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Tratado de Direito Privado Tomo44
Tratado de Direito Privado Tomo44
PARTE ESPECIAL
TOMO XLIV
Direito das Obrigações: Expedição. Contrato Jagência. Representação de empresa. Fiança. Mandato de
credito. Constituição de renda. Promessa de dívida. Reconhecimento de dívida. Comunidade. Edição.
Representação teatral, musical e de cinema.
Empreitada.
CONTRATO DE EXPEDIÇÃO
CAPITULO 1
cAPITULO 11
CONTRATO DE AGENCIA
CAPITULO 1
CAPITULO II
CAPITULO III
TITULO XXXVIII
CAPITULO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
CAPITULO II
§ 4.776.Pressupostos e eficácia. 1. Pressupostos. 2. Quem pode ser representante de empresa. 8. Forma dos
negócios jurídicos concluídos. 4. Cláusulas de exclusividade e pactos de exclusividade. e 5. Cláusula de não-
concorrência após a extinção do contrato de representação de empresa. 6. Execução dos negócios jurídicos
concluídos
§ 4.777.Deveres do representante de empresa. 1. Dever de procurar concluir e de concluir os negócios
jurídicos. 2. Dever de informação. 3. Dever de não-concorrência e de evitar concorrência. 4.Amostras,
prospectos, catálogos e outras peças. 5. Negócios jurídicos em que o representante de empresa é figurante.
6.Ações do terceiro. 7. Vícios do objeto e vícios de direito.
§ 4.778. Deveres da empresa representada. 1. Retribuição. 2. Responsabilidade da empresa representada
CAPITULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO
TITULO XXXIX
FIANÇA
CAPITULO 1
§ 4.781.Conceito de contrato de fiança. 1. Conceito. 2. Função da fiança. 3. Dever e ônus de afiançar. 4. Divida
afiançada. 5. Objeto da dívida fidejussória
§ 4.782.Dados históricos. 1. Direito babilônico e direito assírio. 2. Direito grego. 3. Direito germânico. 4.
Direito romano
4.788.Natureza do contrato de fiança. 1. Contrate. 2. Contrato unilateral. 3. Solidariedade passiva e fiança. 4.
Pré-contrato de fiança
§ 4.784. Espécies de fiança. 1. Sub-fiança. 2. Retrofiança. 3. Co-fiadores. 4.Fiança dita “ex lege” e fiança dita
judicial. 5. Fiança de indenidade (“Fideiussio indemnitatis”). 6. Tipicidade e atipicidade. 7. Solidariedade,
divisão e determinação interna de quotas
§ 4.785.Negócios jurídicos parecidos com a fiança. 1. Precisões. 2. Assunção de divida alheia. 3. Negócio
jurídico abstrato ao lada de negócio jurídico causal. 4. Contrato de garantia. 5. Mandato de crédito. 6. Doação.
7. Cláusula ou pacto de “nomen bonum”, na cessão de crédito. 8. Aval de fiança. 9. Títulos de favor e fiança.
10. Garantia real e fiança. 11. Seguro e fiança. 12. Promessa de dar fiador e fiança exigida por lei.
13.Pré-contrato de fiança. 14. Dúvidas quanto à classificação dos contratos
CAPITULO II
CAPITULO III
MANDATO DE CRÉDITO
CAPITULO 1
CAPITULO III
CAPITULO 1
TITULO XLII
CAPITULO 1
CAPITULO II
TITULO XLIII
CAPITULO 1
CAPITULO II
COMUNIDADE
§ 4.823. Pressupostos. 1. Figurantes. 2. Forma. 3. Quotas
§ 4.824. Eficácia do negócio jurídico de comunidade. 1. Comunhão sem negócio jurídico de comunidade. 2.
Regras jurídicas dispositivas e negócio jurídico de comunidade
CAPITULO III
EXTINÇÃO DA COMUNIDADE
§ 4.825.
§ 4.826.
§ 4.827.
Causas de extinção. 1. Precisões. 2. Prazo e expiração. 3. Denúncia cheia. 4. Distrato. 5. Resolução e resilição
315 Nulidade, anulação, ou outra desconstituição do negócio juridico. 1. Nulidade. 2. Anulação
316 Extinção e liquidação. 1. Negócios jurídicos subjacentes, justajacentes ou sobrejacentes. 2. Origem não-
negocial
TITULO XLIV
CONTRATO DE EDIÇÃO
CAPITULO 1
CAPITULO II
CAPITULO III
§ 4.833.Direitos do autor. 1. Direitos anteriores e direitos nascidos do contrate de edição. 2. Nome do autor. 3.
Rubrica do autor. 4. Editor e adimplemento do dever de reproduzir. 5. Tempo para a reprodução. 6. Modos de
editar. 7. Integridade da obra editada. 8. Comunicação sobre edição e número de exemplares. 9.Corrigenda de
provas. 10. Restituição do original. 11. Honorários
§ 4.884.Direitos do editor. 1. Direitos que nascem ao editor. 2. Exclusividade. 3. Entrega da obra. 4. Ofensa aos
direitos dó editor. 5.Preço de venda
§ 4.835.Ações dos titulares de direitos autorais. 1. Edição e ações quanto a edição. 2. Invalidade do contrato de
edição. 3. Representação, execuções públicas e teletransmissões. 4. Edições a que tem direito o editor. 5. Prazo
preclusivo em caso de vício do objeto.6.Sociedades de autores para defesa
CAPITULO IV
TITULO XLV
E DE CINEMA
CAPITULO 1
CAPITULO II
TITULO XLVI
EMPREITADA
CAPITULO 1
CAPITULO U
CAPITULO III
EXTINÇÃO DO CONTRATO
Título XXXVI
CONTRATO DE EXPEDIÇÃO
CAPÍTULO 1
1. PRECISÕES. O expedidor assume o dever de concluir, em nome próprio e por conta do outro contraente,
contrato de transporte. A figura é irredutível à do mandato e foi longe demais o Código Civil italiano, art. 1.737,
pr., em definir como contrato de mandato o contrato de expedição. Quem remete é o interessado em que se
expeça o bem móvel. mas o encarregado é o expedidor, que não está adstrito senão ao resultado. ]~ êle quem
escolhe o transportador, pôsto que o contrato de expedição não afaste, se não há cláusula em contrário, a
expedição e o transporte pela mesma pessoa. No fundo, em tal espécie, o expedidor é devedor da expedição (=
da conclusão do contrato de transporte) e faz consigo mesmo o contrato de transporte, o que é de relevância
para efeitos fiscais.
A empresa de expedição opera com conclusões de contrato de transporte, não com o transporte.
Expedem-se bens móveis, ou só legalmente imobilizados (e. g., Código Civil, art. 44, II), inclusive documentos
e cartas. Não só se expedem mercadorias.
O expedidor não é procurador, nem mandatário do expedidor. O contrato de transporte que êle conclui é
contrato em que são figurantes êle e o transportador. Não se precisa mencionar, sequer, o nome do outro
contraente.
No Código Comercial alemão, § 407, a figura do expedidor é a de comissionário, e não a do mandatário.
Não importa qual o meio de transporte, de que se trata, se bem que se haja de entender que há de ser o usual ou
o recomendável segundo as circunstâncias.
4.REMETENTES COLETIVOS. Se há dois ou mais remetentes no mesmo contrato, pode haver o contrato
coletivo de expedição ou o contrato coletivo de expedição-transporte, de que acima se falou. Não é preciso que
tenha havido, da parte do expedidor, ou do expedidor-transportador, manifestação de vontade quanto à
pluralidade de remetentes. Basta o fato da pluralidade de remetentes (PAUL RATZ, Kornmentar zuni
Handelsgesetzbuch, 17, 2a ai., 151). Os remetentes são tratados como se sócios fôssem, como comuneiros.
Nenhuma distinção se faz quanto às despesas dos bens, por sua qualidade em relação aos seus donos ou
possuidores.
5.FIGURAS PARECIDAS. O expedidor de modo nenhum se pode confundir com o mediador de transportes.
Êsse não se vincula a concluir contrato de transporte, nem o conclui. Nem com o agente de transporte, que
opera em determinada praça e apenas prepara o tráfico. Pode o agente de transporte preparar note-se: preparar
para o contrato de expedição. Á fortiori, com o transportador, que conclui o contrato de transporte com o
expedidor e tem de adimplir o transporte, não a expedição (P. Di TÂSSIA Dx BELMONTE, Cenni suila figura
deilo spedizioniere vettore, Giurisprudenza Cassazione CiviU, 1954, 3, 563). Tem-se de examinar o suporte
fáctico para se saber se o contrato é contrato de expedição, ou se já é contrato de transporte por conta de
outrem, que é o transportador (A. ASQUINI, Spedizione [Contratto di], Nuovo Digesto Italiano, XII, 719). Cf.
G. TAMBURLUNO (Contratti di trasporto cumulativo, contratto di spedizione, impresa di trasporto e figure
affini, Giurisprudenza Cassazione Civile, 1948, 3, 528 s.).
O transportador vincula-se a fazer a transíação de toco ad locum; o expedidor apenas se vincula a concluir com
o transportador o contrato de transporte, em seu nome próprio, pôsto que por conta do outro figurante. Não há,
aí, locatio operis. Se o próprio expedidor transporta, há dois contratos, o de expedíção e o de transporte, o que
por vêzes ocorre (e. g., o expedidor contrata com C o transporte por terra até São Paulo e de lá êle mesmo, com
a sua filial, transporta até o pôrto, onde começa o adimpleimento do contrato de transporte marítimo por D, com
que êle também contratou). Pode ser, porém, que tenha feito apenas um contrato: o de expedição, ou o de
transporte. Só o exame dos fatos e dos termos do contrato pode resolver a questão.
2.PRESSUPOSTOS OBJETIVOS. O que é expedível pode ser objeto de contrato de expedição. Portanto, há de
ser transportável o bem, para que se possa concluir o contrato de transporte, que o expedidor promete.
A forma é qualquer forma dos contratos ordinários, segundo os princípios de direito civil ou comercial.
Se o contrato de transporte, que é o objeto do contrato de expedição, seria nulo por ilicitude ou impossibilidade,
nulo é o contrato de expedição (J. L. BURCHARD, Das Reckt der Spedttzon, 187).
CAPITULO II
DE EXPEDIÇÃO
§ 4.759. Deveres do expedidor
1. DEVER DE EXPEDIR. Expedir não é transportar. Pode dar-se que transporte quem se encarregue da
expedição, vias nem sempre isso acontece, como é pouco freqUente o expedidor que também tenha empresa de
transporte. Quem quer expedir é o cliente; o expedidor, êsse, adimple o seu dever perante quem quer a
expedição.
O contrato de expedição não vincula o expedidor quanto à execução do transporte. Êle não prometeu
transportar. Vinculou-se a concluir contrato com transportador. Desde o momento em que o expedidor conclui o
contrato de transporte com o transportador, adimplido está o seu dever, devendo-se entender que é responsável
pelos bens que têm de ser expedidos até o momento da tradição.
O expedidor pode ter de contratar com outro expedidor, e g., se aquêle só se incumbe de expedição por mar (ou
por terra, ou pelo ar). O contrato é em nome próprio, pôsto que por conta alheia, como foi o outro. ~ o
expedidor intermédio (Zwischenspediteur).
O expedidor tem de contratar o transporte com tôda a diligência. Os expedidores de jornais ou de embrulhos,
que têm empregados ou pessoas ocasionais (biscateiros) que fazem as entregas, não são expedidores
propriamente ditos. O expedidor tem de ser remetente, em virtude de contrato com emprêsa de transportes.
Cabe-lhe a escolha da empresa transportadora, o cuidado no empacotamento ou embalagem, se os bens
expediendos não estão empacotados ou embalados. Se a empresa de transporte apanha os bens expediendos no
lugar em que está o expedidor, a quem foram entregues, ou se é o expedidor que tem de levá-los à empresa de
transporte, é problema que só interessa ao expedidor, que por tôda a diligência se faz responsável.
O expedidor recebeu, ex hvpothesi, os bens expediendos, tem a posse imediata dêles e pode transferi-la, ou não,
ao transportador. Se o expedidor os remete como bagagem do seu empregado, ou de alguém a quem incumbiu,
a posse imediata pode não se haver transferido à empresa de transportes.
De regra, o expedidor tem de fazer a declaração de valor, satisfeitas, também, as exigências fiscais. Se se aludiu
a remessa do conhecimento com data certa, ou dentro de prazo, entende-se que no contrato de expedição se
atribuíram ao expedidor todos os deveres a respeito.
Em princípio, o expedidor não é vinculado a empacotar ou embalar, nem a proteções especiais do bem (J. L.
BuRCHARD, Das Recht der Spedition, 354; R. SENCKPIEHL, Das SpediktionsgescM.ft, 242).
3.DEVER DE SEGURAR. O expedidor não tem o dever de segurar, salvo se houve cláusula ou pacto. Às
vêzes, as fórmulas do expediente da empresa expedicionária já contêm a cláusula de seguro. Todavia, a cláusula
pode resultar dos usos. Os usos hão de ser os usos do lugar em que se conclui o contrato de expedição. O art.
184 do Código Comercial é invocável.
Se houve a cláusula de seguro, o expedidor não é o figurante que há de prestar o prémio, pois, se foi
explicitamente incluído na conta de remuneração, apenas recebeu desde logo o importe.
Se o expedidor se segurou de algum dano pelo qual teria de responder, não se considera contrato de seguro, nas
relações com o remetente, tal contrato.
8.DEVERES DO REMETENTE. O remetente tem de satisfazer à vista tudo que o expedidor haja despendido
com o desempenho da atividade de outrem prometida, salvo cláusula em contrário, O que corre por conta do
expedidor é o que custa a sua própria atividade. Não se supóe que êle seja adstrito a desembolsar, por sua conta,
o que seja transporte do lugar da remessa para os armazéns do expedidor ou desses para o lugar de transporte,
pôsto que tudo isso possa, pelos termos do contrato, ou pelos usos do tráfico, estar incluído na prestação do
remetente.
A regra é ser devida a remuneração desde o momento em que termina a atividade do expedidor (idem, quanto
ao contrato de comissão, Código Comercial, art. 187). Se o remetente retira, antes de expedido o bem (= antes
de concluído pelo expedidor o contrato de transporte), sem causa justificada, a remuneração é devida, pelo
menos até a metade, sendo de invocar-se o art. 188 do Código Comercial.
No caso de decretação de abertura da falência ou de outro concurso de credores do remetente, tem o expedidor
privilégio especial sobre os bens a serem expedidos para indenização do que houver desembolsado para
despesas, ou adiantado, e da remuneração vencida e juros respectivos enquanto tiver em seu poder os bens, ou
em estações públicas, ou antes da transmissão da posse ao destinatário (cf. Código Comercial, art. 189;
Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 102, § 2.~, 1).
A prestação do remetente pode ser por assinação contra o recebedor, para que a faça, no momento de receber. A
relação jurídica entre o assinante e o assinado nada tem com o contrato de expedição entre o remetente e o
expedidor, nem com o negócio jurídico unilateral de assinação. A assinação não impede que o remetente por
outro meio solva, em vez de se aguardar que por êle o faça o assinado, uma vez que daí não resulte dano ao
expedidor (J. L. BURCHARD, Das Reckt der Spedition, 172). É a tiberweisungsprovision.
A pretensão à remuneração somente nasce com a conclusão do contrato de transporte, e não é preciso que já
seja devido pelo expedidor o frete, de jeito que a perda do bem ou a impossibilitação do transporte não a exclui.
A remuneração não depende do transporte. Se o remetente entregou o bem ao expedidor e êsse ainda não
concluiu o contrato de transporte. a retirada da vontade do remetente é tratada conforme o art. 188 do Código
Comercial, analôgicamente. Pode ter-se estipulado o quanto que seria irretirável. Se o contrato de transporte já
não é suscetível de revogação, também é irrevogável o contrato de expedição.
Se o próprio expedidor é o transportador, irrevogável é o contrato de expedição desde que nasceu a pretensão à
remuneração.
Responsável pela remuneração e pelos desembolsos é o remetente. Pode ter sido acordado que responda, em
vez dêle, o recebedor. Tal se há de entender se, no momento da conclusão do contrato de expedição, se afastou,
explícita ou implicitamente, que se tivesse de fazer no momento da conclusão do contrato de transporte.
Se o destinatário foi o próprio remetente, não há problemas a respeito do dever de remunerar, porque a pessoa é
a mesma. Se não paga, na ocasião da conclusão do contrato de expedição, ou do contrato de transporte, o que se
há de entender é que se pode pagar ao receber-se o bem transportado.
O quanto da remuneração não foi fixado em lei, como também acontece com a comissão. A expressão ~‘mais
ou menos”, “cêrca” (environ, zirka), não permite que se vá muito além daquilo que se menciona, ou é o
corrente. As despesas, essas, o expedidor pode sempre cobrá-las, se eram de esperar-se, ou se as circunstâncias
extraordinárias as justificaram (sem razão, GEORO SCHRÓDER, Sefllegelberger Handeisgesetzbuch, ~v, 3.~
ed., 2100; já antes, 23). As despesas que o expedidor pode fazer são as que se têm de considerar necessárias, de
acôrdo com as circunstâncias. As despesas hão de ser cobradas ao remetente, e não a outrem. Se pode, antes,
exigi-las do recebedor, depende de cláusula ou pacto, mas o recebedor não pode ser constrito a pagá-las se não
se vincula. A exigência antes da entrega permite que o expedidor se recuse à tradição.
A moeda com que se pagam as despesas é aquela em que foram feitas. O art. 947 do Código Civil é invocável,
bem como o § 19, ou qualquer dos §§ 29, 39 e 49. No direito alemão, o § 244 do Código Civil alemão.
9. DIREITO DE RETENÇÃO. O expedidor tem direito de retenção sobre os bens que recebera para a
expedição, pelas dívidas do remetente concernentes ao contrato de expedição.
Também o tem o interexpedidor. Se o expedidor faz os pagamentos, há sub-rogação pessoal contra o remetente,
com o mesmo direito de retenção e o privilégio especial. Se o interexpedidor solve o que se devia ao
transportador, há a sub-rogação pessoal nos direitos dêsse.
1.ENTRE ExPEDIDOR E CLIENTE. A eficácia do contrato de expedição somente pode ser entre o expedidor
e o cliente, porque entre o cliente e o transportador nenhum efeito contratual existe. Se não se trata de
responsabilidade extracontratual, só por cessão pode o cliente exercer contra o transportador qualquer
pretensão.
Há deveres acessórios do expedidor. São êles todos os deveres concernentes à alfândega e outras repartições
adniinistrativas, inclusive policiais, à embalagem das mercadorias, ao apanhar na casa do outro figurante o que
há de ser expedido, ao transporte da estação de chegada até à casa do destinatário. Se tais operações são
necessárias, implícita está a cláusula. Se o não são, embora sejão úteis, só o contrato de expedição pode
responder. Assim é que se há de conceber o direito brasileiro; portanto, diante, não do art. 1.300 do Código
Civil, por analogia, mas sim do art. 169 do Código Comercial. Na doutrina italiana, há divergências em tôrno da
interpretação dos arts. 1.708 e 1.737 do Código Civil italiano (contra G. VALERI, Manuale di Diritto
commerczale, li, 183, e. g., G. MINERVINI, Mandato, Commissiorte, Spediizione, 43, FRANCESCO
MESSINEO, Manuale di finito Civile e Commerciale, III, 1, 2, 60; em tôrno da limitação ao art. 1.708 pelo art.
1.787, última parte, que acertadamente nega, embora a chame, erradamente, derrogada, FRANCO fILE, Ii
Mandato, la Commissione, la Spedizione, 294, contra A. RAINONE, Rilievi sul Contratto di mandato e sui suoi
sottotipi qualificati, Dir. Giur., 1951, 286). Os usos do tráfico podem ser de decisiva relevância.
A alteração de cláusulas de que resulte mudança dos deveres acessórios, ou das pretensões acessórias, ou das
ações ou exceções acessórias, não atinge a natureza do contrato (ALBERTO ASQUINE, II Contratio di
trasporto terrestre dipersone, 52 e 91; O. MINERVINI, Mandato, Commissione, Spedizione, 42; G.
BONAVERA, Suíle cosidette “operazioni accessorie”
della spedizione, Dinitto Manitimo, 1957, 504 s.; O. BUONOCORE,II Contratto di spedizione, Dir. Giur., 1957,
617). Se há deveres acessórios, as regras jurídicas sobre adimplemento, inadimplemento e prescrição incidem,
como se não estivessem êles insertos na eficácia do negócio jurídico.
Se o que falta é elemento inerente ao contrato ou à sua eficácia, de jeito que não se possa falar de
acessoriedade, não há contrato de expedição.
Por vêzes o que seria acessório da eficácia do contrato de expedição, por existir cláusula explícita ou implícita,
ou uso do tráfico, é eficácia do contrato de transporte (O. BONA-VERA, Questioni in torno di rapporti tra il
contratto di spedizione e il contratto di trasporto, Dinitto Manitimo, 1953, 35). Discute-se se o que seria dever
acessório do transportador pode ser atribuído ao expedidor, mas a resposta tem de ser no sentido de se poder
atribuir enquanto não desnature o contrato de expedição, como se há dois contratos com a mesma pessoa que é
expedidor (o contrato de expedição e outro, sem ser misto o contrato). O que importa é que o expedidor fique
ligado ao dever de concluir o contrato de transporte, seja com terceiro seja consigo mesmo.
Se o dever que seria acessório se principalizou, há outro contrato, pois o dever, ex kypothesi, é principal.
O expedidor pode assumir, sem que se desnature o contrato de expedição, o dever de pagar os impostos e
demais tributos, como os de importação e de exportação.
O fato de o expedidor ter o dever, a mais, de transportar do pôrto para a estação do trem, ou para o aeroporto,
ou vice-versa, o bem ou os bens, não desnatura o contrato de expedição.
1.PRINCÍPIOS GERAIS. Os princípios sobre extinção do contrato de expedição são os mesmos que regem a
extinção do contrato de comissão.
2.DENÚNCIA. Se o remetente denuncia o contrato, sem justa causa, tem de indenizar. R. SENCKPIEHL (Das
Speditionsgeschttft nach. deutsch,em Recht, 345), só admite a denúncia vazia (dita, aliás, imprôpriamente,
revogação, revogação sem justa causa).
No Código Civil italiano, art. 1.738, fala-se de “revocare”.
O interessado pode “revogar”, diz-se, enquanto não se conclui
O contrato de transporte, a ordem de expedição, reembolsando o expedidor das despesas feitas e remunerando-o
pela atividade exercida. O têrmo é reminiscência e conseqüência do apêgo do legislador ao contrato de
mandato.
O interessado pode denunciar, inclusive para simples alteração do contrato.
4.PRAZO RESOLUTIVO E CONDIÇÃO RESOLUTIVA. O contrato de expedição pode ter a cláusula mexa
de resolução. Por exemplo, se o remetente somente quer que se embarquem para a Europa os bens antes do mês
de janeiro, porque o comprador exige a entrega no comêço de fevereiro, ou se o remetente entende que o
contrato se há de resolver se a mercadoria fôr vendida antes do contrato de transporte, ou mesmo após Ale,
antes da partida.
Titulo XXXVII
CONTRATO DE AGENCIA
CAPITULO 1
1.CONCEITO. A falta de regramento que fizesse típico o negócio jurídico de agência muito concorreu para
imprecisões que causam profundos erros na doutrina e na prática.
O Código Comercial, no art. 85, fala de “agentes auxiliares do comércio”: “São considerados agentes auxiliares
do comércio, sujeitos às leis comerciais com relação às operações que nessa qualidade lhes respeitam: 1. Os
corretores. 2. Os agentes de leilões. 3. Os feitores, guarda-livros e caixeiros. 4. Os trapicheiros e os
administradores de armazéns de depósito.
5.Os comissários de transportes”. “Agentes”, aí, não é expressão que se refira ao que nos interessa: o contrato
de agência. Ê verdade que a lista do art. 85 não é exaustiva (TEIxEIRA DE FREITAS, Aditamentos ao Código
do Comércio, 1, 412) e se teriam de pôr os agentes e os correspondentes, pois que também auxiliam.
O agente considera-se quem faz contrato de agência ou contratos de agência, pelo qual ou pelos quais se
vincula, perante alguma empresa, ou algumas empresas, a promover em determinada região, ou praça, os
negócios com aquela, ou com aquelas, e de transmitir à empresa, ou às empresas. as ofertas ou invitações à
oferta que obtiveram.
Supõe -se, como efeito de regra jurídica dispositiva (jus dispositivum), que a empresa que contrata
agenciamento não pode contratar com outrem qualquer agência, no mesmo espaço e ao mesmo tempo. Isso não
obsta a que tenha agentes em bairros diferentes, ou para determinadas épocas do ano, porque, então, há
restrição espacial ou temporal da outorga.
O agente, rigorosamente, não medeia, nem intermedeia. nem comissiona, nem representa: promove conclusões
de contrato. Não é mediador, pôsto que seja possível que leve até aí a sua função. Não é corretor, porque não
declara a conclusão dos negócios jurídicos. Não é mandatário, nem procurador. Donde a expressão “agente” ter,
no contrato de agência,. senso estrito.
A conceituação é recente, porque recente é a própria figura. Apareceu muito depois do mediador, do
comissionário e do corretor. O agente, típico, é criação do século passado
(E.HEYMANN, em V. EI-IRENBERG, Is! andbuch des gesammten Handelsreckts, V, § 93). As espécies mais
frequentes são a do agente bancário e a do agente de seguros, mas a vida suscitou outras, como a dos agentes de
artigos de homem, ou de senhora, de fábricas de perfumes, de livreiros e editôres,. de teatro (às vêzes, o
contrato não é de agência), de passa-gens e de entradas de casas de diversões, de jogos de futebol e outros.
1.CONTRATO DE AGÊNCIA E AGENTES. O agente promove, o contrato é para que promova. Vincula-se a
isso. Não se trata de contrato de serviço ou de trabalho. Não há subordinaçáb. O agente é independente. O
agente segue as instruções da empresa, mas apenas no que não implicaria mandato,. nem procuração, nem
comissão.
§1 4.762-4.767. CONTRATO DE AGÊNCIA25
8. LOCALIZAÇÃo. O ser alhures a sede do agente, prõpriamente dito, também é elemento digno de
mencionar-se. Porém há agências não-autônomas, agentes-empregados, com sede noutra praça ou zona. Mesmo
a independência econômica da agência não é decisiva: há agências, como há sucursais e filiais, com a sua conta
própria, inclusive em relação aos seus empregados.
Em tudo isso há indícios, não elemento essencial. Tanto mais quanto pode ser imaginada a espécie em que a
agência é autônoma, porém as despesas correm por conta do outro figurante do contrato de agência. Basta que o
agente não seja empregado dêle.
Também não se pode considerar decisivo o fato de ter o figurante impôsto ao agente horário
dos serviços da empresa e outros deveres.
O que é preciso é que os elementos mostrem a autonomia económica e funcional. O fato
de o figurante fornecer ao agente os meios de transporte (automóvel, aeronave, caminhões)
não é decisivo contra a afirmação de existir autonomia economica, pôsto que o fato de determinar aquêle,
precisamente e a seu líbito, o itinerário, a pré-elimine.
O agente tem de ter liberdade no promover os negócios jurídicos com o outro contraente.
Tão-pouco o fato de ser o outro contraente proprietário da loja ou da casa em que se instalou o agente,
gratuitamente,pré-elimina, em absoluto, que se trate de agente autônomo. O uso pode ser gestão exclusiva do
agente, com tôdas as conseqúências, inclusive a assunção dos riscos (cf. A. GIORDANO, La Figura giuridica
ed economica dell’A gente di commercio, 42). O que é preciso é que os elementos componham a autonomia
econômica e funcional. Ora, isso significa qúe o agente é o dono da empresa, que a agência é propriedade do
agente, sem que se afaste a hipótese de agência de sociedade por ações em que o outro figurante seja grande
acionista, ou, até, seja um dos órgãos da pessoa jurídica. Aí, o fundo de empresa é da sociedade por ações, a
clientela é da sociedade por ações , como agente.
Não desfigura, nem transfigura o contrato de agência receber instruções, posteriores ao contrato de agência, o
agente, nem o fato de pôr o outro figurante o agenciado a serviço do agente técnicos que auxiliem - a atividade
do agente.
Quem suporta os riscos da empresa é o agente, sem que só se considere risco a assunção de tôdas as despesas
da empresa.
Não se trata de serviço ou trabalho que seja objeto do contrato de agência. O que se quer é o resultado. Aí,
serve o agente para alcançar que os clientes se interessem e possa êle comunicar ao agenciado que o contrato,
que êle quer, pode concluir-se. A parecença é com o contrato de mediação, mas, na mediação, há a fase fáctica,
anterior à conclusão do contrato de mediação, ao passo que, no contrato de agência, a atividade do agente se
inicia após a conclusão do contrato de agência.
1.IMPORTÂNCIA DO EXAME DAS ESPÉCIES. Tem-se de examinar cada espécie, tanto mais quanto muitos
“agentes”,
-de que se fala, não são agentes, no sentido de figurante de contrato de agência. A agência do banco não é
agente, no sentido de figurante do contrato de agência; nem o é o agente de câmbio, nome que leis estrangeiras
dão aos corretores e não se adota no direito brasileiro (JOSÉ FERREIRA BORGES, Dicionário juridico-
comercio, no verbete Agente intermédio),com tôda a razão. LPor que se haveria de chamar “agente de câmbio”
ao corretor de valôres e corretores ao corretor de mercadorias e ao de navios?
4.AGENTE BANCÁRIO. O agente bancário não se pode confundir com a agência do banco, que é instalação
secundária do banco. Agência de banco é banco; agente bancário, não. O agente bancário é autônomo; a agência
do banco, não. O agente bancário apenas promove a conclusão de negócios jurídicos bancários, dentro de
determinada circunscrição e, quase sempre, a respeito de algumas espécies de negócios. Um banco pode ser
agente de outro; e. g., para a colocação de titulos. A agência de um banco pode ser agente bancário de outro
banco.
5.AGENTE AGRÍCOLA E PECUARIO. Se a pessoa, física ou jurídica, exerce atividade apenas provocatória
de conclusão de contratos pelo agricultor ou pelo pecuarista, há contrato de agência. Se o agente vende, ou faz
contratos estimatórios pelo agricultor, ou pelo pecuarista, há plus, de modo que é mandatário, procurador,
comissionário, ou outro intermediário. Também há simples mediadores da agricultura e da pecuária.
Um dos elementos indispensáveis à figura do agente é a. discriminação da circunscrição em que êle há de
exercer a atividade.
O agente pode não no ser de empresa produtora de alimentos ou outros bens agrícolas, nem de pecuária, mas
apenas-de grupo que adquira os produtos. O agenciado pode não ser proprietário, mas locatário, pessoa física
ou pessoa jurídica, ou grupo de plantadores ou de criadores.
8.AGENTE TEATRAL E OUTROS AGENTES. Se somente provocam o negócio jurídico das empresas, há o
contrato de agência. Têm apenas a atividade de distribuição, sem representação, com exclusividade e
retribuição.
9.SUBAGÊNCIA. Pode o agente, ou porque o trabalho da empresa seja excessivo, ou porque seja conveniente
a especialização por frações da zona, ou diferenças qualitativas objetivas (= dos objetos dos negócios) ou
subjetivas. ( relativas a dotes pessoais dos encarregados), contratar subagent es. Há, então, o contrato de
subagéncia. O subagente, como o agente, não é empregado, não é dependente. Está para o agente como êsse
está para o agenciado. Há coadjuvação, por eficácia de outro contrato, embora, às vêzes, o contrato de agência o
preveja. A operação é por conta do agente, pois se por conta do agenciado há sucessão. O subagente não se
confunde com o substituto do agente, como o sublocatário não se confunde com o substituto do locatário (Tomo
XL, § 4.448-4.457), nem o substabelecido de Poderes se confunde com o substituto da procura (§ 4.702, 3). Por
isso mesmo, quando alguém disse (e. g., ALDO FORMIGOINI, Ii Contratto di agenzia, 32) que o agente se
reserva geralmente a subposição à casa, cujos negócios agencia, permitiu que sob a expressão “subagente” se
ponham o agente do agente, que é o subagente, e o substituto do agente (que, -então, na espécie, o deixara de
ser). Nem se tenha o subagente - - tomo mandatário do agente, o que desnaturaria a figura, como desnaturaria a
figura do sublocatário defini-lo como mandatário do locatário.
Se. o terceiro é agente para o agenciado, subagente não é;
-é outro agente, que exclui na zona do primeiro agente a atividade agencial que êsse tinha, ou devia ter.
Substituiu-se ao primeiro agente. O agente transferiu a posição jurídica no
contrato, de modo que deixou de ser agente no todo da zona, ou em parte, ou tal espaço lhe fôra pré-excluído.
Se o terceiro tem de operar para o agente, então sim é subagente, agente do agente, como o sublocatário é
locatário cIo sublocador, o substabelecido sem substituição é procurador do procurador.
1. PRECISÕES. Primeiramente, afastemos que só as empresas comerciais e industriais possam ter contrato de
agência com pessoa física, ou jurídica, que aja, agencie. De jeito que não é na atividade da empresa outorgante
que se há de buscar a solução ao problema, e sim na atividade do agente. O que se passa é que seria difícil a
agenciação sem ser para empresa comercial ou industrial, que pudesse prometer exclusividade e permanência
(cf. ALDO FORMIOGINI, II Contratto di agenzia, 18). A extensão da atividade, a continuidade, a
exclusividade e a remuneração constante, ou por ato ou negócio, fazem do agente empresa, talvez não sempre
mercantil. Profissionalidade não implica necessAriamente comercialidade. Pode a empresa ser comercial e não
no ser o agente, ou vice--versa. Pode não ser empresa o outorgante, ou o agente, como ambos podem não no ser.
2.ESPÉCIES. A pessoa física, e. g., produtora manual de objetos de luxo, pode contratar agenciamento com
alguém, que seja ou não profissional. Se os pressupostos estão satisfeitos, não se pode negar que tenha havido
contrato de agência. Contrato de agência pode haver entre diretor-editor de revista e alguém que se encarregue
da colocação dos números, embora não seja profissional o encarregado. É de supor-se a estabilidade, a
continuidade; não, a profissionalidade. Por outro lado, a profissionalidade não supóe a continuidade absoluta,
nem a exclusividade (ALFREDO DE GREGORIO, Corso di Diritto Commerciale, 19 e 133; WALTER
BIGIAVI, La Professionalitá. dell’imprenditore, 9 s.). A exclusividade é para que o agente não seja prejudicado,
ou, se há cláusula, para que o agente não-opere para outrem, no mesmo setor.
A qualidade de comerciante (Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 18) e não o estado de comer-ciante
resulta, no sistema jurídico brasileiro, da habitualidade da profissão de mercancia. Quem se matricula como-
mercador ou comerciante torna-se, presuntivamente, mercador ou comerciante, expressões equivalentes. Não
há, no-direito brasileiro, a comercialidade da pessoa só em virtude da matrícula. Pode-se ser comerciante não-
matriculado, como pode ter-se matriculado como comerciante quem o não era, não é, e não faz comércio.
Matricula non .tacit mercatorem.
A respeito do agente, como do representante, que pratica os atos a que se refere a sua atividade e se matricula,
não se pode dizer que não se fêz comerciante. A profissão habitual, com o intuito de mercantilidade, ou com a
mercantilidade, faz o comerciante.
3. MANDATO, LOCAÇÃO E AGENCIA. O agente age até onde o seu agir não o põe no lugar do agenciado.
Não é representante, nem, sequer, mandatário. Por outro lado, a sua estabilidade separa-o do mandato, a que
corresponde, de regra, ocasionalidade. A atividade do agente é fáctica, raramente jurídica; a do mandatário,
quase sempre jurídica.
O agente não é confundível com o empregado. Não é subordinado, como êsse.
‘O agente não administra; age, sem que se possa esperar dos seus atos a gestão dos administradores.
Dilata-se demasiadamente o conceito de mandato quando se diz que o contrato de agência se enquadra no
mandato. Dá-se o mesmo em relação ao contrato de comissão, a que se não pode reduzir o contrato de agência.
Não importa se, em verdade, há plus, que faz misto o contrato, como se ao expedidor incumbe fazer o seguro do
bem transportado, sem ser de agente de seguro que se trata. O agente de seguro é agente como os outros e;
como os outros, não se reduz àfigura do mandatário (sem razão, CESARE VIvANTE, Trattato di Diritto
commerciale, ~v, 5Y ed., 889; GIUSEPPE FANEILI, Le Assicurazioni private nelta giurisprudenza italiana, 82
s.). Há tôda a conveniência em se precisar cada figura jurídica e em se conceituar de modo incisivo; e nenhuma,
em se distender o conceito de uma, ou de algumas, para se inserir nela, ou nelas, o que a vida prática e a
doutrina, através do tempo, tiveram de diferenciar.
4. AGÊNCIA E MEDIAÇÃO. Tem-se dito que, à semelhança do contrato de mediação, a atividade do agente
precede à conclusão do contrato. Pode isso ocorrer, mas longe está do que mais acontece. Mesmo se não há
contrato concluído, há colaboração anterior que estabelece conclusão e vínculos
anteriores à atividade do agente, em cada caso. O agente vincula-se a promover a conclusão do contrato, ou dos
contratos, ou dos negócios jurídicos unilaterais. 1-lá a delimitação da zona em que o agente tem de operar. Há o
direito a contra-prestação. O agente busca os contraentes, os clientes. A atividade, às vêzes, é só de publicidade
e de atenção aos clientes que vão à loja, armazém ou escritório. Outras vêzes, consiste em reclames e
exposições, distribuição de amostras e experimentações. Contra a assimilação do contrato de agência ao
contrato de mediação há o argumento de ser o contrato de agencia dotado de normal continuidade. A
continuatividade é indispensável à organização das agências, razão por que os negócios são, de regra, todos os
negócios do agenciado, ou os negócios para os quais tem especialidade a agência, sem que se pré-
-elimine, de modo absoluto, a possibilidade de contrato de agência com tempo certo, ou para poucos negócios
(e. g., liquidação de estoque).
6.CORRESPONDENTES E CONTRATO DE AGÊNCIA. Se a empresa não tem noutro lugar filial, sucursal
ou agência, há duas soluções para que os seus interesses, quase sempre de recebimento ou de entregas, que são
o de outorgar Poderes a terceiro como correspondente ou como agente (no sentido de contrato de agente). O
correspondente recebe o que à empresa alguém deve, ou vai dever, ou lhe entrega o que fôra enviado para o
terceiro, e opera como a empresa operaria. O agente pode ter tais encargos, mas a sua função principal, típica, é
a de agenciar para a empresa agenciada. Diferente é o que ocorre com o agente da empresa, a agência de
empresa, que é dependente da matriz.
A propósito de corretores em diferentes lugares, o Decreto-lei n. 1.844, de 18 de junho de 1939, art. 20, b) e fala
de poderem os corretores de fundos públicos constituir-se correspondentes, uns dos outros, nas diferentes
praças nacionais, e ter correspondentes no estrangeiro e ser correspondentes dêles no Brasil. Com o conceito de
correspondente, evita-se alusão a mandato, agência, procuração, comissão ou outra figura jurídica. Há outorga
de poder, porém não de representação, para que o outro corretor faça aquilo que faria o outorgante, se o negócio
jurídico tivesse de ser na sua circunscrição (aquilo que corresponde a isso). Com a expressão
“correspondência”, frisa-se que só se outorga aquilo que o outorgante faria e poderia fazer e o outro corretor
pode fazer. Dentro do Brasil, só se exige que coincidam, correspondam, as operações permitidas dos corretores
outorgantes e dos outorgados. Entre corretores nacionais e corretores estrangeiros, é preciso uma vez que é
outro o sistema jurídico haver regra jurídica que permita ao corretor exercer a procura e ao corretor outorgante
outorgar o poder. Daí a diferença de redação entre o art. 20, b), e o art. 20, c), do Decreto-lei n. 1.844.
A responsabilidade de corretor outorgante perante o outro corretor é a mesma que teria o incumbente. Por parte
do corretor outorgado, a do corretor perante o incumbente, a quem o corretor incumbente substitui na relação
jurídica.
Não se precisa da procuração se há o contrato de correspondência, salvo para os atos que a exigem do
incumbente.
A respeito do correspondente, ANTONIO DE MORAIS E SILVA (Dicionário da Língua Portuguêsa, g~a ed.,
494) escreveu:
“O que trata de negócios de outro sócio, ou amigo, em terra diversa: v. g., o seu correspondente em
Lisboa é Fuão”. FRANCISCO SOIJANO CONSTÁNCIO (NOvo Dicionário critico e etimológico da Língua
Portuguesa, 4•a ed., 320) define: “pessoa que está em correspondência epistolar com alguém, para objetos
mercantis de mútuo interesse, ou para objetos científicos, literários, políticos”. Duas definições. A primeira é
demasiado restritiva, porque alude à mercantilidade. A referência a mútuo é feliz, mas insuficiente. No
Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguêsa de F. J. CAIBAS AULETTE (410), fala-se primeiro de “o
que tem correspondência, ou se corresponde com alguém”; depois, do “banqueiro, negociante (em relação
àqueles com que se corresponde)”; só após, da “pessoa encarregada, pelos pais ou tutôres dos menores que
viajam ou residem em terras estranhas, de lhes fornecer dinheiro para as suas despesas, e às vêzes de velar por
êles”. Inferior aos dois outros.
Correspondente, em senso estrito, é o que opera como o incumbido (e. g., o corretor) operaria. Há o contrata de
correspondência, em que se outorga poder, sem ser de representação. O corretor correspondente não é
mandatário, nem comissionário , nem procurador. Em virtude do contrato de correspondência está vinculado a
operar, quando recebe incumbência, se procede do outro corretor, figurante do contrato. O incumbente é o
mesmo; o corretor outorgado apenas opera em lugar do corretor outorgante, porque o contrato de
correspondência o exige. A figura precisa ser vista em sua peculiaridade.
8. PRECISÕES FINAIS. Qualquer ato do agente não é em nome próprio, mas sim em nome do agenciado, no
que se distingue do comissionário. Não vai até à conclusão dos negócios jurídicos, pôsto que a sua atividade já
se exerça, desde o início, no mundo jurídico, no que é inconfundível com a do mediador, que permanece no
mundo fáctico embora também não conclua. Se o agente informa até o momento último, como o corretor,
nenhuma função declaratória tem, e a comunicação de se haver concluído o contrato (= o terceiro aceitou a
oferta do agenciado, ou chegou a oferta e foi entregue ao agenciado) é apenas informativa, sem a típica
declaratividade do ato do corretor que se opera antes de qualquer comunicação.
Tem-se de entender que o agente, no Brasil, pode defender em juízo os interesses do agenciado estrangeiro,
mediante caução de rato.
2. OBJETO E TEMPO. O contrato de agência há de dizer qual a espécie de negócios ou quais as espécies de
negócios que o outorgado se vincula a agenciar. O negócio há de ser lícito e possível, ou hão de ser lícitos e
possíveis os negócios, para que haja validade do contrato de agência.
O tempo pode ser determinado, ou determinável, ou indeterminado. Se indeterminado, o objeto das promoções
e as circunstâncias estabelecem a necessidade de aviso, para que o agenciado não seja surpreendido com a
atitude negativa do agente, ou não no seja êsse com a denúncia vazia por parte do agenciado.
Pode haver condição suspensiva ou resolutiva.
CAPITULO II
2.MOMENTO DA RETRIBUIÇÃO . assaz importante saber-se quando nasce o dever de retribuir e quando
nasce a obrigação de retribuir. O agente vinculou-se, principalmente, a prestar a sua atividade; a empresa
agenciada, principalmente, a prestar a retribuIção. Mas o direito à retribuição e, pois, o dever de retribuir
somente exsurge quando se conclui o negócio jurídico. No momento da conclusão é que há o direito à
retribuIção e o dever de retribuir. Quanto há de ser o valor da retribuIção, pode não se saber, porque, se a
tradição da prestação do terceiro à empresa agenciada não foi imediata à conclusão, ou se o não foi a prestação
da empresa agenciada, da sorte das prestações depende nascer a obrigação. A propósito, frisemos que a doutrina
dos juristas italianos há de ser posta de lado, uma vez que ela não prestou a devida atenção à diferença entre
direito à retribuIção e pretensão à retribuIção, entre dever de retribuir e obrigação de retribuir. Não é verdade
que o direito à retribuIção somente nasce quando o agenciado recebe a prestação.
