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O CONTEXTO DE JUSTIFICAÇÃO

CIÊNCIA E CONSTRUÇÃO

VALIDADE E VERIFICABILIDADE DAS HIPÓTESES

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. O problema da demarcação consiste em saber: “o que
separa (distingue) as teorias / hipóteses científicas das não
científicas?”.

. A solução do problema da demarcação terá de passar pela


apresentação de um critério de cientificidade, isto é, uma
linha que demarque claramente a fronteira entre uma teoria
com estatuto científico de uma que não o tenha (por
exemplo, o que separa a astronomia da astrologia).

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A RESPOSTA AO PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO: CRITÉRIOS DE
CIENTIFICIDADE

I - O CRITÉRIO POSITIVISTA DA VERIFICABILIDADE

O critério da verificabilidade foi proposto pelos filósofos do


positivismo lógico, um movimento filosófico radicalmente
empirista, e que exerceu a sua influência na filosofia da ciência
durante a primeira parte do século XX.

Para os positivistas, o critério da verificabilidade consiste no


seguinte:
“uma teoria é científica se é composta por proposições
empiricamente observáveis, isto é, proposições cujo valor de
verdade possa ser estabelecido através da observação empírica”

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Exemplos de proposições empiricamente verificáveis:
a) algumas algas são azuis;
b) o planeta Júpiter tem satélites;
c) há algas noutros planetas.

- A proposição a) é verificável através da observação


quotidiana.
- A proposição b) foi confirmada por Galileu após a
invenção do telescópio.
- A proposição c) pode vir a ser confirmada por
observação.

*Assim, para que uma proposição obedeça ao critério de


verificabilidade basta que, em princípio, o seu valor de
verdade possa ser determinado através da observação.

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ANÁLISE CRÍTICA AO CRITÉRIO DA VERIFICABILIDADE:
A OBJECÇÃO DAS LEIS DA NATUREZA

1. Como já vimos anteriormente, o conhecimento científico


expressa-se em leis científicas. Uma lei científica é um
princípio universal, expresso numa proposição universal (ex.:
“Todos os A são B” / “Todo o cobre dilata sob a acção do
calor”), que se aplica a todos os casos nela contidos.

2. Ora, as proposições universais, como as leis da natureza,


não são verificáveis empiricamente, porque isso implica
observar todo e cada um dos casos nelas contidos.

3. Em consequência, e aplicando o critério positivista da


verificabilidade, as leis da natureza não podem ser
consideradas científicas.

4. Por isso, o critério da verificabilidade parece ser


insatisfatório como critério de demarcação entre o que é e
não é científico. 5
II - O CRITÉRIO POPPERIANO (de Karl Popper) DA
FALSIFICABILIDADE

1. O critério da falsificabilidade foi proposto por Karl Popper, um


dos críticos do positivismo lógico, e que procurou resolver o
problema da demarcação.

2. Para Popper, o critério da falsificabilidade consiste no


seguinte:
“uma teoria é científica se for empiricamente falsificável”

2.1. Tal não significa que uma teoria possa ser falsa, mas que
possa ser possível refutá-la através de dados empíricos. Assim,
a formulação completa do critério de falsificabilidade consiste
no seguinte:

“uma teoria é científica se for empiricamente falsificável,


ou seja, se, e somente se, for possível refutá-la por contraste
com algumas observações possíveis”
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2.2. Exemplos de proposições falsificáveis:

a) amanhã vai chover;


b) todo o cobre dilata quando aquecido;
c) todos os corvos são negros.

- A proposição a) será refutada se não chover amanhã.


- A proposição b) será refutada se ocorrer uma excepção
ao princípio
- O mesmo acontecerá com a proposição c).

* Assim, uma lei científica pode não ser confirmada, mas


será mantida como verdadeira (para Popper, verosímil)
enquanto não for falsificada.

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2.3. Uma teoria será tanto ou mais científica quanto maior for o
seu grau de falsificabilidade, pois maior conteúdo informativo
sobre a realidade terá.

2.3.1. Exemplos de proposições com um conteúdo


informativo crescente (maior grau de falsificabilidade):
a) amanhã vai chover;
b) amanhã vai chover da parte da tarde;
c) amanhã vai chover das quatro às seis da tarde.

