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P equena

História
das
D outrinas
E conómicas
r>

E D I Ç Ã O DA U N I Ã O
NACIONAL EM COLA­
BORAÇÃO COM O SECRE­
T ARI ADO NACIONAL
DA I N F O R M A Ç Ã O

LISBOA
1945
BIBLIOTECA DO TRABALHADOR

Edições da União Nacional em colaboração


com o Secretariado Nacional ria Informação

Livros publicados:

1 — Cartilha Corporativa
II — Pequena História das Doutrinas Económicas

Livros a publiear :

Manual de Politica Social


Compendio de Sociologia
Rudimentos de Economia Politica
etc.
PEQUENA HISTÓRIA
DAS

DOUTRINAS ECONÓMICAS
\
PEQUENA HISTÓRIA

DOUTRINAS
ECO NÓ M ICAS

Edição da U. N.
e do S. N. I.
INTRODUÇÃO

0 homem pode tomar duas atitudes dife­


rentes perante os factos sociais : a do cien­
tista e a do moralista ou político. No primeiro
caso limita-se a procurar conhecer a reali­
dade presente ou passada, a analisar o seu
mecanismo e a descobrir as suas leis. No se­
gundo caso faz sôbre essa mesma realidade
uma apreciação, um juízo de valor, e pro­
cura saber quais são os defeitos e como po­
derá ser reformado o regime social existente,
traçando os princípios e as linhas gerais de
um regime superior.

Essas duas atitudes referidas aos factos


sociais de natureza económica colocam-nos,
na primeira hipótese, no domínio da ciência
económica ou economia política e na se­
gunda, no campo valorativo das doutrinas
económicas.
Estas são, pois, largas apreciações do con­
junto dos factos económicos que encerram
um sistema ou um programa a adoptar pe­
los govêrnos para a resolução dos variados

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e complexos problemas a que êsses factos
dão lugar. As doutrinas económicas são,
como disse um notável economista contem­
porâneo, «forças em acção». Daí a sua
importância prática e a utilidade do seu
estudo.
Um exame consciencioso das diversas
doutrinas económicas não deve esquecer,
por outro lado, as múltiplas influências do
meio em que elas nascem e vivem, o que é
fundamental para lhes descobrir o verda­
deiro sentido e atribuir-lhes o justo valor.
As doutrinas económicas não possuem a
mesma coloração quando se enquadram no
período da Idade Média dominado pelo es­
pírito religioso, ou no nacionalismo e utili­
tarismo do século XVIII, no materialismo e
pragmatismo do século XIX e no persona­
lismo da época presente. A par destas in­
fluências do meio intelectual e filosófico
fazem-se sentir as condições de ordem polí­
tica. As doutrinas possuem necessàriamente
uma diversa orientação se nascem numa
atmosfera de paz ou de guerra, num am­
biente de nacionalismo ou de internaciona­
lismo. Finalmente as próprias transforma­
ções do meio económico são susceptíveis de
influir sôbre as doutrinas económicas im­
pondo-lhes determinada o rien taçã o con­
soante elas nascem num sistema dominan­

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temente agrícola ou num sistema baseado
na indústria artesanal ou na grande indús­
tria mecânica e concentrada.
Nestas breves páginas se procurará dar
uma idéia, quanto possível exacta, das gran­
des concepções económicas do passado e das
orientações fundamentais do presente. O
conhecimento de umas e de outras torna-se
indispensável a quem, de boa fé e apoiado
nos resultados da ciência, queira ter uma
idéia verdadeira da vida social, económica e
política dos nossos dias.
ESCOLAS PRECURSORAS E CRIADORAS
DA ECONOMIA POLÍTICA

O MERCANTILISMO

Os descobrimentos do continente ameri­


cano e da rota marítima para a índia provo­
caram transformações profundas na vida po­
lítica dos diversos Estados europeus.
Portugal cria um vasto Império e ao
Império português segue-se o Império espa­
nhol que deu à Europa o espectáculo de uma
opulência sem par, que coincidiu de uma
maneira flagrante com o afluxo dos metais
preciosos vindos da América e lançados em
caudais sôbre a Europa. Esta coincidência
da opulência espanhola e da importação de
metais preciosos do Novo Mundo fez nascer
nalguns espíritos a convicção de que para
um Estado desenvolver a sua prosperidade
deveria aumentar ao máximo o seu «stock»
monetário.
Esta convicção enraizou-se de tal forma
nos espíritos que durante os séculos XVI e
XVII orientou tôda a política económica dos
Estados europeus. A esta política deu-se o
nome de mercantilismo e traduz-se, empre­

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gando sistemas diversos, no objectivo fun­
damental de aumentar ao máximo o «stock»
monetário nacional.
Olhando aos diversos sistemas adoptados
para se atingir êste fim o mercantilismo
apresenta-se sob três formas principais: a
forma espanhola, a forma francesa e a forma
inglêsa.
A forma espanhola do mercantilismo é
cronologicamente a primeira e é também a
mais rudimentar. Dá-se-lhe também o nome
de metalismo ou bulionismo, da palavra in­
glesa bullion que significa ouro ou prata
em barra.
Para se obter o desejado aumento das
reservas monetárias adoptam-se neste sis­
tema medidas directas no sentido de impe­
dir que o ouro e a prata saiam do país e
promover por outro lado a sua entrada.
Obrigam-se os navios exportadores que
largam da Espanha com carga para outros
países a trazer em numerário, em ouro e em
prata, o equivalente dessa carga. Por outro
lado impõe-se aos navios importadores, que
tragam do exterior mercadorias para a Es­
panha, que levem em mercadorias uma parte
pelo menos do valor da sua carga.
Estas duas regras completando-se impe­
dem a saída de numerário e promovem a
sua entrada. Dêste modo a política mercan-

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tilista atinge os seus objectivos e a prospe­
ridade económica do país cresce dia a dia.
As dificuldades de se poder fiscalizar to­
das as operações comerciais externas e a
adopção das mesmas medidas pelos outros
países veio mostrar que, na prática, êste sis­
tema não produzia grandes resultados.
Assim nasceu uma segunda forma de
mercantilismo, a forma francesa do mercan­
tilismo industrial.
Neste novo sistema abandonam-se os
meios de acção directa sobre os movimentos
da moeda e procura-se conseguir o mesmo
resultado pelo desenvolvimento da industria.
E prefere-se a indústria à agricultura pois
que se considera esta submetida aos capri­
chos da natureza possuindo, além disso, os
produtos agrícolas um fraco valor específico.
Procura-se portanto desenvolver a produção
industrial que permite ao país vender no
estrangeiro p ro d u to s de grande valor.
Quanto mais produtos caros o país exportar
mais aumentarão as entradas de metais pre­
ciosos.
Esta forma de mercantilismo é chamada
francesa porque foi seguida sobretudo em
França pelo grande homem de Estado, Col­
bert, cuja política industrial foi imitada no
estrangeiro por outros notáveis políticos
como Cromwell, em Inglaterra, Frederico-o-

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-Grande, na Prússia, Pedroo-Grande, na
Rússia, e o Conde de Ericeira e o Marquês
de Pombal, no nosso país.
A terceira forma do mercantilismo é a
forma inglêsa ou do mercantilismo comercial.
Os seus principais teóricos são Thomas
Mun e Josiah Child. O seu objectivo funda­
mental é sempre o mesmo : aumentar as re­
servas monetárias. Mas agora já não é com a
indústria mas sim com o comércio que se
conta. Os defensores dêste novo sistema, ser­
vindo-se dos exemplos históricos dos fenícios
e cartagineses, sustentam que não é pela in­
dústria que um país enriquece, mas sim pelo
tráfico com o estrangeiro.

A ESCOLA FISIO CRÁTICA

Os mercantilistas foram os precursores da


moderna ciência económica, tendo sido os
seus verdadeiros fundadores por um lado os
partidários da escola fisiocrática e por outro
o célebre economista inglês Adam Smith, a
quem já se chamou «o pai da Economia Po­
lítica».
Dá-se o nome de fisiocrática à escola de
filósofos e economistas que se agrupou à
volta de Quesnay, médico da célebre Ma-
dame de Pompadour, nascido em 1694 e fa­
lecido em 1774.

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A doutrina desta escola pode-se sinteti­
zar em três proposições fundamentais:

l.tt — Existe uma «ordem natural das


coisas».

Isto quere dizer que se os homens não


in te rv ie re m no mecanismo dos factos
económicos e deixarem as coisas desenvol-
verem-se livremente, elas se encadearão se­
gundo uma ordem determinada.
O fim da ciência económica, para os fi­
siócratas, é de descobrir esta ordem natural
e espontânea. Quesnay, que era médico, com­
para a circulação das riquezas, no corpo
social, à circulação do sangue no organismo
humano. Segundo os fisiócratas a sociedade
é composta por três classes entre as quais a
riqueza circula. Em primeiro lugar, temos a
classe agrícola, ou seja os exploradores da
terra, a que Quesnay chama a classe pro­
dutora. Desta classe irradia o fluxo das ri­
quezas, desempenhando, portanto, na socie­
dade o mesmo papel que o coração no corpo
humano. Em segundo lugar, existem as clas­
ses dos industriais e dos comerciantes, que
os fisiócratas consideram as classes estéreis.
Isto não significa que os fisiócratas conside­
rem os industriais e os comerciantes como
parasitas e inúteis ; entendem simplesmente

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que a indústria e o comércio, ao contrário
da agricultura, não criam riqueza, transfor­
mando apenas a riqueza preexistente.
Na agricultura o homem trabalha com a
colaboração da natureza. No fim de uma
campanha agrícola o agricultor obtem da
terra, na forma de colheitas, mais do que êle
lhe deu. Forneceu-lhe o seu trabalho e retira
dela o produto dêsse trabalho e do trabalho
da natureza.
Na indústria e no comércio as coisas já
não se passam assim. Não existe a colabora­
ção da natureza e, portanto, não há criação de
riqueza, mas apenas simples transformação
e combinação da riqueza preexistente, o que
não quere dizer que o produto fabricado não
valha mais do que a matéria prima que ser­
viu para o fabricar. Os fisiócratas pretendem
somente que, no valor do objecto fabricado,
se acha apenas, além do valor da matéria
prima, o das subsistências, que os indus­
triais, os comerciantes e os séus empregados,
consumiram durante o período das opera­
ções de produção.

