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O SENTIDO DA

HISTÓRIA
OTÁVIO IANNI
HERANÇA DO PASSADO

• Ao olharmos para o presente, não podemos desprezar nosso passado. De


certo modo, uma ideia não é descoberta, mas inventada ou construída. O
Brasil, assim como a América, é uma criação dos conquistadores europeus,
fruto do imperialismo colonial. Não há como analisarmos nossa história,
os fundamentos da “questão social” e seus rebatimentos, sem levarmos em
conta três fatores fundamentais elencados por Ianni (2004): o sentido da
colonização, o peso do regime escravagista e a peculiaridade do
desenvolvimento desigual e combinado.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Para Ianni (2004), o sentido da colonização do Brasil está


marcado pelo imperialismo europeu. Seu sentido não é
unilateral e não se limita à economia e à política, mas altera-se,
de tempos em tempos, “desdobrando-se em forma de
pensamento, ideias, doutrinas ou explicações” (Ianni, 2004, p.
55), atingindo, também, as esferas sociais e culturais.
IMPERIALISMO

• Sistema de governo que preconiza uma monarquia chefiada por imperador ou imperatriz; governo ou autoridade
imperial.
• Designação que os liberais davam ao poder moderador exercido por D. Pedro II, durante o Segundo Reinado
brasileiro.
• O imperialismo é a prática de expansão política, cultural, territorial e econômica, de uma nação com o objetivo de
dominar outras. Dessa forma, os Estados que possuem muito poder bélico e econômico, empreendem forças
visando a conquista de territórios e o aumento da influência sobre outros países por todo o mundo.
• Esta prática um pouco diferenciada do colonialismo da América, pelos portugueses e espanhóis no século XVI
(capitalismo mercantil), tinha como fins colocar capital nas novas colônias, vender a manufatura em excesso, mão-
de-obra barata, matéria-prima, novas terras e divulgar a cultura ocidental (europeia) aos povos.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• O imperialismo europeu marca o sentido que a colonização teve para a história deste
país, isto é, a colonização se deu mediante a exploração e mercantilização das
riquezas naturais e humanas encontradas aqui. Essa perspectiva predatória trouxe
consequências irreparáveis para a história do Brasil.
• Do ponto de vista econômico, as riquezas naturais extraídas do solo brasileiro, como
açúcar, tabaco, pimenta, madeira, algodão, café, borracha e produtos manufaturados,
alimentaram os luxos europeus. Nossa riqueza natural, como o ouro e as pedras
preciosas, corroboraram o pagamento de dívidas de Portugal à Inglaterra, financiando,
assim, o desenvolvimento da Revolução Industrial daquele país.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Para Soares Santos (2012, p. 55, grifo do original), a colonização buscou atender aos interesses comerciais e da
metrópole, voltados, principalmente, ao mercado externo europeu. O Brasil sempre foi visto pela “metrópole como
um fornecedor de artigos de exportação, na forma de matéria-prima, uma vez que o desenvolvimento, mesmo
incipiente, das manufaturas foi castrado no século XVIII”.
• De acordo com Ianni (2004, p. 56-57),
• o sentido da colonização desvenda as peculiaridades da Colônia, Império e República. Mostra como o capitalismo surge e
desenvolve-se, sob forma de um modo de produção mundial. A reprodução ampliada do capital é comandada pelos processos de
concentração e centralização do capital, em escala mundial. Os monopólios, trustes, cartéis e conglomerados, assim como as
multinacionais e transnacionais, constituem espaços internacionais nos quais se realiza a acumulação do capital. E cada país,
dependente, subordinado ou associado, se revela, mais uma vez, um sistema altamente determinado pelos movimentos
internacionais do grande capital.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Desde o surgimento do capitalismo, o modo de produção e os processos de concentração


e centralização do capital se desenvolveram em escala mundial, considerando-se que as
crises atuais estão relacionadas às suas transformações e à “forma como o capitalismo
está se desenvolvendo, naquilo que alguns economistas chamam de financeirização do
processo capitalista” (Nagoya, 2012, p. 20).
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Na atualidade “grandes volumes de capital acumulado, concentração e centralização de capital


