AGOSTINHO. CONFISSÕES. SÃO PAULO: EDITORA NOVA CULTURAL, 2004. VIDA E OBRA
Nasceu: 13-11-354: Aurelius Augustinus, em Targaste, província
romana de Numídia, na África Não gostava de grego, sua cultura se fez essencialmente latina Um diálogo, hoje perdido, de Cícero, abrira-lhe as portas do saber Hortensius: era um elogio da filosofia Recusava-se a ler a Bíblia As escrituras sagradas pareciam-lhe vulgares e indignas de um homem culto VIDA E OBRA
Ligação amorosa que os padrões da época não
permitiam Fiel à amada e teve com ela um filho Antes dos 20 anos: falecimento do pai Viu-se encarregado de ser chefe de duas famílias Excelente professor de retórica Maior parte dos alunos fazia o curso para cumprir obrigações familiares Cansado desse jovens, muda-se para Roma VIDA E OBRA
Limitado na filosofia: por não saber grego
Leu as Categorias de Aristóteles em tradução latina Limitado de estudar nos melhores centros: Atenas e Alexandria Deixou-se seduzir pelas doutrinas dos maniqueístas: que afirmavam a existência de 2 princípios: o bem e o mal, a luz e as trevas. Ansiava o encontro com Fausto, um dos chefes da seita Encontro decepcionante do ponto de vista das indagações intelectuais do discípulo O CAMINHO DA SALVAÇÃO
Logo após Roma, dirigiu-se a Milão, residência imperial
Ocupou um cargo de professor de retórica Imerso em graves questões intelectuais e existenciais Frequentava a Academia platônica, já distante da linha de pensamento de Platão e voltada para um ceticismo e um ecletismo não muito consistentes: não contentou-se com isso Conheceu discípulos de Plotino, adeptos do platonismo em sua versão mística O CAMINHO DA SALVAÇÃO
Neoplatonismo: constituía para os católicos
milaneses, a filosofia por excelência, a melhor formulação da verdade realmente estabelecida Visto como doutrina que era capaz de auxiliar a fé cristã a tomar consciência da própria estrutura interna e defender-se com argumentos racionais Elaborando-se como teologia Mulher voltou para a África, era de classe inferior E ele ligou-se a uma concubina O CAMINHO DA SALVAÇÃO
Solução para seus problemas: após frequentar Santo
Ambrósio, bispo de Milão, e debater-se até aquele dia de agosto de 386, quando a palavra do apóstolo Paulo lhe foi revelada pelo canto infantil repetido diversas vezes no jardim de sua residência: “Tolle, lege, tolle, lege” Não mais procuraria esposa nem abrigaria qualquer esperança do mundo Penetraria naquela regra da fé, por onde, há muito, a mãe caminhava BISPO ATIVO E PENSADOR POLÊMICO
Conclui que precisava desviar da estrada mundana
Pediu demissão do cargo de professor Partiu para a propriedade rural do amigo Vercundo, em Cassicíaco Batismo na páscoa, como era costume na Igreja nos antigos tempos Morte da mãe: 387 BISPO ATIVO E PENSADOR POLÊMICO
Voltou a Tagaste, vendeu as propriedades do pai e,
congregando em torno de si os amigos mais fiéis, organizou uma espécie de comunidade monástica. Ali pretendia passar o resto da sua vida em recolhimento Mas foi escolhido para ajudar nas funções de sacerdotais em Hipona Até que se tornou Bispo de Hipona. onde se dividiu entre tarefas administrativas e reflexão filosófica. Como bisoco conheceu aspectos da fé popular: como o culto das relíquias e dos mártires. BISPO ATIVO E PENSADOR POLÊMICO
Redigiu uma obra imensa, a maior parte da qual inspirada
em problemas concretos que preocupavam a Igreja da época. Principais obras: Confissões (400) De Magistro (389) De Trinitae (386) Espírito e Letra (412) Contra os Acadêmicos (386) A cidade de Deus (413-426) Solilóquio (387) Retrações (413-4260 Do livre-arbítrio (388-395) BISPO ATIVO E PENSADOR POLÊMICO
Quase todas as suas obras assumiram caráter polêmico
Teve de enfrentar diversos conflitos Adversários: pagãos, astrólogos, judeus, maniqueus, priscilianistas, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas. Quanto mais velho, reservava mais tempo para dedicar ao escrever Fim da vida: invasão dos vândalos, que depois da Espanha, penetraram na África e sitiaram Hipona. BISPO ATIVO E PENSADOR POLÊMICO
Pouco depois de a cidade ser incendiada pelos
bárbaros, Agostinho adoeceu. Despedia-se da “cidade dos homens”, que considerava pecaminosa e em trevas; E penetrava na “Cidade de Deus”. Deixou uma obra de pensamento que reinaria no Ocidente cristão durante pelo menos 7 séculos. Até que outras cabeças pensassem a nova fé em termos filosóficos diferentes. A PATRÍSTICA, UM INSTRUMENTO DE CONTESTAÇÃO
