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
MALTA, Fabiana de Moura Cabral. SILVA, Izabel Cristina da. SANTOS, Patrícia Batista
dos. (Organizadoras)

Olhares Plurais na Educação - Arapiraca/Alagoas:


Performance, 2020. Fabiana de Moura Cabral Malta.

p.335

ISBN: 978-65-87637-55-6
DOI: 10.29327/523740

1.Educação 2. Olhares 3. Prática Pedagógica 4. Escola


I. Título.
CDD 370
Índices para catálogo sistemático:
370 – Educação
5
Conselho Científico Editorial

Dr. Matusalém Alves Oliveira – Universidade Estadual da


Paraíba – UEPB e Faculdad Interamerinaca de Ciencias Sociales
– FICS
Dr. Washington Luiz Martins da Silva – Universidade Federal
de Pernambuco – UFPE e Faculdad Interamerinaca de Ciencias
Sociales – FICS
Dr. Júlio Gomes Duarte Neto – Universidade Estadual de
Alagoas – UNEAL
Dr .Felipe Manoel Santos Cavalcanti – Universidade Federal de
Alagoas – UFAL e Faculdade Pitágoras
Dra. Maria José Herculano Ferreira de Barros – Faculdade de
Ensino Regional Alternativa – FERA
Dra. Carla Emanuele Messias de Farias – Academia
Arapiraquense de Letras e Artes – ACALA, União Brasileira de
Escritores – UBE e Faculdad Interamerinaca de Ciencias Sociales
– FICS.
Dr. Sóstenes Ericson Vicente da Silva – Universidade Federal
de Alagoas - UFAL
Dr. Flávio Carreiro de Santana – Universidade Estadual da
Paraíba – UEPB e Universidade de Coimbra
Ms. Maria Lucivânia Souza dos Santos – Universidade Federal
de Pernambuco - UFPE
Dr. Roberto Belo Júnior - Instituto Federal de Alagoas – IFAL
Ms. Sandro Rogério de Oliveira Rios – Faculdade CESMAC
do Sertão.

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A educação é um processo que, ao
longo de toda a vida confere a
capacidade de dirigi-la de acordo
com a nossa reflexão, pensamentos
e escolhas. A educação liberta. Ela
nos concede a" soberania pessoal".

Federico Mayor

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PREFÁCIO

No momento em que pensamos em organizar um


livro surgem alguns desafios à nossa frente. Neste
momento nos indagamos: como produzir um livro com
textos que apresentam em seu conteúdo temas novos e que
ainda se encontram em uma condição virtual?
Esta preocupação surge porque representa o
cuidado que devemos ter ao oferecermos aos leitores não
apenas teorias, mas algo que seja belo e bom para nossa
vida. Belo porque representa o sentido cooperativo de
vivermos em sociedade, visto que não há algo mais belo
que do que a colaboração e a aprendizagem colaborativa. É
assim que vejo este livro que me chega em mãos para
prefaciar. Belo porque foi feito de forma colaborativa
Em Olhares plurais na educação, livro organizado
por Fabiana Malta, Izabel Silva e Patrícia Batista nos são
apresentadas experiências de pesquisa na área da educação
dialogando com a leitura, a alfabetização, história, as novas
tecnologias, ensino. Temas instrumentalizados por uma
diversidade de métodos e forte riqueza de fontes e
temáticas.
Este esforço, é um empreendido pensado e
organizado por jovens e experientes pesquisadores que

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integram o corpo discente e docente do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Tiradentes.
O Programa de Pós-Graduação em educação da
Universidade Tiradentes é um fomentador e um
dinamizador da pesquisa em educação no estado de
Sergipe. É um espaço de reflexão, interlocução e formação
de pesquisadores na área da Educação, mantendo
continuamente contatos com pesquisadores regionais,
nacionais e internacionais e tendo como foco a boa
formação de professores e pesquisadores.
Com esta publicação, os organizadores, os autores e
o PPED/Unit têm como objetivo suscitar uma reflexão
acerca dos desafios existentes, os campos de atuação, os
percursos de pesquisa e os modos “do fazer” na área da
Educação no Brasil. Todo esse movimento é caracterizado
por diversas incursões nos labirintos da memória, nos
arquivos, nas leituras, em busca de indícios, fatos, relatos,
práticas e experiências.
Como aprendentes, e docentes do campo da
Educação, experiência profissional que nos constitui a
alguns anos, e ao mesmo tempo pesquisadores de nossa
prática pedagógica, entendemos que pesquisar este campo
do saber é uma tarefa arriscada, em constante construção e
carregado por uma miríade de subjetividades, emoções,
desejos, paixões, submetidas sempre ao encontro de novas

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vertentes teóricas. Este trabalho vem então nos apresentar
novos Olhares (plurais) para velhas questões, dando
sentido à sua produção.
Os saberes que são anunciados no conjunto de textos
aqui apresentados não estão aqui por acaso. Todos têm um
motivo e talvez seus autores ainda não consigam
compreender todos, afinal, somos humanos e temos a
disposição de aprender ao passo que vivemos e
interagimos. Somos aprendentes e por trás de nossos
pensamentos abre-se um mundo que é representado de
forma diferente a cada olhar.
Produzir Ciência no campo da Educação se
apresenta ao pesquisador como uma tarefa complexa,
requer aprendizagem, formação, criação e uma
multiplicidade de saberes, acompanhados do rigor do
método para lhe assegurar a confiabilidade de sua
repercussão no campo dos conhecimentos. E por mais que
estejamos assegurados por um método, ainda lidamos com
a incerteza do futuro, porque o destino pode ser projetado,
mas não redefinido por um saber absoluto originado na
nossa certeza.
Ao projetar nosso olhar a cada um dos textos aqui
somados, nota-se em cada um destes jovens pesquisadores
uma sensibilidade peculiar. E isso é importante porque
vivemos hoje no Brasil e no Mundo, tempos difíceis. Vemos

10
o avanço de políticas conservadoras, sexistas, de ataques
aos direitos conquistados nos últimos anos. A cada dia são
construídas políticas excludentes contra os mais
vulneráveis. A educação que é a chave para vencer estas
questões é cada vez mais ignorada por governos e seus
representantes.
Por isso, mais do que nunca trabalhos como esse
que nos chegam às mãos e que têm a educação como sua
preocupação são importantes para que possamos continuar
lutando por mais inclusão, por mais direitos e por mais
educação. Por isso, esperamos que os textos aqui reunidos
possam contribuir para a ampliação dos conhecimentos na
área da educação e para a formação de professores.
Ciência, conhecimento e educação, eis o nosso elo de
confluência e da dádiva de construir o conhecimento de
forma colaborativa. Para finalizar gostaria de lembrar aqui
o historiador Michel de Certeau, ao afirmar que a leitura é
uma viagem e os livros plataformas, esperamos que todos
que tenham acesso a este livro possam levantar novos voos
e obter novas percepções sobre os cenários do cotidiano, os
agentes históricos e as condições de vida. Convido-os a
voarmos juntos nas próximas páginas.
Aracaju, terra dos cajueiros e papagaios 2020,
Cristiano Ferronato

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Sumário

CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO: UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE AS
IDEIAS E DISCURSOS PEDAGÓGICOS DESDE O SÉCULO XVI AO
INÍCIO DO SÉCULO XXI
Gleidson Santos da Silva
Rafael S. Jacaúna ......................................................................................................... 14

CAPÍTULO II
PERCURSOS TEÓRICOS SOBRE A INFÂNCIA: UMA LEITURA DE
JOHN COMENIUS, JOHN LOCKE, JEAN-JACQUES ROUSSEAU E
MARIA MONTESSORI
Maristela do Nascimento Andrade
Patrícia Batista dos Santos ......................................................................................... 63

CAPÍTULO III
ENSAIO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
Bianca Sthephanny Martins Gomes
Heidy Taiane Rocha Santos ....................................................................................... 93

CAPÍTULO IV
EDUCAR OS OLHOS PARA LER O MUNDO: MEDIAÇÃO DA LEITURA
NA ESCOLA
Ádria Maria Ribeiro Rodrigues .............................................................................. 129

CAPÍTULO V
AS CONTRIBUIÇÕES DO CONTO INFANTIL NA ALFABETIZAÇÃO DE
CRIANÇAS DO ENSINO FUNDAMENTAL MEDIADA PELA LOUSA
DIGITAL INTERATIVA
Advanusia Santos Silva de Oliveira
Henrique Nou Schneider ......................................................................................... 151

CAPÍTULO VI
A PRIMEIRA INFÂNCIA NAS TECNOLOGIAS DIGITAIS E O MÉTODO
MONTESSORI DE ENSINO
Marlton Fontes Mota
12
Sheila Costa dos Santos............................................................................................ 183

CAPÍTULO VII
O ENSINO BRASILEIRO EM PLENO SÉCULO XXI: DESAFIOS E NOVAS
PERSPECTIVAS
Izabel Cristina da Silva ............................................................................................ 221

CAPÍTULO VIII
A UTILIZAÇÃO DIDÁTICA DE REPORTAGENS DE JORNAIS NA
DINAMIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM
EM GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Simone Lopes dos Santos
Isabela Santos Albuquerque ................................................................................... 240

CAPÍTULO IX
REPERTÓRIOS ÉTNICO-RACIAIS DE PROFESSORES QUILOMBOLAS
DA EDUCAÇÃO BÁSICA DE SERGIPE
Mildon Carlos Calixto dos Santos.......................................................................... 276

CAPÍTULO X
É PRECISO APRENDER PARA ENSINAR? Uma breve reflexão sobre a in
(eficiente) formação docente superior jurídica.
Fabiana de Moura Cabral Malta............................................................................. 307

13
CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO: UMA BREVE


ABORDAGEM SOBRE AS IDEIAS E DISCURSOS
PEDAGÓGICOS DESDE O SÉCULO XVI AO INÍCIO
DO SÉCULO XXI

Gleidson Santos da Silva


Rafael S. Jacaúna

INTRODUÇÃO

A educação contemporânea encontra-se

atravessada pelas diversas ciências que compõe o conjunto

de saberes sistematizados e consolidados pela ciência

moderna. Mas nem sempre foi dessa forma. Ao tornar-se

objeto de transformação das condutas humanas, dotada

dos saberes necessários aos indivíduos, a educação foi

aglutinando determinados regimes de verdade,

sedimentando conhecimentos e gerando novas

experiências educativas.

14
Os conhecimentos derivados da tradição

acumulada, em particular a partir do século XIX1,

conquistaram o reconhecimento enquanto ciência e deixou

sua contribuição no pensamento educacional, na

construção de discursos pedagógicos hegemônicos, ou

não. Tais discursos perpassam do humanismo do século

XVI até a educabilidade computacional dos tempos atuais.

O que tais pensamentos pedagógicos nos mostram

é justamente como, em cada momento histórico, a

educação possuía uma episteme, com um proposito fim, a

estabelecer meios para alcançar tal objetivo; na formação

de um indivíduo pleno, na transmissão dos valores

elementares, na construção idearia do homem, nas

potencialidades da criança enquanto sujeito, na psique

como instrumento de aprendizagem, exploração dos

interesses dos indivíduos, habilidades para a realização de

tarefas e atividades, no uso ou recursos de utensílios e/ou

brinquedos e brincadeiras educativas, dentre outros.

1
Aqui pode-se citar algumas como exemplo da Biologia, da Sociologia, da
História, da Economia, da Ciências Políticas e da Psicologia.
15
Assim buscou-se, dentro de cada episteme, pensar

não apenas o que se deveria aprender, mas como deveria

se comportar, o que deveria saber ou o que não saber, como

deveria aprender ou aquilo que não deveria aprender,

quais conhecimentos seriam necessários e quais não eram

privilegiados, em quais locais deveria aprender, como se

deveria estudar, sob quais formas deveria pensar, sob

quais lentes deveria ver o mundo.

Nesse sentido, a discussão sobre tais ideias

pedagógicas, ou dos discursos educacionais, é

significativa, e ajudam a esclarecer alguns aspectos sobre o

processo de transformação da educação, das práticas

educativas, das experiências adquiridas.

O presente trabalho foi escrito para compor a

avaliação da disciplina Teorias Educacionais 2019.2 do

Programa de Pós-graduação em Educação da

Universidade Tiradentes (Unit). Portanto, o objetivo aqui é

identificar as ideias pedagógicas presentes na disciplina e

16
discutir quais são os discursos pedagógicas presentes nos

textos lidos na disciplina.

Assim, pretende-se aqui responder as seguintes

questões de pesquisa: quais foram os discursos

pedagógicos discutidos na disciplina? Como essas ideias

moldam a percepção sobre a história das ideias

hegemônicas e não hegemônicas da educação? Em que

medida essas ideias contribuem para pensar o futuro da

educação?

Segundo Silveira e Córdova (2009), o presente

trabalho pode ser caracterizado como uma pesquisa de

abordagem qualitativa, cuja natureza da pesquisa se

configura como sendo básica, com objetivos de pesquisa de

cunho descritiva, com os procedimentos de pesquisa

bibliográfica.

As fontes utilizadas na composição desse artigo são

textos de Erasmo (2008), Comenius (2001), Locke (1999),

Rousseau (1979), Verney (1746), Pestalozzi (2006), Fröbel

(2001), Spencer (1884), Durkheim (1995?), Dewey (1965),

17
Montessori (199-), Castro (1976), Ramos (2019). Embora

algumas obras encontrem-se distantes no tempo, são

significativas as suas contribuições para a propagação de

discursos pedagógicos e educacionais, não apenas em seus

respectivos tempos históricos.

Vale ressaltar aqui que o conjunto de textos

elencados nesse trabalho não dá conta de exaurir, em sua

totalidade, a complexa e extensa produção sobre a teoria

da educação, suas ideias e discursos. Mas propõe a reflexão

sobre o que foi discutido em educação, e como, em certa

medida, poderão ser os processos de educação num futuro

próximo.

Em uma primeira observação, evidencia-se alguns

pressupostos elementares em todo o processo educativo.

De modo geral, existe uma relação entre os sujeitos e os

saberes; essas relações encontram-se imbricadas pela

existência de indivíduos que desempenham papeis

marcadamente definidos, sejam eles, por exemplo, um

professor, ou aluno.

18
Os sujeitos podem ser entendidos enquanto

indivíduos que se encontram sob determinada égide

epistêmica. Assim, tais sujeitos são formados segundo um

conjunto de saberes considerados necessários para sua

formação enquanto indivíduo social para exercer suas

funções sociais.

Os saberes são os meios pelos quais os indivíduos

constituem as formas complexas de conhecimento; ou seja,

através das formas de interação, ou mediação dos sujeitos

com os saberes, aprende-se novos conhecimentos. Tais

conhecimentos derivam da tradição acumulada,

sistematizada com o passar do tempo, elencando como

determinado conjunto de saberes eram essenciais para

certo povo, e como tais percepções eram necessárias para a

coesão da trama social.

19
DA EDUCAÇÃO DOS MODOS À

IDEALIZAÇÃO DO SUJEITO COGNOSCENTE

A educação dos modos esteve ligada a necessidade

de constituir um conjunto de práticas que influenciassem

as atitudes, os gestos, os modos de se vestir e se portar. Tais

práticas visavam construir dentro de um processo

civilizatório, segundo uma determinada episteme, os

meios pelos quais os indivíduos deveriam agir em

sociedade.

Tendo isso em mente, na obra de Deciderius Erasmus

Roterodamus2 intitulada “De Pueris: de Civilidade Morum

Puerilium”, é possível identificar a educação dos modos

que se pretendia tornar comum a todos os indivíduos.

Nessa obra, Erasmo de Roterdã discute os aspectos

formais, mas, sobretudo, os informais da educação dos

meninos, ou seja, uma educação dos costumes. Em sua

visão humanista, a criança tinha as potencialidades

2
Comumente conhecido como Erasmo de Roterdã (1466-1536). Foi um
filosofo humanista e teólogo católico.
20
possíveis para a aprendizagem. Buscando estabelecer uma

relação com o universo da natureza, o autor indica que a

criança, enquanto ente incompleto ou em formação,

precisava de cuidados similares a um canteiro de jardim

com flores, chegando a afirmar que “a natureza consigna,

em tuas mãos, um campo inculto e vazio, por certo, mas

um solo risonho. Caso, por tua incúria, seja abandonado ao

mato e espinho, então, só com enorme esforço, poderá vir

a ser recuperado” (ERASMO, 2008, p. 51).

Nesse sentido, o autor entende a educação sob duas

óticas: a primeira delas tem relação com o cultivo do

espírito e a segunda como arte dos modos. Ambas

percepções sobre a educação são sustentadas sob uma

tríplice relação entre a razão, a natureza e a aprendizagem.

A razão, no seu discurso pedagógico, tem por

função a instância doutrinária que adverte e preceitua a

prática educativa, norteando sob a égide dos

conhecimentos sistematizados. A natureza está para o

espírito dócil e na inclinação para as coisas honestas, a

21
renúncia dos vícios e a adesão as formas de

comportamento esperado para o convívio em sociedade. A

aprendizagem, por sua vez, está no ato de internalizar os

hábitos que advém da natureza do homem virtuoso,

balizada pela sistematização dos saberes da razão.

Assim, Erasmo retrata a educação, dando a ela status

de ferramenta para o desenvolvimento do indivíduo,

através do cultivo das artes liberais do espírito, além da

função moral empreendida pela educação informal dos

meninos, ao afirmar que a boa educação livra dos vícios e

dos maus hábitos.

Por outro lado, é possível perceber também o

desenvolvimento de uma estética dos comportamentos à

sujeição dos corpos. Ao tratar dos modos à mesa, nos

cuidados com o corpo e nas relações cotidianas, promove a

reflexão sobre a etiqueta, de como ela serviu aos propósitos

de ensinar aos indivíduos a se portarem perante os demais,

e como realizar, dentro de um processo complexo, a

construção de uma civilização dos hábitos.

22
A educação tem uma função moralizadora das

práticas, que seguiu os padrões hegemônicos da moral e

dos costumes regidos sob determinada episteme.

Nesse sentido, a obra Didática Magna, escrita por

Iohannis Amos Comenius3, propõe não apenas um novo

modo de pensar um ensino mais eficiente e universal, mas

que a educação deveria preparar o espírito dos jovens para

que não fossem corrompidos pelos vícios do mundo.

Sendo a educação das crianças uma das formas de

preservar, fazer brotar e florescer nelas as sementes da

honestidade pelo exemplo, pela orientação e pelo temor a

Deus.

Algo significativo nas suas ideias pedagógicas de

uma educação universal é a distinção entre educação e

instrução. Segundo Comenius (2001), a educação deveria

iniciar na idade pueril, que é a primavera da vida humana.

Ela tinha um papel moralizante nas práticas e nas formas

como os indivíduos deveriam se relacionar em sociedade

3
Nasceu em 1592 em Nivnice e faleceu em Amsterdã em 1670. Foi pedagogo,
bispo protestante, cientista e escritor.
23
ao exercitar a piedade e a virtude. Já na concepção de

instrução, tem a ver com o conhecimento das “[...] coisas,

das artes liberais, das linguagens” (COMENIUS, 2001, p.

40). Todos esses conceitos deveriam ser aprendidos em um

local específico, num ambiente propicio para o exercício

das potencialidades da criança. Esse local seria a escola.

A definição de escola, para Comenius, tem a ver

com a ideia de oficina, compreendida enquanto espaço

propicio, dotada de ferramentas e conhecimentos

específicos para forjadura dos sujeitos. Dessa forma, a

escola deveria ser “[...] uma verdadeira oficina de homens

[...]” (COMENIUS, 2001, p. 76). O processo de

aprendizagem, segundo o seu discurso educativo,

encontra-se ligado a ideia de que se aprende por

intermédio dos sentidos. Nesse espaço direcionado à

aprendizagem dos saberes, deveriam exercitar não apenas

os conhecimentos sistematizados da tradição acumulada,

mas também a honestidade dos costumes e os

conhecimentos da religião.

24
É interessante a ideia pedagógica de Comenius, que

a educação deveria se aplicar de forma universal, ou seja,

onde todos possuam acesso a ela e que dela tomem para a

vida os preceitos e os códigos necessários para viver em

sociedade. Além disso, é significativo observar a relação

que se desenvolve entre a instrução, enquanto ensino

formal das letras, a virtude, como potencialidades do

homem, e a piedade enquanto norteador da prática cristã

através da experiência.

No que compete a experiência, John Locke4 (1999)

em seu “ensaio acerca do entendimento humano”, afirmou

que todo e qualquer conhecimento humano tem por

essência a experiência. Ao se debruçar sobre o

entendimento dos conhecimentos humanos, buscou

considerar as faculdades discernentes do homem e os

saberes a ele relacionados. Elenca e categoriza os saberes

em ideias, ou seja, uma ideia seria “[...] o termo mais

indicado para significar qualquer coisa que consiste no

4
Nasceu em Wrington em 1632 e faleceu em Harlow em 1704. Foi filósofo,
considerado o pai do movimento liberal.
25
objeto do entendimento quando o homem pensa [...]”

(LOCKE, 1999, p. 32, grifo do autor).

Tais ideias surgem da necessidade de sistematização dos

saberes em conhecimentos. A sua compreensão encontra-

se imbricada em categorias que o autor classificou em

ideias simples e complexas. Na primeira, considerou-as

como sensações, reflexões e mista; enquanto as ideias

complexas, por sua vez, dividiram-nas em duas: a

conformação de ideias simples que se interligam e mudam

seus significados, e as ideias que mudam a forma como

determinado objeto passa a ser cognoscível.

É sobre as ideias simples que o autor contribui para

entender a experiência concreta. A ideia de sensação, por

exemplo, advém em grande medida dos sentidos que

levam a compreensão do exterior ao indivíduo, ou seja, a

sua capacidade de distinguir o duro do mole, o quente do

frio, o amargo do doce. Já as ideias de reflexões são as

ideias que “[...] se dão ao luxo de serem tais apenas quando

26
a mente reflete acerca de suas próprias operações”

(LOCKE, 1999, p. 58).

O que é significativo para a composição de

discursos educativos posteriores a produção de Locke é

justamente a relação entre as ideias, significados e

significantes. Ou seja, na medida que as palavras ganham

significado, existe uma correlação entre o som emitido pela

palavra e a ideia que ela representa. É uma dupla

designação; a ausência disso torna o som da palavra apenas

um ruído sem significado (LOCKE, 1999).

Percebe-se como o autor busca refletir e organizar as

ideias entre simples e complexas, o que torna possível

visualizar como o autor entendeu a teoria do conhecimento

e sua transformação na construção do homem cognoscente

da modernidade.

A idealização desse homem do conhecimento, ou

seja, o sujeito cognoscente, torna-se então o objeto da

educação. Para tanto, buscou-se educar os sentidos dos

27
indivíduos não apenas pelos bons exemplos e pela

piedade, mas também com a natureza.

Essa, por sua, vez torna-se a medida das condutas

honestas e das práticas virtuosas. Dessa relação, surge a

concepção de educação natural dos sujeitos.

Dentre as obras lidas para o presente trabalho, a

principal obra que se debruça sobre essa idealização do

homem completo, dotado de saberes e práticas de uma

educação natural, é o Emílio ou da educação, de Jean-Jacques

Rousseau (1979). Nessa obra, o autor constitui a formação

de um indivíduo imaginário que perpassa a educação dos

anos iniciais da vida, até a idade adulta, segundo a

condição humana.

O que chama atenção, do ponto de vista dos

discursos pedagógicos, é a distinção entre a formação do

homem natural, do homem civil. Para Rousseau (1979), o

homem natural é completo por essência, pois não

estabelece uma relação de dependência com estruturas, a

não ser consigo mesmo e com seus semelhantes, portanto,

28
capaz de melhor responder as adversidades da vida. Já o

homem civil é descrito como individuo, submetido às

instituições sociais que dão significados a sua vida, que só

torna sua existência factível na sociedade.

Assim, a educação natural tem por pressuposto

pedagógico fornecer os saberes necessárias da natureza,

dos homens, e das coisas para o sujeito cognoscente.

Através da experiência, ou seja, através dos sentidos, que é

o caminho para aquisição do conhecimento humano, a

educação natural integra os saberes e práticas que “[...]

deve tornar um homem adaptável a todas as condições

humanas [...]” (ROUSSEAU, 1979, p.

26).

Ao descrever o processo educativo do seu aprendiz

imaginário, o qual deu o nome de Emílio, Rousseau traça

um horizonte formativo que visa primeiro a formação

humana, que perpassa da infância até a maioridade, em

detrimento de uma formação civil pensada por seus

contemporâneos.

29
É interessante a forma como o autor utilizou-se do

pressuposto da existência de um homem “ideal”, anterior

à sociedade, e que se encontra em seu estado natural. Ao

distinguir a instrução da educação, fica clara a concepção

pedagógica que visava não apenas ensinar a realizar

atividades, mas que pressupunha ensinar os saberes, as

práticas, os modos de viver. Sem dúvida, Rousseau propõe

uma compreensão de sujeito cognoscente, especificamente

na infância, passando por todo um processo de construção

do ser, e como elaborou, a partir da tradição acumulada,

novas formas de compreender a educação dos sujeitos.

A compreensão desse sujeito é tratada por VERNEY

(1746) de modo mais objetivo, cuja finalidade é apresentar

uma melhoria no ensino da ortografia da língua

portuguesa e da sua gramática, detalhando as regras de

pontuação e o uso correto de certas palavras.

Para ele, era imprescindível que houvesse critério

no ensino de uma língua, como sendo “[...] uma boa lógica

natural exercitada na lição de bons autores.” (VERNEY,

30
1746, p. 234). Ou seja, de nada adiantaria aprender sem ter

boas fontes de referências. As recomendações para uma

leitura mais cuidadosa, atenta, para melhor aprendizado; a

preocupação com as edições dos livros, sua procedência,

dando ênfase na aprendizagem do Hebraico e Grego, que

influenciaram os espanhóis e jesuítas.

Ele recomendou o abandono do antigo estilo de

falar para quem desejasse aprender o discurso da retórica,

provocando reflexões sobre a verdadeira retórica e a sua

origem. Tentou demonstrar que o discurso sofista não é

desmascarado com silogismo, uma vez que essa lógica tem

suas falhas, trazendo os conceitos de LOCKE sobre a

formação das ideias como forma de demonstrar o modo

adequado da formação do pensamento do homem.

DO SABER ESTUDAR A EDUCAÇÃO MORAL

A educação dos sujeitos está submetida aos

objetivos propostos para a instrução dos sujeitos em

31
determinada sociedade. Partindo da premissa de que

existe conhecimentos comuns a todos, e saberes que são

destinados a um grupo de indivíduos por sua posição

social ou atividade laboral, a educação passa a exercer

distinção entre os indivíduos que compõe a trama social.

Essa distinção encontra-se nos saberes formais constituídos

a partir da tradição acumulada, segundo uma determinada

episteme. Na modernidade, tal configuração hierarquizou,

delimitou e estratificou os conhecimentos. Fazendo com

que determinados saberes sejam comuns a todos, e outros

conhecimentos fossem direcionados apenas para alguns.

Em uma sociedade estratificada, com pouca

mobilidade social, como eram as sociedades de Corte na

modernidade, a instrução tinha um papel muito mais de

consolidar a ocupação dos indivíduos dentro dos seus

respectivos horizontes de possibilidade do que a promoção

de ascensão social. Assim, ensinar os conhecimentos

elementares para atuar em determinada atividade laboral

tinham relevância na manutenção da ordem social.

32
Nos estratos mais abastados de uma sociedade, o

conhecimento tinha função diferenciada. Não serviam

única e exclusivamente para saber realizar uma atividade

específica, mas, em sua maioria, tinha relação com a

erudição do sujeito. Tal erudição vinha do estudo dos

textos clássicos e de línguas mortas como o grego e o latim.

Algumas ocupações ligadas ao direito, à medicina e à

filosofia, passaram a obter prestígio pelo uso de tais

saberes.

A obra de Luís Antônio Verney (1746), Verdadeiro

método de estudar: para ser útil à República e à Igreja, escrita

em dois tomos, buscou desenvolver um método para

estudar desde gramática latina à teologia cristã. Esse autor

entendeu o método como a organização das ideias que

constituem o discurso. Ou seja, com o método em mente,

dispõe em ordem as ideias quem compõe,

convenientemente, o discurso (VERNEY,

1746).

33
O método que propos defendeu, em certa maneira,

a simplificação sistemática de assuntos e conhecimentos

para serem aprendidas, diminuindo o tempo dedicado a

conhecimentos considerados por ele como menos

importantes (gramática latina) e direcionando para

conhecimentos considerados mais relevantes (gramática

portuguesa). Entretanto, essa redução não é imprudente ou

impensada. Pelo contrário, ela tem uma proposição muito

mais política do que propriamente educativa, tendo em

vista que sua proposição tem um caráter provocativo5 ao

método jesuítico. Assim, Verney buscou promover um

método de estudo natural, que chega à origem das coisas.

No processo formativo dos jovens da Corte portuguesa,

deveriam estudar não apenas gramática latina, mas

também “[...] exercitar essas regras no discurso, na leitura,

na composição, descobrindo em toda a leitura as regras,

5
Essa obra foi tipografada com pseudônimo de Barbadinho, por conta das suas
proposições serem mal vistas no contexto da sua composição, em pleno século
XVIII.
34
que na gramatica lhe ensinam, no que deve ter igual

cuidado o mestre, que o estudante” (VERNEY, 1746, p. 72).

Nesse sentido, tão importante como saber estudar, é a

definição do que se deve estudar e de que forma aplicar o

que se estuda. O discurso educativo de ensinar a aprender

torna-se tão importante quanto a ideia pedagógica de

formar um sujeito natural. Assim, instruir os indivíduos a

realizar as habilidades esperadas, segundo os preceitos da

boa educação, moldaram a forma como os indivíduos

atuaram em sociedade e se constituíram enquanto sujeitos

cognoscentes.

Nos anos iniciais da vida da criança, cabe a mãe

realizar as primeiras operações para o desenvolvimento do

espirito do homem natural. Por essa razão, como nos

aponta Pestalozzi (2006), em suas Cartas sobre a educação

infantil, a formação do homem natural tem por base a

educação da criança e em particular a educação da mãe.

Sobre essa, recai um papel importante: é atribuída a ela o

papel de reforçar os estímulos para uma virtude do sujeito

35
livre dos vícios da humanidade. Tendo em vista que a

criança era entendida enquanto ente dotado das

potencialidades humanas, mas que precisava ser

estimulada, direcionada e orientada.

O discurso educativo em Pestalozzi buscou

evidenciar a importância da educação da mãe na

aprendizagem da criança, como a primeira forma de

educação no processo formativo do homem natural.

Chama atenção a forma como o autor dedica à figura

materna toda uma carga de responsabilidades e práticas

que são determinantes para o desenvolvimento

independente do sujeito. A construção da figura da mãe,

como educadora, é algo significativo ao observar que

diverge da figura materna que delega a terceiros a

responsabilidade de educar, nas primeiras coisas, a

criança.

A educação foi entendida por Pestalozzi (2006, p.

20) como uma “[...] obra de melhoria gradual e

progressiva”, que não limitasse à obediência cega e

36
diligência prescritiva. Pelo contrário, tem a função de

preparar os sujeitos para atuação independente. Nesse

sentido, a educação não é mais um processo uniforme e

meramente mecânico de decodificação dos saberes. Pode-

se concluir que, na ideia pedagógica de Pestalozzi, a

educação não está relacionada a perfeição das atividades

realizadas em uma sala de aula, mas no processo que

prepara os indivíduos para viver em sociedade.

Preparar o indivíduo para viver em sociedade faz

parte do processo de formação desse sujeito cognoscente.

A educação do homem, como nos mostra Fröbel (2001) em

sua obra A educação do homem, é o processo que suscita as

energias potenciais do sujeito que atuam progressivamente

promovendo a consciência, o pensamento e a inteligência,

proporcionando a manifestação da suas virtudes interiores

em sua pureza e perfeição, de forma espontânea e

consciente dos seus atos.

Nesse sentido, o processo de aquisição da consciência das

virtudes interiores, a reflexão sobre os seus postulados e

37
sua essência, bem como a unidade e o vigor dos seus efeitos

e os saberes da tradição acumulada, comtemplam, em sua

totalidade, aquilo que

Fröbel (2001, p. 23) chamou de “a ciência da vida”.

Tal concepção fundamentou-se em alguns pilares, que

seriam: a escola, a família e a criança. A escola é

representada, dentro do seu discurso pedagógico, como o

local onde os sujeitos adquirem os conhecimentos

essenciais sobre objetos, segundo suas leis particulares,

assim como as leis gerais que regiam o mundo (FRÖBEL,

2001).

Se a educação do homem era um processo

progressivo na vida do sujeito, a família contribuiu para a

transmissão dos valores e virtudes desejáveis na criança.

Para Fröbel (2001), a criança tem, inicialmente, a família

como espelho, e, desse ambiente, constitui o seu próprio

reflexo. A criança era vista enquanto ente incompleto, que

deveria ser moldado como cera e argila maleável, mas que

a educação pretendia forjar um homem comprometido

38
com sua vocação, ou seja, que tivesse uma vida santa, livre

dos pecados e dos vícios mundanos.

Chama a atenção a preocupação do autor em propor

uma educação voltada para o trabalho, para a liberdade e

para devoção a Deus. Tais aspectos fundamentam a sua

proposta de educação e formação do homem, o que o

aproxima de Erasmo e Rousseau. Algo bastante

interessante em sua ideia pedagógica é a utilização de jogos

e a não dissociação entre as diversas etapas da vida. O

autor compreendeu que cada etapa da vida se dá não

apenas pela idade na qual o indivíduo se encontra, mas sim

por sua capacidade de apreender determinado conjunto de

conhecimentos.

Entretanto, a educação perde um pouco dessa

concepção mais universal do sujeito e passa a ser sinônimo

de instrução. Assim, o indivíduo passa a aprender

conhecimentos para realizar tarefas ou aquisição de

habilidade; o foco esteve na formação dos saberes práticos

para realização de determinada atividade ou tarefa. O

39
homem natural perde-se do horizonte da educação, que

passa a ter uma conotação muito mais utilitária do que

propriamente formadora, tal qual se pensou o homem

universal.

Em Da educação intelectual, moral e física, Herbert

Spencer (1884) afirma que a leitura, a escrita e a ortografia

servem para que os alunos aprendam com um proposito

real, com utilidade prática. A educação, para Spencer, seria

o meio pelo qual os indivíduos adquirem o máximo

possível de conhecimentos que ajudassem, de forma mais

efetiva, a desenvolver a vida individual e coletiva dos

sujeitos. Em seu discurso pedagógico, a educação esteve

submetida a eflorescência da civilização. Portanto, é

entendida enquanto processo de instrução e disciplina dos

sujeitos, segundo os valores da civilização. Essa instrução,

além de útil, precisava ser agradável aos indivíduos.

A preocupação com a formação útil dos sujeitos

possui lastro na necessidade de formar mão de obra capaz

de contribuir para o desenvolvimento da nação. Para

40
Spencer (1884, p. 36), a capacidade de um país sustentar a

sua competitividade passa pelas atividades e capacidades

dos indivíduos que compõe aquela nação, pois “[...] o

estado da ciência mecânica pode mudar os destinos de um

país”. Sob essa ótica, uma sociedade que dominasse as

ciências mecânicas e tivesse sujeitos disciplinados e bem

instruídos, teriam desenvolvimento e competitividade

econômica.

A ciência ganha notoriedade nesse contexto por sua

contribuição em viabilizar os meios para tal

desenvolvimento. Sobre a ciência, deposita-se um valor

capital na disciplina6 do sujeito. Os saberes e os sujeitos do

seu discurso científico produziram os meios para que o

conhecimento sistematizado, mais propriamente o

conhecimento reflexivo, tivesse mais prestigio que os

conhecimentos empíricos. Entretanto, a observação dos

fatos e fenômenos ao redor dos sujeitos passa a ter mais

6
Pode-se citar como exemplos a medicina, a física, a química, a biologia e a
sociologia.
41
significância prática do que a leitura de gramáticas e

tratados lexicográficos.

É interessante notar que Spencer buscou trazer a

educação para o campo da utilidade. Para ele, a educação

precisava sair da base empírica para a racional. Essa

racionalidade proposta pelo autor tinha como foco a

necessidade útil dos conhecimentos a serem aprendidos na

escola. Chama a atenção como o autor constrói seu

pensamento com base na ciência, tendo esse conhecimento

humano como superior aos demais, dando as suas

potencialidades para o progresso humano. Do ponto de

vista das ideias pedagógicas, a aproximação da educação

com a biologia, química, física e sociologia. Essa última,

com maior intensidade, tendo em vista que se trata de uma

característica socialmente construída: a educação.

