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História
das
D outrinas
E conómicas
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E D I Ç Ã O DA U N I Ã O
NACIONAL EM COLA
BORAÇÃO COM O SECRE
T ARI ADO NACIONAL
DA I N F O R M A Ç Ã O
LISBOA
1945
BIBLIOTECA DO TRABALHADOR
Livros publicados:
1 — Cartilha Corporativa
II — Pequena História das Doutrinas Económicas
Livros a publiear :
DOUTRINAS ECONÓMICAS
\
PEQUENA HISTÓRIA
DOUTRINAS
ECO NÓ M ICAS
Edição da U. N.
e do S. N. I.
INTRODUÇÃO
5
e complexos problemas a que êsses factos
dão lugar. As doutrinas económicas são,
como disse um notável economista contem
porâneo, «forças em acção». Daí a sua
importância prática e a utilidade do seu
estudo.
Um exame consciencioso das diversas
doutrinas económicas não deve esquecer,
por outro lado, as múltiplas influências do
meio em que elas nascem e vivem, o que é
fundamental para lhes descobrir o verda
deiro sentido e atribuir-lhes o justo valor.
As doutrinas económicas não possuem a
mesma coloração quando se enquadram no
período da Idade Média dominado pelo es
pírito religioso, ou no nacionalismo e utili
tarismo do século XVIII, no materialismo e
pragmatismo do século XIX e no persona
lismo da época presente. A par destas in
fluências do meio intelectual e filosófico
fazem-se sentir as condições de ordem polí
tica. As doutrinas possuem necessàriamente
uma diversa orientação se nascem numa
atmosfera de paz ou de guerra, num am
biente de nacionalismo ou de internaciona
lismo. Finalmente as próprias transforma
ções do meio económico são susceptíveis de
influir sôbre as doutrinas económicas im
pondo-lhes determinada o rien taçã o con
soante elas nascem num sistema dominan
6
temente agrícola ou num sistema baseado
na indústria artesanal ou na grande indús
tria mecânica e concentrada.
Nestas breves páginas se procurará dar
uma idéia, quanto possível exacta, das gran
des concepções económicas do passado e das
orientações fundamentais do presente. O
conhecimento de umas e de outras torna-se
indispensável a quem, de boa fé e apoiado
nos resultados da ciência, queira ter uma
idéia verdadeira da vida social, económica e
política dos nossos dias.
ESCOLAS PRECURSORAS E CRIADORAS
DA ECONOMIA POLÍTICA
O MERCANTILISMO
9
gando sistemas diversos, no objectivo fun
damental de aumentar ao máximo o «stock»
monetário nacional.
Olhando aos diversos sistemas adoptados
para se atingir êste fim o mercantilismo
apresenta-se sob três formas principais: a
forma espanhola, a forma francesa e a forma
inglêsa.
A forma espanhola do mercantilismo é
cronologicamente a primeira e é também a
mais rudimentar. Dá-se-lhe também o nome
de metalismo ou bulionismo, da palavra in
glesa bullion que significa ouro ou prata
em barra.
Para se obter o desejado aumento das
reservas monetárias adoptam-se neste sis
tema medidas directas no sentido de impe
dir que o ouro e a prata saiam do país e
promover por outro lado a sua entrada.
Obrigam-se os navios exportadores que
largam da Espanha com carga para outros
países a trazer em numerário, em ouro e em
prata, o equivalente dessa carga. Por outro
lado impõe-se aos navios importadores, que
tragam do exterior mercadorias para a Es
panha, que levem em mercadorias uma parte
pelo menos do valor da sua carga.
Estas duas regras completando-se impe
dem a saída de numerário e promovem a
sua entrada. Dêste modo a política mercan-
10
tilista atinge os seus objectivos e a prospe
ridade económica do país cresce dia a dia.
As dificuldades de se poder fiscalizar to
das as operações comerciais externas e a
adopção das mesmas medidas pelos outros
países veio mostrar que, na prática, êste sis
tema não produzia grandes resultados.
Assim nasceu uma segunda forma de
mercantilismo, a forma francesa do mercan
tilismo industrial.
Neste novo sistema abandonam-se os
meios de acção directa sobre os movimentos
da moeda e procura-se conseguir o mesmo
resultado pelo desenvolvimento da industria.
E prefere-se a indústria à agricultura pois
que se considera esta submetida aos capri
chos da natureza possuindo, além disso, os
produtos agrícolas um fraco valor específico.
Procura-se portanto desenvolver a produção
industrial que permite ao país vender no
estrangeiro p ro d u to s de grande valor.
Quanto mais produtos caros o país exportar
mais aumentarão as entradas de metais pre
ciosos.
Esta forma de mercantilismo é chamada
francesa porque foi seguida sobretudo em
França pelo grande homem de Estado, Col
bert, cuja política industrial foi imitada no
estrangeiro por outros notáveis políticos
como Cromwell, em Inglaterra, Frederico-o-
11
-Grande, na Prússia, Pedroo-Grande, na
Rússia, e o Conde de Ericeira e o Marquês
de Pombal, no nosso país.
A terceira forma do mercantilismo é a
forma inglêsa ou do mercantilismo comercial.
Os seus principais teóricos são Thomas
Mun e Josiah Child. O seu objectivo funda
mental é sempre o mesmo : aumentar as re
servas monetárias. Mas agora já não é com a
indústria mas sim com o comércio que se
conta. Os defensores dêste novo sistema, ser
vindo-se dos exemplos históricos dos fenícios
e cartagineses, sustentam que não é pela in
dústria que um país enriquece, mas sim pelo
tráfico com o estrangeiro.
12
A doutrina desta escola pode-se sinteti
zar em três proposições fundamentais:
13
que a indústria e o comércio, ao contrário
da agricultura, não criam riqueza, transfor
mando apenas a riqueza preexistente.
Na agricultura o homem trabalha com a
colaboração da natureza. No fim de uma
campanha agrícola o agricultor obtem da
terra, na forma de colheitas, mais do que êle
lhe deu. Forneceu-lhe o seu trabalho e retira
dela o produto dêsse trabalho e do trabalho
da natureza.
Na indústria e no comércio as coisas já
não se passam assim. Não existe a colabora
ção da natureza e, portanto, não há criação de
riqueza, mas apenas simples transformação
e combinação da riqueza preexistente, o que
não quere dizer que o produto fabricado não
valha mais do que a matéria prima que ser
viu para o fabricar. Os fisiócratas pretendem
somente que, no valor do objecto fabricado,
se acha apenas, além do valor da matéria
prima, o das subsistências, que os indus
triais, os comerciantes e os séus empregados,
consumiram durante o período das opera
ções de produção.