A nova fé não era tão nova: tinha 4 séculos de existência: daí
passou por transformações. No começo era uma doutrina aparentemente simples, constituída por algumas regras de conduta moral e pela crença na salvação através do sacrifício de Cristo. Era uma religião revelada e não uma filosofia. Mas também servia como instrumento de contestação da ordem imperial vigente e que vivia em permanente conflito com os senhores romanos. Por isso desenvolveu instrumentos de defesa para sobreviver. A PATRÍSTICA, UM INSTRUMENTO DE CONTESTAÇÃO
Armas: buscadas no campo do adversário: os filósofos
gregos e seus continuadores na época helenística e romana. Esforço de conciliação das verdades reveladas com ideias filosóficas: primeiros pensadores cristãos: Padres da Igreja: produziram a Patrística. Não formou sistemas completos de filosofia cristã. Escritos de elogia ao cristianismo e tentativa de mostra-lo como doutrina não-oposta às verdades racionais do pensamento helênico, tão respeitado pelas autoridades romanas. A PATRÍSTICA, UM INSTRUMENTO DE CONTESTAÇÃO
São Justino, Clemente de Alexandria e Orígenas caminharam por
essa via. Em contrapartida, os apologistas latinos reagiram contra essa mistura e defenderam a originalidade da revelação cristã, fundada exclusivamente na fé e nada tendo a ver com a especulação racional. Cada vez mais, nos 1ºs séculos do cristianismo, a filosofia serviu à teologia Agostinho: principal adepto dessa maneira de pensar. Para ele confluíam as tendências conflitantes da Patrística e sua função histórica foi sintetizar todos os seus componentes. FÉ E RAZÃO: BUSCA DA VERDADE
Síntese que realizou: deu o nome de: “filosofia cristã”
Núcleo das suas ideias: conceito de beatitude Felicidade: toda a motivação do pensar filosófico Em Cidade de Deus: “o homem não tem razão para filosofar, exceto para atingir a felicidade” Filosofia: entendida como uma indagação sobre a condição humana à procura da beatitude. Beatitude: encontrada nas Sagradas Escrituras Para Agostinho, não foi fruto de procedimento intelectual, mas ato de intuição e fé. FÉ E RAZÃO: BUSCA DA VERDADE
Impunha-se conciliar as duas coisas
Questão principal da Patrística: problema das relações entre razão e fé, entre a verdade revelada e a verdade lógica, entre religiosidade cristã e a filosofia pagã. Sustentou que a fé é precedida por certo trabalho da razão. Verdades da fé: não podem ser provadas. Mas é possível demonstrar o acerto de se crer nelas: tarefa que cabe à razão. Razão: relaciona-se duplamente com a fé: precede- a e é sua consequência. FÉ E RAZÃO: BUSCA DA VERDADE
É necessário compreender para crer e crer para
compreender. “Intellige ut credas, crede ut intelligas” Mesmo sem rigor filosófico, essa tese teve grande força: era um evidente resultado da história de Agostinho. Filosofia: entendia como um instrumento auxiliar destinado a um fim que transcende seus próprios limites. Agostinho: conseguiu sistematizar uma grandiosa concepção do mundo, do homem e de Deus, que se tornou, por muito tempo, a doutrina fundamental da Igreja católica UMA TEORIA DOGMÁTICA DO CONHECIMENTO
Primeiro problema filosófico focalizado: fundamentos do
conhecimento Antes debatera-se dentro dos limites do ceticismo da Nova Academia platônica, dominado pelas análises de Arcesilau e Carnéades, que sustentavam a tese de que não é possível encontrar um critério de evidência absoluta e indiscutível, o conhecimento limitando-se ao meramente verossímil, provável ou persuasivo. Mas a verdade religiosa encontrada pelo bispo africano, a partir das Sagradas Escrituras, era sólida e firme. Céticos: fonte de todo o conhecimento: percepção sensível, sem fundamentos para a certeza, já que os sentidos forneciam dados variáveis e, portanto, imperfeitos. UMA TEORIA DOGMÁTICA DO CONHECIMENTO
Em Contra os Acadêmicos, Agostinho diz que o erro provém
dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias. A sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é querer ver nela a expressão de uma verdade externa ao próprio sujeito. Em Cidade de Deus, levou a argumentação às últimas consequências e antecipou a reflexão cartesiana: “Se eu me engano, eu sou, pois aquele que não é não pode ser enganado”. Com isso atingia a certeza da própria existência. UMA TEORIA DOGMÁTICA DO CONHECIMENTO