A educação pode ser entendida, também, enquanto

fenômeno sociológico, tendo em vista que cada sociedade,

em vários momentos da humanidade, utilizou-se de uma

episteme na qual foram eleitos os saberes necessários a

42
todos, e que, em certa medida, garantiriam a inclusão do

indivíduo na sociedade.

Para pensar um pouco sobre tais possibilidades,

recorreu-se a Durkheim (1995) em sua obra Educação e

pedagogia: ensaios e controvérsias, na qual afirma que a arte

da pedagogia tem a necessidade de recorrer tanto a

psicologia, quanto a sociologia. A educação encontra-se

distante da compreensão da natureza individual do

homem em geral, pois ela é fenômeno eminentemente

social, “[...] a educação como um feito social, como uma

socialização metódica por meio da qual a sociedade

prepara as condições de sua própria existência no coração

das crianças” (DURKHEIM, 1995, p.8). Desse modo, a

educação emana do conjunto de valores morais de uma

sociedade para perpetuar sua cultura. Por valores morais,

entende-se como um sistema de regras, princípios e

convenções, que organizam a sociedade.

O seu discurso pedagógico fez eco na divisão social

do trabalho. Ao afirmar que uma sociedade é organizada

43
em classes, a educação torna-se, ela mesma, especializada.

Nesse sentido, enfatiza que a educação é diversificada

segundo os meios em que está inserida, podendo variar de

classe para classe. O que se complica ainda, mais tal qual

for a complexidade social.

A sua ideia pedagógica sustentou-se nos valores

morais e sociológicos enquanto orientadores das práticas

dos sujeitos. Para Durkheim (1995, p. 40), a vida moral do

sujeito é transpassada por regras, princípios, ações que

sinalizam, que prescrevem como se deve agir frente a

diferentes circunstâncias. Portanto, a “[...] ciência, arte,

religião, todas as crenças, todos os ideais de técnica

econômica, industrial e comercial, tudo está na sociedade;

tudo isso nos perpassa, nos transborda de qualquer

maneira”.

Assim, a sociologia moral e as formas como a moral

constitui-se enquanto dispositivo normativo do convívio

em sociedade, tem cadência no discurso de Durkheim.

Destaque-se, também, a forma como promove uma

44
ruptura epistemológica ao analisar a moral sob a base

indutiva da sociologia, para discutir questões como a

educação sexual e a diferenciação entre adestramento e

educação. Ao afirmar que a moral é um conjunto de regras

construídas por cada sociedade, o autor sinaliza que as

regras de convívio social em uma sociedade são

determinadas pelos valores daquela sociedade segundo a

cultura.

DA EDUCAÇÃO PARA VIDA À EDUCAÇÃO

SIGNIFICATIVA

A educação dos sujeitos encontra-se transpassada

por diversos aspectos que emanam da sociedade a qual

está inserido. Sociedades, em tempos históricos diferentes,

possuem características e objetivos educativos distintos em

certa medida, o que possibilita entender como, em cada

momento histórico, a educação foi pensada e organizada

para atender aos anseios daquele tempo.

45
A educação dos modos, das práticas, dos costumes

e dos saberes são permeados pela forma como cada

sociedade entende a educação dos seus indivíduos. As

experiências educativas formam os sujeitos dentro de uma

episteme que possibilita compreender como os indivíduos

deveriam agir em sociedade. Portanto, a educação pode ser

entendida enquanto fenômeno social e cultural.

A educação, nesse sentido, tem o papel não apenas

para transmitir os saberes e práticas para o universo do

trabalho, enquanto função social, mas também para a sua

atuação enquanto sujeito de direitos e deveres. Em

democracias liberais, cabe a educação formar o sujeito para

viver e exercer sua cidadania.

Assim, como nos ensina John Dewey (1965) em seu

livro intitulado Vida e Educação, a contínua reconstrução da

experiência educativa somente é aceita conscientemente

em sociedades democráticas e/ou progressivas que

buscam a preservação de costumes, como fonte da tradição

46
acumulada, mas que buscam sua permanente revisão e

renovação.

Para Dewey (1965), não existe dissociação entre a

educação escolar e a vida, nem entre a escola e a sociedade

a qual está inserida. A educação escolar é entendida

enquanto processo de reconstrução e reorganização da

experiência, que se faz mais sensível nos sentidos, e que

possibilita melhorar o curso de experiências futuras. A

escola então seria o lugar onde o indivíduo e a sociedade

constituem uma unidade orgânica e indissociável, e não

uma oficina isolada onde se forja o sujeito.

A aprendizagem e a experiência são fatores

relevantes do discurso educativo de Dewey, que entende a

experiência como reação causada pela ação de um corpo

sobre o outro, e a aprendizagem enquanto ato de adquirir

novos hábitos, podendo chegar a ser um habito em si a

aprendizagem dentro de um processo educativo. Nesse

sentido, o processo educativo “[...] não tendo nenhum fim

47
além de si mesmo, é o processo de contínua reorganização

e transformação da vida” (DEWEY, 1965, p. 31).

Duas ideias pedagógicas marcantes no pensamento

educacional promovido por Dewey versam sobre a forma

como sentimos interesse por aprender, e o papel do esforço

como instrumento metodológico no processo de

aprendizagem. Por sentido, pode-se compreender todo e

qualquer material, objeto, a habilidade que está sendo

apreciada conforme a marcha progressiva da ação na qual

a pessoa tem identificação. Já a concepção de esforço tem

relação com a atividade e o progresso que ele proporciona,

não com o esforço no sentido físico.

John Dewey demonstrou como o interesse e o

esforço estão diretamente ligados a ideia de experiência e

educação para o desenvolvimento da criança. Algo que

chama atenção em sua teoria é justamente a base que

sustenta seu argumento pedagógico, que, segundo o autor,

sua teoria educativa só encontra as condições necessária

48
para o pleno desenvolvimento em sociedades progressivas

e democráticas.

Nesse sentido, o autor sinaliza que a educação não

tem somente o papel de transmitir, dentro da tradição

acumulada, os conhecimentos que devem ser aprendidos,

mas que também tenha a capacidade de ser um sujeito

atuante em sua vida social. A preocupação entre fomentar

nos alunos as potencialidades inatas e explorar seus

interesses, torna a relação entre o esforço e a realização das

atividades os meios para alcançar seus fins enquanto

sujeitos socialmente construídos.

Com a inserção das várias ciências para pensar a

educação da criança, temos que destacar o papel da

medicina, da sociologia, da biologia e da psicologia. Essas

ciências construíram saberes e verdades sobre os corpos ao

mapear as subjetividades do pensamento infantil, e a

forma como a criança se desenvolve nos anos iniciais da

educação. A criança passa a ser objeto de análise dessas

ciências que buscavam compreender como se estruturava

49
o conhecimento, as formas de aprendizagem e a relação

entre conhecimento e experiencia motora e psicológica na

infância.

Conforme nos aponta Montessori (2003), em sua

obra intitulada A Criança, a pesquisa sobre a infância

contribuía, em certa medida, para compreender a vida

social do homem enquanto indivíduo. Se construiu sobre a

criança um dispositivo formado pelos diversos saberes

médicos, psicológicos e filosóficos do conhecimento da

vida infantil. Tais saberes constituíram verdades sobre o

que é ser criança, como a criança aprende, quais as formas

de aprendizagem são consideradas normais e quais as

formas anormais.

Nesse sentido, a psicologia buscou compreender

aos aspectos psíquicos da infância, que definiram a criança

recém-nascida não mais como um corpo pronto para

funcionar, mas constituída em um embrião espiritual,

dotada de subjetividades que são potencializadas, ou

suprimidas, no processo de educação.

50
O discurso educativo de Montessori (2003) reside no

processo de educação, que se dá além dos ensinamentos

formais, está no desenvolvimento psíquico da criança. Por

essa razão, educa-se o sujeito desde o início da sua vida. A

criança é entendida nessa lógica enquanto “[...] ser natural

por excelência, vive materialmente junto ao adulto e se

encontra, em toda família, associada às mais diversas

condições de vida” (MONTESSORI, 2003, p.213). Nesse

processo, os pais, ou seja, a família, tem vital importância.

Tendo em vista que os pais são os construtores da criança

enquanto indivíduo, que detêm poderes sobre a educação

da criança, e encontram-se interligados a ela por laços

indissociáveis.

Ao observar crianças com distúrbios psíquicos e

cognitivos, Montessori percebeu o potencial das atividades

manuais e como as crianças aprendem com a interação com

os objetos e brinquedos ao realizar atividades. O que

chama atenção nessa experiência realizada pela autora

reside na ampla observação do universo infantil, sendo

51
capaz de desenvolver um conjunto de práticas e

organicidades da educação de crianças ditas normais e

ditas anormais.

Para Montessori (2003), tudo aquilo que auxilia a

aprendizagem não deve ser suprimido no processo

educativo da criança. Para compreender a criança, ser faz

necessário despir-se dos filtros da maturidade e enxergar o

mundo sob a ótica da criança. Ao compreender a criança,

busca-se também compreender como o homem se

configura enquanto sujeito. Se o homem é considerado

senhor em determinado aspecto da vida, a criança é para

outro. Mas ambos são reis em reinos distintos

(MONTESSORI, 2003).

Nas sociedades contemporâneas, tornou-se

imperativo não apenas pensar as formas de educação das

crianças normais, mas também daquelas que possuem

algum tipo de disfunção de aprendizagem. Tais

preocupações versam sobre a necessidade de um governo

52
dos sujeitos que molde capacidades e conhecimentos

necessários para ocupar sua função dentro da trama social.

Conforme o Estado toma para si a responsabilidade

de prover os conhecimentos formais dos sujeitos, imponde

um conjunto de valores e práticas, tornou-se importante

pensar o fator econômico envolvido no custeio da

educação dos sujeitos. Aqui vale ressaltar uma questão

significativa: pensar receitas aplicadas em educação dos

indivíduos não é, e também não deve ser entendida como

despesa, mas sim como investimento.

A relação entre economia e educação é uma das

questões mais significativas para pensar a gestão

educacional e como os investimentos em educação

possibilitam melhoria real na vida financeira dos sujeitos.

Por essa razão, Castro (1976), em sua premiada obra

intitulada Desenvolvimento Econômico Educação e

Educabilidade, busca discutir a natureza dessa associação

entre educação e desenvolvimento econômico, a partir de

uma análise de trabalhos empíricos, para verificar a

53
hipótese de que a educação promove desenvolvimento

econômico proporcional.

Ao analisar dados empíricos sobre a relação entre a

despesa gerada com educação e receitas, enquanto

desenvolvimento econômico dos sujeitos, Castro (1976)

sinaliza que não há uma clara relação de causalidade

significativa entre o desenvolvimento e a educação,

quando comparados sob as mesmas variantes duas

realidades sociais distintas entre países. Chega a afirmar

que a classe social do sujeito proporciona melhores

condições independente da educação.

Dentro do seu discurso educativo, é significativo

evidenciar que a ênfase é dada “[...] ao fato de que a

educação formal é apenas um toque final, ou seja, um

complemento dos efeitos duradouros da educação

informal adquirida em casa” (CASTRO, 1976). Para

sustentar essa ideia, apropria-se do conceito de famille

educogene, no intuito de distinguir as famílias que

produzem sujeitos educáveis e as famílias que não

54
produzem tais sujeitos. Nesse sentido, sugere que a

educação transmitida no ambiente familiar influência o

desenvolvimento adequado à escolarização.

Todavia, no que pese as comparações e tomadas de

porcentagem e percentuais aplicados na pesquisa, vale

ressaltar a necessidade de cautela. É facilmente passível de

conclusões errôneas ao comparar dados de determinada

realidade que não partilha da mesma herança histórica,

política, econômica e cultural. Por fim, deve-se assinalar

aqui que a reflexão proposta pelo autor, de pensar a

educação e sua função para o desenvolvimento econômico,

ainda é um dos desafios do tempo presente.

Pensar a educação e suas contribuições para o

desenvolvimento dos indivíduos tem sido tarefa constante.

Buscam-se formas e metodologias para conectar a

educação dos sujeitos às tecnologias computacionais, ao

universo tecnológico e ao ciberespaço. A lógica do

mercado, as demandas por desenvolvimento tecnológico,

e o domínio sobre os dispositivos digitais, guiam a

55
formação dos sujeitos que, cada de vez mais, tornam-se

sujeito empreendedores de si.

Sobre os desafios e possibilidades para a educação

no tempo presente, Ramos (2019), em seu livro Sem

educação não haverá futuro: experiências e demandas deste início

do século 21, analisa a realidade brasileira sob a luz dos fatos

sobre as dificuldades e problemas estruturais da educação

pública brasileira, bem como evidencia formas de sucesso

e oásis de desenvolvimento, num panorama da educação

mundial e brasileira.

Um dos discursos educacionais defendidos por

Ramos é a da implantação de uma educação formal que

esteja voltada para a formação integral do sujeito. Tal

proposta educativa tem como princípios a formação de

sujeitos capazes de realizar atividades complexas,

resolução de problemas, senso de corresponsabilidade,

serem protagonistas, que desenvolvam autonomia, que

tenham um desenvolvimento integral e as devidas

competências para a vida.

56
Segundo Ramos (2019), para a implementação de tal

formação integral, é preciso desenvolver todo um

dispositivo no qual esteja inserido os profissionais da

educação, os pesquisadores das mais diversas áreas do

conhecimento, além dos atores sociais que trabalham a

educação de forma colaborativa para mudar a realidade

das escolas. Nesse sentido, a formação integral do sujeito

busca construir verdades sobre as práticas educativas e as

formas como os saberes interferem no desenvolvimento

dos sujeitos.

A educação formal ainda preserva sua função de

viabilizar a inserção dos sujeitos ao mercado de trabalho,

contudo, a educação proposta na perspectiva de uma

formação integral possui significado. A educação com

significado fundamenta-se na necessidade de domínio dos

dispositivos tecnológicos que exigirão um aumento das

qualidades humanas como a criatividade e o pensamento

crítico. Assim, a oferta de uma educação com significado,

capaz de potencializar o desenvolvimento pleno das

57
pessoas, torna-se condição imperativa ao acesso dos postos

de trabalho do presente e do futuro (RAMOS, 2019).

Assim, Ramos propõe em seus escritos mudanças e

melhoramentos das práticas para uma educação que esteja

conectada com as demandas do mercado. Sua percepção

sobre a educação está intimamente ligada a lógica da

educação para o trabalho, na qual os sujeitos são

empreendedores de si, e a educação está atrelada ao

desenvolvimento econômico e social do país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, buscou-se identificar as ideias

pedagógicas presentes nos textos discutidos da disciplina

Teorias Educacionais do Programa de Pós-graduação em

Educação 2019.2, da Universidade Tiradentes. Para tanto,

optou-se em agrupar as leituras por temas para o melhor

entendimento, por perpassarem os diversos aspectos

referentes a educação dos modos, dos hábitos, dos saberes

58
e dos fazeres imbricados nos processos formativos dos

sujeitos.

Cada leitura, em particular, proporcionou uma

forma de compreender como a educação estava sendo

pensada segundo um regime de verdades hegemônicas, ou

não; as formas como os indivíduos deveriam aprender

valores e hábitos, segundo uma lógica discursiva que

produziu sujeitos educados, para atender as demandas de

cada sociedade. Tais sujeitos foram constituídos por

regimes de verdades que governaram desde a minuciosa

operação dos corpos a um certo empreendedorismo de si.

As ideias pedagógicas, ou os discursos educativos,

identificadas nos textos, contribuem para a percepção de

como, em cada contexto epistêmico, a educação e a

experiência possuem relevância singular. A experiência,

enquanto dispositivo que possibilita a relação entre o

sujeito e o objeto do conhecimento, apresenta-se como

preponderante entre as formas de compreender a

construção de conhecimentos pela prática.

59
Por fim, os discursos educativos, assim como as

ideias pedagógicas, contribuem para pensar a educação em

suas múltiplas funcionalidades dentro de um processo

formativo dos sujeitos, bem como o instrumento

legitimador de dispositivos disciplinares das práticas, dos

modos e dos comportamentos para um governo dos

sujeitos, e para a produção de subjetividades que instigam

o empreendedorismo de si.

Educação não é apenas ensinar o indivíduo a ser

proativo, ou ter a capacidade de resolver problemas, ou

desenvolver inteligência emocional, ou a trabalhar em

rede. Educar um sujeito está para além de instrui-lo nessas

competências e habilidades. Deve-se comtemplar,

também, uma formação ética e moral, que contribua para a

reflexão do indivíduo em sua condição de sujeito, ou seja,

enquanto sujeito de direito e de deveres para que possa

atuar e exercer sua cidadania com plenitude.

60
REFERÊNCIAS

CASTRO, Cláudio de Moura. Desenvolvimento Econômico,

Educação e Educabilidade. 2ed. Rio de Janeiro; Tempo

Brasileiro, FENAME, 1976. 82p.

COMENIUS, Iohannis Amos. Didática Magna - tradução:

Joaquim Ferreira Gomes. eBooksBrasil.com; Fonte Digital. 2001,

595p.

DESIDERIUS, Erasmo. De pueris (dos meninos) a civilidade

pueril – tradução: Luiz Feracine. Ed. Escala; 2008.

DEWEY, John. Vida e Educação – tradução e estudo preliminar

por Anísio S. Teixeira. 5 ed; Melhoramentos. São Paulo. 1965,

112p.

DURKHEIM, Émile. Educación y Pedagogia – tradução de Inés

Elvira Castaño e Gonzalo Cataño. Editorial Losada S.A.; Buenos

Aires, 1998.

FRÖEBEL, Friedrich. A Educação do homem. Passo Fundo:

Editora da Universidade de Passo Fundo, 2001.

LOCKE, John. Ensaios sobre o entendimento humano. Nova

Cultural. Livro Digital; São Paulo. 1999, 319p.

61
MONTESSORI, Maria. A Criança. Livro digitalizado; Ed.

Círculo do Livro. 243p.

PESTALOZZI, Johann H. Cartas sobre Educacion infantil.

Madrid: Tecnos; 2000.


RAMOS, Mozart Neves. Sem educação não haverá futuro: uma

radiografia das lições, experiências e demandas deste início de século

21. São Paulo: Moderna, 2019.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou da Educação. Tradução de

SÉRGIO MILLIET. 3ed. Difusão Editorial. Livro Digital; Rio de Janeiro.

1979. 421p.

SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. A Pesquisa

Científica. In: GERHARDT, Tatiane Angel; SILVEIRA, Denise Tolfo

(orgs.). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2009.

SPENCER, Herbert. Educação Intellectual, Moral e Physica – versão

da última edição inglesa: por Emygdio D’Oliveira. Livraria Moderna.

Porto; 304p.

VERNEY, Luis Antônio. Verdadeiro método de estudar, para ser útil

à República e à Igreja: PROPORCIONADO ao estilo, e necessidade

de Portugal.

Versão Digitalizada. Valença, 1746. Tomo I; 322p. Tomo II; 300p.

62
CAPÍTULO II

PERCURSOS TEÓRICOS SOBRE A INFÂNCIA: UMA

LEITURA DE JOHN COMENIUS, JOHN LOCKE,

JEAN-JACQUES ROUSSEAU E MARIA MONTESSORI

Maristela do Nascimento Andrade

Patrícia Batista dos Santos

INTRODUÇÃO

O presente texto tem por objetivo apresentar o tema

educação e infância a partir da literatura dos clássicos do

Pensamento Pedagógico. Para tanto, tomamos como

caminho quatro autores Comenius, John Locke, Rousseau

e Montessori. Nesse sentido, busca-se compreender como

o conceito de infância foi forjado, bem como a articulação

da atividade educativa enquanto formadora de homens. A

sequência dos autores aqui apresentados faz um percurso

desde a transição do século XVII, com o Pensamento

Humanista, ao século XX com o desenvolvimento da

63
percepção da autonomia e do potencial de aprendizagem

da criança com Maria Montessori. Para a escrita, foi

aplicada a pesquisa bibliográfica utilizada como fontes as

seguintes obras: Didática Magna (COMENIUS), Ensaio

acerca do entendimento humano (LOCKE) Emílio ou Da

Educação (ROUSSEAU) e A Criança (MONTESSORI).

Sob o ponto de vista de análise teórica-documental,

pode-se analisar uma obra, ou um conjunto de obras,

utilizando-se da análise de discurso, condição capaz de

transformar documentos em monumentos do saber. O

estudo de postulados realizado sob esse prisma possibilita

ao leitor acompanhar as transformações a respeito do

conhecimento e do processo de desenvolvimento humano.

Há, no entanto, que considerar a exigência do feito e a

necessidade de incorporar uma multiplicidade de

abordagens e métodos ao processo. No nosso caso, nos

propomos partir da observação de clássicos da pedagogia

ocidental buscando conhecer o olhar sobre a infância.

64
A análise do discurso presente na representação

escrita consiste em “um conjunto de enunciados, na

medida em que se apoiem na mesma formação discursiva”,

e em aspecto “histórico – fragmento de história, unidade e

descontinuidade na própria história” (FOUCAULT, 2009,

p. 132-133). Assim, os discursos são encontrados em

documentos e analisados, construindo uma leitura

arqueológica que os classifica conforme regras de

modalidades e enunciado, conceitos, termos e teorias. Para

tanto, há que se considerar que o processo de seleção de

uma obra não é natural, ao contrário, é orientado por

diferentes interesses e intencionalidades socioculturais.

É importante saber que as reflexões aqui propostas

buscam compreender a construção arqueológica dos

mecanismos e discursos presentes em estudos de

intelectuais dos séculos XVII ao XX, e que versam sobre a

infância, seu processo de desenvolvimento e ser social via

aprendizagem. Peculiaridades estas que os tornaram

leitura obrigatório para o estudo e compreensão da

65
pedagogia contemporânea, contribuindo para o

entendimento e construção da memória social como um

lugar de manutenção e controle, transmitidos ao longo do

tempo.

A ARTE UNIVERSAL DE ENSINAR

De forte influência política e cultural presentes na

Idade Média, Comenius construiu uma proposta

educacional fundamentada em princípios filosóficos e

político-religiosos. A formação de Comenius o permitiu

tornar-se religioso, ordenado sacerdote em 1616,

construindo uma proposta educacional baseada na paz

universal e na justiça, com foco na “arte universal de

ensinar tudo a todos” (COMENIUS, 2001, p.11).

Propondo ensinar tudo a todos, defende uma

educação a ser pensada a partir dos preceitos religiosos e

da criação de um método no qual o trabalho inútil seja cada

vez mais reduzido, e no qual haja maior atratividade e

respeito entre o cristianismo e a formação do homem.

66
Defensor da preservação dos jovens diante das ações

de corrupção presentes no mundo, lançando-os a

honestidade e os habituando-os a ver a luz de Deus acima

de tudo. Assim, educar


"é providenciar para que os espíritos dos
jovens sejam preservados das
corruptelas do mundo e para que as
sementes de honestidade neles lançadas
sejam, por meio da admoestações e
exemplos castos e contínuos (...); para
que se habituem a ver a luz à luz de
Deus, e a amar e a venerar, acima de
tudo, o Pai das luzes"( COMENIUS,
2001,p.39).

Em seus princípios, defende a observação das

diferentes fases da vida do homem (infância, puerícia,

adolescência e juventude), e o zelo e obediência aos

princípios divinos e da natureza, pregando o respeito e a

construção do conhecimento pela observação, a ação, e a

piedade. Em um ambiente sem punições físicas, planejado

sistematicamente, conforme cada etapa de

desenvolvimento e de acordo com os preceitos divinos,

67
sendo confiados aos pais e aos professores, que sempre

com ternura e firmeza, devem instruir a juventude desde a

mais terna idade.

As crianças sob sua ótica devem ser “enviadas às

escolas não apenas os filhos dos ricos ou dos cidadãos

principais, mas todos por igual, nobres e plebeus, ricos e

pobres, rapazes e raparigas, em todas as cidades, aldeias e

casais isolados” (COMENIUS, 2000, p. 127).

Ao organizar a Didática Magna, sua obra referencial

para a educação, sistematizou o ensino escolar “as escolas

são oficinas de humanidade, contribuindo, em verdade,

para que os homens se tornem verdadeiramente homens”

(COMENIUS, 2000, p. 139), assim, de acordo com as

diferentes etapas da vida “a puerícia assemelha-se à

primavera; a juventude, ao verão; a idade viril, ao outono;

a velhice, ao inverno” (COMENIUS, 2000, p. 209).

Nas escolas, as crianças partiriam do simples ao

complexo. O conhecimento seria construído usando

inicialmente a língua materna, por meio da indução e

68
experimentação, levando-as a harmonia das coisas e à

compreensão da relação com o todo, a fim de possibilitar o

conhecimento.

A literatura de Comenius nem sempre foi apreciada,

chegando a ficar mais de um século no esquecimento,

sendo retomada em razão da celebração do terceiro

centenário de seu nascimento. Com sua retomada buscou-

se valorizar o engajamento religioso e civil do homem com

a natureza, enquanto designíos divinos, sendo Deus o

comandante da vida do homem. Assim, “as dimensões

religiosas e ‘pansófica’ são reconhecidas como aspectos

fundamentais e prioritários do seu pensamento também no

tocante às reflexões educativas e didáticas

tradicionalmente consideradas elementos centrais da sua

pedagogia” CAMBI (1999, p. 283).

Em seus estudos, busca o conhecimento universal, e

propõe que no seio familiar a criança adquira

conhecimento útil ao desenvolvimento de suas habilidades

higiênico-sanitárias e na medida em que cresce seja

69
orientada no temor a Deus e do desempenho de

habilidades técnicas, sem perder de vista as boas práticas

desenvolvidas por toda a vida a preparando à finitude, com

a morte.

QUANDO O CORPO DORME É IMPOSSÍVEL QUE A

ALMA TENHA PENSAMENTO...

John Locke (1632-1704), filho de uma família

burguesa, da qual seu pai era advogado calvinista, cresceu

em um período de grande efervescência e significativos

acontecimentos científicos, políticos e filosóficos ocorridos

na Inglaterra do século XVII. Sua educação advém da

experiência religiosa puritana. A partir dos vinte anos,

ingressou no estudo universitário, tendo frequentando em

Londres e Oxford o ensino superior. Atuou como secretário

de embaixador, cargo político que o fez mergulhar e

estreitar laços com a filosofia política, atuou como

preceptor e médico (TERUYA, 2010).

70
Ferrenho defensor da educação, para Locke o poder

paterno existe para um propósito diferente do poder

político do Estado. A educação da criança em casa deve

acontecer sob a vigilância dos pais ou tutores selecionados

pelos mesmos, sendo entendida como um direito e dever

dos pais para com seus filhos. Assim, a função de educar

não consiste em atividade direcionada somente à escola,

mas também aos pais e à família.

Os pais devem desempenhar o papel principal na

educação dos filhos, e têm o direito de fazer escolhas no

processo de criação, mas o Estado deve estar presente por

meio das instituições e por elas reforçar seus princípios

orientadores e de governabilidade. Assim, deve existir

diferentes entidades capazes de desempenhar diferentes

papéis, ambos voltados a legitimar a sociedade, no caso, a

inglesa do século XVII, com suas transformações sociais,

políticas e econômicas.

Defensor do empirismo, em sua obra Ensaio sobre o

entendimento humano (1690), propôs submeter todo

71
conhecimento produzido à prova, colocando no centro do

processo a verificação por parte da interferência

comprovada, segundo o qual, o conhecimento é aprendido

ao longo da vida. É defensor de que a educação “consiste

na impressão natural disputada, decorre da opinião que

cada uma das verdades que um homem jamais chegará a

conhecer será considerada inata” (LOCKE, 1999, p.38).

Em seus estudos, parte de um princípio filosófico,

segundo o qual, o conhecimento parte da experiência e dos

estímulos sociais, “a experiência esta é, na verdade, a única

via que pude descobrir como adequada para levar as ideias

[sic]das coisas ao entendimento” (LOCKE, 1999, p. 49).

Fundamentado no racionalismo, e na necessidade de

conhecer e defender a inexistência de princípios e ideias

inatas na mente humana, as práticas pedagógicas devem

ser utilizadas.

Os princípios inatos consistem em "certas noções

primárias, koinaì énoiai, caracteres, os quais estariam

estampados na mente do homem, cuja alma os recebera em

72
seu ser primordial e os transportara consigo ao mundo"

(LOCKE, 1999, p.37).

Diante da sua forma de conceber a relação do

conhecimento com o desenvolvimento em Locke (1999, p.

60) a “tarefa dos homens consiste em se familiarizarem com

o que existe para ser encontrado externamente”, o

desenvolvimento do seu pensamento é voltado, sobretudo,

para uma classe burguesa em ascensão, embora defenda

que crianças menos afortunadas desenvolvam habilidades

práticas de conhecimento.

As relações de interferência devem existir ao

defender que “não é pequeno o poder conferido a um

homem sobre o outro, ou seja, o de ter a autoridade para

ser o ditador de princípios, professor de verdades

inquestionáveis, e fazer com que uma pessoa tome por

princípio inato o que dever servir ao propósito de quem as

ensina" (LOCKE, 1999, p.53).

O conhecimento dentro dessa lógica decorre

das relações provenientes do ambiente e do mundo

73
externo, ações essas que estimulam o desenvolvimento

cognitivo interno, na qual as ideais simples estimulam o

saber e a aquisição de conhecimentos complexos. Assim,

“todas as nossas ações que compreendem alguma ideia

podem reduzir-se, [...] a essas duas: pensamento e

movimento, mover ou não mover, segundo a preferência

ou direção de sua própria mente, contanto que o homem

seja livre” (LOCKE, 1999, p. 116).

A educação, então, deve emprenhar-se para

formar e instruir as crianças, mas nunca submetida ao

autoritarismo, nem a quaisquer tipos de punições físicas. O

modelo educativo busca favorecer a compensação e os

princípios de liberdade e autonomia, segundo o qual a

experiência leva ao conhecimento, a convivência social,

dada por meio da comunicação e do temor a Deus.

O conhecimento deve decorrer de coisas

sensíveis, da observância às leis divinas, ao código civil e

do convívio com o outro. Assentado nesses princípios,

74
ainda deve existir a tolerância e o respeito ao livre arbítrio,

por meio da construção do conhecimento.

O CONTATO COM A NATUREZA EM BUSCA DA

PERFEIÇÃO

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nascido em

Genebra, cidade em que viveu até os dezesseis anos,

tornou-se um amante das artes e da cultura. Graças aos

seus estudos, desempenhou a função de secretário do

embaixador da França. Sua vida, no entanto, dividiu-se

entre escritos científicos e culturais. Inspirado por

movimentos filosóficos de uma Europa revolucionária, em

suas inquietações propõe uma nova forma de teorizar a

criança.

Amparado em pressupostos iluministas, os

princípios educacionais de Rousseau são construídos, e

revoluciona a pedagogia ao colocar a criança no centro do

processo. Sua ousadia o tornou o pai da pedagogia

moderna, como passou a ser conhecido ao instituir um

75
novo modelo de infância em que a criança é vista próxima

ao homem e conduzida pela piedade e busca da autonomia.

Assim,

Não se conhece a infância: como as falsas ideias


que dela temos, quanto mais longe vamos mais
nos extraviamos. Os mais sábios apegam-se ao
que importa que saibam os homens, sem
considerar que as crianças se acham em estado
de aprender. Eles procuram sempre o homem
na criança, sem pensar no que esta é, antes de
ser homem [...] Começai portanto estudando
melhor vossos alunos, pois muito certamente
não os conheceis" (ROUSSEAU, 1995, p.6).

A infância consiste, pois, no momento do qual é

possível construir socialmente um novo homem,

equilibrado e inspirado na natureza. Para Rousseau, a

educação busca formar o homem e o cidadão, apto em

aspectos cognitivos e comportamentais, em que a

compreensão da natureza acontece em razão do

autoconhecimento e também nas experiências e conceitos

espirituais.

76
Suas publicações insurgiram ao publicar o romance

pedagógico Emílio e na sequência a obra Contato Social,

(1762), as mesmas foram condenadas e proibidas de

circular em Paris e Genebra, embora tenha tornando-se um

texto de moda, por apresentar a infância e seus problemas

pedagógicos de um modo inovador.

A pedagogia proposta por Rousseau tem sua dose

política e revolucionária. Em Emílio, Rousseau, discute a

família, o amor e a virtude. Um tratado educativo sobre o

homem natural, racional e moral. A centralidade do texto

consiste em forjar o homem em contato com a natureza, sob

a observação do educador.

A criança é vista em seu espaço infantil, respeitando-

se a fragilidade no qual "deplora-se o estado da infância;

não se vê que a raça humana teria perecido se o homem não

começasse sendo criança. Nascemos fracos, precisamos de

força; nascemos desprovidos de tudo, temos necessidade

de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo"

(ROUSSEAU, 1995, p. 10).

77
À medida que se desenvolve, é relacionada à

instrução escolar distribuída em diferentes fases da vida:

idade infantil, ou fase da educação higiênica, puerícia dos

3 aos 12 anos, período de desenvolvimento dos valores

morais e racionais; a partir dos 12 anos, o momento em que

a formação intelectual e a aquisição profissional se tornam

necessários despertando a amizade, a piedade, as paixões e

o desejo de constituir família.

A educação começa com o primeiro preceptor, que é

a ama, e em princípio consiste em ser alimento da vida. Mas

com o passar do tempo, ganha novos sentidos, ampliando

sua abrangência, “assim, a educação, a instituição, a

instrução, são três coisas tão diferentes em seu objeto

quanto a governante, o preceptor e o mestre. Mais tais

distinções são mal compreendidas; e para ser bem

orientada a criança deve seguir um só guia" (ROUSSEAU,

1995, p. 16).

O homem, então, é formado pelos conhecimentos

históricos, morais e religiosos, devendo manter distância

78
da educação negativa. É a educação indireta sem a

intervenção por parte do educador, que deve acompanhar

o processo e mantê-lo ao abrigo das influências negativas,

agindo por meio do exemplo intervindo de modo indireto,

pelo exemplo.

A força do exemplo prepara a criança a se tornar

homem,
"Estou longe contudo de pensar que as
crianças não tenham nenhuma espécie de
raciocínio. Ao contrário, vejo que raciocinam
muito bem em tudo o que conhecem e que se
relaciona com seu interesse presente e sensível.
Mas é acerca de seus conhecimentos que nos
enganamos, atribuindo-lhes os que não têm e
levando-as a raciocinarem sobre o que não
podem compreender" (ROUSSEAU, p. 98-99).

Enquanto fenômeno educativo, Rousseau busca

desassociar a influência negativa do ambiente social,

pregando a vigilância, e a busca de um ambiente adequado

ao desenvolvimento educacional do indivíduo. Assim, a

criança deve ser orientada quanto à autoridade do seu

79
mestre, ao passo que cabe a este, afastar-se da necessidade

de empregá-la.

Propõe que, “longe de combater as inclinações de

sua idade, eu as consultarei para me assenhorear delas;

atentarei para seus pontos de vista a fim e orientá-los, não

procurarei para ele uma felicidade remota a expensas do

presente. Não quero que seja feliz uma vez e sim sempre,

se possível” (ROUSSEAU, 1995, p. 385). Ao orientá-lo

quanto ao melhor caminho para encontrar e conduzi-lo a

felicidade guiada por sua consciência e de acordo com os

preceitos do amor e da sabedoria.

A instrução consiste em orientar para vida buscando

o saber, a virtude e a piedade, promovida por meio de boas

leituras, da orientação de bons mestres, da sistematização e

organização do sistema escolar.

A obra trata com destaque o papel da mulher

virtuosa, a “Sofia ama a virtude; este amor tornou-se sua

paixão dominante. Ama-a porque nada é mais belo que a

virtude; ama-a porque a virtude faz a glória da mulher e

80
que uma mulher virtuosa se lhe afigura igual aos anjos”

(ROUSSEAU, 1995, p. 476). Por meio das qualidades da

mulher casta, Sofia, prepara-se para ser esposa, mãe

dedicada aos filhos e submissa ao esposo, tudo dentro de

diferentes e específicas funções sociais das quais as

mulheres tinham por vocação e por felicidade.

A CRIANÇA É UMA PERSONALIDADE QUE

INVADIU O MUNDO SOCIAL

Maria Montessori (1870-1952), nome relevante para

a educação até os dias atuais, médica nascida na Itália,

acreditava no potencial que o período da infância tem para

o aprendizado. Vem precisamente trazer um tratado de

educação das observações da psicologia das crianças. É a

partir da infância que se define a personalidade do homem

e a educação será o caminho para a construção de um ser

saudável.

81
Na proposta pedagógica de Montessori deve-se

abolir o autoritarismo e a massificação do ensino, buscando

a liberdade de ritmos de cada criança. Para isso, leva-se em

consideração o ambiente e a construção da autonomia da

infância, orienta ao uso de atividades sensoriais e a

observação. Contemporânea de Freud, a autora faz críticas

à psicanálise, mas ressalta a importância da descoberta do

inconsciente, chamando a atenção para o lugar da infância.

