Você está na página 1de 2

Excerto do livro “Sobre sonhos e transformações: sessão de perguntas em

Zurique, páginas 32 a 34.

Lembro-me muito bem da época quando eu estava elaborando os tipos. Primeiro


pensei apenas no tipo pensamento e no tipo sentimento. Descobri – devo dizer
que foi por acaso – que a Sensação deve desempenhar um papel importante.
Pensei: "Claro, mas sensação não é pensamento e nem sentimento, e desse
modo temos três funções". Mas preciso admitir, temos duas funções, a
extrovertida e a introvertida. O sentimento é extrovertido e o pensamento é
introvertido. Sabe, isso se encaixa perfeitamente. E então vem o diabo da
sensação [Risos] e derruba todos os meus planos. Naturalmente odiei e odiaria
mais ainda se uma pessoa jovem me dissesse: "Mas o senhor não está ignorando
a sensação?" Obviamente odiaria isso, é algo terrivelmente embaraçoso. Pois
todo homem que faz um trabalho de pesquisa é vaidoso em relação ao seu
trabalho. Vejam, ele é terrivelmente vaidoso por ter uma amante assim tão bela ou
então tem algo como um belo chapéu ou escreveu um belo livro e desse modo
não pode voltar atrás. Por m, ca evidente que a nal de contas ele não é tão
maravilhoso assim, bem, isso é detestável. Assim sendo, naturalmente fui
especialmente cuidadoso ao analisar se a sensação de fato se justi ca como
função. Então, hoje em dia devo dizer que é totalmente ridículo duvidar desse
ponto. Claro que é uma função.

Vejam, naquela época eu não sabia a respeito da intuição. Ficou por último, pois
obviamente é a mais difícil. Pois realmente não há como avaliá-la
apropriadamente, ela não é racional. E racional pensar ou querer saber o que uma
coisa é. É igualmente bastante racional saber ou aprender o quanto algo vale para
você. E, por m, é igualmente bastante racional constatar que certa coisa existe,
trata-se da sensação. E agora? Vejam, não há nada além disso e, sendo assim,
digo que temos três funções. E eis que tive uma paciente, uma senhora inteligente
que, em certo sentido, era muito esperta, porém altamente neurótica. Um dia ela
me disse: "Por que o senhor não fala sobre a intuição?" Respondi: "A que se
refere com intuição? Não é uma função". Vejam, não estava incluída nas minhas
três funções. O que, a nal de contas, é a intuição? É um embaraço. Não é nada.
Como podemos de nir uma intuição? De repente somos lembrados de algo,
prevemos certa coisa, algo provavelmente impossível de se prever? É muito
ilegítimo, sabe, muito ilegítimo. Como podemos saber algo de antemão, ninguém
sabe algo de antemão, são apenas conjecturas. Um professor inglês, que
escreveu uma critica muito cientí ca sobre a ESP [percepção extrassensorial] de
Rhine, disse: "Todas essas recognições e funções da ESP não são nada mais do
que conjecturas!" [Risos] E ele achava que estava dizendo algo grandioso: nada
mais do que conjecturas.

Assim eu disse: "Ah!, isso não é nada mais do que uma adivinhação bem-
sucedida ou algo assim, não é uma função". Mas vejam, isso que essa senhora
disse me deu uma sacudida. E comecei a prestar atenção. Comecei a estudar o
que é intuição e assim descobri como essa coisa se dá e soube: "Ah!, ela
naturalmente é intuitiva". Estudei-a com muito empenho e, quando percebia uma
certa expressão em seu rosto, eu sabia: "Agora ela está intuindo". [Risos] Essa
fi
fi
fi
fi
fi
fi
fi
fi
expressão era um tipo de expressão inde nida, era impossível saber do que se
tratava. Ela simplesmente cravava os olhos em algo, atravessava algo com o olhar
e então eu sabia: "Agora ela vai dizer algo", e assim era.

Se quiserem saber a que me re ro quando falo desse olhar peculiar, olhem para a
pintura de Goethe por Stieler. Lá ele tem o olho intuitivo. Vejam, observei este
caso em todas as fases. Na mesma época tive um paciente que era um tipo
sensação. Um observador muito acurado e objetivo das coisas tais como são.
Em seguida, os dois se conheceram e ocasionalmente ele a convidava para um
pequeno passeio de barco no lago. La perceberam os mergulhões, aqueles
pássaros no lago, e começaram um jogo que consistia em adivinhar onde o
mergulhão reapareceria e quem o veria primeiro. Ele falhou em todas as suas
apostas e ela estava sempre à sua frente.

Então ela que, de uma forma que chegava a ser sinistra, não tinha consciência da
realidade, via reaparecer todos os pássaros primeiro. Ele falhou em todas as suas
apostas porque agiu de forma legítima conforme podemos observar: apenas
preste atenção, olhe para onde o pássaro poderá ressurgir. Ela não fez nada desse
tipo, não observou nada de forma alguma, ela farejava - agora me expliquem isso.

Mas percebi que aquilo era uma função. É algo que existe, mas é algo como ESP,
e isso não é permitido em uma sociedade decente. [Risos] Assim sou confrontado
com isso.

Essa foi a minha primeira derrota. Foi quando se formou uma grande sombra, pois
admiti a existência da intuição. O que de fato é uma obscenidade, pois não pode
ser, não deve ser: Alguém que não observa, observa melhor do que um
observador treina-do. Isso é um fato.
fi
fi

Você também pode gostar