Essa primeira certeza, além de
fundamentar toda uma teoria dogmática do conhecimento, parecia permitir também a revelação da própria essência do ser humano: O homem seria sobretudo um ser pensante e seu pensamento não se confundiria com a materialidade do corpo. A AÇÃO DA ALMA SOBRE O CORPO
Essa concepção de homem
provinha de Platão. Em Alcibíades, define o homem como uma alma que serve de um corpo. Agostinho mantém esse conceito com todas as consequências lógicas que ele comporta, dentre as quais a principal é a ideia de transcendência hierárquica da alma sobre o corpo. A AÇÃO DA ALMA SOBRE O CORPO
Presente em sua morada terrena, a alma teria funções
ativas em relação ao corpo: atenta a tudo o que se passa ao redor, nada deixa escapar à sua ação. Os órgão sensoriais sofreriam as ações dos objetos exteriores, mas a alma não, pois o inferior não pode agir sobre o superior. A alma, porém, não deixaria passar desapercebida as modificações do corpo e, sem nada sofrer, tiraria de sua própria substância uma imagem semelhante ao objeto. Essa imagem, que constituiria a sensação, não é paixão sofrida pela alma, mas ação. A AÇÃO DA ALMA SOBRE O CORPO
Entre as sensações, algumas referem-se às necessidades e
estados do corpo, outras dizem respeito à coisas exteriores. O caráter distintivo desses objetos é a instabilidade: aparecem e desaparecem; está aí e já não estão mais, sem que seja possível apreendê-los de uma vez por todas. Com isso ficam inteiramente excluídos de qualquer conhecimento verdadeiro, pois este exige necessariamente estabilidade e permanência. O conhecimento não seria, portanto, apreensão de objetos exteriores ao sujeito, tal como dados à percepção. Seria, antes, a descoberta de regras imutáveis. Como 2+2=4 A AÇÃO DA ALMA SOBRE O CORPO
Da necessidade do conhecimento decorreria sua
imutabilidade e, desta, a sua eternidade. Tal conclusão coloca um problema: revela a existência de dois tipos inteiramente diferentes de conhecimento 1º: limitado aos sentidos e referente aos objetos exteriores ou suas imagens, não é necessário, nem imutável e nem externo; 2º: encontrado na matemática e nos princípios fundamentais da sabedoria constitui a verdade. A AÇÃO DA ALMA SOBRE O CORPO
Será o homem a fonte dos conhecimentos perfeitos?
Não para Augustinho. O homem é tão mutável quanto as coisas dadas à percepções, e justamente por isso ele se inclina reverente diante da verdade que o domina. Assim, só haveria uma resposta possível: A aceitação de que alguma coisa transcende a alma individual e dá fundamento à verdade. Deus. A DOUTRINA DA ILUMINAÇÃO DIVINA
Para explicar como é possível ao homem receber de
Deus o conhecimento das verdades eternas, Agostinho elabora a doutrina da iluminação divina. Metáfora da alegoria da caverna. Louva os platônicos por ensinarem que o princípio espiritual de todas as coisas é, ao mesmo tempo, causa de sua própria existência, luz de seu conhecimento e regra de sua vida. Por conseguinte, as proposições percebidas como verdadeiras, seriam porque foram previamente iluminadas pela luz divina. A DOUTRINA DA ILUMINAÇÃO DIVINA
Entender algo inteligivelmente equivaleria a
extrair da alma sua própria inteligibilidade e nada se poderia conhecer intelectualmente que já não se possuísse antes, de modo difuso. Existe uma luz eterna da razão que procede de Deus e atua a todo momento, possibilitando o conhecimento das verdades eternas. Assim como os objetos exteriores só podem ser vistos quanto iluminados pela luz do Sol, também as verdades da sabedoria precisariam ser iluminadas pela luz divina para se tornarem inteligíveis. DEUS, INFINITAMENTE BOM...
A experiência mística revelaria ao homem a existência de Deus
e levaria à descoberta dos conhecimentos necessários, eternos e imutáveis existentes na alma. Implica, pois, a concepção de um ser transcendente que daria fundamento à verdade. Deus, assim encontrado, é, ao mesmo tempo, uma realidade interna e transcendente ao pensamento. Sua presença seria atestada para todos os juízos formados pelo homem, sejam científicos, estéticos ou morais. Mas, por outro lado, a natureza divina escaparia ao alcance humano. É mais fácil dizer o que ele não é do que defini-lo. DEUS, INFINITAMENTE BOM...