2* — A ordem natural das coisas c, de


tôdas as combinações possíveis, a mais van­
tajosa para o género humano.

Se o homem não intervém no mecanismo

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económico, os factos encadeiam-se segundo
um ritmo harmonioso. E isto sucede porque
a ordem natural é desejada por Deus. Como
Deus é bom, determinou que os homens de­
vem ser felizes. Portanto é evidente que a
ordem natural tem probabilidades de ser
mais conforme com o interêsse geral do que
qualquer combinação humana artificial.

3.a — Daqui deduzem a terceira proposi­


ção que é a conclusão do sistema : Se há
uma ordem natural, que é a melhor possí­
vel, devemo-nos abster rigorosamente de in­
tervir no mecanismo económico — deixemos
as coisas desenvolverem-se livremente e or-
denarem-se espontáneamente.
Déste modo os fisiócratas colocam-se em
oposição aos mercantilistas. Êstes entendem
que o Estado deve agir sobre os movimen­
tos dos metais preciosos, directa ou indirec­
tamente, para elevar ao máximo o poderio
nacional. Os fisiócratas opõem-se enérgica­
mente a esta tese, porque para êles as regu­
lamentações humanas nunca poderão valer
a ordem natural das coisas. Chegaram, por­
tanto, a esta fórmula que resume toda a sua
doutrina : laissez fairc, laisscz passer — dei­
xai fazer, deixai passar — que se tornou tam­
bém o lema da escola liberal cujo inspirador
máximo foi Adam Smith.

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ADAM SMITH

Adam Smith nasceu numa pequena al­


deia da Escócia em 1723 e faleceu em 1790.
Interessando-se primeiro pelo estudo da fi­
losofia, psicologia e moral, dedicou-se mais
tarde ao estudo da economia escrevendo em
1776 a obra que o imortalizou : «Ensaio so­
bre a natureza e as causas da riqueza das
nações».
O pensamento de Smith encontra-se em
muitos pontos com o dos fisiócratas. Como
êles, Adam Smith, pensa que existem leis
naturais e que a ciência econômica tem por
objecto descobri-las. Como êles também,
pensa que a melhor atitude dos poderes pú­
blicos em matéria econômica é a abstenção.
Preconiza portanto o laisser faire, laisser
passer e é, por isso, um dos fundadores da
escola liberal.
Afasta-se e ultrapassa, porém, as con­
clusões a que chegaram os fisiócratas no
seguinte :

l.° — Enquanto a escola fisiocrática apre­


senta um fundamento metafísico do deísmo
do século XVIII para explicar a ordem natu­
ral, Adam Smith aponta como fundamento
desta ordem um facto de ordem psicológica.
Observa que os homens são geralmente mo­

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vidos por motivos de interêsse pessoal. Ora
êstes interesses pessoais realizam espontá­
neamente o interêsse geral; as actividades
individuais abandonadas a si próprias, asse­
guram pelo encadeamento espontâneo, a
adaptação da oferta à procura, da produção
às necessidades.
2. ° — O método empregado por Smith é,
por outro lado, diverso do método dos fisió­
cratas. Êstes utilizavam de preferência a de­
dução. Para Adam Smith é pela observação
dos factos que poderemos construir a ciên­
cia económica.
3. ° — Finalmente, Smith afasta-se dos fi­
siócratas nas conclusões a que chegou. Smith
é mais maleável que os fisiócratas. Partindo
do método experimental chegou a conclu­
sões moderadas e relativas. Admite, por
exemplo, bastantes correcções à fórmula ge­
ral laisser faire, laisser passer.
Nas suas linhas gerais as teorias dos fi­
siócratas e as de Adam Smith aproximam-se.
Umas e outras ficaram demais a dever o
seu êxito e a sua rápida difusão ao facto
de corresponderem às necessidades da época
que as viu nascer. Encontramos aqui uma
prova evidente das relações íntimas entre
as doutrinas económicas e o meio.
Por um lado verificamos uma concordân­
cia entre os pontos de vista agrários dos fi-

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siocratas e as necessidades da época. No
momento em que se desenvolveu o sistema
fisiocrático, a agricultura, especialmente em
França, necessitava muito que viessem em
seu auxílio. Ela tinha sido a grande sacri­
ficada do mercantilismo. A teoria da produ­
tividade exclusiva da classe agrícola, cien­
tíficamente falsa, possui assim uma espécie
de legitimidade histórica.
Por outro lado, a conclusão comum aos
fisiócratas e a Adam Smith é liberal e anti-
-regulamentarista. Ora no século XVIII todos
os ramos da produção, tanto a indústria e o
comércio como a agricultura, necessitavam
de liberdade pois viviam asfixiadas no qua­
dro rígido de uma apertada regulamentação.
O LIBERALISMO ECONÓMICO

A ESCOLA LIBERAL INGLESA

A escola liberal divide-se em duas cor­


rentes fundamentais. Se nos referirmos à
nacionalidade dos seus principais represen­
tantes, uma é a corrente inglêsa, outra a
corrente francesa. Se considerarmos o espí­
rito das suas teorias, uma é a corrente pès-
simista, outra a corrente optimista.
A corrente pèssimista inglesa é repre­
sentada por dois notáveis . economistas : o
pastor protestante Robert Malthus e o ban­
queiro israelita David Ricardo.
Êstes autores e os seus discípulos elabo­
raram um corpo de doutrinas que se carac­
teriza por uma aliança do pèssimismo e
do liberalismo: pèssimismo nas teorias
económicas ; liberalismo nas conclusões prá­
ticas. À volta destas duas idéias se podem
agrupar as teses essenciais da corrente pès­
simista inglêsa.
Malthus e Ricardo tinham uma visão
bastante sombria do mundo económico. O
seu pèssimismo apoia-se sobre duas teorias

19
de que êles são os inventores: a teoria mal­
tusiana da população e a teoría ricardina da
renda.

Malthus pretende que a população tem


uma tendência natural para crescer mais rá­
pidamente do que as subsistências. Para me­
lhor fazer compreender a sua teoria, Mal­
thus deu-lhe uma expressão numérica, di­
zendo que a população cresce segundo uma
progressão geométrica, enquanto que as
subsistências crescem segundo uma progres­
são aritmética. Conclui-se que fatalmente
há-de surgir um desequilíbrio entre a popu­
lação e as subsistências. Para estabelecer o
equilíbrio não existem, segundo Malthus,
senão duas espécies de meios : uns são os
meios repressivos, que aumentam brutal­
mente a mortalidade: guerras, epidemias,
fomes; outros, os meios preventivos, que
consistem na restrição voluntária da nata­
lidade.
A teoria ricardiana da renda da terra re­
sume-se dêste modo: à medida que os ho­
mens se tornam mais numerosos e que,
devido à civilização, as suas necessidades
aumentam e se diversificam, a procura de
produtos agrícolas (especialmente o trigo)
aumenta também. Torna-se necessário para
os produtores de trigo fazer face a esta si­

20
tuação, para o conseguirem, Ricardo vê
apenas dois processos : pode-se, em primeiro
lugar continuar a cultivar as mesmas terras,
intensificando-se a produção pelo emprêgo
de mais adubos e mão de obra o que levará
no entanto, muito em breve, ao ponto em
que começa o rendimento não proporcional,
ou seja, dobrando as despesas não se conse­
gue aumentar no dôbro a produção. Se os
gastos com a terra passam de 100 para 200,
a produção aumenta de 100 para 180. Cada
hectolitro de trigo passará a ter um custo
de produção superior ao anterior. Pode-se
recorrer então a um segundo processo : cul­
tivar as terras que ainda não foram cultiva­
das, porque eram menos férteis que as pri­
meiras. Mas como estas terras têem uma fe­
cundidade menor, será preciso fazer mais
despesas para se conseguir obter o mesmo
rendimento de 100 hectolitros de trigo. O
resultado será o mesmo que no primeiro
caso: cada novo hectolitro de trigo tem um
custo mais elevado que os obtidos preceden­
temente.
Chega-se dêste modo à seguinte situa­
ção : o mercado do trigo é abastecido por
fornecimentos vindos de diversa origem e
com preços diversos: nêsse mercado ofere­
ce-se aos preços de 8, de 10 e de 12, por
exemplo. A que preço se deverá vender o

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trigo ? Não a menos de 12, porque senão os
produtores que o téem de vender a éste preço
abandonariam a sua cultura. Vendido o trigo
ao preço uniforme de 12, automáticamente
ficarão os produtores, que venderiam a 8 ou
a 10, a ganhar, além do lucro normal, mais
a diferença que vai para 12, ou seja, 4 e 2.
É a éste ganho, que não é produto de qual­
quer despesa ou esforço, que Ricardo chama
a renda da terra.
Quem é o beneficiário desta renda ? Não
são os cultivadores, pois êstes recebem-na
dos compradores mas não a conservam ; são
antes os proprietários agrícolas que no final
veem a beneficiar dêsse acréscimo de lucro.
O pèssimismo de Malthus e de Ricardo f
não os impede, no entanto, de se conserva­
rem liberais nas suas conclusões práticas.
Os pèssimistas inglêses observam que no
mundo há muita miséria, pobreza e desi­
gualdades. Mas pensam que elas são inevi­
táveis e que não é possível diminuí-las ou
suprimi-las por meio de uma regulamenta­
ção das relações económicas. O facto de al­
guns indivíduos terem fome provém do desi-
quilíbriò entre os recursos naturais e a
população. Êste mal não pode ser corrigido
pela acção dos poderes públicos, pela inter­
venção dos legisladores; é fatal e inevi­
tável.

