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Mercantilismo e

Cameralismo:
a Expressão da Economia nos
Séculos XVI e XVII
Mudanças políticas e sociais e
o intervencionismo
nacionalista
O mercantilismo
 Em 1763, H.G. Riquete, o Conde de Mirabeau (1749-
1791), cunhou a expressão “mercantilismo” para
caracterizar o conjunto de doutrinas econômicas
dominadas pelo nacionalismo e pelo
intervencionismo que, já presentes no final da Idade
Média, ganharam impulso nos séculos XVI e XVII.
 O mercantilismo é a contrapartida, no plano das
ideias econômicas, do ambiente intelectual e
político que acompanha o aparecimento de Estados
nacionais centralizados e fortes.
Perspectiva histórica
 Na perspectiva histórica, o mercantilismo é
considerado um período de transição entre as
práticas regulamentatórias da economia no
feudalismo, marcadas pelo fervor ético e
religioso, e o nascimento das concepções
liberais no século XVIII.
 Também é o momento de germinação da
economia como ciência que se consolida neste
último século.
Quem são?
 O mercantilismo abriga um grupo bastante
heterogêneo de autores, espalhados em várias
nações europeias, principalmente Inglaterra,
França, Holanda, Alemanha e Espanha.
 Entre esses escritores, suas ideias não são as
mesmas; pelo contrário, apresentam
tendências individuais específicas. Há, no
entanto, pontos em comuns que procuraremos
identificar.
A mudança de ideias
 Outro aspecto a se levar em conta é que, se
situarmos a origem das concepções
mercantilistas no século XVI, constata-se a
partir de então uma mudança de ideias.
 De início, as opiniões sobre economia ainda
apelam para os sentimentos da religião, e o
efeito das práticas regulamentatórias
defendidas por elas não são sistematicamente
analisados pela teoria.
 Aos poucos a ordem econômica veio a ser percebida
como um cosmo dotado de ordenamento natural e
guiado por uma racionalidade própria que independe
da moralidade.
 Na última metade do século XVII e no início do século
seguinte, as interpretações econômicas de William
Petty (1623-1687) e Richard Cantillon (1680-1734)
expressam claramente a busca de uma analogia com
as ciências naturais, o que iria marcar o surgimento
da economia científica nos fisiocratas e em Adam
Smith.
A importância do
mercantilismo
 O mercantilismo representa um momento de grande
fertilidade do pensamento econômico e não é à toa
que, no século XX, o célebre economista John Maynard
Keynes o tenha defendido no capítulo 19 de sua mais
importante obra a Teoria Geral do Emprego, dos Juros
e da Moeda, de 1936.
 Os seus representantes eram pensadores pragmáticos
voltados ao dia-a-dia da atividade comercial e
financeira.
 Não havia muita comunicação entre eles e tal fato
explica, em parte, a ausência de ferramentas
analíticas comuns ou de grandes ideias unificadoras.
 Embora não tenham sido muito
importantes no desenvolvimento da
análise econômica, eles contribuíram
significativamente na identificação e
coleta de dados e no tratamento
estatístico.
Origem da escola
 A doutrina mercantilista teve origem na prática
dos reis medievais e gradualmente ela foi se
firmando como racionalização das políticas
intervencionistas que já vinham sendo adotadas.
 À medida que a classe de comerciantes e
financistas enriquecia, ela ganhava importância
na sociedade medieval e os nobres feudais,
sentindo a ameaça ao status quo, compeliam o
rei a tomar medidas no sentido de controlar a
atividade mercantil de modo a limitar o
enriquecimento com o comércio.
Medidas restritivas

 Na Inglaterra, já no fim do século XIII, os reis


Eduardo I e III estabelecem uma série de
regulamentações econômicas, entre elas o
controle de preços e salários e a garantia de
monopólios com o fito de limitar a
concorrência.
 Os comerciantes submetiam-se ao controle
do rei com medo de maiores hostilidades.