A melhor forma de designá-lo se encontraria no Êxodo: “Eu
sou o que sou”. Deus seria a realidade total, a “essentia” no mais alto grau. Todas as demais coisas não têm propriamente essência, pois, sendo mutáveis, seriam constituídas pela mistura do ser e do não-ser. Ideias do ser: Parmênides – Heráclito – Platão – Plotino – Santo Agostinho DEUS, INFINITAMENTE BOM...
Agostinho concebe a unidade divina não como vazia e
inerente, mas como plena, viva e guardando dentro de si a multiplicidade. Deus compreende 3 pessoas iguais e consubstanciais: Pai, Filho e Espírito Santo. Pai: essência divina em sua insondável profundidade; Filho: é o verbo, a razão ou a verdade, através da qual Deus se manifesta; Espírito Santo: é o amor, mediante o qual Deus dá nascimento a todos os seres. DEUS, INFINITAMENTE BOM...
Ligado ao problema da criação, Agostinho investigou a
noção de tempo. Tempo: entendido como constituído por momentos diferentes de passado, presente e futuro: o que significa descontinuidade transformação. Consequentemente, a criação do tempo coincide com a criação do mundo, ele é a estrutura fundamental do próprio mundo. Ao contrário, Deus, o ser por excelência, que é, foi e será, está completamente fora do tempo, é imutável e eterno. DEUS, INFINITAMENTE BOM...
Em outros termos, o mundo, sendo uma mescla de ser e não-
ser, carrega dentro de si um processo de transformação que o faz caminhar do ser para o não-ser, ou vice-versa. Esse processo constitui a sucessão temporal de passado, presente e futuro, o que não acontece, evidentemente, com Deus, único e verdadeiro ser e, portanto, eterno. Sendo imutável, Deus é a plenitude do ser, a perfeição máxima e o bem absoluto. A partir dessa ideia Agostinho constrói a doutrina metafísica do bem e do mal, mais uma vez revelando sua dependência filosófica em relação ao neoplatonismo de Plotino, no qual encontra-se a mesma doutrina, no entanto, despojada da vestimenta cristã. DEUS, INFINITAMENTE BOM...
O mundo criado, manifestação da sabedoria e da bondade de Deus, é
uma obra perfeita. Tudo aquilo que é é necessariamente bom, pois a ideia de bem está implicada na ideia de ser. Deus não é, portanto, a causa do mal, da mesma forma que a matéria também não poderia produzi-lo, pois ela é uma criatura de Deus. Natureza do mal: encontrada no conceito absolutamente contrária no conceito de Deus como ser, ou seja, no não-ser. Mal: destituída de toda substancialidade: é apenas a privação do bem. Não existe, como queriam os maniqueus, 2 princípios igualmente poderosos a reger o mundo, mas somente um: Deus, infinitamente bom. O HOMEM E A ESSÊNCIA DO PECADO
Cerne da antropologia agostiniana: Deus é a bondade
absoluta e o homem é o réprobo miserável condenado à danação eterna e só recuperável mediante a graça divina. Homem: criatura privilegiada. Feito à semelhança de Deus, desdobra-se em correspondência com as três pessoas da trindade. Memória: enquanto persistência da imagem produzida pela percepção sensível, corresponde à essência (Pai), aquilo que é e nunca deixa de ser; Inteligência: correlato do verbo, razão ou verdade (Filho); Vontade: expressão humana do amor (Espírito Santo). O HOMEM E A ESSÊNCIA DO PECADO
De todas as faculdades, a mais importante é a vontade,
intervindo em todos os atos do espírito e constituindo o centro da personalidade humana. Vontade: essencialmente criadora e livre, e nela tem raízes a possibilidade de o homem afastar-se de Deus. Tal afastamento significa distanciar-se do ser e caminhar para o não-ser, isto é, aproximar-se do mal. É essa a essência do pecado, cujo único responsável é o livre arbítrio da vontade e humana. O HOMEM E A ESSÊNCIA DO PECADO
Pecado: transgressão da lei divina
Na medida em que a alma foi criada por Deus para reger o corpo, o homem, ao fazer mau uso do livre-arbítrio, inverte essa relação, subordinando a alma ao corpo, e cai na concupiscência e na ignorância. Voltada para a matéria, a alma acaba por secar-se pelo contato com o sensível, dando a ele o pouco de substância que lhe resta, esvaindo-se no não-ser e considerando-se a si mesma como um corpo.