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PÁROCOS, INDÍGENAS E

COLONOS NAS VILAS DE ÍNDIOS


DE PORTO SEGURO
UMA CAPITANIA REFORMADA
Transformação a capitania numa ouvidoria subordinada ao governo geral da
Bahia e nomeação de um magistrado régio para ministrar a justiça, instituindo
mecanismos mais sofisticados de fiscalização e centralização do poder

Criação de um polo produtor de gêneros alimentícios para abastecer os


principais centros urbanos da colônia, fomentando a dilatação da ocupação
territorial, a expansão das atividades agrícolas e extrativistas e a construção de
canais de comunicação terrestre com o Rio de Janeiro

Instrução à criação de novas povoações coloniais com o objetivo de dilatar o


controle sobre as gentes e o território porto-segurenses, expandindo o domínio
monárquico sobre uma região estrategicamente localizada entre os dois
principais centros urbanos da colônia americana (Salvador e Rio de Janeiro) e o
seu mais importante centro produtor de ouro e pedras preciosas (Capitania de
Minas Gerais).
O REDIMENSIONAMENTO TERRITORIAL
Novas povoações redesenharam o mapa colonial da capitania,
transformando-se nos principais núcleos demográficos da região, além de
importantes polos econômicos responsáveis pela produção de farinha e
extração de madeiras.

Das seis vilas fundadas pelos ouvidores régios entre 1764 e 1772,
quatro (São Mateus, Belmonte, Viçosa e Alcobaça) foram oriundas de
“povoações domesticadas” que abrigavam grupos indígenas com larga
experiência de contato com a sociedade colonial.

As outras duas vilas (Prado e Porto Alegre), por outro lado, foram
criadas pela arregimentação de “índios vadios” que viviam dispersos nos
vastos territórios da capitania, assim como por um grande número de
degredados que foram enviados pela Relação da Bahia e do Rio de
Janeiro.
VILAS DE ÍNDIOS CRIADAS EM PORTO
SEGURO

VILA FUNDAÇÃO
Prado 1764
São Mateus 1764
Belmonte 1765
Viçosa 1768
Porto Alegre 1769
Alcobaça 1772
Vilas de índios oriundas de antigos aldeamentos jesuíticos (1759): Trancosco e Verde
NOVA TERRITORIALIZAÇÃO
Câmara: um espaço de politização e inserção dos povos indígenas
nas dinâmicas institucionais de poder

Diretor de índio: agente central da política assimilacionista do


Diretório, com atribuições políticas, econômicas e administrativas

Administração espiritual secular: implantação das freguesias com


imposição de nova jurisdição na administração espiritual das
povoações
AS CONDIÇÕES DAS IGREJAS NAS VILAS
DE ÍNDIOS
A edificação do templo: “as igrejas se devem fundar e edificar em
lugares decentes e acomodados” ( Constituições, 687)

Freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Vila de Belmonte: “A sua


construção se fez de adobe e posto esteja bastante arruinada por se
ter erigido na beira do rio. Tem telhado de telha e as paredes de
barro” (VP, ACRJ, 1785)

Freguesia de São Bernardo de Alcobaça: “Não tem igreja suficiente,


apenas uma pequena capela-mor de pau a pique e está situada em
um pontal de areia na ponta do mar, à margem do rio” (VP, ACRJ,
1799)
LIVROS DE REGISTROS E CATECISMO
Uma política de memória e governança: exigência do Livro de
Tombo (718), Cópia das Constituições (1310) e Catecismo Montphilier
(Machado Monteiro)

Registros imprecisos ou inexistentes: “Foi ereta no mesmo ano em


que se levantou a vila de índios. Ao certo não me soberam informar
do dia, mês e ano da sua fundação, nem nos livros da Igreja nada
consta” (Belmonte) (VP, ACRJ, 1795)

Falta de todos os livros: “Não tem catecismo, nem mesmo


Constituições” (Viçosa) (VP, ACRJ, 1795)
PATRIMÔNIO E RENDIMENTOS
São José de Porto Alegre: “É de rendimento muito tênues, pobríssima
pelos seus habitantes, que todos são índios” (VP, ACRJ, 1799)

Nossa Senhora do Carmo de Belmonte: “o seu patrimônio está


consistindo em 60 ou 70 cabeça de gado vacum, que segundo o zelo dos
reverendos párocos se lhe aumenta” (VP, ACRJ, 1785)

São Bernardo de Alcobaça: “Não tem rendimento algum pela suma


pobreza de seus moradores, que são quase todos índios” (VP, ACRJ,
1799)

Nossa Senhora da Purificação do Prado: “Não tem esta igreja outro


algum patrimônio que o contingente de suas sepulturas” (VP, ACRJ, 1785)
COMPORTAMENTO DOS PÁROCOS
Manoel José Ribeiro da Conceição (Prado): “Tem um gênio pouco sofredor, tudo quer levar à
pancada, por cujo motivo é bem pouco amado dos seus fregueses e alguns me requereram
que compadecesse deles dando-lhes outro pároco” (VP, ACRJ, 1995)