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A ESCOLA LIBERAL FRANCESA

A corrente optimista francesa é repre­


sentada por dois economistas que viveram
à distância de quási meio século um do ou­
tro : Jean Baptiste Say e Frédéric Bastiat.
a) Jean Baptiste Say, nascido em 1768
e falecido em 1832, foi o tradutor da obra
de Adam Smith e durante muito tempo con­
siderado como um simples vulgarizador das
idéias dos clássicos inglêses. Mas na ver­
dade, Jean Baptiste Say, embora perfilhasse
alguns princípios da escola inglêsa’ elaborou,
no entanto, uma obra original, fruto da sua
experiência pessoal.
A obra dêste notável economista francês
é dominada pela transformação económica
a que assistiu, ou seja, o comêço da nova
era industrial. As suas observações sôbre o
sistema industrial, que então surgia por
tôda a parte, foram optimistas. Examinando
os efeitos da introdução do maquinismo no
sistema da produção chegou à conclusão que
uma máquina pode por vezes provocar o
desemprêgo de alguns operários, mas que,
por outro lado, o maquinismo, permitindo
vender mais barato e, portanto, em maiores
quantidades, torna-se necessário a extensão
das emprêsas: os operários despedidos ao
princípio da fábrica, podem mais tarde vol­
tar ao trabalho.

23
b) Outro representante da escola libe­
ral francesa foi Frédéric Bastiat, que nasceu
em 1801 e faleceu em 1850.
Bastiat, tal como Jean Baptiste Say, é
optimista nas suas conclusões económicas.
Neste aspecto a sua teoria mais curiosa é a
que pretende explicar o valor das coisas.
O que determina o valor de troca é a im­
portância do serviço prestado pelo produtor
ao consumidor, afirma Bastiat. O valor da
coisa é elevado quando esta presta um
grande serviço social. O diamante vale mais
do que o pão (apesar de ser menos útil)
porque como é mais difícil de se obter um
diamante do que um pão, aquele que o for­
nece a quem o deseja, presta-lhe um serviço
assinalado.
Bastiat distingue, em economia política,
o que se vê do que se não vê e afirma que
freqüentemente sè critica as instituições
económicas existentes, porque se observa
apenas à superfície as aparências, o que se
vê. Quando se leva a análise mais longe,
quando se penetra o mecanismo das insti­
tuições, verifica-se que, feitas as contas, elas
apresentam mais vantagens do que inconve­
nientes. O laissez faire, laissez passer é, pois,
a conclusão lógica desta maneira de vôr as
coisas.
A REACÇÃO
CONTRA A ESCOLA LIBERAL

A ESCOLA HISTÓRICA

A reacção contra os principios da escola


liberal surge nos princípios do século XIX
(isto é, pouco depois da constituição desta
escola), desenvolve-se sobretudo na década
de 1840-1850 e atinge o seu apogeu no ter­
ceiro quartel do século XIX, entre 1850 e
1875.
Os ataques contra a escola clássica ou
liberal to m aram três formas diversas:
a) ataque contra o método dos clássicos, que
foi obra da escola histórica alemã ; b) ata­
que contra as conclusões económicas dos
clássicos, que foi obra da doutrina da eco­
nomia nacional; c) e ataque contra as
conclusões sociais dos clássicos, que foi obra
das escolas intervencionistas e socialistas.
A importância da escola histórica alemã
deve ser encarada no duplo aspecto crítico
e construtivo.
No seu aspecto crítico ataca, com bas­
tante veemência, o método e as conclusões
da escola liberal. Os seus adeptos censuram
os clássicos de ter construído as suas teorias

25
sôbre uma psicologia demasiadamente sim­
plista e de ter imaginado que a natureza
humana é sempre a mesma em tôdas' as
épocas. Esta maneira de ver é, para êles, su­
perficial e inexacta, pois existem tantas psi­
cologias como épocas e o único meio para
conhecer o comportamento real dos .indiví­
duos é o de reportarmo-nos à história, de
colocarmos os homens nos meios onde vi­
veram.
Servindo-se de um método errado, os li­
berais formularam teorias demasiadamente
gerais. O corpo de doutrinas por êles criado
foi apresentado como tendo um valor uni­
versal e perpétuo, pretendendo explicar a
vida económica de todos os tempos e de to­
dos os países. Ora não existem doutrinas
que possuam um tal alcance, nem leis que
sejam verdadeiras para tôdas as sociedades.
Cada época tem as suas leis próprias e as
suas doutrinas que só a ela lhe convém.
Os partidários da escola histórica estão
todos de acordo quanto a esta parte crítica.
Mas já assim não sucede no que se refere à
parte construtiva. Todos se referem à histó­
ria, mas nem todos lhe pedem exactamente
o mesmo socorro. Deve-se, a êste respeito,
distinguir na escola histórica três variantes :

a) A primeira, na ordem cronológica re­

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presentada por Roscher, é a da história sim­
plesmente ilustrativa. Roscher adopta as
teorias dos clássicos, apoiando-as com exem­
plos tirados da história. Não pede ao passado
fundamento das teorias, mas unicamente a
sua ilustração. Esta primeira variante não
é uma verdadeira reacção contra a escola
clássica pois continua a adoptar as suas te­
ses, contentando-se apenas em ilustrá-la com
exemplos históricos.

b) Uma segunda variante, que marca o


apogeu da escola histórica alemã, é a da
história explicativa. É em particular a con­
cepção d’Hildebrand e de Knies. Hildebrand
repudia como falsas tôdas as teorias dos li­
berais e sustenta que em economia não
existem leis naturais.

c) Finalmente, uma terceira variante,


representada pelo sector mais jovem da es­
cola, é a da história descritiva. Não pretende
descobrir as leis estáticas, como os clássicos,
nem as leis dinâmicas como Hildebrand ou
K nies; limita-se apenas a descrever pninu-
ciosamente, em todos os seus pormenores, as
instituições económicas: as do passado, se­
gundo as fontes históricas ; as do presente
por meio de monografias acompanhadas de
estatísticas.

27
A DOUTRINA DA ECONOMIA NACIONAL

O alemão Frederico Liszt publicou em


1841 a sua célebre obra «Sistema nacional
de Economia política», cujo título é já por
si bem elucidativo, ou seja porque nos revela
o fundador da chamada escola de economía
nacional.
Liszt escreveu a sua obra depois de ter
visitado longamente os Estados Unidos e
ter ficado impressionado com a diferença das
condições económicas dêste país com as da
Alemanha. Por outro lado Liszt escreveu no
momento em que a Alemanha hesitava sôbre
a política aduaneira que deveria seguir. Es-
tava-se em 1841, alguns anos antes da cons­
tituição do Zollverein, que estabeleceu a
unidade económica da Alemanha ; e punha-
-se o problema de saber que atitude adopta­
ría o Zollverein. Barreiras aduaneiras mo­
deradas ou proteccionismo ? Liszt exige um
reforço de proteccionismo e na defesa dêste
ponto de vista sustenta duas noções novas:
a do nacionalismo económico e das forças
produtivas nacionais.
O nacionalismo económico opõe-se ao
universalismo dos liberáis. Preocupados em
formular leis gerais possuindo um valor
universal, os liberais tinham relegado para

28
o último plano a divisão do mundo em na­
ções.
Liszt protesta contra semelhante opinião.
Para êle as nações são unidades naturais
de que o economista não pode fazer abstrac-
ção. Estas nações têem forças muito desi­
guais, aptidões muito variadas. Não pode
pois convir a tôdas a mesma política. Algu­
mas delas possuem suficientes riquezas la­
tentes, elementos produtivos, para atingirem
o estado que Liszt reputa ideal: poder de­
senvolver harmónicamente a sua indústria,
a sua agricultura e o seu comércio. Nem tô­
das as nações podem atingir êste ideal;
existem desherdadas da fortuna, cujo sub-
-solo é pobre e cujo clima é desfavorável.
Mas quando uma nação (e Liszt pensava
neste caso na Alemanha) possui recursos
suficientes para alimentar todos os ramos
da produção, é seu dever atingir êsse estado
complexo de nação normal.
Para êste efeito, pode ser necessário
adoptar, pelo menos temporàriamente, uma
política proteccionista.
A idéia de fôrça produtiva nacional opõe-
-se à idéia clássica de valor de troca. Se se
considera o mundo das coisas económicas
no mero ponto de vista do indivíduo, o ideal
é aumentar os seus prazeres. A economia
individualista, construída sôbre a base do

29
interêsse pessoal, coloca em primeiro plano
o gôzo das satisfações actuais e a posse do
máximo dos valores imediatamente trocá­
veis. Se, pelo contrário, se adoptar o ponto
de vista do interêsse nacional, possuindo a
nação uma duração indefinida (ou pelo me­
nos muito longa) a inquietação do futuro
torna-se preponderante. Compreender-se-á
que por vezes o sacrifício do presente se
impõe para aliviar e salvaguardar o futuro
e não se hesitará em renunciar aos valores
actuais se, por esta renúncia, as forças pro­
dutivas da nação de algum modo beneficia­
rem.