14
económico, os factos encadeiam-se segundo
um ritmo harmonioso. E isto sucede porque
a ordem natural é desejada por Deus. Como
Deus é bom, determinou que os homens de
vem ser felizes. Portanto é evidente que a
ordem natural tem probabilidades de ser
mais conforme com o interêsse geral do que
qualquer combinação humana artificial.
15
ADAM SMITH
16
vidos por motivos de interêsse pessoal. Ora
êstes interesses pessoais realizam espontá
neamente o interêsse geral; as actividades
individuais abandonadas a si próprias, asse
guram pelo encadeamento espontâneo, a
adaptação da oferta à procura, da produção
às necessidades.
2. ° — O método empregado por Smith é,
por outro lado, diverso do método dos fisió
cratas. Êstes utilizavam de preferência a de
dução. Para Adam Smith é pela observação
dos factos que poderemos construir a ciên
cia económica.
3. ° — Finalmente, Smith afasta-se dos fi
siócratas nas conclusões a que chegou. Smith
é mais maleável que os fisiócratas. Partindo
do método experimental chegou a conclu
sões moderadas e relativas. Admite, por
exemplo, bastantes correcções à fórmula ge
ral laisser faire, laisser passer.
Nas suas linhas gerais as teorias dos fi
siócratas e as de Adam Smith aproximam-se.
Umas e outras ficaram demais a dever o
seu êxito e a sua rápida difusão ao facto
de corresponderem às necessidades da época
que as viu nascer. Encontramos aqui uma
prova evidente das relações íntimas entre
as doutrinas económicas e o meio.
Por um lado verificamos uma concordân
cia entre os pontos de vista agrários dos fi-
17
siocratas e as necessidades da época. No
momento em que se desenvolveu o sistema
fisiocrático, a agricultura, especialmente em
França, necessitava muito que viessem em
seu auxílio. Ela tinha sido a grande sacri
ficada do mercantilismo. A teoria da produ
tividade exclusiva da classe agrícola, cien
tíficamente falsa, possui assim uma espécie
de legitimidade histórica.
Por outro lado, a conclusão comum aos
fisiócratas e a Adam Smith é liberal e anti-
-regulamentarista. Ora no século XVIII todos
os ramos da produção, tanto a indústria e o
comércio como a agricultura, necessitavam
de liberdade pois viviam asfixiadas no qua
dro rígido de uma apertada regulamentação.
O LIBERALISMO ECONÓMICO
19
de que êles são os inventores: a teoria mal
tusiana da população e a teoría ricardina da
renda.
20
tuação, para o conseguirem, Ricardo vê
apenas dois processos : pode-se, em primeiro
lugar continuar a cultivar as mesmas terras,
intensificando-se a produção pelo emprêgo
de mais adubos e mão de obra o que levará
no entanto, muito em breve, ao ponto em
que começa o rendimento não proporcional,
ou seja, dobrando as despesas não se conse
gue aumentar no dôbro a produção. Se os
gastos com a terra passam de 100 para 200,
a produção aumenta de 100 para 180. Cada
hectolitro de trigo passará a ter um custo
de produção superior ao anterior. Pode-se
recorrer então a um segundo processo : cul
tivar as terras que ainda não foram cultiva
das, porque eram menos férteis que as pri
meiras. Mas como estas terras têem uma fe
cundidade menor, será preciso fazer mais
despesas para se conseguir obter o mesmo
rendimento de 100 hectolitros de trigo. O
resultado será o mesmo que no primeiro
caso: cada novo hectolitro de trigo tem um
custo mais elevado que os obtidos preceden
temente.
Chega-se dêste modo à seguinte situa
ção : o mercado do trigo é abastecido por
fornecimentos vindos de diversa origem e
com preços diversos: nêsse mercado ofere
ce-se aos preços de 8, de 10 e de 12, por
exemplo. A que preço se deverá vender o
21
trigo ? Não a menos de 12, porque senão os
produtores que o téem de vender a éste preço
abandonariam a sua cultura. Vendido o trigo
ao preço uniforme de 12, automáticamente
ficarão os produtores, que venderiam a 8 ou
a 10, a ganhar, além do lucro normal, mais
a diferença que vai para 12, ou seja, 4 e 2.
É a éste ganho, que não é produto de qual
quer despesa ou esforço, que Ricardo chama
a renda da terra.
Quem é o beneficiário desta renda ? Não
são os cultivadores, pois êstes recebem-na
dos compradores mas não a conservam ; são
antes os proprietários agrícolas que no final
veem a beneficiar dêsse acréscimo de lucro.
O pèssimismo de Malthus e de Ricardo f
não os impede, no entanto, de se conserva
rem liberais nas suas conclusões práticas.
Os pèssimistas inglêses observam que no
mundo há muita miséria, pobreza e desi
gualdades. Mas pensam que elas são inevi
táveis e que não é possível diminuí-las ou
suprimi-las por meio de uma regulamenta
ção das relações económicas. O facto de al
guns indivíduos terem fome provém do desi-
quilíbriò entre os recursos naturais e a
população. Êste mal não pode ser corrigido
pela acção dos poderes públicos, pela inter
venção dos legisladores; é fatal e inevi
tável.
22
A ESCOLA LIBERAL FRANCESA
23
b) Outro representante da escola libe
ral francesa foi Frédéric Bastiat, que nasceu
em 1801 e faleceu em 1850.
Bastiat, tal como Jean Baptiste Say, é
optimista nas suas conclusões económicas.
Neste aspecto a sua teoria mais curiosa é a
que pretende explicar o valor das coisas.
O que determina o valor de troca é a im
portância do serviço prestado pelo produtor
ao consumidor, afirma Bastiat. O valor da
coisa é elevado quando esta presta um
grande serviço social. O diamante vale mais
do que o pão (apesar de ser menos útil)
porque como é mais difícil de se obter um
diamante do que um pão, aquele que o for
nece a quem o deseja, presta-lhe um serviço
assinalado.
Bastiat distingue, em economia política,
o que se vê do que se não vê e afirma que
freqüentemente sè critica as instituições
económicas existentes, porque se observa
apenas à superfície as aparências, o que se
vê. Quando se leva a análise mais longe,
quando se penetra o mecanismo das insti
tuições, verifica-se que, feitas as contas, elas
apresentam mais vantagens do que inconve
nientes. O laissez faire, laissez passer é, pois,
a conclusão lógica desta maneira de vôr as
coisas.
A REACÇÃO
CONTRA A ESCOLA LIBERAL
A ESCOLA HISTÓRICA
25
sôbre uma psicologia demasiadamente sim
plista e de ter imaginado que a natureza
humana é sempre a mesma em tôdas' as
épocas. Esta maneira de ver é, para êles, su
perficial e inexacta, pois existem tantas psi
cologias como épocas e o único meio para
conhecer o comportamento real dos .indiví
duos é o de reportarmo-nos à história, de
colocarmos os homens nos meios onde vi
veram.
