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FARMACOLOGIA DO

SISTEMA
DIGESTÓRIO
DISCIPLINA DE FARMACOLOGIA
CURSO DE MEDICINA
UFN
PROFESSOR EVERALDO HERTZ
INTRODUÇÃO
• Além de sua função principal de
digestão e absorção de
alimentos, o trato
gastrointestinal é um dos
principais sistemas endócrinos
do corpo e tem sua própria rede
neuronal integradora através do
sistema nervoso entérico;
INTRODUÇÃO

• Contém quase o mesmo número


de neurônios que a medula
espinhal.
INTRODUÇÃO

• É o local de muitas patologias


comuns, variando desde uma
simples dispepsia até complexas
afecções autoimunes, como a
doença de Crohn, e os
medicamentos para tratar esses
distúrbios gastrointestinais
compreendem cerca de 8% de
todas as prescrições.
INERVAÇÃO E HORMÔNIOS DO TRATO
GASTROINTESTINAL

• Os vasos sanguíneos e as
glândulas (exócrinas,
endócrinas e parácrinas) do
trato gastrointestinal estão sob
duplo controle: neuronal e
hormonal.
CONTROLE NEURONAL
Há dois plexos intramurais principais no
trato:

o primeiro é o plexo mioentérico (plexo de


Auerbach) entre a camada muscular mais
externa, longitudinal, e a camada média,
circular.

O segundo é o plexo submucoso (plexo de


Meissner) no lado luminal da camada
muscular circular
CONTROLE NEURONAL

Esses plexos são interconectados


e suas células ganglionares
recebem fibras parassimpáticas
pré-ganglionares do vago, que
são principalmente colinérgicas
e excitatórias, embora algumas
sejam inibitórias.
CONTROLE NEURONAL
Além de inervar vasos sanguíneos,
músculo liso e algumas células
glandulares diretamente, algumas
fibras simpáticas terminam nesses
plexos, onde inibem a secreção de
acetilcolina;

O plexo entérico contém também


neurônios sensitivos, que respondem
a estímulos mecânicos e químicos.
CONTROLE NEURONAL

Os neurônios no interior dos


plexos constituem o sistema
nervoso entérico e secretam não
somente acetilcolina e
norepinefrina (noradrenalina),
mas também 5-hidroxitriptamina
(5-HT), purinas, óxido nítrico e
uma variedade de peptídeos
farmacologicamente ativos;
CONTROLE HORMONAL
Os hormônios do trato gastrointestinal
incluem secreções endócrinas e
parácrinas.
As secreções endócrinas (i. e.,
substâncias liberadas na corrente
sanguínea) são, principalmente,
peptídeos sintetizados por células
endócrinas na mucosa.
Exemplos importantes incluem a
gastrina e a colecistoquinina;
CONTROLE HORMONAL
As secreções parácrinas incluem
muitos peptídeos reguladores
liberados de células especiais
encontradas em toda a parede do
trato.
Esses hormônios atuam sobre células
próximas e, no estômago, o mais
importante desses é a histamina.
Alguns desses fatores parácrinos
também funcionam como
neurotransmissores.
CONTROLE HORMONAL
Outras funções do trato
gastrointestinal que são importantes
do ponto de vista de intervenção
farmacológica são:
secreção gástrica;
vômitos (êmese) e náuseas;
motilidade intestinal e eliminação das
fezes;
formação e eliminação da bile.
SECREÇÃO GÁSTRICA

• O estômago secreta cerca de 2,5 litros


de suco gástrico por dia.
• Os principais componentes exócrinos
são pró-enzimas, como a pró-renina e
o pepsinogênio, elaborados pelas
células principais ou pépticas;
• O ácido clorídrico (HCl) e fator
intrínseco, secretados pelas células
parietais ou oxínticas;
SECREÇÃO GÁSTRICA

• A produção de ácido é importante para


promoção da digestão proteolítica dos
alimentos, absorção do ferro e eliminação de
patógenos;
• As células secretoras de muco são abundantes
na mucosa gástrica;
• Os íons bicarbonato são secretados e ficam
presos no muco, criando uma barreira protetora
como um gel que mantém a superfície da
mucosa em um pH de 6-7 em face de um
ambiente muito mais ácido (pH 1-2) na luz;
SECREÇÃO GÁSTRICA