A respeito de infância, Montessori afirma:


Nasceu como elemento social, poderoso, e
introduz-se em toda parte. Já não é apenas um
membro da família, já não é o menino que, aos
domingos, vestidos com seu melhor traje,
deixava-se levar docilmente pela mão paterna,
preocupado em não sujar a roupa
domingueira. Não. A criança é uma
personalidade que invadiu o mundo social.
(MONTESSORI, 2003 p.9)

A autora faz referência a todo o processo histórico-

social e psicológico da construção do conceito de infância.

A criança vai sendo notada, pensada e definida. Enquanto

médica psiquiatra, a contribuição de Montessori é bastante

82
relevante, pois, faz apontamentos do processo de

desenvolvimento e de aprendizagem até antes não levados

em consideração. Para ela, a infância constitui o elemento

mais importante da vida do adulto: o elemento construtor,

a infância é o lugar onde já estivemos, mora dentro do

adulto e não é um tema isolado ou desconhecido, portanto,

não se pode olhar como um objeto distante e neutro.

Seus escritos fortalecem a necessidade de cuidados

a partir de três pontos, a saber: individualidade, atividade

e liberdade. Foi a primeira, no campo pedagógico a dar

mais ênfase a autoeducação do aluno. Acreditava que a

educação é uma conquista da criança, o ser humano já

nasce com a capacidade de aprender, cabe aos pais e a

escola oferecer condições para a consolidação do

aprendizado. Assim,
[...] a criança recém-nascida não é
simplesmente um corpo pronto para
funcionar, mas constitui um embrião espiritual
que possui diretrizes psíquicas latentes. Seria
absurdo pensar que logo o homem,
caracterizado e distinto de todas as demais
criaturas pela grandiosidade de sua vida

83
psíquica, fosse o único a não ter padrão de
desenvolvimento psíquico (MONTESSORI,
2003 p.29).

Para essa tarefa o papel dos pais é fundamental, pois eles:


Não são os construtores da criança, mas seus
guardiães. Devem protegê-la e cuidá-la num
sentido deveras profundo, como uma missão
sagrada que supera os interesses e conceitos da
vida exterior. Os pais são guardiães
sobrenaturais, como os anjos da guarda de que
fala a religião, subordinados única e
diretamente ao céu, mais fortes que qualquer
autoridade humana e unidos à criança por
laços indissolúveis, se bem que invisíveis. Para
o cumprimento de tal missão, os pais devem
purificar o amor que a natureza lhes depositou
no coração e compreender que esse amor é a
parte consciente de um sentimento mais
profundo, que não deve ser contaminado pelo
egoísmo ou pela inércia. Os pais devem
entender e abraçar a questão social que hoje em
dia impõe: a luta para que o mundo reconheça
os direitos da criança (MONTESSORI, 2003 p
231).

Desta forma, os cuidados da mãe são bastante

específicos, e de caráter importante para o bom

desenvolvimento infantil. Montessori apresenta os


84
cuidados maternos como missão, “A missão dos cuidados

maternos é muito superior a uma tarefa puramente

fisiológica. Mediante o amor cheio de ternura e as atenções

delicadas, a mãe cuida sobretudo do despertar dos

instintos latentes” (MONTESSORI, 2003p.40)

Para um aprendizado escolarizado, a educação

deveria perpassar por dois campos: pelos sentidos e pelo

movimento. A tarefa do professor é preparar motivações

para as atividades, num ambiente previamente

organizado, e depois observar o desenrrolar do percurso

dos aprendizes. Aqui, percebemos um elemento particular

para a pedagogia montessouriana, o ambiente. Esse

necessitaria de uma atenção especial, ser pensado e

organizado para a criança. Cuidadosamente articulado

para permitir aos alunos movimentos livres, facilitando o

desenvolvimento da independência e da iniciativa pessoal.

Igualmente ao ambiente, a atividade sensorial e motora

desenpenham função crucial ao aprendizado da criança,

pois, dá vazão ao impulso natural do toque e da verificação

85
para a descoberta. Assim, para chegar ao intelecto a criança

deve aproximar-se e manipular os objetos partindo do

concreto para o abstrato.

CONSIDERAÇÕES

O estudo do pensamento pedagógico moderno nos

impõe conhecer a partir dos seus pressupostos o universo

de alguns cientistas que registram suas reflexões sobre a

prática educacional por eles elaborada. Os estudos

analisados revolucionaram o modo de enxergar a

sociedade e a educação do seu tempo e influenciaram a

educação dele herdeira. A importância do estudo e da

compreensão de tais ideias impulsionaram novos estudos

e novos olhares sobre a infância, a família, a educação, os

professores e métodos e ensino.

O modelo de escola tal qual se conhece hoje nem

sempre existiu, e a educação baseada em experimentos e na

ciência em detrimento dos princípios da fé também foi uma

86
construção que impactou na vida de quem a pensou e

ousou construir um método capaz de colocar tradicionais

pressupostos em evidência.

A estruturação do pensamento educacional, como

vimos, passou pela censura e pelo esquecimento, causou

transformações, mas sobreviveu ao tempo inspirando o

pensamento educacional. Os cânones aqui apresentados

difundiram suas concepções e impulsionaram novos

olhares sobre o ser criança e o estágio da infância.

Ao longo do processo, saiu-se de um ideal

renascentista em que a educação cristã baseada em

pregações e vitrais predominava, para chamar atenção ao

homem vivo, àquele que diariamente convive com o

próximo e que possui do livre-arbítrio para escolher suas

ações e guiá-lo ao amor e ao temor a Deus.

Tal transformação em sua forma de ser e agir o

colocou no centro da sua vida seus sonhos e desejos e, por

conseguinte deu vazão a novas necessidades coletivas,

possíveis de serem realizadas pela aquisição da instrução e

87
os bons costumes, por meio da educação. Assim, o processo

de instrução educacional passou a fazer parte da vida social

e seu início tornou-se possível desde a terna infância. Fator

facilitar para que a criança venha a tornar-se um homem

moderno e forjado nas novas dimensões físicas, voltadas ao

trato e respeito ao corpo, ao modo de ser e de porta-se,

buscando para si e para os que convivem.

Comenius, propôs a arte de ensinar, a organização e

sistematização do saber, ligado as diferentes fases da vida,

observando e respeitando o processo de desenvolvimento

cognitivo. Entende ser infância, puerícia, adolescência e

juventude, as etapas ou fases em que a formação dos

homens acontece. Suas orientações conduzem a observação

e obediência dos princípios divinos e da natureza. Defensor

da construção do conhecimento por meio da observação,

da ação e da piedade, sem que para tanto haja castigos e

punições, propõe uma educação para o desenvolvimento.

O controle do processo fica a cargo dos pais e daqueles a

quem confiam os tutores, que dentro de uma lógica

88
sistematizada e seguindo os preceitos divinos sempre com

ternura e firmeza, instruem e formam a juventude desde a

mais terna idade.

De John Locke, herdamos o empirismo e a

necessidade de experimentação. Com sua escrita filosófica

e mergulhada nas inquietações iluministas nos foi possível

compreender sobre o entendimento, as ideias e razão,

componentes fundamentais ao entendimento do

pensamento humano. Sua escrita coloca em evidência a

busca do saber por meio do contato e experiências, para

fazer frente a um contexto de grande efervescência e

transformação que foi a Europa do seu tempo.

Rousseau, voltou-se a construir ou forjar um novo

modelo de homem, fruto do equilíbrio do saber e da

natureza. Com a presença de um preceptor, para

acompanhar o processo de formação sem que houvesse

uma interferência direta, de modo a orientar a criança

quanto aos perigos há que estão expostas. Dentro de um

ambiente controlado, mas com liberdade, a educação

89
acontece e o homem forma-se com parâmetros de

conhecimentos históricos, morais e religiosos,

salvaguardando eventuais diferenças de gêneros. Sua

proposta busca guiar a sociedade rumo a felicidade.

E por fim, para Montessori a criança é um ser natural

por excelência. É papel da educação ser um auxílio ao

desenvolvimento psíquico da criança, e por isso vai muito

além do acúmulo de informação. Devemos, portanto,

considerar na criança o destino de nossa vida futura. Quem

desejar conseguir qualquer benefício para a sociedade deve

necessariamente apoiar-se na criança, não só para salvá-la

dos desvios, como também para conhecer o segredo prático

da nossa vida.

90
REFERÊNCIAS

BLOOM, H. O cânone ocidental: os livros e a escola do

tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: Editora

UNESP, 1999.

COMENIUS, Iohannis Amos. Didática Magna. Joaquim F.

Gomes. (trad.). Digitalização. Fundação Calouste

Gulbenkian, 2001. Disponível em < www.booksbrasil.org >,

acesso em 24 de mar. de 2020.

DICIONÁRIO Online de Português. Cânone. Disponível

em < https://www.dicio.com.br/canone/>, acesso em 29 de

jun. 2020.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2009. GREGOLIN, M. R. V.

No diagrama da AD brasileira: heterotopias de Michel

Foucault. In: NAVARRO, P. (Org.). O discurso nos

domínios da linguagem. São Carlos: Claraluz, 2008.

91
LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano.

Anoar Aiex (Trad.). Nova Cultura Ltda. São Paulo. 1999.

MONTESSORI, Maria. A Criança. São Paulo: Nórdica,

2003.

RICARDO, M. F. O cânone no vestibular da UNESP:

calouro ou veterano? Tese (Doutorado em Estudos

Literários). Faculdade de Ciências e Letras, UNESP,

Araraquara, 2004.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. Sérgio

Milliet (tradutor). 3ª edição. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil,

1995.

TERUYA, Teresa Kazuko. GOMES, Iara de Oliveira. LUZ,


Márcia Gomes Eleutério da. CARVALHO. Aline Monique.
As contribuições de John Locke no pensamento
educacional contemporâneo. In: JORNADA DO
HISTEDBR, 9, 2010, Belém. Anais... Belém: HISTEDBR,
2010.

92
CAPÍTULO III

ENSAIO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DA


EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Bianca Sthephanny Martins Gomes


Heidy Taiane Rocha Santos

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento do conhecimento científico é

movido pela necessidade do homem em obter resoluções

para suas demandas, questão que justifica a não

visualização do ser humano como foco inicial da ciência,

ele perpassa a metafísica, através das pesquisas que tinham

como foco os cosmos, partindo para o teocentrismo,

quando Deus passou a figurar como centro das

investigações e nesse tempo ocorreu a crise da

fundamentação, onde o metafísico não conseguia mais

atingir todas as particularidades do mundo e do homem.

No antropocentrismo, o período em que a

subjetividade humana é perscrutada, o homem passa a ser

93
considerado o principal tema de busca, em que os

pesquisadores passam a averiguar e idealizar a formação

humana. Nesse período, a identidade dos homens era

moldada com base nas ideias fomentadas por uma elite que

possuía uma instrução educacional mais direcionada por

pessoas especializadas, constituindo uma hierarquia que

era repassada por gerações por meio da educação daqueles

que possuíam melhores condições econômicas.

Em um período mais adiante, na pós-modernidade, a

crise da razão tornou-se evidente e todos os conhecimentos

desenvolvidos até o momento passaram a ser

questionados, potencializando uma crise da identidade

humana, em que o homem busca por conhecimentos que

abarquem sua complexidade. É nessa crise que a aquisição

de conhecimentos e o papel da escola serão questionados,

e autores como Mézáros (2008), afirma que a escola, além

de responsável pelo repasse de conhecimentos, é

responsável pela internalização da posição social que foi

94
atribuída ao homem ao longo do seu crescimento,

perpetuando determinada hierarquia social.

De acordo com Boa Vida e Amado (2008), autores

como Kant (1724 – 1804), Bonnet (1720 – 1793) e

Montesquieu (1689 – 1755) já afirmavam a autonomia das

Ciências Humanas com uma metodologia que garantiria o

destaque de suas subjetividades. Dessa forma, eles

buscavam destacar a importância na prioridade do sujeito

sob o objeto e a finalidade manifestada nas ações humanas,

onde sobrevalorizavam a autorreflexão e o que

conhecemos hoje como aspectos qualitativos do

conhecimento, o que acarretou em um endeusamento do

homem.

Nesse período de estudos, as pessoas passam a ter

outra percepção do papel da educação para aprendizagem

humana, começando a perceber que educar significa

mudar de forma positiva a vida daquele que está sendo

atingindo e que consequentemente vai atuar na sociedade,

ressaltando aqui que ao mesmo tempo existe a concepção

95
de educação como prática de mudança, ela pode ser

utilizada como instrumento ideológico, formando um

padrão de pensamento que será passado por gerações a fio.

De acordo com Kant (1999), o homem possui dois

períodos de aprendizagem: o primeiro é o tempo em que

ele deve mostrar passividade na escola, onde o

constrangimento é mecânico e o segundo em que a

educação é a vida e a pessoa deve submeter-se a regras. Por

meio disso é possível refletir qual é realmente o papel da

escola: constituir homens que questionem o sistema e

pensem criticamente, como Freire (1921 – 1997) idealizava,

ou desenvolver pessoas que absorvam o conhecimento que

lhes é passado para que reproduzam hierarquias de poder?

Mediante o que foi apresentando, esse artigo pretende

desenvolver uma perspectiva histórica da educação

brasileira, mostrando como esta foi construída ao longo dos

anos por meio da dependência de seu colonizador, tendo

como consequência um ensino que perpetua determinada

ideologia dominante que prevalece na sociedade.

96
Com base nisso, essa pesquisa bibliográfica tem como

aporte referencial a obra organizada por Lopes; Faria Filho

e Veiga (2000), denominada 500 Anos de Educação no Brasil,

na qual é utilizada maior parte das referências históricas

desse trabalho. Além disso, Boa Vida e Amado (2008), Kant

(1999) e Mézáros (2008) complementam as ideias,

estabelecendo a conexão entre os autores no empenho de

responder as perguntas que aqui foram propostas.

SOBRE A EDUCAÇÃO E A HISTÓRIA

Ao refletir sobre a Educação, Kant a define como

sendo “[...] o cuidado de sua infância (a conservação, o

trato), a disciplina e a instrução com a formação” (1999,

p.11), deixando clara a preocupação do autor com a razão

humana e o progresso da humanidade. Logo, para Kant

(1999), o homem é o único ser que necessita ser educado

para poder lidar com a sua força e potencialidade, de modo

que consiga conviver com outros iguais, isso explica o

97
motivo que ele é inserido no processo educacional desde

muito jovem.

Kant (1999) acreditava que o homem precisa de

objetivos para dar sentido à vida e a razão é o fio condutor,

pois ela é utilizada para o raciocínio que irá proporcionar

ação no indivíduo, atingindo o que ele acredita ser o

progresso. O papel da História seria estudar as leis

naturais-universais que regulam as ações humanas, para

fazer com que a humanidade progrida no pensamento.

Hegel (2004), por sua vez, entende a História como

sendo um processo que segue o caminho crescente, sendo

o hoje, melhor que o passado e o que movimenta esse

processo é a contradição dialética, que foge da ideia de

conjunto de conceitos estáticos e que irá mostrar como o

Estado é gerado.

Já que o homem é um ser histórico em constante

desenvolvimento, Hegel (2004) aponta cada indivíduo

como único, sendo natural que tenham seus próprios

interesses, necessidades e paixões. Então, o indivíduo

98
histórico cósmico está à procura da liberdade visando,

portanto, suprir primeiramente em cada ato, suas

necessidades e sentimentos, mas mesmo agindo

objetivando primeiramente saciar seus desejos, há um

interesse coletivo em seus atos, reafirmando a ideia do

autor de que todo mundo é importante em sua

individualidade para o Estado que, por sua vez, faz a

vontade do todo.

Na atualidade, quando se fala em disciplina,

imediatamente há uma divisão de entendimentos, uma vez

que é relacionada à violência, porém, para Kant (1999),

disciplinar é impor limites para que haja o gozo da

liberdade.

Kant se atenta para o perigo dos vícios e da

importância de se ensinar às crianças a aprender a

desenvolver o senso crítico, conforme explicita Amado no

que tange à Educação “[...] também tem como objetivo criar

capacidades, no educando, de modo que ele não só

interiorize a cultura, mas a transforme, desenvolva e a

99
acrescente (1999, p. 157)” concedendo ao aluno o papel

como protagonista na produção de cultura.

Os vícios para este autor são derivados do seu instinto

animal, sendo papel da razão direciona-lo à moralidade e

papel da educação instigar o senso crítico para que ele não

se torne um mero reprodutor de ideias.

Hegel (2004) por sua vez, afirma que esses homens,

buscando satisfazer suas paixões particulares, sem ter

consciência da ideia geral que desdobravam enquanto

desenvolviam o contrário, acabaram trabalhando em favor

da universalidade ao trazer a antítese, que, como exposto

anteriormente, trata-se de meio necessário para a

transformação de uma realidade, formando uma nova tese.

Nesse sentido, “[...] interesse especial da paixão é

desta forma inseparável do desenvolvimento activo do um

princípio geral, porque é do especial e limitado e da sua

negação que resulta o Universal” (HEGEL, p 80, 2004).

O referido processo de edificação mostra como e

porque as partes importantes da História Universal foram

100
construídas, mas, como sabemos aqueles que não tiveram

grandes feitos reconhecidos na história merecem ter sua

individualidade respeitada o que, nos dizeres de Hegel

“[...] o indivíduo no seu isolamento se deleita não podem

servir de modelo para a realidade universal, da mesma

forma que a lei universal não é planeada para as unidades

da massa” (HEGEL, p. 82, 2004).

A educação é uma necessidade precípua do homem

que está em constante processo de aperfeiçoamento

gerando novas teses, antíteses e sínteses, que irão surgir de

acordo com as necessidades e a cultura, envolvendo a

dialética em todo o processo educacional, tornando o

destinatário das práticas educacionais sujeito passível de

transformação e agente transformador.

DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

(XVI – XIX)

101
Quando os portugueses se estabeleceram no Brasil, os

jesuítas ficaram responsáveis pela catequese e educação

formal dos índios, de acordo com Lopes; Faria Filho e Veiga

(2000), filhos de colonos e povos nativos recebiam uma

educação que utilizava os preceitos bíblicos como

justificativa para a centralização do poder, uso da força,

castigo, escravidão, distinção de classe, inferioridade do

povo, formando uma cultura em que os povos dominados

não poderiam lutar por seus direitos.

As escolas jesuíticas e as que seguiram

posteriormente seguiam o modelo que exigia do aluno

sujeição e obediência, sem questionamento às regras que

lhes eram impostas, submetendo-os a regras que

condicionavam a liberdade de cada um ao

constrangimento.

No período de Kant (1999), muitas crianças eram

educadas em ambiente familiar, por parentes ou por

tutores que eram contratados e para o autor, o problema da

educação particular é não ter apenas uma figura de

102
autoridade, mas a partilha da mesma, ao qual ele acredita

que deve ser tomada pelo professor, por ser a figura

educadora da criança.

Durante o século XVII diversas escolas foram

construídas no Brasil com o objetivo de darem apoio à

família, conservando essas relações e de modo simultâneo

isentava os pais da responsabilidade de educar os filhos.

Ao mesmo tempo em que a escola se transformava no local

em que transmitia os valores que as famílias queriam

preservar e construía pessoas que se tornariam vigilantes

quanto a essa moralidade.

As famílias eram vistas como necessitadas de


auxílio para a educação das crianças porque
não tinham tempo nem competência para
tanto. (...) A escola surgiu, então, para
complementar a família, liberando os adultos
para outras ocupações relevantes na
sociedade. (Lopes; Faria Filho e Veiga, 2000, p.
448).

103
É primordial constatar a Igreja Católica estava sempre

envolvida no papel educacional dos alunos, mesmo após a

expulsão dos jesuítas do Brasil, auxiliando os imperadores

brasileiros nas tomadas de decisões e na catequização

daqueles que não tinham condições de conseguir uma

educação que possuísse um pouco mais de qualidade por

serem de classes sociais baixas.

Importante lembrar de que aos poucos a escola tinha

seu formato modificado, o que é natural acontecer durante

todo o percurso histórico, mas os alunos não deixavam de

receber instruções com base nas normas, eles ainda

deveriam viver com base no que a sociedade esperava

deles, mas a ciência aos poucos abria diferentes

possibilidades de vivência aos estudantes. Mesmo com a

presença da ciência, Descartes (2007) afirmou que era

preciso seguir os costumes da sociedade, mesmo quando

havia dúvidas ou questionamentos sobre essas normas.

Ainda assim, os alunos não eram ensinados a

questionar as normas sociais e as instituições formais de

104
ensino induziam os indivíduos à padronização de

pensamento, de forma passiva ou ativa, por meio de ações

diárias de obediência aos quais os alunos eram expostos.

(MÉZÁROS, 2008).

Saltando para o século XVIII, por receio de que o povo

brasileiro pudesse se basear em ideais de revolução e

lutasse pela independência do Brasil, o governo português

proibiu a criação de universidades, restringindo a

liberdade educacional do povo brasileiro,

Com a proibição da criação de universidades


na colônia, Portugal pretendia impedir que os
estudos universitários operassem como
coadjuvantes de movimentos
independentistas, especialmente a partir do
século XVIII, quando o potencial
revolucionário do Iluminismo fez-se sentir em
vários pontos da América. (Lopes; Faria Filho
e Veiga, 2000, p. 152).

Então, o Brasil sofria constantemente com poucos

investimentos educacionais vindos de Portugal, o

colonizador não queria ser menos desenvolvido que sua

colônia. Mesmo assim, o povo brasileiro ainda era sua

105
responsabilidade e eles precisavam desenvolvê-los devido

a cobranças externas e ameaças de outros países que

afirmavam que iriam invadir e dominar o Brasil.

Para isso, foram criadas as Escolas de Primeiras Letras

por volta de 1820, que eram escolas para as classes mais

pobres, onde eram ensinados a ler, escrever e contar

histórias. Estas existiram apenas porque a lei obrigou a

existência delas nas cidades mais populosas, utilizando o

método lancasteriano que garantia uma alfabetização

rápida e de várias pessoas ao mesmo tempo, economizando

gastos do governo.

Com o aumento populacional e a alta demanda de

alfabetização, ocorreu a necessidade de formar professores

que atendessem a carência de educadores nas escolas que

estavam sendo construídas. Com a intenção de atender a

essa insuficiência, a primeira Escola Normal foi criada em

Niterói no Rio de Janeiro, em 1835, sendo uma das reformas

previstas no Ato Adicional de 1834 (LOPES; FARIA FILHO

& VEIGA, 2000).

106
As Escolas Normais traziam certa atualização na

prática docente, oferecendo, por meio dos eventos

destinados aos professores, o que havia de novo para as

aulas, além do currículo que pretendia desenvolver mais

habilidades por meio das aulas. Só que ao mesmo tempo

em os professores eram atualizados e os alunos tinham que

lidar com diferentes condutas de aulas, a intenção de

controle populacional por meio da educação ainda era a

mesma. Um dos motivos para a criação das Escolas

Normais era o fato de que as salas estariam sempre cheias

e um único professor era capaz de repassar os conteúdos

de maneira rápida para a maior quantidade possível de

estudantes.

Conseguinte, os alunos ficariam “presos às garras dos

preceptores” (DESCARTES, 2007), onde esses últimos eram

moldados de acordo com os conhecimentos dos

professores, que já tinham opiniões formadas as

repassavam para os alunos, padronizando o pensamento.

Não era uma educação que poderia levar a prática da

107
liberdade, pois desde pequenos, os discentes sabiam que

estavam condicionadas as leis e regras da sociedade, até o

fim de suas vidas.

Então, com Portugal no controle da educação no

século XIX, a expulsão dos jesuítas e proibição de

universidades desde o século anterior, as entidades

responsáveis tentaram organizar o sistema primário. Com

limitada autonomia, o Ato Adicional de 1834, que criou

Assembleias Legislativas, proporcionando mais autonomia

às províncias, inclusive na educação, se isentando desse

dever, de forma que cada local estaria responsável de criar

normas que uniformizasse as instituições de ensino.

Ao padronizar o que hoje conhecemos como

currículo, o modo com que os conteúdos eram repassados

seguia determinada lógica, ou seja, todos recebiam o

mesmo conteúdo, não conseguindo desenvolver uma

criticidade de pensamento nos alunos que os ajudasse a

observar sua realidade de diferentes formas.

108
Na medida em que a educação evolui lentamente, os

órgãos governamentais passam a compartilhar a ideia de

que a educação poderia reverter o quadro de alta

criminalidade que assolava o Brasil no século XIX, “esse

discurso exprime claramente um dos slogans oitocentistas

utilizado na defesa da escola e da escolarização: o de que

abrir escolas era fechar prisões” (LOPES; FARIA FILHO &

VEIGA, 2000, p. 104). Além de utilizar o aumento da

quantidade de crimes como justificativa para o

desenvolvimento do ensino, o Estado também pretendia

que a população pensasse que realmente existia a

autonomia de ensino e liberdade para os educandos.

Mesmo após a independência, o Brasil ainda buscava

por sua identidade em todos os aspectos culturais e

educacionais, assim como os professores, mas o

pensamento elitista estava impregnado na sociedade,

tentava-se desenvolver a individualidade brasileira por

meio de pesquisas, publicações de livros e jornais e

reformas escolares que abarcavam as necessidades dos

109
estudantes brasileiros, além de incentivar o acesso à cultura

(escolas, teatro, livros, jornais) da “camada inferior”.

Mesmo com a busca de uma identidade brasileira e

docente, a cultura escolar da época não contribuía com o

desenvolvimento desses fatores. Havia grandes distâncias

entre as escolas e as casas, a falta de fiscalização dos

espaços, sem indicação para o desenvolvimento de ensino

e o dinheiro do aluguel dos espaços e salários dos

professores não era repassado. Dessa forma, não havia

controle dos professores e estes faziam mais do que o cargo

pedia, os dados de progresso eram falsificados e as escolas

não funcionavam como deveriam.

As escolas superiores criadas pelos estados e


por particulares deixaram de sofrer qualquer
fiscalização da parte do governo federal, tendo
seus currículos organizados conforme as
determinações do seu próprio corpo docente,
independentemente de modelos oficiais.
(Lopes; Faria Filho e Veiga, 2000, p. 160).

110
A falta de tomada de responsabilidade da educação

pelos órgãos estaduais é notada desde a época dos jesuítas,

onde a escola fica por responsabilidade dos poderes

privados e da Igreja Católica Por meio das escolas esses

grupos de poder disseminam a educação e alfabetizam

muitas pessoas, mas ao mesmo tempo, propagam suas

ideologias e detêm controle sob a subjetividade do homem.

O homem era assujeitado às normas através da escola

(FISCHER, 1999), onde sua identidade era explorada em

prol da dominação politica e econômica dos que estavam

no poder. Ainda de acordo com a autora, a “submissão da

subjetividade” está relacionada com a produção de

verdades em que todos devem se reconhecer. A educação

modelava o sujeito de acordo com as necessidades do

Estado.

BREVE MUDANÇA DO PENSAMENTO HISTÓRICO

(SÉC. XX)

O século XX foi marcado pela instabilidade política,

desde a Era Vargas e o suicídio do presidente em 1954 à


111
proposta de modernização do Brasil por Juscelino

Kubistchek em 1951 até a inconsistência de Jânio Quadros

e sua renuncia, seguido da incerteza quanto a João Goulart

em 1961 e o Golpe Militar em 1964.

A falta de constância no quadro político teve

consequências claras na área educacional. De acordo com o

Censo do IBGE 20007, a taxa de analfabetos no começo do

século XX era de 65,3%. Ao longo do século esse número

não foi altamente alterado. Com a chegada da década de

1950 e a criação dos movimentos populares esses números

aos poucos entraram em declínio, a taxa passou a ser de

50,6%. Contudo aqueles que não sabiam ler e escrever

ainda eram proibidos de votar.

Além disso, o Brasil também sofria influências e

pressões externas para sua modernização (por conta da

Guerra Fria que dividiu o mundo numa na corrida pelo

desenvolvimento), inclusive na área educacional, a coerção

de outros países obriga o Brasil a voltar-se para si mesmo e

7
IBGE, Censo Demográfico (2000).
112
perceber a importância da educação para seu povo. Passa-

se a notar a urgência de desenvolver uma educação que

abarcasse as correntes necessidades e subjetividades

humanas, criando habilidades no homem que pudessem

ser utilizadas no “novo mundo” que estava surgindo.

Inclusive no que se dizia de alfabetização, já que mais da

metade da população não podia votar devido esse fator.

A educação é construída e desenvolvida tendo

como base a cultura e economia predominante, seja elitista

ou populista. Por volta de 1960, a educação passa a ser

visualizada como auxiliar na constituição humana, levando

em consideração a individualidade humana e história

pessoal. E sendo compreendido como educativo todo o

processo que “condiciona, potencia ou inibe, o

desenvolvimento individual” (BOA VIDA & AMADO,

2008, p. 156).

Tendo isso em vista, universitários e pessoas que

eram consideradas de esquerda por suas ideologias,

formaram diversos movimentos sociais que tinham como

113
objetivo alfabetizar e politizar a população com idade

eleitoral que não teve acesso a educação durante sua

juventude, para que elegessem governos que suprissem

suas necessidades e lutassem por seus direitos, criando

programas que auxiliassem essa parcela da população que

foi por muito tempo esquecida, e consequentemente,

aumentar a base eleitoral.

Os movimentos educacionais tiveram início no final

dos anos de 1950, em diversos estados do Nordeste, região

mais afetada pela negligência da educação, espalhando-se

também pelo Norte e Centro-Oeste. Esses programas

utilizavam de métodos que incentivava o desenvolvimento

da criticidade dos alunos, onde uma central desenvolvia os

materiais e distribuía para os Estados. E dependendo da

necessidade de cada localidade e aluno, eles tinham a

autonomia de alterar.

Os Movimentos de Educação pretendiam educar

influenciando os pensamentos crítico, que levaria à

liberdade do indivíduo. Em toda aula os materiais eram

114
utilizados, seguidos de debates acerca da palavra do dia,

onde os alunos conversavam e os monitores presentes nas

aulas induziam a conversa. Assim, os alunos aprendiam a

utilizar a razão, discernindo as informações que lhes eram

passadas, principalmente pelos governantes,

desenvolvendo-se criticamente (LOCKE, 1999).

Nesse momento, a Igreja também estava

marcando presença nos movimentos, já que após a

proclamação da república, ela teve que recuar perante o

Estado devido à laicidade. Por volta de 1920 e 30, acabou

tomando para si a ideia de “salvadora” e pensaram que

poderiam continuar sua influência por meio da educação.

Através das encíclicas do Papa Leão XIII, a


Igreja Católica assumiu o papel de fazer a
“defesa dos oprimidos e marginalizados” e
assim, fundou em 1922 o centro Dom Vital,
bem como a Ação Católica em 1935, visando a
nacionalização e valorização da “identidade
cultural brasileira”, através da elite intelectual
Católica e também da esquerda católica
(SANTOS, 2016, p. 64)

115
Já que não possuía mais influência constante nas

decisões tomadas pelo Estado, a adaptação da Igreja

ocorreu por meio dos movimentos educacionais, mais

especificamente o Movimento de Educação de Base (MEB),

proposta de educação por meio dos rádios que foi

apresentada por Dom José Vicente Távora em 1958 na

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e

transformada em decreto em 1959 por Juscelino

Kubistchek.

Através do MEB, com a participação dos

estudantes universitários católicos, os ideais da Igreja

tornaram-se mais progressistas, se afastando um pouco

mais do conservadorismo que muitos padres e bispos

preferiam conservar. Ainda assim, nota-se que um dos

motivos da Igreja estar presente no movimento é para

continuar sua influência por diferentes meios e

desenvolvendo o nacionalismo necessário para “proteção”

da pátria contra ideias que ameaçavam o país

(SCOCUGLIA, 2003).

116
Com o Golpe Militar de 1964, muito desses

movimentos foram extintos, substituídos por outros que

possuíam a mesma função ou não recebiam financiamento

suficiente para manterem suas estruturas e aos poucos

foram se deteriorando. Além da detenção daqueles que

faziam parte deles sob a acusação de “subversão”.

Mesmo com um Regime Totalitário que tomou

conta do Brasil, ainda foi possível notar desenvolvimentos

em certas áreas educacionais, como a construção de

universidades e a inserção dos Programas de Pós-

Graduação, que tinham como base o modelo

estadunidense, onde as universidades públicas construíam

seus campi próximos às periferias e as universidades

particulares ficavam alocadas nos centros das cidades.

No bojo do processo de reforma universitária,


as universidades brasileiras lograram instituir
todo um novo segmento do sistema de ensino
e de pesquisa - os programas de pós-graduação
-, inspirados no modelo norte-americano
(Lopes; Faria Filho e Veiga, 2000, p. 183).

117
Afirmavam que esse modelo traria benefícios ao

ensino brasileiro quanto à amplitude dos conhecimentos

por abarcar diversas áreas de pesquisa, quando na verdade

o Brasil sofria influência norte-americana e pressão para a

modernização, adentrando no sistema econômico

capitalista e projetando seus estudantes a reproduzirem as

ideologias predominantes.

Essa tentativa de progresso no ensino superior é

consequência da pressão externa para desenvolvimento e

estabilização do capitalismo. As novas habilidades que

pretendiam ser desenvolvidas nas escolas durante aquela

época tinha em vista o crescimento exponencial do

capitalismo por meio da Guerra Fria (Estados Unidos X

URSS), por isso precisavam de pessoas que tivessem as

habilidades necessárias em continuar a construção desse

sistema.

O CAMPO DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA

EDUCAÇÃO

118
Diante dos processos históricos narrados sobre a

educação, podemos verificar que o ser humano mantém

uma relação de familiaridade sobre o tema ensejando que

o mesmo desperte a falsa realidade de que domina a

temática, dispensando o campo que pesquisa responsável

por ela. O referido pensamento equivocado pode acarretar

sérios danos para o desenvolvimento de práticas

educacionais que buscam respostas para questionamentos

do presente em fontes e fatos do passado.

Na década de 1970, um novo público escolar maior

e mais diversificado passou a exigir das instituições,

respostas para suas inquietações passando, a partir de

então, a existir uma preocupação com a compreensão da

história e da realidade da sociedade.

Galvão e Lopes (2010) reconhecem que a História

possibilita um melhor entendimento dos problemas do

presente e ainda complementa ao afirmar que “[...] a

educação nunca se restringiu à escola. Práticas educativas

119
ocorrem também fora dessa instituição, às vezes com maior

força do que se considera.” (GALVÃO E LOPES, 2010, p

19).

Importante mencionar que a disciplina de História

da Educação surgiu no final do século XIX nas Escolas

Normais, passando aos cursos de Pedagogia e Faculdades

de Filosofia, como disciplina, “foi introduzida no currículo

da Escola Normal do Rio de Janeiro em 1928, na reforma

preconizada por Fernando Azedo” (GALVÃO & LOPES,

2010, p. 22). Depois de se tornar disciplinas em vários

cursos do país foram criadas manuais para o ensino.

A História da Educação não está presa apenas ao

pensamento e ensino pedagógico, “ela nos ajuda a

compreender o presente pelo encontro com o outro”

(GALVÃO & LOPES, 2010, p. 22), possui caráter

interdisciplinar, pois é fundamental o diálogo com outras

ciências humanas e outras áreas para que haja um olhar

diversificado e profissional sobre os mais diversos agentes,

fontes e situações que englobem o fato histórico buscado.

120
Desta feita, como dito anteriormente, a vivência

individual de cada pesquisador irá influenciar nos

enfoques e abordagens na pesquisa, pois sua visão de

mundo irá direcionar a escolha do objeto de pesquisa,

método e fonte e considerando ser esse um exercício da

dialética de Hegel (2004), o resultado da pesquisa, como

toda síntese, tomará o lugar da tese para dar continuidade

às modificações, mostrando o caráter mutacional dos

trabalhos.

CONCLUSÕES

Como demonstrado anteriormente, as pesquisas

sobre o ser humano tinham sua formação como principal

centro de estudos. Autores aqui trabalhados chegaram ao

consenso de que o homem nascia sem conhecimentos

inatos, como “uma tábula rasa”, sendo essa a principal

ideia desenvolvida por Locke (1999). Outros filósofos

também concordavam com ele e chegaram a afirmar de que

o homem não nascia bom ou mal, mas com tendência para


121
ambos, como afirmou Kant (1999), o que poderia mudá-lo

para o considerado “bom” é a educação recebida e as

influências da sociedade ao seu redor.

Por meio da disseminação dessas ideias, a educação

passa a ser vista como um ponto crucial na formação

humana, onde o homem é preparado para a sua vida adulta

através dela. Ou seja, afirma-se que a educação é a base

para a vida juntamente com a cultura e história que o ser

carrega a partir do seu nascimento.