3.NEGOCIO JURÍDICO DO AGENTE COM A EMPRÉSA AGENdADA. Se o agente compra ou vende bem
incluído ou bens incluídos no contrato de agência, o contrato de agência permanece incólume, uma vez que se
lhe não proIbiu comprar ou vender. O que se disse sobre a compra e sobre a venda estende-se às outras
operações agenciadas. (A cláusula ou o pacto, que lho vede, não é inválido.) O agente, uma vez que não se lhe
restringiu a aquisição, ou a alienação do bem da empresa agenciada, ou dos bens da empresa agenciada, é
adquirente, ou é alienante, como qualquer outra pessoa. Há dois negócios jurídicos, o da agência e o da
operação com a empresa agenciada. Ao agente, empresa auxiliaria , não se há de negar o poder operar como
adquirente, ou como alienante. O contrato é com a empresa, mas outro contrato. Muito diferente é o que se
passa quando o agente conclui, em nome próprio, negócios jurídicos com a clientela, transformando-se em
comissionário, ou em gestor de negócios alheios sem outorga. Se no contrato “de agência” se outorgaram
Poderes, de contrato de agência não há cogitar-se: o caso é de comissão, a despeito do nome que se lhe deu.
Tem-se discutido quanto à relevância do êrro de informação, ou da repetição dos erros. Sem dúvida, a repetição
dos erros de informação por parte do agente compõe, quase sempre, a figura da negligência, ou mesmo da
inaptidão. O que se há de assentar é que um êrro pode ser tão grave como muitos erros e por trás do alegado
êrro estar o dolo. O que importa é que se revele a negligência, como se o agente. que deve conhecer o que se
projeta sobre a exportação, ou a importação, deixa de avisar, antes da expedição ou sem tempo para que a
mercadoria saia ou entre, que está em andamento o projeto proibitivo.
8.DEVER DE NÃO-CONcORRÊNCIA. Mesmo se o agente não é de uma só empresa (= se não contrata
agência somente com uma pessoa física ou jurídica), tem de abster-se de concorrer com o outorgante. Em
princípio, tem o agente o dever de não agenciar com concorrentes do outorgante, nem divulgar notícias
concernentes à sua atividade de agente e métodos de produção da empresa com que concluiu o contrato de
agência. Não se lhe permitem, por conta própria, ou de terceiro, negócios jurídicos que concorram com o do
outro figurante.
Quanto à vedação de concorrência, cumpre que se enfrente o problema da existência do dever de não-
concorrência depois de resolvido, de regra resilido, rescindido, distratado, ou denunciado, ou terminado o
contrato de agência. Acabou-se, ex hypothesi, a eficácia do contrato de agência; e quer-se saber se, a despeito
disso, continua o dever de não-concorrência, isto é, se o agente está adstrito a não agenciar para outra empresa
na mesma zona e para os mesmos negócios. Nenhuma solução seria fácil sem se terem precisado todos os
termos da questão.
A opinião que sustenta a sobrevivência, digamos assim, da eficácia após a resolução ou resilição, o distrato, a
denúncia, a terminação por expiração do prazo, quer a pós-eficácia contratual quando nenhuma eficácia se
irradia ~o contrato extinto ex tunc ou ex nuno.
O agente tem a sua clientela; a empresa outorgante, a sua. Cada um dos figurantes sabe a que se expõe com a
conclusão do contrato de agência e sua possível ineficacização próxima, ou a sua extinção. Se há prazo, cada
um está com os dados.
suficientes para prever o que pode ocorrer ao expirar-se o prazo. Se houve a resolução, a resilição ou a rescisão,
a indenização pode ir até a inclusão do que cubra os prejuízos prováveis ou provados. No caso de condição
resolutiva, ambos podiam pensar no que acompanharia a desconstituíção automática do contrato de agência.
Se houve denúncia pela empresa outorgante, houve o pré-aviso e a indenização. Não se há de cogitar de
enriquecimento injustificado, quer por parte do agente quer por parte da empresa outorgante.
O que se fazia com referência ao nome do figurante outorgante, não mais pode ser feito (e. g., em anúncios,
cartazes, televisão e rádio). Nem o nome do agente pode constar da publicidade que faça a empresa agenciada,
ou que faça o seu nôvo agente.
Não se pode cercear a posterior atividade do agente, nem. a iniciativa ou a continuidade de expansão da
empresa.
Isso não significa que não possa exsurgir concorrência desleal, ou concorrência extracontrato. Aí, não está em
exame o contrato de agência; não se trata de eficácia de tal contrato..
O que acontece é ato ilícito absoluto.
Quando a clientela depende do agente, a empresa tem interesse em que não seja afastado. Áliter, se não depende
dêle e seria a mesma ou quase a mesma que ela tem sem a atividade do agente.
Sempre que o agenciado pratique, direta ou indiretamente, o que cabia ao agente, deve a remuneração. Se
indiretamente o fêz, deve a remuneração e a indenização.
Não há, porém, jus cogens a respeito de exclusividade. Quer dizer: a atividade exclusiva do agente não é
elemento essencial do contrato de agência. As cláusulas e os pactos são permitidos. Podem os figurantes
estabelecer que, sabre os mesmos objetos e na mesma zona, haja dois ou mais agentes. Sempre que se disse o
número, é de entender-se que não se pode contratar outro, salvo se, a despeito do número inicial, se previu a
possibilidade de contratos de outro ou de outros. Há, então, concorrência de agentes, o que por vêzes
corresponde ao interesse de ambos os figurantes. Ao lado de tal cláusula de pluralidade de agentes, ou do
pacto de pluralidade de agentes, permite-se que se estipule prêmio ao que mais contratos obtiver, ou a
persistência de algum ou de alguns agentes em vez de todos, resolvidos ou denunciados os contratos com os
que não conseguirem os melhores resultados.
Se foi designado o objeto ou se foram designados os objetos sobre que se fariam os negócios e a empresa
produz outros, ou tem interesse em negócios sobre outros objetos, há a determinação especial do objeto, ou dos
objetos, e não está impedida a empresa de constituir, no mesmo momento e para a mesma zona, ou em
momentos diferentes, mas para a mesma zona, dois ou mais agentes, desde que a atividade de um não concorra
com a do outro ou dos outros. Ainda aí é possível a cláusula ou o pacto de pluralidade de agentes para os
negócios sobre o mesmo objeto e na mesma zona.
Mesmo se o agente tem dinheiro da empresa agenciada para pagar, o que é comprado não o é por êle, mas pela
empresa agenciada. Se é o caso de se entender que o agente pode receber, segundo os princípios já expostos,
quem pode receber não está, somente por isso, com poder de abater, ou alterar os termos do negócio jurídico.
O agente não representa. Mas foi êle quem preparou, ou, pelo menos, quem se incumbiu de preparar os
negócios jurídicos. Daí poderem ser endereçadas a êle reclamações da clientela. Afirmou, por exemplo,
qualidades que o bem não tinha, ou que os bens não tinham. Por outro lado, porque foi êle quem preparou os
negócios jurídicos, à empresa agenciada não poderia ser negado o direito de reclamação contra o agente (e. g..
informou erradamente).
Quanto às reclamações da clientela, tem o agente de transmitir imediatamente à empresa agenciada o que alega
o cliente, ou o que alegam os clientes. Alguns juizes têm visto aí representação ex lege da empresa agenciada, o
que é inadmissível. O art. 1.745 do Código Civil italiano concorreu para desvios graves na doutrina. Aliás, ~
ALFREDO Rocco (Principf di Dirilto commerciale, 852, 858 s.) enveredava pela tratação da “representação
imprópria” dos que preparam negócios jurídicos em vez de concluí-los por outrem. Ora, tudo isso foge à ciência
do direito. Só há representação se negocial, oriunda de outorga de poder de representar, ou se legal.
Se a empresa agenciada pode ir contra o agente, ou se o cliente pode ir contra êsse, é porque há culpa do agente,
culpa que cobre o ato ilícito relativo, ou o ato ilícito absoluto. A legitimação processual contra aquela, ou contra
êsse, somente pode resultar da posição dêsse como possível legitimado passivo, em ação contra êle, e não
contra o outro figurante do negócio jurídico. Se está em causa dever, ou obrigação da empresa agenciada, e êle
ativamente ingressa em juízo, só o pode fazer com a propositura da ação com caução de rato. Se o cliente, em
vez de propor a ação contra a empresa agenciada, vai contra o agente, tem o agente a alegação de não ser parte,
mas sim a empresa agenciada.
A propósito das medidas cautelares, o agente somente pode agir, ativa ou passivamente, com caução de rato.
Não há. poder de representação legal, por parte do agente.
1. DEVER PRINCIPAL. O dever principal do agenciado é retribuir a atividade do agente. Há, porém, todos os
deveres decorrentes da vinculação a quem vai prestar ao agenciado a sua atividade específica. Convém
particularizá-los a todos.
8. RETRIBUIÇÃO . O que se concluiu, através do agente, deve-se a êle, que o preparou, provàvelmente até o
último momento. A retribuição é devida no momento em que o outorgado satisfaz a contraprestação. Se a culpa
de não se concluir o negócio jurídico proveio do agenciado, a retribuição é devida. Tem o agente, em quaisquer
casos[direito de retenção .
Se foram traçados limites territoriais à atividade agencial, tem o agente direito à retribuição sobre qualquer
negócio que se conclua dentro do espaço referido, ainda se concluído pelo agenciado, ou por outra pessoa em
nome dêsse.
À empresa nenhuma intromissão incumbe ou pode ter na agência, salvo no tocante a indagações concernentes à
publicidade. Nenhuma pretensão lhe toca quanto a saber como e porque o agente granjeou algum, ou alguns
clientes, ou como os consegue. Por outro lado, se o agente se surpreende quanto a não ter a empresa, a seu
líbito, deixado de concluir o negócio jurídico, que êle agenciou, tem êle três caminhos: a) ou exige a
retribuição, que lhe é devida; ti) ou entende que a falta de razão para recusa passa dos limites toleráveis e houve
inadimplemento do contrato de agência, com danos para a reputação social e interesses futuros do agente; c) ou
admite que o agenciado tenha tido razão suficiente para isso, por fato ou circunstância que êle, agente,
ignorava, ou não, ou não podia ignorar. Na atitude ti) pode haver, como plus, o pedido judicial de resilição do
contrato.
Precisa-se raciocinar, sempre, tomando-se em consideração que o agenciado e o agente são empresas
autônomas. Há a oferta do negócio jurídico, que o agente promoveu, e há a recusa, ou a aceitação, por parte da
empresa agenciada.
O agente tem direito à remuneração, em princípio, desde que a conclusão podia ocorrer e só dependia da
empresa agenciada, bem como se a empresa agenciada concluiu negócios jurídicos diretamente, prescindindo
da atividade do agente.
O agente é que, autônomo como é, organiza a sua atividade e a sua empresa, escolhe os auxiliares dependentes
ou não (e. g., mediadores, subagentes, mandatários). Seria sem pertinência invocar-se o princípio Dele gatus
dele gare non Vote st. O agente é que figura no contrato de agência, sem que se possa exigir que êle se submeta
à fiscalização ou ao velamento da empresa agenciada. É possível mesmo que tenha filiais e agências (no sentido
de colaboração para os mesmos fins, e não no sentido de agente figurante do contrato de agência, porque então
se trataria de subagente).
O agente expõe a sua reputação para que a sua atividade tenha bom êxito. Não representa a empresa, mas o seu
prestígio está em jôgo. Daí ser de seu interesse que os bens alienados não tenham vicios de direito ou do objeto.
O procurador e o mandatário não ficam atingidos pela alegação de vício redibitório, que o terceiro faça. O
agente, sim. A natureza da sua atividade embora exterior é de informação aos clientes e de informação à
empresa agenciada. Qualquer falta do cliente, ou da empresa agenciada, pode diminuir a sua clientela, deixá-lo
mal perante outras empresas agenciadoras. Daí pode ocorrer resibilidade do contrato de agência.
A retribuição quase sempre é percentual sobre o importe do negócio jurídico. Às vêzes, determina-se quantia
fixa por unidade do objeto do negócio jurídico, ou por negócio jurídico. Nos contratos de agência de seguros,
pode ocorrer e sói ocorrer que a percentualidade recaia nos prêmios periódicos, ou cm quantia determinada,
inicial e percentual, sobre os prêmios. Se nada se dispôs, regem os usos do tráfico. Mais ainda: é encontrável a
cláusula de remuneração só tire preço: e. g., o agente, que poderia preparar a venda por x, prepara-a por x + 1.
Se não houve cláusula expressa de retribuição, nem há uso do tráfico que a determine, a retribuição é devida,
pois o contrato de agência é oneroso, e o caso resolve-se por arbitramento, que pode ser amigável ou judicial.
Se alguma pessoa presta a preparação de negócios jurídicos de outrem, com intuito de amizade, ou de
contraprestação em “presente”, ou “assinatura gratuita”, ou outra gentileza, não há pensar-se em contrato de
agência. É o que por vêzes se dá entre cronistas sociais e casas de modas.
O direito à retribuição, que tem o agente, abrange os negócios jurídicos concluídos, durante o contrato de
agência e sua eficácia, e aquêles que forem concluídos após, se derivados de preparação no curso do contrato de
agência. Não só com a conclusão do contrato nasce o direito do agente, nem somente (manto aos que foram
executados antes de terminar o contrato, ou depois, se antes concluídos, como pareceu a ALDO FORMICOINI
<11 Contratto di agenzia, 54 s.). A agência concerne à preparação, e não à conclusão. O agente prestou o que
prometera e seria desacertado que se deixasse a líbito da empresa agenciada demorar a conclusão dos negócios
jurídicos preparados pelo agente, ou prontos para conclusão ao tempo do contrato e dentro da zona, a fim de se
forrar, com o tempo, à pretensão do agente à retribuição.
O agente informa, o agente recebe informações, alguns negócios jurídicos exigem punctações, de jeito que é
fácil provar-se a preparação pelo agente. Se a atividade do agente é sem concretização suficiente em cada caso,
como se mais deriva da publicidade e do prestígio do agente, em influição difusa, tem-se de partir do ônus da
alegação e da prova, pelo agente, de ter sido resultante da sua atividade a conc1usão posterior à extinção do
contrato. Se o negócio jurídico foi sem intervenção específica do agente, pode acontecer que haja derivado da
atividade do agente.
Se a questão vai a juízo, as provas mais convincentes são os dados informativos de um e de outro figurante,
como se o agente disse à empresa que o cliente esperava a visita do vendedor, ou de outro empregado da
empresa, ou se a própria empresa comunicou o abatimento que podia fazer no preço, ou se podia, no momento,
vender a quantidade pedida. Também é prova de pêso o depoimento do cliente, ou algum documento relativo
aos contactos com o agente, ou apenas à empresa de remessa de anúncios do agente.
A pretensão do agente subordina-se à sorte do adimplemento pela empresa, com o recebimento. Se a empresa
prestou, e não recebeu, ainda não pode o agente exigir a remuneração. Se a falta de adimplemento resultou de
culpa da emprésa agenciada, a pretensão do agente nasceu. Se houve acêrdo de abatimento entre o cliente e a
empresa agenciada, a redução feita do que se devia a essa ou àquele não importa para a redução da retribuição
do agente. O direito já existia, devido à conclusão; o que está em causa é a exigibilidade, a pretensão Assim, a)
se as obrigações oriundas do negócio jurídico foram totalmente adimplidas, a remuneração é total; ti) se só
tiveram adimplemento parcial, a retribuição é parcial, proporcionalmente; e) se a falta de adimplemento foi
total, por culpa da empresa agenciada, o agente tem pretensão a tôda a retribuição.
Se o adimplemento foi retardado, retardado fica o nascimento da pretensão. Se foi preciso propor a ação de
cobrança, ou outra ação que caiba, no momento em que se executa judicialmente, ou se executa amigàvelmente,
a tradição pelo juiz, ou pelo figurante, é que importa. Se o pagamento foi em título de crédito, a remuneração
também o pode ser com a mesma data de vencimento.
Em todas as ações propostas pela empresa agenciada, ou contra ela, pode intervir o agente.
O agente é interessado em que o cliente entregue o bem comprado pela empresa agenciada, ou o preço do bem
vendido por ela, como o é em que a empresa agenciada preste para que receba. Sem isso, não tem êle direito à
remuneração. É, evidentemente, terceiro interessado, que em direito material e em direito processual se há de
tratar como tal. Os arts. 930 e 934 do Código Civil e 88 e 93 do Código de Processo Civil. São invocáveiS.
No caso de resolução, ou de resilição, ou de redibição, com elemento condenatório contra o cliente, o agente
tem pretensão à parte da indenização, como teria pretensão à parte do adimplemento.
No caso de concurso de credores do cliente, dando ensejo a inadimplemento parcial, o agente não tem direito à
remuneração. Se, a despeito do concurso de credores, o pagamento foi totalmente feito, há a pretensão à
retribuição.
Se houve redibição, por vício do objeto do negócio jurídico, com a culpa do alienante, empresa agenciada, deve
ela a retribuição.
No caso de resolução ou de resilição por mútuo consenso, há três soluções de lege ferenda: a) a de ser sem
qualquer repercussão no direito do agente à retribuição, razão para ser exigível o pagamento dessa à data em
que deveria ser feito, normalmente, o pagamento, ou entregue o objeto; b) a de não ser devida qualquer
retribuição (Côrte de Apelação de Milão. 15 de janeiro de 1985 e 28 de novembro de 1984; contra, a 28 de
dezembro de 1934) ; c) a de ter o agente direito a retribuição parcial (Código Civil italiano, art. 1.749, 2.8
alínea).
A solução exata é a primeira, porque atende aos princípios. O negócio jurídico foi concluído, Os figurantes o
agente não no é acordaram na resolução ou na resilição. Podiam fazê-lo. Os titulares de direitos são livres
quanto à renúncia, à transação, às dações em soluto. Nada tem com isso o agente.
O que êle fêz está feito. O que prometeu foi dar ensejo, ou é de presumir-se que o deu, à conclusão do negócio
jurídico, e êle apenas o preparou. O direito à retribuição nasceu com a conclusão do negócio jurídico entre a
empresa agenciada e o cliente. O que faltava era a exigibilidade, a pretensão. Nada podia fazer o agente para
que os figurantes do negócio jurídico concluído não o resolvessem, ou não o resilissem. A solução do Código
Civil italiano, art. 1.749, 2.~ alínea, foi, de lege ferenda, injusta. A da jurisprudência italiana, ao tempo do ab
-rogado Código Comercial, injustíssima. A doutrina italiana de agora, em tôrno do art. 1.749, 2.8 alínea, do
Código Civil italiano, teve de dizer como se determina a retribuição parcial, e fala de retribuição “equitativa”.
Quando houve acôrdo entre a empresa agenciada e o cliente, inclusive para resolução ou resilição do negócio
jurídico, ~tem o agente pretensão à tutela jurídica contra o cliente da empresa agenciada? LORENZO MOSSA
(Trattato dei nuovo Diritto commerciale, 1, 558) sustentou a existência da pretensão contra a empresa
agenciada e contra o cliente, porque a sua manifestação de vontade foi concausa da impossibilitação do
adimplemento. Ora, o cliente foi estranho ao contrato de agência e o ato de resolução ou de resilicão entra na
liberdade negocial dêle e da própria empresa agenciada. O cliente não deve a retribuição. Quem a deve é a
empresa agenciada. O agente tem direito e pretensão contra essa, não contra o cliente, pôsto que, em caso de
lide, possa introduzir-se no processo, conforme dissemos. Para ALUO FORMIOGINI (Ii Contratto di agenzia,
82), há responsabilidade solidária pelo ato ilícito, se houve colusão para dano ao agente. Não é difícil que isso
ccorra, mas, aí, não está em exame o acôrdo de resolução ou de resilição em si. O que pode acontecer é que o
agente, diante da atitude da empresa agenciada, tenha diante de si os pressupostos para a medida cautelar do
arresto, ou para o pedido de abertura de concurso de credores, mas sempre contra a empresa agenciada.
Em tôda a exposição feita, supusemos o que mais acontece: o direito à remuneração nascido ao prestar o agente
o que prometeu, a preparação; e a pretensão, ao ser recebida pela empresa agenciada o que lhe é devido pelo
contrato. Nada
obsta a que os figurantes do contrato de agência estabeleçam que a pretensão também nasça ao nascer o direito,
ou que ambos nasçam em determinado momento, e. g., três meses após a conclusão do contrato.
1. DIREITO DE ExCLUSIvIDADE. Tanto a empresa agenciada como o agente têm por ius dispositivum o
direita de exclusividade. Nem o agenciado pode outorgar Poderes de agenciamento a outra ou a outras pessoas,
nem o agente pode, quanto ao mesmo negócio, encarregar-se de agenciar para outrem. Todavia, conforme
dissemos, só dispositivamente se há de estabelecer uma ou outra exclusividade. Na mesma zona e para negócios
jurídicos sobre os mesmos objetos não pode a. empresa outorgante contratar com outra pessoa a agência. Nem o
agente, quanto aos mesmos objetos e na mesma zona, pode agenciar para outra empresa. Em todo o caso, o
principio (dispositivo) da exclusividade reciproca não pré-exclui os chamados negócios jurídicos diretos, na
mesma zona e sobre os mesmos objetos; isto é, aquêles negócios jurídicos em que não há agenciamento. Ainda
assim, tem-se de considerar violação~ do princípio a atividade da empresa, por seus órgãos ou por seus
prepostos, ou mediadores, ou corretores, ou quaisquer intermediários, para obter a conclusão de negócios
jurídicos. Por meio de atos de auxiliares, autônomos ou não-autônomos, não pode a empresa fazer visitas
habituais à clientela, nem percorrer a clientela com caixeiros viajantes. Diminuir-se-ia, como bem acentuou
FRÂNCESCO FERRARA ,.Tunior (Gli Imprenditori e te Societá, 23 ed., 59), o crédito do agente, ou turbar-se-
lhe-ia a atividade. A exclusividade recíproca estaria sacrificada se o agente pudesse operar para outra empresa,
sobre os mesmos objetos, como também se a empresa pudesse ter outros auxiliares autônomos ou desenvolver a
atividade igual ou semelhante à do agente com auxiliares não-autônomos. Se a empresa, em vez de apenas
atender a pedidos (ofertas), ou de remeter prospectos aos seus clientes, os procurasse, ou visitasse, ou fizesse
visitar-se a zona para angariar pedidos, estaria comprometida a exclusividade a favor da empresa-agente.
2. PRÊ-ELIMINAÇÃO DA EXCLUSIVIDADE. Não é essencial ao contrato de agência a exclusividade a
favor do agente.
A regra jurídica de exclusividade é dispositiva. O agente só é exclusivo se isso foi dito, ou se nada se disse em
contrário. A empresa só tem direito à exclusividade do agente se assim se estabeleceu no contrato, ou se nada se
opõe , no contrato, a essa afirmação. Daí serem válidos os pactos restritivos ou pré-excludentes da
exclusividade.
Pode haver a cláusula ou pacto de ter ou de poder ter a empresa, na mesma zona, dois ou mais agentes
determinados, a despeito da igualdade dos objetos dos negócios jurídicos (cláusula ou pacto de exclusividade
para dois ou mais agentes). Ou a cláusula ou pacto de não-exclusividade (há dois ou mais, sem que se vede o
contrato com outra pessoa ou com outras. pessoas).
CAPÍTULO III
1.GENERALIDADES. As causas de extinção ou são de extinção do negócio jurídico, que existiu e passa a não
ter existido, ou a não mais existir, ou são de extinção da eficácia. A decretação da nulidade ou da anulação são
exemplos típicos da primeira espécie. O completo adimplemento, de parte a parte, da segunda. O fechamento da
empresa de agência ou da empresa agenciada dá exemplo da terceira espécie.
Quase sempre, nos contratos de agência, se explicita que a sede da empresa agenciada é que dá o fôro. Cf.
Código de Processo Civil, art. 134.
2.DENÚNCIA CHEIA E DENÚNCIA VAZIA. Se não há prazo, nem condição, ou se essa não afasta a
denunciabilidade,a denúncia cheia faz extinguir-se, quer seja denunciante o agente, quer o seja o agenciado.
Bem assim a denúncia vazia, desde que se atenda a prazo razoável para a eficácia. Não seria de admitir-se que o
agente, nas vésperas da expedição pelo agendado, denunciasse o contrato; nem que o agenciado, que há de levar
em consideração os esforços prévios do agente (propaganda, instalações, entabolamentos de relações). Falta no
direito escrito brasileiro fixação legal de prazo, de modo que se tem de atender às circunstàncias .
5. DEVER DE PRÉ-AVISO. Existe o dever de pré-aviso se a extinção resulta de outra causa que a da
expiração do prazo determinado.
Convém advertir-se que é usual o período de prova ou tempo de experiência, para que, após Me, se tenha como
a prazo indeterminado o contrato de agência. Cada figurante fica livre de continuar, ou não, no contrato, sem
dever de pré-aviso, salvo se foi estipulado. A continuação, no dia seguinte à expiração do período de prova ou
tempo de experiência, põe o contrato no rol dos contratos de agência a prazo indeterminado <ou determinado,
se havia cláusula nesse sentido).
Sempre que há dever de pré-aviso, a falta dá a quem havia de ser pré-avisado o direito a indenização. Quem não
foi pré-avisado não teve tempo para procurar outra atividade, ou outro agente. Pode ser previsto o quanto da
indenização. inclusive conforme os dias, meses ou ano, ou épocas do ano. A quantia média das
retribuições serve de base para o cálculo da indenização ao agente, se nada se estabeleceu e se
não há uso do tráfico a respeito. Não se computam os reembolsos de despesas. Quanto à
empresa agenciada, a indenização há de consistir em quantia que corresponda ao lucro que a
casa teria tido com os negócios jurídicos provâvelmente concluíveis no período de pré-aviso.
TftuIo XXXVIII
CAPIruLO 1
CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE
REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
§ 4.774. Conceito e natureza
1.CONCEITO. Desde que a empresa atribui a alguém, pessoa física ou jurídica, Poderes de
representar, para, sem ser subordinado seu (ininvocáveis, portanto, as regras jurídicas sobre proteção
dos salariados), operando por conta do representado, na matéria dos negócios comerciais ou
industriais, há contrato de representação de empresa. O representante de empresa não oferece os seus
serviços a quem dêles queira aproveitar-se: só se vincula com o contrato feito com a empresa, ou com
cada empresa. Os seus empregados são seus, e não da empresa.
Oexercício da atividade é exclusiva (para o representante, o que afasta a pluralidade de representantes
na mesma zona) e permanente (constante). Se o representante não se faz, por outros atos, comerciante,
comerciante não é.
A discriminação da representação de empresa na zona, objetivam ente, não infringe a exclusividade.
Por exemplo:
representação da empresa A, para automóveis; representação da empresa A, para máquinas de lavar.
A empresa, industrial ou comercial, poderia, sózinha, ocupar-se de todos os seus negócios, inclusive na
procura ou na atração de clientes, com os quais se póe em contacto direto. Mas isso só permanece, hoje,
para as pequenas empresas. Daí a necessidade, para as empresas de porte, dos mediadores, dos
intermediários, dos representantes, se não lhes basta ou se não podem ter ou não lhes convém ter a
criação de filiais, sucursais. e agentes (sedes secundárias).
Quanto ao representante de empresa (digamos assim para. que se entenda que não há só o representante
de comércio, mera espécie), não é salariado (auxiliar dependente) ; nem simpies mandatário, nem
preenche, de ordinário, os pressupostos do comissionário. Não só promove; conclui negócios
jurídicos em nome e por conta de outrem, que é a empresa representada.
Há elementos de procura, evidentemente, e de mandato, no contrato de representação de empresa, mas há
elementos diferenciais. Quanto ao mandatário, por mais que dure a sua atividade, essa duração é ocasional, ou
excepcional. O representante de empresa recebe Poderes permanentes e essa estabilidade concorre para os
traços principais, frisantes, da sua figura jurídica.
Alguns sistemas jurídicos que não precisaram o conceito de contrato de agência e nêle incluem o contrato de
agência e o de representação de empresa, suscitam confusões graves na tocante à expressão “agentes comerciais
. O representante de empresa é o agente comercial que conclui negócios jurídicos do agenciado, aí exatamente
representado. Não só promove conclusões.
Orepresentante de empresa é dono da sua empresa, chefe (empregador) dos seus empregados, ainda quando
alguns ou todos sejam pagos pela empresa representada, ou se algum ou alguns empregados da empresa
representada trabalham com os empregados do representante de empresa. O que importa é que o representante
seja auxiliar autônomo e conclua os negócios jurídicos da empresa outorgante.
Orepresentante de empresa pode ser representante de duas ou mais empresas (e. g., a empresa de fabricação de
meias e a empresa de fabricação de sapatos ou de camisas;. uma, empresa de transportes, e outra, de seguros).
A proposição sobre se tratar de representante de emprésa, no sentido de representante independente, ou de
representante dependente (empregado, ou sede secundária), tem importâneia processual. A
legitimação ativa ou passiva de representante de empresa, com a conseqúência quanto à
competência processual, é resultante da pessoa do representante de empresa. Se o ato é do
representante empregado, a legitimação é da empresa representada. Quanto às sedes secundárias,
depende da lei processual e dos estatutos.
Rio Grande do Sul, sua sede, lá para alguma fábrica, não vende os produtos dessa.
Uma vez que se disse “A, representante da Fábrica de meias E” embora B fabrique meias e outros tecidos, só
tem Poderes para vender meias. Quanto à venda de meias, a em
-prêsa, que permitiu tal letreiro, o que resulta da outorga dos Poderes de representação de empresa para a venda
de meias, não pode opor ao terceiro não ter dado Poderes para a venda de quaisquer meias produzidas pela
empresa, mas sim para determinada espécie, nem só ter outorgado Poderes para a venda à vista. Nem pode opor
que somente outorgou Poderes para a venda em menor quantidade, ou para operações dependentes de
aprovação da empresa.
Restrição de Poderes apenas existe, eficazmente, contra o terceiro, se o terceiro a conhecia, ou a devia conhecer,
uma vez que os Poderes dependem das cláusulas do negócio jurídico (contrato de representação de empresa) e
do conjunto de circunstâncias de cada caso. Têm de ser levadas em conta tôdas as circunstâncias conhecidas, ou
que os terceiros deviam conhecer, ou que o terceiro devia conhecer. Um dos pontos mais delicados é o de se
saber se, por sua natureza ou por sua extensão, o negócio jurídico concluído cabe na atividade ordinária de
exploração, ou se é de considerar-se como estranho a ela (e. g., encomendas fora de todo o uso do tráfico, por
sua quantidade, prazos de pagamento fora de todo o uso do tráfico).
Não se têm como incluídos nos Poderes do representante de empresa os atos de disposição de bens imóveis,
subscrição de títulos carnbiários, de contratos de empréstimo (mútuo, comodato) e a comparência em juízo. Em
todo o caso, o representante pode defender-se em juízo no tocante a qualquer ato, lícito ou ilícito, que se lhe
impute.
Se o representante de empresa é que faz a tradição dos bens vendidos, entende-se que tem Poderes para receber
o preço e para cobrá-lo. Se não há a entrega pelo representante de empresa, mas a empresa admitiu, antes, que o
freguês pagasse ao representante, tem-se de interpretar que lhe foi outorgado tal poder.
t
Se o representante de empresa tem poder para a tradição, tem poder para receber o preço e, pois, para
subscrever e emitir duplicata mercantil.
O representante de empresa de venda de imóveis, inclusive de terceiro loteador, precisa de poder expresso para
assinar as escrituras de transmissão da propriedade e da posse.
Os representantes de empresa distinguem-se, portanto, dos comissionários, que operam em nome próprio. Dai a
referência à “representação”.
6. DADOS HISTÓRICOS. A referência, que aqui fazemos, a dados históricos, apenas tem por fito mostrar que
a exploração e o desenvolvimento das indústrias e do comércio sempre exigiram a figura através dos séculos,
embrionária do representante de empresa.
Na Grécia, os escravos podiam achar-se à frente de empresas. Era freqUente em Atenas (HIPERIDES, C.
Ãthenog., col. IX, 5 s.). Urna vez que o dono tira proveito dos atos praticados pelo escravo, é justo que
responda por êles, diz HIPERIDES. Se o ato foi ao tempo em que o escravo pertencia a outrem, contra o dono
anterior é que seria a ação. A concepção grega refletiu-se no direito romano <cf. L. 4, § 3, D., de exercitoria
actione, 14, 1). À diferença do direito romano, no direito grego dirigia-se a ação contra o próprio escravo, como
se tivesse personalidade jurídica, prosseguindo contra o dono, que era livre de intervir mas sofria o julgado
desfavorável (cf. DEMÓSTENES, C. Caílici., §§ 81 e 84; C. Panten,, § 11; R. DARESTE, Plaijdoyers civils de
Demosthêne, 1, 180, 250 e 284). Na Lei de Gortina, VII, 10, a ação era dirigida contra o dono.
A princípio, em direito romano, por trás dos filhos famílias e dos escravos, que tinham atividade industrial ou
comercial, estava o pater .familias, ou o dono dos escravos, para responder pelas obrigações. Provâvelmente no
século II antes de Cristo, permitiu-se a ação contra o pater familias ou contra o dono do escravo pelas
obrigações dos filhos ou dos escravos. Não se tratava de responder em lugar dêles, mas ao lado (PAULO, L. 5,
§ 1, D., de exercitoria actione, 14, 1: “hoc enim edicto non transfertur actio, sed adicitur”). Tratava-se, pois, de
actio adiecticiae qualitatis.
O direito pretoriano romano permitiu aos senhores de escravos vincularem-se por intermédio dos seus escravos.
Segundo o edicto, podia o dono encarregar de negócios o escravo, ou pó-lo à testa de navio, ou de empresa
terrestre, industrial ou comercial, e aquêles que contrataram com o escravo, no limite dos Poderes outorgados,
podiam ir contra o dono, com a ação do contrato (e. g., a actio venditi), ou em virtude de adesão (ac tio quod
iussu), ou da qualidade de armador (adio exercitoria), ou da outorga ao escravo (actio institoria).
Semelhantemente, podia o dono separar, de fato, parte dos seus bens, para ser administrada pelo escravo, quase
sempre para exploração de animais (pecus, pecunia, peculium). Os bens não figuravam na contabilidade do
dono (pecúlio era “quod servus domini permissu separatum a rationibus dominicis habet”, o que, com
permissão do dono, o escravo teve, separado das contas do senhor, cf. L. 5, § 4, D., de peculio, 15, 1, definição
de TUBERXO, conforme ULPIANO e CELSO).
As obrigações dos escravos não podiam ser exigidas, nem êles podiam exigir que se atendesse às suas
pretensões, porque não tinham capacidade jurídica. Nos princípios da época clássica, consideraram-se como
naturais as suas obrigações, com a conseqUência de, se satisfeitas, não poder ser repetido como indébito o que
se pagou (L. 18, D., de condictione indebiti, 12, 6). Como obrigação natural, era afiançável (GAIO, Irtst., III,
119 a).
CAPÍTULO II
REPRESENTAÇÃO DE EMPRESA
§ 4.776. Pressupostos e eficácia
6.EXECUÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONCLUIDOS. É permitida e usual a cláusula (ou o pacto
adjecto) de encarregar-se o representante de empresa de auxílio e representação da empresa, mesmo processual,
na execução dos negócios jurídicos concluídos pelo cliente ou pela empresa representada (HANS
WÚRDINGER, Kommentar zuni Handelsgesetzbuch, 1,2•a ed., 695). O pacto adjecto pode ser a propósito de
um ou de determinados negócios jurídicos; em vez de pacto, pode ser passada apenas procuração, negócio
jurídico unilateral.
de empresa, são tidos como entre a empresa representada e o terceiro. Tem êsse ação contra a empresa,
que apenas pode objetar que o terceiro quis concluir com o representante, como pessoa sem vínculo de
representação, o negócio jurídico. O ônus de alegar e provar é da empresa.
1.RETRIBUIÇÃO. A empresa deve a retribuição pela conclusão de cada negócio jurídico, ou, se
foi previsto, pela conclusão de certo número de negócios jurídicos, ou pela conclusão de negócios
jurídicos que atinjam determinada quantia. Quase sempre é percentual sobre o preço. Quem deve é a
empresa representada, e não o terceiro. De ordinário, em caso de cláusula dei credere, cresce a
retribuição. Além disso, tem o representante de empresa pretensão pelos adiantamentos e os
juros legais, se outros não foram previstos.
A retribuição é devida desde que se concluiu o negócio jurídico. À tradição do bem, ou do preço, para
a empresa representante nasce a pretensão.
É preciso que a atividade do representante de empresa tenha sido concausa da conclusão do negócio
jurídico. Se o negócio jurídico já estava preparado e se concluiu depois do contrato de
representação de empresa, sem qualquer atuação do representante de empresa, não há pensar-se em
retribuição. Idem, se o representante de empresa se recusou à conclusão,ou se essa ocorreu depois de
extinto o contrato de representação de empresa.
CAPÍTULO III
7.DENÚNCIA VAZIA E DENUNCIA CHEIA. A denúncia do contrato de representação de empresa pode ser
vasia, se não há prazo determinado para o contrato de representação de empresa, ou há de ser cheia, se o
contrato foi concluído a prazo determinado.
A publicidade há de ser a mesma que teve a outorga da representação de empresa. Se não foi feita a publicidade
que deveria ser feita, mas o terceiro conhece a denúncia e o comêço de sua eficácia, pode a empresa
representada opor ao terceiro que êle conhecia estar denunciado o contrato de representação de empresa.
O direito a denunciar com justa causa não pode ser pré-eliminado, quer em cláusula contratual quer em pacto
adjecto. A denúncia, qualquer que seja, é manifestação de vontade
receptícia. Para a sua eficácia, não importa se, após a manifestação, morre ou se torna incapaz o denunciante.
O representante de empresa exclusivo é o figurante do contrato de representação de empresa a que se conferiu o
poder de representação, em determinada zona ou por determinado tempo, com direito de exclusividade. Não se
confunde com o adquirente exclusivo, que é a pessoa, física ou jurídica, .a que a empresa promete vender todos
os seus produtos, ou determinada espécie de produtos. Ésse não é representante de .empresa e chamá-lo
Afleinvertreter, como fazem práticos e juristas alemães, implica êrro de terminologia. Sei a qual fôr o contrato
de representação ou de compra-e-venda é possível a denúncia cheia, se relevante o fundamento (HANS
WÍYRDINGER, Kommentar zum Handelsgesetzbuch, 1, 2.8 ed., 681). No direito brasileiro, não há regra
jurídica sobre o temvo em que pode ser feita a denúncia. A cláusula de exctusividade não pré-exclui a
desconstituição por denúncia cheia.
Título XXXIX
CAPÍTULO 1
1.CONCEITO. A fiança é promessa de ato-fato jurídico ou de outro ato jurídico, porque o que se promete é o
adimplemento do contrato, ou do negócio jurídico unilateral, nu de outra fonte de dívida, de que se irradiou, ou
se irradia. ou vai irradiar-se a divida de outrem.
Convém que se precise o conceito de fiança, no direito hodierno, especialmente no direito brasileiro, de modo
que não se intrometa qualquer concepção que foi a de algum momento ou época do passado. Daí termos
posposto o que se refere aos dados históricos sobre o contrato de aliança.
Ofiador vincula-se, não só sujeita, ou subordina a execução, o seu patrimônio. A dívida é pessoal. A execução
em seu patrimônio resulta de ter havido a exigência, conforme os princípios. O fiador não promete pagar se o
devedor principal não paga, nem promete pagar em lugar do devedor principal. Promete o adimplemento pelo
devedor principal. Se êsse não adimple, como o fiador prometeu, há infração da promessa de ato de outrem.
Não há assunção de divida alheia e tôda confusão a respeito é nociva à exposição científica. A assunção
de dívida alheia pode ser cumulativa ou substitutiva (Tomo XXIII, §§ 2.819-2.820), porém mesmo aquela não é
a fiança. Quem assume a dívida alheia faz-se devedor da mesma divida, quer se extinga, quer não, a do devedor
originário. Quem afiança promete que o afiançado paga. Não há solidariedade passiva, na fiança. Se o fiador se
faz principal pagador, conforme é de uso, apenas renuncia ao direito de excussão.
O fiador vincula-se à prática do ato de outrem, que é o. devedor principal: o fiador tem de adimplir o que
prometeu.. Em conseqüência disso, é devedor daquilo que prometeu: o ato--fato jurídico do pagamento, ou
outro ato jurídico de adimplemente.
Diz o Código Civil, art. 1.481: “Dá-se o contrato de fiança,. quando uma pessoa se obriga por outra, para com o
seu credor,. a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra”. No art. 256, o Código -Comercial estatui a
respeito da fiança mercantil: “Para que a fiança possa ser reputada mercantil, é indispensável que o afiançado
seja comerciante, e a obrigação-afiançada derive de causa comercial, embora o fiador não seja comerciante”. O
negócio jurídico bilateral é entre o fiador e o credor, que é o outorgado. Nenhuma ingerência jurídica tem, no
contrato, o afiançado, dito devedor principal. De regra, o devedor principal promete a fiança, em cláusula do
contrato -de que se gera a dívida, ou em pacto adjecto, ou em negocia jurídico unilateral, ou bilateral, ou
plurilateral, o que é o quod plerum que fit se a dívida é de origem extranegocial. Não raro o devedor apenas
manifesta a sua vontade de ter fiador, porém. não se pode dizer, com exatidão, que aí “consinta” ou “assinta”,
salvo se em algum negócio jurídico foi estipulado que as fianças, obtidas pelo credor, teriam de ser concluídas
com ciência e assentimento do devedor principal. No Código Civil, diz. o art. 1.484: “Pode-se estipular a
fiança, ainda sem consenti--mente do devedor”. Entenda-se: sem manifestação de vontade do devedor, ou
mesmo contra a sua vontade. Alguém pode-afiançar a dívida do desconhecido, ou ser desconhecido quem
afiançou. Conforme teremos de frisar, desconhecido pode ser -o próprio credor, desde que não se elida, com
isso, a bilateralidade do negócio jurídico.
Pode haver entre o devedor principal e o fiador negócio-jurídico pelo qual o fiador se vinculou a afiançar, ou a
dar -nova fiança. Tal negócio jurídico é estranho ao contrato de- fiança. Pode o devedor principal garantir o
fiador com penhor, ou outra garantia, inclusive mediante transmissão fiduciária de -propriedade. Não é afastada
a espécie, rara, de haver negócio jurídico entre o credor e o fiador, pelo qual êsse se vinculou (pré-contrato) a
afiançar alguma pessoa, ou algumas pessoas. que concluam negócios jurídicos com o credor.
2.FUNÇÃO DE FIANÇA. Sempre que o credor teme o inadimplemento, procura garantia real ou pessoal. O
devedor está sempre exposto a eventualidades, que podem determinar insolvência e, pois, abertura de concurso
de credores. Em vez de buscar devedores solidários, obtém a dívida de alguém que aceda à do devedor
principal. A fiança foi, no passado, a garantia mais usual e ainda desempenha papel de relêvo na vida
econômica de hoje. Alguns contratos, como os de locação de imóveis, quase só se concluem com fiador. O
fiador não assume a dívida afiançada. Apenas promete que o devedor principal adimplirá. ~ inconfundível com
assunção de divida alheia e com o contrato de garantia, a que adiante nos referiremos. O fiador não garante
determinado resultado, ou que não ocorrerá prejuízo. Quem garante, por exemplo, a efetivação de cobrança não
afiança; além disso, garante independentemente da dívida do terceiro (RuD. BAUER-MENGELBERG,
Biirgschaft, Schulddbernahme und Garantievertrag, 26 s.). O fiador não se vincula a mais do que aquilo a que
o devedor principal se vinculou. Por isso mesmo, se a dívida principal se extingue, ou se prescreve a pretensão
que lhe corresponde, a fiança cessa. Se o devedor principal tem de satisfazer indenização de danos, a dívida
principal aumenta e, com ela, a dívida de fiança. O momento para se conhecer qual a dívida afiançada é o da
dação da fiança. Nada que resulte de pacto posterior entre devedor e credor pode ser desvantajoso para o fiador.