 No século seguinte, os reis Ricardo II e Henrique
II, enquanto mantinham leis que inibiam o
comércio interno na Inglaterra, procuravam
estimular a concorrência internacional dos
produtos ingleses, para tanto, negociando
externamente tratados que garantissem a
supremacia dos comerciantes ingleses.
 Em 1391, o Ato de Navegação estabelece o
monopólio das frotas nacionais no comércio com
a Inglaterra.
Nacionalismo e jogo de
interesses
 É claro que o Ato de Navegação favorecia as classes
mercantis a despeito do controle a que eram submetidas.
 Em nome do nacionalismo, o rei foi então acumulando
poderes ao mesmo tempo em que a nova classe ligada ao
comércio ia conquistando espaço.
 Isto levou no fim do século XIV à associação entre monarcas
e burgueses, o que garantiu a centralização do poder em
detrimento da antiga classe de senhores feudais.
 Surge o nacionalismo exacerbado nos recém criados Estados-
nações que conferiam poderes absolutos e divinos ao rei.
Autores panfletários
 O declínio do sistema feudal e o aparecimento
do Estado absoluto, desvinculado da Igreja,
contribuíram para a emergência de um
ambiente intelectual favorável à nova visão
econômica.
 Os mercantilistas são considerados autores
panfletários porque eles estavam mais
preocupados em justificar diretrizes políticas do
que em fornecer explicações teóricas da
economia.
Dois objetivos da política
 A política econômica de então tinha
duas preocupações:
1) Usar os recursos de que a nação
dispunha para tornar o Estado
poderoso política e militarmente e
2) Substituir a Igreja na assistência aos
pobres de modo a evitar-se uma
convulsão social interna.
A Reforma Protestante
 No bojo da reforma religiosa, com o aparecimento das figuras
de Lutero e João Calvino, o estado absoluto assume a função
social da Igreja.
 Na Inglaterra, Henrique VIII rompe com o catolicismo romano
e a própria visão do papel do Estado é profundamente
alterada.
 O Estado agora não é visto como instrumento da religião e
nem se pauta pelo ideal de justiça e salvação das almas.
 Ele não deve subordinar-se à Igreja e não é sua tarefa
converter os homens e reprimir a maldade individual.
 Novos modelos de sociedade aparecem na literatura da época.
Nicolau Maquiavel
(1469-1527)
 Reconhece em seu livro O Príncipe que
os homens são naturalmente corruptos e,
portanto, devem ser governados por um
soberano forte e, também ele, sem
escrúpulos morais.
Tomas Morus (1478-1535)
 Rejeitando as sociedades existentes em
sua época, ele escreve a obra Utopia na
qual imagina uma sociedade a exemplo de
A República de Platão.
Thomas Hobbes
 A sociedade fundada no homem ético, apregoado
pela religião cristã, dá lugar cada vez mais ao
modelo do homem dominado por motivações
egoístas.
 Daí a necessidade de um Estado estabelecido por
meio de um contrato social que intervenha nos
indivíduos de modo a assegurar simultaneamente o
controle de seus impulsos enquanto preserva um
certo grau de autonomia individual.
 É a tese do Estado como um contrato social de
Hobbes no Leviatã de 1651.
Políticas para o
enriquecimento da nação
 O poder real detinha, é verdade, uma áurea de
religiosidade, mas na prática a finalidade da ação
do Estado eram coisas materiais.
 Toda a política mercantilista estava voltada ao
ganho material do Estado.
 A questão econômica básica era a de como colocar
os recursos materiais da sociedade a favor do
enriquecimento e bem-estar do Estado-nação, ou
seja, como torná-lo poderoso política e
economicamente.
A riqueza do Estado
 Não era vista como a somatória das
riquezas individuais de cada cidadão.
 Pelo contrário, para o homem comum
era importante tão somente que ele se
mantenha empregado e atuante.
Por uma política de baixos
salários
 O trabalhador deve sobreviver, mas sem muito
conforto, pois isso destruiria o seu ímpeto de trabalho.