Servindo-se de um método errado, os li
berais formularam teorias demasiadamente
gerais. O corpo de doutrinas por êles criado
foi apresentado como tendo um valor uni
versal e perpétuo, pretendendo explicar a
vida económica de todos os tempos e de to
dos os países. Ora não existem doutrinas
que possuam um tal alcance, nem leis que
sejam verdadeiras para tôdas as sociedades.
Cada época tem as suas leis próprias e as
suas doutrinas que só a ela lhe convém.
Os partidários da escola histórica estão
todos de acordo quanto a esta parte crítica.
Mas já assim não sucede no que se refere à
parte construtiva. Todos se referem à histó
ria, mas nem todos lhe pedem exactamente
o mesmo socorro. Deve-se, a êste respeito,
distinguir na escola histórica três variantes :
26
presentada por Roscher, é a da história sim
plesmente ilustrativa. Roscher adopta as
teorias dos clássicos, apoiando-as com exem
plos tirados da história. Não pede ao passado
fundamento das teorias, mas unicamente a
sua ilustração. Esta primeira variante não
é uma verdadeira reacção contra a escola
clássica pois continua a adoptar as suas te
ses, contentando-se apenas em ilustrá-la com
exemplos históricos.
27
A DOUTRINA DA ECONOMIA NACIONAL
28
o último plano a divisão do mundo em na
ções.
Liszt protesta contra semelhante opinião.
Para êle as nações são unidades naturais
de que o economista não pode fazer abstrac-
ção. Estas nações têem forças muito desi
guais, aptidões muito variadas. Não pode
pois convir a tôdas a mesma política. Algu
mas delas possuem suficientes riquezas la
tentes, elementos produtivos, para atingirem
o estado que Liszt reputa ideal: poder de
senvolver harmónicamente a sua indústria,
a sua agricultura e o seu comércio. Nem tô
das as nações podem atingir êste ideal;
existem desherdadas da fortuna, cujo sub-
-solo é pobre e cujo clima é desfavorável.
Mas quando uma nação (e Liszt pensava
neste caso na Alemanha) possui recursos
suficientes para alimentar todos os ramos
da produção, é seu dever atingir êsse estado
complexo de nação normal.
Para êste efeito, pode ser necessário
adoptar, pelo menos temporàriamente, uma
política proteccionista.
A idéia de fôrça produtiva nacional opõe-
-se à idéia clássica de valor de troca. Se se
considera o mundo das coisas económicas
no mero ponto de vista do indivíduo, o ideal
é aumentar os seus prazeres. A economia
individualista, construída sôbre a base do
29
interêsse pessoal, coloca em primeiro plano
o gôzo das satisfações actuais e a posse do
máximo dos valores imediatamente trocá
veis. Se, pelo contrário, se adoptar o ponto
de vista do interêsse nacional, possuindo a
nação uma duração indefinida (ou pelo me
nos muito longa) a inquietação do futuro
torna-se preponderante. Compreender-se-á
que por vezes o sacrifício do presente se
impõe para aliviar e salvaguardar o futuro
e não se hesitará em renunciar aos valores
actuais se, por esta renúncia, as forças pro
dutivas da nação de algum modo beneficia
rem.
O INTERVENCIONISMO
30
postos à circulação dos cereais; mas não
conseguiu levar a cabo êste plano. A Revo
lução, porém, triunfou onde Turgot falhara.
Um dos primeiros resultados da actividade
da Assembléia Constituinte (da qual faziam
parte grande número de fisiócratas) foi a
supressão das corporações e do que restava
do mercantilismo. Foi a Revolução que criou
o chamado «meio livre» e derrubou as bar
reiras regulamentares que se opunham à
actividade dos indivíduos na ordem jurídica.
Paralelamente, na ordem técnica, gran
des descobertas transformaram completa
mente a fisionomia da indústria, nos fins
do século XVIII, em Inglaterra, apesar dos
seus efeitos só se terem sentido verdadeira
mente nos princípios do século XIX. Foi
então que surgiu a grande indústria mecâ
nica e concentrada.
Ora no comêço do século XIX surgiu um
certo número de fenómenos sociais muito
graves, que prenderam a atenção de todos
os observadores.
Em primeiro lugar, uma espantosa misé
ria operária, que foi revelada ao público, em
França, por um inquérito feito pelo Dr. Vil-
lerné, em 1835 e 1836. Na indústria têxtil,
em especial, os operários eram muito mal
pagos, os períodos de trabalho excessiva
mente longos e empregava-se na condução e
31
vigilância das máquinas grande número de
mulheres e de crianças de pequena idade.
Por outro lado, surgiram nos princípios
do século XIX (e renovaram-se quási perió
dicamente de dez em dez anos), crises de
sôbre-produção que se traduziram numa
baixa repentina dos preços, num engorgita-
mento geral dos mercados e em falências em
grande número, provocando nas classes tra
balhadoras terríveis crises de desemprego.
- A observação destes factos sociais deplo-"
ráveis determinou o aparecimento de dou
trinas novas, que tentaram remediar êstes
males, atenuando ou suprimindo o que, se
gundo êles, constituía a causa do mal.
A primeira forma da reacção contra o
abstencionismo social dos liberais foi o inter
vencionismo,- representado sobretudo por
dois nomes : o genovês Sismondi e o francês
Dupont-White.
Sismondi foi a princípio liberal e discí
pulo de Adam Smith. A observação da misé
ria operária e uma viagem à Inglaterra
(onde o industrialismo estava já mais desen
volvido de que em França), levaram-no a
mudar completamente de opinião. Abandona
então as teorias liberais e defende o inter
vencionismo, em duas obras publicadas em
1819 e em 1837.
Sismondi mostrou-se muito impressio-
32
nado pelos efeitos económicos e sociais do in
dustrialismo : miséria operária e crises ge
rais de sôbre-produção. Comparou o indus
trialismo ao aprendiz de feiticeiro da céle
bre balada de Goethe. Na ausência do seu
mestre, o aprendiz de feiticeiro desencadeia
as forças misteriosas de que descobrira o se
gredo ; mas se as soube desencadear não foi
capaz, porém, de as refrear. Do mesmo modo,
era de receiar que as forças económicas de
sencadeadas pelo industrialismo não pudes
sem mais ser contidas. Se se pretendia evitar
de ir até o fim da aventura do aprendiz de
feiticeiro, deveria o Estado ou o patronato
canalizar e manter nos justos limites o es
forço do industrialismo.