Ofiador responde por seu patrimônio. A sua dívida não é a dívida do devedor afiançado. Os que o afirmam não
prestaram atenção à elipse (e. g., KARL LARENZ, Lehrbuch des Shculdrechts, 255) -: o fiador promete
portanto, a isso se vincula . o adimplemento pelo devedor; de modo que o adimplemento, por êle, é
adimplemento pelo adimplemento do devedor. Adimple a sua dívida, que é dívida do adimplemento pelo
devedor principal.
3.DEVER E ÔNUS DE AFIANÇAR. Esclarece alguns pontos que têm de ser focalizados a conceituação
prévia do dever de afiançar e do ônus de afiançar. Se a pessoa assume a dívida de fiança (= dá a fiança presta
a fiança) espontânea-mente, ou por amizade, ou por convergência fáctica de interesses, ou por generosidade,
inclusive caridade, não tinha dever(jurídico), nem Onus de afiançar. Às vAzes, tal dever ou tat ônus existe. Para
que isso ocorra, é preciso que se trate de relação jurídica anterior, ou de relação jurídica a que a conclusão do
contrato de fiança vai atender.
Se há dever, presta-se a fiança em cumprimento dêssa dever, o que se há de fazer no interesse do sujeito ativo
da relação jurídica de que se irradiam o dever e, pois, a obrigação de afiançar. O dever pode originar-se de
relação juridica criada por lei, ou de relação jurídica criada por algum negócio jurídico. Quase sempre, a
chamada fiança legal é a fiança que se presta por haver relação jurídica, criada pela lei, de que resulta o dever
de afiançar. Pode ser que a lei dê- ao juiz decidir se é necessária a fiança, ou se basta a fiança (em vez, por
exemplo, do depósito ou da caução), ou se a fiança, necessária, ou não, foi bem prestada. Então, na linguagem
corrente, se diz fiança judicial. A fiança não se torna judicial somente por ter o juiz condenado alguém a prestá-
la.
O Onus é pressuposto para algum efeito no interesse de-quem há de prestar a fiança, ou obtê-la para dívida sua,
ou direito seu.
O dever ou o ônus pode ser para que se preste fiança ao fiador (subfiança). O dever de afiançar ou o ônus de-
afiançar pode ser pressuposto para existência, ou a validada de algum negócio jurídico, ou apenas condição de
eficácia.
O dever e o ônus podem consistir em promessa de dar fiador, ou promessa de afiançar o próprio promitente. Na
dúvida, entende-se que o dever é de afiançar, e não de prometer dar fiador ou afiançar.
Só se há de considerar que o dever ou o ônus é de fiança ou de outra garantia quando se fala de fiança, sem se
ter empregado o têrmo “fiança” no sentido de caução, ou no sentido de depósito.
Se no pré-contrato de locação, o promitente locador exigiu que o promitente locatário desse, antes do contrato,
o fiador, e o prédio é entregue, ou é feito o contrato, sem que o locatário dê a fiança, infringe dever de afiançar.
Se foi dito que só se entregariam as chaves do prédio se o locatário entregasse a prometida fiança, há ônus de
afiançar. O interesse, aqui, é do onerado. Donde falar-se em auto-responsabilidade (GIAM AN
TONIO MICHELI, L’Onere deila Prova, 67). Às vAzes, tem-se de “oferecer” a fiança, de modo que a oferta já
exerce parte da satisfação do ônus.
4.DIvIDA AFIANÇADA. Quanto à fonte da divida que corresponde ao crédito do credor, a favor de quem se
dá a fiança, nenhuma distinção se há de fazer. Pode a dívida ter resultado, ou ir resultar, ou poder resultar, de
negócio jurídico unilateral ou bilateral ou plurilateral, ou de ato jurídico stricto sensu, ou de ato-fato jurídico,
ou de ato ilícita ou de fato stricto sensu lícito ou ilícito.
O contrato de fiança é entre o fiador e o credor, e não entre o fiador e o afiançado.
5.OBJETO DA DIVIDA FIDEJUSSÓRIA. Objeto da dívida fidejussória é o que há de prestar o fiador, o que o
credor quer obter com a vinculação do fiador. ~ errada a opinião que
-reduz a dinheiro o que o fiador há de prestar (e. g., GIORGIO Bo, Nuovo Digesto Italiano, verbo Fideiussione,
1114). Só as dívidas pecuniárias seriam afiançáveis, ou se teria de dizer o quanto em dinheiro que o fiador
garante. Desde que o crédito não seja de prestação que só sirva ao credor se feita pessoal-mente pelo devedor, é
óbvio que pode ser concluído o contrato de fiança. Porém, mesmo a respeito da dívida só exeqUível pelo
devedor, há a dívida de indenização pelo devedor inadimplente (Código Civil, art. 880, cf. arts. 929 e 1.056) ; e
a fiança, que foi dada, entende-se que é a garantia de qualquer modo de adimplemento. O contrato pode
determinar que o fiador adimpla a obrigação de fazer, executável por terceiro, ou que faça ser executada por
outrem, se não se trata de prestação que só o devedor pessoalmente poderia fazer. A pecuniariedade não é
essencial. Se a dívida é de prestar bem infungivel, como o prédio da rua tal, n. tanto, o adimplemento pelo
fiador pode ser com a transmissão da propriedade, ou com o correspondente à indenização que teria de prestar o
devedor (cf. EMIUO PACIFICI-MAzzONI, Istituzion-i di Diritto Civile Italiano, V, 2, 5~8 ed., 498; RICARDO
FUBINI, Ii Contratto di Locazione di cose, 1, 815).
O adimplemento, que se garante, pode ser de dívida que se originou de ato jurídico strzcto sensu, ou de ato
ilícito, de ato-fato jurídico, lícito ou ilícito, ou de fato strieto sensu lícito ou ilícito, ou de lei.
O objeto da fiança simples (fiança à divida) e o objeto da sub fiança ou fiança á fiança (fiança ao fiador) são
diferentes. O que o fiador de regresso ou retro fiador promete é o
-que o devedor principal (ou o fiador afiançado) deva, em via de regresso, ao fiador (ou ao subfiador). O objeto
da fiança de indenidade é o que corresponde ao que o credor não pôde conseguir na execução contra o devedor
principal. Não se confunde com o objeto da fiança com benefício de excussão, porque o fiador de indenidade
não está adstrito a nomear bens do devedor (-Código Civil, art. 1.491, parágrafo único). Só se pode ir contra o
fiador de indenidade quando se haja executado a dívida contra todo o patrimônio do devedor. A fiança de
regresso pode ser afiançada de indenidade: ai, o outorgado ~ o fiador (GIORGIO BO, Contributo alia Dottrina
dell’Obblidazzone fideiussoria, 81).
A fiança não pode garantir mais do que é o importe da dívida, ou do que êle será, O que é preciso é que se não
vá além do que o devedor teria de prestar; porque, se pudesse ir, o plus estaria na função de objeto de outro
negócio jurídico.
§ 4.782. Dados históricos
1.DIREITO BABILONICO E DIREITO ASSÍRIO. No antigo direito babilônico aparecia, embora raramente, a
fiança. Não se refere a ela o Código Hamurabi. Afiançar é sustentar a cabeça do devedor. Fiador é quem a
sustenta. Num dos documentos daqueles tempos sobre dívida de certo locatário, fala-se de alguém, que “é quem
sustenta a cabeça”, mu-ki-il ga-ag-ga-di-su. Sobre a expressão “sustentar, portar”, cf. DELITZSCHE
(Assyrisches Handwõrterbuclv, 819) e MUSS-ARNOLD (Assyrisok-englisch-deutsches Handwõrterbuoh, 879).
Cabeça capital (BRUNO MEISSNER, Reitráge zum altbabgorischen Privatrecht, 117; C. H. W. JOENS,
Assijrian deeds and documents, III, 8). -O fiador consola, protege o devedor (cp. XARL v. AMniA,
Nordgermanisches Obligationenrecht, II, 45; P. PUNTSCHART, Schuldvertrag und Treugelôbnis des
sdehsischeu Rechts im Mittelalter, 164). Aliás, no médio alto alemão. “trovestaere” era afiançar.
Também no direito assírio a mão exercia o seu papel:
o fiador é amêl quátá, homem da mão, ou qâtáti, senhor da mão. O símbolo é expressivo.
2.DIREITO GREGO. No primitivo direito grego, a fiança era parte integrante do contrato de que se irradiava a
dívida; três eram os figurantes: o credor, o devedor e o fiador. Não havia, prôpriamente, acessão, nem, a
fortiori, acessoriedade. No direito ateniense ainda se encontravam vestígios de tal essencialidade originária.
Noutras cidades gregas, muito tempo persistiram assaz vivos. Era o confirmador ou garantidor da venda que se
submetia à obrigação de garantir, e não o comprador (R. DARESTI, B. HAUSSOTJLLIER e T. REINACE,
Recueil des Inscriptions juridiques greeques, II, 100; R. DARESTE, La Scienoe du Droit eu Crêce, 150).
Já na Odisséja (VII, 305-359) aparece o contrato de fiança, a propósito do pagamento devido a Hefesto por
Ares, surprêso em flagrante de adultério. Posídon diz, claramente, que êle garante a paga a Hefesto pelo
adultério de Ares e de Afrodite. Parece que há assunção de dívida alheia, mas os ~ersos 355 e 856 aludem à
condição se Ares não pagar a dívida:
“se fugir e não pagar a dívida”. Há duas interpretações:
a de 3. E. ESMEIN (Mélanges d’A rchéologie et d’Histoire, flIl, 436) e de G. GLO’rz (La Solidarité de la
Familie danste droit ériminel eu Grêce, 152) e a de 3. PARTSCH (Griechisches Rúrgschaftsrecflt, 1, 11 s.).
Aquela traduz Uyyi5ai como prornessa; essa, como fiança. PAUL VINOORADOFE (Outíjues of Historicai
Jurisprudence, II, 284) repelia a interpretação de J. PARTSCH. flefestos aceitou oferta de Posidon, em vez de
executar o crédito contra Ares.
8.DIREITO GERMÂNICO. O direito germânico conhecia duas formas de fiança: a dação de refém
(Geiselschaft, obstagium) e a fiança de presença (Gestellunqsbiirgschaft). Pela primeira, alguém assumia a
responsabilidade pela dívida de outrem. O homem livre era entregue ao poder do credor, como Gisil, no alto
alemão, Geisel, obses, refém. Enquanto havia a divida, e não ainda a obrigação, em sentido técnico de hoje, o
poder do credor consistia em ser-lhe permitido reter o refém, não matá-lo, nem empregá-lo no seu serviço, nem
vendê-lo.
Extinta a dívida, saía êle do poder do credor. Se ocorria mora, perdia a liberdade e passaria a ser propriedade do
credor, que podia vendê-lo, mutilá-lo, matá-lo, ou tê-lo a seu serviço. A Gestellungsbiirgschaft era a assunção
da dívida de fiador, companheiro do devedor na Sippe: ou o fiador tomava o devedor sob sua custódia, como
Treuhiinder, e êsse seria entregue ao credor, se os parentes não o redimiam; ou o devedor continuava em
liberdade, ficando o fiador com a defesa dos direitos do credor, que lhe eram transmitidos “in treue Hand”, em
mão do fiador. No caso de inadimplemento pelo fiador, contra êle podia o credor empregar o que empregaria
contra o devedor.
Na Idade Média, perdurou, transformada, a fiança corporal, que passou a ser promessa de submissão ao
devedor, se fôsse exigida (promessa de reclusão, Einlagerverspreehen). Com a fiança patrimonial, o fiador
assumia a dívida de fiador, ou prometendo que o devedor prestaria, ou convertendo-se em devedor da dívida do
devedor. Podia dar-se mas era raro
a liberação do devedor, o que mudava a figura jurídica. Tôdas essas espécies eram personalissimas, porém,
depois, a fiança patrimonial gravou o patrimônio e fêz-se herdável. No século XVI, a reclusão (Einlager) foi
abolida, permanecendo, contudo, na Suiça, até o século XIX.
4.DIREITO ROMANO. Na fiança, os direitos e pretensões do credor contra o devedor principal e contra o
fiador existem sucessivamente, e não, como na solidariedade passiva, simultáneamente. Fala-se de obligatio
principalis, como de obrigação que vem em primeiro lugar, e de obrigação do fiador, que depende da existência
daquela, por ser accessio daquela. Mais se empregava em Roma do que hoje, pelo entre-laçamento de relações
de amizade e de confiança, que, na vida de agora, escasseia (FRITz ScrnrLz, Prinzipieu des rõmischen Rechts,
160 s.).
O ponto central para se afirmar a accessio da fiança à obligatio principalis está em GAIO (lnst., III, § 126) : “In
eo quoque iure par condicio est omnium, sponsorum, fidepromissorum, fideiussorum, quod ita obligari non
possunt, ut plus debeant quam debet is pro quo obligantur. At ex diverso ut minus debeant, obligari possunt,
sicut in adstipulatoris persona diximus. Nam ut adstipulatoris ita et horum obligatio accessio est principalis
obligationis, nec plus in accessione esse potest quam in principali re”. A condição de todos, dos esponsores, dos
fidepromissores e dos fidejussores é a mesma, de jeito que não se podem obrigar por mais do que é devido. Em
vez disso, podem obrigar-se por menos, como se diz sobre o adstipulador. A razão está em que, à semelhança do
que ocorre com o adstipulador, a obrigação é acessão da obrigação principal, e não pode haver mais na acessão
do que no principal.
Procurou F. PASTORI (Osservazioni in torno alia “sponsio” romana, Studia et documenta kistoriae et juris, 18-
14, 218 s.), mostrar que a sponsio clássica é negócio jurídico de garantia que faz nascer obrigação acessória e
que a expressão gaiana “accessio principalis obligationis” dos esponsores implica ter-se a validade da sponsio
acessa à estipulação nula como exceção à regra da acessoriedade. Repele êle a identificação da sponsio
originária à garantia do vindez ou com a dos praedes e vades.
A posição jurídica do esponsor e do fidepromissor era a mesma, mas diferente, dizia GAIO (Inst., III, § 119), a
do fidejussor. Os primeiros não podiam aceder senão a obrigações verbais, mas, mesmo assim, não o podiam se
a pessoa que prometeu não se obrigou, como se o pupilo o fêz sem assentimento do tutor (sine tutoris
auctoritate), ou se se prometeu dar algum bem após a morte. Discutia-se se o esponsor ou o fidepromissor se
obrigava se quem prometera era escravo ou estrangeiro. O fidejussor podia aceder a quaisquer obrigações, quer
pela coisa, quer por palavras, quer por escrito, quer consensualmente. Não se distinguia, tão-pouco, se a
obrigação a que acedia o fidejussor era civil ou natural: pois que o fidejussor se podia obrigar mesmo por
escravo, ou por estrangeiro, ou por dono de escravo, pelo que lhe é devido.
Lê-se em GAIO (Inst., III, § 119) : “Nam illi quidem nuílis obligationibus accedere possunt nisi verborum,
(quamvis inter-dum ipse qui promiserit non fuerit obligatus, velut si mulier aut pupilius sine tutoris auctoritate
aut quilibet post mortem suam dari promiserit. At illud quaeritur, si servus aut peregrinus spoponderit, an pro eo
sponsor aut fidepromissor obligetur). Fideiussor vero omnibus obligationibus, id est sive
re sive verbis sive litteris sive consensu contractae fuerint obligationes, adiici potest. Ac ne illud quidem
interest, utrum tívilis an naturalis obligatio sit cui adiiciatur: adeo quidem, ut pro servo quoque obligetur, sive
extraneus sit qui a servo fideiussorem accipiat, sive ipse dominus in id quod sibi debeatur”.
O conceito de acessoriedade é posterior ao de aceessio, ciado pelo direito comum, e não corresponde ao que se
pensava no direito antigo, principalmente na época clássica (W. FLUME, Studien zur Akzessorietãt des
rõmischen. Biirgschaftsstimulationen, 5 s.).
Na história do direito discute-se se a fiança nasceu no campo processual, ou no campo do direito material. A
teoria mais acolhida, que é a de L. MITTEIs (Aus rômiseflem und b#irgerlichem Rech,t, 120 s.), é a teoria da
originária processualidade da fiança, como de qualquer obrigação estipulatória. Com isso, ficariam
coincidentes as origens germanicas e as origens romanas da fiança. Contra, há argumentos fortes a favor da
origem extraprocessual.
A fiança romana constituía-se, dé regra, por contrato verbal. Não se confundia com o constitutum debiti alieni,
nem com o mandatum qualificatum, nem com o receptum argentarii.
A forma mais antiga foi, provàvelmente, a sponsio, limitada aos fiadores romanos; depois, veio a fidepromissio,
que os não-romanos puderam empregar. Ambas garantiam obrigacões principais estipulatôriamente contraídas.
Ambas intransmissíveis por herança (cf. E. LEVY, Sponsio, fidepromissio, fideiussio, 45 s.; V. KOROSEC, Pie
Erbenhaftung nach rõmischem Recht, 1, 65 s.).
A fideiussio foi criação para que não se constituísse a fiança apenas por contrato verbal. Já se abstraiu da causa
da obrigação principal, passou a independer da existência da obrigação principal e a ser transmitida aos
herdeiros.
No direito justinianeu, só há a fideiussio. Com a generalização da cidadania romana, a fidepromissio tinha de
ser fora de uso.
O credor ou ia contra o devedor ou contra o fiador. Em todo o caso, pelo que se lê em GAIO (L. 19, D., de
iniuriis et famosis libeilis, 47, 10), era de melhor ética primeiro interpelar-se o devedor principal. Se o credor, a
quem o devedor estava disposto a pagar, para o injuriar exigia dos fiadores o pagamento, expunha-se ã ação de
injúria. Com a litis contestatio, só o demandado permanecia vinculado. Todavia, se o terceiro tinha de prestar o
que o devedor não pudesse compensar, primeiro se ia contra êsse. Mas, ai, não se tratava de fiança, e sim de
contrato de garantia sob condição (certos, E. LEvY, Sponsio, lide promissio, jidejussio, 149, nota 8; e W.
FLUME, Studien zur Akzessorietãt der ràmischen Riirgsehafts Stionen, 57). -
A L. 28, C., de fidelussoribus et mandatoribus, 8, 40, eliminou a eficácia extintiva da litis contestatio, de jeito
que passou a persistir o direito do credor contra o devedor principal e contra o fiador até que se cumprisse a
obrigação. Criou-se -o direito do fiador a exigir que antes se demandasse o devedor principal (Novela 4, c. 1),
dito beneficium excussionis. A subsidiariedade acentuou-se.
No caso de pluralidade de fiadores, havia solidariedade passíva. Porém houve limitações ao princípio. A Lez
Fura de sponsu falou de quotas pelas quais respondiam esponsores e fidepromissores (GAIO, Jnst., III, 21, e
IV, 22), o que só se aplicava na Itália. Cp. Lez Appufria e Lez Publilia (GATO, III, 124).
Se o fiador havia pago, tinha direito a reclamar do devedor principal o reembôlso (direito de regresso). Se havia
negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente entre o fiador e o devedor principal, como o contrato
de mandato, ou se ocorrera gestão de negócios alheios sem outorga, a ação podia basear-se na fiança, ou na
relação jurídica existente entre devedor principal e fiador. A princípio, houve a adio depensi (GAIO, TU, 127, e
IV, 22), em se tratando de sponsio. A propósito da fiança, começou-se pelo exercício da ação oriunda da relação
jurídica subjacente, justajacente 011 sobrejacente, quase sempre a acUo mandati contrarza.
A transferência da ação do credor contra o devedor principal foi posterior ao direito clássico. Quando o direito
justinianeu acabou com a eficácia extintiva da litis contestatio, teve-se o que se chama beneficium cedendarum
actionum (Novela 4, cap. 1, in fine).
1.CONTRATO. A fiança é contrato. A promessa unilateral de garantia de dívida de outrem não é fiança. A
bilateralidade do negócio jurídico é-lhe essencial, pôsto que, por vêzes, o credor, que recebe a carta de fiança, a
aceite tâcitamente, ou pelo silêncio.
A assunção de dívida alheia cumulativa, dita adesão, a dação de penhor e a renúncia a preferência pignoratícia
são intercessões cumuiativas; a novação e a assunção de dívida extintiva são intercessões extintivas. A fiança é
intercessão cumulativa.
Não se pode, diante da acessoriedade da fiança, cogitar de dívida subjetivamente coletiva, como fêz Lonovíco
BARASSI (La Teoria Generale deite Obôligazioni, J, 23 ed., 189 s.; com razão, VALERIO CAMPOGRANDE,
Trattato deita Fidejussione nel diritto odierno, 44 e 123). Seria misturar-se com o negócio jurídico de que se
irradiou, ou se irradia, ou se vai irradiar a dívida garantida (negócio que pode não existir, por ter a dívida outra
fonte>, o negócio jurídico da fiança.
Costuma-se chamar garantia pessoal à fiança, mas a fiança é apenas uma das garantias pessoais. Outra, por
exemplo, é o aval. Não no é o mandato de crédito (sem razão VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato de lia
Fideiussioni nel diritto odiento,
127 s.), que de modo nenhum se há de ter como negócio jurídico acessório (cf. NICOLA STOLFI, IV, 473).
Por vêzes, em leis e decretos de pouca atenção à terminologia, aparece a fiança como caução, e a caução como
espécie de fiança, ou vice-versa; e. g., “prestará caução”, “prestará fiança” (no sentido de fiança ou caução). O
intérprete tem de descer ao exame do que se diz na lei, a despeito das palavras; e ao expositor compete limpar
de tais erronias ou confusões a terminologia. Dificilmente, quando se exige caução, se pode considerar
suficiente a fiança, que é garantia pessoal. (As próprias expressões “caução fidejussória” e “fiança caucional”
devem ser evitadas.)
2.CONTRATO UNILATERAL. O contrato de fiança é unilateral. Só se vincula a prestar quem dá a fiança. Não
há, portanto, no sistema jurídico brasileiro, a fiança comercial de que cogitava o Preussisch,es Aligemeines
Landrecht, 1, 14,~§ 363 s. Se alguém, para dar fiança, recebe algo, ou vai receber algo, há outro negócio
jurídico, subjacente, justajacente, ou sobrei acente, em que ressaltam a promessa de prestar a fiança e a
promessa de retribuir a prestação do ato negocial. Pode tratar-se de seguro de crédito, de modo que não se
poderia invocar o que é peculiar à fiança. Quando se promete prestar fiança e se presta a fiança, está adimplido
com o contrato unilateral o dever que se irradiara do contrato bilateral, aliás pré-contrato.
No Código Comercial, art. 259, estatui-se: “O fiador ~mercantil pode estipular do afiançado uma retribuição
pecuniária pela responsabilidade da fiança; mas estipulando retriibuição não pode reclamar o beneficio da
desoneração permitido no art. 262”. 2,Com o art. 259, 1a parte, concebeu-se a fiança onerosa, ou se trata de
outro contrato? A fiança onerosa é anormalidade, que os sistemas jurídicos evitam. Admitiram-na G. PLANCK
(J≤ommentar, f~, ‘13 ed., 821), OTTO VON GIERRE (Deutscltes Privatrecht, III, 777), ‘OTTO WARNEYER
(I<ommentar, 1, 1206) e outros. Contra, L. ENNEOCERUS
-II. LEHMANN (Lehrbuch, II, 606). É estranhável que não se tenha pôsto nos devidos termos a questão. Se é
permitido e de uso que se dê ou se prometa retribuição ao fiador, o que de início se há de examinar é a estrutura
do negócio jurídico em que se diz, ou se supóe, que tal acontece. Ora, a fiança é negócio jurídico entre o fiador
e o credor, e não entre o devedor principal e o fiador. O que ocorre entre êsses de ordinário só se passa no
mundo fáctico: o devedor principal, quase sempre futuro devedor, promove a fiança, pedindo a quem possa e
queira afiançar que conclua com o credor o contrato de fiança. O que quase sempre entre o devedor e o futuro
fiador só se dá no mundo fáctico pode ter entrada no mundo jurídico, como se, em vez de remeter presente ao
fiador, o devedor lhe promete prestar x por tempo de seis meses ou de um ano que dure a fiança da locação em
que o afiançado é locatário. O negócio jurídico conclui-se entre o fiador e o afiançado, o que nada tem com a
fiança, contrato unilateral entre fiador e credor.
Grave êrro foi o de M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA (Contratos no Direito Civil brasileiro, II, 410), ao
considerar bilateral o contrato de fiança se concluído entre o fiador e o devedor. Ora, tal negócio jurídico, ainda
se inserto no mesmo instrumento, não seria o contrato de fiança, mas sim pacto subjacente, justajacente (inserto
no mesmo instrumento, ou concluído simultâneamente, mas com outro instrumento) ou sobrejacente.
Lamentável que citasse o texto de M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA a 2.~ Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, a 23 de março de 1943 (R. dos T., 147, 158).
~A fiança pode ser dada unilateralmente? Antes de quaisquer considerações sobre o fundo da questão,
advirtamos que ela nada tem com a de ser admissível a aceitação não escrita da oferta de fiança.
A promessa ao público de fiança vincula, porém não se pode pensar em incidência integral das regras jurídicas
sobre o contrato de fiança. É o caso de quem promete ser fiador, ou promete afiançar quem, sendo empregado
da empresa, compre apartamento a prazo, ou compre lote de terreno. De ordinário, há a promessa de contratar
fiança, mas pode ser feita, desde logo, a promessa de fiança.
Também pode a fiança ser incorporada em titulo de crédito (crédito de fiança), mas houve o negócio jurídico
subjacente.
4.PRÉ-CONTRATO DE FIANÇA. Quando o pré~contratO de fiança é feito entre o credor e o futuro fiador,
não há qualquer dúvida sobre se se trata de pré-contrato. A preparatoriedade do pré-contrato de fiança entre
futuro fiador e devedor não justifica que se distingam duas espécies: o pré-contrato preliminar, que seria o pré-
contrato com o credor, e o pré-contrato preparatório, se com o devedor (sem razão, MICHELE FRAGMJI,
Fideiussorie, Mandato di credito,. 21), tanto mais quanto êsse pré-contrato pode ser posterior ao contrato do
devedor com o credor.
Os juristas que afastavam os pré-contratos de fiança porque não admitem promessa de doação não tinham
qualquer razão. Os dois pré-contratos podem existir.
Pode-se prometer a fiança prestada por terceiro. Aí, promete-se negócio jurídico de outrem. O terceiro há de ser
determinado, ou determinável a certo momento, ou terceiro que satisfaça as exigências do art. 1.489 do Código
Civil e outras, que no negócio jurídico se apontem.
O testador pode estabelecer que herdeiro ou legatário preste fiança, ou que dê fiador, ou como obrigação
surgida da aceitação da herança ou do legado, ou como ônus ou modus, se determinação acessória.
Discutia-se se o testador pode afiançar, causa mortis. A resposta tem de partir de esclarecimento da questão. O
testador não se pode fazer fiador, porque, à abertura da sucessão, já êle não existe, e a fiança é garantia pessoal.
O que êle pode fazer é criar dever ou ônus ao herdeiro ou ao legatário. Ali, o inadimplemento tem as
conseqüências próprias, que podem ser a de ressarcimento, ou a de substituIção do beneficiado, ou, em se
tratando de ônus, ou de modus, as que lhe são peculiares.
1.SUBFIANÇA. A sub fiança é fiança a fiador; afiança-se a divida que o fiador, com a sua promessa, assumiu.
O fiador prometeu que o devedor principal adimpliria; o sub-fiador promete que o fiador adimplirá o que
prometeu: o adimplemento pelo devedor principal. A subfiança é afiançável, o que estabelece a possibilidade de
subfianças a subfianças. Nada obsta a que a subfiança seja anterior à fiança, uma vez que se preveja a sua
dação. Assim como se pode afiançar a dívida futura, afiançável é a futura fiança. As circunstâncias
podem sugerir ou exigir que se preste a subfiança antes de se ter concluído o contrato de fiança. As regras
jurídicas sobre fiança são invocáveis, inclusive a do art. 1.491 do Código Civil (beneficium excuSSiOni.O.
Lê-se no Código Civil, art. 1.482: “Se o fiador tiver quem lhe abone a solvência, ao abonador se aplicará o
disposto, neste Capítulo, sobre fiança”.
A subfiança é fiança da fiança; a retrofiaança fiança à fiança. Aquela favorece o credor principal; essa, o fiador.
A subfiança pode ter as espécies que a fiança pode ter. Pode haver a solidariedade e pode não haver, rode ter
sido inserto pacto de retribuição, ou ter sido feito adjectamente~ e pode não ter havido. Pode ser fiança ao
adimplemento, ou de indenidade.
A fiança da fiança garante o adimplemento pelo fiador: o credor tem ação contra o fiador do fiador, como fiador
do segundo grau. O subfiador que paga sub-rogações nos direitos do credor a quem pagou e pode ir contra o
fiador ou contra o devedor.
O fiador do fiador somente tem de adimplir se o fiador
não adimple. Não importa se incapaz o fiador afiançado, ouo devedor, ou ambos. O fiador do fiador tem por si
o benefício de excussão, se não se fêz fiador solidário do fiador. A relação jurídica de dívida principal, para o
abonador,não é a que existe entre o devedor principal e o credor, mas a que se estabeleceu entre o fiador e o
credor. Tem êle a seu favor as exceções extintivas e as objeções que competem ao fiador e as que competem ao
devedor principal. No caso de pluralidade de abonadores, há solidariedade,nu êles são conjuntos ou simples.
Os princípios são 05 mesmos;e não se há de confundir com a solidariedade em relação ao fiador a solidariedade
entre co.abOnadOres. Quando há subfiadOr ou abonador, ao fiador principal deve-se chamar pré-fiador
(Vorbiirge). Se o fiador principal paga, a êle se transmitem os direitos do devedor principal,•não os direitos
contra o abonador. Não se trata de crédito•acessório ao crédito principal, e sim ao crédito contra o fiador
principal. Se o abonador paga, adquire o crédito contra e fiador principal (pré-fiador).
Quando há fiador do crédito principal e outro para a pretensão de regresso dêsse fiador contra o devedor
principal, há retro fiança ou fiança de regresso.
Nenhum dêsses casos é de co-fiança.
Dois ou mais subfiadores para o mesmo pré-fiador, ou dois ou mais retrofiadores para o mesmo crédito de
regresso~ são, para o pré-fiador, ou para o mesmo crédito de regresso, co-fiadores.
Se o fiador paga, pode ir contra o retrofiador, com a ação de regresso. Se paga o retrofiador, adquire êle a
pretensão de regresso, não porém o crédito do credor principal (credor originário).
8. CO-FIADORES. Os co-fiadores podem ser próprios ou comuns. A distinção assenta no suporte fáctico. No
art. 1.493 do Código Civil tanto se alude aos co-fiadores próprios como aos comuns, isto é, tanto a A, B e C que
se vincularam separadamente, talvez mesmo sem se conhecerem, como A, B e C que assinaram o mesmo
instrumento ou se fizeram explícitas referências. Uma das consequências da co-fiança comum é a de
incidir o art. 158, 1Y parte, do Código Civil se há nulidade quanto a uma das fianças, salvo se seria de admitir-
se que, sem ela, os outros fiadores se vinculariam (KARL KANKA, Die Mitbiirgschaft, Jherings Jahrb’dcher,
87, 181).
Entre o credor e todos ou alguns dos co-fiadores podem ser estabelecidos graus para as garantias, bem como
prazos em que cada um, ou alguns, ou todos têm de adimplir o prometido (KARL KANKA, Die Mitbúrgschaft,
Jherings Jahrbiicher, 87, 141). Pode-se estabelecer o quanto que cada um afiança, como, para um, ou para
alguns, ou para todos, fazer-se facultas alternativa a dívida de fiança.
O pagamento em consignação por um dos co-fiadores pode ser feito. Bem assim, o pagamento por
compensação. O que se discute é a) se é preciso, no caso de compensação, ter o credor exercido a pretensão
contra o co-fiador, ou b) se êle espontânea-mente pode pagar, compensando, se não foi exercida a pretensão
nem contra êle nem contra o devedor principal, ou e) se tem de ser exercida contra todos os fiadores. O que é de
exigir-se é que a divida esteja vencida, em mora o devedor, para que o fiador um dos co-fiadores possa solver.
Discordam as opiniões de P. LANGI-IEINEKEN (Der verhaltene Ànspruck, 49 s.), W. WESTERKAMP
(Bhirgschaft und Schuldbeitritt, 402 s.) e outros.
4.FIANÇA DITA “EX LECE” E FIANÇA DITA JUDICIAL. Se alguma regra jurídica estatui que alguém
responde como fiador, há a vinculação legal semelhante à de fiança.
A usual classificação da fiança em negocial (contratual), Legal ou judicial refere-se à fonte da dívida, e não à
dívida fidejussória. Mas há confusão. Na primeira espécie, é o negócio jurídico que cria a relação jurídica de
fiança (fiança voluntária), talvez já devida, como se havia dívida (legal ou negocial) de prestar fiança
(obrigação de afiançar), ou ónus de prestar fiança, de origem negocial ou legal. De modo que há a fiança
voluntária devida e a fiança voluntária não-devida ou espontânea. Digamos “simples”, e não “voluntária”,
porque não há fiança sem volição.
A fiança legal é garantia de que a lei incumbe alguém, de modo que a lei cria o dever ou o Onus de afiançar. Os
exemplos que se apontam de fiança legal sem ser através do adimplemento de obrigação ou de satisfação de
ônus de afiançar não são fianças legais, no sentido em que podemos falar de fianças legais. Convém que
analisemos os casos principais.
Na cessão por título oneroso, o cedente, mesmo se não se responsabilizou, é responsável ao cessionário pela
existência do crédito ao tempo em que lho cedeu (Código Civil, art. 1.073, 1~a parte). Idem, nas cessões por
titulo gratuito, se procedera de má fé (art. ~~Q73, 2.~ parte). Não há, aí, fiança legal. Nem se deve falar de
garantia, no sentido técnico, êrro de terminologia que levou à redação do art. 1.266 do Código Civil italiano~
que diz, na primeira espécie (cessão a título oneroso>, que “il cedente ê tenuto a garantire l’esistenza deI
credito”, e, na segunda espécie, que “la garanzia é dovuta”. Nenhuma promessa se faz de adimplemento por
outrem: se o negócio jurídico não chega à sua plena eficácia, por não existir a dívida cedida, o cedente
responde, porque cedeu o que não era seu. Há responsabilidade, e não garantia (sem razão, LoDovíco
BARASSI, Teoria Generale delle Obbligazione, III, 2.~ ed., 303 s.). O elemento de acessoriedade não aparece.
O fiador garante o adimplemento por outrem. O cedente, não, é responsável pela sua própria dívida.
Tão-pouco se pode considerar fiança a responsabilidade do mandatário, ou do procurador, ou do intermediário,
ou d& mediador que obrou em nome próprio. É êrro que se há de evitar o de aludir-se a garantia se o
intermediário ou o mediador ou o mediador ou o mandatário oculta o nome do figurante.
Dá-se o mesmo quanto à responsabilidade dos sócios, pois a responsabilidade subsidiária, em tais espécies, não
é fiança. A subsidiariedade não torna de fiador ou de co-fiadores a responsabilidade. Não é fiador o delegante,
responsável subsidiàriamente, na delegação cumulativa; e tantos outros responsáveis subsidiários que o sistema
jurídico aponta. Não há o regresso entre os sócios (= o art. 1.495 do Código Civil não é invocável). Nem é
invocável o art. 1.499 do Código Civil. Nem o art. 1.503, 1. Não se trata, evidentemente, de fiança. (Tem-se de
considerar tal responsabilidade de sócio como~ “complementar”, o que é mais preciso do que “subsidiária”, e
foi expressão empregada em RENZO BOLAFFI, La Societá .semplice, 384.)
A “fiança” que se presta se o crime é afiançávei (Código Penal, arts. 322-350), ou se o é a contravenção penal,
ná& é fiança, é caução. Mesmo em tais espécies, a caução é ônus, para que se possa soltar o acusado. Diga-se o
mesmo quanto à chamada fiança da Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951 (crimes contra a economia
popular), art. 59, e da Lei n. 1.802, de 5 de janeiro de 1953 (crimes contra a segurança do Estado), art. 141,
parágrafo único.
A fiança judicial também é, apenas, fiança voluntária, que se presta por obrigação ou por ônus perante o juiz. A
obrigação ou o ônus há de resultar de Lei.
Temos, portanto, de reconhecer que tôdas as fianças são voluntárias. A diferença é que algumas nada as suscita,
isto é, não há obrigação nem ônus de as prestar, e outras, embora voluntárias, são precedidas da obrigação ou do
ônus. Aquelas são as fianças simples; essas, legais, que a obrigação seja adimplida sem ser em juízo, ou o ônus
satisfeito, sem ser em juízo, quer aquela ou êsse seja de exame pelo juiz (fianças. judiciais).
1.PRECISÕES. Alguns contratos se parecem com o contrato de fiança. Para que se afastem confusões, o que
se faz mister é partir-se dos elementos essenciais à fiança e exigir-se que estejam inclusos para que se possa
pensar em relação jurídica fidejussória. A acessoriedade é um dêles. O outro é a promessa de adimplemento de
dívida do terceiro à pessoa a quem se dá a fiança.
2.ASSUNÇÃO DE DÍVIDA ALHEIA. Na assunção de dívida alheia, quem assume passa a ser o devedor, ou a
ser co-devedor, se há cumulatividade (co-assunção de dívida). Quem assume a divida alheia não quer ser
devedor secundário, devedor do adimplemento por outrem. Se não é cumulativa a assunção, o assumente faz-se
o devedor, em lugar daquele que o era.
A tais situações não se estendem, de jeito nenhum, as regras jurídicas sobre fiança.
3.NEGÓCIO JURÍDICO ABSTRATO AO LADO DE NEGÓCIO JULtI DIGO CAUSAL. Também não se
confunde com a fiança o negócio jurídico abstrato, que se conclui ao lado de outro negócio jurídico, de modo
que o credor somente possa exigir uma vez o que é prestação de um e do outro negócio jurídico. Assim ocorre,
por exemplo, se A comprou a B por x o imóvel, a prestações mensais, e C dá notas promissórias a A,
correspondentes ao que E teria de pagar. Aí, não há assunção de dívida alheia, nem há fiança: apenas se
estabelece solidariedade de dívidas.
4.CONTRATO DE GARANTIA. Contrato de garantia é aquêle pelo qual alguém promete responder, no todo
ou em parte, pelo risco que o outro figurante possa sofrer em negócio jurídico de que seja figurante. Os
exemplos melhor esclarecem:
B, por sugestão de A, montou hotel na pequena cidade, e A assume a responsabilidade pelos défices que
anualmente ocorram, ou pelos lucros de x por cento; B, a quem A deu em locação a loja, monta armazém,
depois de C lhe haver garantido que a renda será de x por cento, ou, próximo a findar-se o contrato, que A o
renovara.
O contrato de garantia não é acessório, e sim independente. Não se promete o adimplemento por parte de
devedor principal, mas indenização de dano sofrido, ou determinada renda, ou outro resultado.
Quem afiança, em principio, somente o faz por amizade, altruísmo ou solidariedade humana. Quem contrata em
garantia tem interesse próprio, pois não se restringe a prometer o adimplemento pela pessoa que lhe merece tal
atitude.
Nos contratos de garantia a prazo, quase sempre o garante apenas reitera o que afirmara no contrato de compra-
-e-venda, ou de locação, para que fique assegurada a qualidade ou o bom funcionamento da mercadoria (e. g.,
da máquina de lavar, ou do barco, ou do automóvel). No contrato pode haver alternatividade: indenizar, ou
substituir o objeto do negócio jurídico. Muitas vêzes a cláusula de garantia insere-se no próprio contrato de
compra-e-venda, ou no de locação, ou noutro contrato.
O contrato de garantia também é unilateral, só vincula o garante. Se nêle se pôs a cláusula de dever o outro
contratante prestar mensalidade, ou levar a cabo o que empreendeu, há contrato inominado, no qual se têm de
observar as regras jurídicas peculiares à vinculação do outorgado e as regras jurídicas especiais sobre o contrato
de garantia, regras jurídicas, essas, não escritas.
•A forma do contrato de garantia não é necessAriamente a forma escrita. A êle não se estende a regra jurídica
do art. 1.488 do Código Civil ou do art. 257 do Código Comercial.
A responsabilidade do garante é por todos os danos que advenham, inclusive os provenientes de casos fortuitos;
salvo se no contrato há restrição. Não se incluem os danos oriundos de culpa do próprio figurante garantido.
Se o risco, pelo qual se responde, é por falta de adimplemento, a garantia parece-se com a da fiança; mas, em
vez de se prometer o adimplemento pelo devedor, o que se promete é a indenização pela falta de adimplemento,
podendo dar-se, o que frequentemente ocorre, que se indenize o risco, mesmo se inválido o negócio jurídico, ou
se não se concluiu, juridicamente, o negócio jurídico. O art. 1.488 do Código Civil não é invocável.
A assinatura aposta a contrato de locação, na qualidade de coobrigado, não é, em caso de dúvida, fiança, mas
promessa de garantia independente da dívida que resulte do contrato de locação (HANS REICHEL, Die
Schuldmititbernahme, 288).
Também há promessa de garantía e não fiança, se foi dito “sob garantia pelo capital e juros”, em negócio
juridico de cessão. Bem assim, a promessa de indenização pelo que, a propósito de alguma operação mercantil,
ou outra razão, possa a outra pessoa sofrer.
Nos contratos de garantia ou promessas de garantia, o credor não é adstrito a acionar o devedor. Não há
acessoriedade, nem subsidiariedade. Se o garante paga, em quase todos os sistemas jurídicos não se sub-roga
nos direitos do credor; no direito brasileiro, pode ser caso de invocação do art. 985, III, do Código Civil. Não é
admitida a compensação da prestação garantida contra o credor.
5.MANDATO DE CRÉDITO. Quando alguém dá Poderes a outrem para, em nome próprio e por conta própria,
dar crédito a terceiro, é dito mandatário de garantia, e responde ao mandatário, como se fiador fôsse, pela dívida
do terceiro, decorrente da dação de crédito. Há, aí, o mandato de garantia ou mandato de crédito
(Kreditauftrag). O mandato de crédito é mandato para que se faça credor. Pode ser para que empreste, ou faça
negócio jurídico em que o terceiro fique devedor, ou para que adimpla o que prometera como crédito. Um dos
pressupostos é que haja relação jurídica de mandato, no sentido do art. 1.288 do Código Civil ou do art. 140
do Código Comercial. Se falta êsse elemento, há apenas fiança (G. PLANCK, Kommentar, II, 846; sem razão,
M. E. ECCIUS, Verbúrgung fúr eine ktinftige Schuld und Kreditmandat, Gruchots Beitrdge, 46, 55). Não basta
a renúncia à revogabilidade do mandato para fazê-lo fiança (L. ENNECCERUS-H. LERMANN, Lehrbuch, II,
623, nota 11; sem razão, OTTO VON GIERKE, Deutsckes Privatrecht, III, 792, nota 123).
O mandato de crédito é espécie dos contratos de gestão de negócios de crédito. Por influência de conceito
extrapolado de mandato, o que se deve evitar, os juristas alemães chamam mandato de crédito a contratos que
não são de mandato, e até há os que o defendem (e. g., WEIDEMANN, Der lCreditauftrag, Zeitsclirift fitr das
gesamte Handelsreeht, 53, 450).
