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DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – NOÇÃO DE ARGUMENTO

Fazendo a argumentação parte do método filosófico, um dos principais elementos da Filosofia


são os argumentos. Os filósofos não se limitam a apresentar teses em resposta aos problemas
colocados, devendo também propor argumentos para defender as suas teses com a intenção
de convencer os outros.
Mas o que é um argumento?

Um argumento é um
conjunto de proposições em
Um argumento pode ter uma ou mais
que uma delas – a conclusão premissas, mas tem apenas uma
– é a tese defendida por conclusão.
O processo de passagem das premissas
outras, designadas de para a conclusão designa-se de inferência
premissas. ou raciocínio.
ARGUMENTO

Conjunto de proposições devidamente


articuladas

Premissa(s) Conclusão (tese)

A(s) premissa(s) procura(m) defender, sustentar ou


justificar a conclusão.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – ESTRUTURA DOS ARGUMENTOS

Existem expressões linguísticas que nos ajudam a identificar num argumento quais são as
premissas e qual é a conclusão: os indicadores de premissa e os indicadores de conclusão:
Indicadores de premissa e de conclusão – exemplos

Proposição 1 – O desporto é atividade física.


Uma vez que é uma atividade física, o desporto é
Proposição 2 – O desporto é saudável.
saudável. Como se sabe, a atividade física é saudável.
Proposição 3 – A atividade física é saudável.

Indicadores de premissa Toda a atividade física é saudável.


Todo o desporto é atividade física.
Logo, todo o desporto é saudável.

Indicador de conclusão
Proposição 1 – O Universo não é infinito.
O Universo não é infinito. Com efeito, se o Universo
Proposição 2 – Se o Universo fosse infinito, a força da gravidade
fosse infinito, a força da gravidade não existiria. Ora, a
não existiria.
força da gravidade existe.
Proposição 3 – A força da gravidade existe.

Se o Universo fosse infinito, a força da gravidade não existiria.


Indicadores de premissa A força da gravidade existe.
Logo, o Universo não é infinito.

Indicador de conclusão
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA
FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DE ARGUMENTOS

1. Identificar a tese ou conclusão do EXEMPLO DE ARGUMENTO:


argumento
(o autor do argumento quer defender ou Os animais não humanos têm direitos,
convencer-nos de quê?) porque são seres sencientes (têm a
2. Identificar as premissas do capacidade de sentir dor) e um ser tem
argumento direitos se tiver essa capacidade.
(que razões o autor apresenta para defender a
tese ou conclusão?) FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DO ARGUMENTO:
3. Formular explicitamente o
argumento na forma padrão ou P1 – Os animais não humanos são seres
canónica sencientes.
(reescrever o argumento começando com cada
premissa numa linha diferente e numerada; e P2 – Se um ser é senciente, tem direitos.
com a tese ou conclusão na última linha,
precedida pelo indicador «logo» e identificada
C – Logo, os animais não humanos têm
com «C») direitos.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA
FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DE ARGUMENTOS

1. Identificar a tese ou conclusão do EXEMPLO DE ARGUMENTO:


argumento
(o autor do argumento quer defender ou É claro que Deus não existe, pois se Deus é
convencer-nos de quê?) perfeito, não permitiria que existisse mal no
2. Identificar as premissas do mundo, mas o mal existe.
argumento
(que razões o autor apresenta para defender a FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DO ARGUMENTO:
tese ou conclusão?)
3. Formular explicitamente o P1 – Se Deus é perfeito, não permitiria que
argumento na forma padrão ou existisse o mal no mundo.
canónica
(reescrever o argumento começando com cada P2 – O mal existe no mundo.
premissa numa linha diferente e numerada; e C – Logo, Deus não existe.
com a tese ou conclusão na última linha,
precedida pelo indicador «logo» e identificada
com «C»)
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA
FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DE ARGUMENTOS

1. Identificar a tese ou conclusão do EXEMPLO DE ARGUMENTO:


argumento O homicídio não é errado só quando provoca
(o autor do argumento quer defender ou
convencer-nos de quê?) sofrimento na vítima, visto que, nesse caso, não
seria errado matar alguém sem sofrimento
2. Identificar as premissas do quando está a dormir.
argumento
(que razões o autor apresenta para defender a
FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DO ARGUMENTO:
tese ou conclusão?)
P1 – Se o homicídio só fosse errado quando provoca
3. Formular explicitamente o
sofrimento na vítima, então não seria errado matar
argumento na forma padrão ou
alguém sem sofrimento quando está a dormir.
canónica
(reescrever o argumento começando com cada P2 – Matar alguém sem sofrimento enquanto está a
premissa numa linha diferente e numerada; e dormir é errado.
com a tese ou conclusão na última linha,
C – Logo, o homicídio não é errado só quando
precedida pelo indicador «logo» e identificada
provoca sofrimento na vítima.
com «C»)
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA
FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DE ARGUMENTOS – OS ENTIMEMAS