Desta idéia geral se deduz um programa
de reformas práticas. Sismondi pede em pri
meiro lugar que o Estado proíba o trabalho
nas fábricas das mulheres e das crianças,
assim como o trabalho aos domingos. Nestes
pomos conseguiu Sismondi triunfar. Actual
mente o trabalho industrial das crianças está
rigorosamente interdito em tôda a parte. Do
mesmo modo o trabalho aos domingos é, em
regra, proibido.
Por outro lado, agindo sôbre o patronato,
Sismondi reclamou que os poderes públicos
obrigassem a garantir os operários contra os
riscos sociais (ou seja as doenças, a velhice,
33
a invalidez e o desemprêgo). Ainda neste as
pecto as idéias de Sismondi triunfaram, pelo
menos de uma maneira parcial. Todos os
países modernos tendem a proteger os ope
rários contra os diversos riscos a que estão
sujeitos.
O segundo grande defensor do interven
cionismo, Dupont-White, defende, nas suas
obras principais, publicadas em 1857 e 1860,
a idéia de que numa sociedade progressiva,
as atribuições económicas do Estado devem
desenvolver-se normalmente. Dupont-White
combate deliberadamente a afirmação libe
ral de uma convergência espontânea dos in-
terêsses privados no sentido do interesse ge
ral. Tôda a liberdade necessita de ser regu
lada, se não leva ao domínio da fòrça. Du
pont-White manifesta pouca confiança nos
indivíduos como agentes do progresso e
chega mesmo a dizer que o indivíduo «é o
eterno obstáculo de que estão eriçadas as
vias de civilização». Êste pessimismo em re
lação ao indivíduo tem como contra-partida
uma confiança extrema no Estado. O homem
polocado no Govêrno pode elevar-se acima
dos conflitos particulares e dos pontos de
vista da classe, podendo dêste modo assegu
rar a proeminência dos interêsses colectivos,
do bem público. Donde estas fórmulas bem
características : «O Estado é o homem menos
34
a paixão. De qualquer modo que seja consti
tuído, o Estado vale mais do que os indivi
duos».
A conclusão prática destas idéias teóricas
traduz-se num vasto programa de acção pú
blica em matéria de transportes, de moeda e
de comércio. Em todo o caso Dupont-White
proclama que a criação do capital é obra dos
particulares ; o Estado deve abster-se desta
missão que não lhe pertence.
A esta mesma conclusão chegou um
grupo de universitários alemães conhecidos
sob o nome de «socialistas de cátedra», cuja
doutrina recebeu uma consagração famosa
com o célebre Manifesto de Eisenach em
1872. Entre os protagonistas dêste movi
mento encontram-se os nomes de represen
tantes da escola histórica, como Schmoller
e Wagner. E isto mostra-nos que as diversas
modalidades da reacção contra o liberalismo,
por vezes se encontram. O relativismo no
tempo dos históricos aproxima-se do relati
vismo no espaço da escola da economia na
cional. A reacção contra o abstencionismo
social dos liberais foi, por vezes, a conclusão
dos estudos feitos com o espírito e o método
da escola histórica.
O qualificativo de socialismo catedrático
não deve, no entanto, prestar-se a confusões.
Os congressistas de Eisenach não pretende
35
ram ir até o verdadeiro socialismo. Reclama
vam que o Estado regularizasse e fiscalizasse
a actividade económica e social, mas en
tendiam que os limites das suas atribuições
deveria ser fixado em cada país e em cada
época, como conseqüência de um estudo
minucioso do meio e não em virtude de um
princípio a priori. Preconizavam a inspecção
das fábricas e o «controle» dos bancos, mas
não rejeitavam, de nenhum modo, o princí
pio da propriedade privada.
O SOCIALISMO IDEALISTA
36
da comunidade dos bens para o escol social.
O espírito de Platão não era porém igualitá
rio. Se êle recomendava a propriedade colec
tiva para a élite social era apenas com a
idéia de que as classes mais elevadas deve
riam ser libertas das preocupações materiais
afim de se poderem consagrar inteiramente
à defesa da Cidade, à vida política.
No século XVIII surgiu em França uma
pleiade de escritores animados de ardentes
desejos de justiça social e que criticavam a
ordem existente porque originava enormes
desigualdades sociais. Estas primeiras tenta
tivas de socialismo foram porém mais de
carácter moral e filosófico do que económico.
Foi no início do século XIX que surgiram
doutrinas socialistas com um conteúdo pro
priamente económico.
Em Inglaterra há que mencionar o nome
de Robert Owen que foi sucessivamente ope
rário, pequeno patrão e director de uma im
portante fábrica de fiação de algodão na Es
cócia. As suas idéias económicas e sociais
evoluiram bastante. Tentou primeiro orga
nizar nas suas emprêsas instituições de pa
tronato, partindo da idéia que o patrão deve
realizar o bem dos seus operários. Tendo-se
convencido de que esta concepção era qui
mérica, Robert Owen tentou em seguida fa
zer funcionar na Escócia e nos.Estados Uni
37
dos pequenas colonias comunistas. O insu
cesso destas colonias desanimou-o porém, e,
no fim da sua vida, pensava que a missão
mais urgente era a.de realizar urna obra me
tódica de instrução e de educação das massas
operárias.
Em França muitos são os nòmes que se
ligam ao socialismo idealista.
Mencionaremos apenas os de Fourier,
Louis Blanc, Etiènne Cabet, Constantin Pec-
quer e Pierre Leroux e em especial os de
Saint-Simon e Proudhon, porque são a ori
gem de duas correntes doutrinárias de uma
importância considerável e que conservam
ainda hoje discípulos.
Grande fidalgo e homem de negócios,
Saint-Simon, não era verdadeiramente um so
cialista no sentido técnico do têrmo. Se con
denava a sucessão, hesitava porém em pro
por a supressão da propriedade individual,
mas um dos seus discípulos, Bazard, extraiu
das suas idéias uma doutrina que desenvol
veu em 1828, numa série de conferências a
que deu o nome de «Exposição da doutrina
de Saint Simón», e que é uma das primeiras
e mais completas expressões do socialismo
moderno.
Impressor e depois jornalista, Proudhon,
legou-nos uma obra considerável. Os seus
três livros mais característicos são : l.° «Sis-
38
tema das Contradições Económicas», publi
cado em 1846 e cujo título contrasta com o
do livro do corifeu liberal Frédéric Bastiat:
«Harmonias Económicas» ; 2.° «Da justiça
na Revolução e na Igreja», vasto fresco filo
sófico publicado em 1858; 3.° «Da Capaci
39
Pelo seu optimismo quanto ao futuro
opunham-se ao ramo inglês da escola libe
ral, cujo pèssimismo era válido para ontem
como para hoje, pois tinha por fundamento
a verificação da pobreza da natureza em
função das necessidades humanas e de uma
pobreza que ia aumentando à medida que a
história avahçava. Os socialistas idealistas
eram de opinião que por uma acção reflec-
tida e coordenada os homens poderiam ex
trair da natureza recursos em tal quantidade
que seriam suficientes para manter o desa
fogo da humanidade inteira. E a sua convic
ção fundava-se numa filosofia do progresso
e do humanismo.