O mandatário de crédito vincula-se a adimplemento. Enquanto não adimple, ou não se vincula perante o
terceiro a adimplir (não promete o crédito), o mandante do crédito pode revogar o mandato. Pode ser
denunciado pelo mandatário e, se não houve vontade contrária, extingue-se com a morte do mandatário. Os arts.
1.322 e 1.323 do Código Civil incidem. Se remunerado o mandato de crédito, a denúncia é conformo a locação
de serviços ou de obra.
Se o mandatário vem a saber ser inconveniente a dação do crédito, tem de comunicá-lo imediatamente ao
mandante.
Uma vez dado o crédito, o mandante responde como fiador.
Omandato de crédito pode consistir em promessa de dação de crédito (mandato de abertura de crédito). 1-lá,
então, mandato de pré-contrato de crédito.
Se o mandato de crédito não foi concebido como irrevogável, pode ser revogado enquanto não cumprido
(assim, M.E. ECCIUS, Verbúrgung fiir eine kúnftige Schuld und Kreditmandat, Gruchots Reitrãge, 46, 55;
WEIDEMANN, Der Kreditauftrag, Zeitschrift fiir das gesamte Handelsreeht,
53, 473).
Na ordem de crédito, quem ordena assume posição de fiador, mas é ineliminável a relação jurídica de mandato
do credor para que credite ao devedor principal.
Sobre o conceito, a natureza, a eficácia e a extinção do mandato de crédito, §§ 4.799-4.820.
6. DOAÇÃO. A unilateralidade do contrato de fiança fêz pensar-se em se tratar de doação, porém o assunto
não foi suficientemente discutido e versado. Afirma que há doação, se ocorre enriquecimento do outorgado,
entre outros, G. PLANCK (Kommentar, II, 427) ; discorda, H. DERNEURG (Das B-Urgeriiche Recht, II, 2,
156). O interesse do fiador não sai do mundo fáctico: pode ser fàcticamente mais interessado na conclusão do
contrato de fiança do que o afiançado e do ~jue o próprio credor. Juridicamente, não há prestação real antes de
ter sido efetivamente entregue o que devia ter sido entregue pelo devedor principal. Até então há a promessa e a
dívida do ato de terceiro, que é o devedor principal.
Se alguém assume a responsabilidade para o caso de o provável devedor principal não se vincular, ou de a
dívida principal se extinguir por impossibilidade superveniente, ou outra causa, não há fiança: há promessa de
garantia, ou há doação. Dá-se o mesmo se com o contrato se assegura o credor contra exceção que tem ou tenha
o devedor, salvo se, a despeito da exceção, fica obrigação natural a que a fiança se refira (afiançamento de
obligatio naturalis).
9. TÍTULOS DE FAVOR E FIANÇA. Os títulos de favor não são fianças. Ou sejam de subscrição, ou de
aceite, ou de aval, ou de endôsso do favorecente, assume êle divida cambiária ou cambiariforme, e com o título
o favorecido obtém o crédito que lhe interessa, ou o dinheiro. Entre favorecente e favorecido, fora do titulo, há
o pactum de cambiando cum tertio. Diante do terceiro, ou dos terceiros, o favorecente é apenas cambiária ou
cambiariformemente vinculado. Nenhuma promessa faz o favorecente de adimplir, isto é, de pagar. Em vez
disso, entre êle e o favorecido apenas há a promessa do favorecido de adimplir, se se inseriu no título cambiário
ou cambiariforme, ou de entregar ao favorecente aquilo com que êle adimpla. Se o favorecido deixa de prestar e
o favorecente presta, pode êsse, com fundamento no negócio jurídico existente entre êles, exigir do favorecido
o reembôlso mais a indenização das despesas e danos. a) Viu GUSTAVO BONELLI (Deila Cambiale,
deli’Assegno bancario e dei Contratto di Conto corrente, 55 s.), no título de favor, fiança incorporada no título
de crédito, constituída entre o favorecido e o favoretente, o que de modo nenhum se há de admitir. b) Outros
apontaram no titulo de favor negócio jurídico preparatório entre favorecido e favorecente, do qual resulta a
relação jurídica fidejussória entre o favorecente e o possuidor: aquêle por declaração unilateral de vontade fêz-
se fiador (assim, ISIDORO LA LUMIA, Le Firme cambiarie di favore, 45 s.; L’Obbiigazione cambiaria e ii
suo rap porto fondamentale, 321). e) Para outros, a firma de favor apenas tem o fim de garantia, como podia ter
qualquer outro (VITTORIO ANGELONI, La Cctmbiale e ii Vaglia cambiario, 23 ed., 505; GIORGIO DE
SEMO, Diritto Cambiario, 537). A primeira opinião peca pela base: além de pôr como figurantes da pretendida
fiança o devedor favorecido e o favorecente, quer eficácia a favor do possuidor, o que inseriria em promessa de
dívida estipulação a favor de terceiro. A segunda constrói a fiança como oriunda de declaração unilateral de
vontade, sendo beneficiado o possuidor (~ por que unilateral, se é inegável o que se passou entre o favorecido. e
o favorecente?). A terceira procura efeito de garantia, que seria plus em relação à eficácia cambiária ou
cambiariforme.
De início, afastemos que haja qualquer garantia, salvo se se trata de aval de favor, mas êsse garante porque é
garantia cambiária ou cambiariforme, e essa não precisa de qualquer explicação, nem vem ao caso. Quase
sempre, no pactum de cambiando cum tertio, o favorecido “garante” o pagamento eventual pelo favorecente,
mas isso também é estranho às relações jurídicas com o possuidor. Na verdade, não há qualquer garantia do
favorecente aos outros figurantes cambiários ou cambiariformes.
O negócio jurídico de assunção cambiária ou cambiariforme de favor, como qualquer outro título de favor, cria
dever de assumir a dívida. FreqUentemente, foi oral a conclusão; e pode dar-se que não se possa provar, por ter
sido no plano da confiança (e. g., morreu o favorecente e o favorecido cala). Tal negócio jurídico envolve
outorga de poder, porém outorga’ de poder que permanece somente entre os dois figurantes, favorecido e
favorecente, sem que alcance o atual ou o futuro possuidor do título, mesmo porque não houve, sequer,
qualquer estipulação a favor de terceiro. No momento em que o favorecente subscreve, ou faz o saque, ou
aceita, ou endossa, ou avaliza, cumpre o que prometeu ao favorecido. Porém não se pode deixar de referir o
título de favor ou a assunção de favor entre outra pessoa, que o favorecido, e o favorecente, como se B obteve
de D que avalize o titulo de A em que tomador é C. Aí, o pactum de cambiando cum tertio é entre B e D, e não
entre A e D.
O pactum de contraflendo cum tertio pode ser contrato, ou pré-contrato, ou não haver pactum, mas negócio
jurídico unilateral como se A prometeu, públicamente, avalizar as notas promissórias de todos os empregados
da empresa que fizerem contratos de aquisição de apartamento residencial, ou de casa, na zona do trabalho.
O possuidor do título em que está a assinatura de favor nada tem com o que ocorreu entre o favorecido (ou o
terceiro, que curou de interesse dêsse) e o favorecente, salvo se foi figurante do pactum ou cúmplice de algum
ato ilícito a respeito, caso em que a exceção poderia vir à tona se êle e o obrigado estivessem em contacto. Não
tem relevância o simples fato de o possuidor ter conhecido o pacto concluído, ou a promessa unilateral do
favorecente.
Qual a causa do pacto ou da declaração unilateral não interessa ao assunto, porque o título de favor pode ser
abstrato (se cambiário ou cambiariforme êle o é). A causa donandi às vêzes ocorre. Se o favorecido, em vez de
aceitar doação, ou de pedi-la (oferta pelo donatário), promete provisão ao favorecente para que pague,
eventualmente, e não no faz a tempo, o favorecente, que ainda não se vinculou, pode recusar-se a vinculação,
com fundamento no art. 1.092, 13 alínea, do Código Civil (exceção non adimpleti contractus, ou non rite
adimpleti contractus), e não no art. 1.499, concernente à ação de relevamento. Daí serem fontes de confusões
as alusões a relevamento em caso de títulos de favor, como se dá, por exemplo, em TUILIO ASCARELLI
(L’Astrattezza nei titoli di credito, Rivista. dei Diritto Commerciale, 1932, 1, 410).
O favorecido tem de reembolsar o que o favorecente pagou e indenizou. Não se trata de sub-rogação pessoal do
favorecente, com base nos arts. 1.495, 13 parte, do Código Civil, 1.496 e 1.497, mas de responsabilidade pelo
inadimplemento do que êle prometeu (arts. 1.056-1.061, 1.062-1.064).
10.GARANTIA REAL E FIANÇA. A prestação de garantia real pode ser pelo devedor, ou por outrem,
inclusive pelo fiador. A fiança não se torna real se limitada e coincide com o limite da garantia real. Se o bem
gravado perece, a fiança persiste. A responsabilidade de quem empenhou, ou hipotecou, ou por outro modo
gravou o bem em garantia, resulta de ter gravado o bem: o “credor” hipotecário é o titular do direito real de
garantia, mas o gravame não supõe a dívida pessoal e a responsabilidade do dono do bem deriva do gravame,
ao passo que a fiança é assunção de dívida, a dívida do adimplemento pelo devedor.
Se o fiador também deu garantia real, nem sempre se há de entender que êle garantiu o adimplemento da divida
de fiança, pois mais freqUente é que se garanta a dívida do devedor principal. A diferença tem importância para
se saber qual a primeira ação que o devedor há de propor: a da fiança, ou qualquer das duas, ou primeiro a da
garantia real.
11. SEGURO E FIANÇA. O contrato de fiança é inconfundível com o contrato de seguro. Durante algum
tempo pensou-se que a existência de cláusula ou pacto de retribuição ao fiador tornaria contrato de seguro o
contrato de fiança. A relação jurídica oriunda do contrato de fiança acede a alguma relação jurídica, que
corresponde à dívida que se afiança. O contrato de seguro nada tem de acessório. O contrato de fiança é
gratuito. Qualquer cláusula ou pacto de retribuição é estranho ao contrato de fiança. Mesmo o seguro de crédito
não tem acessoriedade. Mesmo a fiança de indenidade é acessória. Não é verdade que seguro sêmente possa
existir se profissional de seguros a empresa (sem razão, PlEno MANFREDI, Dei Contratto di assicurazione,
229) : há profissionalidade da dação de fiança e pode não ser companhia de seguros o segurador. A questão da
incidência de regras jurídicas proibitivas ou fiscais é outra questão (cf. ANTIGONO DONATI, L’Assicurazione
del credito, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, IX, 50). O seguro é, sempre, no interesse do
credor, mesmo se terceiro é quem o faz. O segurador promete ressarcir o dano; o fiador, que o devedor pagará o
débito, ainda quando êle só se vincule pela indenidade. A insolvabilidade do devedor dá ensejo à invocação do
art. 1.492, III, do Código Civil: surge a obrigação do segurador no momento em que se torna insolvente o
devedor, cujos bens têm de ser excutidos. A excussão é elemento acidental do conteúdo do contrato de fiança.
Mesmo o chamado seguro de garantia, pelo qual alguém se segura contra atos do preposto da caixa, ou do
depósito, ou dos cofres, ou do escritório, ou do armazém, não é fiança. O segurador de garantia segura a
empresa contra atos do preposto, não presta fiança por êsse.
12.PROMESSA DE DAR FIADOR E FIANÇA ExIGIDA POR LEI.
O art. 1.489 do Código Civil é sobre as espécies em que alguém não só o devedor se vinculou a dar fiador, ou
se tal vínculo é ex lege. No direito brasileiro, não se permite que o vinculado a dar fiança dê garantia real, ou
vice-versa. Nem há o principio da equivalência das garantias, dito, também, principio de paridade das
garantias, nem se pré-exclui que o credor se satisfaça sem a garantia real. Em todo o caso, se o juiz é que
determina que se preste a fiança, pode êle dar como suficiente a garantia real.
Quanto aos requisitos a que alude o art. 1.489 do Código Civil, trata-se de regra jurídica dispositiva, de modo
que pode o negócio jurídico, em que se prometeu afiançar, dispensar a suficiência de bens e mencionar fatos
que poderiam ser considerados determinantes de inidoneidade e afastar a alegabilidade por quem tem direito de
exigir a fiança.
“Alguém” pode ser o devedor ou terceiro, como pode ser o credor, que precisa reforçar o seu crédito para
alguma operação.
A idoneidade vai desde a capacidade até os outros pressupostos subjetivos (e. g., poder de afiançar eficazmente,
domicílio, vida regrada e moral). A solubilidade é pressuposto objetivo. A penhora ou o arresto ou o seqUestro
de alguns bens, ou dos bens, não basta, sempre, para excluir a solvabilidade. Pode haver suficiência, a despeito
de medidas executivas ou das medidas cautelares.
O domicílio tem de ser no lugar em que se há de prestar fiança. Com isso, quer-se evitar dificuldade na
condenação e na execução coativa dos bens do fiador, se êle não adimple o prometido. Se tem dois ou mais
domicílios, em qualquer dêles pode ser demandado, de modo que satisfaz a exigência quem tem um dos
domicílios no lugar em que tem de prestar a fiança. A regra jurídica do art. 1.489 do Código Civil é ins
dispositivum: o negócio jurídico, de que se irradiou a obrigação de -prestar fiança, pode estabelecer outro lugar
para que nêles se preste a fiança. Se a obrigação ou o ônus de prestar fiança deriva da lei, só essa lei podia ter
previsto outro lugar, ou deixar ao credor a escolha.
Quem tem de dar o fiador é que tem o ônus de mostrar a idoneidade do fiador e o domicilio dêsse. O fiador é
estranho à relação jurídica (sem razão, VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato deila Fideiussione nel diritto
odierno, 274 s.). Nem o futuro fiador sabe, sempre, onde teria de prestar a fiança.
A fim de ser certa a idoneidade ou inidoneidade do fiador, pode ser proposta ação declaratória, para a qual se
exige que o futuro fiador declare estar pronto a prestar a fiança.
Se não disse onde é que se há de prestar a fiança, entende-se o lugar do adimplemento pelo devedor.
13.PRÉ-CONTRATO DE FIANÇA. A fiança pode ser prometida pela própria pessoa que há de ser o fiador.
Tem-se, ai, o pré-contrato de fiança, que não se confunde com a promessa de dar fiador. No sistema jurídico
brasileiro, o pré-contrato de fiança, se satisfaz as exigências do Código de Processo Civil, art. 1.006, dá ensejo a
sentença executiva, ou à própria eficácia de que cogita o art. 1.006, § 2.0.
‘O promitente, no momento em que se lhe exige a prestação de fiança, fica na situação de adimplir, ou de ser
tido como inadimplente. Às vêzes, a prestação da fiança há de ser em data determinada, com a mora purgável,
ou sem possível prestação posterior, por ser inútil (e. g., o promissário tinha de procurar outro fiador, se o
interesse era seu, ou de não concluir o negócio jurídico que tinha em vista, como a locação da casa).
O credor da prestação de fiança pode ser o devedor afiançado, ou o próprio credor, ou terceiro, que tinha
interesse~ na garantia.
14.DÚVIDAs QUANTO À CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS. Se há dúvida entre tratar-se de assunção
de dívida alheia ou de fiança, é de entender-se que houve adesão, e não fiança (W. WESTERKAMP, Ritrgschaft
und Schuldbeitritt, 293 5.; contra, HANS REICHEL, Die Schuldiibernahme, 251 s.); é de afastar-se qualquer
dúvida se se apresenta elemento essencial da fiança. As circunstâncias é que têm de ser examinadas,
principalmente as expressões empregadas. Todavia, não se pode pré-eliminar a possibilidade de não se saber ao
certo o que se quis. A dúvida pode surgir. A investigação do cio jurídico é assaz importante. Outrossim, a de
dente o interesse de quem se vinculou, caso em fim do negócio independe e ressalta
a adesão ã dívida, como se a pessoa que entra em sociedade declara responder pelas dívidas sociais, ou se o
locatário diz aos empregados do locador que, se o locador não lhes puder pagar, êle lhes paga.
CAPÍTULO II
1.FIADOR, AFIANÇADO E CREDOR. As três figuras essenciais do contrato de fiança são o credor, o
devedor principal e o fiador.
2.CAPACIDADE DO FIADOR. O fiador tem de ter capacidade jurídica. Pode acontecer que faça parte de
alguma empresa, de cujos estatutos conste proibição de afiançar. Tal cláusula estatutária de modo nenhum faz
incapaz a pessoa. Apenas a fiança, que fôr examinada pelo fiador, em seu nome, será ineficaz contra a empresa.
Os credores da empresa são pagos pela parte que toca à pessoa no fundo de empresa antes dos credores do
fiador. Em todo o caso, o direito à parte que toca ao fiador pode ser penhorado, para que se possa atribuir ao
credor principal a que se deu a fiança.
Tratando-se de fiança prestada pelo sócio como órgão, é inexistente, porque o sócio, a que se proibiu dar fiança
como órgão , assumiu o que não podia assumir. Pôsto que se trate de presentação, e não de representação, tem-
se de atender aos interesses dos terceiros de boa fé.
O analfabeto pode ser locatário. Não se exige a forma escrita ao contrato de locação. O contrato de fiança pela
responsabilidade do locatário, seja analfabeto, ou não, tem de ser escrito. Se o foi, não há invalidade, por não
ter sido por escritura pública, ou por procuração por instrumento público, o contrato de locação (sem razão, a
23 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 16 de maio de 1950, 1?. dos 7.,
188, 706). Se o locador é analfabeto, a carta de fiança vale, porque não se exige a escrita à aceitação do
contrato de fiança.
O fiador analfabeto ou que não pode escrever é que só o pode ser por instrumento público.
8.PRESSUPOSTO DE PODER SER AFIANÇADA A DÍVIDA. A dívida principal precisa ser afiançável. Não
importa se a divida é de dinheiro, ou não. Todavia, não se afiança dever pessoalíssimo, como o de fidelidade
conjugal, nem a dívida inexistente, como a que resultaria de negócio jurídico nulo (a dívida pode ser irradiada
de negócio jurídico anulável, de jeito que só a anulação do negócio jurídico a destrói), ou a que infringiria regra
jurídica especial, como a do art. 1.259 do Código Civil (cp. arts. 155 e 1.502). O art. 1.259 do Código Civil é
regra jurídica sobre eficácia (Tomo XLII, §§ 4.591, 2, 5, e 4.666, 4). É êrro dizer-se que se trata de nulidade ou
de anulabilidade (e. g., J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito Comercial, VI, Parte II, 618,
nota 2). Se o menor é absolutamente incapaz, não há divida, porque nulo foi, e é, o negócio jurídico. Se
relativamente incapaz, há a dívida, enquanto não se anula o negócio jurídico; assim, mesmo enquanto não se
decreta a anulação, há a eficácia.
É de repelir-se a opinião, oriunda de R. POTrnER, de que há contrato tácito entre o fiador e o afiançado. O
fiador promete que o devedor principal cumpre. A promessa é dêle, depende da aceitação do credor, para que se
bilateralize; e não de qualquer manifestação de vontade do devedor principal. Se o devedor principal prometeu
que alguém lhe afiançaria o crédito, ainda em tal caso a fiança não depende do seu assentimento, pois a
indicação de quem pode ser fiador, ou das pessoas dentre as quais se há de escolher o fiador, pode ser apenas no
mundo fáctico.
4. OBJETO DA FIANÇA. Lê-se no art. 1.487, alínea 13, do Código Civil: “A fiança pode ser de valor inferior
ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas”.
A fiança pode ser ilimitada, in universum causam. Entende-se que abrange tôdas as dívidas do afiançado ou dos
afiançados se se refere a quaisquer dívidas oriundas do contrato a. que se alude. Trata-se, portanto, de questão
de interpretação do negócio jurídico bilateral da fiança. Se se falou de “dividas do contraente B”, a fiança é de
quaisquer dívidas de B que se irradiem do negócio jurídico em que é figurante B. Se há qualquer dúvida quanto
à extensão, tem-se de admitir a que menos pese ao fiador. No Código Civil, art. 1.488, afasta-se qualquer
interpretação extensiva; no Código Comercial, art. 257, já se disse o mesmo.
A propósito do valor da fiança acima do valor da divida principal, estabelece o Código Civil, art. 1.487, alínea
2~a; “Quando exceder o valor da divida, ou fôr mais oneroso que ela, não valerá senão até o limite da obrigação
afiançada”.
Se o crédito principal é variável, como se há conta corrente, e o instrumento da fiança não diz qual o quanto que
se garante, tem-se de entender que se afiançou o que era devido na ocasião, ou, se há alusão à conta corrente
limitada, o do seu limite.
O art. 1.487, 2.~ alínea, do Código Civil fala de não ser “válida”. Mas é de ineficácia que se trata, tal como hoje
se há de entender o princípio Nec plus in accessione esse potest quam in re principali. Aliás, pode ser que não
se trate de fiança, mas de outro negócio jurídico, como a expromissio ou a assunção de divida alheia. Desde que
não haja a acessão, o quanto prometido pelo outorgante pode ser maior do que o prometido pelo primeiro (não
principal) devedor.
A fiança não obsta a outras garantias, como a hipoteca e o penhor. As garantias reais circunscrevem a
responsabilidade. A fiança é pessoal. Pode ser que o próprio fiador dê garantia real. Pois que, com ela, não
apenas reforça a sua garantia pessoal, cada garantia se rege por suas regras jurídicas próprias.
Dentro do quanto afiançado, se a dívida diminui, a fiança diminui.
O valor da fiança pode ser de parte da dívida principal, percentual ou qualitativamente indicada.
A assunção de fiança à dívida do devedor concordatário contém tantas fianças quantos são os credores
concordatários.
A fiança a crédito apenas aberto é fiança a crédito futuro. A fiança pode referir-se a dívida futura ou a divida
condicional. Pensou-se que a acessoriedade da fiança obstaria
à fiança de dívida futura. O argumento decisivo contra a negativa foi o de, podendo a fiança subordinar-se a
condição suspensiva, pode haver a cláusula mexa de ser futura a divida que se quer garantir. Aliás, seria
inconveniente e, mais do que isso. absurdo que se não pudesse garantir a divida que ainda vai nascer, tanto mais
quanto há fiança para que se garanta o adimplemento de indenizações por atos positivos ou negativos de
outrem. Sempre que se exige fiança à locação de serviços ou de coisas, o que se garante é a dívida
correspondente à prestação duradoura. Não se conceberia que se pudesse tomar locação por um ano, ou mais
tempo, com pagamentos mensais, e não se pudesse dar fiança pelo prazo do contrato. Surpreende, portanto, que
noutros sistemas jurídicos se haja perdido tempo com a discussão.
Quanto à situacão durante a pendência, cumpre advertir-se em que apenas se aguardam o vencimento e a falta
de adimplemento para que nasça a obrigação do fiador. Vinculado está êle desde que deu a fiança. Se fiador
solidário, a sua obrigação nasce quando nasce a do devedor afiançado. Ao surgir a dívida do devedor principal,
surge a do fiador: se solidária, a obrigação dêsse irradia-se quando a daquele se irradia; se não é solidário, a
obrigação do fiador é que somente exsurge com o inadimplemento.
~ Que se há de exigir para que a divida futura possa ser afiançada? j,t preciso que já se tenha iniciado a
conclusão do negócio jurídico, como haver oferta, ou invitatio ad offerendum? ~Ou basta que o futuro devedor
esteja em posição de que surgem dívidas ou podem surgir dividas? j,Ou só se afiança a dívida que tem de
irradiar-se de relação jurídica já existente, ou basta que seja provável a irradiação da dívida? ~ Ou a divida que
não se vai irradiar é a única espécie que não se poderia afiançar?
A solução verdadeira é a última. O que é preciso é que se caracterize qual a dívida futura, não que se lhe aprecie
a inevitabilidade, a probabilidade, ou a impossibilidade. Se a dívida de que se cogita e seria dívida futura é
impossível, isso é matéria para se apreciar a validade ou invalidade do negócio jurídico de fiança, como se A
afiança a dívida que C assumirá, por empréstimo de E, se perder ao jogar com D, ou na roleta.
Não é preciso que já exista vínculo. A dívida futura há de ser determinada, ou determinável; melhor:
identificada, ou identificável. Não é só futura a divida que nasce de negócio jurídico condicional (Tomo XX, §
2.419, 3). Tanto se alude a obligatio sperata como a spes obligationis.
Nada obsta a que o fiador prometa o adimplemento pelo devedor, mas preestabeleça que a sua responsabilidade
sõmente~ vai até x e que possa ser exeqflida em dinheiro a sua dívida:
aí, o dinheiro não está em lugar do objeto da prestação do devedor, como ocorre, aliás, se limitada a fiança.
Discute-se se pode ser em bem determinado, sendo de outro bem deterrn~nado a prestação do devedor
(afirmativamente, NICOLA. STOLFI, Diritto Civile, IV, 475; MICIiELE FRAGALI, Fidejussio-’ne, Mandato
di credito, 100; contra, EMILIO PAcIFICI-MAzzONI, Istituzioni di Diritio Civile Italiano, V, 2, 53 ed., 483;
VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato delia Fidelussione nel diritto odierno, 334; LUíGI ALUI,
Commentario de MARIANO D’AMEnO e ENRICO FINZI, II, 2, 395). Nada impede que o credor, com o
princípio do auto-regramento da vontade (princípio de autonomia), se dê por futuramente satisfeito com a
dação em soluto, predeterminando o que o fiador há de prestar. Subentenda-se que, se, com isso, o credor impôs
que se prestasse com o aliná mais do que era devido (in duriorem causam), o excesso é sem eficácia, por ser
nula parcialmente a cláusula ou nulo o pacto adjecto (Código Civil, art. 1.487, 23 alínea).
A prescrição é exceção oponível pelo devedor principal e pelo fiador. Há, porém, o problema da cláusula ou
pacto adjecto pelo qual o fiador promete não opor tal exceção, por estar prescrita a dívida do devedor principal
ou por ser provável que venha a prescrever (e. g., ao credor não agradaria interpelar o devedor). A prescrição
apenas encobre a eficácia da dívida. A dívida existe e o fiador pode renunciar à alegação de prescrição, à
exceptio. O que é preciso é que a renúncia seja explícita, mesmo se o fiador emprega dizeres como “responderei
mesmo se está prescrita a dívida~~, “sei que está prescrita, o que não me importa”. A dívida prescrita é
afiançável, por extensão negocial. Sem razão, VALERIO CAMPOGRANDE (Trattato deita Fidejussione nel
diritto odiento, 314). Não importa se a fiança foi dada depois de se ter julgado prescrita
a dívida. A divida não desapareceu, e há a extensão negocial, que pelo principio do auto-regramento da
vontade (princípio da autonomia>, foi manifestada expressamente.
O que se disse sobre a fiança de dívida prescrita também me entende com a divida mutilada e a obrigação
natural, salvo me há regra jurídica explícita contra tal fiança, como ocorre com a fiança a dívida de jôgo
(Código Civil, art. 1.477, parágrafo único, verbo “fiança”) e o credor estava de má fé. Insustentável o que
pensaram BIAGOTO BRUGI (istituzioni di Diritto Iivile Italiano, 556), VALERIO CAMPOGRANDE
(Trattato deita Fideiussione nel diritio odiento, 311), FEANCESCO MEsSINEO (Manuale di Diritio Civile e
Commerciale, II, 2, g•a ed., 374), EMILIO VALSECCHI (Giuoco e Scommessa, Trattato de A. CIcti e E.
MESSINEO, 36, 2, 106). O que fica fora do direito é a obrigação; não a divida, razão por que há a
irrepetibilidade do que se pagou (Código Civil, art. 97Q, 23 parte). Argúi-se que o adimplemento de obrigação
natural não tem o caráter de ato devido. A confusão é evidente, pois não há obrigação do ato, mas há divida: o
ato não é ato obrigado (ou obrigatório), mas é ato devido. Se o fiador afiança expressamente a obrigação natural
e não há proibição legal que lhe cerceie a autonomia da vontade, é devedor do adimplemento pelo devedor: a
sua divida é acompanhada de obrigação, o que não acontece com a dívida do devedor principal. A extensão
negocial não conferiu obrigação à dívida do devedor principal (= não atribuiu exigibilidade ao crédito a que a
fiança se refere). Conferiu, sim, obrigação à sua dívida. Não se trata de fiança assumida in duriorem causam,
porque o devedor deve e poderia adimplir; mais: se adimpliu, não lhe pode ser repetido o pagamento feito.
O que o fiador prestou para adimplir a obrigação natural do devedor é irrepetível (ai, certo, VALEmO
CAMPOGRANDE, Tratt ato deita Fidejussione nei diritto odierno, 314 s.).
5.ACEITAÇÃO PELO CREDOR. O contrato de fiança supôe o acôrdo de vontades entre o fiador, que a dá, e
o credor, que a aceita. Quase sempre, em virtude de cláusula contratual, ou de pacto adjecto a algum negócio
jurídico, ou de pacto referente a alguma dívida de fonte não-negocial, o fiador prometeu que haveria fiador. Ai,
há promessa de fiança, sem Ser pelo futuro fiador, e tal promessa é promessa de ato de terceiro. Todavia, o
terceiro tem de ser pessoa que possa significar suficiente garantia para o credor. Dai a regra jurídica do Código
Civil, no art. 1.489: “Quando alguém houver de dar fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo, se não
fôr pessoa idônea domiciliada no Município, onde tenha de prestar a fiança e não possua bens suficientes para
desempenhar a obrigação”. A obrigação de dar fiador pode, resultar de lei e a essa espécie também se refere o
art. 1.489. No Código Civil alemão, § 239, diz-se que o fiador é idôneo se possui patrimônio suficientemente
alto para a garantia prestada e tem no pais o seu domicílio. O Código Civil português, art. 824, exige que os
bens sejam situados na comarca em que se haja de adimplir a divida. O Código Civil espanhol, art. 1.828,
submete, expilcitamente, à jurisdição do lugar do pagamento da dívida o fiador. O Código Civil brasileiro
permitiu a recusa se a pessoa, embora idônea, não é domiciliada no Município (CLóvís BEvILÁQUA, Código
Civil comentado, V, 241, falou de “residência no Município”, o que não está no Código Civil). ou não tem bens
suficientes. O lugar em que tem de ser proposta a ação contra o fiador é o do seu domicilio, mesmo se o credor
aceitou fiança dada por pessoa domiciliada fora do Município. A lei diz: “Município, onde tenha de prestar a
fiança”. Não se trata do lugar da conclusão, embora possa ocorrer que, se a prestação do devedor principal é
para ser ser feita no Município B, a fiança seja prometida no Município C, onde é domiciliado o credor, ou onde
êle concluiu o contrato de fiança. O domicílio do fiador não precisa ser o mesmo do devedor principal. O que a
lei considera razão de recusa pelo credor é que o domicilio do fiador seja no lugar em que a divida principal
tenha de ser adimplida. Não importa se o devedor é domiciliado alhures, ou se o negócio jurídico ou outra fonte
de que se irradiou a dívida principal não ocorreu no lugar do domicilio do devedor principal. O juiz competente
para a ação contra fiador pode não ser o juiz competente para a ação contra o devedor principal. A questão de
competência é de direito público e depende da lei processual civil.
‘Os bens podem ser suficientes a despeito de estarem gravados ou sujeitos a medidas cautelares ou executivas
(sem razão, CLóvís BEvILÁQUA, Código Civil comentado, V, 241).
De lege ferenda, o art. 1.489 do Código Civil é melhor do que as regras jurídicas dos outros Códigos Civis.
No art. 1.489 do Código Civil alude-se às espécies em que o devedor tem de dar fiador, isto é, em que a sua
divida há de ser afiançada. A promessa pode provir de cláusula negocial, de jeito que a fiança se presta depois
da conclusão do negócio jurídico de que se há de irradiar a dívida principal, ou de pacto adjecto, ou ser mesmo
cláusula de outro contrato que se refira ao negócio jurídico de que a divida principal resulta ou vai resultar. Se a
promessa é cláusula negocial, a falta de conclusão do contrato de fiança pode ser inadimplemento do negócio
jurídico de que nasce a divida principal que havia de ser afiançada. Para que tal inadimplemento ocorra, é
preciso que, havendo a indicação, ou a espontânea aparição de alguém que se prontifique a afiançar, haja razão
suficiente para que o credor não aceite a oferta de fiança. O art. 1.489 do Código Civil aponta a falta de
idoneidade, o domicilio do fiador não ser no Município em que se há de prestar a divida principal, ou outro
lugar onde a fiança haja de ser prestada, e o não ter bens suficientes para a satisfação da divida, se o devedor
principal não a cumpre. O art. 1.489 é exemplificativo, uma vez que se subentendem os pressupostos de
capacidade e o de querer assentir quem deva, por lei ou por alguma cláusula negocial (e. g., contrato social), dar
assentimento à fiança. t de uso, nos contratos sociais, a proibição de os sócios prestarem fiança. Se o sócio a dá,
a despeito da cláusula contratual ou do pacto adjecto, há ineficácia relativa. O capital social fica incólume à
responsabilidade do fiador; e o sócio responde pelas perdas e danos que resultem da fiança. Se, apesar de estar
proxbida, a fiança foi prestada, é eficaz se dela só resultou benefício para a sociedade (Supremo Tribunal de
Justiça, 9 de julho de 1887, O D., 44, 84), mas a cláusula ou pacto adjecto pode afastar a eficácia relativa
mesmo em tais casos.
Enquanto não há a aceitação pelo credor, a fiança é mera oferta, que se rege pelos arts. 1.080-1.086 do Código
Civil.
A exigência da forma escrita é para a outorga da fiança, e não para a aceitação. Não é preciso que haja a
assinatura do credor no instrumento do contrato de fiança. As cartas de fiança de ordinário não a contêm. Por
conseguinte, a prova da aceitação obedece a outros princípios.
•Não é de fiança a carta em que se escreve “não tenha cuidado com o negócio, acho bom”, “se B te deixa de
pagar, algum dia te reembolsarei”, “bom negócio fizeste, penso que estás seguro”.
A carta de fiança ou outro instrumento de contrato de fiança pode deixar de mencionar o nome do credor, desde
que se caracterize a dívida, presente ou futura, de que se trata. Sobre a desnecessidade da assinatura do credor, a
2•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 3 de dezembro de 1947 (J., 29, 730).
8.FIANÇA E OUTRAS GARANTIAS. Se, além da fiança, o crédito contra o devedor principal foi garantido
por hipoteca, penhor, caução ou anticrese, ou propriedade fiduciária, com o adimplemento pelo fiador passa-lhe
a titularidade do direito real, ex lege. A sub-rogação pessoal apanha os próprios direitos reais de garantia. Se
quem adimpliu foi qualquer proprietário ou titular do direito de propriedade, ou de usufruto, ou de enfiteuse,
sobre o bem gravado de direito real de garantia, adquire êle, automâticamente, o crédito do credor afiançado,
quer o crédito contra o devedor principal quer o crédito contra o fiador ou outros garantes.
Se a solidariedade entre co-fiadores não foi afastada, incidem o art. 1.498, 2•a parte, e o parágrafo único do
Código Civil. Isso tanto se passa no direito civil como no direito comercial. A diferença que se pretende fazer
entre os dois ramos do direito é sem base em lei. A solidariedade com o devedor principal resulta de regra
jurídica dispositiva. Dispositiva também é a regra jurídica do art. 1.498 do Código Civil. Cp. Código Civil, art.
913. Aliás, basta lerem-se o art. 260, 23 parte, do Código Comercial, o art. 592 do Reg. n. 787, de
25 de novembro de 1850, e o art. 1.493, 2.8 parte, do Código Civil.
12.AÇÃO REVOCATOLiTA FALENCIAL. Se houve anulação, a fiança cai; não assim se apenas ocorreu
sentença de revogação com fundamento no art. 53 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. A
revocatória falencial é apenas determinadora de ineficácia relativa. Não há invalidade do ato jurídico revogado,
porque a revogação falencial apenas altera o elemento volitivo do suporte fáctico do ato jurídico: o ato jurídico
persiste, se por aí não é nulo, nem se anula.
1. PRECISÕES. O contrato de fiança é negócio jurídico bilateral. Portanto, não há fiança sem que o credor
aceite a fiança oferecida, ou sem que, tendo o credor oferecido que
se afiançasse (dito exigido, pedido>, aceite dar a fiança. Quase sempre, da parte do credor, existe invitatio ad o!
lerendum.
Se, em título cambiário ou cambiarifonne, alguém ap~e “como fiador, C”, o que se há de entender é que se
avalizou, e não que se contraiu dívida de fiança. A dívida assumida é dívida abstrata.
se tenha prestado reconhecimento de dívida, por escrito, como se o fiador prestou, por meio de carta em que
alude à sua qualidade.
não admita interpretação extensiva, a revelação do conteúdo das cláusulas do contrato não é extensão à
manifestação expressa de vontade. Algumas cláusulas usuais nos contratos de locação têm dado ensejo a
discordâncias de julgados, mas essas discordâncias são mais devidas aos termos dos acórdãos, que menos
analisam os contratos do que procuram enunciados sintéticos, como se as questões fôssem mais quaestionis
juris do que quaestionis facti. Uma das cláusulas, a cláusula a “até devolução (ou entrega> das chaves”, tem
de ser considerada, na dúvida, como abrangente de todo o tempo em que o locatário permaneça. Certo, tem-se
de atender a que o contrato de locação pode ser com prazo e não no ser a fiança, ou ser com prazo a fiança sem
que o contrato de locação o seja. Se o contrato de locação diz “por dois anos”, e a fiança apenas “afiança o
locatário até à entrega das chaves”, o que se há de entender é que a fiança foi pelo tempo que dure a locação.
Então, a fiança apanha a prorrogação (não a renovação do contrato), seja convencional seja legal. Se, apesar da
cláusula “até à entrega das chaves”, a fiança frisa “afiança, por dois anos”, a fiança é pelos dois anos e pelo
tempo em que, sem prorrogação, dure a permanência do locatário. Por isso mesmo, podem ter tido razão as
Câmaras Civeis ReUnidas do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 22 de julho de 1942 (A. J., 63, 456 s.),
e a 4.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 22 de outubro de 1943 (R. F., 100, 497),
que julgaram persistir o afiançamento a despeito da prorrogação, como pode ter tido razão a 13 Câmara Civil
do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 18 de janeiro de 1943 (1?. dos T.. 145, 667), que o negou. Se não há a
cláusula “até à entrega das chaves”, o caso é mais simples, pois o prazo da fiança depende do que nela se lê,
como “pelo prazo do contrato de locação”, ou “por dois anos”. A fortiori, se se diz “pelo tempo do contrato,
podendo ser renovada a fiança em caso de prorrogação”.
Se não se fixou prazo à fiança, nem há a cláusula “até à entrega das chaves”, mas há prazo no contrato, o que
mais ocorre é que a fiança não foi dada para o éaso de prorrogação (e. g.’ 53 Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Distrito Federal, 16 de janeiro de 1945, 1?. F., 101, 89; 13 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de
São Paulo, 27 de junho de 1950, 12. dos 7’., 188, 800; 53 Câmara Civil, 19 de dezembro de 1952, 209, 219). O
tom de regra inexcetuável que se dá a essa solução é que pode ser contra a vontade expressa do fiador, como se
se declarou fiador “solidário”, sem qualquer restrição, só se falando de prazo no contrato de locação (e. g., 1a
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 18 de janeiro de 1943, 1?. dos 7’., 145, 667; 1.a Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de junho de 1950, 188, 800). Absurda a sentença que o acórdão da
13 Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 8 de novembro de 1954, reformou, muito
acertadamente, porque o juiz entendia que “a cláusula de que a responsabilidade da fiadora subsistiria mesmo
depois de findo prazo contratual, até a efetiva entrega das chaves”, “não podia prevalecer, porque as obrigações
assumidas pelo fiador não podem ir além do prazo contratual da locação”. A fiança pode ter o prazo
determinado no contrato, ou não. Pode ser pelo tempo da responsabilidade do locatário (certo, o 22 Grupo de
Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de junho de 1951,12. dos 77., 194, 685).
A l.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 6 de junho de 1955 (A. J., 115, 465), feriu um
dos pontos: “... dúvida alguma poderá haver acêrca da conclusão de que a fiança subsiste além do prazo certo e
determinado que foi estipulado pelas partes para a locação, extinguindo-se somente quando se operar a
devolução da posse direta do imóvel ao locador. Nesse sentido, é por demais incisiva a lição de PONTES DE
MifiANDA: “Se a fiança diz: “até à entrega das chaves”, sem aludir ao tempo do contrato, persiste com a
prorrogação. Outrossim quando está escrito: “pode entregar as chaves, ficando fiador pelo aluguer”, ou
“ficando fiador pelas obrigações contratuais”, ou “respondendo pelo que A lhe tiver de prestar”. Não porém se
está na fiança: “respondendo pelos aluguéis até 31 de dezembro de 1952”. Cf. 13 Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo, 29 de novembro de 1949 (12. dos 77., 185, 207>.
Os aumentos, por lei, ao quanto da divida principal não se incluem na dívida de fiança. Se a fiança foi pelo
aluguer x e a lei acrescentou alguma quantia, a fiança não responde pelo acréscimo (13 Câmara Civil do
Tribunal de Alçada de São Paulo, 29 de agôsto de 1956, 12. rios 2’., 258, 881). Se a fiança foi pelos ordenados
de x e a lei os elevou, a fiança não cobre o aumento. Aliter, se no instrumento apenas se fala em aluguer, ou em
ordenado, ou noutra prestação.
A fiança interpreta-se estritamente, mas a fiança a contrato de locação, e não só à dívida de alugueres,
compreende a indenização dos danos que ao bem cause o inquilino e de multas fiscais que recaiam sobre o
locador. Sem razão, a Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 31 de dezembro de 1934, cujo voto vencido, de
FLAMÍNIO DE RESENDE, está certo. Também certo o acórdão da 23 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de
São Paulo, a 9 de outubro de 1951 (12. dos 7’., 196, 288).
Se a fiança se refere à quantia pela qual, como limite máximo, se responsabiliza o fiador (isto é, pelo
adimplemento até tal quantia por parte do devedor principal), não se podem incluir juros da mora, salvo se ação
contra êle teve de ser proposta, caso em que também se incluem os honorários de advogado (sem razão, a 1•a
Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 20 de junho de 1955). Os juros da mora são devidos se a
quantia máxima tinha de ser prestada pelo fiador em data fixa.
Se, na ação contra o devedor principal, mesmo a de despejo, foi citado o fiador, responde pelas custas e demais
despesas (2.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 6 de junho de 1955, 12. dos 77., 289, 440).
6.LUGAR DA PRESTAÇÃO DA FIANÇA. O lugar da prestação pelo fiador é o lugar em que o devedor teria
de prestar. Porém é no seu domicílio que se há de propor a ação contra o fiador. No direito alemão, há a
discussão (e. g., W. WESTERKAMP, Riirgsehaft unri Schuldbeitritt, 896, que somente atende à dívida
principal; contra: Huoo TÚLIK, Der Leistungsort des Etirgeu, Gruchois Beitrãge, 44, 887; Was ist unter
“jeweiligen Bestande” der Hauptverbindlichkeit in § 767 8GB. zu vestehen, 46, 49 s., que tem como
independente o lugar do cumprimento).
O credor pode exigir que o adimplemento pelo fiador seja no lugar em que foi prometido. Se nada se dispôs,
entende-se no lugar do adimplemento da divida principal. A execução forçada permite que aí pague o fiador. Se
pedido despejo, ai pode ser adimplida a dívida. Se a oferta real é feita ao credor, fora do lugar do adimplemento,
depende de recebê-la, se quer (para o ireito italiano, diferente, ANGELO FALzEA, L’Offerta reale e la
Uberazione coattiva dei debitore, 17, 29 s., 261 e 299).