financeiro é uma das tendências objetivas do desenvolvimento capitalista, em que empresas
transnacionais espalham-se por todo o mundo, gerando cada vez mais monopólios e aumento das
taxas de juros. Marx (2005), em O rendimento e suas fontes, demonstra como o capital a juros,
na base da produção capitalista, provoca a fetichização das relações sociais e econômicas do
modo capitalista de produção e traz importantes esclarecimentos sobre esse processo. Esses
pressupostos foram desenvolvidos nos seus escritos posteriores” (Veroneze, 2018).
• Em outras palavras, o capital é uma forma de propriedade privada na qual a riqueza produzida
pelo trabalho é apropriada não pelos trabalhadores, mas por indivíduos de outra classe social.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Não podemos desconsiderar que o desenvolvimento sócio-histórico do Brasil passou por várias
fases. Primeiramente, o país, na condição de Colônia de Portugal, serviu aos interesses da
exploração comercial extensiva das potencialidades do território, sendo que os colonos não vieram
para serem somente trabalhadores, mas sim dirigentes, empresários comerciais, latifundiários e
exploradores. A escassez de mão de obra corroborou o processo de escravização da população nativa
e, posteriormente, da população negra africana, o que ocasionou, ainda, um rentável negócio para os
lusitanos (Soares Santos, 2012).
• Nos séculos XVII e XVIII, o foco produtivo tornou-se a extração de ouro e diamantes nas recém-
descobertas jazidas de Minas Gerais e nos entornos do Estado do Rio de Janeiro. A atividade
mineradora retardou o desenvolvimento da produção de manufaturas e da indústria.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• O fim do período colonial brasileiro se deve, principalmente, à configuração do contexto econômico


mundial que já não comportava o colonialismo naqueles moldes. Era a transição do capitalismo
comercial para o industrial, que colocava na ordem do dia a remoção das barreiras ao livre acesso aos
mercados mundiais para escoar sua crescente produção, revolucionada por descobertas técnico-
científicas (Soares Santos, 2012, p. 59).
• A passagem do século XVIII para o XIX foi assinalada pela emergência política de Napoleão
Bonaparte, imperador francês. Esse fato, além de representar a consolidação da burguesia na Europa,
registrou ainda uma política externa marcada por guerras contínuas, principalmente contra a Inglaterra.
A ofensiva napoleônica sobre Portugal fez com que a Corte Portuguesa se deslocasse para o Brasil em
1808.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Com a vinda da Corte Portuguesa, D. João VI decretou a abertura dos portos brasileiros
às nações amigas, servindo aos interesses de expansão do capitalismo industrial
europeu, favorecendo os comerciantes ingleses em detrimento da burguesia mercantil
portuguesa. A vinda da Família Real para o Brasil acelerou o processo de independência
com relação à Portugal. A aristocracia rural brasileira (senhores de terras e de escravos)
conduziu o processo de ruptura com a Metrópole, com o cuidado de não abalar as
estruturas de privilégios, fundada na organização econômico-político-social definida ao
longo da colonização, o que garantiu que a independência fosse efetuada de cima para
baixo, no sentido de manter o poder da classe dominante.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• A aristocracia, principalmente a cafeeira, deixou suas marcas na formação