 Quase todos os autores mercantilistas defendem os
baixos salários, apenas na margem de subsistência.
 Dada a baixa condição moral das classes
trabalhadoras, a pobreza é útil, pois torna os
trabalhadores industriosos.
 Assim as privações da pobreza têm um caráter
terapêutico. Se o trabalhador tivesse a oportunidade
de ganhar mais, ele provavelmente ficaria na
ociosidade e na preguiça.
 O aumento de salários conduziria à prática de excessos,
de vícios, de consumo de drogas, enfim de tudo o que leva
à sua ruína moral.
 Sendo assim, a assimetria na distribuição de renda é
desejável para o fortalecimento do reino e uma distinção
deve ser feita entre o enriquecimento da nação e o da
maioria dos indivíduos que a compõe.
 Somente o rei e a minoria de comerciantes e apadrinhados
estariam moralmente preparados para uma vida de
riquezas e, no fundo, as políticas mercantilistas só
favoreciam a estes estamentos sociais.
O combate ao desemprego
 A principal preocupação econômica do
mercantilismo era a busca do pleno emprego. A
nação poderosa deveria usar todo o seu território
para atividades produtivas na agricultura, na
mineração e na manufatura.
 Os trabalhadores devem ser encorajados a se
manterem empregados.
 O desemprego era visto como resultado da
indolência do trabalhador e era tratado como
problema social.
 Assim, os pobres desempregados
deveriam ser, em tese, amparados pela
sociedade.
 O problema do desemprego, da
mendicância e da marginalidade
tornou-se particularmente importante
na época do mercantilismo.
O sistema putting-out
 As recentes transformações por que passara
as economias da Europa ocidental não
favoreceram o emprego.
 Um primeiro fato que mudou a estrutura
produtiva da época foi o nascimento, no
século XVI, da indústria manufatureira com
o sistema putting-out em substituição ao
antigo artesanato medieval.
Novas tecnologias, navegação
e comércio
 As utilizações de novas tecnologias, muitas delam
importadas da China, como o astrolábio e a bússola,
propiciaram as grandes navegações a partir do final
do século XV.
 Com ela e valendo-se da descoberta da pólvora,
nações distantes foram pilhadas, povos escravizados
e os mares tomados pela pirataria.
 Novos fluxos de mercadorias vindas de quase todas as
regiões do mundo circulam pela Europa.
 O comércio conhece então um novo impulso,
principalmente o comércio entre nações.
Monopólios
 Na Inglaterra, os ramos do artesanato voltados às
exportações são cada vez mais dominados pelos
grandes mercadores.
 Em pouco tempo, tais mercadores passam a
controlar o suprimento de matérias primas,
assegurando assim posições monopolistas.
 Isto se dá pelo monopólio das importações, por
monopólios internos concedidos pelos reis ou pela
posse das propriedades do campo via cercamento
das terras.
Expulsão da terra e sistemas
de manufaturas
 Os camponeses arrendatários são expulsos para as cidades
e a produção de subsistência de alimentos substituída pela
criação de ovelhas que fornecem lã à indústria.
 O domínio da oferta de matéria prima confere aos grandes
comerciantes o poder de controlar toda a cadeia do
processo produtivo.
 O antigo artesão, que antes vendia o produto acabado e
auferia lucro, passa a trabalhar por encomenda,
recebendo uma provisão de matérias-primas e sendo pago
pela entrega do produto semielaborado dentro de uma
rígida especificação contratual.
 Assim o mercador pode concatenar várias
manufaturas domésticas independentes,
como se fosse uma linha de produção,
retirando encomendas de uma e
entregando-as a outras para uma nova fase
da produção, ao longo de pequenas
manufaturas dispersas pelas áreas rurais.
As Guildas
 Os artesãos mais pobres não conseguem sobreviver
e viram simples assalariados. As manufaturas
sobreviventes procuram assegurar posições
monopolistas.