O INTERVENCIONISMO

Para compreendermos a reacção das es­


colas intervencionistas e socialistas contra
as conclusões sociais da escola liberal, é ne­
cessário reportarmo-nos às condições do
meio histórico na qual ela surgiu.
O fim do século XVIII e o comêço do sé­
culo XIX viram nascer e triunfar o libera­
lismo e o industrialismo. Turgot, o eminente
político francês, perfilhou, nas suas linhas
gerais, as conclusões liberais dos fisiócra­
tas. Chegado ao poder, tentou realizar os
seus pontos de vista por meio de diplomas
que aboliam as corporações e os entraves

30
postos à circulação dos cereais; mas não
conseguiu levar a cabo êste plano. A Revo­
lução, porém, triunfou onde Turgot falhara.
Um dos primeiros resultados da actividade
da Assembléia Constituinte (da qual faziam
parte grande número de fisiócratas) foi a
supressão das corporações e do que restava
do mercantilismo. Foi a Revolução que criou
o chamado «meio livre» e derrubou as bar­
reiras regulamentares que se opunham à
actividade dos indivíduos na ordem jurídica.
Paralelamente, na ordem técnica, gran­
des descobertas transformaram completa­
mente a fisionomia da indústria, nos fins
do século XVIII, em Inglaterra, apesar dos
seus efeitos só se terem sentido verdadeira­
mente nos princípios do século XIX. Foi
então que surgiu a grande indústria mecâ­
nica e concentrada.
Ora no comêço do século XIX surgiu um
certo número de fenómenos sociais muito
graves, que prenderam a atenção de todos
os observadores.
Em primeiro lugar, uma espantosa misé­
ria operária, que foi revelada ao público, em
França, por um inquérito feito pelo Dr. Vil-
lerné, em 1835 e 1836. Na indústria têxtil,
em especial, os operários eram muito mal
pagos, os períodos de trabalho excessiva­
mente longos e empregava-se na condução e

31
vigilância das máquinas grande número de
mulheres e de crianças de pequena idade.
Por outro lado, surgiram nos princípios
do século XIX (e renovaram-se quási perió­
dicamente de dez em dez anos), crises de
sôbre-produção que se traduziram numa
baixa repentina dos preços, num engorgita-
mento geral dos mercados e em falências em
grande número, provocando nas classes tra­
balhadoras terríveis crises de desemprego.
- A observação destes factos sociais deplo-"
ráveis determinou o aparecimento de dou­
trinas novas, que tentaram remediar êstes
males, atenuando ou suprimindo o que, se­
gundo êles, constituía a causa do mal.
A primeira forma da reacção contra o
abstencionismo social dos liberais foi o inter­
vencionismo,- representado sobretudo por
dois nomes : o genovês Sismondi e o francês
Dupont-White.
Sismondi foi a princípio liberal e discí­
pulo de Adam Smith. A observação da misé­
ria operária e uma viagem à Inglaterra
(onde o industrialismo estava já mais desen­
volvido de que em França), levaram-no a
mudar completamente de opinião. Abandona
então as teorias liberais e defende o inter­
vencionismo, em duas obras publicadas em
1819 e em 1837.
Sismondi mostrou-se muito impressio-

32
nado pelos efeitos económicos e sociais do in­
dustrialismo : miséria operária e crises ge­
rais de sôbre-produção. Comparou o indus­
trialismo ao aprendiz de feiticeiro da céle­
bre balada de Goethe. Na ausência do seu
mestre, o aprendiz de feiticeiro desencadeia
as forças misteriosas de que descobrira o se­
gredo ; mas se as soube desencadear não foi
capaz, porém, de as refrear. Do mesmo modo,
era de receiar que as forças económicas de­
sencadeadas pelo industrialismo não pudes­
sem mais ser contidas. Se se pretendia evitar
de ir até o fim da aventura do aprendiz de
feiticeiro, deveria o Estado ou o patronato
canalizar e manter nos justos limites o es­
forço do industrialismo.
Desta idéia geral se deduz um programa
de reformas práticas. Sismondi pede em pri­
meiro lugar que o Estado proíba o trabalho
nas fábricas das mulheres e das crianças,
assim como o trabalho aos domingos. Nestes
pomos conseguiu Sismondi triunfar. Actual­
mente o trabalho industrial das crianças está
rigorosamente interdito em tôda a parte. Do
mesmo modo o trabalho aos domingos é, em
regra, proibido.
Por outro lado, agindo sôbre o patronato,
Sismondi reclamou que os poderes públicos
obrigassem a garantir os operários contra os
riscos sociais (ou seja as doenças, a velhice,

33
a invalidez e o desemprêgo). Ainda neste as­
pecto as idéias de Sismondi triunfaram, pelo
menos de uma maneira parcial. Todos os
países modernos tendem a proteger os ope­
rários contra os diversos riscos a que estão
sujeitos.
O segundo grande defensor do interven­
cionismo, Dupont-White, defende, nas suas
obras principais, publicadas em 1857 e 1860,
a idéia de que numa sociedade progressiva,
as atribuições económicas do Estado devem
desenvolver-se normalmente. Dupont-White
combate deliberadamente a afirmação libe­
ral de uma convergência espontânea dos in-
terêsses privados no sentido do interesse ge­
ral. Tôda a liberdade necessita de ser regu­
lada, se não leva ao domínio da fòrça. Du­
pont-White manifesta pouca confiança nos
indivíduos como agentes do progresso e
chega mesmo a dizer que o indivíduo «é o
eterno obstáculo de que estão eriçadas as
vias de civilização». Êste pessimismo em re­
lação ao indivíduo tem como contra-partida
uma confiança extrema no Estado. O homem
polocado no Govêrno pode elevar-se acima
dos conflitos particulares e dos pontos de
vista da classe, podendo dêste modo assegu­
rar a proeminência dos interêsses colectivos,
do bem público. Donde estas fórmulas bem
características : «O Estado é o homem menos

34
a paixão. De qualquer modo que seja consti­
tuído, o Estado vale mais do que os indivi­
duos».
A conclusão prática destas idéias teóricas
traduz-se num vasto programa de acção pú­
blica em matéria de transportes, de moeda e
de comércio. Em todo o caso Dupont-White
proclama que a criação do capital é obra dos
particulares ; o Estado deve abster-se desta
missão que não lhe pertence.
A esta mesma conclusão chegou um
grupo de universitários alemães conhecidos
sob o nome de «socialistas de cátedra», cuja
doutrina recebeu uma consagração famosa
com o célebre Manifesto de Eisenach em
1872. Entre os protagonistas dêste movi­
mento encontram-se os nomes de represen­
tantes da escola histórica, como Schmoller
e Wagner. E isto mostra-nos que as diversas
modalidades da reacção contra o liberalismo,
por vezes se encontram. O relativismo no
tempo dos históricos aproxima-se do relati­
vismo no espaço da escola da economia na­
cional. A reacção contra o abstencionismo
social dos liberais foi, por vezes, a conclusão
dos estudos feitos com o espírito e o método
da escola histórica.
O qualificativo de socialismo catedrático
não deve, no entanto, prestar-se a confusões.
Os congressistas de Eisenach não pretende­

35
ram ir até o verdadeiro socialismo. Reclama­
vam que o Estado regularizasse e fiscalizasse
a actividade económica e social, mas en­
tendiam que os limites das suas atribuições
deveria ser fixado em cada país e em cada
época, como conseqüência de um estudo
minucioso do meio e não em virtude de um
princípio a priori. Preconizavam a inspecção
das fábricas e o «controle» dos bancos, mas
não rejeitavam, de nenhum modo, o princí­
pio da propriedade privada.