Contudo, ao mesmo tempo em que se nota a

importância das instituições escolares para formação

humana, percebe-se que ela pode ser e é utilizada como

forma de construir um padrão de pensamentos que

permaneceria na sociedade. É o que Mézáros (2008) chama

de “internalizar” a ilegitimidade da posição que lhes foi

atribuída na hierarquia social, junto com as condutas de

submissão para que permanecessem e reproduzissem as

ideias que eram aprendidas.

122
Ao mesmo tempo em que a escola aparenta promover

a liberdade do ser, condicionando a um padrão de

pensamentos, o transformando em seres que seguem as

regras que lhes são ensinadas. Ou seja, não é uma educação

para prática da liberdade, mas a ilusão de que essa

liberdade exista. Esse tipo de educação condiciona a

identidade humana e sua subjetividade ao trabalho, o

alienando.

Portanto, a pessoa acaba sendo educada e preparada

para o trabalho, subjetivando sua identidade ao capital.

Essa ideia é consequência de uma educação que despreza o

ócio, já que durante a infância, as crianças aprendem que o

ócio está do lado “ruim” das coisas e que o trabalho deve

ser cultivado obrigatoriamente na escola, como Kant (1999)

afirma que deve ser. As pessoas que são consideradas

ociosas são deixadas à margem da sociedade e

desprezadas.

Essas pessoas que são marginalizadas podem receber

suporte das Igrejas na área educacional. Nesse caso, a Igreja

123
oferece programas que dão apoio e educam, com base em

suas ideologias, os que por muitos são considerados como

“vândalos”. Essa tomada de poder da educação da Igreja

Católica pode ser vista desde que o Brasil foi invadido

pelos portugueses e os jesuítas foram os responsáveis em

catequizar e “educar” os povos nativos. Com o passar do

tempo, a influência da Igreja deixou de ser pertinente,

principalmente com o Estado Laico.

Contudo, é possível vê-la de volta no poder através

dos movimentos educacionais em 1960, onde novamente

eles se autodenominam “salvadores” dos esquecidos e

desenvolvem programas de alfabetização junto com

estudantes universitários e professores, mostrando um

lado progressista. Ainda assim, defendendo os pontos que

naquela época estavam em alta: anticomunismo e

antimarxismo. Logo se nota que a ideia ainda é preservar a

sociedade com base nas suas ideologias e reprodutores da

cultura que estavam influenciando.

124
Além da Igreja, em 1960 havia movimentos que

tinham como principal objetivo politizar as pessoas,

principalmente as das áreas rurais por serem consideradas

“esquecidas” pelo governo, para que estas pudessem ser

independentes e lutarem firmemente pelos seus direitos

por meio de Ligas Camponesas e com autonomia.

Ainda com influencia da Igreja, o Brasil sofria com a

Guerra Fria devido a pressão externa de modernização e

melhoria do ensino, seguindo o modelo de Pós-Graduação

estadunidense com consequente submissão aos Estados

Unidos nas áreas econômicas e educacionais.

Mesmo com a influência capitalista, ainda tem-se uma

concepção utópica sobre a função a educação, considerada

por muitos um processo humanizador do homem, que o

diverge dos animais, desenvolvendo a criticidade para que

ele possa participar dos processos políticos ao seu redor.

Ainda assim, não é possível esquecer de que o que constitui

o homem e sua educação é a cultura e a história que o

125
envolve, sendo preciso levar esses fatores em consideração

ao analisar a identidade humana.

O percurso multidisciplinar da pesquisa possibilitará

uma resposta mais completa para a sua problemática uma

vez que o homem deve buscar no seu passado um princípio

filosófico de vida para que assim seja capaz de refletir a

atualidade.

O campo da pesquisa em história da educação deve

problematizar e buscar soluções e explicações para

questões ligadas à Educação, devendo o pesquisador

conversar e questionar as mais diversas fontes ao longo da

formação da sua pesquisa, além de saberes que possam

contribuir com todo o processo.

A análise realizada confirmou a importância da

educação na formação da personalidade do indivíduo,

preparando-o para o convívio pacífico em uma sociedade

multicultural, sendo possível concluir que a educação

diverge o ser humano dos animais por carregar a

historicidade e conhecimentos levando em consideração

126
que as relações educacionais não têm um lado positivo ou

negativo, mas possui diferentes camadas de relações de

poder dentro dela.

REFERÊNCIAS

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Epistemológica. In: Ciências da Educação: Epistemologia,
Identidade e Perspectivas. 2ª edição. Universidade de Coimbra.
2008. P. 9 a 40.

DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Martins


Fontes, 2007.

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e o Desejável


Conhecimento do Sujeito. Educação e Realidade, v. 24, n.1, p.
39-59, 1999.

GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; LOPES, Eliane Marta Teixeira.


Território Plural: a pesquisa em história da educação. 1ª ed. São
Paulo: Ática, 2010.

HEGEL, George W. F. História filosófica. In: GARDINER,


Patrick. Teorias da História. 5 ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbekian, 2004. P. 73-88.

127
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução de Francisco
Cock Fontanella. 2° ed. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1999.

LOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano.


Editora Nova Cultura. ISBN: 85-13-00906-7. 1999.

MÉZÁROS, István. A Educação pata Além do Capital / István


Mézáros; [tradução Isa Tavares] – 2ª ed. – São Paulo: Boitempo,
2008.

SANTOS, José Carlos. “Eu cresço com o minerva e o Brasil


cresce também”. O Projeto Minerva pela Radiobrás: a
experiência em Sergipe Brasil (1970 / 1985) / JOSÉ CARLOS
SANTOS. – 2016. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, PUCRS.
SCOCUGLIA, Afonso Celso. Educação de jovens e adultos:
histórias e memórias da década de 60 – Brasília: Plano Editora,
2003.

128
CAPÍTULO IV

EDUCAR OS OLHOS PARA LER O MUNDO:


MEDIAÇÃO DA LEITURA NA ESCOLA

Ádria Maria Ribeiro Rodrigues

INTRODUÇÃO

Provocada pela leitura das imagens, sugeridas pela

professora da disciplina Pesquisa em Educação, do curso

de Doutorado, começo a tecer minhas impressões sobre um

tema que me acompanha ao longo de minha trajetória na

educação de crianças: a leitura literária. A professora nos

apresentou muitas imagens, deixando-nos livres para

escolher aquelas que desejássemos para posteriormente

falarmos sobre nossas percepções acerca delas e do tema,

que certamente, essas imagens despertariam em nós.

A escrita desse texto será marcada por conversações

entre as imagens observadas e as imagens construídas por

mim ao longo de minha profissão docente. Com certeza,


129
não será uma escolha inocente, uma vez que as imagens são

sempre atravessadas pelo político, pelo social, pela ética,

pela religião e a escolha que fazemos revela as questões que

nos afetam. No estudo de caráter bibliográfico (LIMA;

MIOTO, 2007), busquei referenciais teóricos em Freire

(1988 e 2014) para pensar sobre a concepção de leitura,

práxis docente, e referenciais metodológicos (1988) para as

análises numa perspectiva crítica; também em Candido

(2004) para discutir sobre a literatura; em Santaella (2012) e

Marques (2009) para abordar a leitura de imagens, e ainda

um quadro de análises a partir do viés do pensamento

crítico, apresentado pela professora durante a disciplina,

que serviu como base para a construção metodológica da

presente proposta.

Durante a minha escrita tentarei responder à

questão: É possível desenvolver um trabalho de mediação,

de modo a promover uma leitura permeada pela

construção de sentidos, e, portanto, autônoma e

libertadora? Sobre a leitura de imagens, Santaella afirma:

130
Toda imagem, no domínio das representações
visuais, apresenta múltiplas camadas:
subjetivas, sociais, estéticas, antropológicas e
tecnológicas. Entretanto, a primeira lição a ser
incorporada é que essas camadas estão
contidas no interior da própria imagem.
Apreendê-las todas é a finalidade almejada
pela leitura da imagem. (SANTAELLA, 2012,
p. 18).

Nessa perspectiva, início o trabalho de olhar para as

imagens procurando enxergar os detalhes que as

constituem. Vale dizer que as observações mais

detalhadas, realizadas após a leitura das imagens,

encontram-se em tabelas (Tabela 1 e Tabela 2), no anexo

deste trabalho.

DEBRUÇANDO SOBRE O TEMA

Mas de que leitura estou me referindo neste texto? A

concepção que embasa a minha escrita é a de Freire (2000)

131
que afirma que ler é, sobretudo, ler o mundo, compreender

o seu contexto, e não apenas decodificar os signos

linguísticos numa perspectiva mecânica e sem sentido. Um

ato de ler que não se encontra atrelado tão somente à

decifração, mas uma prática liberadora, em que a leitura do

mundo precede a leitura da palavra. Essa concepção crítica

e libertária do ato de ler vem ao encontro do que Cândido

nos diz sobre o texto literário.

Literatura corresponde a uma necessidade


universal que deve ser satisfeita sob pena de
mutilar a personalidade, porque pelo fato de
dar forma aos sentimentos e à visão do mundo
ela nos reorganiza, nos liberta do caos e,
portanto, nos humaniza. Negar a fruição da
literatura é mutilar a nossa humanidade
(CANDIDO, 2004, p. 186).

Candido (2004) afirma que o sonho é necessário para

que se consiga um sono equilibrado. Da mesma forma, é

possível que a literatura seja necessária para que haja

equilíbrio social. Sendo assim, a literatura é imprescindível

e, sobretudo, é um direito do homem e uma saída para


132
harmonia desse homem e da sociedade em que está

inserido.

Sabemos que a escola é uma, entre outras instâncias,

que tem como papel preparar as crianças para a cidadania,

preparar pessoas capazes de conquistar autonomia e,

sobretudo, garantir a elas o direito à literatura, como

propõe Candido. Como a arte da palavra, a literatura

consegue nos tirar da mesmice do cotidiano nos

possibilitando momentos de descoberta de diferentes

tempos, lugares e cores. É a literatura que nos leva a viver

em outros mundos, situações inusitadas, sem sequer,

sairmos do lugar.

A partir dessa compreensão, escolho duas das

imagens apresentadas, que foram retiradas de postagens

feitas no Facebook e selecionadas pela professora. Sobre

postagens nessa mídia social, Marques (2019) comenta que

no Facebook, devido à objetividade na apresentação do

conteúdo por meio da imagem, a fácil compreensão da

temática, a coesão multimodal, a intertextualidade,

133
alcançam um grande número de pessoas que se identifica

com a postagem.

Desta forma, de imediato me identifico com as

imagens e estabeleço relações de intertextualidade entre

elas e o tema dessa escrita. Chamou-me a atenção, logo à

primeira vista, a imagem (figura 1) de uma mesa com

muitos volumes de um livro a ser autografado pelo autor,

em um evento literário. Em seguida, busco outra imagem

(figura 2) que pudesse ter relação de sentido com a primeira

e encontro a fotografia do próprio autor do livro,

apresentado na imagem anterior, proferindo uma palestra,

num evento científico de formação docente. Juntamente

com a primeira imagem (figura 1), aparece um comunicado

acima que sugere um convite para uma palestra na Bienal

do Livro de Itabaiana, Sergipe (SE), e também o lançamento

da obra Memórias da Resistência: o MDB e a luta contra a

ditadura em Sergipe. Na segunda imagem (figura 2)

encontro acima informações sobre a palestra intitulada

Memórias da Resistência: o MDB e a luta contra a ditadura

134
militar em Sergipe, ministrada pelo autor do livro, no

Colóquio de Educação e Contemporaneidade (EDUCON),

que discute questões relacionadas à formação docente.

Percebo que o tema da palestra dialoga com o título do

livro e, assim, encontro uma conexão entre leitura e

formação de professores. Tenho então, a partir dessas

imagens inspiradoras, outras que constituirão essa escrita:

a criança, o livro e o professor. Ao pensar na criança, outra

imagem ressoa em mim, a do menino Miguilim, de

Guimarães Rosa:

Este nosso rapazinho tem a vista curta. Espera


aí, Miguilim... E o senhor tirava os óculos e
punha-os em Miguilim, com todo jeito. - Olha
agora! Miguilim olhou. Nem não podia
acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo
e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as
caras das pessoas... Via os grãozinhos de areia,
pele da terra, as pedrinhas menores, as
formiguinhas passeando pelo chão de uma
distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus,
tanta coisa, tudo... (ROSA, 2006, p. 81).

135
O lirismo das palavras de Guimarães Rosa ao recriar

o mundo na perspectiva de uma criança, certamente

comove o leitor. O trecho da obra Campo Geral se refere ao

episódio em que o menino Miguilim conhece um médico

que chega ao lugarejo, onde vive com sua família. O doutor

logo percebe que Miguilim é míope e resolve ajudá-lo.

Coloca seus óculos no menino, que passa a enxergar com

nitidez tudo o que só via embaçado.

A sensibilidade com que Rosa descreve a emoção

seguida pelo encantamento que Miguilim sente ao ver seu

mundo, as pessoas, as coisas, sob outra ótica, agora, com

uma lente que possibilita ao menino ver o que ele jamais

viu permite-me e a ousadia de trazer a belíssima imagem

para nosso universo docente e imaginar quantos Miguilins

encontramos no cotidiano escolar. Quantos meninos têm a

vista curta, não no sentido da miopia diagnosticada pelo

médico, mas por conta da impossibilidade de enxergar o

mundo pela falta do domínio da leitura numa sociedade

organizada em torno da língua escrita, em que saber ler é

136
uma prática social, entre outras, que contribuem para a

construção da cidadania? É evidente que uma pessoa

poderia viver toda uma vida exercendo sua cidadania, mas

certamente, sem saber ler, teria um componente a menos

nas conquistas pelos seus direitos civis e políticos. Seu

olhar seria míope como o do protagonista de Campo Geral.

Ao pensar sobre esse direito à literatura defendido

por Candido, ressoa em mim a figura do médico que traz

para Miguilim os óculos, dando ao menino a possibilidade

de ler os sinais do mundo e a imagem do escritor

oferecendo ao seu público, suas ideias, quer seja

palestrando ou por meio de seu livro. Penso de imediato,

na profissão docente e na sua importância para a formação

de crianças leitoras, pois é o professor quem vai mediar a

leitura na escola, quem vai aproximar a criança da

literatura, promovendo o seu encontro com os livros.

Segundo Freire (2014) é necessário a mediação do

conhecimento, uma vez que o saber não deve ser

transferido de uma pessoa para a outra, mas partilhado

137
para que condições de produção de novos conhecimentos

sejam criadas. Neste sentido, o professor é o grande aliado

nas aprendizagens leitoras da criança, pois ele representa o

leitor experiente, aquele que faz a mediação entre o

pequeno leitor e o autor.

Ao pensar numa perspectiva de mediação que

promova uma leitura permeada pela construção de

sentidos, e, portanto, autônoma e libertária pressuponho

que o professor seja, sobretudo, um leitor competente e

crítico e que tenha uma relação de afeto com os livros.

Formar leitores, nessa perspectiva, exige um trabalho

docente que envolva as crianças em situações lúdicas de

aprendizagem, que elas possam se emocionar e se encantar

com os textos literários. Práticas dessa natureza exigem um

professor curioso, aventureiro que consciente de seu

inacabamento, como aponta Freire (2014), busque

permanentemente uma formação crítica e

problematizadora, que reverbere em sua prática cotidiana.

138
CONSIDERAÇÕE FINAIS

O trabalho com as imagens, além de proporcionar

uma experiência de leitura diferente e prazerosa,

possibilitou um olhar mais debruçado sobre a educação

literária das crianças à medida que foi possível estabelecer

links entre as imagens propostas pela professora da

disciplina Pesquisa em Educação e as imagens construídas

por mim, ao longo da minha experiência docente.

O texto, ora apresentado, trouxe uma perspectiva de

leitura libertária, transformadora, que vai além da

decodificação de signos linguísticos e ainda trouxe a figura

do professor como o profissional que ajuda a criança a

construir sentidos em suas experiências com a literatura. O

papel do professor é o de mediar as práticas de leitura do

leitor em construção, tendo sempre a clareza que sua

leitura jamais poderá substituir a leitura do aluno, mas

acrescentar-se a ela para que haja uma troca, uma soma de

várias leituras, de vários olhares. E para tal, necessário se

139
faz o investimento em uma formação docente reflexiva e

transformadora.

Penso que as reflexões provocadas no presente texto,

possam contribuir nas discussões sobre o tema abordado.

E, especialmente, contribuir para que crianças da escola

brasileira possam ter o olhar amplo, vasto, crítico, sendo

crianças leitoras capazes de ler com sensibilidade e

autonomia, e que possam viver a experiência estética que

o texto literário proporciona, de modo a perceberem a

beleza das palavras e da imagens, a emoção e o impacto

psicológico e libertador que elas provocam.

REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 4.


ed. São Paulo: Duas
Cidades, 2004.

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos


que se completam. 22. ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p.
140
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014.

LIMA, T. C. S.; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos


na construção do conhecimento científico: a pesquisa
bibliográfica. In: Rev. Katálysis [online]. 2007, vol.10, n. spe., pp.
37-45. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-
49802007000300004&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 29
de ago. de 2020.

MARQUES, Renata Garcia. Multiletramentos e interações que


levam à formação de designers sociais ativos no contexto
escolar. Tese (Programa de pós Graduação em Linguística
Aplicada/ Doutorado) Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
São Leopoldo, 2019.

ROSA, Guimarães. Corpo de baile. Rio: Nova Fronteira, 2006.


Edição Comemorativa 50 anos.

SANTAELLA, Lucia. Leitura de imagens. São Paulo:


Melhoramentos, 2012. (Coleção Como eu ensino).
ANEXOS

Figura 1 – Imagem de convite para palestra e lançamento


de livro

141
Fonte: Pesquisa SABERES, PRÁTICAS E PENSAMENTO CRÍTICO:
A LEGITIMAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE ATRAVÉS DO
FACEBOOK. Número do Parecer: 3.414.278. Disponível em
<https://drive.google.com/drive/u/1/folders/1GUJc9bNBSVaR8tjlhv
h5trNKzKw5wuIl>. Acesso em 02 de jul. de 2020.

Figura 2 – Imagem de palestra em evento educativo


142
Fonte: Pesquisa SABERES, PRÁTICAS E PENSAMENTO
CRÍTICO: A LEGITIMAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
ATRAVÉS DO FACEBOOK. Número do Parecer: 3.414.278.
Disponível em
<https://drive.google.com/drive/u/1/folders/1GUJc9bNBSVaR
8tjlhvh5trNKzKw5wuIl>. Acesso em 02 de jul. de 2020.
Tabela 1 – Sistematizando a percepção da imagem/texto
pelo viés do pensamento crítico

Etapa Ações Síntese Análise

143
1. Primeiras Visualizar Faz-se os registros das Uma mesa com livros.
impressões Engajar primeiras impressões Um cartaz apresentando a
Sensibilizar sobre a imagem, sem frase Memórias da
a preocupação de Resistência: o MDB e a
expressar aspectos luta contra a ditadura
críticos/de análise. militar em Sergipe.
Usa-se Acima um comunicado.
palavras/expressões
curtas;
2. Descrevendo Perceber Investiga-se a Os livros postos na mesa
Identificar imagem analisando os constituem vários
Descrever detalhes, fazendo volumes de uma obra. A
conexão com o texto, preparação da mesa, o
quando houver. Usa- banner, bem como a
se frases para legenda acima, sugere um
expressar o que foi evento de lançamento do
visualizado e livro em destaque.
percebido;
3. Analisando Investigar Analisa-se os O comunicado acima da
Comparar elementos imagem, parece um
Analisar identificados para convite para uma palestra
pensar como a na Bienal do Livro de
sociedade (e seus Itabaiana e também o
indivíduos) opera a lançamento da obra
fim de fortalecer ou Memórias da Resistência,
enfraquecer no dia 14 de setembro de
ideias/ideologias 2019.
hegemônicas dando O título da palestra é
significado à imagem Memórias da Resistencia:
e/ou texto, trazendo à o MDB e a luta contra a
tona o que está nas ditadura militar em
entrelinhas; Sergipe, assunto tratado
no livro que será lançado
pelo autor.

144
4. Inferir Identifica-se o que O título do livro, bem
Desenvolvendo Imaginar está sendo expressado como o tema da palestra
a consciência Problematizar por texto e/ou imagem estão relacionados à
crítica a partir do significado ditadura. O evento em
político, social, que acontecerá o
econômico e cultural lançamento da obra é a
que se pretende Bienal do Livro em
veicular. Itabaiana, em Sergipe. Na
obra, o autor narra como
foi organizada, em
Sergipe, a oposição à
ditadura que se implantou
em 1964 e como os
personagens dessa
narrativa tornaram-se
protagonistas.
5. Argumentar Traz-se teóricos, Paulo Freire – (leitura
Fundamentando Teorizar pesquisadores cujo emancipatória e formação
argumento coaduna docente)
ou refuta elementos Lúcia Santaella (leitura
da imagem e/ou texto; de imagens)
Antônio Cândido
(leitura)
Marques (imagens no
Facebook)
6. Conectando Adicionar Encoraja-se a http://istoesergipe.blogsp
Conhecer pesquisa de ot.com/2019/08/lancame
Relacionar informações extras nto-do-livro-memorias-
relacionadas à fonte a da.html
fim de se obter
esclarecimento, https://bienaldolivroitaba
opiniões ou iana.com.br/lista-
percepções novas, escritores/
semelhantes ou
opostas. https://infonet.com.br/blo
gs/livro-de-jorge-
carvalho-e-sobre-um-
mdb-heroico/

145
7. Expressando Expressar Exercita-se a
O livro MEMÓRIAS DA
Colocar-se produção de sentido aRESISTÊNCIA: o MDB
Verbalizar partir da própria e a luta contra a ditadura
percepção, com base militar em Sergipe, é um
no que já foi
estudo que se debruça
sistematizado dos
sobre a memória de 16
itens 1 a 6,
emedebistas que fizeram
interpretando os
oposição aos governos da
dados e expressando ditadura militar em
ideias, posicionando-Sergipe, no período de
se quanto ao que foi 1966 a 1984.
analisado, Parece-me que trazer o
materializando o
tema ditadura e
pensamento crítico
resistência nos dias
através de palavras. atuais, tem alguma
conexão com o cenário
político autoritário que
estamos vivendo.
Ditadura e resistência são
palavras muito usadas nas
mídias atuais, e esses
temas tem sido muito
debatidos nos últimos
tempos.
Fonte: Pesquisa: Profa. Dra. Simone Silveira Amorim. Adaptado por Ádria Maria
Ribeiro Rodrigues.

146
Tabela 2 – Sistematizando a percepção da imagem/texto
pelo viés do pensamento crítico

Etapa Ações Síntese Análise


1. Primeiras Visualizar Faz-se os registros das Imagens do autor Jorge
impressões Engajar primeiras impressões Carvalho do Nascimento
Sensibilizar sobre a imagem, sem proferindo uma palestra
a preocupação de no encerramento do
expressar aspectos EDUCON.
críticos/de análise. Acima das imagens
Usa-se aparece as seguintes
palavras/expressões informações:
curtas; Conferência de
encerramento do
EDUCON- Tema: BNCC
e a Formação de
Professores –
Autografando o livro
MEMÓRIAS DA
RESITÊNCIA: o MDB e
a luta contra a ditadura
militar em Sergipe.
Auditório da Reitoria-
Cidade Universitária
Prof. José Aloísio de
Campos- São Cristóvão-
SE- 20.08. 2019.
2. Descrevendo Perceber Investiga-se a As imagens mostram o
Identificar imagem analisando os professor proferindo a
Descrever detalhes, fazendo palestra e também dando
conexão com o texto, autógrafos para algumas
quando houver. Usa- pessoas. No banner de
se frases para fundo aparece a frase :13
expressar o que foi ANOS O EDUCON
visualizado e ESCREVENDO BELAS
percebido; PÁGINAS SOBRE A

147
EDUCAÇÃO NO
BRASIL E NO MUNDO.
3. Analisando Investigar Analisa-se os As imagens, que são
Comparar elementos postadas pelo professor
Analisar identificados para que profere a palestra,
pensar como a sugerem um clima de
sociedade (e seus empatia entre ele e o
indivíduos) opera a público, isso é percebido
fim de fortalecer ou pela expressão do rosto
enfraquecer dele e das pessoas que o
ideias/ideologias ouvem e que são
hegemônicas dando fotografas ao seu lado
significado à imagem buscando o autógrafo.
e/ou texto, trazendo à Percebe-se, por meio das
tona o que está nas expressões nos rostos das
entrelinhas; pessoas que o tema
ditadura e resistência,
abordado pelo professor,
agrada o público.
4. Inferir Identifica-se o que EDUCON (Colóquio de
Desenvolvendo Imaginar está sendo expressado Educação e
a consciência Problematiza por texto e/ou imagem Contemporaneidade) é
crítica r a partir do significado um evento científico e
político, social, acontece em Sergipe
econômico e cultural anualmente.
que se pretende A frase do banner “13
veicular. ANOS O EDUCON
ESCREVENDO BELAS
PÁGINAS SOBRE A
EDUCAÇÃO NO
BRASIL E NO
MUNDO”, aponta a
natureza educativa do
evento.
5. Argumentar Traz-se teóricos, Paulo Freire – (leitura
Fundamentando Teorizar pesquisadores cujo emancipatória e formação
argumento coaduna docente)
ou refuta elementos Lúcia Santaella (leitura
da imagem e/ou texto; de imagens)
Antônio Cândido
(leitura)
148
Marques (imagens no
Facebook)

6. Conectando Adicionar Encoraja-se a http://istoesergipe.blogsp


Conhecer pesquisa de ot.com/2019/08/lancame
Relacionar informações extras nto-do-livro-memorias-
relacionadas à fonte a da.html
fim de se obter
esclarecimentos, https://bienaldolivroitaba
opiniões ou iana.com.br/lista-
percepções novas, escritores/
semelhantes ou
opostas. https://infonet.com.br/blo
gs/livro-de-jorge-
carvalho-e-sobre-um-
mdb-heroico/

7. Expressando Expressar Exercita-se a O tema da Conferência de


Colocar-se produção de sentido a encerramento do
Verbalizar partir da própria EDUCON; BCC e a
percepção, com base Formação de Professores,
no que já foi dialoga com o tema do
sistematizado dos livro MEMÓRIAS DA
itens 1 a 6, RESISTÊNCIA: o MDB
interpretando os e a luta contra a ditadura
dados e expressando militar em Sergipe, que
ideias, posicionando- traz uma abordagem
se quanto ao que foi histórica e política de um
analisado, momento vivido em
materializando o nosso país e
pensamento crítico especificamente no
através de palavras. estado de Sergipe.
As imagens,
complementadas tanto
pela escrita da legenda
acima, quanto do
banner, indicam que o
evento propõe uma
formação de professores
numa perspectiva crítica.
Além disso demonstra ser
149
um espaço de reflexão ao
trazer a BNCC e seus
impactos na formação
docente, tema atual e de
suma importância no
cenário educacional
brasileiro.

Fonte: Profa. Dra. Simone Silveira Amorim. Adaptado por Ádria Maria Ribeiro
Rodrigues.

150
CAPÍTULO V

AS CONTRIBUIÇÕES DO CONTO INFANTIL NA


ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS DO ENSINO
FUNDAMENTAL MEDIADA PELA LOUSA
DIGITAL INTERATIVA

Advanusia Santos Silva de Oliveira


Henrique Nou Schneider

INTRODUÇÃO

O conto infantil na construção do conhecimento

científico em aulas de Língua Portuguesa, Matemática,

Ciências, Artes, Estudos Locais e Regionais, ou seja, na base

do Ensino Fundamental I, corrobora e contempla as fases

da alfabetização e com elas trabalha de forma interacional

em todo o processo de aquisição da escrita e da leitura com

o uso da Lousa Digital Interativa (LDI) na sala de aula.

Nesse sentido, a realização desta pesquisa surgiu em

decorrência de verificar como o conto infantil pode

viabilizar práticas de alfabetização das crianças do ensino

fundamental mediante o uso da LDI no processo de ensino-

151
aprendizagem, propondo um estudo com o objetivo de

investigar e compreender como a LDI pode contribuir na

alfabetização das crianças com o uso do conto infantil. Para

tanto, foi destacada a utilização do conto infantil em sala de

aula como ferramenta pedagógica e instrumento mediador

para o uso da LDI na alfabetização.

Este artigo, oriundo da pesquisa de mestrado

apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação

(PPGED) na Universidade Federal de Sergipe (UFS), em

2018, com o apoio do CNPq, na forma de ajuda de custo

para a pesquisa de campo, apresenta as contribuições do

conto infantil na alfabetização de crianças do ensino

fundamental mediada pela Lousa Digital Interativa (LDI),

propondo desenvolver as competências e as habilidades

para estes ingressaram na série/ ano do ano posterior,

enriquecendo o processo de ensino-aprendizagem.

A instituição que elegemos foi a Escola Municipal de

Ensino Fundamental Oviêdo Teixeira (EMEF OVIÊDO

TEIXEIRA), da Rede Municipal de Ensino de Aracaju,

152
como locus da pesquisa, os sujeitos foram 24 alunos do 2º

ano B, turma de 2017, através do estudo da pesquisa

participante. Para levantamento dos dados, utilizamos

questionários aplicados aos responsáveis pelos alunos,

observação participante desta pesquisadora no locus da

pesquisa e diário de campo, onde se registrou a prática

docente através de vinte aulas, utilizando atividades

diversificadas para o processo de alfabetização mediado

pelos recursos da LDI. A análise de conteúdo proposta por

Bardin (2011) foi utilizada como método na pesquisa.

A LDI é uma TDIC que oportuniza o

desenvolvimento de novas práticas pedagógicas, pois suas

interfaces possibilitam ao professor acessar diferentes

gêneros textuais, multimídias, informações e conteúdos on-

line e off-line, escrever, desenhar, pintar, inserir figuras e

formas, salvar e imprimir documentos, além de dispor de

outras ferramentas interativas. Ela é ligada a um

computador, IPad, DVD ou outras fontes e “projeta uma

imagem de 87 polegadas (221 cm) (WXGA) a uma distância

153
de apenas 9,1 polegadas (231 mm)” (EPSON, 2010 - 2014, p.

12). As canetas digitais que a acompanham proporcionam

a interatividade entre professor-conteúdos-aluno. Assim,

como recurso pedagógico, a LDI permite navegar por

diferentes formatos de linguagens midiáticas, contribuindo

para a aprendizagem da leitura e escrita, influenciando o

processo de alfabetização, as práticas pedagógicas e as

concepções teóricas.

Segundo Santos (2013, p. 27), “o termo alfabetização

evolui de acordo com as demandas socioculturais, seu uso

se dá através das múltiplas funcionalidades que a leitura e

a escrita possuem no âmbito dos diferentes contextos de

sua inserção”. Consequentemente, a leitura e a escrita estão

vinculadas ao contexto de sua produção. Para alcançar a

efetividade da alfabetização, o professor deve lançar mão

de novas estratégias de ensino. Segundo Frade (2010, p. 16)

“o paradigma da educação midiática requer uma revisão

emergente do processo ‘ensinar’ e ‘aprender’, bem como

154
uma gestão consciente da pedagogia do ‘conhecimento em

rede’”.

A LDI na sala de aula pode potencializar o processo

de ensino-aprendizagem, pois seus recursos de áudio,

vídeo e editor de imagens permitem assistir filmes, realizar

tarefas com animações ou representações visuais, entre

outras atividades. Outro ponto positivo é que ela está

instalada na sala de aula, tornando-se um importante

aliado da aprendizagem na constância de sua utilização.

O CONTO INFANTIL NA LFABETIZAÇÃO DIGITAL

Desde a mais tenra idade, a criança inicia o pensar e

a formação de esquemas perceptivos através de

experiências realizadas em seu cotidiano que,

paulatinamente, ajudam a identificar alguns objetos de

fundamental importância para adquirir segurança e

autonomia. Desse modo, novas aprendizagens e novos

155
conhecimentos são desenvolvidos, tornando-a participante

ativa do mundo ao redor.

Assim, os contos infantis assumem um papel

relevante na alfabetização. São eles que nos transportam

para lugares incríveis e nos transformam em personagens

especiais. Ainda no processo de desenvolvimento humano,

armazenamos em nossa memória determinadas histórias

narradas por alguém ou de algum livro que lemos ainda

quando criança. Quando aplicado na fase infantil, o conto

contribui na aquisição de aptidões como: atenção, vontade,

imaginação, compreensão, memória, linguagem,

raciocínio. Conceitos necessários para conscientização de

mundo e formação de “futuro cidadão”, capaz de construir

sua própria história.

Sendo assim, o conto infantil, na atualidade, é um

recurso importante para a formação de consciência de

mundo, sendo pautadas as novas propostas em educação.

Entretanto, nem sempre foi visto com esse olhar. A análise

de conteúdo proposta por Bardin (2011) foi utilizada como

156
método na pesquisa. Segundo Zilberman (2003), a criação

de obras literárias infantis teve seu início no século XVIII.

Anteriormente a criança era comparada a um adulto em

miniatura, tinha que participar e compartilhar de eventos

que eram ofertados aos adultos, inclusive a literatura.

Nesse sentido, temos diversos contos infantis dentro da

literatura, tais como: contos infanto-juvenis, contos

adaptados do folclore e do conto de fadas, escritos por

Perrault, Andersen, Irmãos Grimm, Lewis Carrol, dentre

outros.

Logo, o conto permite ao docente viabilizar a

alfabetização dos seus alunos pautados no eixo da

linguagem oral e escrita, linguagens com elementos

importantes para as crianças ampliarem suas

possibilidades de alfabetização, de inserção e de

participação nas diversas práticas sociais, sendo, então, de

fundamental relevância para a formação do sujeito. O

domínio da linguagem surge do seu uso em múltiplas

circunstâncias, nas quais as crianças podem perceber a

157
função social que ela exerce e assim desenvolver diferentes

capacidades. Aprender a linguagem escrita está

intrinsecamente associado ao contato com textos diversos,

para que as crianças construam sua capacidade de ler,

praticar a escrita e desenvolver autonomia para escrever

(BRASIL, 1998b).

Nesse sentido, podemos cogitar que o conto infantil

enriquece o processo de alfabetização. Pois, de acordo com

Morais e Albuquerque (2007, p. 15),

Alfabetização é um processo de aquisição da


“tecnologia da escrita”, isto é do conjunto de
técnicas, procedimentos, habilidades
necessárias para a prática de leitura e da
escrita: as habilidades de codificação de
fonemas em grafemas e de decodificação de
grafemas em fonemas, isto é, o domínio do
sistema de escrita (alfabético ortográfico).

Assim, é dever do professor e das instituições

escolares promover um ambiente que favoreça a

alfabetização, dando às crianças um espaço social, com

atividades didáticas planejadas, para que adquiram a


158
habilidade de ler e desenvolver-se na relação da/por meio

da aprendizagem do sistema de escrita, que oportunize

situações de interação com outros alunos, com direito de

participar, a fim de utilizar seus saberes adquiridos e que

possa adquirir novos na sociedade na qual está inserido.

Soares (2011, p. 15 apud OLIVEIRA, 2018, p. 63)

elenca que, o termo alfabetização remete a “levar à

aquisição do alfabeto”, mais precisamente refere-se ao

processo de aprendizagem do sistema de escrita ligado à

técnica do ler e do escrever. Portanto, alfabetizar significa

ensinar a ler e a escrever. Essa autora ainda conceitua:

Ler e escrever significam o domínio da


‘mecânica’ da língua escrita; nessa perspectiva,
alfabetizar significa adquirir a habilidade de
codificar a língua escrita (escrever) e de
decodificar a língua escrita em língua oral (ler).
A alfabetização seria um processo de
representação de fonemas em grafemas
(escrever) e de grafemas em fonemas (ler) (p.
15-16).

159
É fato que, atualmente, as crianças de todas as

classes sociais experimentam nos aparelhos digitais de suas

casas diferentes tipos de linguagens visuais, verbais,

sonoras e interativas, o que fomenta a alfabetização,

possibilitando diversas formas de aprender e se comunicar.

Segundo Tfouni (2006) a alfabetização estará sempre

inacabada porque se atrela à dinâmica das mudanças

sociais. O indivíduo terá que acompanhá-las para estar

atualizado e, no processo, as TDIC possibilitam esse

desenvolvimento, visto que o sujeito tem a oportunidade

de experimentar quando incluso no mundo digital, sendo

desafiado para outro usos sociais da leitura e da escrita, de

modo que a inclusão no mundo digital oportuniza ao

sujeito experimentações, desafios e novas possibilidades de

usos sociais da leitura e da escrita.