• A produção de ácido é importante para


promoção da digestão proteolítica dos
alimentos, absorção do ferro e eliminação de
patógenos;
• As células secretoras de muco são abundantes
na mucosa gástrica;
• Os íons bicarbonato são secretados e ficam
presos no muco, criando uma barreira protetora
como um gel que mantém a superfície da
mucosa em um pH de 6-7 em face de um
ambiente muito mais ácido (pH 1-2) na luz;
SECREÇÃO GÁSTRICA
• O álcool e a bile podem romper essa camada
protetora.
• A secreção de muco e bicarbonato é
estimulada por prostaglandinas
“citoprotetoras” produzidas localmente.
• Desequilíbrios desses mecanismos secretores
e protetores estejam envolvidos na
patogênese da úlcera péptica, e, de fato, em
outros tipos de comprometimento gástrico
como a doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE) e lesões causadas pelos anti-
inflamatórios não esteroidais (AINEs).
REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DE ÁCIDO
PELAS CÉLULAS PARIETAIS
• Os distúrbios da secreção de
ácido são importantes na
patogênese da úlcera péptica e
constituem um alvo particular
para a ação de fármacos.
• A secreção das células parietais é
uma solução isotônica de HCl
(150 mmol/l) com pH abaixo de 1,
sendo a concentração de íons
hidrogênio mais de um milhão de
vezes mais alta que a do plasma;
REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DE ÁCIDO
PELAS CÉLULAS PARIETAIS
• Para produzi-la, o Cl− é transportado
ativamente para canalículos nas células que se
comunicam com a luz das glândulas gástricas
e, desse modo, com o próprio estômago.
• Isso é acompanhado pela secreção de K+, que
é então trocado por H+ do interior da célula
por uma K+-H+- ATPase (a “bomba de
prótons”).
• Dentro da célula, a anidrase carbônica catalisa
a combinação de dióxido de carbono e água
para gerar ácido carbônico, que se dissocia
gerando íons H+ e bicarbonato.
• Esse último é trocado através da membrana
basal da célula parietal por Cl−.
REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DE ÁCIDO
PELAS CÉLULAS PARIETAIS
• Os principais mediadores que controlam
direta ou indiretamente o ácido gerado
pelas células parietais são:
• histamina (hormônio local estimulador);
• gastrina (hormônio peptídico
estimulador);
• acetilcolina (neurotransmissor
estimulador);
• prostaglandinas E2 e I2 (hormônios locais
que inibem a secreção de ácido);
• somatostatina (hormônio peptídico
inibidor).
ANTAGONISTAS DO RECEPTOR H2
HISTAMINA
• Os antagonistas do receptor H2
da histamina inibem,
competitivamente, as ações da
histamina em todos os receptores
H2 mas seu principal uso clínico é
como inibidores da secreção de
ácido gástrico.
• Os principais fármacos usados são
cimetidina, ranitidina e
famotidina.
ANTAGONISTAS DO RECEPTOR H2
HISTAMINA
• Os fármacos são, em geral,
administrados por via oral e são
bem absorvidos, embora também
estejam disponíveis preparações
para uso intramuscular e
intravenoso (exceto a famotidina).
• Os efeitos adversos são raros.
• Têm sido relatados casos de
diarreia, tonturas, dores
musculares, alopecia, rashes
transitórios, confusão em idosos.
INIBIDORES DA BOMBA DE PRÓTONS
• O primeiro inibidor da bomba de
prótons foi o omeprazol, que inibe
irreversivelmente H+ -K+-ATPase (a
bomba de prótons), ou seja, a etapa
terminal na via secretora de ácido.
• Reduzem as secreções de ácido gástrico
basal e a estimulada por alimentos.
• Outros inibidores da bomba de prótons
(todos com um modo de ativação e
farmacologia semelhantes) incluem o
esomeprazol (o isômero [S] do
omeprazol), lansoprazol, pantoprazol.
INIBIDORES DA BOMBA DE PRÓTONS
FARMACOCINÉTICA E EFEITOS ADVERSOS
• A via de administração mais comum é a
oral, embora existam algumas preparações
injetáveis.
• Embora sua meia-vida seja de cerca de 1
hora, uma dose diária única afeta a
secreção de ácido por 2-3 dias, em parte
porque se acumula nos canalículos e em
parte porque inibe a H+-K+-ATPase
irreversivelmente.

• Os efeitos adversos dessa classe de


fármacos são incomuns. Podem incluir
cefaleia, diarreia (ambas algumas vezes
intensas) e rashes.
ANTIÁCIDOS
• Os antiácidos são o modo mais simples de
tratar os sintomas da secreção excessiva
de ácido gástrico.