sócio-histórica do país. O aumento da produtividade da economia cafeeira
ocasionou melhoras significativas nos preços, impulsionando grandes
investimentos na expansão das plantações, mas sem nenhum investimento
na melhoria dos métodos de cultivos. Consequentemente, anos mais tarde,
crises de superprodução minimizaram a valorização do café, provocando
altos e baixos na produção e na economia do país.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Com a decadência da mineração no século XVIII, o Brasil retomou a agricultura, concentrando e acumulando
grandes somas de capital nesse setor. A expansão das vias de transporte (principalmente o ferroviário, o que
implicou na ampliação do beneficiamento do ferro), a criação de bancos e a expansão do comércio, entre outros
fatores, propiciaram a criação de um mercado de trabalho assalariado. Com o fim do tráfico de escravos, o setor
manufatureiro expandiu-se nos centros urbanos, e a elevada disponibilidade de mão de obra barata marcou novos
traços na composição das classes sociais nesse período (Soares Santos, 2012).
• De acordo com Fausto (1995, p. 221),
• a abolição da escravatura não eliminou o problema do negro. A opção pelo trabalho imigrante, nas áreas mais dinâmicas da
economia, e as escassas oportunidades abertas ao ex-escravo, em outras áreas, resultaram em uma profunda desigualdade
social da população negra. Fruto em parte do preconceito, essa desigualdade acabou por reforçar o próprio processo contra
o negro. Sobretudo nas regiões de forte imigração, ele foi considerado um ser inferior, perigoso, vadio e propenso ao crime;
mas útil quando subserviente.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Em meados do século XIX, a economia e a sociedade imperial passaram por profundas transformações. O país
deixou os estreitos limites coloniais, realizando sua lenta gestação como uma nação moderna. Contudo, os anos
iniciais do século XIX foram de uma grave crise econômica que abalou os alicerces do Império. A baixa de preços
dos produtos agrícolas (açúcar, algodão e tabaco) ocasionou sensível redução nas exportações. A crise se arrastou até
meados dos anos de 1850, tendo como principais fatores a retração das exportações agrícolas e a forte dependência
financeira com relação à Inglaterra. Por outro lado, o consumo de café alcançou altos níveis de aprovação do
mercado europeu, culminando em sua expansão em detrimento da cana-de-açúcar e do algodão.
• A expansão cafeeira corroborou o surgimento de um novo grupo, cujo comportamento econômico e político se
diferenciava daquele dos latifundiários ligados aos ciclos anteriores. Esse novo grupo econômico, mais flexível e
consciente de sua posição dominante, atendia diretamente aos interesses do Império. Como empresários rurais, os
cafeeiros solucionaram o problema da mão de obra com a imigração, substituindo o trabalho escravo pelo
assalariado. Já os empresários capitalistas desenvolveram atividades industriais, comerciais e financeiras.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Ainda assim, uma nova crise estava por vir. Com a abolição da escravatura, sem indenização aos proprietários
e a aristocracia escravagista arruinada, culpava-se a monarquia pelas desgraças, com essa classe passando a
engrossar as fileiras do movimento republicano. Em relação aos antigos escravizados, a liberdade jurídica
não correspondia às demais liberdades essenciais à sua integração na sociedade, sendo estes cotidianamente
discriminados, marginalizados e submetidos à situação de subalternizados.
• Para Soares Santos (2012, p. 67), a Proclamação da República, “do ponto de vista econômico, é um período
importante para a consolidação do capitalismo no Brasil, pois sucede a abolição do trabalho escravo,
instituindo, efetivamente, o trabalho assalariado como regime de trabalho no país”, o que, de certo modo,
impulsionou o processo de industrialização e a expansão do modelo agroexportador com base no café .
Contudo, esse modelo sofreu com a queda da Bolsa de Nova York e a crise mundial de 1929, o que ocasionou
grades prejuízos à economia nacional.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Os anos subsequentes são considerados muito relevantes para o desenvolvimento sócio-histórico e


econômico do país. O modelo agroexportador passou a ser substituído paulatinamente pela
industrialização nacional, que corroborava uma série de fatores que impulsionavam a deliberação da
política nacionalista, dando início ao desenvolvimento dos setores mais importantes da indústria de
base, de modo a expandir tanto o setor industrial quanto o setor financeiro mediante políticas cambiais e
de valorização dos produtos brasileiros em nível mundial.
• A partir dos anos de 1970, o capitalismo passou por uma série de transformações que alteraram a
agenda política, econômica, social e cultural em nível internacional, consolidando, assim, um novo
processo denominado mundialização e financeirização da economia, o qual expressa formas mais
acentuadas do imperialismo dos países desenvolvidos sobre os que estavam em desenvolvimento.
FINANCEIRIZAÇÃO

• A financeirização da economia diz respeito à complexidade da vida financeira cotidiana.