 Para tanto, amparam-se legalmente nas Guildas
que estabelecem controles e barreiras
protecionistas, tais como: especificação dos
regimes de aprendizado, privilégio e isenções para
os filhos de artesãos bem estabelecidos, taxas para
admissão no negócio etc.
 As funções regulamentatórias das Guildas acabam-
se transferindo para o Estado.
Estatuto dos Artífices e
regulamentações do ministro Colbert
 Em 1563, a Inglaterra decreta o Estatuto dos Artífices
que substitui e padroniza para todo o reino as normas
da manufatura, entre elas as que limitam os
aumentos de salários, bem no espírito do
mercantilismo.
 Na França, o ministro J.B. Colbert impõe leis que
regulamentam os métodos de produção e a qualidade
das matérias-primas e dos produtos.
 Em 1666, Colbert regulamenta a fabricação de tecidos
em Dijon com penalidades severas ao transgressor.
O pacto entre Estado e
comerciantes
 Havia uma relação de ajuda mútua entre o
Estado absoluto e os produtores.
 Ao mesmo tempo em que aquele controlava os
processos de produção e impunha toda sorte de
barreiras e impostos, os grandes comerciantes
lucravam com as proteções.
 A ênfase recaia na conquista do comércio
internacional como fonte de enriquecimento do
Estado. Enquanto isso, a maioria do povo ficava
à margem do processo.
Conflito e êxito rural
 De 1500 a 1600, há um expressivo crescimento
numérico da população europeia.
 As tensões no campo dão ensejo a conflitos sociais
violentos, e revoltas camponesas se generalizam
pela Europa.
 Quase 90% da população rural é expulsa para as
cidades.
 Parte dela é arregimentada como força militar ou
como colonos das novas terras além mar. Boa parte,
entretanto, permanece ociosa.
A Lei dos Pobres
 Em 1531 e 1536, o Estado inglês promulga leis para acabar com
a mendicância, que havia adquirido proporções alarmantes.
 As leis discriminam os pobres com direito a mendigar,
deficientes físicos e inválidos em geral, e autorizam as
paróquias a angariar donativos espontâneos a fim de amparar
os pobres de sua jurisdição.
 Tendo fracassado em diminuir o número de mendigos, o estado
inglês decreta a Lei dos Pobres em 1601 que prevê a
arrecadação de um imposto específico para acabar com a
indigência e especifica quem deve receber assistência e de
que forma.
 Ela promete ainda prisão para os vagabundos incorrigíveis.
Menos paternalismo e mais
ação do Estado
 O paternalismo exercido pela igreja medieval é substituído
pela ação do Estado.
 Não há uma busca deliberada de melhorar a condição social
dos pobres, trata-se apenas de amparar os marginalizados
visando coibir focos de rebelião popular e mesmo de
criminalidade.
 Até certo ponto, essas políticas foram bem sucedidas à custa
de rigorosa repressão.
 Ao longo do período, os mercantilistas ao invés de
considerarem o crescimento populacional um problema,
estarão a defender e encorajar uma grande população como
forma de fortalecimento do reino.
Etapas do pensamento
mercantilista
O renascimento
 No início do século XVI verifica-se na Europa um
renascimento intelectual que consistiu na incorporação
dos antigos valores estéticos e culturais dos gregos.
 Isso certamente impulsionou o pensamento em várias
áreas.
 Em economia, não houve no período muita continuidade
com as reflexões escolásticas, pois a própria maneira de
interpretar a vida econômica passou a ser outra.
 As reflexões teóricas sobre o valor dos bens dão lugar às
considerações pragmáticas sobre o comércio.
O principal problema
econômico
 O principal problema econômico que vinha assolando a
Europa nos últimos dois séculos era a insuficiência de
dinheiro em circulação para sancionar o aumento das trocas.
 A oportunidade propiciada pelas colônias para o afluxo de
metais preciosos parecia não só resolver o problema, mas
garantir às potências colonizadoras possibilidade ímpar de
estimular a produção interna e com isso enriquecer o reino.