O SOCIALISMO IDEALISTA

Já nos referimos ao intervencionismo


como primeira forma da reacção contra o
abstencionismo social da escola liberal. Va­
mo-nos agora ocupar da segunda forma : o
socialismo idealista.
O socialismo principiou a desenvolver-se
sobretudo em França nos começos do sé­
culo XIX. Há quem pretenda achar-lhes as
origens muito antes, por vezes em épocas
bastante recuadas. Alguns autores vão até
o ponto de considerar Platão como o pri­
meiro socialista, apoiando-se no facto do au­
tor do «Banquete» ter preconizado o regime

36
da comunidade dos bens para o escol social.
O espírito de Platão não era porém igualitá­
rio. Se êle recomendava a propriedade colec­
tiva para a élite social era apenas com a
idéia de que as classes mais elevadas deve­
riam ser libertas das preocupações materiais
afim de se poderem consagrar inteiramente
à defesa da Cidade, à vida política.
No século XVIII surgiu em França uma
pleiade de escritores animados de ardentes
desejos de justiça social e que criticavam a
ordem existente porque originava enormes
desigualdades sociais. Estas primeiras tenta­
tivas de socialismo foram porém mais de
carácter moral e filosófico do que económico.
Foi no início do século XIX que surgiram
doutrinas socialistas com um conteúdo pro­
priamente económico.
Em Inglaterra há que mencionar o nome
de Robert Owen que foi sucessivamente ope­
rário, pequeno patrão e director de uma im­
portante fábrica de fiação de algodão na Es­
cócia. As suas idéias económicas e sociais
evoluiram bastante. Tentou primeiro orga­
nizar nas suas emprêsas instituições de pa­
tronato, partindo da idéia que o patrão deve
realizar o bem dos seus operários. Tendo-se
convencido de que esta concepção era qui­
mérica, Robert Owen tentou em seguida fa­
zer funcionar na Escócia e nos.Estados Uni­

37
dos pequenas colonias comunistas. O insu­
cesso destas colonias desanimou-o porém, e,
no fim da sua vida, pensava que a missão
mais urgente era a.de realizar urna obra me­
tódica de instrução e de educação das massas
operárias.
Em França muitos são os nòmes que se
ligam ao socialismo idealista.
Mencionaremos apenas os de Fourier,
Louis Blanc, Etiènne Cabet, Constantin Pec-
quer e Pierre Leroux e em especial os de
Saint-Simon e Proudhon, porque são a ori­
gem de duas correntes doutrinárias de uma
importância considerável e que conservam
ainda hoje discípulos.
Grande fidalgo e homem de negócios,
Saint-Simon, não era verdadeiramente um so­
cialista no sentido técnico do têrmo. Se con­
denava a sucessão, hesitava porém em pro­
por a supressão da propriedade individual,
mas um dos seus discípulos, Bazard, extraiu
das suas idéias uma doutrina que desenvol­
veu em 1828, numa série de conferências a
que deu o nome de «Exposição da doutrina
de Saint Simón», e que é uma das primeiras
e mais completas expressões do socialismo
moderno.
Impressor e depois jornalista, Proudhon,
legou-nos uma obra considerável. Os seus
três livros mais característicos são : l.° «Sis-

38
tema das Contradições Económicas», publi­
cado em 1846 e cujo título contrasta com o
do livro do corifeu liberal Frédéric Bastiat:
«Harmonias Económicas» ; 2.° «Da justiça
na Revolução e na Igreja», vasto fresco filo­
sófico publicado em 1858; 3.° «Da Capaci­

já no fim da sua vida. ,


dade política nas classes operárias», escrito

Não podendo fazer aqui uma exposição


pormenorizada das teses de Saint Simón e
de Proudhon, apenas procuraremos caracte­
rizar o seu espírito geral.
Convém notar, em primeiro lugar, que
estas doutrinas ultrapassam os domínios da
econom ia p o lítica . Contêm uma parte
económica, mas geralmente os seus funda­
mentos são filosóficos e religiosos. E êstes
fundamentos explicam a sua orientação
umas vezes pèssimista, quanto ao presente,
e optimista, quanto ao futuro.
Pelo seu pèssimismo quanto ao presente,
as idéias de Saint-Simon e Proudhon opõem-
-se ao ramo francês da escola liberal. Estu­
dando os grandes factos contemporâneos, o
maqumismo e as crises, enquanto os opti­
mistas procuravam atenuar as inquietações
a que aquêles-factos davam lugar, os sansi-
monianos e Proudhon insistiam sôbre as
suas más conseqüências e condenavam se­
veramente a ordem social existente.

39
Pelo seu optimismo quanto ao futuro
opunham-se ao ramo inglês da escola libe­
ral, cujo pèssimismo era válido para ontem
como para hoje, pois tinha por fundamento
a verificação da pobreza da natureza em
função das necessidades humanas e de uma
pobreza que ia aumentando à medida que a
história avahçava. Os socialistas idealistas
eram de opinião que por uma acção reflec-
tida e coordenada os homens poderiam ex­
trair da natureza recursos em tal quantidade
que seriam suficientes para manter o desa­
fogo da humanidade inteira. E a sua convic­
ção fundava-se numa filosofia do progresso
e do humanismo.
Assim como ultrapassa os limites do
económico, o socialismo idealista ultrapassa
também os interêsses da classe operária. Isto
significa que o socialismo idealista não conta
apenas com a classe operária para realizar
a transformação social. Um Saint Simon ou
um Fourier, dirigem-se aos sentimentos de­
sinteressados da burguesia e da élite inte­
lectual e põem no primeiro plano da sua
construção doutrinal não o interêssc opera
rio mas o sentimento da justiça. Para òles o
socialismo é um regime que permite, melhor
que o estado de coisas então existente, asse­
gurar a igualdade social e realizar o inie-
rêsse geral.

40
O SOCIALISMO CHAMADO «CIENTIFICO»

Os grandes nomes do socialismo chamado


«científico» são quatro: Rodbertus, grande
proprietário rural que foi sobretudo um teó­
rico ; Lassale, que foi principalmente um
agitador ; e Karl Marx e Friederick Engels,
que convém nomear em conjunto, pois tra­
balharam em íntima colaboração.
De todos êles o nome de Marx foi o que
se tornou mais notável, em virtude de cer­
tos partidos operários terem adoptado as
suas idéias como programa político. Marx
foi o principal obreiro da Primeira Interna­
cional e foi também um fecundo escritor.
Duas das suas obras exerceram uma influên­
cia considerável : o Manifesto Comunista,
escrito em 1847 de colaboração com Engels,
e O Capital cujo primeiro volume foi publi­
cado em 1867, ou seja vinte anos depois do
Manifesto, tendo o segundo e terceiro vo­
lume aparecido a público depois da sua
morte, em 1885 e 1894, respectivamente.
A idéia dominante do marxismo é a con­
vicção que uma evolução histórica inevitá­
vel conduz as sociedades modernas para o
socialismo. Segundo Karl Marx o regime
actual (que êle chama capitalismo) é uma ca­
tegoria histórica, isto é, um regime que teve

41
a sua hora de legitimidade, que correspon­
deu em determinada época às necessidades
da sociedade, mas que não pode ter um valor
eterno. O regime capitalista está minado por
contradições internas. A mais importante é
a antinomia entre o processo colectivo de
produção e o processo individual de apro­
priação. Desde que o maquinismo se propa­
gou e que a grande industria substituiu a
pequena emprêsa, a produção tornou-se
colectiva, visto que, para pôr em marcha
uma emprêsa moderna, é necessário fazer
apêlo a grandes colectividades de trabalha­
dores. No entanto a propriedade conservou-
-se privada. Segundo Marx esta antinomia
não se poderia manter, sendo fatal que, como
a produção, a propriedade se tornaria colec­
tiva.
Esta exposição sumária da concepção
marxista permite, no entanto, pôr em evi­
dencia as profundas diferenças que existem
entre o marxismo e o socialismo idealista.

a) O tema geral do socialismo pre-mar-


xista é a convicção de que os homens estarão
cada vez mais em situação de submeter as
forças económicas. E já se fez notar atrás
que esta convicção se baseia numa filosofia
geral racionalista e humanista, que põe em
evidência o poder da razão humana e crê

42
que êle é capaz de dominar a natureza e de
adaptá-la aos seus fins.
Karl Marx, pelo contrário, crê que o mo­
tor da evolução histórica reside na técnica
dá produção. Ela constitue o que êle chama
a infra-estrutura das sociedades. Pela trans­
formação desta infra-estrutura económica se
explicam as transformações da infra-estru­
tura social, as concepções morais, religiosas,
filosóficas, etc. É o que se chama a concep­
ção materialista da historia.

b) Em segundo lugar, o socialismo mar­


xista é muito mais estreito que o socialismo
idealista, pois se dirige apenas à classe ope­
rária. «A emancipação dos trabalhadores,
declara o Manifesto comunista, será obra
dos próprios trabalhadores».
Não haverá uma contradição entre êste
apêlo às classes operárias e o materialismo
histórico ? Se não é o homem mas a técnica
da produção que dirige a história, não serão
os operários impotentes para pôr em marcha
a revolução social ? Não é mais lógico pen­
sar que a revolução social se fará não quando
e porque os operários a querem, mas quando
e porque as condições económicas assim o
exigem ? Eis como Marx pretende fugir à
contradição : o advento do colectivismo é
inevitável, diz êle, porque as forças económi-

43
cas trabalham para isso, mas a sua data não
está fixada, os operários podem antecipar
êsse advento se adoptarem uma técnica apro­
priada. A tática recomendade por Marx é a
luta dc classes: — o agrupamento dos ope­
rários numa classe distinta; que se fará ini­
miga das outras classes, evitando o mais
possível o seu contacto.
A passagem da sociedade capitalista para
a sociedade colectivista é explicada por
Marx pelo seguinte mecanismo :

Os capitalistas não pagam aos operários


um salário que corresponde em absoluto ao
valor do trabalho que êles executam, rece­
bendo portanto o produto dêsse trabalho não
pago a que Marx chama a mais-valia. Deste
facto resulta que o capital vai crescendo pro­
gressivamente nas mãos dos capitalistas, que
vão estendendo os seus tentáculos realizando
assim uma concentração de capitais que vai
aumentando mais e mais. Chega-se a um
ponto em que os detentores do capital são
um número reduzido de privilegiados ao
passo que as massas proletárias são uma es­
magadora maioria. A passagem para a so­
ciedade colectivista faz-se automáticamente
pela apropriação colectiva pelas massas ope­
rárias de todos os instrumentos de produção.
Os factos, se não bastassem as inúmeras