7.ABONADOR DE FIADOR DO FIADOR. O abonador é fiador do fiador. Dêle cogita o art. 1.482 do Código
Civil para fazê-lo regido pelos mesmos princípios que regem o fiador. É óbvio que se há de admitir o fiador do
fiador (L. 8, § 12, D., de fideiussoribus et mandatoribus, 46, 1: “Pro fideiussore fideiussorem accipi nequaquam
dubium est”). O fiador do fiador, o abonador, promete que o fiador cumpre a promessa que fêz. A dívida
principal, para êle, é a do fiador. A essa divida é que acede a sua. É pós-fiador, mas pós-fiador que não veio
depois para garantir a dívida. Aliás, nada obsta a que se abone antes que o fiador se vincule. O que importa é a
posposição conceptual, e não a temporal. Porém não basta a posposição conceptual: é preciso que o objeto da
promessa seja a promessa do fiador, e não a do devedor principal. O fiador do fiador pode ser garante de dívida
futura, se a fiança ainda vai ser prestada. Mas, se a divida de fiança, que se tem por existente, não existe, a
fiança é fiança que cai no vácuo.
A fiança de fiança depende da existência. Se futura a fiança, a fiança de fiança depende de vir a existir a fiança
que se aguarda.
Os figurantes da fiança de fiança são o credor e o fiador do fiador. A divida principal, para o abonador, não é a
do devedor principal, que o fiador garantiu, mas sim a do fiador. Mas, a respeito do art. 1.502 do Código Civil,
o fiador do fiador pode opor as suas exceções pessoais e as extintivas da dívida principal, que tenha o devedor
principal, e as extintivas da fiança, que tenha o fiador afiançado.
A extensão da responsabilidade do abonador é a mesma da responsabilidade do fiador afiançado. O art. 1.488
do Código Civil incide no tocante à fiança de fiança; e, se a fiança foi dada a mútuo que incapaz contraíra, o
fiador do fiador não pode ser constrangido a prestar o que prometeu.
O contrato de fiança de fiança tem de ser explícito quanto à divida que se assume. Na dúvida, tem-se a fiança
como fiança conjunta à que fôra prestada, ou que se vai prestar.
Se existem, antes da fiança de fiança, dois ou mais fiadores, tem-se, preliminarmente, de verificar se a fiança de
fiança foi dada a todos, ou a quais ou a qual se deu. Não se presume que foi prestada quanto a todos.
Se a fiança de fiança foi dada a fiança mercantil, tem-se como fiança mercantil, mesmo se o fiador não é
comerciante. Então, não há, a favor do fiador do fiador, à semelhança do que acontece ao fiador, salvo cláusula
contratual ou pacto em contrário, o beneficio de excussão. A sub-rogação pessoal legal ocorre se o fiador do
fiador cumpre o que teria de ser cumprido pelo fiador afiançado. Sub-roga-se êle nos direitos, pretensões. ações
e exceções em que o fiador se sub-rogaria se houvesse cumprido a sua promessa.
A forma da fiança de fiança é a forma escrita, como se exige à fiança.
O Fiador de fiador pode vincular-se como fiador principal, ou renunciar expressamente ao benefício de
excussão.
O Código Civil, art. 1.493, com seu parágrafo único, incide, se há dois ou mais fiadores de fiador.
8.SUBSTITUIÇÃO DO FIADOR. Na L. 10, § 1?, D., quisatzsdart3 cogantur veZ iurato promittant veZ ntae
promtsstont committantnr, 2, 8, PAULO asserta que, se no tempo intercalar, alguma grave calamidade intervém,
ou grande pobreza, se há de dar nova fiança, conhecida a causa: “causa cognita ex integro satisdandum erit” (o
que não é clássico, cf. Suto 50-LAzZI, L’Insolvenza del garante nelle stipulazioni pretorie, S~udia et
Documenta historiae et iuris, 22, 336 s.). Diz o Código Civil, art. 1.490: “Se o fiador se tornar insolvente, ou
incapaz, poderá o credor exigir que seja substituido”. O art. 1.490 não incide se a fiança foi dada sem promessa
do devedor principal. O fato de assentir não bastaria. Só é adstrito à substituição o devedor adstrito a ter fiador.
Se a fiança foi dada antes da data da conclusão do negócio jurídico de que resultou, ou há de resultar a divida
principal, ou se o foi simultâneamente (= no mesmo dia), ou se há menção à firma no negócio jurídico, ou
noutro documento do devedor principal, tem-se de interpretar que foi prometida a fiança.
Se determinada pessoa foi exigida pelo credor como fiador, o art. 1.490 do Código Civil não incide, nem o art.
263 do Código Comercial (“Desonerando-Se. morrendo, ou falindo o fiador, o devedor originário é obrigado a
dar nova fiança, ou a pagar imediatamente a dívida”).
1. IRRADIAÇÃO DE AÇÕES. As ações concernentes à fiança não só se irradiam das relações jurídicas que
nascem diretamente do contrato, mas também dos atos que o fiador pratica ou deixa de praticar.
Se há assunção de dívida alheia, quanto à divida principal, a fiança extingue-se porque o fiador garantiu o
adimplemento pela pessoa que era o devedor. Dá-se o mesmo se o fiador é solidário.
2. AçÃo DE RELEVÁMENTo. A ação de relevamento é ação pela qual o fiador pede que o devedor solva a
divida, se já exigível, ou o releve da fiança. O Código Civil, art. 1.499 emprega a expressão “exonere”, o que se
refere a ônus, que aí não cabe.
Preliminarmente, é de advertir-se que o art. 1.499 supôe algum negócio jurídico entre o devedor e o fiador, fora
da fiança, de que nasça àquele o dever de obter a liberação ou de pagar para que o fiador se libere. O devedor
assumiu perante o fiador dívida de fazer. Se o fiador deu a fiança porque tal negócio jurídico resultou de
obrigação ex lege ou negocial com o credor, não há a ação de relevamento do fiador contra o devedor. Se o
devedor não atende, há a pretensão do fiador a indenização de perdas e danos, como se foi constrangido a ter
disponível em banco, sem emprêgo que êle tinha por fito, a quantia necessária para a emergência de ter de pagar
ao credor.
A lei brasileira não se refere à caução, mas pode estar prevista no negócio jurídico entre o fiador e o devedor, ou
ser de admitir-se se êsse negócio jurídico não a afasta. A suficiência da caução depende do consenso, ou de
decisão do juiz.
O texto do Código Civil, art. 1.499, é sem precisão e sem exatidão de técnica legislativa, O que pela ação de
relevamento se pede é: a) que o devedor obtenha do credor que releve da fiança o fiador, quer dizer que
distrate o contrato de fiança, ou renuncie aos seus direitos de garantia; ou lO que solva a dívida; ou e> que se
assegure, por outros meios, o adimplemento. Ou o devedor solve a dívida, para que não mais se precise de
fiança, ou dá garantia que a substitua, ou consegue do credor que libere o fiador. No texto do Código Civil, art.
1.499, só se alude ao relevainento por liberação, e não ao retevamen.to pela caução ou outra garantia; mas
havemos de entender que o devedor demandado pode dar a garantia que o juízo repute suficiente, em vez de
liberar o fiador, o que, de regra, não depende dêle. A fiança é contrato entre o fiador e-o credor, e não entre o
fiador e o devedor, ou entre os três.. O fiador não exige que o devedor lhe preste o que dê para solver a dívida,
nem pede que faça a provisão (e. g., o depósito) do que dê para a solução da dívida. O que o fiador pede é que o
devedor pague a dívida, ou lhe obtenha a extinção da fiança, por manifestação de vontade do credor. O
relevamento por liberação, como pagamento de dívida, sunde manifestacão de vontade do credor: ou distrato,
ou pactum de nou petendo, em que sejam figurantes o credor e o fiador, ou promessa do credor ao devedor a
favor do fiador, figurante, com o credor, do contrato de fiança.
O que mais importa é frisar-se que não há execução especifica. Ou o devedor leva o credor à liberação do
fiador, ou solve. O credor não está adstrito a liberar, mesmo se não exigiu a fiança. Daí ter o fiador a pretensão
à indenização dos danos, se o devedor não adimple o que prometeu.
O art. 1.499 do Código Civil fala de espécie em que decorrera o prazo em que o devedor prometera dispensar a
fiança. Ora, a fiança é contrato entre o fiador e o credor, de modo que o devedor não poderia distratá-lo. O
prazo foi estabelecido noutro negócio jurídico, estranho à fiança, embora a ela se refira.
A caução faz da ação de relevamento ação cautelar, o que não ocorre com a liberação. Ai, a ação é condenatória,
com eventual eficácia constitutiva negativa.
Quanto à ação de relevamento contra o devedor que nada teve com a fiança, seria contra boa técnica jurídica
que se cogitasse de tal ação, pois ou êle atenderia, ou teria de prestar perdas e danos. Não se diga que o
fundamento é o mesmo para a sub-rogação e para o relevamento. Qualquer terceiro interessado que pagar tem
por si a sub-rogação pessoa]. A fiança é contrato entre fiador e credor e não se justificaria que dêle nascesse
ação contra o devedor (EMILIO PÃCIFICI-MÃ&zzoNI, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V, 2, 512 5.;
VALnIO CAMPOGRANDE, Trattato deila Fideiussione nel diritto odiento, 529 5.; sem razão, Gíoacno Bo,
Nuovo Digesto Italiano, verbo Fideiussione, 1123; MICHELE FRACALE, Fidejussione, Mandato di credito,
420).
A respeito do art. 1.499 do Código Civil há ainda a presença de palavra que surpreende e surpreendeu desde
mais de século e meio os juristas de outros sistemas jurídicos. Lá se diz:
“O fiador, ainda antes de haver pagoO “ainda”, que pusemos em letra grifa, tem atravessado os Códigos Civis
dos Estados latinos como nódoa que não se consegue apagar. Lê-se no Código Civil francês, art. 2.032: “La
caution, même avant d’avoir payé, peut agir contre le débiteur, pour être par lui indemnisé: 32 Lorsque le
débiteur s’est obligé de lui rapporter sa décharge dans un certain temps; 42 Lorsque la dette est devenue
exigible par l’échéance du terme sous lequel elle avait été contrctée”. O “ainda”, o “même avant”, foi pôsto
para aludir à ação do fiador que ainda não pagou p à do que já pagou. Ora, se êle já pagou, houve a sub-rogação
pessoal, e todos os argumentos para se dar sentido razoável à letra da lei foram inconsistentes. A interpretação
que via no pagamento aquêle que o fiador fêz antes de tempo não merece acolhida, porque não se justifica que
se permita ao fiador prestar antes do vencimento. Ainda o Código Civil italiano, art. 1.953, tem o “anche prima
di aver pagato”. A interpretação que se há de dar ao art. 1.499 do Código Civil é a que o lê como se dissesse:
“O fiador, se não pagou ...
O fiador pode exigir que o devedor solva a dívida, ou o libere, se a divida está vencida (= nasceu a pretensão =
está vencida a divida). Com isso, êle põe o devedor a par do que êle conhece e de certo modo o adverte, com a
consequência de já o fazer responsável pelas perdas e danos que resultarem da demora, por parte do devedor,
quanto ao pagamento. Se o devedor entende que deve discutir com o credor (e. g., tem ação que já propôs ou
vai propor, ou exceção que já opôs ou vai opor), tem de dar caução ao fiador, ou fazer o depósito para discutir
com o credor. Por aí se vê o alcance da ação de relevamento.
Se o devedor prometeu que o fiador seria dispensado (e. g., substituído) e se venceu o prazo para isso, tem o
fiador a ação de relevamento.
Na espécie do art. 1.499 do Código Civil, ou o fiador satisfaz a dívida ou obtém o relevamento da fiança. O
devedor pode ter interesse em não prestar ao credor. Então, a solução é o depósito, para quando o juiz decida se
tem êle razão. Aí, a cautelaridade ressalta.
3.AçÃo CONDENATORIA E AÇÃO EXECUTIVA. O credor tem contra o fiador a ação condenatória; ou, se a
fiança é de divida certa e líquida, ou de alguma dívida a que a lei conferiu executividade (Código de Processo
Civil, art. 298, que é exemplificativo), a ação executiva.
O credor tem de continuar com diligência a ação iniciada contra o devedor principal, bem como de iniciar e
continuar a que tem de ser proposta depois, como é a de execução de sentença contra o devedor principal.
Quase sempre a ação que se propõe é a de condenação; depois, a ação de execução de sentença. Pode dar-se que
caiba a ação de titulo executivo extrajudicial.
O credor não tem direito de escolher os bens que há de penhorar. Qualquer êrro seu, na escolha, é a seu risco,
salvo se a causa da insuficiência ou da dificuldade foi superveniente.
O fiador pode ser de nôvo atingido, em prosseguimento da ação, se os bens que apontou não bastaram, quanto
ao que resta para ser pago.
Se o credor propôs a ação contra o devedor principal, a despeito de o fiador, que exerceu o beneficio de
excussão, não ter nomeado bens do devedor principal, pode ocorrer que haja renunciado a exigir essa
nomeação, por preferir ir contra todo o patrimônio do devedor. Tem-se de examinar a espécie, em concreto.
O art. 1.491, parágrafo único, do Código Civil fala de bens do devedor sitos no mesmo Município. Essa
velharia, que revela mediocridade de técnica legislativa, tem de ser posta de lado. Se há bens do devedor sitos
no Município, é de entender-se que os deve nomear o fiador. Se não os tem de valor suficiente. pode nomear
bens que não sejam sitos no Município. Os bens hão de ser livres e desembaraçados. Portanto, hão de ser postos
de parte os bens litigiosos, os bens hipotecados, empenhados ou sujeitos a outros gravames, os bens
penhorados, arrestados ou seqUestrados, os bens cuja posse própria não esteja com o devedor. Não se podem
excluir as partes indivisas (sem razão, EMILIO PÂCIFICI-MAzZONI, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V,
2, 497; VALERIO CAMPOGRANDE, Tratt ato de lia Fideiussione nel diritto odiento, 380) e é absurdo terem-
se os bens indivisos como litigiosos.
Se não há bens no Município, e os há noutro Município, ou no estrangeiro (sem que circunstâncias tornem
difícil, no momento, a excussão), podem ser nomeados.
É preciso que se nomeiem bens que bastem para o inteiro pagamento. Vi-lo, explicitamente, o art. 1.491,
parágrafo único, do Código Civil. Todavia, se não bastam, no momento da execução contra o fiador, têm de ser
excutidos primeiro os bens nomeados. Enquanto é processualmente possível, pode o fiador nomear outros
l~ens, cuja existência ignorava sem culpa, ou corrigir nomeações feitas.
O fiador não tem de antecipar a prestação das despesas necessárias à ação contra o devedor principal, pois isso
somente pode resultar de cláusula ou pacto adjecto.
4.INDEPENDÊNCIA DAS AÇÕES. A ação contra o fiador supõe que houve inadimplemento pelo devedor.
Tem-se, portanto, de verificar, prêviamente, se o devedor deixou de adimplir como, quando e onde deveria ter
adimplido. Disso tem de ser avisado. Não precisa ser interpelado. A interpelação conteria o aviso.
No art. 954, 1-111, do Código Civil, permite-se ao credor cobrar antecipadamente a divida, no caso de concurso
de credores, no caso de execução hipotecária, ou anticrética, ou de insuficiência superveniente de garantias não
reforçadas apesar de intimação do devedor. Aí, somente se protegem os interesses do credor em relação ao
devedor, não em relação ao fiador. Com a invocação do art. 954 não pode ir o credor, antes de vencida a dívida
do devedor principal, contra o fiador, O fiador vinculou-se ao adimplemento pelo devedor principal, nos termos
do negócio jurídico de que se irradiou a divida afiançada. A insolvabilidade superveniente não atinge o fiador.
(Não é argumento acolhível contra isso haver a ação de relevamento, que se funda no interesse do fiador, e não
no do credor.)
Nem a coisa julgada material contra o fiador se pode opor ao devedor, nem a coisa julgada material contra o
devedor se pode opor ao fiador (VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato deila Fidejussione nel diritto odiento,
617; MICHELE FRAGALI, Fidejussione, Mandato di credito, 299; sem razão, E’. CÂRNELUTTI, Lezioni di
Diritto processuale civile, IV, 489; Sistema di finito processuale civile, 1, 298; ERNESTO HE!NITZ, 1 Limite
oggettivi deRa Cosa giudicata, 82).
Nas ações do credor contra o fiador, o que o credor alega a respeito da dívida principal não dá ensejo de
declaração da dívida principal, contra o devedor principal. O fiador deve o adimplemento pelo devedor
principal e não se lhe pode atribuir representar o devedor.
Não é oponível ao fiador o que, no processo contra o devedor, signifique renúncia expressa ou tácita do prazo,
ou reconhecimento da divida, nem qualquer exceção que somente o devedor poderia opor.
Mas é oponivel a imputação de pagamento feita a outra divida do devedor garantido.
A ação do fiador contra o devedor principal, em virtude de sub-rogação pessoal nos direitos do credor, é a
mesma ação, com o mesmo rito, que teria o credor sub-rogado.
‘O crédito de fiança é acessório, subsidiário, de modo que somente pode ser cedido (cessão da fiança),
arrestado, seqUestrado ou penhorado se o é com o crédito principal. As medidas cautelares e as executivas
sobre o crédito principal têm de ser estendidas ao crédito de fiança.
Na ação de despejo, que é ação executiva (Tomo XL, ~ 4.490, 2), não se cobra dívida; portanto, não precisa ser
citado o fiador (§ 4.491, 2; 3•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de maio de 1958, 1?. dos
T., 215, 153).
A sentença contra o devedor principal somente pode ser executada contra o vencido, os seus herdeiros ou
sucessores universais e o fiador judicial (Código de Processo Civil, art. 887), de modo que há conveniência em
se citar o fiador, para que se litisconsorcio na ação de cobrança e na própria ação de resolução ou de resilição do
contrato se há condenação,para que possa haver a executabilidade contra o fiador não judicial (cp. 33 Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de fevereiro de 1951, R. dos rt, 191, 700).
A ação de despejo aprecia inadimplemento pelo locatário, ou permanência fora do prazo. Na ação de cobrança,
ou na ação executiva, se é o caso, o fiador pode alegar o que o devedor principal não alegou na ação de despejo.
Uma vez que o fiador não foi litisconsorte, não há coisa julgada contra êle. Se o não alegou, responde pelos
alugueres em atraso e pelas custas e mais despesas do processo em que é parte, e não pelas custas e despesas da
ação de despejo (4.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 27 de dezembro de 1955).
Para a ação executiva contra o fiador, o titulo, que se há de examinar é o da fiança (que se refere ao débito
garantido), ou o da sentença contra o fiador, e não o título judicial obtido contra o devedor, mesmo se foi êsse
em garantia de penhor. A sentença contra o devedor não é executável contra o fiador se êle não foi inserto na
relação jurídica processual a ponto de haver contra êle eficácia de coisa julgada. A execução contra o devedor
provará apenas que houve ou não houve excussão suficiente. Os bens do fiador ainda não estão sujeitos à
execução, uma vez que há a exceção de excussão.
O litisconsórcio entre devedor principal e fiador não é litisconsorte necessário (Código de Processo Civil, arts.
88, 23 alínea, 13 parte, e 91). Não importa o fato de, paga a dívida pelo devedor, liberar-se o fiador. Pode haver
influência de uma sentença na ação proposta contra o outro, mas as duas dívidas são diferentes: o devedor deve
x; o fiador, o adimplemento de x pelo devedor.
O credor pode propor a ação contra o devedor e contra o fiador, cumulativamente. O fiador pode chamar a juízo
o devedor, para a defesa (Código de Processo Civil, art. 88. 2.~ alínea, 23 parte), como pode intervir, com o
mesmo fim, no processo contra o devedor. O devedor não pode requerer que o fiador se litisconsorcie na causa
que contra êle se propôs (com razão, SEacio COSTA, L’Intervento coatto, 178), mas pode introduzir-se na ação
contra o fiador.
6.Ação DE ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO. O devedor pode ter pago sem saber que o fiador já
pagara. Omitira êsse a comunicacão ao devedor. Tal fiador não tem direito de regresso: não se sub-rogou ao
credor.
Se o fiador paga sem ter comunicado ao devedor e não opôs ao credor as objeções e exceções que o devedor
poderia opor, pode o devedor opor ao fiador as objeções e exceções que poderia opor ao credor.
Nas espécies acima referidas, há, contra o credor, se os pressupostos se compõem, a ação de enriquecimento
injustificado, salvo se, com o pagamento, se extinguiu qualquer alegabilidade, ou se produziu sanatória.
Se o fiador pagou divida prescrita, por ignorar que ocorrera a prescrição e não ter comunicado ao devedor que
ia pagar, não tem ação de regresso, nem a de enriquecimento injustificado (Código Civil, art. 970, 1.a parte).
Idem, se há divida mutilada ou obligatio naturalis (art. 970, 2,a parte).
Se a culpa do pagamento pelo fiador, no caso de dívida prescrita, divida mutilada ou obligatio naturalis, foi do
devedor, há a ação de regresso, porque se deve interpretar que o devedor queria a solução da divida.
Se o devedor pagou e também o fiador e há a ação de regresso, o devedor tem a ação de enriquecimento
injustificado contra o credor. Se não há a ação de regresso, porque o devedor pagara antes ou inscientemente,
tem o fiador a ação de enriquecimento injustificado contra o credor.
7.REEMBÔLSO ENTRE CO-FIADORES SOLIDÁRIOS. O art. 1.493 do Código Civil põe como regra
jurídica dispositiva a da solidariedade dos co-fiadores, se conjuntamente prestaram a fiança. Pluralidade de
fiadores, fiança conjunta; conseqUência: solidariedade; salvo disposição em contrário. O art. 1.493 regula o
lado externo da co-fiança. Desde que se compõem os pressupostos do art. 1.498, o que se há de entender é que a
lei considerou tal satisfação de requisitos como estabelecimento negocial de relação jurídica entre os co-
fiadores, da qual resulta que cada um se vinculou aos demais a adimplir o que prometeram ao credor e cada um
se vinculou a reembolsar o que um dêles ou alguns dêles, juntos, hajam pago, conforme a parte que lhe toca. Os
co-fiadores podem estabelecer diferentes quotas em vez das partes iguais. O art. 1.493, 2•a parte, é dispositivo.
A relação jurídica entre os co-fiadores, dita interna, pode ser somai ou não-social. VALERIO
CAMPOORANDE (Trattato de lia Fideiussione nel diritto odierno, 540) nega que seja social. Pode ser, e às
vêzes ocorre que seja, relação de comunhão. Há negócio jurídico entre êles, de que resulta a relação jurídica.
Ésse negócio jurídico não é sempre o mesmo. O art. 1.493, 23 parte, não regula a fiança; regula o fato da
conjunção de fiadores, a co-fiança em que há conjuntividade. À divida fidejussória que tem cada co-fiador
perante o credor corresponde, por se tratar de divida subjetivamente coletiva, o vinculo de cada um dos demais
no que concerne ao adimplemento do que prometeram, que foi o adimplemento pelo devedor, O fiador presta
todo o devido, ou espontâneamente, ou porque o exigiu o credor. Se de algum dos co-fiadores o credor exige a
prestação, e o escolhido não adimple, os demais não incorrem em mora, pelo princípio de que a mora não se
contagia aos outros fiadores (princípio da mora incontagiável do fiador). Aliter, se a mora é ex re, caso em que,
se algum dos co-fiadores adimple, os outros têm de ressarcir o plus que o co-fiador adimplente pagou.
A figura da co-fiança solidária é a de relação jurídica externa, em que todos se põem, indistintos, diante do
credor, e de relação jurídica interna, na qual cada um se liga a qualquer dos outros, razão por que, se um paga o
todo, o que tem de fazer em virtude da relação jurídica externa, lhe cabe
o direito a que os outros o reembolsem conforme as suas quotas (Código Civil, art. 1.495, 2•a parte).
Tentou-se explicar a pretensão de reembôlso do co-fiador, para haver as quotas, pelo fato de ter o pagante
cumprido dever que não era seu. Isso só se daria se houvesse o benefício da divisão (Código Civil, art. 1.493,
2Y parte, e parágrafo único) e o credor, em vez de cobrar a cada um o que êle teria de prestar, cobram o todo a
um só, ou um dêles espontânea-mente pagasse o todo. Aí, a despeito de não ser solidária a fiança, o fiador
adimplente presta, como terceiro, que é (Código Civil, art. 930 e parágrafo único), terceiro que pode estar
interessado, no sentido técnico, ou não, e não como fiador. Se há solidariedade, não há gestão útil, razão por
que temos de afastar as opiniões que aludem a gestão útil ou a actio negotiorum gestoruni (e. g., RAFFAELE
CORSI, La Fideiussione considerata nei rapporti dei Codice civile con i principi di diritto romano, cou la
dotírina e la giurisprudenza, 168 s.; VÂLERIO CAMPOGRANDE, Trattato deila Fideiussione nel diritto
odierno, 540). O co-fiador solidário paga o todo porque tem de pagá-lo, para que adimpla a dívida de fiança,
que é dívida de adimplemento pelo devedor. Não geriu, sem dever, o negócio de outrem.
O reembôlso tem fundamento em regra jurídica dispositiva, que é a do art. 1.495, 2•a parte, do Código Civil, O
ius dispositivum atende ao que se poderia, com maior probabilidade, ou com maior pertinência, ter
convencionado, e edicta o que há de incidir se outra vontade não se expressar em contrário. A fonte é a lei, mas
a lei dispositiva. A lei atendeu ao que mais acontece, ou o que se supôe mais próprio, se há solidariedade. O
pagamento, pelo co-fiador, daquilo que não tinha de pagar, êsse sim, pode ser gestão útil.
Se não foi preestabelecido o que se entenderia por “quotas dos co-fiadores”, na relação jurídica interna, que é a
relação jurídica de que se trata no art. 1.495, 2•a parte, do Código Civil, e no parágrafo único, o que se há de
assentar é serem iguais. Na relação jurídica interna, há reeinbólso, e não sub-rogação. O fiador pagante sub-
roga-se nos direitos, pretensões e ações do credor contra o devedor e terceiros garantes; não contra os co-
fiadores. Não se falou de sub-rogação, na relação
jurídica interna: só na relação jurídica externa (Código Civil, art. 1.495, 1•a parte). Nem se pode invocar o art.
985, III, do Código Civil, porque o fiador é terceiro interessado na relação jurídica entre o credor e o devedor,
não porém na relação juridica interna, em que êle e os outros são figurantes. (A possível sub-rogação
convencional, conforme o Código Civil, art. 986, 1, poderia nascer de negócio jurídico entre o credor e o fiador
pagante se a solidariedade não existisse. A do art. 986, II, fundar-se-ia em negócio jurídico entre os co-fiadores,
adjecto ê sua relação jurídica interna.) Pode ocorrer que um dos co-fiadores solidários tenha dado outra garantia
pessoal ou real. Aí, seria terceiro, contra o qual o co-fiador pagante poderia ir.
Para que seja legítimo o reembôlso, é preciso que a co-fiança seja solidária, que o co-fiador pagante não tenha
sido o único interessado no adimplemento (ou que o demandado tenha sido interessado) e que a dívida pudesse
ser exigida ao demandado.
A opinião que pré-exclui o reembôlso quando o co-fiador que pagou assumiu, animo donandi, a dívida de
fiança, tem de ser repelida (sem razão, GIORGIO Bo, Nuovo Digesto Italiano, verbo Fideiussione, 1122; LuícI
Aliu, Codice Civile, Commentario, II, 2, 420). A doação, se houve, foi ao devedor, provàvelmente promessa de
pagar a dívida afiançada, negócio jurídico estranho à relação jurídica entre o devedor e o credor
e, a fortiori, entre os co-fiadores. O que o co-fiador doou ou de que dispôs animo dúnandi, saiu do patrimônio
dêle: êle doou o que pagou pela sua quota e doou o que pagou pelas quotas dos outros co-fiadores. Se não
pudesse cobrar dos co-fiadores as quotas, êsses seriam os beneficiados pela doação, porque a dívida dêles
existia e tinha de ser paga.
O pagamento tem de ser provado e ter sido eficaz, isto é, extintivo da divida dos co-fiadores. Qualquer modo de
pagamento basta. Os co-fiadores não podem opor que o co-fiador pagante deixou de exercer a pretensão de
relevamento (Código Civil, art. 1.499). Não há dever de exercer tal pretensão, com éu sem a ação de
relevamento.
O pagamento pode ser parcial. Porém não dá direito ao reembôlso o pagamento da quota que somente
corresponderia 410 pagante.
Pode dar-se que o co-fiador pagante primeiro tenha ido com a ação de regresso contra o devedor e não tenha
conseguido satisfação. Nada obsta a que exerça, depois, contra os co-
-fiadores, a ação de reembólso, pois solvera a divida ao credor. Cumpre, todavia, advertir-se que é êrro ter-se o
exercício dos direitos oriundos da sub-rogação como pressuposto necessário da ação de regresso (e. g., EMILIO
PACIFICI-MÂzzONI, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, V, 2, 513). Se algum ou alguns ou todos os co-
fiadores deram a fiança animo donandi, tem o devedor a objeção de não dever ao fiador, ou aos fiadores
beneficiantes; mas isso não pré-exclui a ação de reembôlso que proponha o co-fiador pagante que não prestara,
animo donandi, a fiança. O que é de ressaltar-se é que não há subsidiariedade entre a ação de reembôlso e a de
regresso.
Sujeito ativo da ação de reembôlso é o co-fiador pagante. Sujeito passivo ou sujeitos passivos o co-fiador ou os
co-fiadores que devem as quotas. Se dois ou mais pagaram, tornaram-se co-credores contra os outros co-
fiadores.
Se o pagante exerceu a ação oriunda da sub-rogação contra os garantes não considerados co-fiadores, o que
recebeu é deduzido do importe pago.
Os co-fiadores têm de pagar as suas quotas em tudo que pagou o co-fiador e no que resultou de despesas e
custas que êle pagou no exercício das ações irradiadas da sub-rogação ao credor.
No art. 1.495, parágrafo único, do Código Civil, explicita-se que “a parte do fiador insolvente” se distribui
pelos outros.
A cláusula de beneficio de divisão não pode ser aplicada de ofício pelo juiz.
1. OBJEÇÕES. O fiador pode alegar nulidade, anulabilidade e qualquer causa de extinção da fiança.
Outrossim, não ter a fiança a extensão que se lhe atribui. Se a fiança não foi dada a dívida prescrita, ou mesmo
que venha a prescrever, a prescrição da divida principal é alegável pelo fiador.
O credor que interpela ou promove ação contra o devedor tem de comunicar ao fiador. Assim, pode o fiador
pagar, ou introduzir-se na lide, inclusive tornando mais eficiente a defesa. Não há o dever de comunicação com
sanção legal. Não se exige forma especial à comunicação.
8.OBJEÇÕES E EXCEÇÕES OPONIVEIS PELO FIADOR. A dívida do fiador é acessória, porque êle deve o
adimplemento pelo devedor. Não há identidade das dividas, porque prometeu que outrem faça a cêrca não é
prometer fazer a cêrca. Se o fiador não pudesse opor o que o devedor poderia opor, a divida do
fiador seria mais dura do que a do devedor. Por isso, tem-se de atribuir ao fiador a oponibilidade de tôdas as
objeções e exceções que o devedor poderia opor. Tais objeções e exceções existem para os dois devedores,
independentemente, porque quem promete que outrem faça a cêrca não promete mais do~ que a pessoa
encarregada teria de fazer.
O fiador pode opor, jure proprio, as objeções e exceções. que teria o devedor principal. Para isso, é preciso que
as objeções e exceções ainda existam. As renúncias após a data em. que o devedor teria de adimplir são
inoperantes contra o fiador.. É ineficaz, por exemplo, a ratificação de negócio jurídico anulável, após o
vencimento da dívida.
O fiador pode opor a inexistência, a nulidade e a anulabilidade, a resolução ou a resilição, ou a rescisão do
negócio jurídico. Não pode opor o que se funde em incapacidade do devedor, porque existe a regra jurídica do
art. 1.488 do Código Civil.
As objeções e exceções podem ser opostas mesmo após a condenação ou a condenação e execução do devedor.
O subfiador também pode opor o que o fiador poderia opor, mas, se a objeção ou exceção é atinente ao contrato
de sub-fiança, não o que só se refere ao contrato de fiança. Também êle pode opor a objeção ou a exceção,
depois de já ter sido condenado e executado o subafiançado. Também quanto ao fiador incide o ad. 1.488 do
Código Civil.
O fiador tem de informar o devedor para que êsse lhe possa dizer quais as objeções e exceções que opôs ou que
ainda poderia opor. O devedor tem de pôr o fiador a par do que ocorreu e do estado atual da dívida. Se o fiador,
ciente, não opóe o que devia opor fica prejudicado no que pode, em regresso, exigir do devedor.
As exceções que o fiador não pode opor são as que têm caráter personalíssimo, como se o credor dá o título ao
devedor somente para que êsse o apresente em processo.
O fiador pode opor a imputação dolosa de pagamento ex iure creditoris (exceção de dolo) e qualquer modo de
pagamento. Assim, é alegável a compensação (cf. TORQUATO CU’rURI, Tratiato deile Compensazioni, 232
s.; CASIMIRO CARAVELLI, Teoria deila Compensazione, 31), a novação, a confusão, a re[i~Mrus UNU 1
>‘ÇÃILIO IIj
missão, a transação, a cláusula compromissória, a evicção do bem prestado pelo credor, o pactum de non
jpetendo que não foi concluído em benefício exclusivo, explícito, do devedor, o perecimento do bem depositado
ou comodado pelo qual não haja de responder o devedor garantido, a prescrição.
Algumas objeções e exceções podem estar declaradas em sentença proferida no processo em que foi parte o
devedor, pois que se trata de coisa julgada material, a favor do devedor e pois do fiador.
Quanto à transação, uma vez que se dê a extinção da dívida, há a oponibilidade.
O fiador pode opor a inexistência, a nulidade, a anulabilidade, a expiração do prazo e o distrato ou outra
extinção da fiança. Outrossim, tudo que seja concernente ao conteúdo da fiança e a seus limites, o caráter não
solidário, pacto adjecto posterior entre êle e o credor. Além dessas objeções e exceções, há a exceção de
excussão.
Não vale a cláusula ou o pacto pelo qual o fiador se possa vincular a não opor as objeções e exceções que o
devedor tenha ou venha a ter, pois seria tornar durior, mais gravosa, a fiança do que a dívida.
O fiador somente responde pelo adimplemento da divida pelo devedor principal. Foi isso o que êle prometeu.
Diz o Código Civil, art. 1.502: “O fiador pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoais, e as
extintivas da obrigação que compitam ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade
pessoal, salvo o caso do art. 1.259”.
Nenhuma dúvida pode haver quanto à oponibilidade, pelo fiador, das exceções que lhe são exceções pessoais.
A respeito das exceções que competem ao devedor principal, a lei somente se referiu às exceções extintivas. No
art. 1.502 do Código Civil fala-se de exceções extintivas da obrigação principal. O que se há de entender é que
basta a exceção que atinja a obrigação sem atingir a divida. Os legisladores raramente distinguem, na redação
das leis, o que é extintivo da dívida, o que é extintivo da obrigação e o que apenas encobre eficácia. A
prescrição, por exemplo, não extingue a dívida, nem a obrigação, salvo quando algum texto de lei
explicitamente estabelece que a prescrição causa preclusão (extinção), como se passa nos arte. 739, VI, 745,
748, e 849, VI, do Código Civil. Todavia, o fiador ou o subfiador pode opor a exceção de prescrição da dívida
principal.
Prescritas as dívidas, extinguem-se os direitos reais de hipoteca. ~Que se passa a propósito da fiança? No
direito romano, “omnes exceptiones quae reo competunt, fideiussori quoque, etiam invito reo, competunt” (L.
19, D., de exceptionibus, praescriptionibus et praeiudiciis, 44, 1; L. 7, § 1; L. 15, pr., D., de fidejussoribus et
mandatoribus, 46, 1).
No direito brasileiro, a despeito de não ser extintiva da dívida a prescrição, entende-se que o fiador pode opor a
exceção de prescrição. O art. 176, § 32, do Código Civil basta para que tal se afirme: “A interrupção produzida
contra o principal devedor prejudica o fiador”. Portanto, se supõe que o fiador possa opor a exceção de
prescrição da dívida principal.
Não se hão de confundir com as exceções os direitos ti compensação e à redibição, mas há regra jurídica
especial sobre a compensação. Quanto ao fiador e aos direitos de escolha (e. g., Código Civil, arts. 875, 884 e §
29), pode o fiador extinguir a dívida principal com a prestação de um ou de outro objeto (se, com isso,
prejudica o devedor, é assunto para ser alegado pelo devedor principal na ação regressiva do fiador). Cf. Tomo
XXIV, § 2.965, 1.
Se a mesma pessoa é fiador de duas ou mais dívidas ao mesmo credor, toca-lhe dizer qual a divida que paga, ou
que primeiro paga. Aliás, como qualquer terceiro que paga.
Ofiador não pode objetar a redibição, mas pode objetar quanto à minoração (quanti minoris). Nem objetar com
a pretensão do fiador à resolução ou à resilição (sem razão:
G. PLÂNCK, Kommentar, II, 833; H. DERNBURG, Das Bilrgerliche Recht, II, 2, 428; E. FRIEDENTRAL,
Wandelung und Mmderung seitens der Búrgen, Juristisch,e Wochenschrift, 37, 132; ~ E. PRINÇSREIM, Das
Recht des Biirgen zur Bestimmung tind Wahl, Gruckots Beitrãge, 53, 13 e 163; certos, PAUL OERTMANN e
Orro WARNEYEIO.
O fiador pode compensar a sua dívida com a de seu credor ao afiançado (Código Civil; art. 1.013, 2.~ parte).
d’ode compensar com o que o credor lhe deva? O ad. 1.019 afasta-o. a respeito de qualquer terceiro que garanta
a divida; e diz o art. 1.013 do Código Civil: “O devedor só pode compensar com o credor o que êste lhe dever;
mas o fiador pode compensar sua dívida com a de seu credor ao afiançado”. Assim, ofiador pode alegar a
compensação do devedor contra o credor.
Não pode compensar com crédito seu o que tem, como fiador, de pagar ao credor.
O benefício de excussão dá, processualmente exceção dilatória, de direito material, razão por que, no plano
extrajudicial, é defesa que se apresenta ao credor que cobra amigàvelmente (cf. RENZO BOLÂFFI, te
L’eeezjonj nel diritto sostanziale 102, que não o genera1iza~~ ser defesa). RAFFAELE Coasi (La Fidejus.
sione, 87) achou que há o efeito dilatório, porque faz parar o custo da ação, e o perembtérío porque, se advém
a excussão , o seu efeito é perempção. Sem razão, porque êsse efeito itão é da exceção, é do procedimento, que
prosseguiu A oposição justa da exceção impede que se dê a mora do fiador. Tambem e de refusarse a afirmativa
de ser a exceção de exdcessão óbice à procedibílidade (Luíaí ARU, Codice Civile, Commen~ tario de
MARIANO D’AMELIO e ENRIGO FINzI, II, 2, 408).
Primeiramente, advirta-se que o contrato de fiança pode pré-excluir o beneficio de excussão, o que depende de
cláusula contratual. A renúncia é excludente, e não pré-excludente. O fiador que tem ou teria o benefício de
excussão pode renunciar ao beneficio, em pacto adjecto, ou em modificação do contrato de fiança.
No direito brasileiro, a renúncia extintiva do benefício de excussão há de ser expressa. Não basta, como
acontece no direito alemão, que seja tácita. A renúncia expressa pode ser anterior ou posterior ao vencimento ou
à exigência do crédito ao devedor principal. Pode ser expressa no próprio instrumento da fiança.
Quem se vincula como principal devedor, ou como devedor solidário, renuncia ao benefício de excussão.
Se há declaração de insolvência ou de abertura de falência do devedor principal, extingue-se o benefício de
excussão. O art. 1.492, 1H, supôe declaração judicial de insolvência, ou abertura de qualquer concurso de
credores (concurso civil de credores, falência, liquidação coativa).
Nenhuma sanção de direito material há contra o credor que exerce ação contra o fiador, sem ter excutido, antes,
como devera, os bens do devedor principal. Não pode, oposta a exceção, prosseguir na ação, que não se
extingue enquanto o devedor principal, ou o fiador, ou terceiro não haja adimplido. Processualmente, as custas
até que se prossiga no procedimento, com a alegação e prova da excussão, são, sempre, por conta do credor.
Nem o juiz pode determinar, de ofício, que primeiro se excutam os bens do devedor principal, nem êsse pode
pedir que o faça. Pode pagar, inclusive depositar em consignação para pagamento.
O benefício de excussão é oponível na ação condenatória
e na ação executiva. Na ação declaratória proposta pelo fiador é matéria da petição inicial; ‘proposta pelo
credor, matéria de contestação, para que, na declaração, se inclua o jus exceptionis. Na ação declaratória, não
há, portanto, parálise do procedimento. .FIADOR QUE SUCEDE AO DEVEDOR PRINCIPAL. O art. 1.492,
1-111, do Código Civil fala de três espécies em que não aproveita ao fiador o benefício de excussão.
A primeira espécie é de benefício de excussão a que se renunciou. Supóe-se que não tenha sido pré-eliminado
no contrato de fiança, ou que não haja solidariedade ex lege, e que dêle tenha aberto mão o fiador. Na segunda
espécie, êle nunca existiu, ou deixou de existir em virtude de pacto adjecto. Na terceira, atende-se a que a
alegação e a prova da insolvência, ou da falência do devedor, já contêm alegação e prova da insuficiência dos
bens do devedor principal.
Não se falou da espécie em que o benefício de excussão se extingue pela confusão: devedor principal e fiador
passaram a ser a mesma pessoa. Todavia, a aceitação da herança a beneficio de inventário deixa exercível o
benefício de excussão enquanto permanecem distintos os dois patrimônios. o do fiador e o da herança.
retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador, provando que os bens por êle
indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da divida afiançada”.
Ao fiador principal devedor pré-exclui-se o benefício de. excussão, porque se póe no lugar do devedor, e o
mesmo ocorre se se faz devedor solidário. Ali, o lugar que era do devedor principal passa a ser, contra o fiador>
o dêsse. Aqui, coloca-se êle ao lado de devedor principal, sem graduação. Diz-se, vulgarmente, que o fiador,
principal devedor, ou devedor solidário, renunciou à exceção de excussão; mas, em verdade, e em boa
terminologia, uma vez que, ao concluir o contrato de fiança, ainda fiador não era e pois não tinha a exceção de
excussão, renúncia não há, há pré-exclusão, pela natureza da divida assumida <cf. W. GIRTANNER, Die
Biirgsckaft nach gemeinent Civilrecht, 820 s.; HERMANN HERMS, Die Biirgsckaft int 13GB., 45).
1.CONCEITO. Se o devedor principal tem em juízo ação de anulação ou outra ação, contra o credor, de que
possa resultar a desconstituição do negócio jurídico de que provém o crédito, pode o fiador recusar,
provisôriamente, o cumprimento do que prometeu, pois está em juízo a questão. O credor pode pedir arresto de
bens do fiador se há o pressuposto do art. 675, II, do Código de Proesso Civil. Não se poderia impor ao fiador o
adimplemento da sua promessa se está em discussão, perante a Justiça, o direito do credor.
Sempre que o fiador não pode ir contra o credor por só ser legitimado à ação o devedor principal, mas a
sentença, que seja favorável ao devedor principal, atingiria a relação jurídica de fiança, extinguindo-a, ou
diminuindo o quanto devido, o fiador pode recusar-se, provisôriamente, ao adimplemento. Há, aí, exceção
dilatória (Orro GIERKE, Deutsches Privalrecht, III, 780 s.; sem razão, LIPPMANN, Rúckwirkung und
Rechtsgeschãft der Aufrechungserklãrung, .Jherings Jahrbiicher, 43, 552). Cessa o direito de exceção se está
prescrita a pretensão do devedor principal, ou se êsse ratificar o ato que atacara, ou se desistiu da ação.