Muitos desconhecem que o processo de alfabetizar

pode se dar num contexto digital. Observa-se, na verdade,

que este processo se configura de forma diferenciada em

contextos. Enquanto a alfabetização num contexto

160
tradicional é pautada, muitas vezes, na reprodução do

ensino do código, proporcionando um auxílio na

interpretação destes sinais, a alfabetização em espaços

digitais pode desenvolver a capacidade de aprendizagem

da leitura e escrita dos indivíduos, desencadeando

processos de ensino-aprendizagem cada vez mais

interativos, dinâmicos e plurais, articulados ao contexto de

uso da linguagem pelos sujeitos envolvidos.

Nesse sentido, o ambiente escolar deve ser uma

extensão da casa das crianças, pois a realidade delas é o uso

das TDIC para divertir e aprender. Assim, faz-se necessário

um ambiente de ensino informatizado, onde a tecnologia é

utilizada, dentre muitos outros recursos didáticos, para

proporcionar aprendizagem, melhor comunicação entre os

alunos, os professores, entre a escola e os pais, além de

facilitar o acesso à informação. A tecnologia é, então, um

suporte à aprendizagem. “A aprendizagem ocorrerá com a

ajuda da tecnologia e não por causa da tecnologia. O

161
aprendiz se apoiará na tecnologia para construir o próprio

conhecimento” (SCHNEIDER, 2002, p. 41) (Grifo nosso).

Vale lembrar que os sujeitos desta pesquisa são

nascidos nos anos de 2009 e 2010. Segundo Prado (2015, p.

4), os indivíduos nascidos após o ano de 2002 são chamados

de geração Z, pois eles foram os primeiros a estarem

imersos em tecnologia digital desde seu nascimento, o que

é decisivo para o desenvolvimento da comunicação e da

aprendizagem, suportados pelas TDIC. Ademais, Prensky,

em sua obra “Nativos Digitais, Imigrantes Digitais” (2001),

anuncia que os nascidos após os anos 80 do séc. XX estão

imersos no contexto tecnológico, raciocinam mais

rapidamente e são motivados diferentemente das outras

gerações.

Em 2009, Prensky, ao reavaliar a definição de nativo

digital, descreve que o termo “digital wisdom” (sábio

digital) possui um melhor sentido, pois “sábio digital é um

conceito duplo, referindo-se tanto à sabedoria decorrente

do uso da tecnologia digital para acessar o poder cognitivo

162
além da nossa capacidade inata e da sabedoria no uso

prudente da tecnologia para melhorar nossas

capacidades.” (PRENSKY, 2009, p. 3) (Grifo nosso).

Os sábios digitais utilizam os dispositivos

interativos para acessar conteúdos e informações

instantaneamente, contribuindo na resolução das

atividades pedagógicas e ponderando a interatividade.

MÉTODO

O estudo é caracterizado com o método de pesquisa

participante baseada na interação onde o pesquisador é

participante e aprendiz, comprometido no processo

(BRANDÃO; STRECK, 2006, p. 113). Este estudo de cunho

qualitativo foi realizado na EMEF Oviêdo Teixeira de

Aracaju- SE. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo

Comitê de ética em Pesquisa com Seres Humanos da

Universidade Federal de Sergipe, sob o número de

163
protocolo 105760/2017, CAAE: 71331717.0.0000.5546.

Participaram 24 alunos do 2º ano B. Essa pesquisa foi

oriunda das orientações do mestrado, além do meu

exercício docente no ensino fundamental.

A coleta de dados foi realizada através de uma

observação participante e de registros escrito e fotográfico.

Após convite aos alunos para participar do projeto,

dialogamos com os pais/responsáveis pelas crianças para

assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE), no qual se garantia o sigilo das informações

coletadas, além de informar sobre a pesquisa. Os dados

também foram coletados através do diário de campo, que

continham os registros das atividades de alfabetização,

além das fotografias efetivadas dos dias 10/10/2017 a

10/11/2017.

164
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta etapa, serão ponderadas as respostas segundo

a análise de conteúdo, utilizando a metodologia de

categorização, procurando extrair das mensagens emitidas

indicadores de frequência, para fazer inferências daquilo

que foi observado e dito pelos alunos. Para esta sondagem,

foi separado o diário de campo em categorias.

A última fase da análise de conteúdo é o tratamento

dos dados obtidos, a interpretação. Será elencado o que

vimos, ouvimos e as gravações audiovisual, trabalhadas

nas vinte aulas do projeto da dissertação. As inferências

realizadas estão contidas nos quadros abaixo (FIGURA 01)

com as respectivas categorizações. Na primeira unidade de

conteúdo do diário de campo, abordamos qual potencial

educativo da LDI na alfabetização dos alunos.

165
Figura 01 - Início do trabalho com a LDI (Conto João e
Maria)

Fonte: 1 Acervo da Pesquisadora, 2017. 2


<https://www.youtube.com./watch?v=mnkOiGyg4kU>.
Acesso em 02 de jul. 2017.
Iniciamos com a exposição do projeto e o vídeo da

Turma da Mônica de Maurício de Souza, além das

atividades sequenciadas, em formato de portfólio


166
(OLIVEIRA, 2018.). Eles perguntaram o que era um

portfólio. Explicamos que é um conjunto de atividades

preparadas para ser desenvolvidos ao longo de um mês, a

fim de medir a aprendizagem de alfabetização, refletindo

seu desenvolvimento afetivo, cognitivo, social. Neste dia,

devido à greve da rede municipal apareceram quinze

alunos, dos vinte e quatro. Dividimos os alunos em grupo,

ficando seis grupos de quatro alunos.

Depois dialogamos sobre o conto “João e Maria”,

sobre a moral da história. Eles participaram em todos os

questionamentos quando perguntei: se encontrasse uma

casa com doces, o que eles fariam? A maioria disse que

comeriam, somente o aluno Willy 8relatou que não pegaria,

pois os doces não eram seus. Perguntei se era certo pegar

algo que não era seu. Os alunos refletiram e disseram que

não era certo pegar algo, sem permissão, pois poderiam

sofrer consequências. Concluímos a primeira aula,

8
Nome fictício.
167
degustando guloseimas da casa estruturada com doces que

levei para iniciar o projeto e o conto.

Em suma, os alunos, em sua maioria, tiveram uma

excelente frequência e participação nas vinte aulas,

favorecendo o processo de alfabetização, levando- os a

ganhar a medalha de bronze no soletrando da escola e

87,5% de aprovação para o 3º ano do ensino fundamental.

O POTENCIAL EDUCATIVO DA LDI NA ALFABETIZAÇÃO


DOS ALUNOS

O uso da LDI, as atividades lúdicas e de

alfabetização ativaram a curiosidade dos alunos,

favorecendo a participação no processo de ensino-

aprendizagem. Como nos diz Russo (2012, p. 19), “a sala de

aula deve servir para despertar os sentidos do aluno,

transformando-se em um local propício à aprendizagem”.

Assim, os recursos de multimídia, os hipertextos e os

demais recursos levam as crianças ao mundo da

imaginação, da interatividade e representações da

realidade, estimulando a aprendizagem. Da primeira aula,


168
a figura 02 apresenta a participação da turma nas primeiras

atividades de alfabetização mediada pela LDI.

Figura 02 - Início do trabalho com a LDI (Conto João e


Maria)

Fonte: Acervo da Pesquisadora, 2017. 2


<https://www.youtube.com./watch?v=mnkOiGyg4kU>.
Acesso em 02 de jul. 2017.
169
Iniciamos com a exposição do projeto e o vídeo da

Turma da Mônica de Maurício de Souza, além das

atividades sequenciadas, em formato de portfólio

(OLIVEIRA, 2018.). Eles perguntaram o que era um

portfólio. Explicamos que é um conjunto de atividades

preparadas para ser desenvolvidos ao longo de um mês, a

fim de medir a aprendizagem de alfabetização, refletindo

seu desenvolvimento afetivo, cognitivo, social. Nesse dia,

apareceram quinze dos vinte e quatro alunos, devido à

greve da rede municipal. Dividimos os discentes em grupo,

ficando seis grupos de quatro alunos.

Depois dialogamos sobre o conto “João e Maria”,

sobre a moral da história. Eles participaram de todos os

questionamentos quando iniciei perguntando o que fariam

se encontrassem uma casa com doce. A maioria disse que

comeria, somente o aluno Willy 9relatou que não pegaria,

pois os doces não eram seus. Perguntei se era certo pegar

9
Nome fictício.
170
algo que não era seu. Os alunos refletiram e disseram que

não era certo pegar algo, sem permissão, pois poderiam

sofrer consequências. Concluímos a primeira aula,

degustando guloseimas da casa estruturada com doces que

levei para iniciar o projeto e o conto.

Em suma, os alunos, em sua maioria, tiveram uma

excelente frequência e participação nas vinte aulas,

favorecendo o processo de alfabetização, levando- os a

ganhar a medalha de bronze no soletrando da escola e

87,5% de aprovação para o 3º ano do ensino fundamental.

A LDI COMO TÁTICA PARA DESENVOLVIMENTO DA

LINGUAGEM

A alfabetização é multifacetada, como explica Soares

(2011, p. 18), através de “um conjunto de habilidades”,

fundamentadas nas perspectivas “psicológica,

psicolinguística, sociolinguística e linguística do processo”.

Objetivando o aprimoramento da estrutura da linguagem,

portanto, a LDI com sua linguagem multimodal pode


171
facilitar esse desenvolvimento, atrelada à capacidade

cognoscente da criança. Nesse sentido, aplicamos

atividades com intuito de desenvolver as habilidades e

competências dos alunos acerca da compreensão do

mundo da leitura, da escrita e de tudo que os cercam. Nesse

contexto, as aulas oportunizaram aos estudantes ampliar

seus horizontes da alfabetização.

Assim, com o conto João e Maria, as aulas utilizaram

predominantemente a linguagem oral e escrita, além dos

conteúdos escolares e conjecturando as práticas sociais.

Nesse cenário, Bajard (2014) relata que quando a criança

articula um discurso complexo e enriquece sua linguagem

informal, ela desenvolve certa competência linguística.

Dessa forma, as vinte aulas consolidaram e

aprimoraram a linguagem dos alunos, fortalecendo o

processo de alfabetização, fomentando a reflexão sobre

situações do cotidiano que afetam o ambiente sociocultural

e a vida de cada indivíduo.

172
ESTÁGIO DE DESENVOLVIMENTO

No item estágio de desenvolvimento, segundo a

categorização de Piaget sobre pensamento e linguagem das

crianças, 29% dos alunos se encontram na Inteligência

Simbólica ou Pré-Operatória (I.O. I.S. ou P.-O) e 71% deles

estão no estágio de inteligência Operatória Concreta

(I.O.C.). Esses estágios têm suas estruturas momentâneas

que são alteradas pelo desenvolvimento subsequente, em

função da necessidade de uma melhor organização, ou

conforme Piaget (1967, p. 14), “cada estádio (sic) constitui

então, pelas estruturas que o definem, uma forma

particular de equilíbrio, efetuando-se uma evolução mental

no sentido de um equilíbrio sempre mais completo”.

Isso dar a entender que essa faixa consegue ter essas

habilidades, de acordo com Piaget (1967) no pensamento e

linguagem, a maioria dos alunos pesquisados encontram-

se no I.O.C, faixa etária de 7-8 anos, pois eles

desenvolveram a capacidade de fazer operações

173
matemática mentalmente, compreenderam as palavras,

porém não tiveram consciência para definir algumas

palavras, sem prejuízo no avanço cognitivo e com

capacidade para compreender a estrutura da língua, além

de correlacionar os conteúdos abordados em sala de aula

com o mundo que os cerca. Eles também apresentam

interesse em participar das situações organizadas e

sistemáticas apoiadas na linguagem multimodal, com uso

das multimídias e da interatividade oferecidas pela LDI.

Nessa concepção, dentro das vinte aulas, os grupos

do A ao F foram incentivados a aprenderem num espaço

de linguagem da leitura e escrita apoiadas na sequência

didática do conto João e Maria, o que asseguramos nas

ideias de Marcuschi (2008) em que um gênero seria uma

noção do cotidiano, um saber social comum pelo qual os

falantes se orientam para produzir ou que devem produzir

em cada contexto comunicativo. Assim, nas vinte aulas, os

alunos adquiriram a competência linguística e cognitiva,

relacionando dentro dos slides do Ms. Power Point, com o

174
texto em formato de letras-sílabas-palavras na construção

do contexto da história infantil João e Maria.

OS ASPECTOS COGNITIVOS NA AQUISIÇÃO DA

ALFABETIZAÇÃO

Os principais aspectos cognitivos que influenciam a

aquisição do saber do aluno são o domínio psicomotor,

domínio cognitivo e domínio afetivo. Pudemos observar no

decorrer da aplicação das atividades que os fatores

cognitivos da maioria dos alunos são bons (OLIVEIRA,

2018).
A intervenção pedagógica com vistas a intensificar a

construção e a socialização de conhecimento, tem relação estreita

com seus agentes e com a qualidade das mensagens, além da

forma pelas quais as informações transitam por elas

(CARREGOSA, 2015, p. 23). Foi possível comprovar que as TDIC

podem facilitar os processos didático-pedagógicos, pois

permitem uma intervenção precisa e que culmina no

crescimento intelectual, cognitivo e reflexivo do aluno, além de

175
facilitar explanação dos conteúdos programáticos, tornar a aula

dinâmica, interessante, oportunizando a cada unidade estudada

uma avaliação fidedigna do desenvolvimento de cada aluno.

Os resultados obtidos evidenciam que os alunos são

sábios digitais, são protagonistas em atividades práticas

individuais ou em grupo e apresentam excelente interação

entre eles; o uso da LDI contribuiu para o aprendizado e

aprimoramento da alfabetização dos alunos; a

interatividade da LDI na aplicação das atividades permitiu

o enriquecimento da estrutura de linguagem,

configurando-se como mais um recurso para potencializar

a comunicação e os aspectos cognitivos dos alunos dentro

da prática pedagógica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo propiciou vislumbrar as contribuições do

conto infantil na alfabetização com uso da LDI. As

contribuições e resultados obtidos foram analisados e

evidenciaram que, no processo de ensino-aprendizagem, o


176
protagonista é o aluno, alcançando a aprendizagem em

primeira pessoa, sendo o professor mediador da

aprendizagem. Ficou evidente que existe o investimento

em recursos tecnológicos digital na RPMEA com objetivo

de potencializar o processo de ensino-aprendizagem.

Entretanto, não é só instalar as TDIC nas escolas; mas dar

suporte técnico e pedagógico para o uso delas pelos

professores.
Dessa forma, pela capacidade de interação, dinamismo e

por integrar 14 recursos da linguagem audiovisual, a LDI

respondeu positivamente à questão desta pesquisa, sendo a

mediadora do sistema prática pedagógica-conhecimento-aluno.

Assim, afirmamos que atingimos o objetivo geral traçado:

investigar e compreender como a LDI pode contribuir na

alfabetização das crianças com o uso do conto infantil.

Ficou comprovado que a LDI, com seus recursos

midiáticos e o seu potencial didático-pedagógico potencializa o

trabalho docente na alfabetização, mesmo com as dificuldades

de alfabetização dos alunos do 2º ano, demonstrado através do

quantitativo de reprovação no ano.

177
Assim, concluímos que os alunos são nativos

digitais, podendo ser considerados “sábios digitais”,

segundo Prensky (2009). Nessa concepção, os alunos

sujeitos desta pesquisa já nasceram na era digital,

incentivando-nos a levar para sala de aula um dispositivo

que contribuísse com a alfabetização deles, pois no meio

que os cerca, eles têm contato direto com as TDIC.

No contexto da sala de aula, o professor potencializa

e motiva o processo de alfabetização através de

manipulação de recursos didáticos-pedagógicos, que atraia

o aluno, o faça refletir e a manusear os matérias didáticos.

Portanto, nas vinte aulas desenvolvidas por mim para a

alfabetização mediada pela LDI, os meus alunos

participaram ativamente, e em grupo, das práticas de

leitura, escrita, compreensão e interpretação do texto,

ortografia, nome próprio e comum, jogos de memória,

pintura, resolução de problemas, cronometria, operações

matemática, quantidade, cores, diferentes caminhos e

paisagens, a natureza nos caminhos da vida, família,

178
pontos de referências, dia e noite, o tempo em nossas vidas,

além da sondagem do conhecimento prévio a partir do

conto João e Maria (Ver dissertação), que foi escolhido por

seu potencial pedagógico e psicológico, que nos dá ideia da

importância da família para as nossas vidas. Os laços

familiares são fundamentais para desenvolver os valores

sociais, sensoriais, cognitivo, afetivo. Além disso, trabalha

a socialização e respeito ao outro.

179
REFERÊNCIAS

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Cortez, 2014.

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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed.


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182
CAPÍTULO VI

A PRIMEIRA INFÂNCIA NAS TECNOLOGIAS

DIGITAIS E O MÉTODO MONTESSORI DE ENSINO

Marlton Fontes Mota

Sheila Costa dos Santos

INTRODUÇÃO

O cenário comunicacional e de informação adquiriu

nova roupagem com a inserção das tecnologias digitais,

alcançando o processo de ensino-aprendizagem da

educação formal. O formato dinâmico, fluido e

compartilhado proposto pelas vias virtuais vem instigando

novas práticas pedagógicas que intermedeiem o

conhecimento desenvolvido nas instituições de ensino e o

multiculturalismo vivenciado em tempo presente nas

infovias. Nesse ínterim, a formação da criança passa a ser o

183
objeto de grande preocupação para os educadores, pais e

para a própria sociedade.

Com a proposta de provocar a reflexão sobre o

desenvolvimento do aprendizado infantil, acompanhado

do respeito e da preservação do crescimento biológico e da

evolução mental da criança, em tempos de tecnologias

virtuais, o presente trabalho traz à lume a percepção sobre

o letramento digital e a alfabetização para uma integração

sócio familiar da criança, sob a proposta montessoriana de

educar.

Ao trabalhar a educação infantil, Maria

Montessori10, criadora do chamado método Montessori11 de

ensino, trazia a visão pedagógica de que, na primeira

10Natural da pequena cidade de Cbiaraualle, próxima de Ancona, no


norte da Itália, onde nasceu a 31 de agosto de 1870, Maria Montessori,
médica, estudou pedagogia e psicologia, e formou novos conceitos e
começou a desenvolver seu próprio método de ensino com crianças.
(MONTESSORI, Maria. Criança. MATTA, Luiz Horácio da. (trad). São
Paulo: Editora Círculo do Livro. 1975)
11 O método Montessori é fundamentalmente biológico. Sua prática se
inspira na natureza e seus fundamentos teóricos são um corpo de
informações científicas sobre o desenvolvimento infantil. (Ferrari,
2008)
184
infância, a criança carrega consigo a capacidade inata da

criatividade, e que deve ser potencializada com o respeito

à sua liberdade individual. O olhar da pesquisa sobre o

método montessoriano está intrinsecamente ligado ao fato

de que, quando praticado por sua criadora, há quase cem

anos, o método evidenciava a criança com personalidade

própria e definida por Montessori como um problema

social merecedor da atenção devida, por ser um elemento

construtor para a vida adulta.

A inserção das tecnologias digitais na rotina

familiar, nas práticas educativas e nas interrelações

humanas, trouxe, por consequência, a facilidade do acesso

à informação e provocou uma natural inclusão digital da

criança nesse processo. Os chamados dispositivos móveis

passaram a fazer parte do cotidiano das crianças, desde as

suas primeiras experiências de vida.

A criança da pós-modernidade, através das vias

digitais de comunicação recebe múltiplas e infinitas

informações, antes mesmo de obter uma formação

185
educacional em ambiente escolar. Nesse contexto, o

trabalho apresenta a problemática da pesquisa: estaria a

criança, em tempos de comunicação virtual, contemplada

pela essência do método Montessori de ensino, com a

prática da liberdade, independência e da ação abstrata para

uma experiência direta e autônoma?

O olhar sobre o problema proposto aproxima a

convicção de que o método montessoriano de ensino é

atemporal, mesmo criado sob um processo de ebulição do

pensamento de transformações humanas há quase um

século, a partir dos fenômenos do subconsciente da criança

na primeira infância.

Para Montessori a criança, ao nascer, deveria ser

respeitada e compreendida como um ser dotado de

sensibilidade, e que necessita se relacionar com o ambiente

em plena liberdade. Ao observar essa perspectiva trazida

pelo método, o trabalho objetiva demonstrar que a

tecnologia digital promove a autonomia da criança na

decodificação do seu mundo experiencial, mas, de forma

186
específica, a pesquisa busca confirmar que, para esse

processo de manifestação do desenvolvimento da criança,

a educação formal é essencial como fator colaborativo para

o acompanhamento do processo de formação infantil e da

sua relação com o ambiente.

O trabalho buscou alcançar o seu intento, a partir da

pesquisa bibliográfica, extraindo teorias dos referenciais da

educação, e especialmente, buscando do pensamento

montessoriano as bases para a compreensão do processo

experiencial da criança em seus diversos limites de

aprendizado. De cunho qualitativo e exploratório, a

pesquisa pretende evidenciar sobre a autoeducação da

criança, a partir do seu letramento digital e sobre a

importância da alfabetização, consoante ao seu

desenvolvimento.

Dividido em três capítulos, a pesquisa traz à reflexão

o olhar montessoriano sobre a primeira infância, reflexão

esta que pontua o primeiro capítulo do trabalho, e para o

segundo capítulo reservou-se a apresentação das

187
tecnologias digitais como instrumentos estimuladores de

experiências sensoriais para o aprendizado infantil. No

terceiro capítulo, a pesquisa evidencia sobre o processo de

alfabetização a partir do letramento digital,

compreendendo que o segundo precede o primeiro. Enfim,

o trabalho é um convite à reflexão sobre a importância do

método montessoriano de ensino, sob o aspecto da

atemporalidade da sua aplicação na formação e

desenvolvimento da criança na primeira infância.

O OLHAR MONTESSORIANO SOBRE A PRIMEIRA

INFÂNCIA

As fases do crescimento do ser humano vêm sendo

retratadas por diversos estudiosos da educação no mundo,

e para a presente pesquisa ressaltou-se sobre a primeira

infância em relação ao processo formativo da criança,

dentro e fora do ambiente escolar. Sob as premissas atentas

de Montessori (1975, p. 11), fica evidente que o problema

188
social da infância, levantado pela autora nas suas pesquisas

sobre educação, impõe o olhar sobre as leis da formação do

homem como um elemento colaborativo para a criação de

uma nova consciência, que orienta a própria formação da

humanidade. Para Montessori (1975, p. 15), o espírito da

criança está verdadeiramente correlacionado ao progresso

humano, e deve ser tratado com a devida relevância para

garantir o seu adequado crescimento biológico.

A preocupação com o desenvolvimento da criança e

da sua formação social teve um maior destaque a partir do

início do século XX, e para Teixeira, Lôbo e Duarte (2016, p.

115) “a criança vivencia suas primeiras experiências de

vida no mundo, a partir do nascimento a aproximadamente

três anos, período dito Primeira Infância”. Sendo, portanto,

uma referência em diversos estudos sobre o tema, a

identificação da primeira infância como o momento em que

a criança passa a desenvolver a iniciativa de relacionar-se

com o ambiente. Essa experiência direta da criança com o

mundo ao seu redor, até os três primeiros anos de vida, está

189
imbrincada com o meio em que é exposta, e de como esse

ambiente irá influenciar na formação da sua personalidade.

A potencialidade criativa da criança é destaque no

método de ensino Montessori, onde indicava atividades

que beneficiassem o movimento e a iberdade, pois, a

criança deveria movimentar-se de maneira construtiva. Da

mesma forma, Montessori (1975, p. 95) afirmava que a

criança tem necessidade de objetos exteriores para

manipular, definindo-se um ambiente que propicie

motivos de atividade. A autora (1975, p. 95) dedica um

grande espaço nas suas obras para evidenciar que o

movimento construtivo é impelido por ações que a criança

procura imitar e que sempre se “relacionam com a

manipulação ou utilização de algum objeto”.

A pesquisa pretende aplicar a perspectiva da

manipulação de objetos pela criança, inter-relacionando os

movimentos percebidos por Montessori como resultado de

ações elementares realizadas pelas crianças na primeira

infância, ao uso de dispositivos móveis para acesso à

190
internet. Para Montessori (1975, p. 103) esse é o período da

infância, “no qual a consciência infantil está em formação e

a sensibilidade a elementos exteriores se encontra em

estado criativo”. Nessa fase da infância que é vista pela

autora como necessária para o processo de autonomia e

independência da criança, a partir da tecnologia digital,

compreende-se que pode ser potencializada com a

manipulação dos dispositivos digitais.

As escolas que adotam o método Montessori de

ensino praticam a aprendizagem que incentive o

movimento ativo da criança, e para a criadora do método

“eis a verdadeira nova educação: partir primeiro à

descoberta da criança e efetuar sua libertação”

(MONTESSORI, 1975, p. 124). A importância do método

Montessori está sedimentada na autoeducação da criança,

favorecida pela criação de um ambiente favorável para a

sua aprendizagem, que perpassa pela liberdade de

movimentos, manipulação e percepção de objetos, cores e

191
demais elementos que provoquem a atividade sensorial na

criança.

O respeito aos limites e às características infantis,

envolvem a participação direta da família, pois, Montessori

(1975, p. 231), à época, já definia os pais como sendo os

guardiães, e que deveriam entender a questão social da luta

para que o mundo reconheça os direitos da criança. No

mesmo viés de responsabilidade a autora (1975, p. 165)

coloca o professor, que para a sua missão necessitará de

determinadas disposições de ordem moral, para além de

alguns conhecimentos e estudos. Embora não tenha

desenvolvido métodos pedagógicos, Durkheim (1998, p.

26), ao tratar sobre a educação da criança, atribui à

organização pedagógica os resultados positivos, baseados

na compreensão dos prazeres da criança, e define o

“crescimento” como sendo a palavra que resume as

caraterísticas da infância para a educação.

Ao promover o desenvolvimento da criança na

primeira infância, partindo-se da espontaneidade dos

192
movimentos e da manipulação estimulada pela experiência

em ambiente devidamente percebido como propício ao

exercício da liberdade e da autonomia da criança,

Montessori (1975, p. 23) afirma que “existe uma parte da

alma da criança que sempre foi desconhecida e que se deve

conhecer”. A definição de ambiente preparado, explicando

aquilo que Montessori (1975, p. 95) descreveu, está em

proporcionar à criança um local em que lhe seja permitido

“movimentar-se de maneira construtiva,” com a presença

de objetos exteriores para manipular, e que lhe permita

ingressar no mundo.

Montessori examinava através da percepção, a

importância do ambiente e da arquitetura na linguagem

direta com o ensino e a aprendizagem, sem contar com os

estímulos as experiencias sensorial das crianças, e isso é

possível perceber na sua aplicabilidade à arquitetura das

tecnologias digitais. Uma arquitetura elaborada nos

padrões e dimensões específicos para própria criança

193
oferece um ambiente físico, por meio de uma linguagem

não verbal, a linguagem do espaço.

A ambiência dos espaços escolares, para Montessori,

não são somente locais de ensino, mas, se consolidam em

elementos fundamentais no processo de criação da

personalidade e no crescimento intelectual da criança, em

especial. Nas palavras de Montessori (1975, p. 124) “é o

ambiente que capta as energias porque oferece os meios

necessários ao desenvolvimento da atividade que delas

resulta”, sendo assim, pode-se afirmar que a aprendizagem

possui total conexão com o espaço físico.

Segundo Moraes (2009), Montessori concebeu um

material didático para o ensino sensorial, através de objetos

palpáveis com cores, dimensões, formas, odores diversos.

Criou uma gama de materiais com objetivos específicos,

sendo eles:

a) sentido tátil – texturas, peso, temperatura,

estereognóstico;

b) sentido visual – formas, cores, tamanho;

194
c) sentido auditivo – sons;

d) sentido olfativo – odores;

e) sentido gustativo – sabores, como ilustrado na figura 1,

abaixo.

Figura 1 - Jogos Educativos

Fonte: Acervo Lar Montessori12

12
MÉTODO MONTESSORI. Lar Montessori. Disponível em:
<https://larmontessori.com/o-metodo/>. Acesso em: 02 dez. 2019.
195
A imagem destacada acima, enfatiza sobre alguns

dos jogos usados no método Montessoriano de educar, que

praticava o brincar lúdico como fonte geradora de

conhecimentos. A percepção do ambiente aliado à

independência na formação do seu aprendizado, fazia com

que a criança experimentasse as descobertas sobre o

mundo exterior.

Em comparação com o ambiente de arquitetura das

tecnologias observa-se a mesma preocupação na

construção de espaços, onde os alunos possam interagir de

forma lúdica e autônoma. Nessa mesma perspectiva,

observa-se como exemplo o uso das redes sociais e

plataformas digitais, que podem ser compartilhados como

forma de aprendizagem. A aplicação das tecnologias

digitais no processo de ensino-aprendizagem, também

potencializa a interrelação aluno-professor e professor-

aluno, dentro e fora da sala de aula. Com isso, a percepção

sobre ambiente escolar sofre alterações relevantes, haja

vista o fato de que a sala de aula, a partir da inserção das

196
tecnologias digitais, passam por uma constante

desterritorialização. Ou seja, o ambiente que permite a

manipulação e a liberdade de movimentos da criança na

primeira infância se transformou, passando a agregar a

virtualização das suas percepções sensoriais.

Para as crianças da Educação Infantil, o uso da

tecnologia digital precisa ser bem planejado, pois, mesmo

que para a criança seja somente uma brincadeira, uma

experiência lúdica, para o professor é um recurso que pode

se tornar muito valioso, fazendo com que os pequenos se

familiarizem com as atividades apresentadas através da

informação virtualizada. A multiculturalidade

proporcionada pelo acesso às vias digitais percebida com

vários significados e informações são acessíveis aos

“pequenos” exploradores, mesmo antes deles chegarem à

sala de aula, e cada dia mais cedo as crianças já têm contato

com o letramento digital.

O papel do professor, nesse cenário de virtualização

do conhecimento, passa a ser de preparar e ajudar as

197
crianças no seu desenvolvimento e uso correto desses

aparelhos, realizando a mediação sem a interferência na

condução do processo de autoeducação. A maioria das

crianças já tem a tecnologia adaptada às suas brincadeiras,

ou seja, como prevê o método Montessori, não é o professor

que ensina o aluno, mas a criança que, quando muito bem

observada, permite descobrir a psicologia da infância.

TECNOLOGIAS DIGITAIS E AS EXPERIÊNCIAS

SENSORIAIS DA CRIANÇA

A educação na primeira infância emerge,

atualmente, no sentido de adequar-se ao contexto

contemporâneo, Maria Montessori pensava numa escola à

frente do seu tempo, que oferecesse um ambiente

preparado e apropriado para garantir o respeito às

diferenças individuais. Nessa escola montessoriana o

professor não seria apenas um transmissor de

conhecimento, mas realizaria seu trabalho sob uma

198
condição mais ativa, ou seja, a de (re)construtor e mediador

do crescimento integral do seu aluno. (MORAES, 2009).

Montessori nunca considerou sua obra concluída, e

manifestou o desejo de vê-la continuada e acrescida,

vislumbrando que seus sucessores realinhassem suas

propostas à luz dos eventos intelectuais, culturais e

científicos subsequentes. Isto, certamente torna o método

montessoriano uma proposta atemporal, que se alinha ao

pensar com as tecnologias digitais, ampliando o campo

para as experiências sensoriais da criança, e que podem

acrescentar-se ao referido método.

Alguns princípios podem ser aplicados em comum,

pois, para a tecnologia virtual a independência e a

autonomia do indivíduo são prerrogativas inerentes,

enquanto para o método montessoriano de ensino, a busca

pela autoeducação da criança cria espaços de construção do

conhecimento. Pensar em autoeducação na primeira

infância, no processo de ensino-aprendizagem, através das

tecnologias digitais, é tornar a criança incluída na

199
percepção de uma cultura plural praticada em tempo

presente. Assim como o uso das redes sociais, o uso de

plataformas virtuais específicas para o estímulo sensorial

da criança poderá ser um facilitador para que a criança

vivencie sua liberdade, e independência biológica e

criativa.

É possível conciliar o brincar livre com a

acessibilidade às experiências sensoriais intermediadas por

dispositivos digitais, a exemplo dos smartphones, que

possibilitam o encontro da criança com o lúdico, seja na

música, nas cores e desenhos, nas falas e nas repetições da

sua própria fala. A manipulação dos dispositivos através

do toque sensível no touchpad13 do laptop ou tablets,

permite à criança a experiência direta e a descoberta,

possibilitando o aprendizado a partir da ação.

Os dispositivos móveis com acesso à internet

invadiram o cotidiano familiar, e fazem parte do processo

de interação entre os indivíduos e o mundo, tornando-se,

13
Touchpad é um dispositivo sensível ao toque que permite o controle
do cursor na tela, com funcionalidade similar ao mouse.
200
inclusive, um mediador de diversas brincadeiras em

plataformas digitais. Para Sampaio de Souza (2019, p. 38),

esses dispositivos digitais móveis, inicialmente não foram

projetados como um brinquedo, mas, fazem parte da

infância contemporânea, e se inseriram nos momentos

lúdicos do indivíduo, desde a primeira infância.

A cada dia os aparatos digitais vêm protagonizando

mudanças na rotina de formação do indivíduo, de grupos

e em especial, do ambiente familiar. Pensar em educação

infantil é reconhecer a presença da tecnologia digital no

processo de construção do conhecimento, e

principalmente, é estabelecer o compartilhamento de

sensações percebidas, tanto pela criança, quanto pelo

adulto. Esse adulto, segundo Montessori (1975, p. 100), é

aquele “que ainda não compreendeu a atividade da mão

infantil como uma necessidade vital e não reconhece nela a

primeira manifestação de um instinto de trabalho, impede

a criança de trabalhar”.

201
O movimento de aceleração no ritmo da criança,

que, segundo Montessori (1975, p. 101) representa

agilidade, é suportável para o adulto, porém, quando a

criança age em objetivos próprios, faz-se necessário que o

adulto se esforce para compreendê-la. Ao utilizar

dispositivos móveis nas suas experiências, a criança,

embora restrinja o ambiente de descobertas à palma de sua

mão, poderá realizar ações diversas daquelas que viu os

adultos efetuarem, ampliando a sua autonomia em

explorar as múltiplas dimensões que esse novo mundo lhe

oferece.

Os diversos objetos pensados e produzidos por

Montessori para auxiliar no desenvolvimento cognitivo da

criança, podem ser contemplados em várias plataformas

virtuais que acomodam uma infinidade de produtos

relacionados à construção da memória motora e da

memória visual da criança. Diversos aplicativos digitais

estão disponíveis na rede de internet, a exemplo do

ZooMoo, que de acordo com Schmidt (2019, p. 01), é uma

202
plataforma que auxilia as crianças a aprenderem sobre os

animais, seus sons e suas características, e é recomendável

para crianças de 0-5 anos.

O método montessoriano, segundo Ferrari (2008, p.

02) preconiza que os pequenos conduziriam o próprio

aprendizado, e caberia ao professor acompanhar o

processo, detectando a manifestação do potencial de cada

um. Nessa perspectiva, se a educação é uma conquista da

criança, e permitir-lhes a liberdade de manipular

dispositivos digitais é conceder-lhes a construção da

própria identidade.

Há quem provoque a reflexão sobre o resgate da

memória afetiva do adulto, introjetando experiências na

criança durante o exercício de brincar, a exemplo da

manipulação de brinquedos “físicos”, que eram parte da

concepção montessoriana de que formatariam na criança

características motoras ligadas à inteligência. Nesse ponto,

cabe perceber sobre o fator temporal em que essas

projeções se compuseram e sobre os movimentos

203
construtivos do indivíduo. Pensar na criança pós-moderna

é compreender que as suas experiências, em regra, estarão

também vinculadas ao uso de dispositivos móveis.

A inserção da tecnologia digital não pode ser

considerada mais uma ferramenta isolada ou uma matéria

a ser aprendida em determinada idade. Ela é, hoje, se bem

utilizada, um recurso que permite aos professores

incrementar sua prática pedagógica, aprimorando os

processos escolares, transformando as aulas em momentos

únicos de aprendizado para as crianças.

O mundo pós-moderno vivencia as tecnologias

digitais no seu cotidiano, e a sua contribuição vai além das

áreas de aprendizagem e desenvolvimento, elas perpassam

os processos culturais historicamente mediados pela

atividade humana. Assim, aprender envolve um processo

ativo de assimilação orgânica, iniciado internamente.

(DEWEY, 1965, p. 46)

É fundamental oferecer às crianças o contato com

diferentes linguagens. E como Maria Montessori declarou,

204
seu método não havia acabado, então, acredita-se que hoje

as tecnologias digitais se incorporariam muito bem ao seu

processo metodológico de busca constante pelo acesso ao

conhecimento, à produção e à interpretação do saber.