44
exposições teóricas, encarregaram-se de des­
mentir as previsões de Marx. A época con­
temporánea não nos fez assistir nem a uma
concentração de uma tal generalidade que
tivesse feito triunfar a grande emprêsa em
todos os sectores da vida económica, nem ao
empobrecimento crescente das massas operá­
rias cujo nivel de vida foi profundamente
elevado em relação à época em que Marx
escrevia.
ESTADO ACTUAL DO PENSAMENTO
ECONÓMICO

CRISE E REVISÃO DO LIBERALISMO

Ñas páginas anteriores fez-se um esboço


das principais doutrinas económicas desde
a criação da Economia Política até o movi­
mento de reacção contra os principios da es­
cola liberal, também chamada escola clás­
sica. As páginas seguintes destinam-se a
examinar qual o estado actual do pensa­
mento económico mostrando quais as dou­
trinas do passado que o mundo moderno her­
dou e qual a evolução que sofreram. Num
breve exame falar-se-á da crise e da revisão
das duas grandes concepções antagónicas —
a liberal e a socialista — do triunfo mais ou
menos completo do intervencionalismo e das
rectificações que sofreu e, mais detidamente,
do renascimento da idéia corporativa.
Começaremos por mostrar qual foi a crise
que no mundo dos factos, por uma aplica­
ção cada vez mais intensa da política protec­
cionista, sofreu o liberalismo económico,
para depois nos ocuparmos da sua moderna
revisão doutrinal na forma de neo-libera­
lismo.

47
Deparamos com o proteccionismo em dois
momentos históricos: primeiro sob a forma
de mercantilismo, nos séculos XVI e XVII,
e depois, no século XIX, sob a expressão sis­
temática de economia nacional defendida por
Liszt.
No campo doutrinal estas duas ofensivas
não conseguiram vencer a liberalismo comer­
cial. O mercantilismo foi refutado por Adam
Smith e a imensa maioria dos economistas
consideraram esta refutação como decisiva.
Liszt, por outro lado, teve poucos discípulos.
Mas se da doutrina passarmos para a
prática então a impressão é totalmente di­
versa. Nos últimos cinqüenta anos o protec­
cionismo triunfou mais ou menos em tôda a
parte. Instalou-se em França, na segunda
metade do século XIX, assim como na Ale­
manha e nos Estados Unidos. Só a Inglaterra
se manteve fiel ao livre-cambismo, apesar
das formidáveis campanhas de Joseph Cham-
berlain. Nas vésperas da Grande Guerra ruiu
também êste bastião do liberalismo comer­
cial.
A exasperação do sentimento nacional
tanto nos velhos países como nos jovens Es­
tados, as dificuldades da produção e da troca
durante o período de depressão económica
em que entrou o mundo em 1929-1930 e, en­
fim, o receio de uma nova conflagração mun­
dial suscitaram ém todos os países sentimen­
tos misturados de inquietação e de orgulho
cujas conseqüências foram:

1. ° — Um revigoramento das barreiras al­


fandegárias (que haviam sido muito aumen­
tadas na Europa pelo tratado de Versalhes);
2. ° — A aparição de processos novos, tais
como os contingentamentos, que garantem
uma protecção ainda mais rigorosa que os
direitos aduaneiros e que chegam por vezes
a equivaler a uma proibição completa.
Surge então, em oposição à tese liberal
favorável a uma divisão internacional do
trabalho, a doutrina, da autarquia, que apre­
senta como uma espécie de ideal para a na­
ção o facto de se bastar a si mesma e de não
depender do estrangeiro quanto ao seu abas­
tecimento.
Acolhida sobretudo pela Alemanha e pela
Itália no período que precedeu esta guerra,
esta política é seguida hoje em grande parte
dos Estados, imposta porém pelas condições
particulares originadas pela actual confla­
gração mundial.
No que se refere à política económica in­
terna a evolução dos últimos cinqüenta anos
traduz-se também por um recúo geral do
liberalismo. Quer se trate das relações entre
patrões e operários quer entre produtores e

49
consumidores, as intervenções dos poderes
públicos tornaram-se cada vez maiores.
Em presença dêste progresso gradual do
«estatismo» a doutrina liberal limitou-se du­
rante muito tempo a manter firme a sua
bandeira sem modificar as suas posições. Os
seus protagonistas continuaram a afirmar
que o melhor regime económico e social é
aquêle que confia inteiramente na inicia­
tiva privada e crê ha harmonização espon­
tânea dos interêsses particulares.
De há alguns anos para cá os mais inteli­
gentes liberais parece terem compreendido
que para poderem tornar a ter alguma in­
fluência sòbre a evolução económica, seria
talvez oportuno de, em vez de condenar
pura e simplesmente as transformações da
economia moderna, adaptar-lhe a sua dou­
trina. Desta atitude nasceu o movimento
neo-liberal que nos últimos anos produziu
interessantes obras da autoria sobretudo de
escritores franceses, austríacos e america­
nos.
O neo-liberalismo reconhece que na
economia moderna (falamos na economia
antes da actual guerra) deve ter um lugar
importante a intervenção dos poderes pú­
blicos sôbre a org an ização económica.
Admite que o capitalismo moderno, abando­
nado a si mesmo, conduz por vezes a resul­

50
tados contrários à justiça e contrários tam­
bém à liberdade de um grande número de
indivíduos. Pensa (o que negavam contra a
evidência os liberais tradicionais) que a con­
corrência, se não é vigiada, destrói-se a si
mesma e gera o monopólio. E parece-lhe
justamente que o papel do Estado em maté­
ria económica deve ser o de actuar para im­
pedir que a concorrência desapareça e para
conseguir que a liberdade subsista efectiva­
mente.
Assim adaptada às necessidades do tempo
presente o neo-liberalismo, mantem-se no en­
tanto liberal, pois repudia deliberadamente
a substituição do indivíduo pelo Estado
como agente económico. Em resumo: en­
carrega os poderes públicos simplesmente da
missão de manter o «meio livre» e não aceita
a intervenção do Estado e do legislador na
ordem económica senão para proteger o
«meio livre». Contra as coligações de inte-
rêsses e as tentativas de monopólio parece-
-lhe indispensável que o Estado córra em
auxílio das liberdades individuais ameaça­
das.
CRISE E REVISÃO DO SOCIALISMO
MARXISTA

Assistimos durante meio século ao pro­


gresso e à crise do marxismo. Progresso por-

51
que em quási todos os países onde existiu
um movimento socialista poderoso a influên­
cia de Marx eliminou, ou afastou para um
plano secundário, as outras modalidades do
pensamento socialista. Certamente que há
poucos operários e até poucos chefes socia­
listas que leram a obra de Marx. Mas for­
mou-se, para uso das multidões, uma espé­
cie de redução do marxismo que se apoia
nestas três bases : teoria da mais-valia, con­
cepção materialista da história e princípio
da luta de classes. O êxito dêste marxismo
vulgarizado proveio do facto dêle fornecer
às massas uma direcção mais nítida, uma
explicação mais satisfatória e uma espe­
rança mais sólida do que as outras concep­
ções socialistas. A luta de classes fornece-
-lhes, na verdade, a base de uma táctica
simples e clara. A teoria da mais valia pa­
rece uma justificação científica do senti­
mento que experimentam geralmente os
operários que se julgam vítimas de uma ex­
ploração. O materialismo histórico dá-lhes a
segurança que forças inelutáveis trabalham
em seu favor e as ajudam a obter o êxito
final.
Mas, no entanto, à medida que o tempe
passava o marxismo sofria ataques que pu­
nham em questão a solidez das suas bases
pretensamente científicas. É um facto que a

52
evolução económica não se conformou estri­
tamente com o esboço, rigoroso mas um
pouco primário, que Marx tinha traçado.
A época contemporânea não nos fez assistir
nem a uma concentração de uma tão grande
generalidade que provocasse o triunfo da
grande emprêsa em todos os sectpres da vida
económica, nem a um empobrecimento cres­
cente das massas operárias cujo nível, de
vida, pelo contrário, foi sèriamente melho­
rado.
O sentimento do desacordo entre uma
parte do marxismo e a realidade determinou
a primeira crise que se situa nos fins do sé­
culo XIX e princípios do século presente.
No seio do socialismo, em face de ortodoxos
como Kautsky, ergueram-se os revisionistas,
que sem negarem a sua qualidade de mar­
xistas, propunham que se distinguisse na
doutrina de Marx o que estava vivo e o que
tinha sido negado pelos factos.
Depois de 1914 produziram-se grandes
transformações políticas e sociais que tive­
ram uma repercussão profunda sôbre as
doutrinas socialistas. O mais importante foi
certamente a Revolução bolchevista de 1917.
O fascismo italiano e o nacional-socialismo
alemão desempenharam também um impor­
tante papel na transformação do socialismo.