A oposição da exceção dilatória não interrompe a prescriçio da pretensão do credor contra o fiador.
2.PREssuposTos DO DIREITO DE RECUSA. Se o negócio jurídico principal não é inexistente, nem nulo, a
pretensão à decretação de anulação, ou de resolução, ou de resilição, ou de rescisão, ou de denúncia, ou de
impugnação, qualquer que seja, precisa ser exercida pelo devedor principal, porque o fiador não tem a
legitimação ativa, quer em direito material quer em direito processual. Todos êsses direitos a desconstituição
supôem que o direito do credor principal existe e que se tenha de desconstituir o negócio jurídico para que,
alterando-se o mundo jurídico, se elimine o direito do credor (cf. M. BRUCK, Die Redeutung der
Anfechtbarkeit f’iir Dritte, 2 s. e 17; Orro ZIEGER, Erlduterung des ~ 770 des BGR., 11). Uma vez proposta a
ação do devedor principal, o fiador expôe-se a pagar, pelo devedor principal, o que êsse talvez não deva, e
haver, eventualmente, enriquecimento injustificado. Poderia depositar, se entende que melhor lhe fica tal
atitude, para que se levante o depósito se o devedor principal perder a ação e não pagar (dois pressupostos>, O
devedor principal pode ser constrito à penhora, se o crédito é derivado de título executivo, mas aí já se iniciou a
execução e só a insuficiência de bens justificaria que o fiador depositasse, provisôriamente, para o caso de não
ser procedente qualquer objeção, ou exceção de devedor principal, ou alegação de contradireito.
bilidade), não se pode dizer que se trata de exceção de devedor principal que o fiador possa opor. O que o fiador
pode exercer é a exceção de excussão, para que o devedor pri~ncipa1 ou pague, ou proponha ação, ou se
defenda na ação contra êle. (Quanto à discussão no direito alemão, em têrno dos §§ 853 e 768, CARL CROME,
Svs tem, II, 2, 878; P. LANGIIEINEKEN, Anspruch und Einrede, 320; MERTEN, Die Rechtsstellztng des
Briirgen bez. der Einreden des Hauptschuldners, 35; contra, ACHILLE RAPPAPORT, Die Einrede aus dem
.fremden Rechtsverhkiltnis, 32). Se o fiador paga, a despeito de haver a ação do devedor principal, ou da sua
defesa na ação proposta pelo credor, tem o fiador, ao trânsito em coisa julgada da sentença que deu ganho de
causa ao devedor principal, a ação de enriquecimento injustificado (Código Civil, art. 964), pois houve êrro
(art. 965). Sobre isso, OTTO MERCKENS, Das Recht des Biirgen au>’ Verwertung vou Einwãnden aus der
Person. des Mau ptschuldners nach gemeinem Recht uná Recht des 13GB., 68 5.; HERMANN HERMS, Die
R’ilrgschaft im 13GB., 37).
Quanto à ação de redibição e à quanti minoris, há diversidade de opinião (não se confunda a questão de que
aqui tratamos com a questão da oposição das exceções do devedor principal, quer quanto à redibição quer
quanto à minoração, assunto de que já cogitamos) : a) alguns pensam que estão excluídas como defesas que,
exercidas pelo devedor principal, permitem a provisória recusa do adimplemento da dívida do fiador (R.
STAMMLER, fie Einrede mis dem Rechte eines Dritten, 31; OTTO SCHILL, fie Finredeu des B’Urgen uná
ihre Geltendmackung im Prozess, 61; MERTEN, fie Rechtsstellung ‘uies Biirgen bez. der Einreden des
Hauptschuldners, 35>; b) outros só admitem a pretensão à recusa provisória se a ação ~ de minoração (II.
DERNEURO, Das Biirgerlich,e Recht, II, 350; CARL CROME, System, II, 878); c) outros atribuem ao fiador o
direito de recusa, qualquer que seja a ação proposta sobre vício do objeto (P. LANGHEINEKEN, Anspruch und
Einreden, 240, entre outros).
O que se não pode negar é o direito de recusa provisória, por parte do fiador, se o devedor principal está em lide
de ação redibitória, que é ação de rescisão, ação que desconstitui. Quanto à ação de minoração do preço, o
fiador não se pode
recusar a adimplir o que o devedor principal supõe que deve e ocorre que não pode pagar (o ônus de alegar e
provar incumbe ao credor).
rt. 1.497, alude à taxa estipulada, se existe. Nisso, o direito brasileiro adotou solução melhor do que a seguida
pela jurisprudência alemã (cf. L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lekrbnch, II, 616), contra a qual, no direito
alemão, mesmo de lege lata, os argumentos são decisivos. Diz-se no Código Civil, art. 1.497:
“O fiador tem direito aos juros do desembôlso pela taxa estipulada na obrigação principal e, não havendo taxa
convencionada, aos juros legais da mora
O fiador pode exigir do credor, que foi satisfeito, o respeito de todos os direitos que lhe foram atribuidos em
garantia do crédito (propriedade fiduciária, créditos, penhôres, títulos caucionados). Dizemos “pode exigir”,
porque a transferência se deu como elemento do que foi objeto da sub-rogação pessoal.
No caso de renúncia do credor ao crédito da fiança, ou de renunciado da divida de fiança (Código Civil, art.
1.053), só há repetibilidade contra o devedor principal, porque êsse continua devedor. Se a remissão é das duas
dívidas (da dívida principal e da dívida de fiança), somente há a pretensão à repetição se a dupla remissão foi
doação ao fiador (L. ENNECCERUS -H. L.EHMANN, Lerbueh, II, 615).
Nos direitos, em que se dá a sub-rogação pessoal legal ao fiador, nem sempre se inclui ação que o afiançado
tenha contra o credor, porque a sub-rogação só é concernente aos direitos do credor contra o devedor principal e
nos seus acessórios (cf. 4A Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de fevereiro de 1941 (R. dos
7’., 131, 252). O que o fiador pode opor é o que é extintivo da dívida, da pretensão ou da ação, ou da sua
eficácia.
Não há, diz-se, a sub-rogação do fiador nos direitos do credor se a fiança foi concluída animo donandi, figura,
aliás, que precisa ser esclarecida. A fiança, em si, não é animus donandi; o animus donandi há de estar em outro
negócio jurídico entre o fiador e o devedor, e o que não há é a ação de regresso contra o devedor, que pode opor
a doação. A fiança, essa, é contrato entre o fiador e o credor, e a sub-rogação pessoal resulta da lei, pelo fato do
pagamento. Se houve negócio jurídico com animus donandi, negócio jurídico e eficácia operam-se entre fiador
e devedor; portanto, apenas quanto àação regressiva.
2.EXTENSÃO DA SUB-LIGAÇÃO PESSOAL LEGAL. No Código Civil, diz o art. 989: “Na sub-rogação
legal o sub-rogado não poderá execeder os direitos e as ações do credor, senão até à soma, que tiver
desembolsado para desobrigar o devedor”. Só há sub-rogação pessoal até onde foi o adimplemento. Se assim
não fôsse, haveria invasão do patrimônio do credor; e a sub-rogação pessoal não pode ser com prejuízo para o
credor. Se algo ficou para ser pago, sem que o fiador assumisse a dívida do restante, o fiador só adquiriu parte
do crédito,. parte que corresponde àquela que êle satisfez. No art. 990,.
o Código Civil cogita da posição jurídica do credor e do fiador, resultante do adimplemento parcial: “O credor
originário, só em parte reembolsado” entenda-se: só em parte satisfeito “terá preferência ao sub-rogado, na
cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro
dever”. Se existem garantias, a parte do fiador vem após à que ainda é devida ao credor. (O credor satisfeito
quanto ao crédito afiançado nenhuma preferência tem, com invocação do art. 990 do Código Civil, a propósito
de outras dívidas não afiançadas, ou afiançadas por outro contrato.)
A sub-rogação pessoal legal conforme os arts. 986, III, e 1.495 do Código Civil de modo nenhum atinge o que
há de relação jurídica ou de relações jurídicas entre o devedor principal e o fiador, inclusive se houve prestação
ao fiador para que êle afiançasse, ou se em verdade houve mútuo ao fiador. O devedor principal tem as objeções
e exceções contra o fiador, exercidas aí como exceções.
Pode dar-se que o fiador tenha feito despesas, e. g., para obter documentos necessários à eficiência da sub-
rogação pessoaI. O fiador que tem de viajar para prestar o que o devedor teria de prestar tem direito às despesas
e à indenização dos danos sofridos.
Se o fiador transigiu com o credor e há liberação do devedor principal, tem o fiador pretensão a repetir o que
prestou ao credor em virtude da transação.
8.ENTREGA DE DOCUMENTOS E DADOS. Deve o credor, que recebe do fiador, entregar-lhe todos os
documentos que sirvam à ação de regresso, que haja de propor o fiador, ou para a exigência extrajudicial, em
virtude da sub-rogação pessoal legal. Se a transferência de algum direito, pretensão, ação ou exceção depende
de alguma formalidade, tem o credor de promovê-la. Os documentos são todos os que servem à exigência
extrajudicial ou judicial e à defesa do sub-rogado pessoal legal contra objeções e exceções do devedor
principal, inclusive o instrumento da fiança. Se a dívida não foi totalmente extinta, o credor só tem o dever de
entrega do que não lhe seja necessário à cobrança do restante, mas, ainda assim, deve permitir ao fiador obter
certidões ou públicas-formas. Se há dois ou mais fiadores e cada um pagou a sua parte, nenhum tem direito aos
originais, mas sim à quitação com referências e à apresentação para as públicas-formas, porém as tiragens das
certidões e das públicas-formas são pagas pelo fiador, e não pelo credor. O fiador pode exigir os documentos,
para que pague, em vez de os exigir depois do pagamento. Se o credor se recusa a dar-lhos, incorre em mora.
A sub-rogação pessoal legal opera-se automâticamente, quer o adimplemento pelo fiador tenha sido voluntário,
quer em virtude de execução, quer tenha sido com o objeto devido pelo devedor principal, quer por efeito de
dação em soluto, compensação ou outro qualquer meio, inclusive a assunção da dívida alheia sem cumulação.
Quanto aos juros, rege o art. 1.497 do Código Civil (sem relevância a redação do art. 989, onde se diz que, “na
sub-rogação legal, o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor serão até à soma que tiver
desembolsado para desobrigar o devedor”, pois o quanto apanha os juros e a pena convencional; ef. art. 988).
1.PRECEITO COMINATÓRIO CONTRA O AFIANÇADO. Lê-se no Código Civil, art. 1.499: “O fiador,
ainda antes de haver pago, pode exigir que o devedor satisfaça a obrigação, ou o onere da fiança, desde que a
dívida se torne exigível, ou tenha decorrido o prazo dentro do qual o devedor se obrigou a desonerá-lo”.
No Código de Processo Civil, art. 802, 1, dá-se ao fiador a ação cominatória (ação de preceito cominatório)
“para exigir que o afiançado satisfaça a obrigação, ou o exonere da fiança”.
À pretensão de direito material criada pelo Código Civil, art. 1.499, corresponde a pretensão de forma
processual, segundo o art. 302, 1, do Código de Processo Civil. O art. 1.499 do Código Civil de maneira
nenhuma a continha quando estatuiu que “o fiador, ainda antes de haver pago, pode exigir que o devedor
satisfaça a obrigação, ou o exonere da fiança, desde que a dívida se torne exigível, ou tenha decorrido o prazo
dentro do qual o devedor se obrigou a desonerá-lo”. Foram os Códigos de Processo estaduais de São Paulo (ad.
795, 1) e do Espírito Santo (art. 600), que estabeleceram a pretensão cominatória, a fim de que o fiador, a que
se refere o Código Civil, ad. 1.499, não ficasse sujeito ao processo ordinário. O fiador legitima-se ativamente
se: a) o devedor não satisfez a obrigação; b) não o exonerou dentro do prazo em que se obrigou a fazê-lo; e) a
dívida se tornou exigível; d) o fiador ainda não pagou a dívida afiançada, pois, no caso contrário, estaria sub-
rogado nos direitos do credor e talvez com pretensão de executar. Pergunta-se se o fiador solidário com o
devedor pode exercer a ação cominatória. O conceito de fiança é de direito material; outrossim, o de
solidariedade. A questão nasce, pois, no direito civil (com razão, AMORIM LIMA, Código de Processo Civil,
II, 92). CLóvís BEVILÁQUA respondia que ao fiador solidário não assistia a pretensão do art. 1.499 do Código
Civil. Luís MACHADO GUIMAUXES (ComentáriOs, IV, 166, 167) discordou, por ser externa a solidariedade,
no caso, e não interna, não havendo a pluralidade de devedores. Observemos, desde logo, que a afirmativa de
CLã-vis BEVILÁQUA raríssimas vêzes acertaria e a de seu opositor algumas vêzes falharia. A acessoriedade da
fiança como instituto e a principalidade da obrigação solidária não bastam como argumentos. O problema tem
de ser pôsto noutros termos. Cumpre partir da distinção entre: (1) beneficio de discussão (Código Civil, art.
1.491) ou de ordem, a que renunciou tanto o fiador que se obrigou como principal pagador quanto o que se
obrigou como devedor solidário (Código Civil, art. 1.492,11) ; e (2) o direito de regresso (Código Civil, art.
1.496). A pretensão persiste no caso (1); não persiste no caso (2), sendo de notar-se que há diferença entre
principal pagador e devedor solidário, que se não reflete, só por si, na questão. O fiador que renuncia à exceção
do benefício de ordem pode exercer a sua pretensão cominatória (cf. 3’. v. Staudingers Komrnentar, II, 2, 1522;
PAUL OERTMANN, Kommentar, 956; O. PLANCK-H. SIBER, Kommentar, II, 2, 842). Quem a perde é o
fiador que não tem mais regresso contra o devedor (PAUL OERTMANN, II. SínEa; OTTO WARNEYER,
Komment ar, 1, 1280). Até que ponto as declarações de vontade do devedor, nas relações com o fiador,
excluiram o direito de regresso, é questão de interpretação do negócio jurídico entre êles. É possível inesmo,
pôsto que raro, a exclusão da pretensão de regresso sem a da pretensão da sub-rogação (duas pretensões!), ou
vice-versa. No plano do direito material subsistem, de regra. No plano da lei processual, a pretensão
cominatória é ligada A de regresso por fôrça do art. 802, 11 (verbis “que o afiançado satisfaça a obrigação ou o
exonere da fiança”), do Código de Processo Civil, que bem levou em conta a natureza do preceito cominatória.
Isso não quer dizer, de modo nenhum, que cesse a pretensão de regresso, se ocorre a sub-rogação pessoal; trata-
se de dois efeitos de direito material compatíveis. Por exemplo: se o fiador pago pode cobrar em sua posição
própria ou na de sub~rogado do credor; se, tendo proposto a ação cominatória, pode pagar e continuar aquela,
porque a exigência processual de não ter sido ainda paga a dívida resulta do praeceptunt da cominação, e essa
já produziu efeitos.
No caso do art. 802, 1, do Código de Processo Civil, há a alternativa processual da obediência ou da pena,
como em tOda cominaçãO, que é mandado sancionado. Mas a alternativa da obediência parte-se em nova
alternação, que é a de direito material (satisfazer ou exonerar o fiador). A. distinção entre o dilema processual e
o dilema interior a uma das formas de obediência tem grande valor teórico e prático. Sendo essa de direito
material, um dos termos pode ter deixado de existir, ou nunca ter existido, sem que falte ao fiador a pretensão
processual. Assim, se o contrato entre fiador e afiançado, ou a própria carta de fiança, exclui a exoneração, não
cabe a alternativa material, pOsto que, exigível a dívida, possa o fiador exercer a sua pretensão processual a que
o devedor solva.
Se a fiança foi prestada sem o assentimento do devedor (Codigo Civil, art. 1.484), o fiador não tem pretensão a
qual--quer ato ou fato do devedor. Nenhuma relação de material existe entre êles. Alguns autores lhe atribuem,
com razão, a actio de iii rem verso, que supõe a versão do pagamento, e opera segundo os princípios próprios.
Não ter assentido pode ser defesa do afiançado contra quem se lançou o cominatório.
Se a fiança faz dependente de aquiescência do credor a exoneração, ou se o fiador é principal pagador, o fiador
deve pedir que se mande citar o credor, sem que se trate de litisconsórcio passivo necessário (igualdade de
situações processuais dos réus). O juiz não tem de mandar citá-lo (Código de Processo Civil, art. 91). O autor é
que dirige a sua demanda. Não se pedindo a citação do credor, interessado no pleito, a coisa julgada material
não o atinge. O credor, interessado, pode intervir, conforme a figura que resulte do seu interesse (Código de
Processo Civil, arts. ES, conexão de causas, afinidade de questões, e 93).
Os comentadores do Código de Processo Civil estiveram a discutir qual a sanção do art. 1.499 do Código Civil,
no caso de de não poder o devedor exonerar o fiador, ou de não querer fazê-lo. Essa questão, de direito material,
nada tem com o art. 802, 1, do Código de Processo Civil. Os arts. 879, 1.059 e outros do Código Civil é que
respondem. A cominação do art. 802, 1, é a pena contratual, ou a que fôr pedida pelo autor e daferida pelo juiz.
A aplicação exata do Código de Processo Civil ganha em se trazerem sempre nítidas a esfera do direito material
e a dêle.
Antes de pagar, pode o fiador, que foi dado pelo devedor, ou por êle admitido, em virtude de alguma relação
jurídica, inclusive gestão de negócios alheios sem outorga, exigir que o devedor solva a dívida já exigível, ou o
exonere da fiança. Outrossim, se, embora não exigível a dívida, decorreu o prazo dentro do qual o devedor
prometeu desonerá-lo. Essa é que é a interpretação do art. 1.499 do Código Civil. A alternativa “satisfazer a
dívida ou desonerar o fiador” mostra, de si mesma, que se supõe ter o devedor onerado o fiador. Se há de
desonerá-lo é porque o onerou, O art. 1.499 tem como um dos elementos do suporte fáctico a existência de
relação jurídica
de mandato, de locação de obra, ou outra entre o devedor principal e o fiador. Se êle prometeu ao credor dar
fiador e indicou alguém, que contraiu a dívida de fiança, o fiador atendeu a pedido dêle, que, qualquer que seja
a relação entre êle e o devedor, permite a invocação do art. 1.499.
Mesmo se o fiador não tem o benefício de excussão, toca-lhe o direito do art. 1.499 do Código Civil. Não o
devedor solidário.
Se o fiador está na situação do art. 1.499 do Código Civil, a ação cominatória que lhe incumbe é a do art. 802,
1, do Código de Processo Civil, regra jurídica que supóe estar o devedor principal adstrito a ter fiador, embora
lhe falte explicitude. Lamentável a confusão em que incorreu a 1•a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São
Paulo, a 30 de março de 1954 (cf. DIMAS R. DE ALMEIDA, Repertório de .Jurisprudência do Código Civil,
III, 579 s.).
2.PRECEITO COMINATÓRIO CONTRA O CREDOR. O Código de Processo Civil, art. 802, II, diz que
compete ao fiador ação de preceito cominatório para que o credor acione o devedor. Desde que possa o credor
exigir do devedor afiançado
1
que preste alguma coisa, ou faça, ou se abstenha de algum ato, seu ou de terceiro, devendo pelo
inadimplemento responder o fiador> tem êsse pretensão cominatória contra o credor, para que o exija. A
pretensão cominatória é processual; por se não haver prestado atenção a isso, tem-se até sustentado que o art.
802, II, do Código de Processo Civil, é lei natimorta, porque o Código Civil não assegurou ao fiador êsse
“direito de exigir que o credor acione o devedor” (J. M. DE CARVALHO SANTOS, Código de Processo Civil,
IV, 248), ou levantado a dúvida quanto à existência dessa “ação” (AMORIM LIMA, Código, II, 99). Trata-se de
pretensão processual cominatória, como existem a pretensão executiva e tantas outras criações das leis pré-
processuais, em seu terreno próprio. Tal pretensão não precisava ser de direito privado (R. POLLAK, Svstem,
8), pois também é o caso de alguns textos do Código de Processo Civil e da declaratória de falsidade ou
autenticidade de documentos (art. 29, parágrafo único). Na elaboração do Projeto do Código de Processo Civil
do Estado de São Paulo, ESTÉVÃO DE ALMEIDA propusera essa pretensão pré-
-processual, inspirado em DIAS FERREIRA (Código, II, 817). Aliás, antes do ‘Código Civil brasileiro, estava
em vigor essa cominação. Trata-se de processo provocatório. Os processos provocatórios vêm-nos de
deliberação do Senado lisbonense, a 22 de dezembro de 1558, e da Lei de 80 de agOsto de 1564 (Ordenações
Filipinas, Livro III, Título 11, § 4: .... . todo aquêle que difamar outro sObre o estado de sua pessoa, como se
dissesse que era seu cativo, liberto, infame, espúrio, incestuoso, Frade, Clérigo, ou casado, e em outros casos
semelhantes a êstes, que tocarem ao estado da pessoa, de qualquer qualidade que a causa do estado seja, pode
ser citado para vir citado ao domicílio do difamado, que o manda citar. E nos ditos casos, em que o assim citar,
lhe fará assinar tênno, para que o demande, e prove o defeito de estado, porquanto a tal questão do estado é
prejudicial à pessoa, e não sofre dilação, nem deve estar impendente ...“). SObre a ação provocatória,
Comentários ao Código de Processo Civil, V, 2,a ed., 18 s.
O exercício da ação do fiador, fundada no art. 802, II,. do Código de Processo Civil, não impede que o réu-
credor exerça a ação noutro juízo. BARTOLOMEU SoÇÇNo, nos Consilia (III, c. 94), dá-nos a solução nesse
sentido, atribuindo-a, parece, a ANDRÉ BARBATIA e a Joxo BATISTA DE S. SEVERTiNO, que foi JoÃo
BATISTA CACCIALUPUS, professor de direito (sObre êle, F. VON SAvIONY, Geschichte, VI, 324 5.; sObre
o “praecepto rem meum” do texto ser ANDRÉ BARBATIA, cp. TH. MUTEER, De Origine Processus
Provocatorii, 140, nota 806).
Os remédios que o direito comum estabeleceu, remedium ex lege dii famari, que supunha “fama” sem razão,
donde a declaração negativa, e remedium ex lege si contendat, ainda tinham como qualidade específica, na
classificação das. ações (e das sentenças), a provocatio ad agendum ou a impositia silentii. Havia, portanto, um
plus, eventual, que a simples ação declaratória do art. 29, parágrafo único, do Código de Processo Civil, de
modo nenhum comportaria; nem a Lei dii famari e a Lei si contendat tiveram qualquer influência na
extrinsecação legal e mesmo doutrinária da ação declarativa típica (.1. WETSMANN, fie Feststellungsklage, 2,
42, 59, 99). Os Glosadores, interpretando mal as duas leis, criaram o preceito cominatório do art. 802, II, do
Código de Processo Civil, entre outros, cuja generalidade, provinda do direito comum, havemos de repelir, por
isso mesmo que temos a ação do art. 29, parágrafo único. Essa está para a do art. 802, II, como a ação de
condenação está para a executiva de sentença (cf. art. 290, verbis “valerá como preceito”). Enquanto a ação
declarativa provém do mesmo pensamento que o dos praeiudicia romanos (cp. OTTO WENDT, Die Eeweislast
bei der negativen Feststellungsklage, Archiv fi.ir die civilistische Praxis, 70, 23 s.), as provocativas, oriundas da
Glosa, são ações cuniuladas de declaração e de condenação, sendo essa “condicionada” (eventual).
Ofiador principal pagador e o fiador solidário com o devedor, bem como o que renunciou expressamente ao
beneficio de ordem, estão privados da ação do art. 302, II, do Código de Processo Civil. Bem assim no caso de
ser insolvente ou falido o devedor (Código Civil, art. 1.492, II). Isso obsta ao benefício de ordem e obsta a que
o fiador provoque a atuação do credor, pOsto que êsse possa, com a sua inércia, prejudicá-lo, se lhe não cabe
pretensão de regresso contra o afiançado (e. g., se êsse não consentiu na fiança). Aliás, se o benefício de ordem,
no caso do art. 1.492, II, do Código Civil (insolvência ou falência do devedor), desaparece, depende de
interpretação do contrato, porque o art. 1.492 é dispositivo. Perdendo o benefício de ordem e não tendo
pretensões fundadas nêle, ou no art. 302, II, do Código de Processo Civil (o contrato pode dar interesse ao
fiador fora do beneficio de ordem e êsse interesse basta), ainda pode o fiador, se o credor abusou do seu direito
(e. g., se, sabendo da solvência do devedor ao tempo da exigibilidade, adiou, abusivamente, a cobrança), propor
a ação de abuso do direito material. A ação do art. 802, II, é exceção ao Invitus agere veZ accwsare nemo
cogatur. Já no direito anterior, o fiador tinha acão contra o credor para uso da ação contra o devedor,
exatamente quando êsse começava a dilapidar os bens (P. 3. DE MELO FREIRE, Institutiones, IV, 89:
“Fideiussor quoque contra creditorem recte agit, ut actionem adversus principalem debitorem instituat, vel eum
a fideiussiones obligatione liberet, quoties ex dilata actione periculum imminet amittendae exceptionis, veluti
excussionis, quod fit, si debitor diu in solutione cessaverit, vel sua bona dilapidaverit”). Se o credor, antes de
vencida a divida, puder ir contra o devedor (e. g., Código Civil, arts. 102, 105, 110, 954, II e III, e parágrafo
único), cabe ao fiador a ação do art. 802, II, do Código de Processo Civil. Exemplo: “Fideiussor similiter, cujus
bona ad instantiam creditoris sequestro fuerunt supposita, contra eum recte agit, ut personalem instituat sub
poena remoti sequestri. Et hoc iure in foro utimur” (P. J. DE MELO FREntE, Institutiones, IV, 89). Já
prevíamos êsse caso.
(Dissemos acima que o fiador principal pagador está excluído da legitimação ativa, no caso do art. 802, II, do
Código de Processo Civil. No sistema do direito material brasileiro, o fiador, que é principal pagador, pôe-se na
mesma plana que o devedor, de modo que nasce para o credor a eleição. Tal construção nos vem de
FERNANDO AntEs DE MESA, jurista português, na var. 2, cap. 18, ns. 13, 19, 20, dos seus Variarurn
Resolutionum et Interpretationum luris libri tres, cuja 1•a edição saiu em 1648. Dêsse teórico à cuja capacidade
de construção jurídica se há de render homenagem, comparando-o a MANUEL SOARES DA RIBEIRA e
JúI~O ALTAMIRANO, P. J. DE MELO FREIRE, Historiae Juris, 95, escreveu: “Non multum ei genio ac
eruditione distat ...“).
1.CLASSIFICAÇÃO DA FIANÇA COMO FIANÇA MERCANTIL. Os pressupostos para que a fiança seja
mercantil são dois:
a) ser comerciante o afiançado; b) derivar de negócio jurídico comercial a fiança (Código Comercial, art. 256).
Não se distingue a qualidade do devedor comerciante. Pode ser matriculado, ou não; pequeno, ou grande
comerciante.
2.DIREITOS DO CREDOR A QUE SE DEU A FIANÇA. Se não foi estipulado que o fiador teria o benefício
de excussão, pode o credor exigir, direta ou judicialmente, do fiador o adimplemento da sua promessa, antes de
o exigir do devedor principal o adimplemento da sua. A sentença condenatória do devedor principal não pode
sei; executada contra o fiador, salvo o judicial (antes, o derrogado Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art.
492, § 39), se não foi litisconsorte o fiador. O art. 492, § 39, do Reg. n. 787 continha regra jurídica de direito
processual civil, que foi substituida pela regra do Código de Processo Civil, art. 887: “A sentença poderá ser
executada contra o vencido, seus herdeiros ou sucessores universais e contra o fiador judicial”. O fiador
qualquer fiador que tenha pretensão a cobrar-se se pagou a dívida do réu, pode servir-se, ipso iure, da sentença,
e através dela exercer a sua pretensão a executar, excluída assim (pulada), a ação de condenação que
normalmente teria de opor. Não há substituição subjetiva processual do credor pelo devedor, nem inserção do
fiador na relação jurídica processual, ou na sentença. A realidade é tOda outra. No plano do direito material, o
fiador, que paga, sub-roga-se nos direitos (e pretensões ) do credor (Código Civil, art. 1.495); de modo que se
sub-roga na pretensão a executar, donde ser-lhe dado propor a ação de execução de sentença, ou da sentença,
um de cujos efeitos é o executivo. Tal regra jurídica é útil ter-se escrito. Mas seria de revelar-se no Código de
Processo Civil, ainda se não estivesse. No título sObre as ações executivas do art. 298 do Código de Processo
Civil não se incluiu princípio como o do art. 887, parágrafo único; e também lá o fiador, que paga, pode
continuar contra o devedor a ação que o credor intentara.
Oart. 887, parágrafo único, do Código de Processo Civil refere-se a qualquer fiança. Se a sentença foi
executada contra o fiador judicial, tem êle de sofrer a execução; a sub-rogação só se dá quando se reputa
solvida a dívida, de modo que não está na mesma situação do fiador que pagou a divida, para executar, com a
sentença, o devedor. Sem razão, AMILCAR DE CASTRO, Comentários, X, 42 (não saberíamos como
construir, processualmente, êsse réu-autor, com os prazos do processo da execução, etc.). Se êle paga ao ser
citado no prazo adequado (Código de Processo Civil, arts. 918, 992, 998 e 917), é diferente: é fiador, que
pagou, como qualquer outro.
1. CAUSAS DE EXTINÇÃO . A fiança extingue-se porque se extinguiu a dívida principal, ou por ter advindo
extinção da própria fiança. A fiança pode deixar de ser sem que se haja extinguido a divida afiançada.
2.CAUSAS DE EXTINÇÃO DA DÍVIDA PRINCIPAL. O pagamento, feito por terceiro interessado, que se
sub-rogou pessoalmente ao credor (Código Civil, ad. 985, III), ou pelo credor que paga a divida do devedor
comum ao credor, a quem competiria direito de preferência (art. 985, 1), não extingue a fiança. Entre os
direitos, pretensões e exceções que êle adquire, estão o direito, as pretensões e exceções contra o fiador.
A novação da dívida pelo devedor principal extingue a fiança, salvo acessão à nova divida (Código Civil, art.
1.006; Código Comercial, art. 262, 13 parte: “O fiador fica desonerado da fiança quando o credor, sem o seu
consentimento ou sem lhe ter exigido o pagamento, concede ao devedor alguma prorrogação de têrmo, ou faz
com êle novação do contrato (ad. 438~’)~ Se ao fiador foi exigido o pagamento e a novação ocorre~ depois, é
de entender-se que o fiador, que não solveu, consentiu na extensão da fiança ao nOvo contrato. Assim há
igualdade de solução entre o direito civil e o direito comercial.
Se há prorrogação do prazo para adimplemento da dívida que resulta do negócio jurídico e o fiador não
consentiu, nem lhe tinha sido exigido o pagamento, extingue-se a fiança (Código Comercial, art. 262, 1.a parte;
Código Civil, art. 1.503, 1, que se há de interpretar com a extensão implícita, que no Código Comercial está
explícita, sObre não ter sido a prorrogação após a exigência do pagamento ao fiador). O pagamento parcial (~
por conta) não constitui prorrogação. Tão-pouco, no contrato de abertura de crédito, o que o creditado afiançado
leva para se creditar. Não é prorrogação, evidentemente, a renovação do contrato; a fortiori, a abreviação, que é
ineficaz para o fiador. Se a prorrogação do contrato de locação em virtude de lei impede a extinção da fiança, é
questão de interpretação do contrato de fiança, que pode ter sido por todo o tempo em que vigore o contrato até
a entrega das chaves. SObre a fiança e a renovação do contrato de locação, Tomo XLI, § 4.118; sObre fiança e
mútuo, Tomo XLII, § 4.595, 2; sObre fiança e contrato de conta corrente, §§ 4.620, 4, e 4.622; sObre fiança e
abertura de crédito, § 4.625, 8.
Se o credor impediu a sub-rogação pessoal legal, a que teria direito o fiador, o fiador pode alegar êsse fato, que,
por sua ilicitude, extingue a dívida de fiança (Código Civil, ad. 1.508, II), o que se há de observar assim no
direito civil como no direito comercial.
No caso de dação em soluto, sem ser na via executiva, há extinção da fiança, mesmo se vem a ocorrer evicção
(Código Civil, art. 1.508, III).
Pode haver remissão da dívida principal ou da divida de fiança. Qualquer das duas extingue a fiança (Código
Civil, arts. 1.058-1.055). Se somente houve remissão da dívida de fiança, a do devedor principal persiste.
A confusão da dívida, por se tornarem credor e devedor principal a mesma pessoa, extingue a dívida principal e
pois a fiança. Se fiador e credor passam a ser a mesma pessoa, só se extingue a dívida de fiança.
Se o adimplemento da dívida principal se faz impossível ~or culpa do fiador, tem, de regra, o devedor principai
ação contra o fiador, pelo ato ilícito, e o credor tem direito à cessão pela perda do crédito. Se não há ato ilícito,
como se o bem, que teria de ser prestado pelo devedor principal, pertencia ao fiador e êsse o destruiu ou
deteriorou, tem o fiador de indenizar , porque a diligência, que lhe incumbia, para que o adimplemento pelo
devedor ocorresse, compreende os atos que evitem o inadimplemento ou o adimplemento ruim, bem como a
abstenção do que impeça ou dificulte o adimplemento pelo devedor principal. Assim, II. DERNBURG (Das
Ejirgerliche Reeht, II, 2, 487), L. ENNECCERUS-H. LEHMANN (Lehrbuch, II, 609),
E.MATTHIASS (Lehrbueh, 1, 43 ed., 648) e outros; discordantes, sem razão, W. KísCI{ (Die Wirkung der
nachtrdgliche eintretendefl Unmôglichkeit der Erfiillung, 48) e W.WESTERI<AMP (B’iirgschaft und
Schuldbeitritt, 96 e 110). Cumpre observar-se que assim foi no direito romano (li 88, D., de verboruir&
obligationibfls, 45, 1; L. 95, § 1, D., de solutionilnts et liberationibus, 46, 8). Quanto à L. 19, D., de dolo inalo,
4, 8, e à L. 88, § 4, D., de solutionibus et liberationibus, 46, 3, em parte é convincente a interpretação de O.
PUGLIESE (In torno all’impossibilità deila prestazione causata dai paterfamilias e daí fideiussore, Studi in
onore di lIGO ENRICO PAOLI, 569 s.).
8. CONDIÇÃO. Se no negócio jurídico de que se irradia a dívida principal foi essa concebida sob condição, o
não-implemento da condição faz extinguir-se a vinculação e a fiança extingue-se.
1. CAUSAS ORDINÁRIAS. A morte do credor somente extingue a fiança se com a sua morte o crédito se
extingue. A morte do fiador extingue-a, a despeito do princípio da herdabilidade das dividas. No direito alemão
havia a inerdabilidade da fiança, mas a recepção do direito romano tornou herdável £ divida fidejussória.
O contrato de fiança extingue-se: a) se, com prazo, para divida futura, o prazo se extinguiu; b) se foi
desconstituido o contrato de fiança, como se houve decretação de nulidade ou anulação. Se houve prazo para a
fiança por dívidas futuras, notadamente se se trata de fiança de crédito, dispositivamente se há de entender que
os créditos que se hão de garantir são os créditos que nasçam antes do têrmo.
Se a divida se extingue depois da fiança, como, por exemplo, se ocorre impossibilidade superveniente, sem
culpa, da prestação, ou pela remissão de divida, ou pela compensação, extingue-se o contrato de fiança.
Se é decretada a abertura de falência do fiador, ou a abertura de concurso civil de credores ou da liquidação
coativa, ou é de outro modo declarada a insolvência, pode o credor exigir do devedor principal outro fiador ou o
pagamento imediato da dívida (Código Comercial, art. 263). O Código Civil, no .art. 1.490, não dá a
alternativa, mas ela resulta da invocabilidade do art. 954, III, onde se diz que ao credor assiste o direito de
cobrar a dívida antes de vencido o prazo “se cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias do débito,
fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las”. Nem o art. 268 do Código Comercial,
nem o art. 1.490 do Código Civil incidem se a fiança foi prestada sem que assentisse o devedor, ou por êle
tivesse sido prometida. Se assim não fOsse, o credor arranjaria fiador em próxima situação de insolvência, para
exigir fiador idôneo, sem que o devedor principal o houvesse prometido, ou, o que é mais grave, para a
invocação do art. 954, III, do Código Civil.
Se o devedor faz novação a respeito da dívida afiançada, extingue-se a fiança quanto ao que foi novado. A
novação pode ser pela subscrição e emissão de títulos cambiários ou cambiariformes, devendo-se indagar se
houve nova assunção de divida, ou apenas garantia da divida não extinta, o que não é de presumir-se. Os títulos
abstratos, entregues pro soluto, extinguem as dívidas e, pois, a fiança (cf. 8.~ Grupo de Câmaras Civeis do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 15 de abril de 1958, Á. .1•., 108, 615).
O adimplemento pelo fiador extingue a fiança, não a divida. O que se passa é somente quanto ao sujeito.
Objetivamente, nada ocorre. No lugar do credor fica o fiador, como credor. A novação da fiança também
extingue a fiança, mesmo se se trata de novação por parte de um só dos fiadores sem abranger tôda a divida.
Também pode ocorrer que não haja novação, mas substituição por outra dívida, como se o fiador dá título
abstrato de crédito como garantia.
A fiança extingue-se se há compensação de dívida do credor ao fiador com a dívida do devedor afiançado.
Se o credor tem interesse em que persista a fiança, a despeito de se terem retinido na mesma pessoa a qualidade
de fiador e a de devedor garantido, a fiança persiste (ANTONIO Dou, Estenzione di rapporti giuridici per
confusione, 182; cf. X.rALERIo CAMPOCRANDE, Trattato deVa Fidejussione, 581; FRANCESCO
MESSINEO, Manuale, II, 2, 895).
Se o credor restitui ao fiador o título particular de fiança, há a renúncia à fiança.
Se houve sucessão na dívida, como se há transferência, entre vivos, do contrato de locação, não há pensar-se em
continuação da fiança, porque, salvo cláusula expressa em contrário, a dívida cessou, porque o que se prometeu
foi o adimplemento pelo devedor principal A, e não por A e seus sucessores. A fiança pode ser concebida
quanto ao devedor principal e seus herdeiros, ou sucessores entre vivos, ou todos os sucessores.
Se houve sucessão entre vivos no crédito principal do credor, a fiança persiste, como persistiria Se tivesse
havido sucessão a causa de morte (cf. Câmaras Civis ReUnidas do Tribunal de Alçada de São Paulo, 28 de maio
de 1952).
2.NULIDADE E ANULABILIDADE. O contrato de fiança pode ser nulo <Código Civil, art. 145) ou anulável
<art. 147> 1 e II). Assim, há anulabilidade por incapacidade relativa, por êrro, dolo, coação, simulação ou
fraude contra credores (arts. 86 e 113; cf. Código de Processo Civil, art. 252). Há êrro se a fiança foi prestada
crendo-se que já havia anterior fiador solidário, ou se só se cogitava de fiador de fiador, ou quando se quis
renovar fiança que estaria prestada e tal fiança não existia, ou se se supunha existir garantia real, ou se se
pensou em garantir a dívida de B e o devedor principal era outra pessoa (erro sobre a pessoa do devedor
principal). Mas, se não era credor quem se supunha, não há êrro essencial.
O credor não está adstrito a comunicar ao fiador que há outras dividas do devedor principal, de que é êle credor.
O credor de dívida simulada não pode exigir do fiador o adimplemento da dívida de fiança. O terceiro que
adquiriu o crédito pode exigi-lo e exercer, sendo o caso, contra o fiador, o crédito de fiança.
Ao credor incumbe o ônus de alegar e provar que o fiador conhecia o que êsse diz ter sido causa do êrro, ou a
incapacidade do fiador.
Se a causa extintiva da dívida de fiança exsurgira de ato jurídico, que se desconstituiu por nulo, ou anulável, ou
por outra razão, tem-se por não extinta a fiança.
8.UNITITULARIDADE DO CRÉDITO E DA DÍVIDA DE FIANÇA.
Se a mesma pessoa passa a ser credor e fiador, enfrentaram-se crédito e dívida: pôsto que essa consistisse
apenas em adimplemento por outrem, extingue-se a fiança. O crédito não desaparece, não há a confusão
(Código Civil, arts. 1.049--1.052). Aliás, devemos procurar precisão que não tem sido obtida. O crédito
principal não desaparece, nem é êle que faz desaparecer, pela mesmeidade de titular, a fiança. O credor
principal também o é do crédito de fiança e, tornando-se fiador, o que desaparece é a fiança. Tal o que se dá, por
exemplo, se o credor principal perde a dívida de fiança, ou se o fiador herda o crédito. Se o credor principal
herda a subfiança (= é o fiador, pela herança), e não a fiança, a fiança subsiste.
No caso de confusão, a propósito de algum dos co-fiadores solidários e o devedor, liberam-se os outros co-
fiadores quanto ao que teriam de pagar ao credor. Se o fiador se fêz credor, os outros liberam-se das quotas que
lhes tocariam (VALERIO CAMPOGRANDE, Tratiato deVa Fidejussione nel diritto odiei’no, 482 s.).
4.DENÚNCIA. O fiador, em principio, não pode denunciar o contrato de fiança, mas a denunciabilidade pode
resultar de cláusula ou de pacto adjecto entre credor e fiador. Se a fiança foi para créditos futuros, tem-se de
apreciar o caso para se saber qual o tempo em que se poderia exigir a garantia fidejussória. Na doutrina alemã,
considera-se isso denúncia (e. g., L. ENNECCERUSH. LEHMANN, Lehrbuch, II, 619); mas a espécie parece-
nos a de prazo razoável implícito, e não a de denuncíabílidade Se a situação do futuro devedor se tornou de
difícil adimplemento para o crédito que ainda não foi outorgado, tem-se de admitir a denúncia (não a
revogação, como se tem dito, e. g., L. ENNECCERUSH. LEHMANN, Lehrbuch, II, 619), por terem empiorado
as possibilidades patrimoniais do futuro devedor principal. Assim, acertadamente, OTTO voN Ginja (Deutsches
Privatrecht III, 789, que empregou a expressão própria: “direito de denúncia”, iCíindigungsrecht)
Diz o Código Civil, art. 1.500: “O fiador poderá exonerar-se da fiança, que tiver assinado sem limitação de
tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança, anteriores ao ato
amigável, ou à sentença que o exonerar”. A fiança pode ser a prazo determinado, ou sem prazo determinado. Se
a fiança é a dívida por prestação duradoura com prazo determinado, entende-se que é a prazo, de modo que não
se pode pensar em denúncia de fiança, se dada a dívida como de prestação duradoura a prazo determinado. Se o
fiador é para a locação por três anos, entende-se que a fiança é com o prazo de três anos.
No art. 1.500 do Código Civil diz-se que o fiador poderá exonerar-se da fiança, que tiver assinado sem
limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando, porém, obrigado por todos os efeitos da fiança anteriores
ao ato amigável, ou à sentença que o exonerar. No Código Comercial, art. 259, pré-excluise o beneficio da
exoneração (sie) se houve retribuição do fiador. O art. 262, 2.~ parte, do Código Comercial é a fonte do art.
1.500 do Código Civil. Supóe-se relação jurídica entre o fiador e o devedor principal; portanto, algo de estranho
à fiança. A ação vai contra o devedor para que o releve. A desoneração amigável depende de manifestação de
vontade do credor. Judicialmente, é dispensada a manifestação de vontade do credor, que há de ser ouvido na
causa. O credor tem direito à substituição do fiador, se foi êsse exigido ao devedor principal, ou se foi por êle
oferecido.