 A maior oferta monetária deveria estimular as economias, o
que é basicamente correto se imaginarmos que elas estavam
trabalhando abaixo do pleno emprego e que as pressões
inflacionárias não ocorreriam tão cedo.
O bulionismo
 Os primeiros autores mercantilistas do século XVI
faziam a associação simplista entre moeda e riqueza,
acreditando que a primeira levaria automaticamente
a um aumento da oferta de bens reais na economia.
 A concepção denominada de bulionismo ou
metalismo confundia moeda com riqueza, embora
seus autores não fossem tão ingênuos como dá a
entender Adam Smith, no livro IV da Riqueza das
Nações.
 A consequência da interpretação é a defesa de toda
medida que contribua para o acúmulo de ouro e prata
dentro das fronteiras do país.
 O comércio internacional era visto como meio para
aquisição de metais preciosos e todas as medidas
restritivas que resultem em aumento das entradas de
metais seriam desejáveis.
 Os bulionistas não perceberam as oportunidades
oferecidas pelo comércio entre nações de se aumentar
a produção total de todos os países envolvidos com a
especialização de cada um, fato plenamente
identificado no século XVIII.
 Eles viam o comércio internacional como um “jogo de
soma zero”, isto é, o que um ganha o outro perde, e
não como um processo criador de riquezas para ambas
as partes.
 A fórmula do bulionismo era de uma
simplicidade comovente: proibir toda
exportação de ouro e prata e manter o
estoque interno total de metais
preciosos em circulação, impedindo
que as pessoas os retivessem para a
confecção de adornos ou como forma
de poupança.
Autores mercantilistas
 Dos economistas espanhóis que escreveram a favor dessa
fórmula, destaca-se Ortiz, que publica em 1588 uma
Memória ao Rei para Impedir a Saída do Ouro e, muito
depois, Serra, médico que escreve em 1641 o seu Breve
Tratado das Causas que Fazem Abundar o Ouro e a Prata
num País Onde não há Minas.
 Na França, temos Barthélemy Laffemas, burocrata do rei
Henrique IV, que publica em 1602 um tratado intitulado
Como se deve permitir a liberdade do transporte do ouro
e da prata fora do reino e conservar por tal meio o nosso
e atrair o dos estrangeiros.
 Ainda nesse país, Gerard de Malynes (1586-1641) aparece
como um defensor da visão bulionista radical.
Balança comercial favorável
 No século XVII, no entanto, poucos são os que ainda
aceitam o bulionismo extremo.
 A interpretação mais em voga defende a balança comercial
favorável como um meio de manter a economia a pleno
emprego. Para tanto, uma série de medidas são
necessárias.
 Todas as importações devem ser desencorajadas,
principalmente a de bens que já são oferecidos pela
produção doméstica. Uma exceção contempla as
importações de matérias-primas indispensáveis, não
encontradas no reino; mas nesse caso deve-se preferir a
troca por mercadorias.
 Por outro lado, é importante estimular as exportações por todos os
meios. Incluindo-se aí subsídios, restituição de impostos, monopólios
comerciais nas colônias etc.
 A exportação de matérias-primas é desestimulada, pois todas devem ser
usadas na manufatura doméstica, já que os bens finais valem mais que os
bens intermediários.
 A balança comercial favorável asseguraria o fluxo positivo de ouro e
prata sem a necessidade de restringir-se diretamente a saída de metais.
 Os mercantilistas sabiam que o importante era o fluxo resultante no
longo prazo e que uma eventual saída de ouro hoje poderia, na verdade,
estar assegurando uma entrada líquida, se levado em conta o tipo de
compra feita, por exemplo, a aquisição de matéria prima para a
manufatura de um bem exportável.
Cínicos interesses
 A política da balança comercial favorável também
levaria a maximizar as reservas metálicas, mas havia
outros interesses em jogo.
