1- Da escassez e monopólio para a múltipla diversidade
Nas últimas décadas temos assistido a um grande e significativo florescimento dos ministérios litúrgicos leigos na Igreja, sobretudo no Brasil e outros países da América latina. Em quase todas as comunidades eclesiais encontramos, atualmente, um número considerável de leigos e leigas ativas, responsáveis e capacitados cada vez mais, para um desempenho qualificado dos mais diversos serviços e ministérios na Igreja, exercendo seu sacerdócio batismal, sobretudo na liturgia. Há razões sociológicas, eclesiológicas, litúrgicas e pastorais na raiz desta realidade, que pode ser considerada um “sopro do Espírito”, um "sinal dos tempos". Entre nós, a escassez de ministros ordenados somada às exigências cada vez mais crescentes e desafiadoras da ação evangelizadora da Igreja num mundo que clama por transformações, levou muitos leigos, homens e mulheres ao exercício de ministérios que, por muito tempo, eram exclusivos do clero. Conforme dados publicados no documento 43 da CNBB, sobre A animação da vida litúrgica no Brasil, 70% das comunidades celebram o domingo, a páscoa semanal alimentando sua vida cristã, animadas por ministros leigos, dos quais 90% são mulheres e, portanto, não ordenados...
2- Igreja de comunhão, povo sacerdotal e toda ministerial
Foi, sobretudo, a nova compreensão de Igreja trazida pelo Vaticano II, como mistério de comunhão, tendo como fonte e horizonte a comunhão trinitária e sublinhando a igualdade radical de todos os batizados, que trouxe sólida sustentação, profundo sentido e nova direção para esta grande diversidade de ministérios. O sacerdócio de todos os/as batizados/as, como participação no único sacerdócio de Jesus Cristo é antes de tudo o "culto existencial, que consiste na transformação da totalidade da Vida por meio da caridade divina". Portanto, antes mesmo de sermos ministros e ministras. inclusive ordenados, somos pelo batismo, povo sacerdotal habilitado a render um culto agradável a Deus com nossa vida doada em vista de vida plena, feliz e abundante para todos. O seguimento de Jesus é o fundamento e a motivação para o exercício de todo e qualquer ministério na comunidade cristã. Na expressão de Paulo, os ministérios constituem o dinamismo do Corpo de Cristo, que é a Igreja: "pois como em um só corpo temos muitos membros, mas todos os membros não tem a mesma função, assim nós, embora sejamos muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada um de nós somos membros uns dos outros "(Rm 12,4-5) "e a cada um é dada a manifestação do Espírito para a utilidade comum "(1 Cor 12,7). Por isso, dons e carismas devem ser recebidos com gratidão e humildade, colocados como serviço para edificação do corpo eclesial, atendendo suas mais diversas necessidades em vista do Reino, e não como privilégios e honras pessoais. Cabe a toda a comunidade e ao ministério da unidade, exercido por quem coordena a serviço de todos, o incentivo, o reconhecimento e preocupação com adequada formação para o bom desempenho de todos os ministérios.