Os trabalhos de pensadores da educação, a exemplo

de Lev S. Vygotsky e Jean Piaget, impulsionaram a atual

compreensão de cognição humana e também de psicologia

cognitiva. Em sala de aula, o professor hoje tem inúmeros

recursos educativos disponíveis, inclusive de forma

gratuita na internet, e que pode ser levado a sala de aula.

Nas turmas de ensino médio, por exemplo, podem ser

usados recursos de apresentação e formatação dos

trabalhos por meio da rede social, como Instagram e

Facebook. Como eles são aplicativos baseados

principalmente em fotos, torna possível utilizar esses

recursos fotográficos em diversas disciplinas nas diversas

faixas etárias.

Como já ocorre, em diversas aulas, a exemplo de

inglês para crianças de até 3 anos, a maioria dos recursos

205
utilizados são através de cartões fotográficos, audiolivros,

games e o YouTube. Estas são classificadas como sendo

atividades sensoriais que estimulam os sentidos e a

percepção das crianças, e contribuem para as suas

experiências cognitivas, e para o desenvolvimento

comportamental e social.

Pensar a educação sem o uso das tecnologias

digitais seria inviabilizar a percepção de mundo da criança.

A manipulação dos dispositivos móveis lhes permite a

liberdade e independência tratadas pelo método

Montessori de educação. O manejo das tecnologias digitais

possibilita a interação e o compartilhamento das atividades

tradicionais do ensino-aprendizagem com as tecnologias

da comunicação e informação dentro da sala de aula.

206
DO LETRAMENTO DIGITAL À ALFABETIZAÇÃO

Com base no método Montessori, a importância que

se atribui ao ambiente é a de que ele permita que a criança

se torne ativa, possibilitando a inversão de atitudes do

adulto em relação à criança. Ao propor a “libertação do

espírito da criança”, usando estratégias e experimentações

para uma educação científica dos sentidos, Montessori

(1975, p. 131), despertava o olhar dos educadores para os

movimentos de manipulação, rítmicos e concentrados, da

criança ao percebê-los em repetições.

Ao mesclar imagens, sons e repetição, o método

Montessori (1975, p. 148) possibilitava a correspondência

entre a linguagem e os fenômenos acústicos, e considerava

que “o progresso da escrita alfabética reside no ponto de

encontro do qual duas linguagens se desenvolvem

paralelamente”. Resumidamente, Montessori (1975, p.

148), compreendia que a “mente e a mão têm participações

207
iguais” para o processo evolutivo do indivíduo, auxiliando

na alfabetização na primeira infância.

A acessibilidade da criança pós-moderna aos

dispositivos digitais, vistos como aparatos que já se

integram à sua realidade diária, permite alcançar o

chamado letramento digital antes mesmo de integrar-se ao

processo formal de alfabetização. Para Costa (2018, p. 02),

alfabetizar é “tornar o indivíduo capaz de ler e escrever”,

fazendo uma significativa diferenciação com o aquele

indivíduo que faz “uso social da leitura e da escrita”, que o

caracteriza como sendo um indivíduo letrado. Ao

“brincar” com os dispositivos digitais, a criança passa a

desenvolver importantes passos para o seu processo de

aprendizagem.

A educação Infantil, de acordo com as diretrizes

anunciadas pela Base Nacional Comum Curricular

(BNCC), está pautada na concepção que vincula “educar e

cuidar”, predizendo que o cuidado está indissociável do

processo educativo (BRASIL, 2019). O referido documento

208
normativo que define “o conjunto de aprendizagens

essenciais que todos os alunos devem desenvolver”,

estabelece ainda os Direitos de Aprendizagem e

Desenvolvimento na Educação Infantil, dos quais se

destacam os direitos de brincar e explorar movimentos. A

BNCC preza pela aprendizagem conciliada à imaginação,

criatividade, preservação das experiências emocionais,

corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e

relacionais do indivíduo, favorecendo a independência, a

liberdade e a autonomia predita pelo pensamento de

Montessori.

Ao perceber sobre o método Montessori, onde a

educação na primeira infância deve valorizar os

movimentos, a manipulação, a associação dos gestos, sons

e das expressões faciais da criança, confirma-se como um

potencializador para a preparação e desenvolvimento da

linguagem, e enfim, favorece o processo de alfabetização.

A criança, em tempos de tecnologia digital, traz para a sala

de aula uma experiência sensorial mais ativa e ampliada, e

209
isso empreende no professor a necessidade de enriquecer a

relação comunicacional entre eles. O método pensado por

Montessori se enquadra nessa interrelação educacional

predita pela interferência direta da virtualização das

experiências sensoriais obtidas pela criança, antes mesmo

do seu processo de alfabetização.

Incluir o uso dos recursos tecnológicos digitais nas

metas básicas que devem ser cumpridas na primeira

infância em sala, pode ser um facilitador para as atividades

que envolvam o brincar, a percepção das artes visuais, o

movimento das mãos nas telas touchscreen dos dispositivos

móveis, a música e a diversidade dos sons da natureza,

dentre outros. A cada atividade compartilhada e mediada

pelas tecnologias digitais, a criança obtém as bases para um

desenvolvimento sensorial mais complexo, independente e

apto ao processo de autoeducação. A prática de jogos

interativos virtuais ajuda a desenvolver a concentração e o

raciocínio lógico, e ressaltam o aprendizado por repetição

210
que é tratado por Montessori nas suas experiências de

observação.

O fato de a criança ter o acesso precoce aos

dispositivos móveis (smartphones, tablets, etc) na sua

convivência familiar, deve ser visto como um diferencial

positivo para a inserção de práticas educativas que

vivenciem, na utilização desses aparatos, a ampliação da

descoberta, da espontaneidade e da criatividade na criança.

A percepção da realidade através do mundo imaginário

favorece os primeiros passos para a passagem do

letramento digital à alfabetização.

Ao aplicar as tecnologias virtuais no processo de

ensino-aprendizagem, o professor não cria uma ruptura

entre o conhecimento adquirido de forma independente

nas experiências sensoriais da criança com os aparatos

digitais e a educação formal praticada em sala de aula. Para

Ramos (2019, p. 65), a primeira infância é importante para

o desenvolvimento posterior da criança, que desde bebês já

começam o seu aprendizado sobre o mundo, e isso se

211
reflete, também, no estímulo e acesso às tecnologias

digitais.

A formação da criança, para Montessori (1975, p.

230) deve ser considerada um projeto da vida futura da

própria humanidade, e é elevada à categoria de proteção

aos direitos sociais. Portanto, brincar, movimentar-se, agir

com independência, são direitos que devem ser sempre

consagrados à criança, e em especial na primeira infância.

A BNCC destaca sobre as etapas da Educação

Infantil, e ao definir sobre os campos de experiência14 há a

percepção sobre as características do método

montessoriano de educar, por exemplo, ao tratar sobre

“Corpo, gestos e movimentos” realizados a partir dos

sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais,

coordenados ou espontâneos; e ao predizer sobre “Traços,

sons, cores e formas”, possibilitando à criança o convívio

com “ diferentes manifestações artísticas, culturais e

14
Constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as
experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes,
entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio
cultural (BRASIL, 2019).
212
científicas, locais e universais, no cotidiano da instituição

escolar” (BRASIL, 2019). Ao explorar o mundo, física ou

virtualmente, a criança exercita a sua independência e livre

escolha, entre erros e acertos, assim como dispõem os

princípios montessorianos de ensino.

O uso de dispositivos digitais, destacado por

Cardoso e Librelotto (2011, p. 08), inicialmente foram

abolidos das práticas pedagógicas na educação infantil,

pois, eram vistos como verdadeiros vilões no

desenvolvimento sensorial das crianças, sendo descritos

como limitadores da capacidade criativa. O receio da

inserção de tecnologias virtuais no processo de

alfabetização da criança ainda é tratado como um mito,

embora, na contramão dessas limitações está a

disponibilidade dos aparatos tecnológicos digitais no

cotidiano da família, e que permite o livre acesso das

crianças no seu uso.

Existem outros obstáculos para a aplicação da

tecnologia digital no ensino-aprendizagem na primeira

213
infância, a exemplo da má formação docente para lidar com

essa tecnologia, criando um ambiente de desequilíbrio

entre o letramento digital trazido na experiência cognitiva

da criança e o método tradicional de ensino. Cardoso e

Librelotto (2011, p, 14) afirmam que é fundamental

proporcionar aos professores o treinamento para habilitá-

los ao manuseio dessas inovações tecnológicas nas suas

práticas de ensino, principalmente para possibilitar-lhes

alcançar o máximo do aproveitamento nesse uso.

CONCLUSÃO

Os materiais educativos propostos pelo método

montessoriano de ensino para a promoção da

independência sensorial da criança, sob o ínsito respeito à

sua liberdade de movimento, impõe a conclusão sobre o

seu avançar no tempo, revelando o necessário olhar para a

importância da educação infantil. Ao valorizar a criança

como um ser autêntico, Montessori idealizou, com

214
pioneirismo, os caminhos para o despertar constante e

adaptável no desenvolvimento da inteligência da criança.

A pesquisa torna evidente a capacidade da criança

movimentar-se de maneira construtiva, compatibilizando

com o ambiente devidamente preparado para o exercício

das suas experiências sensoriais. A partir da percepção

sobre a sensibilidade da criança em descobrir o mundo

exterior de maneira intensa, Montessori observa que os

seus movimentos de linguagem corporal anunciam a

importância do ambiente na elaboração da mente.

O contato da criança com o mundo, os seus gestuais,

a manipulação dos objetos, são princípios montessorianos

de educação para a autoeducação infantil. Nesse processo

de autonomia é possível vislumbrar a inserção das

tecnologias digitais como um elemento de intermediação

de experiências sensoriais da criança. A pesquisa trouxe à

reflexão o uso dos dispositivos tecnológicos na ampliação

da descoberta, da espontaneidade e da criatividade na

criança.

215
Ficou explicitado no texto que o acesso da criança à

tecnologia virtual, em ambiente familiar, vem ocorrendo

com ampla naturalidade, haja vista, a concepção já

consolidada de que a internet é um instrumento facilitador

para a (re)construção dos significados da própria

humanidade, sob o viés de uma cultura plural e

globalizada. Para a educação, pensar em tecnologias

digitais no processo de ensino-aprendizagem é superar

desafios, encontrados desde a formação de ambientes

propícios ao acesso desse aparato, até a capacitação

adequada do seu corpo de professores.

É destaque na proposta da pesquisa o fato de que o

método montessoriano de ensino é compatível com a

inserção de dispositivos digitais nas práticas educativas

com as crianças na primeira infância. A interrelação dos

princípios adotados por Montessori no desenvolvimento

cognitivo da criança, com os saberes previstos nas etapas

da Educação Infantil pelo BNCC, possibilita a

intermediação pelas tecnologias digitais.

216
Ao colocar a criança em contato com a tecnologia

digital, o educador assume a postura de mediador sem

interferir diretamente na condução das experiências

sensoriais da criança, enquanto lhe permite manipular

dispositivos móveis (smartphones, tablets, etc). A

descoberta de sons, imagens e cores no mundo virtual pode

deflagar uma curiosidade mais latente, ainda que

acompanhada de movimentos em repetições, ou em

audição intensa. O uso de jogos, de plataformas digitais de

músicas e de brincadeiras virtuais, pode compatibilizar os

demais sentidos da criança, como o paladar e o olfato, na

percepção da imagem ao objeto físico.

A aplicação do método Montessori de ensino,

mediado pelo uso de dispositivos digitais, tenderá a

fortalecer o vínculo existente entre o professor e a criança,

haja vista a possibilidade da construção conjunta do

conhecimento, pois, aquilo que é sensível ao olhar da

criança, por vezes, ressoa na opacidade da visão mundana

e desgastada do adulto.

217
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Acesso em: 27 nov. 2019.

220
CAPÍTULO VII

O ENSINO BRASILEIRO EM PLENO SÉCULO XXI:


DESAFIOS E NOVAS PERSPECTIVAS

Izabel Cristina da Silva

INTRODUÇÃO

Já estamos completando a segunda década do século

XXI e muitos acontecimentos marcaram esses primeiros

anos, podemos dizer que vivenciamos situações inusitadas.

Desde ataques terroristas que chocaram o mundo, como o

11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América à

posse de um presidente negro neste mesmo país, além do

Nobel da Paz em 2019 para um africano. Não podemos

esquecer do cenário político, econômico e social caótico que

o Brasil se encontra, um país que até então era um Estado

respeitado e admirado em diversas partes do mundo.

Acontecimentos em localidades distintas, mas que,

de alguma maneira, chegaram ao conhecimento da

população em diversas partes do mundo. Pessoas de

221
culturas diferentes compartilham notícias que

proporcionam alegrias e dores semelhantes, tudo isso

possibilitado pelo processo de globalização, que permitiu a

expansão em massa dos meios de comunicação.

Segundo Barbero (2010), a globalização não pode ser

pensada como mera extensão quantitativa e qualitativa da

sociedade. Ela é perversa, unificadora e competitiva. Existe

um processo de inclusão e exclusão, ao mesmo tempo que

uma determinada população tem acesso a TV e celular,

existe tantos outros que não tem condições de comprar

comida. Esse processo global promove uma falsa ilusão de

que todos podem ter acesso aos bens que circulam.

Além disso, existe uma tentativa, em curso, de

homogeneizar os lugares e consequentemente as pessoas,

todavia, essa tentativa fez emergir um movimento

identitário de resistência a padronização. Para Barbero

(2010), o processo de globalização está reavivando a

questão das identidades culturais, uma forma de

resistência à padronização em massa.

222
Em meio a esse processo global que exclui e inclui,

as novas tecnologias são apontadas, ora como vilã, ora

como mocinha. E um dos lugares onde são forjados esse

pensamento é o espaço escolar. Em algumas instituições, as

novas tecnologias são percebidas como destruidora da

hegemonia escolar, pois a mesma não é mais vista como o

único corpo capaz de transmitir conhecimento.

Assim, cria-se um distanciamento entre um e outro.

Alguns professores não conseguem ou não querem inserir

as novas tecnologias no processo de ensino e aprendizagem

e os alunos já não conseguem se dissociar dela. Para

Buckingham (2010, p.42) “se as escolas, de certa forma, não

foram atingidas pelo advento da tecnologia digital, o

mesmo não pode ser dito da vida das crianças quando estão

fora da escola”. Assim, a educação brasileira em pleno

século XXI se envolve em um grande impasse. Como o

educador pode mediar o processo de ensino e

aprendizagem sem levar em consideração as novas

tecnologias para alunos com altas habilidades

223
tecnológicas? Nesta conjuntura, outras questões emergem:

como trabalhar com educandos com altas habilidades

tecnológicas, mas com dificuldades básicas em relação à

leitura e escrita? Como o professor lida com tantos desafios

no contexto escolar? Como a leitura de livros paradidáticos

pode contribuir com a formação de um aluno crítico em

pleno século XXI?

Nessas circunstâncias realizamos uma breve

reflexão, a luz das obras de Barbero (2010, Comunicación y

cultura mundo: nuevas dinámicas globales de lo cultural Signo y

Pensamiento,); Buckingham (2010, Cultura Digital,

Educação Midiática e o Lugar da Escolarização) e Kaplùn

(2002, Una pedagogía de la comunicación), buscando refletir a

partir das questões horas levantadas.

O capítulo está organizado em três seções. A

primeira apresenta de forma sucinta o que será abordado

no corpo do texto, a segunda situa um pouco do contexto

atual de sala de aula no Brasil e a terceira seção apresenta a

conclusão do trabalho a partir das questões apresentadas.

224
CENÁRIOS

Pensar numa educação para o Brasil em pleno século

XXI não é algo simples. Para alguns, as novas tecnologias

têm que ser o centro da discussão, contudo os processos

educativos que se configuram em boa parte do país ainda

nos remetem ao século XIX. Preconiza-se que o

aprendizado está centrado no aluno, contudo, o professor

ainda ministra aulas como se fosse o único detentor do

conhecimento.

Pregoa-se uma interdisciplinaridade como algo

novo mas, no século XVIII e XIX, os preceptores já tinham

uma dimensão de uma sistematização do todo. Além disso,

como os educadores vão trabalhar de forma

interdisciplinar, quando em muitos casos eles não têm

acesso à formação continuada para o seu aperfeiçoamento

na disciplina a qual leciona. Contudo, se pararmos para

analisar os Projetos Políticos Pedagógicos de muitas escolas

brasileiras, poderíamos verificar que a maioria menciona

que trabalha de forma construtivista, interdisciplinar, com

225
aulas dinâmicas, dialogadas, com uso das novas

tecnologias, dentre outras promessas. Todavia, quando se

observa in loco se percebe outra realidade. As aulas

continuam tradicionais, mesmo quando o educador utiliza

as novas tecnologias.

Os professores relatam que os educandos

conversam demais no momento da aula, mas o que muitos

docentes fazem se não falar, falar e falar? Para Kaplùn

(2002), não basta ser professor-locutor. O processo de

ensino e aprendizagem necessita da interlocução. Ele

advoga que o educando necessita ter descobrimento

pessoal, recriar e reinventar. Os alunos precisam ser

ouvidos para que aprendam também a ouvir seu mestre.

Políticas Públicas foram voltadas para incorporar às

escolas as novas tecnologias, como laboratórios de

informática e lousas digitais, mas, se olharmos para as salas

de aula do rincão do Brasil de Norte a Sul e Leste a Oeste,

o livro didático ainda predomina o ambiente escolar. Não

estamos desmerecendo esse recurso didático, sabemos que

226
em muitos lugares do país é o único material disponível

para professores e quiçá para os alunos. Todavia, esse

material sedimentou-se na prática educativa, como

sinônimo de aula, chegando ao ponto de o educador não

conseguir desenvolver sua aula sem esse recurso, tornou-

se, em muitas realidades, o terceiro braço do professor.

Além disso, a estrutura do livro didático acaba

gerando um certo comodismo pelos seus usuários. Como

produto mercadológico, seus produtores cada vez mais

investem em obras mais incrementadas: sugestões de

filmes, de leituras complementares, modelos de projetos e

oficinas, além, dos conteúdos fragmentados e atividades

respondidas. Essas facilidades, atreladas à sobrecarga de

trabalho que muitos professores possuem para

sobreviverem, a ausência de formação continuada, a

conivência da própria escola ou do governo, acaba

deixando o educador refém do livro didático.

Em pleno século XXI, ainda estamos trabalhando

conteúdos fragmentados para uma sociedade que exige e

227
necessita de um sujeito crítico e reflexivo. Ainda tratamos,

no âmbito escolar, igualdade como sinônimo de equidade.

Para Ramos (2019, p.15):

o sucesso da Educação não mais consiste em


reproduzir conhecimento, mas sim em aplicar
o conhecimento e propor soluções criativas em
situações inusitadas. O grande desafio é fazer
com que os alunos aprendam a pensar, a
resolver problemas de modo colaborativo, a se
comunicar e a ter curiosidade e resiliência,
desenvolvendo-se como sujeitos autônomos e
responsáveis.

Estamos diante de uma sociedade que exige e espera

um aluno crítico, reflexivo. Contudo ainda não

conseguimos garantir que eles concluam o Ensino

Fundamental sabendo ler e escrever, algo que deveria ser

efetivado até o terceiro ano dos anos iniciais e que é

previsto na Meta 5 do Plano Nacional de Alfabetização que

prevê que todas as crianças estejam lendo, escrevendo e

contando adequadamente ao final do ciclo de alfabetização.

LIVROS PARADIDÁTICOS: UMA POSSIBILIDADE

228
Todas as questões apresentadas até esse momento

não têm como intuito apontar culpados mas provocar, no

sentido de fluir uma reflexão sobre a prática educativa e

sobre alguns temas basilares que envolve o processo

educativo. Dentre as questões levantadas destaco as

dificuldades básicas em relação à leitura e escrita. Mesmo

em uma sociedade moderna, ler e escrever ainda são

requisitos básicos para a formação de um sujeito.

Martins (1992) afirma que ler e escrever, já entre

gregos e romanos, significava possuir as bases de uma

educação adequada para a vida, dando possibilidades ao

cidadão de integrar-se efetivamente à sociedade. Essa

prática é valorizada desde os tempos remotos e designa

certo privilégio para quem a realiza, mesmo numa era

tecnológica, ela se faz necessária.

Todavia, essa leitura não se resume apenas a uma

decifração e decodificação, ela perpassa também a questão

de refletir sobre o que se lê e adquirir ou aperfeiçoar as

229
informações em conhecimento. Destacamos a leitura da

palavra escrita, mas é sabido que existem outras maneiras

de ler, mas que aquela a consideramos como um

pressuposto para facilitar ou mediar as demais.

Em sala de aula, como já foi dito, o docente utiliza

como recurso principal o livro didático. Segundo

Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009) é o recurso mais

utilizado em âmbito escolar. Todavia, para utilizar esse

material, o professor recorre a leitura da palavra escrita.

Nessa conjuntura, os alunos que por ventura não

adquiriram essa competência linguística fica a margem do

processo educativo.

Na realidade, o livro didático deveria ser utilizado

como um material complementar à prática docente,

principalmente quando nos atentamos para o seu caráter

conteúdista e fragmentado, como se os alunos vivessem ou

percebessem o mundo dessa maneira.

No Brasil, implantou-se uma espécie de ditadura do

livro didático. Há educadores que se sentem naufragos

230
quando não conduzem esse material ou quando o aluno

não o trás para aula. Até mesmo os próprios pais e alunos

coadunam com essa cultura de que aula resume-se a

ministrar o que está posto no recurso didático.

Não advogamos em prol da exclusão do livro

didático da sala de aula, mas já é momento do educador

inserir outros recursos didáticos e metodologias que não

aborde o conhecimento de maneira tão fragmentada. A

Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (2017, p.19,)

recomenda que se deve: “selecionar e aplicar metodologias

e estratégias didático-pedagógicas diversificadas”. Assim é

necessário o uso de outros recursos didáticos e de

metodologias.

Nesta conjuntura, o livro paradidático surge como

uma das muitas possibilidades. Os referidos livros recebem

esse nome porque são adotados de forma paralela aos

materiais convencionais, sem que ocorra a substituição dos

livros didáticos. Silva (2017, p.86) aponta que livros

paradidáticos:

231
podem ser livros de literatura ou livros com
uma linguagem mais técnica, contanto que não
apresentem as características próprias dos
livros didáticos, podendo ser adotados no
processo de ensino-aprendizagem nas escolas,
seja como material de consulta do professor,
seja como material de pesquisa e de apoio às
atividades do educando. Outra peculiaridade
é que os autores desses livros buscam uma
linguagem mais lúdica (mesmo existindo
aqueles que usem uma mais formal).

Estes livros estão presentes em várias escolas

brasileiras por fazerem parte do Programa Nacional do

Livro e do Material Didático (PNLD) que avalia e

disponibiliza obras didáticas, pedagógicas e literárias,

entre outros materiais de apoio à prática educativa às

escolas públicas de Educação Básica da rede federal,

estadual, municipal e distrital.

Contudo, esse recurso didático tem um uso muito

restrito à Língua Portuguesa, talvez pelo fato de ainda se

manter uma cultura de que leitura e escrita é obrigação do

educador dessa disciplina.

232
Esse material tem um caráter lúdico, além de

possibilitar ao educador a verticalização de uma temática,

podendo selecionar obras que retratem a realidade local do

aluno. Além disso, é possível trabalhar os conteúdos numa

visão holística.

Em um mesmo livro, por exemplo: Viagem ao Centro

da Terra, de Júlio Verne, adaptação de Walcir Carrasco,

indicado para trabalhar no 6° ano do Ensino Fundamental,

pode-se trabalhar, a partir de uma narrativa, vários

assuntos que abrangem algumas disciplinas: Geografia,

História, Ciências, Língua Portuguesa, artes. O aluno tem

contato com vastas informações que, a partir da mediação

do educador, pode se transformar em conhecimento que

vai além da mera conceitualização que é proposta em

muitos livros didáticos.

Além disso, existe uma variedade de livros

paradidáticos disponível em meio digital que pode ser

trabalhado com aos alunos, pois nem sempre o livro físico

233
irá agradar a todos os educandos e os alunos estão

impregnados nessa cultura digital

Existem infinitas possibilidades para que o professor

possa trabalhar com esse material em sala de aula. Todavia

existe uma questão que antecede seu uso: precisa-se ofertar

formação aos educadores e possibilitar o acesso a esse

material.

Se olharmos para o contexto educacional dos

professores das escolas públicas, perceberemos que uma

gama deles, há bastante tempo, não participa de

congressos, seminários ou outros tipos de eventos que

possibilitem uma formação. Neste caso, existe diversos

fatores que são apontados como impedimentos: salário

insuficiente, a própria escola ou município não incentivam

a participarem ou estes não têm interesse e acham que o

que sabem é suficiente para ensinar aos seus alunos.

CONCLUSÃO

234
Ao final desse texto, retomamos as questões

levantadas inicialmente: como trabalhar com educandos

com altas habilidades tecnológicas, mas com dificuldades

básicas em relação à leitura e escrita? Como o professor lida

com tantos desafios no contexto escolar? Como a leitura de

livros paradidáticos podem contribuir com a formação de

um aluno crítico em pleno século XXI?

Destacamos que existe um progresso educacional

no Brasil. Segundo Ramos (2019), houve algumas melhoras

importantes na Educação brasileira, especialmente no que

se refere ao acesso à escola, ao aumento de financiamento

público e aos resultados de aprendizagens nos anos iniciais

do Ensino Fundamental. No entanto, ainda não se

conseguiu alfabetizar todas as nossas crianças.

Esse progresso fica mais restrito ao âmbito

quantitativo. O qualitativo ainda está defasado. A maneira

como trabalhamos em sala de aula não está dando conta de

alunos que estão inseridos num processo global, mesmo

235
que seja um processo que inclui e exclui. Os excluídos,

ainda sim, são atingidos por essa dinâmica.

O livro didático, da forma como é estruturado e é

empregado na maioria das escolas, já não dá conta de

subsidiar o conhecimento que os alunos buscam ou

desejam, nem muito menos formar um sujeito crítico para

um mundo sistêmico.

Os educadores já não conseguem lidar com as

inquietações dos alunos. Traduzindo em falas como: os

alunos não querem nada com a vida. A culpa é dos pais.

Educar é obrigação dos pais. Os alunos só querem saber de

celular. Os alunos não gostam de ler. Inserir as novas

tecnológicas como meras ferramentas não resolverá os

problemas que estão arraigados na base educacional

brasileira.

Quando propomos o uso do livro paradidático, não

estamos condenando o livro didático e nem muito menos

estamos afirmando que aquele resolverá todas as

problemáticas de sala de aula. A verdade, se é que existe, é

236
que o sucesso do material didático depende da forma como

ele é utilizado.

O que apregoamos é que esse recurso didático tem

um potencial que precisa ser explorado em todas as áreas

do saber. Não coadunamos em criar modelos ou propostas

engessadas, o educador precisar sentir-se livre para criar e

recriar com seu alunado a partir da sua realidade. Contudo,

é necessário quebrar esse encanto que existe em relação ao

livro didático, esse cânone da sala de aula já não dá conta

de formar o aluno do século XXI.

237
REFERÊNCIAS

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC,


2017.

BUCKINGHAM, David. Cultura Digital, Educação


Midiática e o Lugar da Escolarização. Educ.Real. Porto
Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-58, set./dez., 2010. Disponível
em:http://www.ufrgs.br/edu_realidade

KAPLÙN, Mario. Una pedagogía de la comunicación (el


comunicador popular) / Mario Kaplún. -- La Habana:
Editorial Caminos, 2002.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Comunicación y cultura


mundo: nuevas dinámicas globales de lo cultural Signo y
Pensamiento, vol. XXIX, núm. 57, julio-diciembre, 2010, pp.
20-34 Pontificia Universidad Javeriana Bogotá, Colombia

MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e


paradidáticos. 1997. Tese (Doutorado em História e
Filosofia da Educação) – Pontifícia Católica de São Paulo,
1997.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 14. ed. São


Paulo: Brasiliense, 1992.

238
PONTUSCHKA, Nídia Nacib; PAGANELLI, TomokoIyda;
CACETE, Núria Hanglei. Para ensinar e aprender
geografia. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

RAMOS, Maria Cecília Mattoso. O Paradidático, esse


rendoso desconhecido. 1987. Tese (Doutorado em
Filosofia, Letras e Ciências Humanas) – Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1987.

RAMOS, Mozart Neves. Sem educação não haverá futuro.


Uma radiografia das lições, experiências e demandas deste
início do século XXI. São Paulo: Moderna, 2019.
SILVA, Izabel Cristina da. Livro Paradidático: uma porta
aberta para o ensino de geografia. 2017. TCC (Material
Textual) - Caicó: UFRN, 2017. 244f.: il.

239
CAPÍTULO VIII

A UTILIZAÇÃO DIDÁTICA DE
REPORTAGENS DE JORNAIS NA
DINAMIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE
ENSINO E DE APRENDIZAGEM EM
GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Simone Lopes dos Santos


Isabela Santos Albuquerque

INTRODUÇÃO

Pensar como ensinar e trabalhar com a Geografia de

forma dinâmica e contextualizada nas várias etapas

formativas que se dão de forma sistematizada na escola é

questão desafiadora, podendo aflorar inúmeras discussões

e pesquisas acadêmicas. Planejar e desenvolver uma

metodologia que possa ser aplicada ao ensino de Geografia

foi o desafio da pesquisa intitulada “A UTILIZAÇÃO

DIDÁTICA DE REPORTAGENS DE JORNAIS NA

240
DINAMIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE ENSINO E DE

APRENDIZAGEM EM GEOGRAFIA”.

O referido tema surgiu a partir das inquietações das

pesquisadoras na busca por formas para trabalhar de

maneira mais dinâmica com a Geografia na educação

básica, principalmente por ocasião das atividades dos

estágios supervisionados, em virtude da observação do

desinteresse de muitos estudantes nas escolas-campo,

parceiras do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia da Bahia (IFBA), o que incomodava e

estimulava discussões entre pares e a busca por novas

possibilidades metodológicas.

A escrita do trabalho foi estruturada a partir de dois

eixos: Ensino de Geografia e Reportagens como instrumento

didático. No primeiro eixo, utiliza-se de trabalhos de

Castrogiovanni (2008), Cavalcanti (2010; 2012) e Vesentini

(2004; 2008); já no segundo eixo recorre-se as produções de

Kaercher (2008), Nascimento (2016) e Paula (2014).

241
Nesse ínterim, constatou-se que a utilização de

jornal impresso ou online consiste numa alternativa

significativa, que sendo utilizada de forma bem planejada,

pode corroborar para dinamizar os processos de ensino e

de aprendizagem na Geografia, além de favorecer uma

melhor compreensão de mundo pelos discentes. Nesta

pesquisa jornais impressos foram utilizados na composição

de uma hemeroteca que representaram uma proposta

metodológica importante e simples para articular temas

geográficos em sala de aula.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada no desenvolvimento do

trabalho prevê as seguintes etapas distintas e

complementares: pesquisa e estudo de referenciais sobre

eixos de análise do trabalho (Ensino da Geografia e

Reportagens como instrumento didático); seleção de jornais

que possuem boa circulação e aceitação na cidade de

242
Salvador e no estado da Bahia (A Tarde e Correio); coleta e

leitura de reportagens diversas sobre a Cidade de Salvador

por um período de três meses; organização das reportagens

para a montagem da hemeroteca; elaboração de sequências

didáticas para a disciplina de Geografia para séries da

educação básica15, a partir de algumas reportagens

selecionadas; e escrita do artigo.

Conforme dito, a coleta de jornais para a produção

da hemeroteca utilizada na pesquisa foi feita de setembro a

dezembro de 2017, a partir dos jornais A Tarde e Correio.

Após a pesquisa das reportagens foi elaborada uma tabela

registrando as seguintes informações relevantes: título,

data e ano de publicação e a categorização da subárea da

Geografia a qual cada reportagem poderia ser vinculada.

Para tanto, observou-se o conteúdo principal de cada

matéria. A partir deste levantamento, foi possível elaborar

gráficos para ilustrar à ocorrência das subáreas da

Geografia nas reportagens coletadas.

15
Para este trabalho optou-se por apresentar uma das sequencias
didáticas elaboradas.
243
ENSINO DE GEOGRAFIA: EM BUSCA DE NOVAS
POSSIBILIDADES

Albuquerque; Jesus e Jesus (2015, p. 10) abordam

sobre a importância dos professores estarem atentos às

transformações ocorridas no contexto mundial e como

estas vem interferindo na educação e, consequentemente,

na escola. Assim, cabe ao professor, pensar sobre tal

questão e sobre a sua própria prática, buscando sempre

possibilidades para atualizá-la e também torná-la mais

próxima possível à realidade de seus estudantes.

À Geografia cabe o estudo do espaço geográfico, o

qual é (re)produzido pelos homens na vida em sociedade,

a partir do desenvolvimento das várias atividades. Callai,

Castrogiovanni, e Kaercher (2008) reforçam que a

compreensão do referido objeto do conhecimento deve ser

concretizado através de um ensino prazeroso e dinâmico, o

que exige cada vez mais a utilização de meios que

possibilitem o desenvolvimento dos mais variados temas


244
de forma contextualizada e crítica, principalmente face ao

momento atual que é marcado pelo crescente volume de

informações que nem sempre representam possibilidades

para a construção de conhecimentos.

[...] o ensino da Geografia deve preocupar-se


com o espaço nas suas multidimensões. O
espaço é tudo e todos: compreende todas as
estruturas e formas de organização e
interações. E, portanto, a compreensão da
formação dos grupos sociais, a diversificação
social e cultural, assim como a apropriação da
natureza por parte dos homens [...]. (CALLAI;
CASTROGIOVANNI; KAERCHER, 2008,
p.14)

A citada área do conhecimento durante muito

tempo foi trabalhada de forma tradicional e muito formal

nas escolas, impulsionando como pontua Kaercher (2000,

p. 138) os alunos pensarem que a “Geografia é coisa de

professor de... Geografia!” ou ainda que “Geografia é coisa

(só) de escola!”. Isso não deve mais acontecer uma vez que

este modelo aplicado ao atual contexto social acaba

favorecendo a desmotivação entre os estudantes. Hoje não

245
é apropriado que a ação pedagógica enseje apenas práticas

de memorização e reprodução de conhecimentos e sim,

buscar a interpretação e a construção dos mesmos.

O rompimento do ensino tradicional da disciplina

de Geografia é questão urgente, afinal a prática pedagógica

dessa área precisa acompanhar as transformações da

sociedade. Kaercher ainda diz que é preciso propor “um

ensino não tão ‘formalizado’ – a partir de menos

classificações e nomenclaturas e memorização. Afinal, mais

importante do que saber o que é um planalto é perceber que

o relevo é modificado tanto pela natureza como pelos seres

humanos!” (2000, p. 139). Para tanto, como articula

Azambuja (2013), faz-se necessário a adoção de referenciais

teórico-metodológicos que privilegiem a contextualização

e a inter-relação dos conhecimentos, a construção e

interpretação de conceitos, o desenvolvimento do

raciocínio geográfico, cabendo ao professor ser o mediador

dos processos de ensino e de aprendizagem.

246
A sala de aula não é mais o lugar de repasses
de conteúdos prontos, e sim o locus das muitas
possibilidades para a circulação e construção
de conhecimentos. A didática específica da
geografia é pautada também pela renovação
teórica e metodológica da ciência,
considerando os fundamentos e a discussão
atual da teoria e o método da análise
geográfica. (AZAMBUJA, 2013, p. 166)

A prática pedagógica em Geografia pode munir o

educando de habilidades que o permitam avançar em seu

processo formativo, contribuindo “[...] a compreender o

mundo em que vivemos, para ajudá-lo a entender as

relações problemáticas entre sociedade e natureza e entre

todas as escalas geográficas” (VESENTINI, 2004, p. 220).

Sendo assim, uma alternativa que se mostra viável, é o

trabalho com metodologias ativas. Estas consistem em

caminhos e/ou possibilidades planejadas para fazer os

sujeitos trabalharem em grupo, dialogarem, pesquisarem,

levantarem hipóteses, experimentarem, refutarem ou

confirmarem suas hipóteses, etc. dando um sabor diferente

às vivências pedagógicas.

247
A utilização de recursos pedagógicos torna-se uma

questão relevante, pois é possível dizer que a diversidade

metodológica pode contribuir sobremaneira para a criação

de um ambiente propulsor de um aprendizado prazeroso e

para a formação de indivíduos autônomos e críticos,

capazes de se reconhecerem como agentes ativos em uma

sociedade em constante mutação. Neste trabalho os

recursos pedagógicos são considerados importantes para

os processos de ensino e de aprendizagem da Geografia,

ressaltando-se, contudo, que as ações precisam ser

planejadas e mediadas para que bons resultados sejam

alcançados.