53
Dêstes factos resultaram duas grandes
orientações revisionistas contraditórias.
Por um lado uma revisão realista, inspi­
rada pelas lições da Revolução russa e que
levou a considerar que a arma política é sem
dúvida mais eficaz que a arma económica
para a conquista do poder.
Por outro lado, uma revisão idealista que
originou um alargamento do espírito e dos
meios de acção do marxismo. Enquanto que,
na ortodoxia marxista, uma espécie de fata­
lismo anima a evolução histórica, em Henri
de Man (socialista belga cuja obra teve uma
enorme repercussão internacional), a filoso­
fia torna-se voluntàrista, como era nos pre­
decessores de Marx. A fé socialista funda-se
já não sôbre. uma necessidade da história,
mas sim sôbre a vontade dos homens em
conseguir uma sociedade melhor. Paralela­
mente, o socialismo cessa de ser exclusiva­
mente proletário e estende-se a todos os que
se sentem seduzidos pelo ideal de justiça e
de libertação que o socialismo pretende in­
carnar. Esta mesma orientação é seguida
em França pelo neo-socialismo de Marcei
Déat.
O resultado último deste trabalho de re­
visão foi o nacional-socialismo ou socialismo
nacional. Deve-se entender por esta doutrina
uma espécie de síntese de nacionalismo e

54
socialismo, que desagradaria certamente a
Marx, mas de que a história recente mostra
que representa um compromisso viável.
Um dos maiores economistas modernos,
Werner Sombart, refutando deliberadamente
o marxismo a quem censura pelo seu mate­
rialismo e internacionalismo, faz-se apóstolo
de um socialismo nacional que não é subs­
tancialmente diferente do hitlerismo.
Outros autores, noutros países, concebem
a reforma do socialismo sob uma forma bem
diferente, misturando-lhe uma forte dose de
individualismo e liberalismo. A tradição so­
cialista francesa inclinou-se sempre nêste
sentido. Em Proudhon, e mais recentemente
em Georges Renard e em Jaurès, vê-se a
preocupação de não sacrificar na organização
socialista a liberdade individual.
Em resumo podemos concluir que do
marxismo, se permaneceu uma certa mística
inconsciente que serve de arma política a
certos hipnotizadores das massas, das suas
teorias fundamentais nada hoje resta de pé :
refutadas pela doutrina e desmentidas cruel­
mente pelos factos.
ESTADO ACTUAL DAS DOUTRINAS
INTERMÉDIAS
O CATOLICISMO SOCIAL
E O INTERVENCIONISMO

Na análise que vimos fazendo do estado


actual do pensamento económico ocupárno­
so s, nas páginas anteriores, da crise e trans­
formação do liberalismo e do marxismo. Va­
mo-nos referir agora às chamadas escolas
intermédias e de um modo especial ao cato­
licismo social e ao intervencionismo.
a) A escola do catolicismo social teve
como mestre Le Play que defendia uma dou­
trina económica fortemente impregnada de
tradicionalismo e paternalismo. Nas suas
formas modernas, o catolicismo social afas­
tou-se bastante desse ponto de partida, tendo
encontrado a sua forma definitiva, não sem
dificuldades e hesitações, a partir de 1870.
A quarenta anos de distância, duas encí­
clicas : a Rcrum Novarum de Leão XIII, em
1891, e a Quadragésimo Anno de Pio XI,
em 1931, contribuiram poderosamente, pela
firmeza dos seus princípios, para delimitar
as fronteiras da doutrina. As reuniões cha­
madas «Semaines Sociales» que antes da
actual guerra se realizavam todos os anos

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numa cidade da França e cujos trabalhos fo­
ram publicados em volumes, constituem a
fonte fundamental para quem pretender
compreender a doutrina dos católicos sociais
sôbre os grandes problemas económicos.
O princípio central do seu programa po­
sitivo é a apologia do corporativismo, con­
siderado como o meio de assegurar a ordem
sem suprimir a liberdade e de escapar ao
mesmo tempo à anarquia liberal e à opressão
socialista. Mas os oradores das Semanas So­
ciais esforçam-se bem em precisar que o cor­
porativismo que êles recomendam nada tem
de comum com os regimes dos Estados tota­
litários, os quais pretendem ocultar, por
detrás de uma fachada aparentemente cor­
porativa, um verdadeiro estatismo, tão hos­
til ao seu modo de ver cristão como a filo­
sofia em que êle se inspira. .
b) De tôdas as grandes doutrinas do sé­
culo XIX foi, de certo, o intervencionismo
que teve a mais completa consagração. A
evolução económica dos últimos cinqüenta
anos traduziu-se num recuo geral do libera­
lismo sem que o socialismo passasse a ser o
beneficiário pois (pelo menos nos países oci­
dentais) não conseguiu triunfar em ne­
nhuma parte.
Mas o próprio êxito que tiveram os inter­
vencionistas levou-os também a rever os

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fundamentos da sua doutrina e desenvolver
o seu programa. Sendo uma solução interme­
diária, o intervencionismo corre o risco de
falta de unidade e de ser apenas uma mis­
tura um pouco heterogénea de elementos
fornecidos pelas duas teses opostas do libe­
ralismo e do socialismo. Poder-se-lhe-á cor­
rigir êste defeito dando-lhe um fundamento
autónomo ?
No final do século passado Léon-Bour-
geois tentou fazê-lo criando o solidarismo.
Pela noção do quási-contrato, Léon Bour-
geois julgou ter encontrado uma justificação
doutrinal da legislação social e fiscal em
favor das massas. Na verdade, a sua teoria
era mais brilhante do que sólida e, depois
de um curto período de voga, o solidarismo
foi rapidamente esquecido.
No entanto o- programa que tinham de­
fendido os seus protagonistas realizou-se
pouco a pouco, em França e noutros países,
sob a forma de imposto pessoal e progressivo
sôbre o rendimento, leis sôbre a reforma dos
operários, seguros sociais, limitação das ho­
ras de trabalho, etc.
A Grande Guerra de 1914, e depois a de­
pressão mundial, vieram por seu lado con­
tribuir para reforçar a doutrina intervencio­
nista. Esta, tornando-se mais ambiciosa,
ocupou-se dos problemas mais delicados e

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mais gerais da vida económica : regulamen­
tação dos preços, vigilância autoritária das
condições da oferta e das correntes da pro­
cura, etc.
Da intervenção passa-se progressiva­
mente para a economia dirigida, cujo resul­
tado último é a planificação. Chegado a éste
ponto o intervencionismo encontra o colecti­
vismo, pois a planificação integral não é
mais do que um nome novo dado ao colecti­
vismo autoritário.
Mas os doutrinários da economia diri­
gida não vão, geralmente, tão longe ; pro­
curam manter uma posição intermediária
entre o liberalismo e o socialismo e preten­
dem apenas dar ao Estado um poder muito
amplo da coordenação e de controle em rela­
ção às actividades privadas mantendo o
princípio da propriedade privada e o regime
da empresa capitalista.
O RENASCIMENTO
DA IDÉIA CORPORATIVA

Para complemento indispensável do


exame do estado actual do pensamento
económico resta-nos referir, ainda que de
urna forma sucinta, o renascimento a que a
riossa época assistiu da velha idéia corpora­
tiva gerada no seio da sociedade medieval
e posta fora da lei pelos homens da Revolu­
ção francesa.
É do conhecimento de todos que desde a
Idade Média até o triunfo das idéias libe­
rais as forças do trabalho se achavam orga­
nizadas segundo um sistema corporativo.
Ésse sistema de corporações ou grupos pro­
fissionais era porém bem diverso do mo­
derno corporativismo, se bem que se ba­
seasse no mesmo princípio fundamental da
organização do trabalho.
As velhas corporações correspondiam a
uma economia principalmente artesanal, ou
seja a uma economia da pequena oficina em
que patrão e operário actuavam numa comu­
nhão de trabalho. Os operários, a que se
chamava então companheiros, não estavam,
como em nossos dias, aglomerados em gran­

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des conjuntos, nem possuíam uma consciên­
cia perfeita da sua solidariedade. Tinham
com o patrão uma certa comunidade de exis­
tência e por vezes comiam à mesma mesa.
Estavam unidos a êles por laços religiosos da
confraria e tinham a perspectiva de se tor­
narem um dia patrões. As noções medievais,
que sobreviveram durante a Idade Moderna
até as vésperas da Revolução Francesa, do
justo salário e do justo preço asseguravam
aos trabalhadores uma remuneração decente
e estável. O conjunto da vida económica
marchava num ritmo lento e uniforme que
garantia os patrões e operários contra súbi­
tas transformações e, à falta de riqueza, da­
va-lhes a segurança de uma vida calma e
tranquila.
A simples evocação desta atmosfera é
bastante para evidenciar o contraste dessa
época com a que hoje vivemos.
Seria absurdo querer transportar as ve­
lhas corporações doutros tempos para o
mundo do grande capitalismo e da produ­
ção mecanizada e concentrada dos nossos
dias. No entanto há alguma coisa que po­
dia e foi aproveitada da experiência corpo­
rativa do passado. Suprimindo as corpora­
ções em vez de as reformar a Revolução
Francesa foi longe demais, privando a vida
económica de uma armadura jurídica indis-

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pensável, tendo sido necessário rectificar
hoje a sua obra e a sua doutrina nêste ponto.
Em que consiste pois o corporativismo
moderno ? Qual o seu princípio ? E em que
pontos pretende m odificar o regime
económico actual ?
A característica essencial do corporati­
vismo é a idéia de que todos os que partici­
pam no exercício de uma profissão determi­
nada (quer sejam patrões, técnicos ou ope­
rários) formam um corpo ao qual o. Estado
deve reconhecer o carácter de uma institui­
ção de direito público.
Para esclarecer esta noção um pouco
abstracta convém precisá-la mais por con­
traste.
Segundo os princípios liberais da Revolu­
ção Francesa não poderia existir nenhum
corpo intermediário entre os indivíduos e o
Estado. Dever-se-ia deixar ao cuidado dos
patrões e operários, considerados individual­
mente, celebrarem entre si convenções li­
vres e de carácter privado. Do mesmo modo
as relações entre produtores e consumidores
deveriam ter um carácter meramente indi­
vidual e regularem-se por regras de direito
privado. Qualquer reünião ou qualquer coli­
gação entre patrões ou entre operários era
condenável, por oferecer o risco de um re­
nascimento velado das velhas corporações.