Assim como ultrapassa os limites do
económico, o socialismo idealista ultrapassa
também os interêsses da classe operária. Isto
significa que o socialismo idealista não conta
apenas com a classe operária para realizar
a transformação social. Um Saint Simon ou
um Fourier, dirigem-se aos sentimentos de
sinteressados da burguesia e da élite inte
lectual e põem no primeiro plano da sua
construção doutrinal não o interêssc opera
rio mas o sentimento da justiça. Para òles o
socialismo é um regime que permite, melhor
que o estado de coisas então existente, asse
gurar a igualdade social e realizar o inie-
rêsse geral.
40
O SOCIALISMO CHAMADO «CIENTIFICO»
41
a sua hora de legitimidade, que correspon
deu em determinada época às necessidades
da sociedade, mas que não pode ter um valor
eterno. O regime capitalista está minado por
contradições internas. A mais importante é
a antinomia entre o processo colectivo de
produção e o processo individual de apro
priação. Desde que o maquinismo se propa
gou e que a grande industria substituiu a
pequena emprêsa, a produção tornou-se
colectiva, visto que, para pôr em marcha
uma emprêsa moderna, é necessário fazer
apêlo a grandes colectividades de trabalha
dores. No entanto a propriedade conservou-
-se privada. Segundo Marx esta antinomia
não se poderia manter, sendo fatal que, como
a produção, a propriedade se tornaria colec
tiva.
Esta exposição sumária da concepção
marxista permite, no entanto, pôr em evi
dencia as profundas diferenças que existem
entre o marxismo e o socialismo idealista.
42
que êle é capaz de dominar a natureza e de
adaptá-la aos seus fins.
Karl Marx, pelo contrário, crê que o mo
tor da evolução histórica reside na técnica
dá produção. Ela constitue o que êle chama
a infra-estrutura das sociedades. Pela trans
formação desta infra-estrutura económica se
explicam as transformações da infra-estru
tura social, as concepções morais, religiosas,
filosóficas, etc. É o que se chama a concep
ção materialista da historia.
43
cas trabalham para isso, mas a sua data não
está fixada, os operários podem antecipar
êsse advento se adoptarem uma técnica apro
priada. A tática recomendade por Marx é a
luta dc classes: — o agrupamento dos ope
rários numa classe distinta; que se fará ini
miga das outras classes, evitando o mais
possível o seu contacto.
A passagem da sociedade capitalista para
a sociedade colectivista é explicada por
Marx pelo seguinte mecanismo :
44
exposições teóricas, encarregaram-se de des
mentir as previsões de Marx. A época con
temporánea não nos fez assistir nem a uma
concentração de uma tal generalidade que
tivesse feito triunfar a grande emprêsa em
todos os sectores da vida económica, nem ao
empobrecimento crescente das massas operá
rias cujo nivel de vida foi profundamente
elevado em relação à época em que Marx
escrevia.
ESTADO ACTUAL DO PENSAMENTO
ECONÓMICO
47
Deparamos com o proteccionismo em dois
momentos históricos: primeiro sob a forma
de mercantilismo, nos séculos XVI e XVII,
e depois, no século XIX, sob a expressão sis
temática de economia nacional defendida por
Liszt.
No campo doutrinal estas duas ofensivas
não conseguiram vencer a liberalismo comer
cial. O mercantilismo foi refutado por Adam
Smith e a imensa maioria dos economistas
consideraram esta refutação como decisiva.
Liszt, por outro lado, teve poucos discípulos.
Mas se da doutrina passarmos para a
prática então a impressão é totalmente di
versa. Nos últimos cinqüenta anos o protec
cionismo triunfou mais ou menos em tôda a
parte. Instalou-se em França, na segunda
metade do século XIX, assim como na Ale
manha e nos Estados Unidos. Só a Inglaterra
se manteve fiel ao livre-cambismo, apesar
das formidáveis campanhas de Joseph Cham-
berlain. Nas vésperas da Grande Guerra ruiu
também êste bastião do liberalismo comer
cial.
A exasperação do sentimento nacional
tanto nos velhos países como nos jovens Es
tados, as dificuldades da produção e da troca
durante o período de depressão económica
em que entrou o mundo em 1929-1930 e, en
fim, o receio de uma nova conflagração mun
dial suscitaram ém todos os países sentimen
tos misturados de inquietação e de orgulho
cujas conseqüências foram:
49
consumidores, as intervenções dos poderes
públicos tornaram-se cada vez maiores.
Em presença dêste progresso gradual do
«estatismo» a doutrina liberal limitou-se du
rante muito tempo a manter firme a sua
bandeira sem modificar as suas posições. Os
seus protagonistas continuaram a afirmar
que o melhor regime económico e social é
aquêle que confia inteiramente na inicia
tiva privada e crê ha harmonização espon
tânea dos interêsses particulares.
De há alguns anos para cá os mais inteli
gentes liberais parece terem compreendido
que para poderem tornar a ter alguma in
fluência sòbre a evolução económica, seria
talvez oportuno de, em vez de condenar
pura e simplesmente as transformações da
economia moderna, adaptar-lhe a sua dou
trina. Desta atitude nasceu o movimento
neo-liberal que nos últimos anos produziu
interessantes obras da autoria sobretudo de
escritores franceses, austríacos e america
nos.
O neo-liberalismo reconhece que na
economia moderna (falamos na economia
antes da actual guerra) deve ter um lugar
importante a intervenção dos poderes pú
blicos sôbre a org an ização económica.
Admite que o capitalismo moderno, abando
nado a si mesmo, conduz por vezes a resul
50
tados contrários à justiça e contrários tam
bém à liberdade de um grande número de
indivíduos. Pensa (o que negavam contra a
evidência os liberais tradicionais) que a con
corrência, se não é vigiada, destrói-se a si
mesma e gera o monopólio. E parece-lhe
justamente que o papel do Estado em maté
ria económica deve ser o de actuar para im
pedir que a concorrência desapareça e para
conseguir que a liberdade subsista efectiva
mente.
Assim adaptada às necessidades do tempo
presente o neo-liberalismo, mantem-se no en
tanto liberal, pois repudia deliberadamente
a substituição do indivíduo pelo Estado
como agente económico. Em resumo: en
carrega os poderes públicos simplesmente da
missão de manter o «meio livre» e não aceita
a intervenção do Estado e do legislador na
ordem económica senão para proteger o
«meio livre». Contra as coligações de inte-
rêsses e as tentativas de monopólio parece-
-lhe indispensável que o Estado córra em
auxílio das liberdades individuais ameaça
das.