1. Identificar a tese ou conclusão do EXEMPLO DE ARGUMENTO:


argumento
(o autor do argumento quer defender ou Nem tudo o que os artistas fazem é belo e,
convencer-nos de quê?) como tal, nem toda a arte é bela.
2. Identificar as premissas do
argumento FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DO ARGUMENTO:
(que razões o autor apresenta para defender a
tese ou conclusão?) P1 – Nem tudo o que os artistas fazem é
3. Formular explicitamente o belo.
argumento na forma padrão ou P2 – Tudo o que os artistas fazem é arte.*
canónica
(reescrever o argumento começando com cada C – Logo, nem toda a arte é bela.
premissa numa linha diferente e numerada; e
com a tese ou conclusão na última linha, *P2 é uma premissa implícita, subentendida ou omissa
precedida pelo indicador «logo» e identificada e, quando há num argumento uma ou mais premissas
com «C») implícitas, o argumento designa-se de entimema.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA
FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DE ARGUMENTOS – OS ENTIMEMAS

1. Identificar a tese ou conclusão do EXEMPLO DE ARGUMENTO:


argumento
(o autor do argumento quer defender ou As galinhas não são peixes, uma vez que não
convencer-nos de quê?) têm guelras.
2. Identificar as premissas do
argumento FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DO ARGUMENTO:
(que razões o autor apresenta para defender a
tese ou conclusão?) P1 – As galinhas não têm guelras.
3. Formular explicitamente o P2 – Os peixes têm guelras.*
argumento na forma padrão ou
canónica C – Logo, as galinhas não são peixes.
(reescrever o argumento começando com cada
premissa numa linha diferente e numerada; e
com a tese ou conclusão na última linha, *P2 é uma premissa implícita, subentendida ou omissa
precedida pelo indicador «logo» e identificada e, quando há num argumento uma ou mais premissas
com «C») implícitas, o argumento designa-se de entimema.
O ENTIMEMA

António é estudioso. A premissa «Todos os estudiosos obtêm boas


Logo, António obtém boas classificações. classificações» encontra-se implícita, tendo sido suprimida.

ENTIMEMA
Indicador de conclusão

Argumento em que uma ou mais proposições são


omitidas, encontrando-se subentendida(s) – pode
inclusive omitir-se a conclusão.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA
FORMULAÇÃO EXPLÍCITA DE ARGUMENTOS – CADEIAS DE ARGUMENTOS

Uma proposição pode ser a conclusão de um certo argumento, mas surgir como premissa
noutro argumento diferente e, assim, mediante cadeias de argumentos chegamos a uma
conclusão e usamos depois essa conclusão como premissa noutro argumento, e assim por
diante.

Por exemplo:
P1 – Os animais não humanos têm a capacidade de sofrer.
P2 – Se um ser tem a capacidade de sofrer, então tem direitos.
C1 – Logo, os animais não humanos têm direitos.

P3 – Os animais não humanos têm direitos.


P4 – Se os animais não humanos têm direitos, então não
devem ser maltratados.
C2 – Logo, os animais não humanos não devem ser
maltratados.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – NOÇÃO DE LÓGICA

Portanto, argumentar é defender ideias com razões, usando proposições e a


Lógica é o estudo da argumentação, nos aspetos que permitem:
1. distinguir argumentos bons/válidos/corretos dos argumentos
maus/inválidos/incorretos;
2. explicar por que razão um argumento é válido ou inválido;
3. aprender a pensar e a argumentar corretamente.

Os filósofos têm de formular argumentos,


fundamentando as suas teses com boas
razões e, se discordarmos de um
argumento, podemos apresentar uma
objeção, a qual se designa de contra-
argumento.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA
DISTINÇÃO LÓGICA ENTRE VERDADE E VALIDADE

Uma proposição pode ser verdadeira ou falsa (e não válida ou inválida), porque
afirma ou nega coisas sobre a realidade, que podem ser corretas ou não, ou
seja, a verdade diz respeito ao conteúdo das proposições.

Um argumento pode ser válido ou inválido (e não


verdadeiro ou falso), pois apenas estabelece uma
relação entre proposições, ou seja, a validade refere-se
à forma como a conclusão é extraída das premissas.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

QUANDO É QUE UM
ARGUMENTO É
VÁLIDO?
Um argumento é válido quando:
- as premissas justificam logicamente a conclusão (ou, o que é o
mesmo, quando a conclusão se segue das premissas);
- e, se se admitir que as premissas são todas verdadeiras, a
conclusão também será verdadeira (ou seja, em nenhuma
circunstância as premissas são todas verdadeiras e a conclusão
é falsa, simultaneamente).
Não se enquadram na categoria de “argumentos” aqueles que são meros conjuntos de
proposições sem qualquer conexão lógica entre si.

Exemplos
Os rapazes são giros.
As cerejas fazem bem à saúde.
Logo, as férias devem continuar.

Todos os deuses são imortais.


Alguns carros funcionam a gasolina.
Logo, as palavras são indispensáveis.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

1 2 3 4 5

6
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

1 Se um inseto tiver 10 pernas, então tem asas.


As aranhas são insetos com 10 pernas.
Logo, as aranhas têm asas.

Todos os números primos são números pares.


9 é um número primo.
Logo, 9 é um número par.