Está relacionada ao aumento das possibilidades de créditos, financiamentos, investimentos e
rendimentos a juros, de modo a impor sua lógica quantitativa como riqueza abstrata e que
busca incessantemente seu crescimento.
• Segundo Lupatini (s/d, p. 1), nos últimos anos, dos mais de 1 trilhão de dólares do mercado
de câmbio mundial, menos de 10% desse montante têm relação direta com o “fluxo real” de
mercadorias, ou seja, com o comércio de mercadorias. Isto implica afirmar que, nas últimas
décadas, há um aumento elevadíssimo na circulação de capital financeiro em relação à
produção, circulação e distribuição de mercadorias. (Veroneze, 2018, p. 278).
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Nesse sentido, historicamente, a lógica do capital, em âmbito mundial, passou a influenciar, direta e indiretamente, as
relações, os processos, as estruturas e os movimentos da sociedade, o que afetou significativamente a vida social e os
processos de trabalho e produção, bem como as relações contratuais de trabalho.
• Com o aumento da complexidade financeira da vida cotidiana da sociedade atual, os assuntos financeiros começaram a fazer parte
do dia a dia das pessoas. Por exemplo, uma simples compra de determinada mercadoria implica tomar decisões financeiras além do
pagamento, isto é, a compra passa a ser uma transação financeira que pode ser paga à vista com desconto ou parcelada no cartão de
crédito (Veroneze, 2018).
• Na atualidade, várias opções de créditos, investimentos, previdência privada, planos de saúde, entre outros serviços, têm exigido
das pessoas certa educação financeira e disciplina orçamentária. A necessidade de planejamento e de consumo consciente passou a
permear a vida cotidiana, de modo que os consumidores não caiam em dívidas, ciladas e dificuldades econômicas difíceis de serem
resolvidas ou mesmo que entrem em um círculo vicioso de endividamento – o que implica no pagamento de juros sobre juros, com
taxas muitas vezes altíssimas. Tais fatores levam as pessoas a terem uma atenção maior na hora de comprar alguma mercadoria ou
fazer algum investimento.
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• Nos dias atuais, observamos o aumento das taxas de desemprego, a flexibilização das leis e dos contratos trabalhistas, a
precarização do trabalho, o aumento das jornadas, o crescimento da informalidade, a aceleração das desigualdades,
conjugadas com políticas econômicas de austeridade, flexibilização da economia, entre outros fatores, o que
demonstra, de fato, um crescimento exponencial do “mercado financeiro global”.
• De outro modo, essas inseguranças do e no trabalho, na renda, nas relações contratuais, nas representações do trabalho,
geram incertezas na organização política, sindical e na defesa do trabalho, o que implica novos níveis e índices de
desigualdades e vulnerabilidades sociais. Hoje, a chantagem do desemprego é sempre mais convincente que a
iminência da morte.
• Tal processo é acentuado pelas crises constantes do capitalismo, necessárias à sua manutenção e à dominação do
imperialismo econômico em níveis mundiais, conhecido como mundialização da economia – isto é, grandes
conglomerados de capital financeiro espalhados pelo mundo comandam um ciclo vicioso de rendimentos a todo custo.
Além disso, podemos destacar o agravamento das expressões multifacetadas da “questão social”.
CAPITAL FINANCEIRO

• Podemos definir capital financeiro como o capital resultante da movimentação técnica


e periódica do capital industrial e do capital comercial na forma do capitalismo. São
pagamentos, recebimentos de dinheiro, operações de compensação, escriturações de
contas-correntes, guarda do dinheiro, enfim, todas as operações técnicas, separadas dos
atos que as tornam necessárias, e que transformam em capital financeiro o capital nelas
adiantados. Essas operações se convertem em “negócios especiais”, o que dá origem ao
comércio monetário resultante das diversas destinações do próprio dinheiro e de suas
funções. Tais fatores são desenvolvidos por Marx (2017) e editados por Engels, nos
volumes finais de O Capital, posterior à sua morte (Veroneze, 2018).
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO

• O endividamento financeiro e a dependência de capital estrangeiro são fatores


preponderantes na formação sócio-histórica do Brasil, o que revela um país
marcado pelo colonialismo/imperialismo predatório europeu e, posteriormente,
estadunidense, firmado no desenvolvimento das forças produtivas e na relação
de produção. O capital nacional, de modo geral, se constituiu no âmbito mundial
e não no da nação, afetando, significativamente, o movimento e a formação da
sociedade e da política brasileira.

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