CRISE E REVISÃO DO SOCIALISMO
MARXISTA
51
que em quási todos os países onde existiu
um movimento socialista poderoso a influên
cia de Marx eliminou, ou afastou para um
plano secundário, as outras modalidades do
pensamento socialista. Certamente que há
poucos operários e até poucos chefes socia
listas que leram a obra de Marx. Mas for
mou-se, para uso das multidões, uma espé
cie de redução do marxismo que se apoia
nestas três bases : teoria da mais-valia, con
cepção materialista da história e princípio
da luta de classes. O êxito dêste marxismo
vulgarizado proveio do facto dêle fornecer
às massas uma direcção mais nítida, uma
explicação mais satisfatória e uma espe
rança mais sólida do que as outras concep
ções socialistas. A luta de classes fornece-
-lhes, na verdade, a base de uma táctica
simples e clara. A teoria da mais valia pa
rece uma justificação científica do senti
mento que experimentam geralmente os
operários que se julgam vítimas de uma ex
ploração. O materialismo histórico dá-lhes a
segurança que forças inelutáveis trabalham
em seu favor e as ajudam a obter o êxito
final.
Mas, no entanto, à medida que o tempe
passava o marxismo sofria ataques que pu
nham em questão a solidez das suas bases
pretensamente científicas. É um facto que a
52
evolução económica não se conformou estri
tamente com o esboço, rigoroso mas um
pouco primário, que Marx tinha traçado.
A época contemporânea não nos fez assistir
nem a uma concentração de uma tão grande
generalidade que provocasse o triunfo da
grande emprêsa em todos os sectpres da vida
económica, nem a um empobrecimento cres
cente das massas operárias cujo nível, de
vida, pelo contrário, foi sèriamente melho
rado.
O sentimento do desacordo entre uma
parte do marxismo e a realidade determinou
a primeira crise que se situa nos fins do sé
culo XIX e princípios do século presente.
No seio do socialismo, em face de ortodoxos
como Kautsky, ergueram-se os revisionistas,
que sem negarem a sua qualidade de mar
xistas, propunham que se distinguisse na
doutrina de Marx o que estava vivo e o que
tinha sido negado pelos factos.
Depois de 1914 produziram-se grandes
transformações políticas e sociais que tive
ram uma repercussão profunda sôbre as
doutrinas socialistas. O mais importante foi
certamente a Revolução bolchevista de 1917.
O fascismo italiano e o nacional-socialismo
alemão desempenharam também um impor
tante papel na transformação do socialismo.
53
Dêstes factos resultaram duas grandes
orientações revisionistas contraditórias.
Por um lado uma revisão realista, inspi
rada pelas lições da Revolução russa e que
levou a considerar que a arma política é sem
dúvida mais eficaz que a arma económica
para a conquista do poder.
Por outro lado, uma revisão idealista que
originou um alargamento do espírito e dos
meios de acção do marxismo. Enquanto que,
na ortodoxia marxista, uma espécie de fata
lismo anima a evolução histórica, em Henri
de Man (socialista belga cuja obra teve uma
enorme repercussão internacional), a filoso
fia torna-se voluntàrista, como era nos pre
decessores de Marx. A fé socialista funda-se
já não sôbre. uma necessidade da história,
mas sim sôbre a vontade dos homens em
conseguir uma sociedade melhor. Paralela
mente, o socialismo cessa de ser exclusiva
mente proletário e estende-se a todos os que
se sentem seduzidos pelo ideal de justiça e
de libertação que o socialismo pretende in
carnar. Esta mesma orientação é seguida
em França pelo neo-socialismo de Marcei
Déat.
O resultado último deste trabalho de re
visão foi o nacional-socialismo ou socialismo
nacional. Deve-se entender por esta doutrina
uma espécie de síntese de nacionalismo e
54
socialismo, que desagradaria certamente a
Marx, mas de que a história recente mostra
que representa um compromisso viável.
Um dos maiores economistas modernos,
Werner Sombart, refutando deliberadamente
o marxismo a quem censura pelo seu mate
rialismo e internacionalismo, faz-se apóstolo
de um socialismo nacional que não é subs
tancialmente diferente do hitlerismo.
Outros autores, noutros países, concebem
a reforma do socialismo sob uma forma bem
diferente, misturando-lhe uma forte dose de
individualismo e liberalismo. A tradição so
cialista francesa inclinou-se sempre nêste
sentido. Em Proudhon, e mais recentemente
em Georges Renard e em Jaurès, vê-se a
preocupação de não sacrificar na organização
socialista a liberdade individual.
Em resumo podemos concluir que do
marxismo, se permaneceu uma certa mística
inconsciente que serve de arma política a
certos hipnotizadores das massas, das suas
teorias fundamentais nada hoje resta de pé :
refutadas pela doutrina e desmentidas cruel
mente pelos factos.
ESTADO ACTUAL DAS DOUTRINAS
INTERMÉDIAS
O CATOLICISMO SOCIAL
E O INTERVENCIONISMO
57
numa cidade da França e cujos trabalhos fo
ram publicados em volumes, constituem a
fonte fundamental para quem pretender
compreender a doutrina dos católicos sociais
sôbre os grandes problemas económicos.
O princípio central do seu programa po
sitivo é a apologia do corporativismo, con
siderado como o meio de assegurar a ordem
sem suprimir a liberdade e de escapar ao
mesmo tempo à anarquia liberal e à opressão
socialista. Mas os oradores das Semanas So
ciais esforçam-se bem em precisar que o cor
porativismo que êles recomendam nada tem
de comum com os regimes dos Estados tota
litários, os quais pretendem ocultar, por
detrás de uma fachada aparentemente cor
porativa, um verdadeiro estatismo, tão hos
til ao seu modo de ver cristão como a filo
sofia em que êle se inspira. .
b) De tôdas as grandes doutrinas do sé
culo XIX foi, de certo, o intervencionismo
que teve a mais completa consagração. A
evolução económica dos últimos cinqüenta
anos traduziu-se num recuo geral do libera
lismo sem que o socialismo passasse a ser o
beneficiário pois (pelo menos nos países oci
dentais) não conseguiu triunfar em ne
nhuma parte.
Mas o próprio êxito que tiveram os inter
vencionistas levou-os também a rever os
58
fundamentos da sua doutrina e desenvolver
o seu programa. Sendo uma solução interme
diária, o intervencionismo corre o risco de
falta de unidade e de ser apenas uma mis
tura um pouco heterogénea de elementos
fornecidos pelas duas teses opostas do libe
ralismo e do socialismo. Poder-se-lhe-á cor
rigir êste defeito dando-lhe um fundamento
autónomo ?