 Muitos dos que defendiam uma ou outra política
intervencionista estavam voltados a favorecer os
lucros de grupos de comerciantes, mas difundiam as
mensagens mercantilistas falando em nome do bem
da nação.
 Não sem motivos, os escritores mercantilistas seriam
depois estigmatizados como cínicos defensores de
escusos interesses particulares.
A racionalidade das políticas
mercantilistas
 É verdade que as políticas mercantilistas tendiam a
favorecer um ou outro grupo econômico particular, mas,
em uma época de muita hostilidade entre as nações e de
luta contra a volta do antigo sistema feudal, os preceitos
econômicos mostram-se adequados para o fortalecimento
do poderio do reino.
 Havia, de fato, elementos racionais na análise
mercantilista que foram adequados à época para os
propósitos visados.
 Além disso, há que se considerar também que os autores
mercantilistas do século XVII em muito contribuíram para
o estabelecimento de certas técnicas de interpretação
econômica.
Edward Misselden (1608-1654)
 A preocupação com o saldo externo positivo entre
exportações e importações levou a uma formulação,
pela primeira vez, de noções contábeis sobre o que
chamamos modernamente de “balança de pagamentos”.
 É o que encontramos no trabalho de Misselden, em que
se identifica a mecânica do balanço global de transações
do país com o exterior.
 Misselden assinala como as transações do comércio
internacional afetam a política monetária.
 Para tanto, ele concebe um balanço de transações
multilaterais com cinco contas.
Balança de Transações com o Exterior

1. Balança Comercial
a. Mercadorias visíveis
b. Itens invisíveis

2. Conta de Capital
a. Capital de curto prazo*
b. Capital de longo prazo

3. Transferências unilaterais
4. Ouro e prata*
5. Erros e omissões
O Círculo do Comércio
 No livro, de 1623, Misselden calcula, pela primeira vez, o Balanço de
Pagamentos da Inglaterra.
 Ele não apenas identifica os números de cada uma das contas, mas
também calcula as relações entre elas.
 Desta forma, o processo econômico entre os países poderia ser mais
bem compreendido e os fins da política mercantilista seriam
perseguidos com maior clareza analítica.
 Misselden aplica a noção de débito e crédito em cada uma das contas,
usa o método contábil de dupla entrada e avalia o superávit ou déficit
das contas.
 Ele assinala corretamente que o Balanço de Pagamentos está sempre
em equilíbrio, de modo que as contas assinaladas com asterisco, fluxos
de metais preciosos e capitais de curto prazo, representam movimentos
compensatórios.
 Enquanto as outras contas são determinadas de
modo autônomo, pois dependem das forças de
mercado, as contas compensatórias devem ser
manipuladas pelos instrumentos de política
econômica de modo a se estabelecer o equilíbrio do
balanço global.
Mecanismos da política
monetária
 Misselden compreendia certos mecanismos da
política monetária, e apontava corretamente
que taxa de juros internos acima das taxas
internacionais atrairia capital de curto prazo.
 Se a balança comercial (1) apresentasse um
déficit não compensado pelo superávit nas
contas de capital de longo prazo e
transferências unilaterais (2b+3), tal déficit
seria financiado pelos movimentos de capital de
curto prazo ou por movimentos adversos de
metais preciosos.
 A balança comercial (ou “conta corrente” tratada
erroneamente como sinônimos) incluía também itens
invisíveis (1b), como pagamento de transporte e fretes,
o que reforçava a crença na importância do Ato de
Navegação que havia criado o monopólio nacional desses
serviços e dessa forma propiciado ganhos na conta
invisível.
 Embora a exposição de Misselden tivesse problemas do
ponto de vista da moderna explicação do Balanço de
Pagamentos, seu mérito maior foi identificar que os
fluxos de entrada e saída de metais preciosos eram
movimentos que compensavam as outras contas e
refletiam os resultados de transações comerciais
autônomas e dos fluxos financeiros.

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