A União Europeia é constituída por 30 países.


Todos os países têm o euro como moeda oficial.
Logo, Madrid é a capital da Suécia.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

2 Todos os animais carnívoros são mamíferos.


As girafas são animais carnívoros.
Logo, as girafas são mamíferos.

Podemos raciocinar corretamente chegando a uma conclusão


verdadeira a partir de premissas todas falsas.

A União Europeia é constituída por 30 países.


Todos os países têm o euro como moeda oficial.
Logo, Estocolmo é a capital da Suécia.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

3 Os noitibós são aves.


Todas as aves voam.
Logo, os noitibós voam.

Podemos raciocinar corretamente chegando a uma conclusão


verdadeira a partir de pelo menos um premissa falsa.

A União Europeia é constituída por 27 países.


Todos os países têm o euro como moeda oficial.
Logo, Estocolmo é a capital da Suécia.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

Todos os seres vivos são animais.


As árvores são seres vivos.
Logo, as árvores são animais.

A União Europeia é constituída por 27 países.


Todos os países têm o euro como moeda oficial.
Logo, Madrid é a capital da Suécia.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

5 Se os dinossáurios estão extintos, os saurópodes já não


existem.
Os dinossáurios estão extintos.
Logo, os saurópodes já não existem.

Todos os portugueses são europeus.


José Saramago era português.
Logo, José Saramago era europeu.
Lisboa é a capital de Portugal.
Portugal é um país europeu.
Logo, a União Europeia tem mais de 26 países.
Todos os mamíferos respiram por pulmões.
Os carapaus não são mamíferos.
Logo, os carapaus não respiram por pulmões.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

Se eu fosse norueguês, então seria europeu.


Não sou norueguês.
Logo, não sou europeu.

Todos os peixes nadam.


A baleia nada.
Logo, a baleia é um peixe.
Exemplo
Premissa Todos os portugueses são europeus.
Premissa Os alentejanos são portugueses.
Conclusão Logo, os alentejanos são europeus.

Indicador de
Nexo lógico
conclusão

Não se enquadram na categoria de «argumentos» aqueles que são meros conjuntos de


proposições sem qualquer conexão lógica entre si.

Exemplo
Todas as cidades têm habitantes. Um argumento tem subjacente uma inferência ou
As cerejas fazem bem à saúde. raciocínio, uma operação que efetua a transição lógica
Logo, as férias devem continuar. entre proposições.
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

Em síntese:
 a verdade é uma propriedade das proposições (estas são verdadeiras ou falsas), pois diz
respeito ao conteúdo das proposições (se há ou não adequação entre o pensamento e a
realidade);
 a validade é uma propriedade dos argumentos (estes são válidos ou inválidos), pois refere-
se à forma como a conclusão é extraída das premissas (se a conclusão se segue logicamente
das premissas e se a conclusão é verdadeira se se admitir que todas as premissas o são).
DIMENSÃO DISCURSIVA DA ATIVIDADE FILOSÓFICA – VALIDADE DOS ARGUMENTOS

Comparemos os seguintes argumentos:


P1 - Se chover, a estrada fica molhada. P1 - Se chover, a estrada fica molhada.
P2 - Choveu. P2 - A estrada ficou molhada.
C - Logo, a estrada ficou molhada. C - Logo, choveu.

O argumento da esquerda é válido, porque a verdade das premissas garante a


verdade da conclusão, isto é, não somos capazes de conceber uma situação que torne as
premissas verdadeiras e a conclusão falsa. Isto significa que se não aceitarmos a conclusão
do argumento, então há pelo menos uma premissa que também não aceitamos.
O argumento da direita é inválido, porque a verdade das premissas não oferece qualquer
justificação para aceitarmos a verdade da conclusão. É perfeitamente possível imaginar
uma situação em que as premissas são verdadeiras e a conclusão falsa. A primeira premissa
estabelece que chover é uma condição suficiente para que o chão fique molhado, mas não nos
diz que é uma condição necessária. Assim sendo, fica em aberto a possibilidade de o chão ficar
molhado por outros motivos (como por exemplo, o facto de o sistema automático de rega estar
ativo, ou de alguém ter estado a lavar o chão à mangueira, etc.). Nesse caso, as premissas
podem ser ambas verdadeiras, apesar de não ter chovido.
Argumentos sólidos

Argumentos válidos constituídos por premissas


verdadeiras.

A solidez já pressupõe a validade.

Exemplos
Todos os portugueses são europeus.
João Sousa é português.
Logo, João Sousa é europeu.

João Sousa é vimaranense e é português.


Logo, é português.
QUADRADO DA OPOSIÇÃO

Concluímos assim que:


→ A validade é uma propriedade que se refere exclusivamente à forma lógica ou
estrutura formal do argumento.

→ O conteúdo específico das premissas e da conclusão não é relevante para determinar


a validade dos argumentos.

A validade é uma importante propriedade dos argumentos. Se, e apenas se, nos
basearmos em informação verdadeira e, simultaneamente, raciocinarmos validamente, é
seguro que não chegaremos a uma conclusão falsa.

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