No final do século passado Léon-Bour-
geois tentou fazê-lo criando o solidarismo.
Pela noção do quási-contrato, Léon Bour-
geois julgou ter encontrado uma justificação
doutrinal da legislação social e fiscal em
favor das massas. Na verdade, a sua teoria
era mais brilhante do que sólida e, depois
de um curto período de voga, o solidarismo
foi rapidamente esquecido.
No entanto o- programa que tinham de
fendido os seus protagonistas realizou-se
pouco a pouco, em França e noutros países,
sob a forma de imposto pessoal e progressivo
sôbre o rendimento, leis sôbre a reforma dos
operários, seguros sociais, limitação das ho
ras de trabalho, etc.
A Grande Guerra de 1914, e depois a de
pressão mundial, vieram por seu lado con
tribuir para reforçar a doutrina intervencio
nista. Esta, tornando-se mais ambiciosa,
ocupou-se dos problemas mais delicados e
59
mais gerais da vida económica : regulamen
tação dos preços, vigilância autoritária das
condições da oferta e das correntes da pro
cura, etc.
Da intervenção passa-se progressiva
mente para a economia dirigida, cujo resul
tado último é a planificação. Chegado a éste
ponto o intervencionismo encontra o colecti
vismo, pois a planificação integral não é
mais do que um nome novo dado ao colecti
vismo autoritário.
Mas os doutrinários da economia diri
gida não vão, geralmente, tão longe ; pro
curam manter uma posição intermediária
entre o liberalismo e o socialismo e preten
dem apenas dar ao Estado um poder muito
amplo da coordenação e de controle em rela
ção às actividades privadas mantendo o
princípio da propriedade privada e o regime
da empresa capitalista.
O RENASCIMENTO
DA IDÉIA CORPORATIVA
61
des conjuntos, nem possuíam uma consciên
cia perfeita da sua solidariedade. Tinham
com o patrão uma certa comunidade de exis
tência e por vezes comiam à mesma mesa.
Estavam unidos a êles por laços religiosos da
confraria e tinham a perspectiva de se tor
narem um dia patrões. As noções medievais,
que sobreviveram durante a Idade Moderna
até as vésperas da Revolução Francesa, do
justo salário e do justo preço asseguravam
aos trabalhadores uma remuneração decente
e estável. O conjunto da vida económica
marchava num ritmo lento e uniforme que
garantia os patrões e operários contra súbi
tas transformações e, à falta de riqueza, da
va-lhes a segurança de uma vida calma e
tranquila.
A simples evocação desta atmosfera é
bastante para evidenciar o contraste dessa
época com a que hoje vivemos.
Seria absurdo querer transportar as ve
lhas corporações doutros tempos para o
mundo do grande capitalismo e da produ
ção mecanizada e concentrada dos nossos
dias. No entanto há alguma coisa que po
dia e foi aproveitada da experiência corpo
rativa do passado. Suprimindo as corpora
ções em vez de as reformar a Revolução
Francesa foi longe demais, privando a vida
económica de uma armadura jurídica indis-
62
pensável, tendo sido necessário rectificar
hoje a sua obra e a sua doutrina nêste ponto.
Em que consiste pois o corporativismo
moderno ? Qual o seu princípio ? E em que
pontos pretende m odificar o regime
económico actual ?
A característica essencial do corporati
vismo é a idéia de que todos os que partici
pam no exercício de uma profissão determi
nada (quer sejam patrões, técnicos ou ope
rários) formam um corpo ao qual o. Estado
deve reconhecer o carácter de uma institui
ção de direito público.
Para esclarecer esta noção um pouco
abstracta convém precisá-la mais por con
traste.
Segundo os princípios liberais da Revolu
ção Francesa não poderia existir nenhum
corpo intermediário entre os indivíduos e o
Estado. Dever-se-ia deixar ao cuidado dos
patrões e operários, considerados individual
mente, celebrarem entre si convenções li
vres e de carácter privado. Do mesmo modo
as relações entre produtores e consumidores
deveriam ter um carácter meramente indi
vidual e regularem-se por regras de direito
privado. Qualquer reünião ou qualquer coli
gação entre patrões ou entre operários era
condenável, por oferecer o risco de um re
nascimento velado das velhas corporações.
63
Éste estado de espirito foi-se atenuando
à medida que o século XIX avançava. Fo
ram surgindo leis por tôda a parte que per
mitiam a formação de grupos patronais ou
operários, mas êstes grupos conservavam o
seu carácter merajmente facultativo e pri
vado. Os poderes públicos toleravam-nos
mas não os favoreciam. As regras estabeleci
das por êstes agrupamentos patronais ou
operários — o que é fundamental — não se
aplicavam de nenhum modo àquêles que fa
ziam parte do agrupamento. O sistema re
pousava inteiramente sob o duplo signo da
liberdade e do contrato.
O corporativismo m oderno coloca-se
numa posição diametralmente oposta a êste
regime jurídico individualista.
Pretende organizar as profissões trans
formando-as em corpos intermediários entre
os indivíduos e Estado. Os dois pilares desta
organização são fornecidos pelo elemento pa
tronal, por um lado, e por o elemento traba
lhador, por outro. As decisões tomadas pelos
organismos que constituem êste sistema são
aplicáveis a todos os indivíduos que exercem
a mesma profissão que o organismo repre
senta.
As virtudes dêste sistema de organização
económica, que por um lado põe côbro à
anarquia do sistema liberal e às tremendas
64
injustiças sociais, que origina e por outro
defende o indivíduo de uma absoluta absorp-
ção pelo Estado, como resulta do sistema
colectivista, são enormes e mais se eviden
ciam se o confrontarmos com o liberalismo,
o estatismo e o sindicalismo.
O regime corporativo possui o mérito
essencial de assegurar a ordem, a disciplina
e a justiça ao passo que o regime económico
liberal, segundo nos ensina a experiência
longa e dolorosa, é um factor de anarquia,
de desequilíbrio e de instabilidade. Basta re
cordar, para nos convencermos dêstes fac
tos, a miséria dos operários nos princípios
da era capitalista, a exploração dos consumi
dores pelos trusts capitalistas na época con
temporânea, a renovação periódica das cri
ses e o cortejo de males que consigo trazem.
No regime individualista e liberal cada chefe
de empresa, movido pelo impulso do lucro,
produz aquilo que quere, como quere e onde
quere, sem que qualquer autoridade supe
rior se preocupe em saber se a soma de todos
êstes esforços particulares produz um résul-
tado que se adapte às necessidades e ao
poder de compra dos consumidores e sem
que qualquer plano de conjunto faça subor
dinar as actividades particulares ao bem
comum e limitar o prosseguimento do inte
resse privado pela consideração do interesse
65
nacional e a preocupação da justiça social.