O jornal impresso (ou digital) é um dos vários

dispositivos pedagógicos que merecem atenção em função

do potencial de interligação dos fatos sociais ao

conhecimento teórico, visto que a ocorrência dos

fenômenos é ventilada cotidianamente alcançando direta

ou indiretamente, boa parte dos agentes sociais, a exemplo

dos estudantes da educação básica.


248
O JORNAL COMO INSTRUMENTO DE
CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA

Pensar um aprendizado prazeroso e concreto exige

cada vez mais do professor a capacidade de compreender

a importância da geografia escolar para a formação do

indivíduo e de que forma a utilização das várias linguagens

podem romper com um ensino até então resumido à

descrição ou mesmo memorização dos eventos geográficos.

Desejando não restringir os processos de ensino e de

aprendizagem apenas ao cumprimento de atividades

fragmentadas e descontextualizadas, mas possibilitando

uma real aplicabilidade por parte do educando no sentido

de atuar no meio em que vive, vale abraçar o desafio de

pensar a diversidade metodológica como um começo

efetivo para despertar e manter o interesse pelo estudo de

temas geográficos, pois

percebe-se a necessidade de rever-se o

249
monismo metodológico e considerar a adoção
de métodos de ensino que conduzam o
discente a aproximar-se do objeto de estudo e,
na medida do possível, não apenas vê-lo, mas
tocá-lo, senti-lo e compará-lo com outros
objetos correlatos, ou seja, que o aluno
movimente-se em direção ao conhecimento e
com ele misture-se. (NASCIMENTO, 2016, p.
96).

Neste sentido, a utilização de reportagens de jornais

impressos ou online vem a ser uma oportunidade

promissora, por isso este trabalho primou pela produção

de uma hemeroteca e o planejamento do uso didático da

mesma para a Geografia. A hemeroteca pode ser entendida

como uma "[...] coleção de textos de jornais e revistas"

(BODOLAY, 2010, p. 185).

A palavra Hemeroteca tem origem no


vocabulário grego. No caso, os vocábulos,
heméra que tem o significado de dia, somado
à théke, que significa “coleção” ou “depósito”
criam a palavra hemeroteca, ou seja, um
conjunto organizado ou coleção de periódicos
(revistas/jornais). Muitas vezes, encontramos
hemerotecas dentro de bibliotecas. Geralmente
são seções dedicadas à conservação,
250
organização e consulta de materiais temáticos
como revistas, jornais, folhetins, suplementos,
anuários e etc. (ARAÚJO, 2006 – 2015, p.1).

O jornal é um recurso composto pelos mais variados

códigos, a exemplo de textos, ilustrações, gráficos, tabelas,

entre outros, podendo inegavelmente, possibilitar uma

leitura e interpretação do atual e complexo espaço

geográfico nas mais variadas escalas, corroborando para a

comparação, interação, interpretação e envolvimento dos

educandos com a pluralidade de informações sobre o

referido espaço, estimulando reflexões que primem por

uma educação que de fato possa ser instigadora e

libertadora.

Contudo, é necessário ter prudência no trato das

informações veiculadas através do referido recurso, já que

estas podem ser utilizadas, muitas vezes, de forma

tendenciosa. Assim, é relevante não esquecer que a

utilização do jornal ou qualquer outro recurso é de

responsabilidade do professor, devendo-se ressaltar a

251
importância da intencionalidade da ação pedagógica,

afinal:

Ao dar aulas para qualquer nível de ensino, o


professor escolhe sua fala, seu discurso, define
abordagens, enfoques, tempos de fala, tempos
de silêncio, encaminha atividades, utiliza-se de
recursos, que têm influência direta nos
resultados dos processos de aprendizagem dos
alunos. De alguma maneira, consciente ou
inconscientemente, o trabalho do professor
está ligado a um projeto de formação, a um
projeto de sociedade, a um projeto de
humanidade. (CAVALCANTI, 2010, p. 2)

Logo, tendo em vista que a utilização de jornais

pode vir a despertar o interesse dos discentes em

compreender o complexo espaço geográfico, partindo de

episódios cotidianos que são apresentados na mídia

jornalística impressa, a organização de uma hemeroteca

traduz-se numa possibilidade metodológica satisfatória,

cabendo citar os aspectos positivos: fácil acesso, custo e

manipulação.

252
A guisa de exemplo sobre a publicação de

reportagens e como estas podem apresentar um teor

educativo, a partir de uma abordagem desenvolvida por

Gleizer, Guimarães e Maia (2014), foram sistematizadas

algumas manchetes de reportagens sobre suicídio,

publicadas em setembro de 2017 (Figura 1). Como é

possível observar, o Jornal Correio da Bahia publicou três

reportagens sobre o tema, ao passo que, o Jornal A Tarde

publicou duas reportagens. Um aspecto relevante diz

respeito ao fato do mês de setembro ser dedicado ao alerta

contra o suicídio e ao fato da temática ter sido abordada a

partir de diferentes escalas geográficas, questão importante

e trabalhada por Vesentini (2004).

Figura 1: Reportagens sobre suicídio, publicadas nos Jornais A


Tarde e Correio

253
A Tarde, 07 de setembro de 2017, p. A4
Campanha propõe quebrar tabu e abrir diálogo sobre o suicídio.
Correio, 11 de setembro de 2017, p. 26
Ato na praia de Copacabana marca Dia de prevenção ao suicídio.

Correio, 12 de setembro de 2017, p. 2


Suicídio na Adolescência.

Correio, 22 de setembro de 2017, p.13


Suicídio é quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

A Tarde, 22 de setembro de 2017, p. B2


Suicídios aumentam 12% em 4 anos e preocupam ministério.

Fonte: Jornais A Tarde e Correio, setembro de 2017. Elaboração:

ALBUQUERQUE; LOPES, 2019.

Ainda quanto a necessidade de se ter cautela quanto

a utilização pedagógica de jornais, Gleizer; Guimarães e

Maia (2014) abordam que:

a utilização do jornal deve ser


incorporada ao cotidiano da escola,
desde que o professor tenha o domínio
de sua utilização, que perpassa desde a
coleta, forma de utilização – onde?
como? quando? –, identificação de erros
conceituais, presença de simplificações e
lacunas de informação, sem
desconsiderar a intencionalidade dos
254
fatos expostos pelas notícias que, muitas
vezes, podem estar longe da realidade
(GLEIZER; GUIMARÃES; MAIA, 2014,
p. 147)

Para que seja criado um ambiente fértil, prazeroso e

responsável a cultura do ensino e do aprendizado com

jornais, além das questões pontuadas acima, o professor

deve estar atento às particularidades de cada unidade de

ensino, das várias áreas do conhecimento, tentando a

adoção de práticas interdisciplinares, pois é bastante

atrativo utilizar um recurso que reflete as inúmeras

características sociais de um fenômeno e realidade como o

jornal.

A dinamização do ensino de Geografia aqui

sugerido tem a pretensão de alcançar aulas dinâmicas e

significativas para um perfil de estudante que é resultado e

vive em uma complexa sociedade, que deve ser estimulado

a pensar e a buscar caminhos que o conduzam efetivamente

a uma emancipação, que o possibilite criar e até mesmo

255
reconfigurar o espaço em que vive, ou seja, um indivíduo

que se reconhece autor da própria história, onde os

processos de ensino e de aprendizagem devam refletir

sobre uma participação crítica e consciente.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A pesquisa feita nos jornais A Tarde e Correio

permitiu a identificação e seleção de reportagens que

contribuem para uma abordagem rica sobre diversos

conteúdos, sendo possível através da organização

metodológica, tratá-los de forma crítica e dinâmica. Para

exemplificar a pesquisa feita, os temas selecionados foram

elencados e agrupados nas subáreas trabalhadas no âmbito

da Geografia, conforme os gráficos que serão apresentados

ao longo desta seção (Figuras 2, 3 e 4).

Como representado no gráfico (Figura 2), a

observação do jornal A Tarde permitiu a constatação de pelo

menos 77 reportagens possíveis de serem incorporadas à

área de Geografia, podendo-se ressaltar ocorrências de

256
temas que favorecem o trabalho tanto com a dinâmica física

quanto a humana, constituindo, assim, numa efetiva

perspectiva para a articulação do objeto da citada área do

conhecimento. Vale destacar as subáreas que mais foram

encontradas nas reportagens: Geografia Econômica (21%);

Geografia Política (19%) e Geografia da População (16%).

Figura 2: Percentual de Reportagens - A Tarde

Meio Biogeografia Formação


Ambiente e 1% Climatologia Territorial do
Desenvolvime 10% Brasil
ntoGeologia 1%
Geografia
13% 3%
Geografia Agrária
Urbana 3%
5% Geografia da
Indústria
8%
Geografia
Política Geografia da
19% População
Geografia
16%
Econômica
21%
Elaboração: ALBUQUERQUE; LOPES, 2018.

257
Dando continuidade a análise do levantamento de

reportagens passíveis de constituírem elemento didático na

Geografia, vale dizer que através do jornal Correio (Figura

3) foi possível selecionar 65 reportagens, as quais abordam

temas e conteúdos diretamente relacionados ao objeto de

estudo geográfico. Vale destacar as subáreas que mais

foram encontradas nas reportagens: Geografia Política

(18%), Geografia da População (14%); e Geografia

Econômica (12%).
Figura 3: Percentual de Reportagens - A Tarde

Meio Ambiente e Biogeografia


Formação
Desenvolvimento 6% Cartografia Climatologia
6% Territorial do
12% 3%
Brasil
Hidrografia 3%
Geografia
3% Agrária
Geologia 6%
5%
Geografia Geografia da
Urbana Indústria
5% 5%

Geografia Geografia da
Política População
18% Geografia Geografia das 14%
Econômica Redes
12% 2%
Elaboração: ALBUQUERQUE; LOPES, 2018.
258
Comparando o material pesquisado nos respectivos

jornais (Figura 4), faz-se necessário pontuar que apesar de

o jornal A Tarde em um mesmo período (setembro a

dezembro de 2017) possibilitar a seleção de um maior

número de reportagens (77 reportagens), as encontradas no

jornal Correio (65 reportagens) são de melhor compreensão

para o leitor, o que é demonstrado tanto através dos

recursos imagéticos, como também através das

informações advindas de profissionais da área. Contudo,

tanto o jornal A Tarde como o Correio constituem sem

sombra de dúvida em recursos fundamentais para o estudo

e compreensão do espaço geográfico.

Figura 4: Expressividade das Reportagens Selecionadas

259
77
80
70 65
60
50
40
30
16 15
20 129 12 108
8 6 8
10 14 02 4 12 24 3 01
43 23 2
0
0

A TARDE
CORREIO

Elaboração: ALBUQUERQUE; LOPES, 2018.

Não é demasiado frisar que ao utilizar as

reportagens pedagogicamente, o professor deve sempre

procurar instigar os discentes com alguns questionamentos

que não só despertem o interesse pelo assunto, como

também favoreçam a compreensão dos elementos que

compõem a matéria, pois ensinar Geografia na atualidade

260
requer o desafio de se estimular a pensar e raciocinar sobre

o espaço geográfico, como aborda Paula (2014, p.7):

Ao destacar a atualidade, pode-se fazer um


recorte para o hoje, para o instantâneo, isso
mostra que a Geografia é uma ciência
dinâmica, afinal a sociedade que cria e recria o
espaço geográfico é a responsável por essa
dinamicidade e fluidez dos fatos e notícias.

De acordo com Callai; Castrogiovanni e Kaercher

(2008, p. 137), a utilização de reportagens como

instrumento de abordagem didática, funciona de forma a

“[...] mostrar o cotidiano, a atualidade e a importância da

Geografia presente em diferentes tipos de textos [...]”, além

de também contribuir para que de forma quase que

instantânea, haja uma compreensão e/ou descrição do

fenômeno até mesmo de modo distinto do qual está sendo

veiculado.

Assim sendo, deve-se compreender que tanto o

jornal, quanto qualquer outro recurso pode conter

informações tendenciosas como também erros conceituais,

261
onde a existência de um ou outro ou até mesmo os dois

sejam utilizados pelo docente como uma oportunidade

para despertar a atenção e envolvimento dos discentes,

transformando possíveis situações equivocadas e/ou

tendenciosas em meios para tornarem a aula mais dinâmica

e envolvente.

Diante do exposto, pode-se dizer que,


A utilização do jornal deve ser incorporada ao
cotidiano da escola, desde que o professor
tenha domínio de sua utilização, que perpassa
desde a coleta, forma de utilização, […]
identificação de erros conceituais, presença de
simplificações e lacunas de informação, sem
desconsiderar a intencionalidade dos fatos
expostos pelas notícias [...]. (GLEIZER;
GUIMARÃES; MAIA, 2014, p. 147)

Callai; Castrogiovanni e Kaercher (2008, p. 15)

mencionam ser importante “[...] teorizar a vida, para que o

aluno possa compreendê-la e representá-la melhor [...]”.

Portanto, a pesquisa e estudo de temas geográficos

diversos feitos em jornais podem impulsionar não apenas

uma leitura crítica acerca da realidade, mas provocar nos

262
indivíduos a sensibilidade da percepção de que existem

várias leituras feitas por indivíduos distintos, que por sua

vez, anseiam mostrar um olhar da realidade, como articula

Kaercher (2000, p. 154):

Com isso a Geografia pode sim desvelar (tirar


véus) de coisas que estão encobertas. Não no
sentido de mostrar agora o lado “real”,
“correto” das coisas. Mas, simplesmente
mostrar que sempre há mais de uma leitura
possível. A Geografia sempre será ideológica,
porque mostra certas (e esconde outras)
leituras possíveis de mundo e de espaço.

PLANEJANDO E EXEMPLIFICANDO A UTILIZAÇÃO

DE JORNAIS EM AULAS DE GEOGRAFIA

A utilização de uma hemeroteca, conforme já

abordado neste trabalho, pode consistir num recurso

significativo para o trato de temas e/ou fenômenos

geográficos. A sua elaboração é simples, de fácil

manipulação e de baixo custo, já que muitas vezes as

reportagens podem ser adquiridas em jornais disponíveis

263
na própria escola ou também trazidas por estudantes e

professores.

Uma sugestão para a estruturação da hemeroteca é

que o docente convide a turma a compor o material

conjuntamente, pois ao ser co-responsabilizado o discente

pode participar mais ativamente e prazerosamente. A

formação de grupos para a pesquisa de temas por áreas é

outra questão pertinente, a fim de organizar mais o

processo. Assim, a sala toda é convidada a pesquisar e

disponibilizar reportagens na pasta da turma, seguindo

uma periodicidade combinada previamente.

A partir da comprovação da riqueza de

possibilidades de contextualização das reportagens, vê-se a

necessidade de sugerir um possível método de abordagem

que vise uma aula mais dinâmica e satisfatória tanto para

os discentes quanto o docente. Acredita-se que a

abordagem dialógica é a mais apropriada, uma vez que se

aprende enquanto se ensina e também a partir das trocas

de experiências e múltiplas interações. E para esse intento,

264
faz-se necessário, que o planejamento de aulas estimule a

participação dos diversos sujeitos. O processo de ensino e

aprendizagem deve proporcionar uma relação de interação

entre o professor e aluno. Quanto a isso, Azambuja (2013,

p.166) argumenta que:


O processo de ensino e aprendizagem é
dialógico, é espaço-tempo de interação entre
professor, aluno, conhecimento e realidade. A
ação dialógica está no reconhecimento
permanente do saber do outro como
contraponto ou antítese para a elaboração de
novo conhecimento. Nesse diálogo, o
professor continua sendo o sujeito que ensina,
mas é também o que orienta, coordena e
organiza a relação pedagógica. O aluno
continua sendo o sujeito que aprende, mas
também é o que questiona, investiga novas
informações, pensa sobre elas [...].

No intuito de favorecer uma melhor compreensão

do tema do presente trabalho será apresentada, a seguir,

uma proposta para aulas de Geografia com base em uma

das reportagens pesquisadas e que compôs a hemeroteca

relatada nesta experiência (Figura 5 e Quadro 1).

265
Figura 5:

Salvador tem a cesta básica mais barata do Brasil

Por: Marjorie Moura


A Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos de agosto,
realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), mostrou que Salvador foi a capital pesquisada com
menores valores médios observados com custo dos alimentos essenciais
(R$332,10), seguida de Natal (R$336,12) e Recife (R$330,54). A capital baiana
foi a segunda com quedas mais expressivas dos preços com índice de -7,05%,
atrás de Campo Grande (-7,09%), Natal (-6,15%) e Recife (-5,84%).
Em agosto, o custo do conjunto de alimentos essenciais diminuiu em
21 das 24 cidades onde a pesquisa foi realizada mensalmente. As altas mais
expressivas foram registradas em Goiânia (0,04%), Maceió (0,91%) e Boa Vista
(1,40%). Porto Alegre foi a cidade com a cesta mais cara (R$445,76), seguida
por São Paulo (431,66) e Florianópolis (R$426,30). Em 12 meses, todas as
cidades acumularam diminuição nos valores da cesta. As taxas negativas
variaram entre -19,42%, em Campo Grande e -4,55%, em Aracaju. Entre janeiro
e agosto de 2017, o custo da cesta apresentou queda em 23 capitais, com
destaque para Campo Grande (-12,98%), Cuiabá (-11,79%), Manaus (-9,39%)
e Belém (-8,50%). A única alta acumulada no ano foi registrada em Aracaju
(1,19%).
Segundo Ana Georgina da Silva Dias, supervisora técnica do Dieese
na Bahia, ao longo de 2017 “temos observado mais momentos de redução da
cesta, do que de elevações, e em agosto foi registrada a maior redução de 2017”.
Alguns alimentos, diz ela, são afetados pela seca, mas os itens da cesta básica
não sofreram esta influência, principalmente porque em alguns lugares, o
inverno foi melhor que nos anos interiores.
“Temos observado uma queda não apenas nos itens de alimentação,
mas nos preços de uma maneira geral, fazendo com que as taxas inflacionárias
diminuam. Leite e derivados por outro lado tiveram oferta maior dos produtos,
o mesmo caso da carne que, desde a Operação Carne Fraca e a ação contra
grupos do setor, ocorreu redução das exportações, favorecendo a oferta para o
mercado interno. Item alimentação tem peso grande no orçamento das
famílias”, afirma.
Em Salvador, as únicas altas foram registradas no preço médio da
farinha de mandioca (1,85%) e do266óleo de soja (1,08%). O preço médio do arroz
ficou estabilizado na capital baiana. Entre os produtos que registraram redução
no preço médio, em agosto, destacam-se o tomate e o feijão, com variações de
-28,37% e -19,43%, respectivamente.
Fonte: Jornal Correio, 15 de setembro de 2017.
Quadro 1: Plano de aula
Tema: Geografia Econômica

Seguimento: 1º Ano – Ensino Médio

Duração: 6 aulas de 50 minutos

Objetivo(s):

* Compreender como a oscilação de preços da cesta básica em sua cidade está


vinculada a uma dinâmica econômica mais ampla.

* Perceber como a variação de preços da cesta básica interfere no cotidiano das


famílias brasileiras.

Proposta didática:

1. Inicialmente serão feitas perguntas a turma:


Vocês costumam acompanhar a sua família nas compras de alimentos em
feiras ou supermercados? Geralmente, quais são os tipos de alimentos que sua
família mais consome? Será que a variação de preços da cesta básica em sua
cidade tem relação com o país? Caso considerem que sim, por que será que
isto ocorre? Como será que a variação dos preços dos alimentos interfere na
vida cotidiana das famílias?
2. Em seguida, a turma será convidada a ler e analisar coletivamente a
reportagem “Salvador tem a cesta básica mais barata do Brasil”. A partir da
leitura, será feita a correlação das informações contidas na mesma com os
questionamentos apresentados anteriormente.
3. A partir do retorno dos questionamentos, faz-se necessário organizar
visualmente as principais informações encontradas na reportagem para
articular melhor a discussão sobre a temática: “[...] valores médios observados
com o custo dos alimentos essenciais”; “[...] temos observado mais momentos
de redução da cesta, do que de elevações [...]”; e “Item alimentação tem peso
grande no orçamento das famílias”.
4. Após ter identificado o nível da turma com os questionamentos anteriores,
serão apresentados novos elementos sobre a temática. Torna-se interessante

267
fazer uma explicação de forma expositiva dialogada, possibilitando uma visão
articulada.
5. Organizar uma lista com produtos mais comprados pelas famílias em feiras
livres, a fim de que os estudantes possam fazer uma pesquisa de campo.
6. Solicitar que os estudantes acompanhem a família numa compra à feira
localizada em seu bairro para conversar com os feirantes e compreender
questões importantes sobre a temática em estudo, como por exemplo:
A origem da feira; A origem dos produtos vendidos na feira; O deslocamento
feito pelos feirantes até a feira, etc.
Outras questões devem ser pensadas junto com os estudantes para que eles
possam se preparar para a atividade de campo.
7. Conversar com os estudantes para saber como foi a atividade de campo, e
ter um retorno dos diálogos estabelecidos junto aos feirantes.
8. Organizar a turma em grupos, considerando a proximidade de endereço. Os
estudantes poderão sistematizar as informações pesquisadas por áreas da
cidade e verificar se existe variação nos dados.
9. Selecionar um mapa-base (Região metropolitana de Salvador ou Mapa do
Brasil) para traçar o deslocamento dos produtos comprados pelos feirantes e
vendidos na feira.
Recursos didáticos:

Quadro, marcador para quadro, hemeroteca, mapa-base.

Avaliação: será realizada de forma processual a partir do acompanhamento


dos estudantes no decorrer das aulas, mas também com base na realização das
atividades propostas: saída técnica, sistematização e apresentação de dados,
mapa temático.

P.S. caso algum estudante tenha dificuldade para ir a uma feira livre, as
informações podem ser pesquisadas em mercadinhos de bairro, pois nestes
estabelecimentos provavelmente será possível conversar com os responsáveis
ou donos.

Referência: Salvador tem a cesta básica mais barata do Brasil. Jornal A Tarde.
Salvador, 05 de set. de 2017.

Elaboração: ALBUQUERQUE; LOPES, 2019.

268
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda e qualquer prática docente interfere

sobremaneira na formação do indivíduo, logo, ao

pretender optar por uma prática docente dinâmica e

criativa, é fundamental que o profissional saia da zona de

conforto e busque superar aulas pouco envolventes,

posicionando-se favoravelmente quanto a utilização dos

vários instrumentos metodológicos existentes e possíveis

de serem criados, afinal, a multiplicidade dos fenômenos

ao nosso redor, não nos permite já a algum tempo o

monismo didático.

Dessa forma, o presente trabalho aponta a utilização

de reportagem de jornal, através da produção de uma

hemeroteca, como um recurso significativo para

dinamização do ensino de Geografia. As reportagens

podem configurar-se num elemento fundamental ao

favorecimento do diálogo entre as dinâmicas naturais e

sociais, onde a visualização dos temas nas suas várias

269
escalas, aproximados para a rotina dos educandos, torna-

se, sem dúvida, uma possibilidade para levar o processo

educativo para além dos muros da escola.

Porém, ressalta-se aqui a importância do

planejamento adequado do uso do citado recurso, pois cabe

pontuar que por si o recurso não é capaz de otimizar

nenhum processo pedagógico. É observando os

conhecimentos prévios, o interesse, o nível de

desenvolvimento, potencialidades, questões culturais e

sociais dos estudantes e da comunidade da escola que a

prática pedagógica precisa ser pensada e estruturada.

A busca pela utilização de jornais através da

produção de uma hemeroteca foi pensada aqui para buscar

efetivar uma ação educativa dinâmica, criativa e crítica,

capaz de envolver os discentes a ponto de os despertarem

para a aquisição de habilidades e competências

indispensáveis a compreensão da amplitude dos

fenômenos existentes no espaço geográfico. Acredita-se

que a partir de ações assim, seja possível potencializar e

270
contextualizar os mais variados assuntos, atuando com um

dos numerosos instrumentos necessários a busca de um

conhecimento imprescindível a formação integral do

indivíduo, contemplando os anseios destes.

Sendo assim, a proposta da utilização da

reportagem de jornais através da hemeroteca é uma das

inúmeras possibilidades didáticas a serem adotadas no

ensino de Geografia, podendo ter um papel fundamental

para a construção de um conhecimento efetivamente mais

sólido e capaz de ressignificar as ações na citada área do

conhecimento, bem como despertar os indivíduos para a

autoria de sua própria história.

Vale dizer que a maior pretensão com a organização

da hemeroteca foi mostrar como o jornal pode constituir-se

num instrumento pedagógico que tende a contribuir para

a realização de uma leitura geográfica interdisciplinar e

transversal. Caso deseje, o professor pode estabelecer

períodos sazonais para tal prática, como também pode

fazer uma coleta mais sistemática. O importante é

271
compreender que as reportagens poderão ser utilizadas em

qualquer momento como fonte de consulta, já que

representam um registro de fatos e/ou fenômenos em

determinado recorte espaço-tempo.

272
REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Isabela Santos; JESUS, Jéssica Caroline Souza


de; JESUS, Marcus Henrique Oliveira de. Formação e prática
docente em Geografia: construção de uma relação dialógica.
Anais do II CONEDU – II Congresso Nacional de Educação
[recurso eletrônico]: Políticas, teorias e práticas. Campina
Grande/PB: Realize Eventos, 2015.

ARAÚJO, Felipe. Hemeroteca. [Florianópolis]: InfoEscola, 2006


– 2015. Disponível em <
https://www.infoescola.com/curiosidades/hemeroteca/> Acesso
em 25 de nov. de 2015.

BODOLAY, A. N. Hemeroteca como estratégia de leitura e


escrita. SIGNUM: estudos da linguagem, Londrina, nº 13/2, p.
173-192, 2010.

AZAMBUJA, Leonardo Dirceu. A população na Geografia e no


ensino de Geografia. In: CAVALCANTI, Lana de Souza. (Org).
Temas da Geografia na Escola Básica. Campinas, SP: Papirus,
2013.

CALLAI, Helena Copetti; CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos;


KAERCHER, Nestor André (Org). Ensino de Geografia: práticas
e textualizações no cotidiano. 6. ed, Porto Alegre: Editora
Mediação, 2008.

CAVALCANTI, Lana de Souza. Concepções teórico-


metodológicas e docência da geografia no mundo

273
contemporâneo. O ensino de geografia na escola. São Paulo:
Papirus, 2012.

_____Anais do I Seminário Nacional: Currículo em Movimento


– Perspectivas Atuais Belo Horizonte, novembro de 2010.

_____Geografia escolar e procedimentos de ensino de uma


perspectiva socioconstrutivista. São Paulo: Papirus, 2010.

GLEIZER, Jéssica de Andrade; GUIMARÃES, Mariana Rosa dos


Santos; MAIA, Diego Corrêa. Hemeroteca: potencialidades na
pesquisa e no ensino de temáticas físico-naturais na Geografia
Escolar. Revista Ensino de Geografia. Uberlândia, 2014.

KAERCHER, Nestor André; Geografizando o jornal e outros


cotidianos: práticas em Geografia para além do livro didática. In:
CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos (Org). Ensino de
Geografia: práticas e textualizações no cotidiano. 6. ed, Porto
Alegre: Editora Mediação, 2000.

NASCIMENTO, Rosângela Dias Carvalho do. A reportagem


como instrumento didático: Perspectivas e possibilidades. João
Pessoa: Ideia, 2016.

PAULA, Claudia Ponciano de; TORRES, Eloiza Cristiano. O uso


de jornal como instrumento pedagógico no ensino de Geografia.
In: Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do
professor - PDE, V. I - Paraná, 2014.

274
Salvador tem a cesta básica mais barata do Brasil. Jornal A
Tarde. Salvador, 05 de set. de 2017.

VESENTINI, José William. Educação e ensino da geografia:


instrumento de dominação e/ou de libertação. In: ALESSANDRI,
Ana Fani (Org). A Geografia na sala de aula. 8. ed, São Paulo:
Editora Contexto, 2008.

______O ensino de geografia no século XXI (Org). São Paulo:


Coleção Papirus Educação, 2004.

275
CAPÍTULO IX

REPERTÓRIOS ÉTNICO-RACIAIS DE PROFESSORES


QUILOMBOLAS DA EDUCAÇÃO
BÁSICA DE SERGIPE

Mildon Carlos Calixto dos Santos

REPERTÓRIOS ÉTNICO-RACIAIS

As pesquisas recentes têm demonstrado que,


ao contrário que tanto se alardeia, no Brasil,
desde o século XIX, a escola pública sempre foi
uma escola de negros e pobreza sendo raros os
momentos e/ou instituições em que as camadas
médias frequentaram majoritariamente a
escola pública. O grande apreço retórico de
nossas elites políticas e intelectuais por uma
escola pública que atendesse a “todas as
camadas da população” não raramente
transvestiu-se de um enorme esforço político
por produzir “outros” como destinatários
desta mesma escola pública (FARIA, 2013, p.
30).

O governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva

(2003) empenhou-se, em consonância com os movimentos

sociais, tendo em vista a diversidade de grupos étnico-


276
raciais através de promoção de políticas públicas de

igualdade racial e enfrentamento à injustiça no sistema

educacional brasileiro, viabilizando ações afirmativas e

medidas especiais e temporárias com o objetivo de

eliminar as desigualdades, práticas preconceituosas,

discriminatórias e raciais no âmbito escolar.

O balanço da educação no Brasil na primeira

década do século XXI, presente nos discursos de Frigotto

(2011), revela-nos repertórios de uma política de governo

contraditória, baseada na parceria do público com o

privado, que aposteriori gerou uma dinâmica de

resultados positivistas e desenvolvimentistas, apenas

preocupado com ações quantitativas, não sanando a

mazela social da pobreza e exclusão social na sociedade

brasileira, gerando um ciclo vicioso conjuntural e

estrutural. A visão fragmentada que saneou parcialmente

o fosso entre dominantes e dominados no que se refere à

acessibilidade e inclusão dos direitos elementares, em

contrapartida às forças sociais elitistas que os produziram

277
não foram capazes de partilhar as suas riquezas com a

massa desvalida. A ideologia de uma sociedade em

desenvolvimento meramente cosmético de um conteúdo

simulacro disforme das tensões do mercado capitalista e

sua filosofia mercantilista, clichê e alienação para as bases

das relações sociais.

Considerando os debates que têm ocorrido, tanto

no nível estadual quanto no federal, sobre a temática em

questão e diante da promulgação da Lei n˚ 10.639̸2003, o

Conselho Nacional de Educação aprovou o parecer CNE

/CP Nº 3/2004/ Conselho Nacional de Educação

̸Conselho/DF, que instituiu as Diretrizes Curriculares

para aEducação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de

História e cultura Afro-brasileira e Africana, a serem

executadas pelos estabelecimentos de ensino de

diferentes níveis e modalidades, cabendo aos sistemas

de ensino, no âmbito de sua jurisdição, orientar e

promover a formação de professores e supervisores no

cumprimento dessas Diretrizes.

278
Trata-se de relevante desafio investigar quanto ao

estado da implementação da Lei n˚10639̸2003 no âmbito de

Sergipe. É prioritário hoje buscar, a partir de pesquisa,

os procedimentos executados pela Secretaria de Estado de

Educação para atender o estabelecido na Constituição

Federal nos seus Art. 5; I, Art. 210, Art. 206, I, bem como

nos Art. 26 e 79B Lei 9.394̷ 96 de Diretrizes e Base da

Educação Nacional, que assegura o direito à igualdade de

condições de vida e cidadania, assim como assevera igual

direito a história e às culturas que compõem a nação

brasileira, além do acesso às diferentes fontes da cultura

nacional a todos os brasileiros.

A partir da III Conferência Mundial contra o

Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas

Correlatas de Intolerância, realizada em Durban, África

do Sul, de 31 de agosto a 7 de setembro de 2001, políticas

públicas são instituídas nesse sentido, sendo o Estado

brasileiro signatário da Declaração e do Plano de Ação

resultantes desta conferência.

279
Em que pesem os esforços para que conquistas

fossem garantidas no âmbito legal, a realidade não se

mostra, ainda hoje, tão promissora para as crianças

brasileiras, em especial para as crianças negras. De acordo

com dados da UNICEF (2010), a média nacional de 38,6%

de crianças fora da escola esconde a iniquidade entre as

crianças brancas para quem o dado é mais favorável

36,1%; entre crianças negras, porém, 41% não frequentam

a pré-escola. Essa disparidade demonstra a desigualdade

entre brancos e negros desde o início da escolaridade.

Junta-se a preceitos análogos ao Art.26 e 26ª da

LDB, como os das Constituições Estaduais da Bahia (Art.

175, IV e 288), do Rio de Janeiro (Art.303), de Alagoas

(Art.253) assim como de leis orgânicas tais como de Recife

( Art. 138), de Belo Horizonte (Art. 182, VII ), a do Rio de

Janeiro ( Art. 321, VIII ) , além de leis ordinárias como lei

Municipal n˚7685, de 17 de Janeiro de 1994, de Belém a Lei

Municipal n˚ 2.251, de 30 de novembro de 1994, de

Aracaju e Lei Municipal n˚11.973, de 4 de janeiro de 1996,

280
de São Paulo. Belém – Lei Municipal n˚ 76. 985, de 17 de

Janeiro de 1994, que “Dispõe sobre a inclusão no currículo

escolar da Rede Municipal de Ensino, na disciplina

História, de conteúdos relativos ao estudo da Raça Negra

na Formação sociocultural brasileira e dá outras

providências. Junta-se também ao dispositivo no Estatuto

da Criança e do Adolescente (Lei 8.096, de 13 de Janeiro

de 1990), bem como nos Plano Nacionais de Educação (Lei

10.172, de 9 de Janeiro de 2001 e Lei Nº 13.005, de 25 de

junho de 2014

(2014-2024).

Todos esses dispositivos legais e a proposta do

Movimento Negro ao longo dos séculos XX e XXI,

apontam projetos de valorização da história e cultura dos

afro- brasileiros e dos africanos, assim como competências

de relações étnico-raciais. É importante salientar que tais

políticas têm como meta o direito dos negros se

reconhecerem na cultura nacional.

O currículo multicultural, proposto por Silva

281
(2001), é reflexo de política curricular fundada em

dimensões epistemológicas, históricas, sociais, culturais e

antropológicas, oriundas da realidade brasileira e busca na

formação do cidadão combater o racismo e as

discriminações que atingem particularmente os negros.

Sua proposta contempla, dentre outras ações, a

divulgação de políticas de ações afirmativas que

eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento

étnico-racial, descendentes de africanos, povos indígenas,

descendentes de europeus, de asiáticos, para interagirem

na construção de uma sociedade democrática, em que

todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua

identidade valorizada, o que, de algum modo contribui

para a universalidade da proposta de políticas de

formação docente e discente.

Isso transforma a tarefa da teorização curricular

crítica em um esforço contínuo de identificação e análise

das relações de poder envolvidas na educação e no

currículo. Quais são as relações de classe, etnia, gênero, que

282
fazem com que o currículo seja o que é e que produza os

efeitos que produz? Qual o papel dos elementos da

dinâmica educacional e curricular envolvidos nesse

processo? Qual nosso papel, como trabalhadores culturais

da educação, nesse processo? Saber que o poder não é

apenas um mal, nem tem uma fonte facilmente

identificável, torna, evidentemente, essa tarefa mais difícil,

mas talvez menos frustrante, na medida em que sabemos

que o objetivo não é remover o poder de uma vez por todas,

mas combatê-lo, sempre (MOREIRA; SILVA, 2001, p.30).

Esta pesquisa pretende investigar as políticas

públicas étnico-raciais na formação de professores da

educação básica do Estado de Sergipe. Embora

apresentem distorções cognitivas em seu bojo

epistemológico, histórico, político e cultural, oriundos de

resquícios ideológicos racistas, discriminatórios e

preconceituosos da construção política como arquétipo

das práxis ou consciência referendada pelo sujeito

cognoscente, do estado tirânico e opressor. É possível a

283
reestruturação e organização das diretrizes públicas

pedagógicas e das práticas formativas que dialogam com

os anseios radicais de uma dialética da profissão docente,

sem perder a visão crítica sistematizada da dinâmica de

pensar a realidade étnico-racial no cotidiano escolar.

Advogamos que a consciência reflexiva do

professor como sujeito do conhecimento na atividade

didático - pedagógica de análise e síntese, de

representações simbólicas de signos é significante, apoie-

se no método dialético fundamentando a vivência e a

pluralidade das representações cultural, filosófica e

antropológica da dinâmica social contemporânea. Nessa

perspectiva são identificadas as ambivalências da

sociedade capitalista, neoliberal globalizada, de modo

combativo visando à autonomia no enfrentamento da

violação aos direitos dos trabalhadores diante do que

preconizam as políticas públicas de formação de

professores (inicial e continuada), de base cientifica e

igualitária, a partir do compromisso social para com a

284
educação de qualidade para todos os excluídos da

sociedade brasileira e, em particular, da sergipana.