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Éste estado de espirito foi-se atenuando
à medida que o século XIX avançava. Fo­
ram surgindo leis por tôda a parte que per­
mitiam a formação de grupos patronais ou
operários, mas êstes grupos conservavam o
seu carácter merajmente facultativo e pri­
vado. Os poderes públicos toleravam-nos
mas não os favoreciam. As regras estabeleci­
das por êstes agrupamentos patronais ou
operários — o que é fundamental — não se
aplicavam de nenhum modo àquêles que fa­
ziam parte do agrupamento. O sistema re­
pousava inteiramente sob o duplo signo da
liberdade e do contrato.
O corporativismo m oderno coloca-se
numa posição diametralmente oposta a êste
regime jurídico individualista.
Pretende organizar as profissões trans­
formando-as em corpos intermediários entre
os indivíduos e Estado. Os dois pilares desta
organização são fornecidos pelo elemento pa­
tronal, por um lado, e por o elemento traba­
lhador, por outro. As decisões tomadas pelos
organismos que constituem êste sistema são
aplicáveis a todos os indivíduos que exercem
a mesma profissão que o organismo repre­
senta.
As virtudes dêste sistema de organização
económica, que por um lado põe côbro à
anarquia do sistema liberal e às tremendas

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injustiças sociais, que origina e por outro
defende o indivíduo de uma absoluta absorp-
ção pelo Estado, como resulta do sistema
colectivista, são enormes e mais se eviden­
ciam se o confrontarmos com o liberalismo,
o estatismo e o sindicalismo.
O regime corporativo possui o mérito
essencial de assegurar a ordem, a disciplina
e a justiça ao passo que o regime económico
liberal, segundo nos ensina a experiência
longa e dolorosa, é um factor de anarquia,
de desequilíbrio e de instabilidade. Basta re­
cordar, para nos convencermos dêstes fac­
tos, a miséria dos operários nos princípios
da era capitalista, a exploração dos consumi­
dores pelos trusts capitalistas na época con­
temporânea, a renovação periódica das cri­
ses e o cortejo de males que consigo trazem.
No regime individualista e liberal cada chefe
de empresa, movido pelo impulso do lucro,
produz aquilo que quere, como quere e onde
quere, sem que qualquer autoridade supe­
rior se preocupe em saber se a soma de todos
êstes esforços particulares produz um résul-
tado que se adapte às necessidades e ao
poder de compra dos consumidores e sem
que qualquer plano de conjunto faça subor­
dinar as actividades particulares ao bem
comum e limitar o prosseguimento do inte­
resse privado pela consideração do interesse

65
nacional e a preocupação da justiça social.
No regime corporativo a disciplina da
profissão é garantida pelo agrupamento dos
chefes das emprêsas por profissões e regiões
e pelas suas decisões colectivas, às quais os
esforços individuais e as iniciativas parti­
culares se devem subordinar. Esta disciplina
opera tanto na ordem quantitativa como na
ordem qualitativa. Ela cuidará em que as
quantidades produzidas se ajustem às neces­
sidades existentes e afastará, por conse­
guinte, o perigo da sôbre-produção, isto é,
da produção em excesso e, por outro lado,
evitará a falsificação dos produtos defen­
dendo a honra profissional e refreando as
tentações do espírito de lucro quando elas
se exerçam à custa da saúde dos consumido­
res ou da dignidade dos trabalhadores.
Esta obra necessária de organização e
disciplina é conseguida, no sistema corpora­
tivo, pela acção dos próprios interessados.
Êste facto constitue uma segunda virtude do
sistema sobretudo se o confrontarmos com o
sistema cstatista.
Quando os poderes públicos tentam rea­
gir contra a anarquia individual e liberal
lançando sobre as actividades privadas uma
rêde de leis e regulamentos, os produtores
só de má vontade aceitam estas limitações da
sua liberdade. Protestam sobretudo contra

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o facto delas emanarem de homens e assem­
bléias que não estão preparadas para essa
função, que não podem compreender os seus
problemas. O sistema corporativo dá uma
perfeita solução a êste conflito. Se os pró­
prios interessados, patrões e operários tive­
rem, por regiões e profissões, isto é, na es­
fera que lhes é familiar, a missão de regular
as questões económicas e sociais, não haverá
maiores probabilidades de as suas decisões
se adaptarem melhor às situações ? E os
chefes das emprêsas não se submeterão mais
fácilmente às limitações e restrições que lhe
serão impostas se elas emanarem da profis­
são à qual pertencem, tendo participado na
sua elaboração e discussão ? A vantagem do
sistema corporativo é, neste campo, nítida e
absoluta pois realiza a auto-administração
dos interesses económicos.
Finalmente o corporativismo mostra-se
superior ao sindicalismo, sistema em que o
sindicato independente e facultativo decide
por si só das regras a aplicar a um grupo
profissional que êle não representa na tota­
lidade. A acção dos sindicatos dêste tipo, que
existiam em grande número na França de
antes da guerra, achava-se viciada e a sua
eficácia era muito reduzida em virtude do
seu estatuto jurídico e do seu ambiente psi­
cológico. Sendo facultativos e diversos, ne-

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nhum déles podia representar o conjunto dos
operários e dos patrões duma profissão ou de
uma região. Por outro lado separavam-nos
diversas ideologias políticas, que desviavam
as suas actividades do campo económico e
técnico para os lançar em discussões e em
lutas estéreis. Sobretudo, os sindicatos pa­
tronais e operários apresentam-se uns em
face tífos outros com a representação de for­
ças opostas e hostis, de modo que, quanto
mais se desenvolvem, mais fomentam a luta
de classes.
Retinindo numa acção coerente e numa
formação única, todos os patrões e operários,
a Corporação, pelo contrário, terá um valor
representativo e um poder de acção que lhe
permitirão falar com a necessária autori­
dade. Nos diversos estadios — local, regional
e central — da organização corporativa são
lançadas pontes entre o pilar patronal e o
pilar operário. Adquirir-se-á o hábito de
examinar e de discutir as questões em
comum ; compreender-se-á a convergência
dos interêsses patronais e operários no seio
da profissão ; e verificar-se-á que as diversas
profissões são partes de um conjunto e que
cada uma delas beneficiará da prosperidade
e da fôrça do país a que pertencem. Assim
a Corporação, em lugar de atiçar a luta de

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classes, servirá para estabelecer a concórdia
e robustez nacional.
Sendo estas as virtudes capitais do sis­
tema corporativo qual será porém o seu pa­
pel no mundo que surgirá depois da actual
guerra e que todos anseiam que seja uma
era nova ?
O corporativismo, se nasceu da necessi­
dade de resolver inúmeras dificuldades que
nos legou a guerra de 1914, adquirirá um
novo valor e ser-lhe-á feita melhor justiça,
na futura época de paz.
Se a guerra de 1939 veio mais uma vez de­
monstrar o valor do princípio da organiza­
ção a que todos os povos tiveram de se su­
bordinar para criarem as energias necessá­
rias para a luta, ela veio, por isso mesmo,
fornecer um novo prestígio ao sistema cor­
porativo que é o sistema baseado no princí­
pio da organização de tôdas as forças
económicas. Mas, sobretudo, as conseqüên-
cias inevitáveis da conflagração actual, que
já se podem vislumbrar, é que virão pôr em
relevo o papel fundamental que o corporati­
vismo poderá vir a ter no mundo de àmanhã.
Como remédio contra a anarquia económica,
por um lado, e defesa contra a inteira absorp-
ção do indivíduo pelo Estado, por outro, o
sistema corporativo poderá vir a desempe­
nhar no após guerra um papel capital na

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reconstrução do mundo devastado pelas ca­
lamidades da luta. As crises de tôda a ordem
que hão-de sobrevir, e que até já se avizi­
nham, porão o mundo perante um terrível
dilema: ou a anarquia desoladora e impo­
tente ou a opressão degradante e absoluta do
Estado. Entre êstes dois perigos, o corporati­
vismo surgirá como uma forma de salva­
guardar os direitos fundamentais da pes­
soa e apresentar-se-á como o último reduto
da liberdade e da dignidade humana.
Í N DI C E
PáfS.

Introdução .......................................................... 5
Escolas precursoras e criadoras da Economia
Política
O m erca n tilism o .......................................... 9
A escola flslocrátlca ................................... 12
Adam S m it h .................................................. 16
O liberalismo económico
A escola liberal Inglesa ........................... 19
A escola liberal fr a n c e sa ........................... 23
A reacção contra a escola liberal t
A escola h is tó r ic a ........................................ 25
A doutrina da economia n a c io n a l........... 28
O intervencionismo ................................... 30
O socialismo Idealista ................................ 36
O socialismo chamado «científico» . ... 41
Estado actual do pensamento económico
Crise e revisão do liberalismo ........... 47
Crise e revisão do socialismo marxista 51
Estado actual das doutrinas intermédias
O catolicismo social e o intervencionismo 57
O renascimento da idóla corp orativa........... 61
O f i c i n a s Gráficas
C asa P o r t u g u e s a
R. d a s G á v e a s , 103
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