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Acerca do sucesso estatístico
J. P. Campos da Fonseca1
O maior e mais eficaz de todos os meios para se poder persuadir e aconselhar bem é
compreender as distintas formas de governo, e distinguir os seus caracteres, instituições e
interesses particulares. Pois todos se deixam persuadir pelo que è conveniente, e o que
preserva o Estado é conveniente. (Aristóteles 2006: 126).
[…] da criança nada há a exigir senão que se desenvolva segundo o seu ritmo e toda
a interferência tiranizante do indivíduo adulto, que vive conforme um ritmo
completamente diverso, não lhe poder ser senão prejudicial;[…] (Agostinho da Silva s/d:
23.)
Sabe qual a semelhança entre Sócrates e o seu filho? Quando falam de coisas
sérias, ambos usam toda a convicção possível ao ser humano! E a diferença? No seu
filho, você acredita; em Sócrates, não!
O sucesso das medidas de política educativa, pretensamente demonstrado através
das estatísticas recentemente reveladas, é avassalador: em todos os anos de
escolaridade o sucesso aumenta e o chumbo diminui – repare‐se, no 10º ano, tínhamos,
em 96/97, uma taxa de retenção e abandono de 39,5% e, em 2007/08, atingimos o
zénite com apenas 19,3%! Espectacular! E nos últimos anos foi sempre a descer, ou
melhor, a subir no sucesso estatístico; no sucesso educativo, talvez não.
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J. P. Campos da Fonseca – Licenciatura em Português e Francês; a terminar o Mestrado em
Literatura.
Correio
da
Educação
Porém, qual a força oculta ou de bloqueio que torna estes dados tão pouco
convincentes e, apesar de convenientes, nem mesmo a força da convicção do ministro,
dito primeiro, nem da ministra, dita inabalável nas suas convicções, lhes dão
credibilidade?
Várias são as razões que, de uma forma ou de outra, o cidadão conhece. De uma
forma ou de outra, não há realidade social do país da qual seja mais conhecedor do que
da Escola: nela estudou, nela estão os filhos ou os netos. Por isso, sabe que o sucesso
estatístico – não educativo, disso falaremos depois – se deve particularmente a algumas
ideias – práticas transversais às medidas implementadas na educação, a saber, a
intimidação e a coacção sobre os docentes; a desresponsabilização disciplinar dos
alunos; a progressiva desvalorização dos curricula e os índices de (pouca) exigência dos
exames nacionais, entre outros.
A intimidação e a coacção feitas nestes mais recentes anos sobre os docentes é
exemplificada, inequivocamente, no facto de fazer depender a avaliação do docente dos
resultados dos alunos – tão estúpida e absurda é esta medida que me apetece perguntar,
mas por que razão não há quotas na avaliação dos alunos e há para os professores?
Estúpido, não é?! Pois é; em termos de burocracia é hoje mais fácil um divórcio ou criar
uma empresa do que chumbar um aluno que teve, no 1º período 7 negativas – perdão!
perdoem‐me o termo – 7 níveis inferiores a três (o eufemismo é pedagogicamente não
traumatizante…); no 2º período, 6 e no terceiro, 5! É verdade: demora menos tempo e
são precisos menos papéis para um divórcio ou criar uma empresa do que para reter
aquele aluno! Assim se constrói o sucesso estatístico, não o sucesso educativo.
A desresponsabilização dos alunos, decorrente da insuspeitável teoria de colocar o
aluno no centro do sistema educativo – a razão de ser da escola é o saber, o
conhecimento, não o aluno, nem o professor. Chegou‐se agora ao ponto de os alunos não
chumbarem, perdão! não ficarem retidos, mesmo se faltarem aula atrás de aula, dia após
dia, semana sobre semana! A estupidez é por demais evidente se a compararmos com
uma entendida patronal que esperasse eternamente pela conversão do seu empregado à
inevitável assiduidade e pontualidade. Alguém está a ver uma empresa a desenvolver
planos para evitar o abandono dos seus empregados? Só se for dos melhores…
Assiduidade, pontualidade, disciplina não interessam, não fazem sucesso estatístico;
porém, é certo, trariam sucesso educativo.
A desvalorização dos conteúdos programáticos, a que vimos assistindo de há uns
anos a esta parte, exigindo‐se à escola que ensine sexualidade, prevenção rodoviária,
Correio
da
Educação
etc., criando áreas curriculares não disciplinares, perfeitamente inúteis, para entreter os
meninos e ocupá‐los, porque os pais estão a trabalhar (este sim, um grave e
aparentemente insolúvel problema dos tempos modernos), vai criando nos alunos a
ideia de que a escola é para estar, não para estudar. Daí que disciplinas importantes na
formação científica dos alunos, como línguas e matemática se tenham vindo a tornar
cada vez mais difíceis para os alunos. (Alguém me consegue explicar por que razão a
Língua Materna e Educação Física, no ensino secundário, têm a mesma carga curricular,
ou seja, dois blocos semanais, com igual peso final em termos de avaliação?!) Surgem
então os planos paliativos para, a qualquer custo, sobretudo à custa do professor e ao
pouco esforço do aluno, se garanta um mínimo de aprendizagens que existem mais nos
papéis do que nas competências – mas, convenhamos, os alunos não são burros! Mas
estes planos são tão estúpidos, como seria numa empresa alguém se lembrar de abdicar
da disciplina, da exigência, da competitividade, da capacidade produtiva e dedicasse o
seu tempo a criar planos de apoio aos trabalhadores desmotivados! Mas não é tudo. O
reino da estupidez que grassa na educação fez surgir os profissionais, os cefes, os efas e
outros efes de facilitismo. (Já agora, por onde andam os iluminados que acabaram com
as Escolas Comerciais e Industriais?!) Daí o sucesso estatístico, mas não o sucesso
educativo.
Que dizer ainda dos sucessivos exames nacionais, que à custa da falta de exigência
e da baixa dificuldade de resolução, produziram resultados que, por serem tão
espectaculares e conseguidos em tão pouco, só se explicam por factores intrínsecos aos
exames e não por outros. Temo que o artifício usado na elaboração de exames nacionais
se transmita, por osmose, a outros instrumentos de avaliação discente nas escolas. Aí, o
sucesso estatístico será total; o sucesso educativo, não!
Não, porque os alunos concluem os seus cursos secundários ou universitários e a
sua inserção activa no mercado de trabalho não existe: uma candidata a funcionária
administrativa num Centro de Saúde não é admitida, porque é licenciada (?); um caixa
de supermercado é licenciado em História; um diplomado com um curso profissional de
Informática está na Suiça a montar elevadores… a taxa de desemprego aumenta todos os
anos e os inscritos no rendimento mínimo garantido nem sequer precisam de trabalhar!
Sucesso educativo? Isto?
Correio
da
Educação
Sucesso educativo haverá quando um cidadão – dotado da formação técnica e
humana, proporcionadas pelas instituições de ensino ‐ é capaz, de forma autónoma, e
através do desempenho das suas competências, trazer um valor acrescido, pelo seu
trabalho e pela sua produtividade ao país e, simultaneamente, bem‐estar pessoal,
familiar e social. Isto é sucesso educativo.
Quando o Estado, a quem as famílias confiam a educação/ensino dos seus filhos
conseguir tudo isso, então sim, falem os políticos de sucesso educativo. Até lá, não nos
tratem por estúpidos.
joaopfonseca@sapo.pt
Aristóteles (2006): Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional‐Casa da Moeda.
Silva, Agostinho da (s/d): O Método Montessori. Lisboa: Inquérito.