3. Por exclusão, não são científicas todas as teorias que não


possam ser falsificáveis (as teorias irrefutáveis), com baixo grau
informativo sobre a realidade.
3.1. Exemplos de proposições não falsificáveis (não
refutáveis)
a) amanhã ou vai chover ou não vai chover;
b) o lince foi criado pelos deuses da floresta;
c) os nativos de Sagitário são mais tímidos. 8
Documento n.º 20
VALIDADE E VERIFICABILIDADE DAS HIPÓTESES
II - O PROBLEMA DO MÉTODO CIENTÍFICO

A. Apesar de nas várias ciências se aplicarem metodologias


diferentes, existe um conjunto de procedimentos de construção do
conhecimento científico comuns, que nos permitem falar em
método científico.

B. O problema do método científico envolve as seguintes


questões:
* qual é o ponto de partida das teorias científicas?
* como se chega à formulação das teorias científicas?
* podem as teorias científicas ser verificadas (justificadas
indubitavelmente)?

C. Na resposta a estas questões vamos comparar, e avaliar,


duas perspectivas sobre o método da ciência (o indutivismo de
Auguste Comte e e o falsificacionismo de Karl Popper) que dão
respostas muito diferentes a estas três perguntas.
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A. A CONCEPÇÃO POSITIVISTA DA CIÊNCIA E O MÉTODO INDUTIVO-
EXPERIMENTAL (INDUTIVISMO)

- À concepção positivista da verificabilidade das hipóteses


científicas está associada uma concepção indutivo-
experimental do método científico que foi proposta por
Augusto Comte.

- A perspectiva indutivista do método científico assenta no


processo de indução generalizante e preditiva. Um cientista
indutivista defende que o processo de construção de uma
teoria científica se desenvolve em três momentos
fundamentais:

1º. Registo e classificação de factos empíricos – o


cientista começa por observar, registar e catalogar um grande
número de factos, sem estar influenciado por qualquer
expectativa, hipótese ou teoria anteriormente formulada;
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A. A CONCEPÇÃO POSITIVISTA DA CIÊNCIA E O MÉTODO INDUTIVO-
EXPERIMENTAL (INDUTIVISMO)

2º. Formulação de uma teoria (hipótese) por


generalização empírica – a partir da análise cuidada dos
factos registados, o cientista formula princípios gerais por um
processo de inferência indutiva generalizante;

3º. Aplicação da teoria a novos factos empíricos tendo


em vista a sua confirmação – por processos de novas
observações, com frequência com recurso experimental
(experimentação), o cientista procura novos dados que
confirmem a teoria.

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A. 1. – OBJECÇÕES À CONCEPÇÃO INDUTIVISTA DO MÉTODO
CIENTÍFICO E A CRISE DA CONCEPÇÃO POSITIVISTA DA CIÊNCIA

1ª OBJECÇÃO AO PRIMEIRO MOMENTO – A observação não é


o primeiro momento do método científico, porquanto todo o
cientista parte de um problema, que pode, numa primeira fase,
ser uma questão simples.

2ª OBJECÇÃO AO PRIMEIRO MOMENTO – Nenhuma


observação científica é pura e neutra, porque:
- toda a observação científica implica uma selecção dos
dados empíricos feita a partir dos interesses do cientista e do
problema por ele formulado;
- toda a observação implica uma interpretação, pelo que
o cientista não se limita a registar a informação; toda a
informação, empiricamente recolhida por observação, é
interpretada à luz de teorias já previamente formuladas.

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3ª OBJECÇÃO – OBJECÇÃO AO SEGUNDO MOMENTO - A
generalização indutiva é logicamente inconsistente e coloca em
causa o carácter preditivo do conhecimento científico.

a) o problema lógico da indução foi originalmente formulado por


David Hume (filósofo do século XVIII);

b) Hume colocou em causa a legitimidade das leis científicas ao


mostrar que não há legitimidade lógica em passar de proposições
particulares (baseadas na observação de alguns casos) para
proposições universais (que englobem todos os casos), já que o
nexo lógico da inferência não é obrigatório, mas apenas provável;

c) a lei científica, enquanto proposição universal, fundamenta


o carácter preditivo do conhecimento científico; ora, se se
coloca em causa a legitimidade das leis científicas, também se
coloca em causa a legitimidade das previsões científicas.
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B. O FALSIFICACIONISMO DE KARL POPPER
CONJECTURAS E REFUTAÇÕES