Defende-se uma educação de qualidade social extensiva a

todos os cidadãos, sobretudo o negro vítima de práticas

omissivas e eurocêntricas presentes na sociedade, que

atravessam o chão da escola, estigmatizando a população

afro-brasileira e Africana, desse modo confrontando as

forças progressistas de educadores.

REPERTÓRIOS ESCOLARES ÉTNICO-RACIAIS

A escola ao silenciar sobre as dinâmicas das

relações raciais tem permitido que seja transmitida aos

(as) alunos (as) uma pretensa superioridade branca, sem

que haja questionamento desse problema por parte dos

profissionais da educação e envolvendo o cotidiano

escolar em práticas prejudiciais ao grupo negro.

Silenciar diante do problema não apaga

magicamente as diferenças e, ao contrário, permite que

285
cada um construa a seu modo, um entendimento muitas

vezes estereotipado do outro que lhe é diferente. Esse

entendimento acaba pautado pelas vivencias sociais de

modo acrítico, comparando a divisão e a hierarquização

racial. Reconhecer esse problema e combatê-lo no espaço

escolar é imprescindível. É necessária a promoção do

respeito mútuo, o respeito ao outro e reconhecimento as

diferenças. Implementando medidas que vise combate

ao racismo e a estruturação do projeto político

pedagógico que valorize o pertencimento racial dos

alunos negros quilombola da educação básica do Estado

de Sergipe.
Partindo da tomada de consciência dessa
realidade, sabemos que nossos instrumentos
de trabalho na escola e na sala de aula, isto é,
os livros e outros materiais didáticos visuais e
audiovisuais, carregam os mesmos conteúdos
viciados, depreciativos e preconceituosos em
relação aos povos e cultura não oriundos do
mundo ocidental. Os mesmos preconceitos
permeiam também o cotidiano das relações
sociais de alunos entre si e de alunos com
professores no espaço escolar (MUNANGA,
2008, p.11).
286
Ao direcionar o olhar para a escola, como

microcosmo desse espaço mais amplo, que é a sociedade,

ela é ainda predominantemente eivada de concepções

contraditórias e as práticas nela processadas, de modo

geral ainda se prestam a uma versão homogeneizada da

sociedade e a um tratamento racista para com a parcela

majoritária da sociedade como exemplo, temos os

discursos incorporados por parte significativa dos sujeitos

desse espaço que referenda a versão branco Centrica euro-

norte-americana da história e da sociedade.

Ainda somos colocados sob a ótica cristalizada de

apêndice da história, de portadores de subculturas, de

peças de um passado eternizado na imagem das

diferenças, como povos selvagens primitivos como afirma

a antropóloga da Universidade de São Paulo Lilia Moritz

Schwartz ao tratar do “espetáculo das raças”.

A educação escolar, embora não possa resolver

tudo sozinha, ocupa um espaço de destaque. A sociedade

287
sergipana é plural, étnica e culturalmente, desde os

primórdios de sua formação pela força colonial; só

podemos fazê-la democraticamente respeitando a

diversidade do povo, ou seja, as matrizes étnico-raciais

que deram ao Brasil atual sua feição multicolor composta

de índios, negros, orientais, brancos e mestiços.

Uma educação de qualidade tem sido a bandeira

de luta de movimentos sociais, organizações da sociedade

civil, governos em suas diferentes esferas. Assim,

equidade significa não apenas garantir acesso universal à

escola, mas, principalmente, que a permanência e sucesso

na trajetória escolar ocorram em um ambiente propício,

com base num projeto político-pedagógico e num

currículo que respeite a diferença e a diversidade,

reconhecendo que o espaço escolar representa um espaço

público de oportunidades para as transformações éticas,

culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-

raciais.

288
Não obstante a oficialização da Lei n˚ 10.639 ̸ 03

e de uma educação para a diversidade e relações étnico-

raciais, esta prática contínua envolta a tabus, sendo

transmitida de modo eventual em datas comemorativas.

Será o preconceito velado que impede de tornar

cotidianas essas ações ou é a falta de interesse em

pesquisar o assunto? Muitas vezes, os professores

utilizam-se do argumento da não preocupação, da não

formação em torno da questão referente à diversidade

étnico-racial.

Embora proceda, em parte, esse argumento não

pode servir para justificar a opção pelo silenciamento e o

não questionamento diante das questões de exclusão,

preconceito, discriminação racial, presentes na sociedade

sergipana, que atribuem às diferenças da população negra

descendentes de africanos representações e sentidos que a

desqualificam e inferiorizam.

Além da educação escolar, a sociedade

desenvolve múltiplas práticas sociais e culturais que

289
mantêm a cultura hegemônica e a atribuem à população

negra uma visão inferiorizada. Como a escola pode se

contrapor e oferecer possibilidades para que as crianças,

adolescentes e jovens negros construam uma identidade,

uma imagem de si mesmo e do outro (alteridade)

ressignificando os valores culturais? Como promover a

construção dos valores multiculturais numa sociedade

que se tem pautado pela exclusão e discriminação? Essas

são as questões norteadoras dessa pesquisa.

Os repertórios étnico-raciais implicam que os

professores trabalhem dialeticamente, em meio a

ideologias opostas (da cultura europeia dominante e das

culturas negras). Requer dos professores um claro

entendimento de que educar estudantes

afrodescendentes é mais que prepará-los para um

sucesso individual; é prepará-lo para a sobrevivência: da

própria pessoa, da família, da comunidade e das outras

pessoas.

290
A realidade aqui exposta se faz presente também

nos livros didáticos nos quais o povo africano aparece em

condições isoladas, de desvantagens, inferioridade ou de

submissão, construindo estereótipos no imaginário dos

alunos. Dessa forma inviabiliza-se o conhecimento da

cultura considerada civilizada do povo africano,

reduzindo-o, o simplesmente, a um estereótipo de

primitivo incapaz, desrespeitando-se assim as origens da

população negra a mestiça.

Emerge então, neste contexto, a questão do

preparo do professor quilombola em lidar com situações

de discriminação étnico-racial, compreender o alcance e

as repercussões que estes acontecimentos possam vir a ter

no autoconceito do aluno e, em consequência, no seu

rendimento escolar e na vida.

O desenvolvimento desse estudo propõe-se a

dar visibilidade a essa questão no campo das políticas

públicas, visto que no texto da Lei 10.639 ̸ 2003 e no Plano

Nacional para Diretrizes Curriculares para Educação

291
Étnico Racial, Estatuto da Igualdade Racial, Lei n˚

12.288 ̸ 10,é sugerida a formação continuada de

professores e estabelecida a obrigatoriedade do ensino

de História Geral da África e da História da População

Negra no Brasil, observado o dispositivo na Lei n˚ 9.394 ̸

96, em consonância com Plano Nacional de Educação

(2014-2024) Lei nº 13.005,de 25 de junho 2014 que instituir,

uma articulação com os estados, os municípios e Distrito

Federal, programa nacional de formação de professores

e alunos para promover e elevar a escolaridade média da

população, para as populações do campo, da região de

menor escolaridade no pais e dos vinte e cinco por cento

mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros

e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE) à ampliação e ao

desenvolvimento de recursos pedagógicos e à melhoria e

expansão da infra estatura física da rede escola. Novas

diretrizes de formação de professores da educação

básica.

292
O protótipo desse tema encontra-se na confluência

de vários campos de estudos disciplinares: Educação,

Psicologia, Historia, Linguística, Sociologia, estudos sobre

relações raciais étnico-racial, estudos sobre História e

Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Básica. A

questão tem mobilizado diversos atores: governantes,

técnicos, legisladores, educadores, militantes de

movimentos sociais mídia pesquisadores. Para Abrahão

(2009) outra forma de verificar a situação das

desigualdades na educação é comparar o acúmulo de

escolarização entre negros e brancos por categorias

selecionadas

– 1992 a 2007. De acordo com PNAD/IBGE (2010), que

considera a raça negra composta de pretos e pardos, a

população negra tem mais analfabetos (14,1%) que a

população branca (6,1%), embora a velocidade da redução

da taxa apresente-se maior para os negros, em média de

0,79 ao ano, ao passo que para os brancos foi de 0,28 ao

ano.

293
Em Sergipe, desde 2003, a partir da lei nº

10.639/03, a Secretaria de Estado da Educação, limitou-se

à criação do NEDIC – Núcleo de Educação, da

Diversidade e Cidadania, em 2006, para trabalhar com a

implementação dessa Lei. A perspectiva de trabalho foi

a de assessorar as comunidades quilombolas, as escolas

em educação ambiental e a comunidade indígena Xokó.

Segundo a coordenadora do Núcleo, efetivamente,

somente em 2007 foram feitos Fóruns nas Diretorias

Regionais de Educação (10) para sensibilizar as equipes

diretivas e professores, cuja culminância foi o I Simpósio

da área.

No ano de 2008 ocorreu o Diálogo Nordeste para

discussão de como implementar a referida lei, ao tempo

em que a equipe trabalhava na elaboração do Manual

Étnico racial de sugestões metodológicas e a estruturação

do Fórum Permanente de Educação para as Relações

Étnico raciais, instalado no mês de agosto desse mesmo

ano, composto com diversas instituições governamentais

294
e não governamentais. Já em 2009 foram feitos dez

(10) Encontros Pedagógicos nas Diretorias Regionais,

houve a entrega de kit composto de quatro (04) livros para

as quatrocentas unidades de ensino com o intuito de

auxiliar os professores nas pesquisas para melhor

inserção da temática nos diversos temas ou assuntos nas

disciplinas.

Essa equipe do NEDIC reconhece que apesar de a

Lei ter sido aprovada, não houve a aceitação por parte dos

professores e a institucionalização nos Projetos Políticos

Pedagógicos de cada Unidade de Ensino, mesmo com o

trabalho efetivo da SEED. Considerando ainda o trabalho

de sensibilização da SEED para informar as equipes e suas

referidas escolas acerca da lei, percebe-se que não houve

uma disseminação da proposta de mudança e/ou

alteração de conteúdos com as temáticas de História e

Cultura Africana e Afro-brasileira e História do Negro no

Brasil.

Em relação aos Quilombos em Sergipe, segundo a

295
Fundação Cultural Palmares- FCP até o ano de 2008, o

número de comunidades remanescentes quilombolas

identificadas e certificadas são em número de quinze (15):

Comunidade Quilombola Pontal dos Crioulos,

Comunidade Quilombola Patioba, Comunidade

Quilombola Caraíbas, Comunidade Quilombola,

Comunidade Quilombola de Ladeiras, Comunidades

Quilombolas Luzienses,Comunidade Quilombola de

Desterro, Comunidade Quilombola de Serra da Guia,

Comunidade Quilombola de Catuabo, Comunidade

Quilombola de Pirangi ,Comunidade Quilombola de

Pontal da Barra, Comunidade Quilombola da Maloca

(única comunidade urbana do Brasil, localizada no Bairro

Cirurgia, em Aracaju/SE – antiga Baixa Fria),

Comunidade Quilombola de Brejão dos Negros,

Comunidade Quilombola da Mussuca, Comunidade

Quilombola de Mocambo.

Em princípio, identificam-se possíveis entraves

para o não cumprimento da formação continuada de

296
professores do Estado Sergipe nessa temática, via

políticas públicas étnico-raciais, a partir da minha

condição de sujeito no processo: ausência de um plano de

carreira docente, salários e condições de trabalho indignos

para os professores e melhores condições de vida para as

crianças negras e seus familiares, o desconhecimento

sobre História da África, Geografia da África e Cultura

Africana, disciplinas que devem ser colocadas nos

currículos das universidades; preconceito velado

intrínseco que o professor traz em sua história de vida,

rotatividade de professores na unidade de ensino.

297
CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível perceber que as políticas de formação

docentes da Secretaria de Estado da Educação de Sergipe

para atender aos professores que visam trabalhar com as

políticas públicas étnico-raciais dentro da sala de aula da

rede pública e municipal de ensino é desprovida de

conhecimento científico cultural, pedagógico e didático,

apresentando puramente diretrizes intelectuais, teóricas e

metodológicas de cunho prático positivista, partindo de

concepções técnicas, não respeitando a identidade

cultural dos povos negros, afros brasileiros e africanos, o

que dificulta o entendimento em torno das questões para

a diversidade, identidade e alteridade nas respectivas

unidades escolares.

A falta de professores qualificados para a atuação

e modificação desse cenário, a carga de preconceito e

resistência que trazem de sua vida pessoal e profissional,

e ainda a resistência dos alunos em se reconhecerem como

298
negros ou mesmo afro descendentes, demonstra o quanto

a institucionalização da educação étnico-racial (inserir no

Projeto Político Pedagógico - PPP da escola e currículo)

enfrenta barreiras. Daí a importância sólida da construção

via currículo, base de sustentação afro-cidadã.

No entanto, no ensino básico da rede pública do

Estado de Sergipe observam-se também fatores

favoráveis a essa institucionalização da formação

continuada de professores para implementação políticas

públicas étnico-raciais; primeiro, por ser uma

comunidade escolar em que no seu universo temos a

predominância majoritária de afro descente, ou seja, o

próprio contexto favorece essa introdução curricular e,

segundo, por ter no Estado de Sergipe forte tradição

cultural africana que, em seu patrimônio histórico, vem

sendo vivenciado através de seu repertorio social afro-

brasileiro e africano.

Embasado nestas implicações nosso estudo lança

mãos dos questionamentos já expostos, acrescentando

299
mais uma indagação a essa realidade descrita: Quais as

competências que o professor necessita adquirir, ou seja,

apreender, para trabalhar pedagogicamente com

autonomia, identidade social e habilidades cientifica -

profissional em torno das políticas públicas étnico-raciais.

Nesse contexto, Bauman (2001) elucida que em

nossos dias o mercado de consumo tornou-se o parâmetro

que motiva todas as dimensões da vida, assim como o

empreendimento da ordem era à base do espírito

moderno. A liberdade de consumo assume maior

importância do que qualquer outro ato de liberdade.

Nessas circunstâncias as desigualdades sociais afloram de

forma evidente entre os estados e também no interior de

cada conjunto social ambivalente. Essas situações fizeram

do mundo pós moderno um lugar onde a

desregulamentação e desestabilização se tornaram gerais.

As condições de estabilidade sociais nas diversas áreas

tornam nosso mundo atual algo extremamente incerto. As

coisas encontram-se em continua mudança. O exemplo

300
das transações provenientes do mercado de consumo,

onde se faz necessário estar mudando continuamente

para atender às exigências dos consumidores e ainda para

não se ser superado na competitividade à qual se está

submetido, perdendo a oportunidade de ganho, também

as relações entre os indivíduos passam a ser regidas por

esses princípios de mutabilidade e busca de ganho e de

vantagens.

No postulado contra a revalorização do socialismo

utópico e o materialismo histórico (THOMPSON, 1981,

p.43) estabelece uma inter-relação fenomenológica

intrínseca entre os procedimentos empíricos

disseminando uma rachadura epistemológica da

complexidade dos “diálogos” da modernidade entre o ser

social e a consciência social, da origem da experiência. A

questão crítica suscitada concerne à teoria do

conhecimento em sua relação com os fatos isolados com a

legitimidade dialética da práxis do conhecimento

histórico. Portanto a contribuição crítica de Thompson

301
para nossos estudos é importante uma vez que o referido

autor analisa a corrente estruturalista de Althusser

permitindo o desencadeamento histórico estratificado em

concepções da práxis social cuja cosmovisão de produção

mecanicista sobre a órbita da causa e efeito.

Paradoxalmente os fatos humanos criam seus próprios

elementos dando ao mesmo sentido mutante mediante

oposições que ocupas, enquanto o ser do ente social, a

mobilidade e clarividência temporal e histórica.

302
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306
CAPÍTULO X

É PRECISO APRENDER PARA ENSINAR?

Uma breve reflexão sobre a in (eficiente)

formação docente superior jurídica.

Fabiana de Moura Cabral Malta16

INTRODUÇÃO

O profissional da educação jurídica necessita de

preparo, posto que não se ensina sem formação. O trabalho

docente requer uma gama de saberes para enfrentar uma

sala de aula, contribuir com o processo de ensino e

aprendizagem, bem como, com a formação crítica e

reflexiva discente. É preciso aprender para ensinar? A

16
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Tiradentes de Sergipe, Mestre em Educação pela Universidade Federal de
Alagoas (PPGE). Especialista em Direito Público pela EPD-SP e em
Docência do Ensino Superior pela UNINASSAU - PE. Advogada e Pedagoga.
Professora Universitária. E-mail: fabianamalta@hotmail.com

307
presente pesquisa visa discutir essa frágil formação,

fazendo uma breve reflexão sobre a in (eficiente) formação

docente jurídica à luz de Freire (2014), Saul e Saul (2016),

Ramos (2016), Tardif, (2011), Malta (2017) e Muraro (2010).

Utilizando-se do método qualitativo de análise de imagem

e da pesquisa literária e exploratória, com os resultados

oriundos da pesquisa, restou comprovado que a maioria

dos docentes desses cursos não possuem uma formação

pedagógica específica e utiliza, em grande parte, a mera

transmissão do conteúdo como didática de ensino.

Percebe-se que não há uma política de formação

docente voltada ao ensino superior. A única exigência

constante na legislação atual é a certificação desses

professores em cursos de pós-graduação strictu sensu,

como um mestrado e um doutorado, ou, ao menos, uma

especialização. Ainda assim, com a proliferação dos cursos

jurídicos, cada vez mais precocemente, os profissionais da

área estão sendo alçados à condição de professor, tão

308
somente por suas experiências práticas, sem atender,

algumas vezes, quaisquer dos requisitos acima

recomendados.

Os profissionais da área jurídica desmerecem o

saber pedagógico em detrimento do saber teórico e da

experiência prática vivenciada, e a sua única forma de

ensinar, por vezes, é tão somente o domínio do conteúdo,

para uma posterior reprodução do conhecimento. O que se

vislumbra é uma sobreposição da docência amadora em

detrimento da profissional. Para exercer a docência com

responsabilidade é necessária uma formação adequada. O

professor precisa estar apto, qualificado para, então,

possibilitar uma formação discente consciente, crítica e

reflexiva. Não basta, tão somente, gostar do que faz. O

docente amador é detentor dessa condição supracitada,

porém, ao contrário do profissional, quer exercer uma

profissão que não domina e não tem segurança, , planejar,

preparar-se para então, executá-la, passando a exercer a

309
docência como atividade paralela, sem a formação

profissional adequada, acarretando, consequentemente,

numa fragilizada formação discente.

Uma formação eficiente requer diversos saberes,

sejam eles: práticos, teóricos, pedagógicos, didáticos e

metodológicos. Neste diapasão, nasceu a problemática do

estudo aqui apresentado: É preciso aprender para ensinar?

A formação docente superior jurídica é (in) eficaz?

Para Tardif (2011), o saber docente se compõe de

vários saberes e entre estes encontramos o saber

relacionado aos manuais e programas universitários,

chamado de saber curricular; o saber correspondente ao

conteúdo das disciplinas ensinadas durante o curso,

denominado saber disciplinar; o saber incorporado em

decorrência da formação contínua, chamado de saber da

formação profissional; o saber oriundo da prática no

exercício da profissão, conhecido como o saber

experiencial e por fim, o saber herdado por toda a trajetória

310
de vida e de sua cultura particular, denominado de saber

cultural. Em suma, são vários os saberes vivenciados pelos

professores, ou melhor, o saber docente engloba variados

saberes.

Objetivando, pois, investigar essa (in) eficiência da

formação docente superior, especificamente nos cursos

jurídicos, este estudo qualitativo constitui-se parte de uma

pesquisa maior, cujo objetivo é abordar os saberes, as

práticas e o pensamento crítico, bem como promover a

legitimação do trabalho docente, utilizando-se da pesquisa

literária e exploratória, assim como da análise de imagens

publicizadas no facebook17, por professores da área da

educação. As imagens refletem ora, um convite à formação

de professores e profissionais da educação, visando uma

atualização do ensino, através das tecnologias digitais e

17
Saberes, Práticas e Pensamento Crítico: A Legitimação do Trabalho
Docente através do Facebook. Número do Parecer: 3.414.278 Título da
Pesquisa: Pedagogia Crítica e Pesquisa Educacional no Brasil e nos EUA:
uma colaboração ensino-pesquisa. Número do Parecer: 3.999.276

311
metodologias ativas; já o outro, convida os professores a

participarem do lançamento de um livro sobre didática,

ocorrido durante o XX ENDIPE (Encontro Nacional de

Didática e Prática de Ensino). As análises foram realizadas

durante uma atividade de sala, da disciplina de pesquisa

em educação, ministrada pela professora Dra. Simone

Amorim, do curso de doutorado em educação da

Universidade Tiradentes de Sergipe.

Nesse entorno, o objetivo geral foi proporcionar

uma reflexão acerca da formação docente, tendo como

objetivo específico, a necessidade de aprender para ensinar

em busca de uma formação mais eficiente, buscando

realizar um estudo oriundo de diversas e importantes

contribuições dos mais variados autores, porém, tomamos

como referência as abordagens de Freire (2014), Saul e Saul

(2016), Ramos (2016), Malta (2017) e Muraro (2010).

O texto está organizado em uma única seção, além

das considerações finais. Nessa introdução, fora

312
explicitada a origem deste trabalho, assim como a

definição do objeto deste estudo, o referencial teórico e a

metodologia. Em sua única seção, buscou-se analisar a

Formação Docente no Ensino Superior dos cursos

jurídicos.

Nas Considerações Finais, o problema central da

pesquisa foi respondido, retomando os principais aspectos

abordados ao longo do texto e refletindo sobre as lacunas

não preenchidas e potenciais temas para novas

investigações.

Uma vez explicitada toda a estrutura do texto,

passo a apresentar a seção deste estudo.

APRENDENDO A ENSINAR: POR UMA FORMAÇÃO

DOCENTE SUPERIOR JURÍDICA EFICIENTE

O ensino superior jurídico clama por uma

formação docente, decente e eficiente. A maioria dos

313
professores do curso de direito parecem adotar um modelo

de ensino retrógrado, necessitando de urgentes alterações

para então, adequar-se à realidade.

Tal posicionamento é corroborado por Muraro

(2010, p. 2):
O curso de Direito vem se debatendo em meio
a uma crise didático-pedagógica. Pode-se
dizer que a maioria dos professores de Direito
sempre encararam com naturalidade a
evidência de que ensinam através da simples
transmissão dos conteúdos que aprenderam,
sem ter, de fato, uma formação específica para
ensinar. A compreensão didática no ensino
jurídico, em que pesem as exceções, ainda se
vincula à mesma metodologia da época da
criação do curso. Em boa parte, os professores
não possuem nenhuma preparação didático-
pedagógica e se restringem, em sala de aula, a
expor o ponto do dia e a comentar os artigos
dos códigos, adotando, quando muito, um ou
mais livros-base, que serviriam para a
elaboração de questões de prova.

Malta (2017) afirma que o perfil docente jurídico é

deficitário, que os professores, sem formação, alcançam

314
esta condição, baseados simplesmente em suas

experiências práticas. Segundo a autora: “Há uma

sobreposição do saber prático/teórico em detrimento do

saber pedagógico”. Observa-se a prevalência do saber da

experiência e, uma consequente desvalorização do saber

pedagógico na área.

Em campanha18 publicitária da Ordem dos

Advogados do Brasil (anexo), essa cultura do

desmerecimento do saber pedagógico fora publicizada

perante as Instituições de Ensino Superior. Para a OAB, o

“advogado professor” vale por 02 (dois), posto, na visão

da Ordem, ele é conhecedor da teoria e da prática jurídica,

independentemente de como se dá essa transmissão do

conteúdo, já que a formação desse advogado é jurídica e

não pedagógica. E como pode valer por dois? Pois bem, a

prática aliada à teoria é fundamental para o processo de

18
Fonte:http://ena.oab.org.br/noticia/52397/ena-e-oab-lancam-campanha-de-
valorizacao-do-dvogado-professor Acesso em 26 dez. 2016.

315
aprendizagem, necessitam, de fato, serem ensinadas, mas

através de métodos didáticos e pedagógicos que visem

facilitar a compreensão, absorção e retenção do conteúdo

abordado em sala pelo aluno. O aluno precisa

protagonizar esse processo, necessitando despertar o seu

senso crítico, através do estímulo e incentivo docente. Para

que isso seja possível, o docente precisa repensar as suas

práticas, buscando uma formação adequada.

De acordo com Saul e Saul (2016, p. 22): “na

formação permanente dos professores, o momento

fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É

pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que

se pode melhorar a próxima prática”.

A prática faz e se refaz, e, portanto, torna-se

imprescindível uma formação docente contínua e

permanente. A docência é plural, ela é flexível e reflexiva

e, portanto, o professor, precisa constantemente se

atualizar, renovar-se, ou seja, aprender para ensinar.

316
Segundo Freire (2014, p .12), “ensinar inexiste sem

aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que,

historicamente, mulheres e homens descobriram que era

possível ensinar”. O autor ainda menciona que: “Aprender

precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía

na experiência realmente fundante de aprender” e ainda

complementa: “não há docência sem discência.”

Não é tarefa fácil para os docentes da área jurídica

transmitirem experiências nunca antes vivenciadas. Eis

aqui, a importância da interdisciplinaridade do direito

para com as outras ciências.

Conforme preconiza Ramos (2016, p.195):

Nesse sentido, os saberes profissionais são


plurais, compostos e heterogêneos, bastante
diversificados, provenientes de fontes
variadas, provavelmente de natureza
diferente. Tal aspecto se constitui em tópico de
substancial relevância quando se trata de um
projeto que pretende promover a
interdisciplinaridade, e, portanto, o diálogo
entre as diversas áreas de conhecimento.

317
Uma associação entre o domínio da teoria e a

prática adquiridos no bacharelado, somados a uma

eficiente metodologia e didática adquiridas junto à

licenciatura, talvez fosse o ideal para uma formação

docente de qualidade.

Desta feita, percebe-se que a busca pela eficiente

formação docente jurídica ainda está longe de ser

alcançada. A única resposta que temos, até então, é de que

“sim”, é preciso aprender para ensinar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, há uma necessidade urgente de se

repensar a formação de professores dos cursos jurídicos. A

aptidão para adentrar em uma sala de aula necessita de

uma formação antecedente e contínua. O saber

pedagógico torna-se imprescíndivel ao professor,

independentemente da área, do curso, da disciplina, já que


318
o mesmo é inerente à profissão de docente. É preciso

atualizar-se, inovar-se. A gama de sabereres, de técnicas e

conhecimentos exigidos para o desempenho da profissão

necessita de esforço, dedicação, autonomia, posto os

mesmos não são adquiridos espontaneamente. É válida

sim, a experiência. Ela é relevante, importante, porém não

é autonôma e independente.

A formação ideal associa os conhecimentos

adquiridos com a prática, somados à teoria e transmitidos

aos alunos de forma didática e pedagógica. A docência

profissional não dialoga com o amadorismo, são

necessárias habilidades e competências para o exercício do

magistério no ensino superior.

É preciso quebrar resistências, buscar dominar

essas habilidades e adquirir tais competências. Sim, é

preciso aprender para ensinar, tornando assim eficiente a

formação docente jurídica.

319
REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à


prática da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2014.

MALTA, Fabiana de Moura Cabral. Política de formação


docente do ensino superior: afinal, existe? Reflexões sobre o
ensino jurídico em Maceió. Dissertação (Programa de Pós-
Graduação em Educação/Mestrado em Educação) – Centro de
Educação, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2017.

MURARO, Célia Cristina. A Formação do professor de Direito.


Disponível em:
<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3861> Acesso
em: 21 Jun. 2020.

320
RAMOS, Luiza Olivia Lacerda. O lugar da
interdisciplinaridade na educação superior: uma análise dos
projetos pedagógicos dos cursos de bacharelado
interdisciplinar da UFBA. Tese (Programa de Pós-graduação
em Educação/Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.

SAUL, Ana Maria e SAUL, Alexandre. Contribuições de Paulo


Freire para a formação de educadores: fundamentos e práticas de um
paradigma contra-hegemônico. Educ. rev. [online]. 2016, n.61,
pp.19-36. ISSN 1984-0411. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.46865. Acesso em: 22 de
Jun. de 2020.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional.


12 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
ANEXOS

IMAGEM 119

19
Saberes, Práticas e Pensamento Crítico: A Legitimação do Trabalho
Docente através do Facebook. Número do Parecer: 3.414.278 Título da
Pesquisa: Pedagogia Crítica e Pesquisa Educacional no Brasil e nos EUA:
uma colaboração ensino-pesquisa. Número do Parecer: 3.999.276

321
IMAGEM 220

20
Saberes, Práticas e Pensamento Crítico: A Legitimação do Trabalho
Docente através do Facebook. Número do Parecer: 3.414.278 Título da
Pesquisa: Pedagogia Crítica e Pesquisa Educacional no Brasil e nos EUA:
uma colaboração ensino-pesquisa. Número do Parecer: 3.999.276

322
IMAGEM 3

323
Fonte:http://ena.oab.org.br/noticia/52397/ena-e-oab-lancam-
campanha-de-valorizacao-do-dvogado-professor Acesso em 26 dez.
2016.

324
OS AUTORES

Ádria Maria Ribeiro Rodrigues

Doutoranda pela Universidade Tiradentes de


Sergipe. Mestra em Educação pela
Universidade Federal de Mato Grosso.
Especialista em Literatura Brasileira.
Licenciada em Letras e Pedagogia. Membro
do Grupo de Pesquisa Diadorim Estudos de
Gênero.
E-mail: adriaribeiro12@hotmail.com

Advanusia Santos Silva de Oliveira

em Educação pela Universidade Tiradentes de


Sergipe. Mestra em Educação pela
Universidade Federal de Sergipe. Professora
da Rede pública Municipal de Aracaju.
Licenciada em Pedagogia e Letras Português e
Espanhol. Especialista em Didática e
Metodologia do Ensino Superior,
Psicopedagogia Clínica e Institucional,
Atendimento Educacional Especializado,
Alfabetização e Letramento e Libras. Membra
do Grupo de Pesquisa em Educação,
Tecnologias e Contemporaneidade da
Universidade Tiradentes (GPETEC/UNIT).
E-mail: oliveiraadvanusia@gmail.com
325
Bianca Sthephanny Martins Gomes

Bolsista pelo Programa de Apoio


Institucional à Pós- Graduação Stricto Sensu
(PROCAPS/UNIT) no Mestrado em
Educação da Universidade Tiradentes.
Formada em Letras - Inglês pela mesma
universidade.
E-mail: b.martinsgomes@gmail.com

Fabiana de Moura Cabral Malta

Doutoranda em Educação pela


Universidade Tiradentes de Sergipe.
Mestra em educação pela Universidade
Federal de Alagoas. Advogada e
Licenciada em Pedagogia. Especialista em
Direito Público e Docência do Ensino
Superior. Professora Universitária.
E-mail: fabianamalta@hotmail.com

326
Gleidson Santos da Silva

Doutorando em Educação pelo Programa


de Pós-graduação em Educação (PPED) da
Universidade Tiradentes, com bolsa
PROCAPS/UNIT. Mestre em Educação
pelo Programa de Pós-graduação em
Educação (PPED) da Universidade
Tiradentes, com bolsa Capes/FAPITEC. Licenciado em História
na Universidade Tiradentes.
E-mail: gleidson.edu@live.com

Heidy Taiane Rocha Santos

Bolsista do Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico
no Mestrado em Educação da
Universidade Tiradentes. Formada em
Direito e Licenciatura em História pela
mesma universidade. Advogada,
Mediadora de conflitos e Facilitadora de Círculos Restaurativos
e de Construção de Paz. Mediadora Dativa NUMEC OAB/SE e
Secretária Geral CMCA OAB/SE.
Email: heidy.taiane9@gmail.com

327
Henrique Nou Schneider

Doutor em Engenharia de Produção pela


Universidade Federal de Santa Catarina.
Mestre em Ciência da Computação pela
Universidade Estadual de Campinas.
Graduação em Engenharia Civil pela
Universidade Federal de Sergipe. Professor
da Universidade Federal de Sergipe e Instituto
Federal de Sergipe. Coordenador do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Informática na
Educação (GEPIED/CNPq/UFS).
E-mail: hns@terra.com.br

Isabela Santos Albuquerque

Doutoranda em Educação pela Universidade


Tiradentes de Sergipe. Mestra, licenciada e
bacharela em Geografia pela Universidade
Federal da Bahia. Especialista em
Metodologia do Ensino Superior pelas
Faculdades Integradas de Patos – Paraíba.
Professora de Geografia da Licenciatura e do
Ensino Médio do Instituto Federal de
Educação, Ciências e Tecnologia da Bahia,
Campus Salvador.
E-mail: isalbuquerque30@gmail.com

328
Izabel Cristina da Silva

Doutoranda em Educação pela Universidade


Tiradentes/SE. Doutoranda em Geografia
pela Universidade Federal da Paraíba.
Mestre em Geografia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Especialista
em Geografia e Gestão Ambiental pelas
Faculdades Integradas de Patos – Paraíba.
Graduada em Geografia, pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte e em
pedagogia, pela Universidade Paulista.
Professora da educação básica.
E- mail: silvaizabelprof@gmail.com

Maristela do Nascimento Andrade

Doutoranda em Educação pela Universidade


Tiradentes, PROCAPS/Unit. Mestre em
História, pela Universidade Federal de
Sergipe , Especialista em Escola e
Comunidade, Docência e Tutoria em Ensino
a Distância . Graduação em História ,
Ciências Naturais e em Pedagogia. Membro
do grupo do Grupo de pesquisa História da
Educação no Nordeste
– (Gphen/Unit/CNPq).
E-mail: maristella.andrade@hotmail.com
329
Marlton Fontes Mota

Doutorando em Educação pela


Universidade Tiradentes de Sergipe.
Professor Universitário. Advogado.
E-mail: marltonmota@hotmal.com

Mildon Carlos Calixto

Doutorando em educação pela


Universidade Tiradentes de Sergipe.
Mestre em educação pela Universidade
Tiradentes de Sergipe. Professor de nível
superior.
E-mail: mildoneduc@gmail.com

330
Patricia Batista dos Santos

Doutoranda em Educação no Programa de


Pós-graduação em Educação da Universidade
Tiradentes, com Bolsa
PROCAPS/Unit. Mestre em Educação pela
Universidade Federal de Sergipe. Especialista
em Docência e tutoria em Educação a
Distância , Didática e Metodologia do Ensino
Superior e Gestão da Informação. Licenciada
em História e Pedagogia. Pesquisadora do
Grupo de Pesquisa História da Educação no
Nordeste (Gphen/Unit/CNPq).).
E-mail: prof.patriciabs@gmail.com

Rafael Sant'Ana Jacaúna

Doutorando em Educação pela


Universidade Tiradentes de Sergipe. Mestre
em Ciência da Computação pela
Universidade Federal de Sergipe.
Especialista em Redes de Computadores,
Tecnólogo em Processamento de Dados e
licenciado em formação de educadores para o ensino
profissionalizante. Professor do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico.
E-mail: rafael.jacauna@ifs.edu.br
331
Sheilla Costa dos Santos

Doutoranda em Educação pela


Universidade Tiradentes - UNIT. Mestre
em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade de Brasília - UNB. Professora
de Desenho do Instituto Federal de Sergipe
- IFS. Arquiteta e Urbanista.
Email: sheilla.costa@ifs.edu.br

Simone Lopes dos Santos

Licenciada em Geografia pelo Instituto


Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
da Bahia (IFBA), Campus Salvador.
E-mail: simonelopess@bol.com.br

332
AS ORGANIZADORAS

Fabiana de Moura Cabral Malta

Doutoranda em Educação pela


Universidade Tiradentes de Sergipe.
Mestra em educação pela Universidade
Federal de Alagoas. Advogada e
Licenciada em Pedagogia. Especialista
em Direito Público e Docência do
Ensino Superior. Professora Universitária.
E-mail: fabianamalta@hotmail.com

Izabel Cristina da Silva

Doutoranda em Educação pela


Universidade Tiradentes/SE.
Doutoranda em Geografia pela
Universidade Federal da Paraíba.
Mestre em Geografia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
Especialista em Geografia e Gestão
Ambiental. Graduada em Geografia e
pedagogia. Professora da educação básica. E-
mail: silvaizabelprof@gmail.com

333
Patricia Batista dos Santos

Doutoranda em Educação no Programa de


Pós-graduação em Educação da
Universidade Tiradentes, com Bolsa
PROCAPS/Unit. Mestre em Educação pela
Universidade Federal de Sergipe. Especialista
em Docência e tutoria em Educação a
Distância, Didática e Metodologia do Ensino
Superior e Gestão da Informação. Licenciada
em História e Pedagogia. Pesquisadora do
Grupo de Pesquisa História da Educação no
Nordeste (Gphen/Unit/CNPq).).
E-mail: prof.patriciabs@gmail.com

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