Se a fiança é dada ao mutuante a quem o mutuário prometeu pagar após dois anos, a fiança não pode ser
denunciada, porque o que se prometeu foi o adimplemento pelo mutuário na data do vencimento. A denúncia,
ai, seria revogação com eficácia ex tunc, cujos inconvenientes fàcilmente se percebem.
No Código Comercial, art. 262, 2•a parte, diz-se que o fiador “pode desonerar-se da fiança que tiver assinado
sem limitação de tempo, sempre que lhe convier; ficando, todavia, obrigado por todos os efeitos da fiança
anteriores ao ato amigável, ou sentença por que fôr desonerado”.
5.CAUSAS ESPECIAIS DE EXTINÇÃO. Lê-se no Código Civil, art. 1.508: “O fiador, ainda que solidário
com o principal devedor (arts. 1.492 e 1.498), ficará desobrigado: 1. Se, sem consentimento seu, o credor
conceder moratória ao devedor. II. Se, por fato do credor, fôr impossível a sub-rogação nos seus direitos e
preferências. 1H. Se o credor, em pagamento da divida, aceitar amigàvelmente do devedor objeto diverso do
que êste era obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção”. O inciso 1 do art. 1.508 (idem,
Código Civil português, art. 852; espanhol, art. 1.851; argentino, art. 2.046) resolve problema que se apresentou
noutros sistemas jurídicos. Se o credor principal anui em espera, dilação ou qualquer prazo de graça ao
devedor principal, extingue-se a fiança. Outrossim, qualquer pactum de non petendo. No Código Civil francês,
art. 2.089, imitado por outros, está dito: “La simple prorogation de terme, accordée par le créancier au débiteur
principal, ne décharge point la caution, qui peut, en ce cas, poursuivre le débiteur pour le forcer au paiement”.
Solução evidentemente de repelir-se, de iure condendo.
Têm-se de distinguir a moratória, em senso lato, e a tolerância; bem assim a prorrogação do prazo para
pagamento e a moratória, em senso lato, que é o pactum de non petendo in tem pus, ou o adiamento ex lege
(senso estrito e próprio de moratória, Tomo XXX, § 8.452, 1, 2 e 7). Se o credor espera, sem se vincular a não
pedir dentro de prazo, há tolerância, e não moratória. O acôrdo de espera, o pactum de non petendo in tempus,
entra no mundo jurídico, é negócio jurídico bilateral, e pode haver declaração unilateral de vontade do credor
que lhe crie a vinculaçãô de não pedir dentro de determinado
prazo, ou até a algum acontecimento. O ato de tolerância não entra no mundo jurídico; permanece no mundo
fáctico: a relação jurídica entre o credor e o devedor, quanto a êsse acôrdo, ou quanto ao ato unilateral de
tolerância, é de ordem moral, ou de ordem econômica, ou politica, e não de ordem jurídica.
No Código Comercial, art. 262, 1•a parte, a expressão foi melhor, mas insuficiente: fala-se em “prorrogação de
têrmo”, para se aludir à prorrogação do contrato ou dilação para a exigência da prestação. Também assim o
Código Civil argentino, art. 2.046. De jure condendo, melhor essa solução do que a do Código Civil francês,
art. 2.039: “La simple prorogation du terme, accordée par le créancier au débiteur principal, ne décharge point
la caution, qui peut, en ce cas, poursuivre le débiteur pour le forcer au paiement”.
~ assente não bastar como pressuposto para a incidência do art. 1.503, 1, do Código Civil, ou do art. 262, 1.a
parte, do Código Comercial, o prazo de tolerância (4.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, 8 de julho de 1941, A. J., 60, 854 s., e 81 de dezembro de 1941, 1?. 9., 90, 427; 2~a Câmara Cível do
Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 26 de janeiro de 1942, 90, 785; g•a Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Distrito Federal, 16 de março de 1945,
A.J., 74, 407; 4•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de fevereiro de 1950, R. dos T., 185, 764;
23 Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 20 de agôsto de 1952, 205, 425; 5~a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2 de setembro de 1952, A. 3., 104, 243; 1.a Câmara Civil do Tribunal de
Alçada de São Paulo, 8 de outubro de 1952).
A prorrogação do prazo ou qualquer adiamento, que entre no direito, tem de ser escrito.
Orecebimento de partes das prestações devidas, que se escriturem em conta corrente, ou de que se dêem recibos
parciais, não é suficiente para se afirmar ter havido “moratória” (sem razão, a 13 Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, a 5 de novembro de 1945 (R. dos 2’., 164, 583). Precisa ser escrito o pacto de non
petendo iii tempus ou a declaração unilateral de vontade.
Se o fiador consentiu, por escrito, ou, comunicando o que ocorreu, com prazo para se manifestar
contràriamente, se vinculou pelo silêncio, o art. 1.508, 1, do Código Civil não é invocável.
Oart. 1.508, 1, é ins dispositivum. Se no contrato de fiança foi assumida a responsabilidade mesmo se o credor
assina pactum de non petendo in. tem pus, está pré-excluída a desoneração. Certa, a 2? Câmara do Tribunal de
Alçada de São Paulo, a 29 de agôsto de 1951 (R. dos 2’., 195, 396).
Quanto ao inciso II do art. 1.508, o que se prevê é fato, positivo ou negativo, do credor, que haja obstado a sub-
rogação pessoal nos direitos e preferências que êle tenha, como se o credor, que exerceria algum direito fora do
recebimento do quanto devido, renuncia a êle.
Se o credor torna impossível, mesmo sem culpa, a sub-rogação nos seus direitos e preferências, extingue-se a
fiança. Esperava o fiador que, com o adimplemento por êle, ocorresse a sub-rogação. Se é o credor o causador
do prejuízo, deve sofrer-lhe as conseqUências, e a lei tinha de proteger o fiador. Há dever de velar pela sub-
rogação: o credor não há de evitar que o fiador deixe de se sub-rogar em qualquer direito, pretensão, ação ou
exceção em que normalmente se sub-rogaria. (Em todo o caso, pode ter havido renúncia do fiador à objeção
quanto a algum, alguns ou todos os direitos, pretensões, ações e exceções com que haveria de contar; cf.
VALERIO CAMPOGRANDE, Trattato delia Pidejussione nel diritto odiento, 629.) t êrro dizer-se que se trata
de preclusão (decadência) do direito do credor. O credor, ai, por infração de dever, perde o direito. Oútrossim,
aludiu-se a culpa. Basta a relação de causalidade. iAs garantias são as que existiam antes de se concluir o
contrato de fiança e as que foram contemporâneamente dadas, ou delas cogitou o negócio jurídico de que se
irradia a dívida ou o próprio contrato de fiança. Não se apanha a hipoteca judicial a que se refere o art. 284 do
Código de Processo Civil.
Não é por fato do credor o que resulta de fatos econômicos ou políticos.
Se o prejuízo é parcial, não se extingue tôda a fiança. Dá-se, então, a extinção parcial da fiança. Se a fiança
desaparece não pode haver a sub-rogação pessoal (VALERIO CAMPOrÁfilO II GRANDE, Tratiato deila
Fideúusione nei diritto odiento, 634 a.; ENRWO REDENTE, Dizionario pratico dei Jliritto privato, verbo
Fideiussione, 145).
O fato de terceiro, com o qual o credor não tem vínculo, é estranho à relação de causalidade “fato do credor
diminuição ou extinção do direito ou outro efeito jurídico”. t preciso que a causa seja estranha ao credor, para
que não se dê a extinção da fiança. Se o credor podia impedir, há a incidência de regra jurídica extintiva,
mesmo se o fiador também o poderia impedir.
A extinção tem de ser declarada judicialmente.
No tocante ao inciso III do art. 1.508, apenas tem relêvo especial a ressalva: “ainda que, depois, venha a perdê-
lo por evicção”. A dação em soluto é adimplemento e, se dação em soluto houve, o credor não pode exigir que o
fiador cumpra a sua promessa: êle só prometeu que o devedor principal adimpliria e o devedor principal, ex
hypothesi, adimpliu. Se o devedor só adimpliu em parte, só em parte se extinguiu a dívida principal.
MANDATO DE CRÉDITO
CAPíTULO 1
1.PRECISÕES E DADOS HISTÓRICOS. No mandato de crédito, há outorga de poder para dar crédito
(prestar, abrir crédito, aceitar título, avalizar, ou por outro modo fazer devedor o terceiro). Antes, § 4.785, 5.
Sobre mandato de crédito, Tomo XLIII, § 4.675, 1.
GAIO (fst., III, § 156) cogitou do mandatum tua gratia e especialmente do mandato de crédito: ..... Et adeo
haec ita sunt, ut quaeratur an mandati teneatur qui mandavit tibi, ut Titio pecuniam faenerares”. Se há a eficácia
do mandatum tua praia, surge a questão de se saber se a pessoa a quem mandaste que emprestasse dinheiro a
Tício está sujeita à ação mandeLti. Havia a disputa entre os que reputavam jurídico o mandato tua gratia e os
que o negavam. Contra SÉRVIO SUL-14010, que era pela negativa, havia SABINO, que foi seguido por
muitos, inclusive GAIO.
2.MANDATO PARA FIANÇA E MANDATO DE CRÉDITO. É preciso que se não confunda com o mandato
para afiançar, quer a outorga de poder seja para afiançar em nome do mandante, quer em nome do mandatário
(mandante oculto ou velado), o mandato & crédito. Ali, há, evidentemente, mandato; aqui, não.
(De passagem observemos que o conceito do mandato de crédito como fiança de dívida futura, que aparece, por
exemplo, em BIAGIO BEIJO!, Istituzioni di Diritto Civile Italiano, 556, tem de ser pOsto de lado. O mandato
de crédito não é fiança, nem é mandato.)
O mandato de crédito podia ser retirado se ainda não fôra adimplido. Extinguia-se se o mandante ou o
mandatário o queria. De onde se vê que não havia fiança no mandato de crédito, ao contrário do que, para o
direito comum, afirmavam L. ARNDTS (Lehrbueh. der Pandekten, 591 s.) e outros; contra, W. GIRTANNER
(Biirgschaft nach gemeinem Civilrechte, 540). O mandante de crédito respondia na actio mandati pelas
desvantagens que houvessem advindo do adimplemento do contrato e pelo pagamento do mútuo que se tivesse
concluído. Respondia como fiador. Outras regras jurídicas coincidiam com as da fiança, razão por que
JULIANO (L. 32, D., mandati vel contra, 17, 1) considerava o mandato de crédito espécie de fiança (cf. PAUL
SOKOIJOWSKT, Die Mandatsbiirgsckaft, 77).
Era assente considerar-se o mandato de crédito como contrato de mandato. No século XIX começaram os
pandectistas a discutir-lhe tal natureza, principalmente FR. SAMHABER (Zur Lehre von der
Korrealobligation, 173 e.) e Lunwrn ARNDTS (Lehrbuch der Pandekten, 8~a ed., 591-593). No direito comum,
explicava-se o mandato de crédito como mandato para a dação do crédito em nome próprio e por conta própria,
fundada a concepção em representação direta (WALTHER HÁDENKAMP, fie rechtliche Auffassung des
Kreditauftrags, 33).
Discutia-se se cabia a adio mandati contra o mandatário, o que é de afirmar-se diante dos textos da L. 8, §§ 6, e
8, § 3, D., mandati vel contra, 17, 1, da L. 27 (28), D., dê negotiis gestis, 3, 5. Ainda recentemente, A.
BURDESE (Mandatum meã aliena tua gratia, Siudi in onore di VINCENZO ARANGIO-RUIZ,
1, 231 s.).
A divida do mandante de crédito não é acessória; é autônoma (Oro FOBESTER, Der Kreditauftrag, 107).
Havia a ação do mandante de crédito para exigir a dação de crédito e, pagando, para a cessão dos direitos contra
o terceiro que não pagou (WÂLTHER HXDENKÂMP, fie recktliche Ãuffassung des Kreditauftrags, 89 s.;
WILHELM MEUSER, Biirgschaft und Kreditauftrag, 29).
1.PRECISÕES. Mantivemos o nome “mandato de crédito”, em atenção aos dados históricos e ao uso. Não há
mandato no mandato de crédito, nem há fiança. O mandante de crédito é promitente de prestar o que o terceiro
prometeu prestar, ao mandatário, que lhe fêz crédito, e não prestou. O promitente da dação de crédito, fazendo o
crédito, adimple. Apenas se trata de contrato a favor de terceiro, com a particularidade de consistir o favor na
conclusão de outro contrato. O mandatário de crédito não opera por conta de outrem; portanto, não é
mandatário. O mandante de crédito corre risco, porém risco que não é o do mandante prôpriamente dito. O
mandatário exerce Poderes outorgados, com os seus atos em negócio jurídico (se é de negócio jurídico que se
trata), talvez em nome próprio, a despeito da alienidade do negócio jurídico. O mandatário de crédito opera em
negócio jurídico seu, de modo que não se poderia pensar no elemento da alienidade, típico em qualquer
mandato prôpriamente dito.
O nomen, mandato de crédito, apareceu quando ainda não se procurava conhecer a natureza e a estrutura do
instituto (mandatum qualificatum, mandatum pecuniae credendae). Aliás, pode-se concluir tal contrato sem ser
para crédito de dinheiro.
PAUL SOKOLOWSKI (Die Mandatsbitrgschaft, 77 s.) falou de fiança de mandato. VALERIO
CAMPOGRANDE (Trattato deila Ride jussione nel diritto odierno, 134) sugeria “fiança de crédito”. O nome
teria de não se referir a mandato, nem a fiança. A assunção é de dar crédito, a terceiro. Há pactn4m de
contraflendo cum tertio. Nem o art. 1.316, f, 2.~ parte, nem o art. 1.320 do Código Civil são invocáveis.
Omandatário de crédito assume a divida de, em nome próprio e por sua conta, fazer crédito a terceiro. O
mandante de crédito assume a divida de adimplemento pelo terceiro (subsidiariedade), se êsse assume a sua. O
mandatário, que adimple a sua dívida, faz crédito ao terceiro, em nome próprio e por conta própria; e não em
nome próprio, e por conta do mandante, o que se daria no mandato em que se pusesse a cláusula de operar o
mandatário em nome próprio. Não se deve dizer, sequer, que a dação de crédito é a risco do mandante de
crédito. Por outro lado, há subsidiariedade da dívida do mandato de crédito à divida do terceiro, o que não se
entenderia no mandato.
2. DÍvIDA DE FAZER CREDITO . A assunção de divida de fazer crédito (emprestar, abrir crédito, prometer
crédito) a terceiro, em nome próprio e por conta própria, tem como um dos seus efeitos a divida de quem
suscitou a assunção pelo adimplemento da dívida que o terceiro assumiu. Não se trata de encargo, de outorga de
poder, O mandante de crédito não encarrega (sem razão, LUIGI BRACANTINI, II Mandato di credito, 6). O
mandatário de crédito faz-se devedor da dação de crédito; por isso mesmo, não pode, a seu líbito, afastar-se da
relação jurídica. Os arts. 1.958 e 1.959 do Código Civil italiano foram infelizes com a referência a encargo
(“incarico”). O mandante de crédito ou ofertou ou aceitou a promessa de conclusão do negócio jurídico de
crédito, por parte do mandatário. De modo que se trata de assunção de dívida de fazer crédito, tendo sido
oferente o mandante de crédito ou o mandatário de crédito. Não se há de falar de encargo, nem de solicitação: o
que se estabelece é vinculação contratual de fazer, como qualquer outra vinculação de fazer. O mandante de
crédito assume, por seu lado, a dívida do adimplemento pelo terceiro. Deve o adimplemento pelo terceiro.
Ponto principal na diferença entre o mandato de crédito e a fiança está em que, no mandato de crédito, há a
causalidade, que suscita a conexão: o mandatário de crédito dá o crédito, porque o mandante o fêz devedor da
conclusão do contrato, ao passo que o outorgado ou já se fêz credor ou se vai fazer credor, sem estar obrigado a
isso. Se, às vêzes, C dá fiança para que A empreste a E, ou venda a Bo elemento de conexão é fáctico e
estranho à natureza da fiança, podendo entrar no conteúdo de outro negócio jurídico entre E e C, ou talvez
mesmo entre A e C.
O mandato de crédito não é negócio jurídico fiduciário Não se faz intuitu personae.
CAPITULO II
(cp. Códico Civil, arts. 1.096, parágrafo único, e 1.097). Assim, a teoria do mandato de crédito contrato a favor
de terceiro não tem qualquer base.
A teoria dos dois contratos unilaterais é artificial. Para os que a sustentam (e. g., AURELIO CANDL&N,
Nozioni fondamentali di Diritto privato, 33 ed., 317), haveria contrato unilateral entre o mandante de crédito e o
mandatário de crédito e outro contrato unilateral entre o mandatário de crédito e o mandante de crédito por ter
aquêle feito o contrato, isto é, por ter cumprido a dívida de contratar, que assumira.
O mandato de crédito é contrato e contrato bilateral. Não há, nêle, contrato a favor de terceiro. Dai ser
verdadeira a teoria da bilateralidade do mandato de crédito.
2.CAPACIDADE DOS FIGURANTES. As regras jurídicas que regem os contratos de crédito são as que se
hão de invocar a propósito do contrato de mandato de crédito. As legislações que disciplinam o mandato de
crédito aludem, no tocante ao mandante de crédito, às regras jurídicas sobre fiança, pois que a essa se referem
(e. g., Código Civil alemão, § 778; Código Civil italiano, art. 1.958). Mesmo nos sistemas jurídicos em que não
há tais alusões, ou não há regra jurídica especial sobre o mandato de crédito, tem-se de atender a que o
mandante de crédito se faz devedor subsidiário. A remissão que alguns sistemas jurídicos fazem à fiança não
identifica com ela o mandato de crédito.
Tem-se dito que a oferta do mandato de crédito há de partir do mandante de crédito (e. g., MARIANO
D’AMELIO, Codice Civile, Commentario, II, 2, 430; cp. MICHELE FRAGALI, Fidejussione, Mandato di
credito, 551). Argumenta-se que a iniciativa do contrato há de caber ao mandante de crédito, pois, se dêsse não
partiu a iniciativa, não se compreenderia que houvesse a sua dívida subsidiária. O futuro mandatário de crédito
pode fazer a oferta, o que ocorreria, por exemplo, se há operações entre as três pessoas (êle, o mandante de
crédito e o terceiro). Pode apenas fazer a invitatio ad of ferendum.
3.FORMA. Nenhuma regra jurídica sujeita o mandato de crédito a forma especial; nem seria de aludir-se às
regras jurídicas sobre procuração, pois que não há procura no mandato de crédito.
4.ELEMENTOS DO CONSENSO. O que é preciso é que o mandante de crédito queira que o outro figurante
se vincule a dar o crédito ao terceiro, que há de ser determinado, ou determinável, e que o mandatário de crédito
se vincule. Não se faz necessário inserir a cláusula de assumir o mandante de crédito a dívida subsidiária, se o
terceiro não adimple a dívida que derive do contrato concluído entre êle e o mandatário de crédito. Tal assunção
é típica.
8.DANOS SOFRIDOS PELO MANDATÁRIO DE CRÉDITO. Quanto aos danos que o mandatário sofra,
oriundos do mandato de crédito, isto é, quanto à invocabilidade do art. 1.812 do código Civil, temos de repelir
que o mandante de crédito os tenha de ressarcir: o negócio jurídico é seu, e não do mandante de crédito, o que
não ocorre quanto ao mandato (ALESSANDRO GRAZIANI, 11 Mandato di credito, Rivista dei Diritto
Commerciale, 80, 1, 834; MICHELE FaAGALI, Fideiussione, Mandato di credito, 567; sem razão, LUIGI
BRAGANTINI, Ii Mandato di credito, 87 s., 120 s.).
de crédito e que houve razões para precipitar a conclusão do negócio jurídico com o terceiro, sem se ter
desinteressado pela conclusão do mandato de crédito, com que contava. Assim, acertadamente, MICHELE
FRAGALE (Fideiussione, Mandato di credito, 569).
Se o negócio jurídico de crédito foi de crédito maior do que aquêle de que se cogitou no mandato de crédito, o
mandante de crédito só tem o dever de adimplir o que corresponde ao conteúdo que se previra. Houve excesso
de limite. Pacto adjecto pode referir-se ao excesso. Para as conclusões que aí ficam não se precisa invocar o que
se estabelece a propósito de excesso de Poderes de mandato (cf. Código Civil, art. 1.305, 1.306 e 1.813).
CAPÍTULO III
1.PRINCÍPIOS GERAIS. O contrato de mandato de crédito extingue-se pelas mesmas causas que extinguem
os outros negócios jurídicos bilaterais. A decretação da nulidade ou da anulação é uma das causas de extinção.
Outra, o distrato. Também o extingue a resolução, inclusive a resolução por inadimplemento.
Na doutrina há divergências quanto à extensibilidade ao mandato de crédito dos princípios que regem a
extinção do mandato. A revogabilidade e a denunciabilidade vazia, por parte do mandatário de crédito, seria
contraditória, devido a tratar-se de contrato em que o mandatário de crédito está vinculado. Quanto ao
mandante de crédito, tem-se de admitir que êle possa denunciar a seu líbito, enquanto o negócio jurídico de
crédito não se conclui, mas com o dever de indenizar os prejuízos que cause ao mandatário de crédito.
Tem-se pretendido que tudo isso resulta de ser mandato o mandato de crédito, o que, conforme expusemos, não
é de admitir-se. O mandatário de crédito é devedor. O mandante também o é, mas a sua dívida depende de o
mandatário de crédito concluir com o terceiro o negócio jurídico de crédito e o terceiro não ter adimplido. Se o
mandatário de crédito deixa de adimplir, mesmo com denúncia cheia sem procedência (~ denúncia cheia que
se verifica não estar cheia), cabe a indenização por perdas e danos oriundos do inadimplemento.
A denúncia pelo mandante de crédito depois de concluído o negócio jurídico de crédito, inclusive se é pré-
contrato, que o mandato de crédito não afastou, cai no vácuo. Já era indenunciável o contrato.
Se foi findo prazo para a denunciabilidade pelo mandante de crédito, é sem qualquer eficácia a denúncia
posterior à expiração do prazo.
(No direito italiano, admite-se a denúncia uns juristas dizem “revoca”, outros “recesso” quando já se prestou
algo em virtude de crédito de limite máximo, cf. MICHELE PRAGAL!, Fideiwssione, Mandato di credito, 573;
mas a conclusão já se operou e não há qualquer razão para se entender ainda denunciável o mandato de crédito.)
Se o mandante de crédito denuncia, tem de ressarcir danos, sem se apurar se tinha justa causa ou se não tinha.
Apura-se se podia, legitimamente, denunciar.
As perdas e danos, que hão de ser indenizados, não são só os que correspondem ao interesse negativo. Por
exemplo: pode consistir em ter o mandatário de crédito vendido ações de empresa para emprestar o dinheiro ao
terceiro; pode consistir em ter o mandatário de crédito pedido emprestado dinheiro para emprestar ao terceiro.
4. DENÚNCIA CHEIA. O mandatário de crédito não pode desligar-se do contrato, desde que aceitou a oferta
ou que foi aceita a oferta que êle fêz. Se foi êle quem fêz a oferta, até ser aceita pode revogá-la; se foi aceita,
não tem denúncia vazia. Há denúncia cheia se o mandante de crédito se tornou insolvável, ou de difícil
satisfação o crédito do terceiro, ou se, antes de se concluir o negócio jurídico de crédito, cai em insolvabilidade
o terceiro, ou se põe em situação que torne difícil a satisfação do crédito.
4.ATINGIMENTO DO FIM POR OUTROS MEIOS. Se o negócio jurídico de crédito era para determinada
aplicação pelo terceiro e êsse já obteve o que era necessário e aplicou, o mandato de crédito extingue-se. Por
exemplo: A, em mandato de crédito, conseguiu que B lhe prometesse dar crédito a C, para êsse poder adquirir
o apartamento da rua tal, número tal, ou algum apartamento até o valor z, ou do valor z. Se o crédito não teve
esse fim, mesmo se dado pelo mandatário de credito, não se pode pensar em extinção. Se o terceiro recebe do
mandatário de crédito, ou de outrem, menos do que se disse no contrato de mandato de crédito, preenchendo o
fim, está extinto o mandato de crédito, ali, pelo adimplemento, aqui, por ser recusado, explícita ou
implicitamente, o crédito.
Título XLI
CAPITULO 1
1.CONCEITO. Constituição de renda é o negócio jurídico bilateral, ou unilateral, do qual se irradiam direito e
dever unitários de prestações, por titulo de direito, independente, à renda, quer se trate de dinheiro, ou de outras
coisas fungíveis, por tempo determinado (e. g., durante a vida do outorgado, ou do outorgante). Do conceito
resulta que o negócio jurídico de constituição de renda é negócio jurídico real, e que não é constituição de
renda, no sentido do Código Civil, arte. 1.424-1.431, o negócio jurídico em que a renda seja acessório de
capital. Se a pretensão à renda é pretensão acessória, trata-se de mútuo, ou de outra categoria jurídica.
Renda é a prestação periódica, de ordinário anual, que se há de fazer em dinheiro ou outro bem fungível. A
periodicidade é essencial, mas o instituto da constituição de renda exige que haja o gravame do bem imóvel, ou
a determinação da duração.
As rendas prestadas em virtude de dever alimentar não são rendas constituídas e dependem da necessidade do
alimentando; nem as que se prestam em retribuição, ou em lugar de contraprestações ainda por se fazerem, ou
feitas anteriormente (alugueres, salários, pensões, ainda que só prometidas posteriormente), ou em indenização,
ou em transação (P. OERTMANN, Das Recht der Schuldverhtiltnisse, 917; Orro VON GIERKE, Deutsches
Priva.trecht, III, 803, nota 45; K&RL SEPP, Der Leibrentenvertrag, 91>.
2.NATUREZA DO NEGÓCIO JURÍDICO. O direito à renda, como direito unitário, pode ser subordinado a
condição; não o podem ser, porém, as prestações (Orro WARNEYER, Kommentar, 1, 1193).
No sistema jurídico brasileiro e no alemão, discute-se se o direito pode ser concebido a) como unitário, de
modo que dêle se distinguem as pretensões concretas à renda, que dêle resultam (L. ENNECCERUS, Lehrbuch,
II), ou b) como direitos sucessivos e pretensões sucessivas, ou e) como pretensão única sob condição resolutiva,
ou têrmo final incerto (KARL SEPP, Der Leibrentenvertrag, 57).
No direito brasileiro, como no direito alemão, a construção somente pode ser a). Ainda que se conceba como
unitário, o Código Civil, art. 1.427, in fine, incide, isto é, a mora no pagamento das prestações permite pedido
de resolução do contrato, por inadimplemento (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único). Se não existisse o art.
1.427, in. fins, do Código Civil, estaria afastada a resolução. No negócio jurídico de constituição de renda, com
direito unitário, a atribuição dela já é cumprimento, de modo que a mora não daria ensejo a resolução por
inadimplemento, se não houvesse o art. 1.427, in .fine, do Código Civil. Não há prescrição segundo o art. 178, §
10, TI, do Código Civil, só relativo às prestações periódicas, e sim a de vinte anos: trata-se de direito
expectativo, e não de pretensões singulares de renda (cf. L. ENNECCERUS, Rechtsgeschàft, Redingung und
Ànfangstermin, III, 600 s.); direito expectativo à semelhança dos alugueres, que também só prescrevem em
cinco anos (art. 178, § 10, IV), por fôrça de lex specialis. A promessa de dote pela qual o pai ou outrem se
obriga a prestar subvenção regular para os gastos da casa não é constituição de renda; não gera direito unitário,
de modo que o art. 178, § 10, II, incide. O que dissemos sabre resolução também incide em se tratando de
resilição, que é mais frequente.
A onerosidade do contrato de constituição de renda resulta de alguém dar a outrem o bem imóvel ou o dinheiro,
transferindo-lhe a propriedade e a posse, para que receba prestações de dinheiro ou de outro bem fungivel,
durante tempo determinado. Pode ser introduzida álea, e. g., se o contrato
é para que se preste a renda durante a vida da pessoa benelidada. Uma das prestações foi instantânea: a da
transferêneia da propriedade e da posse própria do capital. A outra, unitária, é satisfeita em prestações
singulares.
A expressão do art. 1.424 do Código Civil mostra que se trata de contrato real, pôsto que se possa pensar em
pré.contrato de constituição de renda, a que basta o consenso. (A consensualidade ou realidade do contrato de
constituição de renda vitalícia, que é o que se regula no Código Civil italiano, arte. 1.872-1.881, ao lado da
renda perpétua, arts. 1.861- 1.871, discutiu-se e ainda se discute no direito italiano. Cf., pela realidade,
MARCELLO ANDREOLI, Fonti e natura giuridica della Rendita vitalizia, Siudi senesi, 126; contra ANTONIO
BUTERA, Dei Contratto vitalizio, 58; DE VILLA, Nuovo Digesto Italiano, verbo Vitalizio, n. 27). Quanto à
transferência da propriedade imobiliária e da posse, incidem os princípios acêrca do acOrdo de transmissão da
propriedade imobiliária e do acOrdo de transmzssão da posse. É êrro dizer-se, como fazem, por exemplo,
muitos juristas, que se hão de observar os princípios concernentes ao contrato de compra-e-venda.
Nos contratos onerosos de constituição de renda vitalícia, há álea. Se para a constituição de renda se fêz
contrato gratuito (doação), não há prôpriamente álea. O que se doou doou-se sem qualquer contraprestação, que
pudesse ser exposta a risco.
(Discute-se se, na constituição de renda vitalícia, ou outra em que haja álea, há bilateralidade da álea. Ora, a
aleatoriedade só atinge a prestação do rendeiro. A álea é unilateral, à diferença do que se passa no jôgo e na
aposta.)
Contrato real o de constituição de renda, não há pensar-se em exceptio non adimpleti contractus ou non rite
adim.pleti contractus. Não assim se se trata de pré-contrato, ou de algum contrato consensual, de que o de
constituição de renda seja prestação de dívida.
O negócio jurídico de constituição de renda nada tem com o que levou os figurantes à conclusão do contrato de
constituição de renda. No art. 1.424 do Código Civil fala-se de título oneroso ou gratuito. Mas, adiante, se alude
a entrega de capital, em imóvel, ou em dinheiro, o que já afasta a liberalidade,
se o beneficiado é quem faz a entrega. Houve toma-lá-dácá. Se o beneficiado é terceiro, necessâriamente houve
outro negócio jurídico, em que foi figurante o terceiro. No negócio juridico unilateral de constituição de renda,
quem manifesta a vontade vincula-se sem que outrem dê capital, em imóveis ou em dinheiro.
A discussão, ainda hoje, é em torno da abstraçdo, ou causa,. lidade do contrato de constituição de divida. Pela
abstração, PAUL OERTMANN (Das Recht der SckuldverMltnisse, nota 4 ao § 759), JOSEF ESSER (Lehrbuch,
des Schuldrech,ts, 387), e outros, incluída a alta Côrte alemã. Contra, KARL LARENZ (Lekrbuck des
Schuldrechts, II, 269). Nem uma nem outra opinião parte de exame das espécies, pois não é da mesma natureza
o negócio jurídico em que se promete renda, abstratamente, e o em que, por exemplo, se diz que se doa a
alguém a renda por determinado tempo. O que é preciso, portanto, é que se verifique, in casu, se houve somente
o negócio jurídico de constituição de renda, sem se aludir a causa, se o negócio jurídico de constituição de
renda, êle mesmo, é causal, ou se há outro negócio jurídico, subjacente, justajacente ou sobrejacente. A relação
jurídica, duradoura, de constituição de renda, pode ter nascido de negócio jurídico bilateral, unilateral, ou
plurilateral. A promessa de prestar a renda, ou de ser prestada a renda, não precisa ser causal; pode ser abstrata.
Se não foi nula a promessa, e o é o negócio jurídico básico, não há ação para que se afaste aquela. O que foi
recebido devido ao negócio jurídico básico é que pode ter de ser restituído, por enriquecimento injustificado,
mas aí o que se apreciou foi a desconstituição do negócio jurídico básico, em virtude da coisa julgada.
3. DAnos HISTÓRICOS. O negócio jurídico de constituição de renda, como contrato independente, nasceu no
direito alemão no século XIII. Assistiu-se, nos começos, à extração do contrato de constituição de renda, pois o
que se usava era a compra de renda: compravam-se as terras e reentregavam-se ao vendedor, com o direito de
cânon imobiliário como prestação correspondente ao direito de censo pelo vendedor-comprador (Leicherecht).
O censo pio (Seelzins) era o que se entregava à instituição eclasiástica para missas de defuntos. Nas zonas
urbanas, a gravação propagou-se e passou ao próprio censo
hereditário. Falou-se então de compra de renda (Rentenkauf), com a constituição do direito real e a renda
perpétua. Por ocasião das proibições da usura, pela Igreja, cresceu o papel da compra de renda, para se escapar
às conseqUências do mútuo usurário. Por outro lado, os senhores territoriais empregaram, no Oeste da
Alemanha, a constituição de renda para vincular aos cavaleiros os produtos do solo. No século XIV, já é em
dinheiro, e não em espécie, que se paga a renda. O documento do direito real era a carta de renda;
posteriormente, surgiu o título-valor de renda. O fundo capitilístico acentuou, por vêzes, o propósito de
interesses altos que se disfarçavam com a figura jurídica. Ora, era o capitalista que queria percentuais elevadas;
ora, o proprietário de terras que precisava de capital.
No direito comum, ora se explicava a constituIção de renda como compra-e-venda, ora como mútuo (cf. L.
RtYCKERT, Der Lei brentenvertrag, 13 e 23 s.), ou alternativamente, ou, se não havia bílateralidade, como
doação. A verdade está em que dependia das circunstâncias.
1.PONTES DA CONSTITUIÇÃo DE RENDA. Diz o Código Civil, ad. 1.424: “Mediante atos entre vivos, ou
de última vontade, a título oneroso, ou gratuito, pode constituir-se, por tempo determinado, em beneficio
próprio, ou alheio, uma renda ou prestação periódica, entregando-se certo capital, ou dinheiro, à pessoa que se
obrigou a satisfazê-lo”. Alude-se ao capital, que sé entrega. Poderia parecer que se não cogitou da assunção da
dívida de prestar renda, mas apenas da entrega de capital a outrem, que se vincule. Não é isso, porém, que se há
de assentar. O negócio jurídico de constituição de renda pode ser por transmissão de propriedade de prédio,
rústico ou urbano, pode ser contrato de seguro (mediante remuneração que corresponda ao risco médio que se
assume), pode ser feito mediante promessa de doação, devendo-se observar as regras jurídicas sobre os dois
negócios jurídicos; e as expressões do ad. 1.424 do Código Civil “imóveis ou dinheiro” são apenas expressões
exemplificativas.
A constituição de renda pode fazer-se: em negócio jurídico unilateral (promessa unilateral, disposição de última
vontade), ou bilateral (contrato de doação, ou contrato de alienação mais contraprestação do direito unitário à
renda), ou resultar da lei. Se feita em negócio jurídico bilateral, tem-se como adimplido com a conclusão dêle,
e não com as prestações de renda. Isso importaria afastar-se, faltando lei, a resolução ou resilição por
inadimplemento das prestações (OTTO vON GIERKE, Deutsckes Privatrecht, III, 808; PAUL OERTMANN,
Das Recht der Sckuldverhaltnisse, 918; li. DERNBURG, Das Búrgerliche Recht, II, 2, 148; KARL SEPP, Der
Leibrentenvertrag, 91; contra a necessariedade da conseqúência, G. PLANK, Kommentar, II, 802; M; E.
ECCIUS, Der Leibrentenvertrag, Gruehots Reitrdge, 45, 28) : o Código Civil brasileiro, art. 1.427, in tine,
afasta a conseqUência que alguns juristas tinham como necessária (verbis “sob pena de rescisão do contrato”;
onde “rescisão” é êrro de terminologia).
A constituição de renda pode resultar de negócio jurídico unilateral, como a promessa de recompensa e o
téstamento, ou bilateral, ou plurilateral. Nada obsta a que se conclua em transação, ou por sentença judicial
(contrato ou constituição de renda por decisão que o exigiu, ou contida na ~r6pria sentença executiva (D. B.
ALTIMARO, Tractatus de Nuilitatibus, IV, q. 28, n. 45; ANsALDO DE ANSALDIS, Discursus degoJes de
Commercio eI Mercatura, d. 99, n. 6), inclusive se consignativo (BENTO PEREIRA, Promptuarium luridicum,
414; TE. GaLUS, De Fructibus, d. 4, art. 8, n. 216; aliás, jáem JORGE DE CABEDO, Practicaram
Observatiofles sive DecisioneS~166)..
O beneficiado da constituição de renda pode ser o nascituro (Código Civil, ad. 4•O, 2.~ parte). Em ee tratando
de testamento, pode ser terceiro beneficiado a prole eventual de pessoas, que o testador designar e existentes ao
abrir-se a sucessão (Código Civil, art. 1.718, 2•a parte). Pode ser pessoa incerta, cuja identidade se possa
averiguar (arg. ao ad. 1.667, II, regra jurídica sobre testamento, mas que se tem de considerar existente para os
negócios jurídicos entre vivos; idem, quanto às regras jurídicas do ad. 1.668: 1, a favor de pessoa incerta que
deva ser determinada por terceiro, dentre duas ou mais pessoas mencionadas pelo testador, ou pertencentes a
uma família, ou a um corpo coletivo, ou a um estabelecimento por êle designado; II, em remuneração de
serviços prestados ao testador, por ocasião de moléstia de que falecera; ainda que fique a arbítrio do herdeiro,
ou de outrem, determinar o valor do legado).‘
A renda pode ser prêmio de promessa de recompenSA (Código Civil, arts. 1.512-1.515), inclusive concursos
(arts. 1.516 e 1.517).
Lê-se no art. 1.425 do Código Civil: “É nula a constituição de renda em favor de pessoa já falecida, ou quer
dentro nos trinta dias seguintes, vier a falecer de moléstia que já sofria quando foi celebrado o contrato”.
O art. 1.425 do Código Civil incide se a renda é vitalícia ou não. Não se levou em consideração a álea, nem o
ser gratuito, ou não, o contrato de constituição de renda. Se o beneficia estava doente e faleceu nos trinta dias
subseqúentes à conclusão do contrato, não se pode dizer que haja causa sobrevinda de nulidade: a doença, no
momento da conclusão do contrato, é -fato duradouro, que pode persistir além de cessar pela cura, ou pela
morte do beneficiado. Somente no último caso, com a morte nos trinta dias, o art. 1.425, 2.~ parte, incide.
Nada obsta a que se insira a cláusula de resolução ou de resilição dO’ contrato se a morte ocorre depois dos
trinta dias, antes~ de alguma data que se fixe.
Não se equipara à morte a ausência. Se o beneficiado desapareceu, ou dêle não se tem notícia, o art. 1.425 do
Código Civil somente incide se já havia o processo declaratório da ausência e nos trinta dias ocorreu o trânsito
em julgado da sentença <árt. 483, parágrafo único). Se vem a ser provada a morte, anterior~ à conclusão do
contrato, ou vem a ser provada a morte, dentro dos trinta dias após a conclusão, em virtude de nioMstia de que
êle sofria no momento da conclusão do contrato, o art. 1.425 incide.
Se a constituição de renda foi em testamento, o que importa não é só o momento da conclusão do negócio
jurídico unilateral; todo o tempo até a abertura da sucessão. Se o beneficio estava morto no momento da
abertura da sucessão < ao”falecer quem fêz o negócio jurídico unilateral), qualquer que tenha sido o momento
em que faleceu, o art. 1.425 incide. Se faleceram, no mesmo momento, o outorgante e o outorgado, incide o art.
1.425, pela regra jurídica da simultaneidade das mortes (art. li; ‘Fomos, 1 § 67, 2, 3, 4, 5; II, § 161, 8; III, § 299,
2; 852, 1; IV, § 372, 2, 3; XII, § 1.333, 1; XVI, § 1.860, 3>.
Se um dos contraentes conhecia o fato da morte, ou da moléstia, de que resultou a morte, ‘pode ser constrito a
pagar a indenização dos danos que com a conclusão do contrato sofreu o contraente. Idem, se sabia que a morte
presumida ‘estara declarada.
1 2~ CAPACIDADE. A capacidade para a constituição de renda é conforme os princípios gerais. Uma vez que
os bens foram entregues, com a decretação da nulidade, ou da anulação, há a restituição com a indenização ao
incapaz. Tratando-se de menor na situação do art. 155 do Codigo a regra jurídica que aí se contém. Se o menor
recebem alguma prestação após a capacidade, há ratificação (SILVEs¶I.U .GoiaES DE MORAIS, Tractatus de
Executionibus, V, 5!Tfl.
5. MONTANTE DA RENDA. Se foi fixada a renda, sem se dizer qual o período a que
corresponde, entende-se, na dúvida, que foi o anual. Se o art. 1.424 do Código Civil se refere a
prestações periódicas, com isso não exigiu que se afastasse interpretação do negócio
jurídico no tocante à extensão convencionada do período.
Se a renda há de ser paga adiantadamente, ou não, resolve-se conforme o que resulta dos termos do negócio
jurídico, ou da. natureza da renda. Exemplo: se a renda há de começar quando o beneficiado entrar para a
Universidade, entende-se que é antecipada.
O valor da renda pode mudar, quer consista em dinheiro quer em outro bem fungível. A instabilidade monetária
e a instabilidade dos preços refletem-se, fàcticamente, no objeto da prestação, sem que daí resultem
conseqUências jurídicas. Donde o problema das cláusulas que obviem àquela a instabilidades. Evidentemente,
não há cláusula de tal gênero se a prestação mesma é em determinado bem fungível: presta-se o que se
prometeu, qualquer que seja a variação dos preços. (Quanto ao dinheiro, cf. Tomos III, § 259, 1; XXIV, § 3.872,
2; XXV, §§ 3.073, 2; XXVI, §§ 8.174, 1, 2, 3, 4; 8.175, 1; 8.176, 1; XXXIV, § 8.873, 2; XXXV, § 3.975, 1;
XXXVI, §§ 4.108, 2; 4.120, 1; XLII, § 4.587, 2.) Cumpre frisar-se que rege o princípio Utile per mutile nou
vitiatur. É sempre possível, no contrato ou no negócio jurídico unilateral de constituição de renda, a referência
aos números índices do custo da vida.
O objeto da prestação de renda pode ser dinheiro, ou outro bem fungível. Nada impede que seja misto. Com as
inflações, sem lei de revalorização que lhe atenue as consequências, não sofre alteração a quantia devida em
dinheiro, porque se trata de dívida de valuta, e não de divida de valor. Se não consiste em dinheiro, também o
objeto há de ser certo e determinado (cf. LUIGI CARlOTA-FERRARA, La Rendita perpetua, 24). Pode exigir-
se que o bem fungível sej a de determinada zona, ou fazenda. (Quando se fala de determinação, entende-se
determinação e determinabilidade. No direito brasileiro, não há diferença, nesse ponto, entre as prestações em
dinheiro e as outras.) Nada obsta a que a prestação seja variável em função de fatos futuros verificáveis, como
se consiste em quantidades necessárias à alimentação, ou ao aluguer de casa ou apartamento cuj as indicações
genéricas sejam suficientes à determinação, oú à indumentária, desde que se possa saber qual o nível de vestir
que se exija à pessoa beneficiada. Importam, como elemento de interpretação, a qualidade e a quantidade que
seriam pró-prias à pessoa beneficiada, ou as que ela costumava exigir ao tempo da conclusão do contrato. Tem-
se de levar em consideração as mudanças devidas à idade, entradas em cursos e profissão adotada (diferente
solução, no direito italiano, cf. ANDREA TORRENTE, Rendita perpetua, Bendita vitalizia, Commefltario de A.
SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 72).
Ao tempo em que não se tinha cotação de bôlsa, ou nos mercados, para se saber o valor dos frutos, a solução
era a verificação do preço médio durante algum tempo (cf. AZORIO, Institutiones morales, c. 20, q. 8; DE
BoccAnís, De Censibus, P. 2, n. 9).