• Neutralizam diretamente o ácido, que


também tem o efeito de inibir a atividade
das enzimas pépticas, que praticamente
cessa em pH 5.

• Administrados em quantidade suficiente,


por tempo suficiente, podem produzir
fechamento de úlceras duodenais, mas
são menos eficazes para úlceras gástricas.
ANTIÁCIDOS
• A maioria dos antiácidos em uso
comum são sais de magnésio e
alumínio.

• Os sais de magnésio causam


diarreia, e os sais de alumínio,
constipação, de modo que as
misturas dos dois, felizmente,
podem ser usadas para preservar
a função normal do intestino.
ANTIÁCIDOS +
ALGINATOS/SIMETICONA
• Alginatos ou simeticona algumas
vezes são combinados aos
antiácidos.

• Acredita-se que os alginatos


aumentem a viscosidade e a
aderência do muco à mucosa
esofágica, formando uma barreira
protetora, enquanto a simeticona é
um agente “antiespumante”, com a
intensão de aliviar a distensão
abdominal e a flatulência.
USOS CLÍNICOS DE AGENTES QUE
AFETAM A ACIDEZ GÁSTRICA
• Antagonistas dos receptores H2 da histamina (p. ex., ranitidina):
• úlcera péptica
• esofagite de refluxo.
USOS CLÍNICOS DE AGENTES QUE
AFETAM A ACIDEZ GÁSTRICA
USOS CLÍNICOS DE AGENTES QUE
AFETAM A ACIDEZ GÁSTRICA
• Antiácidos (p. ex., trissilicato de magnésio, hidróxido de alumínio,
alginatos):
• dispepsia
• alívio sintomático na úlcera péptica ou (alginato) refluxo esofágico
• Vomitar é uma resposta defensiva com o
objetivo de livrar o organismo de material
VÔMITOS tóxico ou irritante.
FISIOPATOLOGIA • Componentes venenosos, toxinas de
bactérias e muitos fármacos citotóxicos
(bem como distensão mecânica)
desencadeiam a liberação de mediadores
como o 5-HT nas células enterocromafins
do revestimento do trato GI.
• Esses transmissores desencadeiam sinais
nas fibras aferentes vagais.
• O ato físico de vomitar é coordenado
centralmente pelo centro do vômito
(emético) na medula.
• De fato, essa não é uma localização
anatômica individualizada, mas uma
rede de vias neurais que integra
VÔMITOS sinais vindos de outras localizações.
• Uma dessas localizações, na área
postrema, é conhecida como a zona
do gatilho quimiorreceptora (ZGQ).
• A ZGQ recebe estímulos do labirinto
no ouvido interno, através do núcleo
vestibular (o que explica o
mecanismo da cinetose), e de
aferentes vagais vindos do trato GI.
• Substâncias químicas tóxicas na
corrente sanguínea também
VÔMITOS podem ser diretamente
detectadas pela ZGQ porque a
barreira hematoencefálica é
relativamente permeável nessa
área.
• A ZGQ é, portanto, o principal
local de ação de muitos fármacos
eméticos e antieméticos.
MOTILIDADE GASTROINTESTINAL
• Os fármacos que alteram a motilidade do
trato gastrointestinal incluem:
• purgativos, que aceleram a passagem de
alimentos através do intestino;
• agentes que aumentam a motilidade da
musculatura lisa gastrointestinal sem
causar purgação;
• antidiarreicos, que diminuem a
motilidade;
• antiespasmódicos, que diminuem o tônus
da musculatura lisa.
• Os usos clínicos dos fármacos que afetam
a motilidade do trato gastrointestinal.
MOTILIDADE GASTROINTESTINAL
• Os purgativos incluem:
• laxativos formadores de volume (p.
ex., fibra de ispaghula, primeira
escolha para ação lenta)
• laxativos osmóticos (p. ex., lactulose)
• emolientes fecais (p. ex., docusato)
purgativos estimulantes (p. ex., sena).
• Fármacos que podem aumentar a
motilidade sem purgação:
• domperidona, usada em distúrbios
do esvaziamento gástrico
MOTILIDADE GASTROINTESTINAL
• Fármacos usados no tratamento
de diarreia:
• reidratação oral com soluções
isotônicas de NaCl mais glicose e
cereal à base de
• amido (importante em lactentes)
• agentes antimotilidade, como,
por exemplo, loperamida
(efeitos adversos: sonolência e
náuseas).
LAXATIVOS
• Os laxativos formadores de volume
incluem metilcelulose e certos
extratos de plantas, como sterculia,
ágar, farelo e palha de ispaghula.
• Formam uma massa hidratada
volumosa no lúmen intestinal,
promovendo o peristaltismo e
melhorando a consistência fecal.
• Podem levar vários dias para
produzir efeitos, mas não têm
efeitos adversos graves.
LAXATIVOS
• Os laxativos osmóticos consistem em
solutos pouco absorvidos – os
purgativos salinos – e a lactulose. Os
principais sais em uso são o sulfato
de magnésio e o hidróxido de
magnésio.
• Produzindo uma carga osmótica,
esses agentes prendem volumes
aumentados de líquido no lúmen do
intestino, acelerando a transferência
do conteúdo intestinal através do
intestino delgado.
EMOLIENTES FECAIS