No regime corporativo a disciplina da
profissão é garantida pelo agrupamento dos
chefes das emprêsas por profissões e regiões
e pelas suas decisões colectivas, às quais os
esforços individuais e as iniciativas parti
culares se devem subordinar. Esta disciplina
opera tanto na ordem quantitativa como na
ordem qualitativa. Ela cuidará em que as
quantidades produzidas se ajustem às neces
sidades existentes e afastará, por conse
guinte, o perigo da sôbre-produção, isto é,
da produção em excesso e, por outro lado,
evitará a falsificação dos produtos defen
dendo a honra profissional e refreando as
tentações do espírito de lucro quando elas
se exerçam à custa da saúde dos consumido
res ou da dignidade dos trabalhadores.
Esta obra necessária de organização e
disciplina é conseguida, no sistema corpora
tivo, pela acção dos próprios interessados.
Êste facto constitue uma segunda virtude do
sistema sobretudo se o confrontarmos com o
sistema cstatista.
Quando os poderes públicos tentam rea
gir contra a anarquia individual e liberal
lançando sobre as actividades privadas uma
rêde de leis e regulamentos, os produtores
só de má vontade aceitam estas limitações da
sua liberdade. Protestam sobretudo contra
66
o facto delas emanarem de homens e assem
bléias que não estão preparadas para essa
função, que não podem compreender os seus
problemas. O sistema corporativo dá uma
perfeita solução a êste conflito. Se os pró
prios interessados, patrões e operários tive
rem, por regiões e profissões, isto é, na es
fera que lhes é familiar, a missão de regular
as questões económicas e sociais, não haverá
maiores probabilidades de as suas decisões
se adaptarem melhor às situações ? E os
chefes das emprêsas não se submeterão mais
fácilmente às limitações e restrições que lhe
serão impostas se elas emanarem da profis
são à qual pertencem, tendo participado na
sua elaboração e discussão ? A vantagem do
sistema corporativo é, neste campo, nítida e
absoluta pois realiza a auto-administração
dos interesses económicos.
Finalmente o corporativismo mostra-se
superior ao sindicalismo, sistema em que o
sindicato independente e facultativo decide
por si só das regras a aplicar a um grupo
profissional que êle não representa na tota
lidade. A acção dos sindicatos dêste tipo, que
existiam em grande número na França de
antes da guerra, achava-se viciada e a sua
eficácia era muito reduzida em virtude do
seu estatuto jurídico e do seu ambiente psi
cológico. Sendo facultativos e diversos, ne-
67
nhum déles podia representar o conjunto dos
operários e dos patrões duma profissão ou de
uma região. Por outro lado separavam-nos
diversas ideologias políticas, que desviavam
as suas actividades do campo económico e
técnico para os lançar em discussões e em
lutas estéreis. Sobretudo, os sindicatos pa
tronais e operários apresentam-se uns em
face tífos outros com a representação de for
ças opostas e hostis, de modo que, quanto
mais se desenvolvem, mais fomentam a luta
de classes.
Retinindo numa acção coerente e numa
formação única, todos os patrões e operários,
a Corporação, pelo contrário, terá um valor
representativo e um poder de acção que lhe
permitirão falar com a necessária autori
dade. Nos diversos estadios — local, regional
e central — da organização corporativa são
lançadas pontes entre o pilar patronal e o
pilar operário. Adquirir-se-á o hábito de
examinar e de discutir as questões em
comum ; compreender-se-á a convergência
dos interêsses patronais e operários no seio
da profissão ; e verificar-se-á que as diversas
profissões são partes de um conjunto e que
cada uma delas beneficiará da prosperidade
e da fôrça do país a que pertencem. Assim
a Corporação, em lugar de atiçar a luta de
68
classes, servirá para estabelecer a concórdia
e robustez nacional.
Sendo estas as virtudes capitais do sis
tema corporativo qual será porém o seu pa
pel no mundo que surgirá depois da actual
guerra e que todos anseiam que seja uma
era nova ?
O corporativismo, se nasceu da necessi
dade de resolver inúmeras dificuldades que
nos legou a guerra de 1914, adquirirá um
novo valor e ser-lhe-á feita melhor justiça,
na futura época de paz.
Se a guerra de 1939 veio mais uma vez de
monstrar o valor do princípio da organiza
ção a que todos os povos tiveram de se su
bordinar para criarem as energias necessá
rias para a luta, ela veio, por isso mesmo,
fornecer um novo prestígio ao sistema cor
porativo que é o sistema baseado no princí
pio da organização de tôdas as forças
económicas. Mas, sobretudo, as conseqüên-
cias inevitáveis da conflagração actual, que
já se podem vislumbrar, é que virão pôr em
relevo o papel fundamental que o corporati
vismo poderá vir a ter no mundo de àmanhã.
Como remédio contra a anarquia económica,
por um lado, e defesa contra a inteira absorp-
ção do indivíduo pelo Estado, por outro, o
sistema corporativo poderá vir a desempe
nhar no após guerra um papel capital na
69
reconstrução do mundo devastado pelas ca
lamidades da luta. As crises de tôda a ordem
que hão-de sobrevir, e que até já se avizi
nham, porão o mundo perante um terrível
dilema: ou a anarquia desoladora e impo
tente ou a opressão degradante e absoluta do
Estado. Entre êstes dois perigos, o corporati
vismo surgirá como uma forma de salva
guardar os direitos fundamentais da pes
soa e apresentar-se-á como o último reduto
da liberdade e da dignidade humana.
Í N DI C E
PáfS.
Introdução .......................................................... 5
Escolas precursoras e criadoras da Economia
Política
O m erca n tilism o .......................................... 9
A escola flslocrátlca ................................... 12
Adam S m it h .................................................. 16
O liberalismo económico
A escola liberal Inglesa ........................... 19
A escola liberal fr a n c e sa ........................... 23
A reacção contra a escola liberal t
A escola h is tó r ic a ........................................ 25
A doutrina da economia n a c io n a l........... 28
O intervencionismo ................................... 30
O socialismo Idealista ................................ 36
O socialismo chamado «científico» . ... 41
Estado actual do pensamento económico
Crise e revisão do liberalismo ........... 47
Crise e revisão do socialismo marxista 51
Estado actual das doutrinas intermédias
O catolicismo social e o intervencionismo 57
O renascimento da idóla corp orativa........... 61
O f i c i n a s Gráficas
C asa P o r t u g u e s a
R. d a s G á v e a s , 103
L I S B O A