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A FLAGELAÇÃO E A

COROAÇÃO DE
ESPINHOS
Flagelação

Castigo bem comum. Habitual nos sistemas jurídicos desde a


Antiguidade. Ainda não suprimido, contemporaneamente, em várias
nações. Informalmente, muito praticado por toda a parte. Proposto por
certos grupos apavorados com os índices de criminalidade e os custos
das prisões. O Deuteronômio o limitava ao máximo de 40 golpes, o que
tornava menos desumano o tremendo castigo (Dt 25,1-3). Entre os
judeus era aplicado com o "shôt", o chicote comum, de uma só tira de
couro, o chicote de cavalgaduras.
Flagelação

Entre os romanos, pelo contrário, não havia limites, exceto o arbítrio


ou o cansaço dos carrascos. Os romanos usavam o "flagelo", com várias
tiras de couro e bolinhas de chumbo ou ossinhos de carneiro nas
pontas.
Flagelação
A flagelação era uma pena judiciária que podia ser, conforme o caso,
"principal" ou "acessória". No caso dos condenados à morte por
crucifixão, era uma pena acessória que possuía o objetivo de reduzir a
resistência do réu, diminuindo a necessidade de mobilizar, por muito
tempo, uma guarda para o local do suplício. Evidentemente, havendo
um interesse qualquer em prolongar a agonia do paciente, a
autoridade poderia determinar uma menor intensidade nesta
preparação. Seja como for, é frequente entre os autores latinos o
emprego do adjetivo "horribile" ("horroroso") para classificar este
suplício.
Flagelação

De fato, dificilmente podemos fazer ideia do trauma, dor e dilaceração


que dois robustos soldados, trabalhando o corpo de um condenado,
que tinha as mãos amarradas a uma coluna, causavam à vítima com
seus flagelos.
Flagelação

Os Evangelistas não descem a pormenores a respeito da flagelação de


Jesus. São extremamente sóbrios. Seus leitores eram contemporâneos
de numerosas flagelações públicas (várias foram suas vítimas ), e
tinham impressas na memória o ruído dos golpes na carne humana, os
gritos e gemidos, a vítima mais e mais sanguinolenta. Lucas nem
explicita a flagelação. Fala de "castigo". Segundo ele, Pilatos diz à turba
e autoridades judaicas:
Flagelação

"Que mal fez este homem? Nenhum motivo de morte encontrei nele!
Por isso vou soltá-lo depois de o castigar" (Lc 23,22).
João indica: "Pilatos, então, tomou Jesus e o mandou flagelar" (19,1).
Mateus escreve: "Quanto a Jesus, (Pilatos) depois de flagelá-lo,
entregou-o para que fosse crucificado" (27,26). Por sua vez, Marcos
assinala: "Depois de fazer flagelar Jesus, entregou-o para que fosse
crucificado" (Mc 15,15).
Flagelação
Quando Jesus sofreu a flagelação, ele já tinha passado de Anás
(]o 18,12) a Caifás, e deles a Pilatos, que o remeteu a Herodes Antipas
(Lc 23,6-12), que o devolveu a Pilatos ... Havia, portanto, sofrido um
arremedo de processo diante dos notáveis do seu povo (Mt 26,57-66
pa.}. Fora esbofeteado, escarrado, até mesmo espancado (Mt 26,67-
68; Mc 14,65; cf. Lc 22,63-65). O processo, jogo de cartas marcadas,
não foi diferente de tantos em que os juízes se ancoram em
formalidades do direito para encobrir com uma ficção de justiça os
interesses que os levam a condenar um inocente.
A coroação de
espinhos
Se os chefes agem assim, como
não procederão os chefetes? Alguém
refletiu que, nas ditaduras, mais
terríveis do que o ditador de plantão
A coroação de e seus ministros, são os policiais e
carcereiros. Mateus (27,29), Marcos
espinhos (15,17) e João (19,2) relatam como
os soldados encarregados da
flagelação acrescentaram-lhe o
cerimonial macabro da coroação de
espinhos.
Ora, a imagem do Sudário de Turim é a de uma
vítima de crucifixão que foi previamente flagelada e
também coroada de espinhos. O Dr. Pierre Barbet
descreve:
"Olhemos para o Sudário. O alto do crânio não
aparece ... Na imagem posterior se pode