Manoel José do Espírito Santo (Trancoso): “celebra com perfeição o santo sacrifício da missa,
tem muito bom conhecimento dos ritos e cerimônias. Veste-se com decência e honestidade. A
sua modéstia e desinteresse o faz amada e respeitado. Tem uma índia de maior que se serve
de escrava, donde lhe não provém infâmia nem por outra via em razão de ser um exemplar
procedimento” (VP, ACRJ, 1785)

Manoel Mendes de Sá (Porto Alegre): “acusado de ter uma concubina e ser notado de tudo
compra e nada paga. Não achei em todas as vilas do norte um sacerdote decente” (VP, ACRJ,
1799)

João Nunes da Costa (Verde): “Nada houve contra ele na devassa. Mas pratica levianidades
impróprias do caráter paroquial, pois atemoriza os índios com promessas do exercício do seu
valor e usa arma de fogo” (VP, ACRJ, 1799)
PUNIÇÕES AOS PADRES
Padre João do Espírito Santo (Trancoso): Suspensão do pagamento
da côngrua pela omissão que resultou na destruição do ornamento da
sua Igreja (1768)

Padre José Lopes Ferreira (Prado): acusado de amizade ilícita com


a índia Tereza foi obrigado a “nunca mais entrar na casa da dita
índia, nem admiti-la na própria”
OS ÍNDIOS COMO FREGUESES
Uso da legislação canônica para denunciar os párocos que não atendiam suas demandas: o
índio Manuel Francisco de Jesus, casado e morador da vila do Prado, denunciou o reverendo
padre Antônio Francisco Lomba porque “quando houve um surto de bexigas no lugar chamado
Barreiras faleceu seu irmão José da Cunha, seu cunhado Simão da Costa e uma irmão chamada
Joana e outra chamada Damazia, todos sem sacramentos por não querer ir lá administra-los,
ainda que para isso se lhe oferecesse as condições; além de outros que morreram do mesmo
modo e mal no lugar chamado Cumuxatiba” (VP, ACRJ, 1803)
Transgressões da fé: “Antônio Manuel, índio casado nesta vila [de Porto Alegre] e nela morador,
é acostumado a não ouvir missa nos dias de preceito e negligente a confessar-se pela quaresma”
(VP, ACRJ, 1803)
Prática de “pecados escandalos”: Na vila de Alcobaça, por exemplo, a índia solteira Germiana
Maria da Conceição vivia em concubinato com Policarpo de Borba Coelho, homem branco e
também solteiro. Natural de Santa Catarina e proprietário de roças de mandioca, Policarpo
mantinha com Germiana uma vida conjugal aparentemente estável, pois viviam “de portas
adentro” e já possuíam três filhos. Na vila do Prado, Antônio Gomes e Natália de tal também
viviam em igual estado. Solteiro e natural daquela povoação, Antônio era pardo e vivia do
trabalho agrícola, morando “amancebado” com a referida índia dentro de sua casa. Em
Belmonte, por sua vez, o pardo Geraldo Gomes vivia em “público e escandaloso” estado de
concubinato com a índia Ana Francisca, sendo ambos solteiros (VISITA, ACRJ – Visitas Pastorais,
VP10)
PROBLEMAS/DIFICULDADES NA
ADMINISTRAÇÃO DO GOVERNO ESPIRITUAL
“zelar pelo provimento espiritual, que com tão má qualidade de gente
governem a vinha do Senhor sendo nesta Capitania tanta a falta de
sacerdote” (Carta do ouvidor Machado Monteiro, 1771)

“fazer eregir e paramentar igrejas sem dinheiro, nem de onde se


obtenha ao menos para os móveis precisos para o sacrifício da missa”
(Carta do ouvidor Machado Monteiro, 1771)

“(...) se desagregar do Bispado do Rio de Janeiro, a que é sufragânea,


para o da Bahia, pelo ponderável dano espiritual e temporal dos seus
habitantes na difícil ou quase impossível comunicação para aquela
cidade, assim por terra, que lhe fica em mais de dobrada distância, como
por mar por não haver para lá navegação, pois melhor seria terem o seu
Prelado em Lisboa, para onde é mais fácil e mais breve a
correspondência” (Carta do ouvidor Machado Monteiro, 1772)
PERSPECTIVAS FUTURAS
Produção de uma cartografia das freguesias
 “Estende-se esta freguesia [de Nossa Senhora da Purificação da Vila do Prado] de
norte a sul em linha reta 12 léguas, sendo pela parte do norte com Trancoso no rio
Corumbau na distância de 10 léguas. Para o sul parte com Alcobaça na distância de
2 léguas no lugar chamado Guaratiba. A oeste lhe fica o mar na Pontinha de 300
braças e para o oeste o sertão com fazenda de alguns moradores” (VP, ACRJ, 1799)

Levantamento de trajetórias de vida dos padres


 Padre Domingos do Nascimento (Vila Verde): “natural da Vila de Porto Seguro,
nomeado para esta freguesia em outubro de 1784. Estudou Filosofia e tem sua
instrução em Teologia Moral, o que se aplica e lê em autores modernos”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre o Diretório e as possibilidades de ampliação de
novos problemas, temas e abordagens

A importância da documentação eclesiástica para o estudo da


história dos povos indígenas

A percepção do protagonismo indígena nos conflitos no campo


religioso

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