• O docusato de sódio é um
composto tensioativo que atua
no trato gastrointestinal de
maneira semelhante a um
detergente;
LAXATIVOS ESTIMULANTES
• Os laxativos estimulantes atuam principalmente aumentando a
secreção de eletrólitos e, portanto, de água pela mucosa e também
aumentando o peristaltismo – possivelmente por estimulação de
nervos entéricos.
• Podem ocorrer cólicas abdominais como efeito colateral com
praticamente qualquer um desses fármacos.
LAXATIVOS ESTIMULANTES
• O bisacodil pode ser administrado por via oral, mas a forma mais
comum é em supositório.
• Nesse último caso, estimula a mucosa retal, induzindo defecação em
15-30 minutos.
• Supositórios de glicerol atuam da mesma maneira. O picossulfato de
sódio e o docusato sódico têm ações semelhantes.
• O primeiro é dado por via oral e costuma ser usado em preparação
para cirurgia intestinal ou colonoscopia.
LAXATIVOS ESTIMULANTES
• Sena é um laxativo do tipo antraquinona.
• O princípio ativo (depois da hidrólise de ligações glicosídicas no caso
do extrato de planta, a sena) estimula diretamente o plexo
mioentérico, causando aumento do peristaltismo e, desse modo, a
defecação.
Fármacos que aumentam a motilidade
gastrointestinal
• A domperidona é usada, primariamente,
como antiemético (descrito
anteriormente), mas também aumenta a
motilidade gastrointestinal (embora o
mecanismo seja desconhecido).
• Clinicamente, aumenta a pressão no
esfíncter esofágico inferior (desse modo,
inibindo o refluxo gastresofágico),
aumenta também o esvaziamento
gástrico e o peristaltismo duodenal.
• É útil em distúrbios do esvaziamento
gástrico e no refluxo gástrico crônico.
Agentes antidiarreicos

• Existem três abordagens ao


tratamento da diarreia aguda
grave:
• manutenção do equilíbrio
hidroeletrolítico;
• uso de anti-infecciosos;
• uso de espasmolíticos ou outros
antidiarreicos.
Agentes antidiarreicos
• A manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico
por meio de reidratação oral é a primeira
prioridade.
• A aplicação mais ampla dessa medida barata
e simples poderia salvar a vida de muitos
lactentes nos países em desenvolvimento.
• De fato, muitos pacientes não precisam de
outro tratamento.
• No íleo, como no néfron, há co-transporte de
Na+ e glicose através da célula epitelial.
• A presença de glicose (e de alguns
aminoácidos), portanto, aumenta a absorção
de Na+ e, desse modo, a captação de água.
Agentes antimotilidade e espasmolíticos

• Os principais agentes
farmacológicos que diminuem a
motilidade são os opióides e os
antagonistas dos receptores
muscarínicos.
Agentes antimotilidade e espasmolíticos

• Os principais opioides usados para alívio


sintomático de diarreia são codeína (um congênere
da morfina), difenoxilato e loperamida (ambos
congêneres da petidina que não atravessam com
facilidade a barreira hematoencefálica e são usados
somente por suas ações no intestino).
• Todos podem ter efeitos adversos, inclusive
constipação, cólicas abdominais, sonolência e
tonturas.
• Pode ocorrer também a perda completa da
motilidade intestinal (íleo paralítico).
• Não devem ser usados em crianças (com menos de
4 anos de idade).
Agentes antimotilidade e espasmolíticos

• A loperamida é o fármaco de primeira


escolha para a diarreia do viajante e é
componente de vários antidiarreicos
patenteados.
• Tem uma ação relativamente seletiva
sobre o trato gastrointestinal e sofre
recirculação êntero-hepática
significativa.
• Reduz a frequência das cólicas
abdominais, diminui a eliminação de
fezes e abrevia a duração da doença.

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