A coroação de facilmente ver, em toda a altura do crânio, fluxos


de sangue ... descendo cada um do ferimento de
um espinho e seguindo trajetos irregulares. Param

espinhos todos eles no nível de uma linha um pouco


côncava no alto, que marca, evidentemente, a
passagem do feixe de juncos (que apertava os
espinhos trançados em forma de coifa na altura da
testa). Depois, abaixo dessa linha, toma a partir
outra série de abundantes fluxos que parecem se
perder na massa dos cabelos ... Na frente, os fluxos
sanguíneos são mais discretos, mas, em
compensação, ainda mais legíveis ... "
Por que Jesus foi flagelado? Mateus e Marcos
parecem apresentar este castigo como parte da
pena capital. A menção de Lucas e o texto de
João o relacionam com uma tentativa canhestra
de Pilatos de comover a multidão e convencê-la
de deixar as coisas por aí mesmo. De fato, a

A coroação de pouca vontade de Pilatos de condenar Jesus à


crucifixão é também atestada por Mateus:
"Pilatos perguntou: 'Que farei de Jesus, que
espinhos chamam de Cristo' Todos responderam: 'Seja
crucificado!' Tornou a dizer-lhes: 'Mas que mal
ele fez?' Eles, porém, gritavam com mais
veemência: 'Seja crucificado!' Vendo Pilatos
que nada conseguia, mas, ao contrário, a
desordem aumentava, pegou água, lavou as
mãos na presença da multidão, dizendo: 'Estou
inocente desse sangue! A responsabilidade é
vossa!" (27,22-26)
É Mateus o único que registra o
episódio da intervenção da esposa
do procurador junto ao marido:

A coroação de "Enquanto estava presidindo o

espinhos
tribunal, sua mulher lhe mandou
dizer: 'Não te envolvas com este
justo, porque muito sofri hoje em
sonho por causa dele"'. (Mt 27,19)
Este episódio não deve ser descartado
como inverossímil. Pelo contrário, ele é
muito próprio da cultura romana,
bastante supersticiosa e atenta a
augúrios, sinais prodigiosos e sonhos.

A coroação de Mas Pilatos não deu ouvidos à mulher.


Hoje os cristãos o recordam quando

espinhos dizem, no Credo, que Jesus, o Senhor,


"padeceu sob Pôncio Pilatos". "Eis o
Homem!" o relato de João 19,4-12 nos
faz ver Pilatos apresentando Jesus à
multidão, depois de flagelado e coroado
de espinhos. Há um tom de ironia trágica
na palavra do procurador romano: "Eis o
homem!"
Com efeito, o que é "humano"? O
que é "ser homem"? Maltratar e
condenar a torturas e a uma morte
cruel é "humano"? Certamente o é,
num
A coroação de sentido meramente descritivo,

espinhos
objetivo, digamos "científico", pois
incontáveis vezes temos
testemunhado os seres humanos
atormentarem e supliciarem seus
semelhantes em todos os tempos e
lugares ao longo da história.
Ora, quando se reduz toda a moral a
meros costumes e diz-se que o
normal é o que se pratica e se admite
numa dada sociedade; quando se
deixa a "opinião pública" e a
A coroação de contabilidade fria das estatísticas
guiarem as decisões, de fato estamos
espinhos admitindo que flagelar, coroar de
espinhos, crucificar são atos
"humanos". Jesus, o Inocente, tendo
assumido nossa condição, sofre esta
distorção perversa do sentido do
humano.
No folclore e na canção, tantas vezes o pecado é
sinônimo de alegria, de libertação, de
humanidade. Diz o verso: "morena da cor do
pecado". Contudo a figura de Cristo esfacelado e
alquebrado, com sua capa vermelha, sua coroa,
seus olhos cegados de sangue desmente este

O pecado
mito sedutor. No seu injusto processo, os
prazeres da alta sociedade romana, sua vontade
de poder, os vícios imperiais, a cadeia de

desumaniza bajulações, diversões, omissões, conveniências e


interesses somaram-se à covardia e amor ao
próprio cargo e posição da parte do procurador,
fortaleceram-se com a rivalidade e inveja das
lideranças judaicas. No fundo de tudo, revela-se a
paixão pelo dinheiro. Tais paixões são tão
"humanas" que cabe lembrar a sentença de
Jesus:
"Quem não tiver pecado atire a primeira pedra"
(Jo 8,7).
Com efeito, podemos, honestamente,
dizer:

"Nós todos estávamos lá. Exceto a Mãe


d'Ele, nenhum de nós é imaculado" .
O pecado No entanto, fixando o olhar em Jesus,
que Pilatos apresenta como "o homem",
desumaniza nós aprendemos o essencial sobre nós
mesmos. Descobrimos de novo o que
devemos ser, o que somos chamados a
ser, o que somos capazes de ser, o que é
ser autentica e profundamente humano.
A SUBIDA
DO
CALVARIO
A SUBIDA
DO
CALVARIO
Esta Jerusalém de caráter árabe é uma
cidade antiga. Suas muralhas, portas,
ruas, pátios e casas reproduzem muito
bem os contornos da cidade no tempo
de Cristo. A esplanada do Templo ainda
está lá. Não é difícil identificar o ângulo
da Torre Antônia, de onde o romano
ocupante vigiava a multidão no
Templo. A Via Dolorosa, seguindo "a
rua dos queijeiros" do tempo de Jesus,
através do vale do Tiropeón, é
facilmente identificada.
A SUBIDA
DO
CALVARIO
Na rua antiga e estreita os
adversários de Jesus, os soldados
romanos, os condenados com o
travessão de suas cruzes nos
ombros escalavrados, os
discípulos, a Mãe do Senhor, os
curiosos se misturavam com os
indiferentes.
A SUBIDA
DO
CALVARIO
Sim, os indiferentes: afinal, o que
havia de extraordinário naquele
espetáculo, tantas vezes
repetido? Os romanos eram
metódicos, organizados. Aquela
movimentada rua comercial era
o caminho que descia do tribunal
e subia até uma das portas da
cidade, por onde se alcançava
uma zona de sepulturas.
A SUBIDA
DO
CALVARIO
Junto desta área havia um cabeço,
um morrete, chamado de "Gólgota"
ou "Calvário", isto é, o "Lugar do
Crânio", por causa do seu formato
curioso. Ali era o lugar das execuções
por crucifixão naqueles dias. A "rua
dos queijeiros" era o trajeto habitual
dos executados, para que todos se
impressionassem e comentassem o
poder do Imperador e o zelo do seu
representante.
A SUBIDA
DO
CALVARIO
Chamava-se Simão e era natural
de Cirene, na atual Líbia, Feito,
depois, membro da comunidade
com seus filhos, "Alexandre e
Rufo" (Mc 15,21), Simão, o
Cirineu, tomou-se o patrono dos
que começam a ajudar por
constrangimento ou coação e
terminam por se entregar ao
amor do necessitado.
A SUBIDA
DO
CALVARIO
Na Via Dolorosa também se postaram
"as filhas de Jerusalém", que choravam
diante do estado de penúria,
miserabilidade física e rejeição a que
tinham reduzido o Mestre. A piedade
popular as representou sob a figura
única da "Verônica", Verônica seria uma
destas boas judias que tomaram a
iniciativa de enxugar a Santa Face do
Senhor. No seu lenço, miraculosamente,
teria ficado impressa a imagem daquele
rosto majestoso em seu sofrimento.
A SUBIDA
DO
CALVARIO
Na verdade, porém, "verônica" significa
"verdadeira imagem" ("verdadeiro
ícone") e não é um nome de mulher.
Muito provavelmente, esta lenda piedosa
evoca a extraordinária relíquia chamado
"o Santo Sudário", conservada na
Catedral de Turim, o modelo mais
tradicional e permanente para a
representação da fisionomia do rosto de
Jesus. Jesus disse às filhas de Jerusalém:
 

"Não choreis por mim! Chorai por vós


mesmas e por vossos filhos!" (Lc 23,27).
A SUBIDA
DO
CALVARIO
A elas o Mestre repete as suas
advertências (cf. Lc 21 ,20-28) sobre os
dias angustiosos que hão de vir sobre a
cidade, em consequência da recusa ao
bem e adesão ao mal:

"Pois eis que virão dias em que se dirá:


'Felizes as estéreis, cujas entranhas
não conceberam e cujas seios não
amamentaram! Então começarão a dizer
às montanhas: Caí sobre nós!, e às
colinas: Cobri-nos!" (Lc 23,29-30)
A Mãe e as
amigas
No exercício de piedade conhecido como "o
Caminho da Cruz" ("a Via-Sacra") da tradição
católica, os fiéis contemplam, na "4ª estação",
a Mãe Dolorosa confortando o Filho único e
amado, "o Primogénito de muitos irmãos"
(Rm 8,29). A certeza desta materna presença
sofrida e agoniada, mas consoladora e
corajosa, é dada pelo testemunho de João:
 
"Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé
a sua Mãe, a irmã de sua
Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria
Madalena" (19,25).
A Mãe e as
amigas
Na verdade, toda a história da Igreja de Cristo
vai manifestar que as mulheres, segundo o
Evangelho, já não podem ser chamadas de
"servas". São amigas do Senhor. Através dos
tempos todos ouvem, no Espírito, a verdade:

"Já não vos chamarei servas, mas amigas!"


 
Elas têm sido fiéis companheiras,
cooperadoras ativas na obra da redenção, e
seus nomes se associam ao Nome do Salvador
desde o princípio ...
Jesus na subida
para o Calvário
O vale do Tiropeón, a "rua dos queijeiros", depois de
descer um tanto a partir da área do Templo, logo subia
em direção a uma das portas da cidade para alcançar, em
seguida, o lugar chamado Gólgota, ou Calvário.

Os primeiros passos de Jesus neste itinerário foram de uma crueldade difícil de conceber pelo
sóbrio relato dos Evangelhos. Com efeito, os seus torturadores o tinham despido para a flagelação.
Para a coroação de espinhos, tinham colocado sobre seus ombros um farrapo de manto militar de
púrpura. Quando ele foi levado para ser crucificado (cf. Mt 27,31; Mc 15,20) arrancaram
literalmente de suas lanhadas costas aquele pedaço de pano.
Jesus na subida
para o Calvário
As dores para tirar uma gaze colada numa ferida contusa
são cruciantes. Exigem muita perícia e cuidados, uma boa
enfermagem, anestesia geral. Para Jesus não houve
atenções médicas. O pano foi puxado, estando colado às
suas feridas, os fios emaranhados aos nervos expostos.
Número incontável de dores percorreu todo o corpo do
Salvador numa explosão terrível, inimaginável.

Certamente as conseqüências foram tão visíveis que Mateus, Marcos e Lucas logo
mencionam que os soldados requisitaram as forças de Simão de Cirene (cf Mt 27,33; Mc
15,21; Lc 23,26).
Jesus na subida
para o Calvário
Estas dores logo se iriam repetir, quando, já no lugar da
crucifixão, o despiram de suas mesmas vestes antes de
pregá-la pelos pulsos no travessão horizontal para
suspendê-la. Diante deste tormento, não sabemos explicar
como Jesus não sofreu um colapso mortal.
Seus pés não pisaram asfalto. Hoje a Via Dolorosa é calçada. Certamente seu empedramento, se
houvesse, não era tão bem-feito quanto esta obra dos zelosos funcionários do Estado de Israel. O mais
certo é que possuía um chão irregular, arenoso e pedregoso. Por ele seguiram Cristo e seus
companheiros de suplício com os pés descalços. Dos três, a situação dele era a mais terrível: a coroa de
espinhos provocava hemorragias que lhe vedavam bastante os olhos. Não é pura imaginação vê-la
tropeçando, ferindo-se nos pés, caindo e machucando os joelhos ... Jesus chegou a carregar por um
trecho o travessão horizontal da cruz.
João nos diz:
"Então eles (os soldados) tomaram a Jesus. E ele saiu, carregando a sua cruz ... " (19,16-17)
Jesus na subida
para o Calvário
Mateus parece indicar que este trecho com a cruz foi
pequeno diante do estado lastimável a que o Senhor fora
reduzido:
 

“... e levaram-no para o crucificar. Ao saírem, encontraram um homem


de Cirene chamado João. E o requisitaram para levar a Cruz ... " (27,31-32)
Foi assim poupado para
não morrer antes da hora
que seus carrascos
pensavam ser a hora

A Hora vai
determinada pela justiça de
Roma, pelo poder do
Sinédrio e pelo grito da
multidão. Mas esta era a

chegando
Hora que ele, o vencido, o
exausto, o condenado, ia
conquistar como que por
dentro, ia converter na
Hora do seu Amor indizível
e soberano, na "sua Hora“
(]o 7,30; 8,20).

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