3- Função litúrgico-espiritual de quem preside
Uma nova maneira de ser Igreja, determina uma nova maneira de celebrar, dando também um novo perfil e nova espiritualidade aos ministérios litúrgicos. O Concílio Vaticano II nos deixa claro que as celebrações são ações de toda a comunidade: "... pertencem a todo o corpo da Igreja, e o manifestam e atingem; mas atingem a cada um dos membros de modo diferente, conforme a diversidade de ordens, ofícios e da participação atual" e os diversos serviços como, presidente, ajudantes, leitores, comentaristas, cantores, instrumentistas e outros necessários, no desempenho de sua função devem fazer aquilo e somente aquilo que pela natureza da coisa e pelas normas litúrgicas lhes compete. As assembléias litúrgicas são chamadas a ser um sinal visível, um retrato, um sacramento, manifestando e realizando a Igreja, Povo de Deus, também em seus ministérios. Em geral, há alguém que coordena, preside ou seja, assume o serviço de ser sinal de Cristo enquanto Cabeça de seu corpo, a Igreja, toda ela animada pelo Espírito Santo. É Cristo quem preside a assembléia celebrante, no Espírito Santo. Quem preside torna-se sinal simbólico-sacramental dessa presença escondida, mas real. Na maior parte das assembléias dominicais da Palavra, a presidência é exercida por leigos e leigas motivados pela convicção cristã e pelo desejo de servir à comunidade. Recebem da própria Igreja a legitimidade para exercê-la. Em geral, são pessoas que coordenam a comunidade e seus trabalhos pastorais e a própria celebração. É também comum exercerem esse ministério em equipe, retratando o jeito de ser das comunidades que se organizam em equipes também para a coordenação. "Essa presidência partilhada' é um forte testemunho de comunhão eclesial ". É função de quem coordena, como sinal de Cristo-Cabeça constituir e animar a assembléia celebrante, sentindo-se parte dela, colocando-a diante da face de Deus, para um encontro de amor e compromisso como parceiros de uma aliança sempre nova e eterna. É a pessoa da relação, da comunhão e por isso, é importante que ocupe um lugar definido, à frente da assembléia, como servidor/a da koinonia eclesial. Sua principal tarefa é "tecer relações: entre Deus e o seu povo, entre os ministérios e a comunidade celebrante, entre os vários ministérios... fazendo das pessoas reunidas uma assembléia, uma comunidade participante, um povo sacerdotal". Assume espiritualmente a atitude de Jesus que vem para servir e não ser servido, que na última ceia, despojando-se do manto, amarra na cintura uma toalha, como um avental e assume um gesto de servo, lavando os pés dos discípulos e, ao se dirigir aa Pai, segura na mão toda a humanidade e, quando se dirige à humanidade não larga a mão do Pai, numa feliz expressão de Anthony Bloon, arcebispo ortodoxo, num encontro de Taizé. No decorrer da celebração dominical da Palavra esse ministério se realiza: a) acolhendo e estabelecendo laços entre os participantes desde o início da celebração; b) preparando a celebração em equipe, valorizando e articulando os vários ministérios. A preparação feita de forma orante acolhe os sinais da ação pascal de Jesus e de seu Espírito do dia-a- dia da comunidade, ajudando-a a melhor celebrá-los na liturgia. c) unindo a assembléia por Cristo, com Cristo e em Cristo, na unidade do Espírito Santo' com o Pai, - realizando a comunhão trinitária; d) tornando presente o Senhor que se dirige ao povo reunido, na saudação inicial e na benção final; e) representando o povo que se dirige ao Senhor nas orações; f) garantindo a partilha do pão da palavra de Deus, na homilia feita em clima orante e sem perder sua dimensão profética e mistagógica; g) conduzindo e ligando, de maneira viva e dinâmica, as várias partes da celebração, para torná-la um encontro amoroso do Senhor com a comunidade reunida. h) ligando celebração e vida cotidiana - mistério vivido e mistério celebrado (mistagogia); i) fazendo a ponte entre a comunidade local e outras comunidades, Igreja local e universal. j) criando possibilidades para a participação ativa, consciente, plena e frutuosa de toda assembléia no mistério pascal. A participação das mulheres na presidência das celebrações dominicais tem sido um sinal profético, além de trazer um traço feminino às celebrações, em geral, marcadamente masculinas. As celebrações ganham em realismo, em dinamismo e em espiritualidade à medida que cada pessoa responsável por um ministério na comunidade, mas de modo particular quem preside, trouxer para a liturgia "o sacrifício de agradável odor" que brota de sua vida dedicada a serviço dos irmãos; por sua vez, a vida comunitária e toda sua missão no mundo receberão novo sentido e vigor da participação consciente, frutuosa e ativa na liturgia.