1. Partindo do critério de falsificabilidade, Popper propôs uma


perspectiva do método científico que se opõe ao indutivismo
(método indutivo-experimental).
2. De acordo com a teoria de Popper, conhecida por
fasificacionismo, uma teoria científica desenvolve-se em três
momentos principais:
1º. Formulação de um problema – toda a investigação
começa com a formulação de um problema, que pode ter como
ponto de partida uma teoria científica, filosófica ou do senso
comum;
2º. Apresentação da teoria como hipótese ou
conjectura – Após a formulação do problema, o cientista formula
uma conjectura teórica que pretende ser uma resolução para o
problema colocado;

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3º. Tentativas de refutação da teoria através de testes
experimentais – Neste momento a conjectura é sujeita a
testes, os quais se realizam em duas fases:

a) em primeiro lugar, é necessário deduzir previsões empíricas a


partir da teoria, isto é, inferem-se consequências que
logicamente derivam do que está definido na teoria;

b) em segundo lugar, criam-se condições para observar se as


previsões acontecem, recorrendo-se, por vezes, à
experimentação, isto é, à elaboração de dispositivos que têm
como objectivo verificar se as consequências previstas ocorrem.

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No teste da teoria, Popper aplica o seu critério de
falsificabilidade:

- uma teoria científica nunca poderá ser verificada


(confirmada a sua verdade), mas apenas refutada
(falsificada);

- se uma teoria resistir a todos os testes de falsificação,


isso não significa que é verdadeira, mas apenas que é mais
verosímil que outras teorias;

- assim, para Popper todo o conhecimento científico é falível


e pode ser substituído por teorias mais verosímeis (que
resistem melhor à falsificabilidade).

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ANÁLISE CRÍTICA DA POSIÇÃO DE POPPER

- Ao substituir o princípio da verificabilidade pelo princípio da


falsificabilidade, Popper faz assentar a produção do conhecimento científico
numa lógica científica completamente diferente daquela que é ainda muito
comummente aceite pelo senso comum.

- Toda a teoria científica é uma hipótese, uma conjectura que pode


ter uma maior ou menor grau de corroboração. As teorias mais corroboradas
são as que melhor resistiram aos testes empíricos. Há assim, uma espécie de
concepção evolucionista das teorias científicas: por ensaio e erro vão
sobrevivendo as melhores teorias e vão sendo eliminadas as piores teorias.

- Para Popper a verdade do conhecimento científico nunca pode ser


assegurada, pelo que, para o autor, não é possível sustentar uma posição
dogmática sobre o conhecimento científico.
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- Para Popper tudo a que a ciência pode aspirar é a
verosimilhança. Uma teoria científica apenas pode ser mais verosímil
do que outra. Assim, um cientista pode ter provas de que a teoria A
é mais verdadeira do que a teoria B, mas nunca terá a garantia, a
justificação indubitável, de que a teoria A é verdadeira, de que não
possa ser refutada por provas futuras. Mas será que Popper resolve
o problema epistemológico da justificação do conhecimento
científico que se propõe resolver? Não está Popper a defender
uma forma de cepticismo?

- Será que a posição de Popper efectivamente fundamenta


epistemologicamente o trabalho dos cientistas? Será que uma teoria
é realmente abandonada sempre que um facto empírico a refuta?

- Se a corroboração dedutiva diz sempre respeito ao passado


e ao presente, como pode uma teoria científica ter aplicabilidade
prática, já que toda a previsão implica uma qualquer forma de
indução preditiva ou amplificante? 18
Bibliografia de referência disponível na Biblioteca:

- ECHEVERRÍA, Javier (2003) Introdução à metodologia da


ciência. Coimbra: Almedina.

- POPPER, Karl (2005). A lógica da pesquisa científica. Lisboa:


Ed. 70, pp.27-29 e 33-34.

- RUSE, Michael (2002). O Mistério de Todos os Mistérios.


Lisboa: Gradiva, pp. 29 a 52.

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