6. UsuRA. Quanto ao importe da renda ou prestação periódica, a lei de usura pode atingi-la, mas o assunto é
delicado, se a prestação é frugífera. A tradição do direito brasileiro é afirmativa, pois houve a Lei de 23 de maio
de 1690, que foi explícita. O valor teria de ser “conforme a justa e como estimação, que os tais frutos
costumavam ter”, isto é, o do tempo do contrato; e assim se não via a nefasta influência das inflações e as suas
conseqüências na elevação dos preços. Para a redução a dinheiro, o Alvará de 9 de maio de 1654, Tit. 3, § 14,
já havia ordenado que se tomasse o preço dêles nos cinco anos antecedentes (no mesmo sentido, as Instruções
de 18 de outubro de 1762, §§ 29 e 80); de modo que não havia razão para só se atender ao “costumavam ter” da
Lei de 1690, para se abstrair da variação dos preços. Advertia-se que se não havia de considerar o preço dos
anos de calamidade, como os de guerra.
CAPÍTULO II
1. EFICÁCIA UNITÁRIA. Com a conclusão do negócio jurídico, entre vivos, de constituição de renda,
começa a sua eficácia, nasce o direito unitário à renda. Noutros termos, o negócio jurídico é real, porque desde
logo há direito unitário e pretensão unitária. Idem, com a morte do que a constituiu a favor de alguém.
2.EFICÁCIA QUANTO Ás PRETENSÕES SINGULARES MEDIATÂS. Ainda que a renda se haja de pagar
antecipadamente e desde a feitura do negócio jurídico, tem-se como efeito mediato. Somente nasce porque
antes nasceu o direito unitário, sem que se possa pensar em direito acessório ou em pretensão acessória.
3.TRANSFERENCIA DO BEM, NO NEGÓCIO JURÍDICO ONEROSO.
No Código Civil, art. 1.426, estatui-se: “Os bens dados em compensação de renda caem, desde a tradição, no
domínio da pessoa que por aquela tem obrigação”. Tradição ou outro ato ou formalidade por que se transmita a
propriedade.
4.Ás PRESTAÇÕES (PRETENSÕES SINGULARES). No sistema jurídico brasileiro, a prestação não se supõe
devida adiantadamente (aliter, no Código Civil alemão, § 760; e no suíço, art. 518, 1~a alínea>; entende-se que
são adquiridos dia a dia o direito e a pretensão <Código Civil, art. 1.428: “O credor adquire o direito à renda dia
a dia, se a prestação não
houver de ser paga adiantada, no comêço de cada um dos períodos prefixos”. No Código Civil argentino, art.
2.081, diz-se:
“La renta no se adquire, sino en proporción dcl número de dias que ha vivido la persona en cabeza de quien la
renta ha sido constituída. Pero si se ha convenido que la renta fuere pagada con anticipación, cada término es
adquirido por entero por eI acreedor desde eI dia en que cl pago ha debido ser hecho”.
O herdeiro pode reclamar tôda a prestação antecipada se deveria ter sido paga ao decujo. Se não teria de ser
paga adiantadamente, êle somente tem, em falta de cláusula diferente, pretensão ao que corresponde aos dias de
vida do decujo. Se o devedor, que não devia prestação adiantada, adiantou alguma, ou algumas, nenhuma ação
tem o herdeiro.
O Código Civil, ad. 1.428, não deve ser entendido como se contivesse alternativa ao que constitui, ou aos que
constituem a renda: prestação antecipada, ou fluência dia a dia. Pode ser estabelecido o nascimento semánal,
mensal, ou anual, do direito e da pretensão, ainda que não antecipado o pagamento, ou ao fim dos períodos, O
art. 1.428 é dispositivo, porém daí não se tire (sem razão, CARL CROME, S?Ístem, II, 1077, nota 39) que o
juiz pode regular a matéria (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 1195) : pode interpretar o negócio jurídico, ou
interpretar a lei.
A ação para se cobrar a renda vencida, seja condenatória seja executiva-condenatória, apenas se refere a essa
renda, e os inadimplementos posteriores fazem nascer ação para cada um.
Se o rendeiro devedor, no contrato gratuito, ou no negócio jurídico unilateral de constituIção de renda, não
presta, nem dá garantia, pode ser feita a penhora em bens suficientes para se ter o capital suficiente à produção
das rendas. Tal medida tanto concerne às rendas oriundas de contratos onerosos como de contratos gratuitos. Se
gratuito o contrato, ou se unilateral o negócio jurídico, não há resolução, ou resilição:
o que ocorre é execução para se haver o capital necessário à produção das rendas.
No direito brasileiro, pôsto que se tenha, como em nenhum outro sistema jurídico, a teoria da posse,
abrangendo a posse de bens incorpóreos suscetíveis do direito de propriedade, não se pode admitir a ação
possessória contra o terceiro adquirente dos frutos, se pessoal ou real a constituição de renda (LuDovíCus
CENCIUS, De Censibus, 250). ‘O que há é a ação pessoal contra o vinculado (BONI, De Censibus, 84).
Se há o direito real, a ação possessória seria sem razão de ser, porque o titular do direito à renda não tem posse
sobre os frutos, salvo se foi estipulado que parte dos frutos seria considerada, ao fim de cada período,
pertencente ao titular do direito à renda. Ai, sim, poderia êle ir contra o terceiro possuidor, e êsse não poderia
opor exceptio excussionis, nem, tão-pouco, nominar autor (cf. Limovícus CENSIUS, De Censiluis, 251 e 264).
8.IMóvEL VINCULADO A RENDA. Diz o Código Civil art. 1.431: “A renda vinculada a um imóvel constitui
direito real de acôrdo com o estabelecido nos arts. 749 e 754”. O acôrdo de constituição é abstrato. A exigência
do tempo determinado não cabe. Por onde se vê que não se podem tratar indistintamente as duas espécies.
9.PRESCRIÇÃO. Quanto à prescrição, cada pretensão a prestação singular prescreve conforme o art. 178, §
10, II, do Código Civil. A pretensão unitária persiste enquanto não se extingue por alguma das causas de
extinção e não se poderia. pensar em que se extingue não estando prescrita, sequer, a última dívida singular.
1. FONTE LEGAL. No próprio Código Civil, há casos de renda constituída, de fonte na lei; e. g.: a) art. 1.587,
II (prestação de alimentos às pessoas a quem o assassino devia, prestação que não depende da necessidade do
beneficiado e, pois, é constituição de renda, no sentido próprio; aliter, no tocante aos arts. 288, 234 e 277, que
se referem a prestações de alimentos pendente a sociedade conjugal e a respeito dos quais não cabe a
observação, que acima fizemos, quanto ao art. 1.587, II) ; ti) art. 320 (pensão alimentícia à mulher, após a
dissolução da sociedade conjugal), que também é constituição de renda. Caiu em êrro L. ENNECCERUS
(Lehrbuch, II, 595 s.) em considerar tôdas essas espécies, no direito alemão, como de constituição de renda, em
contradição com a sua própria teoria do direito unitário na constituição de renda, a que repugna ação de
modificação: há regras jurídicas explícitas, naquele sistema jurídico, como a do § 1.579, alíneas 1•a e 23. Não
há confundi-las, no direito brasileiro, com as pretensões do Código Civil, arts. 896-405; quanto a essas, sim, há
a regra jurídica do art. 899. Por isso mesmo, a obrigação de prestar alimentos, nas espécies do art. 820 do
Código Civil, é vitalícia e a morte do cônjuge culpado não a extingue; bem assim, se houve acôrdo em disputa
amigável, e não resulta dos termos do acôrdo a extinção. O art. 402 não é, aí, invocável. A regra
jurídica de inerdabilidade passiva do direito a alimentos só se refere aos alimentos entre parentes, e não entre
cônjuges, dissolvida a sociedade conjugal, ou entre figurantes de negócios jurídicos, ou entre autor de ato ilícito
e titular de direito unitário à renda.
2. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTS. 919-922. As regras jurídicas, que se contêm nos arts. 919-922 do
Código de Processo Civil, são de direito processual; não há distinguir-se, para a sua incidência, se houve, ou
não, constituição de renda, negocial ou legal, com irradiação de direito unitário ou não.
4.CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE A renda constituída por título oneroso a favor de terceiro não é
suscetível de restrição à penhorabilidade e à alienabilidade. Aliter, quanto à penhorabilidade, se a estipulação a
favor de terceiro i a titulo gratuito. Quando, nos arts. 1.424 e 1.430 do Código Civil, se alude a título oneroso
não se refere a lei à causa do negócio jurídico de constituição, e sim à causa da estipulação a favor de terceiro
(arts. 1.098-1.100), ou do outro figurante. Se A transfere a E o imóvel para que E se faça devedor de renda a O,
o negócio jurídico entre A e E (constituição de renda) foi oneroso, se bem que possa ser gratuita a estipulação a
favor de O. De modo que se tem de prestar tOda atenção à interpretação do ad. 1.430, 1.8 parte: “A renda
constituída por titulo gratuito pode, por ato do instituidor, ficar isenta de tOdas as execuções pendentes e
futuras”. Se A presta o bem a E para que nasça a C direito à renda, como doação de A, pode A apor a cláusula
de impenhorabilidade. Se A promete a renda constituída a E, a título gratuito, pode clausular (há disposição
gratuita). Não assim, se A obtém de E doação para que preste a O, em datio in solutum por divida de A. A
clausulação recai sObre as pretensões singulares às prestações; o direito à renda, êsse, se vitalício, é incessível.
Regem a cessão das pretensões singulares às prestações os arts. 1.078, 1.065-
-1.077.A eficácia, em relação ao devedor, depende da notificação (art. 1.069).
Entende-se a título gratuito não só a doação, ou o legada, como qualquer liberalidade, que não caiba no Código
Civil, ad. 1.187, 1. Quanto às doações ou legados com encargo, escapam à clausulabilidade aquêles em que o
encargo basta para se pensar em demasiada restrição ao beneficiado. Quanto às constituições de renda para
solver dívida prescrita, não se têm como a título gratuito, e não no são. Nem as que se fazem para prestar
alimentos que se devem, ou que por lei se podem dever. Tudo que cabe na parte disponível do testador pode ser
clausulado; no direito brasileiro, a legítima dos herdeiros necessários é clausulável (art. 1.723), mas a
constituição de renda não pode diminui-las.
Diz o Código Civil, art. 1.480, 2.~ parte, a respeito da impenhorabilidade: “Esta isenção existe de pleno direito
em favor dos montepios e pensões alimentícias” (Código de Processo Civil, art. 942, VIII).
4. PLURALIDADE DE TITULARES OU DE DEVEDORES. Diz o Código Civil, art. 1.429: “Quando a renda
fôr constituída em benefício de duas ou mais pessoas, sem determinação de parte de cada uma, entende-se que
os seus direitos são iguais; e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que
morrerem”. No Código Civil alemão, o § 420 é interpretativo; é dispositivo, no Código Civil brasileiro, o art.
1.429. Se a renda fói a prazo que não o de vida do beneficiado, tem-se, dispositívamente, como extinto o
direito, se êle falece. Se a renda é vitalícia, por pagamentos antecipados, e o beneficiado morre antes de receber
a prestação, o herdeiro tem direito a tôda a prestação vencida. Sendo dois ou mais os titulares, pode-se estipular
que um dêles, ou todos, ou alguns continuem a perceber as prestações (titularidade sucessiva>. Explícito o
direito brasileiro, ad. 1.429, 2,a parte.
5. DEVEDORES DA MESMA RENDA. O Código Civil não tratou da pluralidade de devedores, mas havemos
de entender, na dúvida> que são solidários: enquanto um dos devedores vive, tôda a renda é devida (H.
DERNBURG, Das Búrgerliehe Reckt, II, 2, 144, nota 16; O. PLANCIC, Kommentar, II, 803).
À
6. ATO ILíCITO DO DEVEDOR. Poder-se-ia discutir, no direito brasileiro, se, tendo o devedor assassinado o
titular da renda vitalícia, a) a renda tem de ser paga pelo tempo presumível da vida (PAUL OERTMANN,
Reoht der Sohuldverhifltflisse, 920; L. ENNECCERUS, Lehrbuch, II, 596; O. PLÁNK, Kommentar, II, 803), ou
b) se apenas responde pelo ato ilícito absoluto (cp. W. KISCH, Die Wirkung der nachtrãglieh eintretenden
Unmõgliehkeit, 5). No direito alemão, há a dúvida, devido ao § 162, alínea 1.a, do Código Civil; no direito civil
brasileiro, seria difícil adotar-se a solução a) : a responsabilidade é toda pelo ato ilícito absoluto, computando-se
na indenização o que representou de dano patrimonial a morte prematura. No direito alemão, tem-se entendido
que o suicídio ou a execução de pena de morte contra o obrigado à renda também surte a conseqUência (O.
PLANCR, Kommentar, II, 803; H. DERNBURG, Das fihirgerliche Reeht, II, 2, 144) ; mas, no direito brasileiro,
salvo cláusula expressa, não se poderia entender dêsse modo. Nem há, nos dois sistemas, ação do titular das
rendas contra o terceiro que mata o obrigado a prestá-las (O. WARNEYER, Komrnentar, 1, 1194).
Se o contrato é a favor de terceiro, já pode o outorgante pedir a resolução do contrato ou a resilição, se o
devedor, rendeiro, provocou a morte da pessoa contemplada? Se a morte ocorreu, o contrato de renda vitalícia
acabou. O que o credor pode fazer é exigir indenização. Não se pede resolução ou resilição do que já não existe.
Se a morte não ocorreu, sim:os atos de provocação são inadimplemento de dever de abster-se de atos que
tornem sem sentido as prestações.
‘7. DISTRATO E REMIÇÃO. t possível o distrato, salvo se a operação resultou de decisão de juiz, que tinha
de ser mantida até a extinção regular (e. g., renda deixada em testamento para determinado fim e, de acôrdo
com a vontade do testador, não interrompível, ou oriunda de lei.
Se houve a cláusula ou pacto de remição, o devedor ou seus sucessores podem remir. Se há direito real, há a
resgatabilidade segundo o Código Civil, art. 751.
8. ÔNUS DA PROVA. Se o obrigado às rendas alega a extinção, inclusive a morte do credor de rendas, tem de
prová-lo (PAUL OERTMANN, Das Recht der Schuldverhãltnísse 918; II. DERNBURIJ, Das Biirgerliche
Rech,t, II, 2, 143; divergências em FR. LEO1.JHARD, fie Reweislast, 399, e FE. SCHOLLMEYER, Reoht der
einzelnen Sohzddverhãltnisse, 165).
Título LXII
1.PRECISÕES . Reconhecer é conhecer mais uma vez. Só se reconhece o que se conhecia. Mas o
reconhecimento não é de uma só natureza. Reconhece-se só no mundo fáctico, como se A, que deve a B,
inquirido por B, ou por outrem, responde, de viva voz, que a letra ou a assinatura do documento é sua.
Reconhece-se já no mundo jurídico, isto é, com os pressupostos para entrada no mundo jurídico como ato
jurídico stricto sensu (Tomo VI, § 686). Reconhece-se negocialmente: o figurante manifesta a vontade de fazer
o enunciado de fato; noutros termos: conhecia a divida ou a dívida e a obrigação, ou a própria ação, reconhece-
lhe a existência e quer vincular-se por essa manifestação de conhecimento. Negócio jurídico somente há na
última espécie.
Se A já deve a B e assina carta ou outro papel em que diz ter assumido (ou, embora imprôpriamente, assumir)
divida, não se trata de promessa de dívida; idem, se escreveu que prometia pagar x. Trata-se, aí, de mera
enformação do negócio jurídico já existente entre o promitente e a pessoa a favor de quem se faz a prova
escrita.
O princípio de auto-regramento da vontade, dito princípio de autonomia, estaria sacrificado em grande parte, se
os interessados não pudessem reconhecer que devem, ou que estão obrigados, ou que existe alguma ação. Tal
limitação, em caso de controvérsia, seria obsoleta, por lembrar a exigência de só se poder, perante o juiz,
dirimir controvérsia. Estranho ao assunto. ‘O enriquecimento em virtude de crédito abstrato não é
enriquecimento injustificado.
A ação de enriquecimento injustificado é dirigida contra o credor que se enriqueceu com o contrato nulo e .
contra a cessionário (Código Civil, art. 1.072). Sobre as obrigações abstratas, em geral, Tomo XXII, §§ 2.768-
2.766. Cf. Tomo III,. § 270.
São exemplos de negócios jurídicos abstratos: a assinação de dívida, o aceite da assinação, que muitos
consideram declaração unilateral de vontade de per si (F. SCHOLLMEYER, Rech,t der Schuldverhaltnisse, 191
s.; E. JACOBJ, fie Wertpapiere, 2.~ ed., 296 5.; L. Batirr, Pie abstrakte Forderung, 192; contra, A. LENT, fie
Anweisung, 82 s.), as declarações de vontade cambárias e cambiariformes, que são apenas declarações
unilaterais de vontade e, pois, se fazem negócios jurídicos unilaterais, a marcação do cheque, a subscrição de
alguns títulos endossáveis (não todos) ou ao portador (não todos), o endôsso do título endossável e a
transferência de posse do título ao portador, O título nominativo pode ser abstrato; não a cessão.
Das considerações que acima fizemos resulta que temos de repelir: a) que se considere constitutivo o conteúdo
do negócio jurídico de reconhecimento; lO que se possa configurar como negócio jurídico auxiliar
(FRANCESCO CARNELUTTI, Documento e Negozio giuridico, Rivista di fliritto processuale civile, III, 189;
ROSARIO NIÇOLÕ, II Riconoscimento e la transazione nel problema delia rinnovazione del negozio e della
novazione dell’obbligazione, Annali Universitâ Messina, VII, 24; contra, com razão, MICHELE GIoROIÂNNI,
Ii Negozio d’accerta~mento, 96 s.) ; e) que tenha interesse científico discutir-se se o poder de reconhecer se
inclui no poder de dispor, ou se não se inclui, pois isso depende da extensão do conceito de disposição
(afirmativamente, TULLIO ASCARELLI, Studi in tema di contratti, 223 s.; LUmI COSÂLTINI, Ii
Riconoscimento dei figlio naturale, 85; em parte, FRANCO CARRESI, La Transazione, 42; negativamente,
F’RANCESCO SANTORO-PASSARELLI, L’Accertamento negoziale e la Transazione, Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, X, 4 s.) ; d) não é verdade que não possa haver atividade volitiva para tornar certa a
situação jurídica, pois, se não houve, negócio jurídico não haveria.
6 reconhecimento unilateral, abstrato ou causal, de dívida é negócio jurídico. Por isso, não se confunde com o
reconhecimento unilateral que só se há de ter como ato jurídico stricto sensu. Tão-pouco se confunde com a
confissão. A confissão contém reconhecimento do fato, porém não é reconhecimento negocial de dívida. O
reconhecimento de dívida que não constitui, além de declarar,, não é negócio jurídico.
CAPITULO II
PRESSUPOSTOS, EFICÁCIA E EXTINÇÃO DA
PROMESSA DE DIVIDA
§ 4.815. Pressupostos da promessa de dívida
2.PROMESSA ABSTRATA DE DIVIDA. A promessa abstrata de dívida pode ser unilateral e pode ser
bilateral ou plurilateral. As promessas do sacador da letra de câmbio, do subscritor da nota promissória, do
sacador da duplicata mercantil, dos sacados (aceitação) na letra de câmbio e na duplicata mercantil, bem como
as dos endossantes e dos avalistas dos titulos cambiários e cambiariformes, são abstratas. Outrossim, a do
subscritor do titulo ao portador. A promessa de divida em contrato pode ser abstrata. (O reconhecimento do
saldo da conta-corrente pode ser abstrato.) Sempre que se emitem vales de prêmios, endossáveis à ordem, ou
transferíveis ao portador, a promessa de divida é abstrata, ainda que se aluda à causa de se obrigar (e. g.,
correspondência entre o número da compra e o número premiado).
Quando é que a promessa de divida é abstrata e válida? Para ser abstrata, é preciso que nela não se encontre
elemento suficiente, explícito ou implícito, para se lhe perceber a causa, ou supor-se que há causa. Da simples
omissão da referência a causa, ou da finalidade típica do negócio jurídico, não se pode deduzir, sempre, que a
promessa de dívida seja abstrata. Não raro, dadas as circunstâncias de operações entre os figurantes, reputam
êles desnecessária qualquer alusão ao negócio jurídico subjacente, justajacente ou. sobrejacente. Diante do
instrumento da promessa de divida, o que incumbe, desde logo, a quem o há de examinar é indagar se se trata
apenas de documento de dívida, que já se havia assumido, ou de instrução monto de promessa. Não se pode
deixar de inquirir qual a finalidade que ‘teve, conscientemente, o manifestante da vontade. Não só os eleúiàntos
do instrumento, mas sim, também, as circunstâncias, são pesos para se apurar qual a finalidade que teve a
declaração de vontade.
Se o “promitente diz “prometo prestar mil a F., que lhe tomara emprestado”, há promessa causal de divida. Se
diz “prometo mil a F.”, a promessa de dívida é abstrata.
& FORMA DA PROMESSA DE DivInA. Não há, no direito brasileiro, regras jurídicas especiais sobre as
promessas de dívidas, a propósito de títulos cambiários e de títulos cambiariformes.
promessa abstrata de dívida, não se exige, no direito brasileiro, forma especial (aliter, no direito alemão, § 780);
mais. incide o art.. 141 do Código ‘Civil. Se, para a prestação, ou para a constituição. da relação jurídica, forma
especial se exige, talregra jurídica sobre forma há de ser observada.
A promessa de dívida, se bilateral ou plurilateral, é em contrato. a ‘oferta e a observância dos arts. 1.079-1.091
do Código Civil, ‘A oferta feita tem de ser respeitada até que se não se aceite ou se esgote o prazo para a
aceitação, ou se haja de ter como’ ‘recusada. Essa adstrição ã palavra dada é de origem germânica; e dela já
falamos.
O promitente da dívida, se faz unilateralmente o negócio jurídico, vincula-se, sem que o promissário tenha de
aceitar. Se o promissário tem de aceitar, há contrato.
Se há contrato, a exigência de forma só se pode referir ao promitente, e não ao promissário, de modo que a
aceitação pode ser tácita, ou pelo silêncio. A promessa persiste eficaz até que caia pela falta de aceitação.
3. MODALIDADES. A promessa abstrata de dívida pode ser a têrmo ou sob condição. Se há referência a
contraprestação, podendo entender-se devida tal contraprestação, ou podendo vir a ser devida, não há promessa
abstrata de dívida. Mas há, se a prestação do outro figurante, ou de terceiro, é limite à promessa de prestar (e.
g., quando B me pagar, quando B pagar a C).
2.EXTINÇÃO DA DIVInA. A dívida pode ser sob condição ou a prazo. Implida a condição resolutiva, ou
atingido o termo resolutivo, extingue-se a dívida.
A conclusão de negócios jurídicos de reconhecimento entra no princípio de autonomia da vontade; nada tem
com a tutela jurídica. A autotutela ou tutela própria (Selbsthilf e), ou justiça privada ou de mão própria, é que é
o restante da tutela jurídica, quando o Estado chamou a si o monopólio da justiça.
2.FORMA. No sistema jurídico brasileiro, não há regra jurídica especial sobre forma do reconhecimento de
divida. Pode dar-se que à dívida que se reconhece exija a lei forma especial, como se no negócio jurídico de
reconhecimento o que se reconhece é a dívida pelo preço do imóvel, para cujo contrato de compra-e-venda se
exige escritura pública, ou se reconhece a dívida decorrente de acôrdo de constituição ou de transmissão de
direito que só se possa fazer por escritura pública.
O reconhecimento abstrato de divida há de ser escrito, salvo se o caso está relacionado ao art. 141 do Código
Civil.
Se tivesse de referir-se ao que determinou a divida, a ponto de dispensar a forma escrita, que aquela não
exigiria, não seria abstrato. O reconhecimento de dívida gratuitamente assumida exigiria a forma exigida à
doação, porém não seria negócio jurídico abstrato.
3.OBJEÇÕES E EXCEÇOES . Quando a lei diz que o contrato de reconhecimento, ou o negócio juridico
unilateral de reconhecimento de dívida de jôgo ou de aposta não gera pretensão (Código Civil, art. 1.477,
parágrafo único, verbis “envolva reconhecimento”), supóe que, pelos dados do instrumento e pelas
circunstâncias, se saiba que se encobre dívida de jôgo ou de aposta. Portanto, é sem razão o que escreve KARL
LARENZ (Lehrbuch des .Schuldrechts, II, 267) quanto a não se ter, aí (no art. 1.477, parágrafo único, do
Código Civil, ou no § 762, 2.~ alínea, do Código Civil alemão), despregado completamente do negócio jurídico
básico a assunção abstrata de dívida ou o reconhecimento vinculativo. A ligação mostra que não é abstrata a
promessa de dívida, nem é abstrato o reconhecimento de dívida. Se fracassa tôda a indagação a propósito do
negócio jurídico de promessa de dívida ou de reconhecimento de divida, então, sim, se pode falar de
abstratividade. Se fica patente que a promessa de dívida ou o reconhecimento de dívida tem por finalidade o
jôgo ou a aposta, a ponto de se comporem os requisitos para a incidência do art. 1.477, parágrafo único, do
Código Civil brasileiro, ou do § 762, 2A alínea, do Código Civil alemão, a promessa de divida foi promessa de
pagar, ou simples documento, ou o reconhecimento de dívida foi causal.
Se a promessa de dívida ou o reconhecimento foi quanto a dívida que resultaria de jôgo proibido, ou quanto a
aposta proibida, é nula aquela, ou nulo êsse. A discussão em tôrno de tal incidência da regra jurídica sobre
nulidade, extensiva ao negócio jurídico, não é somente para o caso de promessa de dívida ou para o de
reconhecimento de dívida que seja de jôgo proibido, ou de aposta proibida; é a respeito de qualquer negócio
jurídico nulo. O que primeiramente temos de frisar é que do negócio jurídico nulo não se irradia divida, de jeito
que se reconheceu o inexistente, ou que se prometeu (pagar) a divida inexistente.
Parte da doutrina exige que conste do conteúdo a ilicitude (L. ENNECCERUSR. LEHMANN, Lehrbuch, II,
14.~ ed., 799; PAUL OERTMANN, Das Rechi der SchuldverM tinisse, II, 6; Ri. LEONHARD Resonderes
Schuldrechí 356; WALTER ERMAN, Handkommeníar zum BUrgerliche~ Gesetzbuch, 2A ed., 6; EBERI-IARD
PINZGEII, Palandi Riirgerliches Gesetzbuch, 14.~ ed., 745 s.). Outros juristas dizem que o negócio jurídico
abstrato pode ser acoimado de fraude à lei (FxtITz KLINCMÚLLER Das Schuldversprcc;íen und die
Schuldanerke,íntnis des RG.B., 183 5.; Pn. HECK, Grundriss des Schuldrecnts, 890; JOSEF ESSER, Lehrbuoh
des Schuldrechts, 862).
O problema não consiste em se afirmar ou em se negar ser atingível pela nulidade o negócio jurídico abstrato
de reconhecimento de dívida quando o que se quis foi assumir dívida a despeito da nulidade do negócio
jurídico. Se nulo era o negócio jurídico, dívida não havia. Se o negócio jurídico abstrato foi para se criar dívida
onde dívida não havia, o que o demandado pode fazer, se seria o devedor do negócio jurídico nulo, é alegar a
ilicitude, porque para êle existe tal exceção. Não só em direito cambiário ou cambiariforme isso acontece.
O terceiro de boa fé é que é incólume, como se, para assumir a dívida que teria surgido (não digamos a dívida
oriunda do negócio jurídico nulo, porque o negócio jurídico nulo não gera dívidas), o tomador da nota
promissória a endossou a terceiro de boa fé, ou se o credor, no negócio jurídico abstrato de reconhecimento de
dívida, cedeu o crédito e de boa fé estava o cessionário.
Os juristas que procuram no negócio jurídico abstrato, para que se possa alegar a ineficácia, ou a ilicitude, pela
ligação a outro negócio jurídico, traços característicos de ilicitude, de certo modo “concretizam” o negócio
jurídico abstrato. Fazem condição de atingibilidade do negócio jurídico abstrato perder êsse a abstratividade Os
que recorrem à fraus legis saem do campo em que se discute, porque isso se pode dar, como pode ocorrer que
se alegue enriquecimento injustificado• Mais fâcilmente se pode apontar a simulação (Código Civil, art. 103,
1).
Ou o conteúdo do negócio jurídico revela a finalidade ilícita, ou a prestação mesma é ilícita, ou há negócio
jurídico simulado. No último caso, no direito brasileiro, somente há anulabilidade. Se o figurante propõe ação
contra o outro, pode êle trazer à apreciação judiciária o negócio jurídico subjacente, justajacente ou até mesmo
sobrejacente, mas aí a abstratividade não fica negada. Dá-se o mesmo se de má fé o terceiro.
O negócio jurídico de reconhecimento é nulo se a nulidade concerne a êle, ou anulável, se ocorreu algum dos
casos de anulabilidade. Tôdas essas alegações nada têm com a causa; e o negócio jurídico abstrato de
reconhecimento não está sujeito às objeções que teria o negócio jurídico causal, subjacente, justajacente, ou
sobrejacente.
Não se pode admitir que se anule, por êrro sobre a existência ou a validade ou eficácia de negócio jurídico
anterior, o negócio jurídico abstrato de reconhecimento; porque o que ~e quis foi reconhecer, com eficácia
independente do que se supôs existente. O êrro teria de ser no ato de reconhecer como a) se foi tido como
credor C, que não era a pessoa com quem se pensou estar a contratar, ou b) se foi mencionada a casa da rua tal,
a que se referem os alugueres, e a casa é a de outra rua, embora com o mesmo número, ou da mesma rua e outro
número, ou c) se foi escrito cinqUenta milhões, em vez de quarenta e cinco. Nem se pode admitir, sem grave
contradição, que se investigue a falta de causa para se reputar nulo o negócio jurídico abstrato de
reconhecimento. O que se dá é que, entre os figurantes em contacto, as objeções e exceções podem ser opostas.
Não há nulidade, sem anulabilidade, por falta ou defeito do negócio jurídico de que teria provindo a dívida
reconhecida. Tais objeções e exceções podem, pelo contacto dos interessados, ou pela má fé do terceiro, puxar
para o passado a pretensão do autor da ação.
Se houve negócio jurídico anterior, o negócio jurídico de reconhecimento, que é outro negócio jurídico, tem
outra função, pôsto que tal alterabilidade não o reduza a reprodução (cp. GINO GOELA, La Riproduzione dei
negozio giuridico, 81), nem renovatio, ou novação.
Mesmo que o negócio jurídico de reconhecimento seja de conteúdo diferente do que tinha o negócio jurídico de
que proveio a situação jurídica reconhecida, não se pode lançar contra o negócio jurídico posterior o anterior,
porque seria determinar-se o que se quis depois. Não se quis 56 reproduzir; quis-se mais: declarouse fêz-se
claro o que, pelo acôrdo, se tinha como sendo udo-claro
1.CAUSAS DE ExTINÇÃo Os Princípios que regem a extinção dos negócios jurídicos regem a extinção do
negócio jurídico de reconhecimento Se a causa da extinção não é comum ao negócio jurídico reconhecido e ao
negócio juridico reconhecente, não há invalídade dêsse. Se contra o reconheci mento abstrato de dívida se alega
ilicitude, ou a origem de jôgo, ou aposta, a alegação somente é admissívei entre figurantes ou terceiro de má fé.
2.DIVIDAS DE JOGO OU DE APOSTA Tratando-se de dívida de jOgo ou de aposta, cuja operação não seja
autorizada por lei, a dívida não é atingida se o jOgo ou a aposta não são elevados de ilicitude, apenas é
mutilada, pela inexigibilidade Se ilícito o jOgo, ou ilícita a aposta, não há falar-se de extinção da dívida, porque
ela não se produziu
Titula XLIII
CAPITULO 1
No direito das sucessões pode ocorrer o mesmo, a despeito de se lançar no direito das coisas, e somente nêle,
de ordinário, o que proveio da lei sobre herança ou do testamento. A verba testamentária pode estabelecer, aqui,
portanto, unilateralmente, a comunidade negocial como que a cobrir a comunhão de direito das sucessões. É
possível que tal comunidade negocial se refira a direitos pessoais, o que põe as espécies na fronteira das que
emanam de contratos, ou de negócios jurídicos unilaterais entre vivos.
Feitas essas considerações, pode-se apontar o que nos interessa no Direito das Obrigações: o negócio jurídico,
unilateral, bilateral ou plurilateral, sobre comunidade.
No direito brasileiro, o negócio jurídico de comunhão é negócio jurídico atípico.
2. ESPÉCIES PRINCIPAIS. A comunidade negocial pode referir-se a direito real (comunidade negocial, a
respeito de comunhão imobiliária ou mobiliária), dita comunidade real; ou a direito pessoal (comunidade
negocial, a respeito de crédito . É preciso advertir-Se em que já se está dis
tinguindo da comunhão em bem imóvel ou em bem móvel, que existe, sôzinha, no direito das coisas, a
comunhão em bem imóvel ou em bem móvel, que foi aproveitada, ou contemporânea.. mente constituída, ou
estabelecida pelo negócio jurídico de comunidade. As duas irmãs que vão morar juntas na casa que herdaram
(ou adquiriram entre vivos) e uma delas escreve contra “não precisa cuidar de compra de casa, pois, mesmo
que me ausente da cidade, morarei com você até me casar”, são figurantes de contrato de comunidade. Uma
ofertou e a outra aceitou. (Poderia resultar de promessa unilateral, como se A promete instalação por um ano,
em comum, a jovens recemformados em agricultura, ou se as relações jurídicas foram previstas em testamento.
E. g., “Deixo a casa da rua tal às minhas duas filhas A e B, que nela habitarão até se casarem”.)
Uma vez que há o negócio jurídico de comunidade, as relações jurídicas entre os comuneiros regem-se pelo
direito das obrigações, e não pelo direito que às relações entre os comuneiros o direito das coisas estabeleceu.
As regras que se inseriram no direito das coisas somente são exclusivas se não há o negócio jurídico de
comunidade, ou de sociedade.
A comunidade, de origem negocial, pode recair em créditos. Não se trata de serem co-credores os comuneiros,
isto é, figurarem no negócio jurídico ou serem co-credores por outro fato .iurídíco.
A comunidade de interésses estabelece, entre os figurantes do negócio jurídico, com-sorte na produção de
interesses, sejam frutos naturais, juros, dividendos, ações dadas em bonificação, madeiras cortadas, pesca ou
caça. O proveito e os lucros são comuns, por fôrça do negócio jurídico, mesmo se ainda não foi adquirida a
propriedade dos bens de que eles resultam (cf. li. O. DE BooR, Die Kollision von Forderungen, 132; cp. HANS
WÚIinINGER, Theorie der schlichten Interessungemeins~h5f~ Zeitsckrijt f’iir das gesamie Handeisrecht, 100,
46).
A comunidade de risco ou comunidade de danos ou comunidade de despesas é a que tem por finalidade pôr em
comum os riscos, os danos ou as despesas. (Pense-se na lar Rhodia de iactu.)
No testamento pode deixar-se o bem para ser dividida (cf. JOSEF ROELER, Gemeinschaften mit
Zwangsteilung, Archiv fír die civilistische Praxis, 91, 309 s.), imperativamente, ou para ficar em comum, ou
para ser usado ou usado e fruido em comum, precisando-se, ou não, o tempo e o propósito do testador.
Se a comunhão se enquadra nas figuras de direito das coisas, não interessa o regramento que o negócio jurídico
de comunidade impõe. Basta pensar-se em que, se A e B, adquirem, no mesmo dia, as partes indivisas a e b do
prédio, pode nada haver de negocial entre êles. Poderiam adquirir separadamente. Se tenham planos sobre o
modo de usar e êsses planos não chegaram a ser acôrdo que entrasse no mundo jurídico, tudo se há de reger
pelo direito das coisas. Por onde se vê a importância do negócio jurídico de comunidade.
3.SOcIEDADE E COMUNIDADE. Quando se fala de sociedade como se fôsse comunidade não se erra,
porque algo há de ser em comum. O êrro está em se dizer que sociedade é apenas comunidade. Aí, deixa-se de
atender ao plus, que dá o próprio conceito de sociedade e o nome.
CAPÍTULO II
PRESSUPOSTOS E EFICÁCIA DO NEGÓCIO JURIDICO DE COMUNIDADE
§ 4.823. Pressupostos
1.FIGURANTES. Mesmo que o negócio jurídico seja unilateral, as relações jurídicas são irradiadoras de
direitos e de deveres entre duas ou mais pessoas. Dá-se o mesmo se a comunidade se originou de contrato a
favor de terceiro.
2.FORMA. Os pressupostos formais do negócio jurídico de comunidade são os da espécie de negócio jurídico
de que se trata (unilateral, bilateral ou plurilateral). Se a comunidade provém de disposição testamentária, que a
impôs, o testamento há de ter observado as exigências legais.
3.QUOTAS. Na dúvida, têm-se por iguais as quotas dos comuneiros. Não em virtude do art. 639 do Código
Civil, concernente ao condomínio, mas sim porque é o que se há de extrair do negócio jurídico de comunidade.
Três condôminos de partes indivisas, %~ 1,4, 1/4, podem ser comuneiros de partes iguais para o plantio, ou a
extração de minerais ou de água, ou de atracação de botes ou iates. A utilização pode nao coincidir com o que
deveria resultar das quotas. Aliás, não sempre, abstrai-se das quotas, que ficam na esfera comum como índices,
sem imediata relação com o conteúdo do direito. (Com isso não se há de aderir à concepção da comunidade de
pessoas sem sujeito, cfr. A. SAENGER, Gemeoinsch’aft und ~echtsteilUng, 117; IKATTAUCE, Die Auteile der
Miteigentilafler ind der Gesamthdflder au deu gemeinschaftlichefl Sacheu, 65).
1.COMUNHÃO SEM NEGÓCIO JURÍDICO DE COMUNIDADE A comunhão somente regida pelo Direito
de Família, ou pelo Direito das Coisas, ou pelo Direito das Sucessões e pelo Direito das Coisas e pelo da
Família, não nos interessa. Falta-lhe a Presença, digamos assim, de relações jurídicas que apenas exsurgem no
plano do Direito das Obrigações .
CAPÍTULO III
EXTINÇÃO DA COMUNIDADE
1.PRECISÕES. No direito romano, a communio mcidens, comunhão acidental, apareceu como figura anômala,
que se havia de extinguir o mais cedo possível, para que houvesse coincidência entre os bens, objetivamente
considerados, e as esferas jurídicas dos titulares. Havia de ser transitória a pluralidade de donos do mesmo bem.
Qualquer comuneiro tinha,a qualquer momento, pretensão à extinção da comunhão. Não se pode dizer, ainda
hoje, que essa concepção hostil não perdure, mesmo porque não há só a adio. Certo é, porém, que muito se
atenuou.
2.PRAZO E EXPIRAÇÃO. Se há prazo para a comunidade e, nas espécies que nos interessam, é o da
finalidade do negócio jurídico, não se pode pensar em denúncia vazia. Se o negócio jurídico de comunidade, a
respeito de terreno, foi para que se plantassem vinhedos a fim de se ter suficiente fornecimento para a indústria
de um dos figurantes, ou de terceiro, entende-se que há o prazo determinável, correspondente ao tempo em que
exista a empresa de vinhos, ou precise ela das uvas.
1.NULIDADE. Se o negócio jurídico de comunidade é nulo, não se pode falar de efeito de comunidade. A
desconstituição é de negócio jurídico que não produziu efeitos. Nada tem essa nulidade com a do negócio
jurídico de que resultou o direito com que o comuneiro fazia parte da comunidade.
2.ORIGEM NÃO NEGoCIAL O negócio jurídico de comunidade pode ser quanto a bem comum, cuja
comunhão tem origem não-negocial. Então, o negócio jurídico de comunidade apenas regulou as relações
jurídicas entre os comuneiros, fora do que resultaria da lei sobre a espécie de comunhão. Desconstituído o
negócio jurídico de comunidade, não se divide o bem divisível, se não há pretensão a isso.
Ocomuneiro pode dispor da quota, não de parte, porque dispor de parte atingiria o todo (GERII. SCHROTH,
Der Aufbau der Gesellschaft des RGR. ais Schuldverhiittflis und Gememschaftsverhiiltflis, 89). Não pode gravar
a parte, com direito real (e. g., servidão), porque atingiria o todo, o que pareceu a A. SAENGER (Gemeinschalt
und Rechtsteilurig, 76) tautológico. Salvo se o gravame é sobre o valor, como se da com a hipoteca da parte
indivisa. Se a comunidade se extingue, extinguem-Se o uso ou o uso e o fruto; razão por que o negócio jurídico
de comunidade fica sem objeto se êle se baseava na comunhão de direito das coisas, ou de família.
Cumpre observar-se que a comunhão, quase sempre real (compropriedade, co-usufruto, co-enfiteuse), pode ser
apenas de posse, como acontece se os figurantes do negócio jurídico de comunidade são apenas locatários, ou
comodatários, ou possuidores próprios sem propriedade. O negócio jurídico de comunidade, tipicamente
obrigacional, apenas aproveita, digamos assim, a situação de compropriedade, ou de comunhão em direito real,
ou de composse, que há (ou vai haver) entre os figurantes do negócio.
Mas, com o estabelecimento da comunhão pessoal, o negócio jurídico de comunidade gera, de ordinário,
composse destinada a fim, o que torna distinta a posição dos figurantes entre si, de conformidade ou com
alteração do que seria a eficácia da comunhão real.
Também se há de advertir que a situação real pode mudar sem que mude a situação pessoal e possessória dos
figurantes do negócio jurídico de comunidade. Basta um exemplo: A e E eram locatários do apartamento, em
que têm escritório de advocacia, e adquiram a propriedade, permanecendo a situação jurídica oriunda do
negócio jurídico de comunidade.
Título XLIV
CONTRATO DE EDIÇÃO
CAPITULO 1
DE EDIÇÃO
§ 4.828. Conceito de contrato de edição
1.PRECISÕES . Para se conceituar, com exatidão, o contrato de edição, tem-se de saber o que é que se presta e
o que é que se contrapresta. Mais o que se presta, porque a contra-prestação pode ser de diferentes espécies.
(a)Como em tôda transferência, entre vivos, de domínio, a transferência da propriedade intelectual supóe
negóciO jurídico básico e o acôrdo de transmissão. Ou houve compra-e--venda, ou troca, ou doação, ou dação
ii?. solutum, ou dação em adimplemento de negócio jurídico unilateral; mas sempre se há de exigir, além dêsses
atos jurídicos de direito das obrigações, o acôrdo de transmissão. Quem contrata edíção de livro, ou música, ou
desenho, não transfere a propriedade intelectual, razão por que de nenhum direito real se trata quando está em
causa direito de editor. O sistema jurídico brasileiro concebeu como direito real a propriedade intelectual,
porém não o direito de edição.
Para que haja transferência da propriedade intelectual, em virtude de contrato de compra~e~venda e acôrdo de
transmissão, é preciso que se componham os pressupostos do contrato de compra-e-vendas que é causal, e os do
acôrdo de transmissão (Tomo XV, § 1.85S). Se o autor vende, sem transferir, apenas prometeu transferir; e todo
o seu vínculo é interior ao direito das obrigações. Com o acôrdo de transmissão, adimple-se o contrato de
compra~e-venda e o registo atribui-lhe eficácia real. Se o contrato não foi transíativo do domínio sobre
2.CONCEITO. O que se transfere, com o contrato de edição, não é o direito autoral de exploração, mas
elemento do exercício dêsse, pela dívida e pela obrigação que assume o titular do direito autoral de exploração.
3.CONTRATO DE EDIÇÃO E LOCAÇÃO. O contrato de edição de modo nenhum se pode reduzir a contrato
de locação. Não há bem que se loque; há exploração, que se permite, sem ser exaustiva e definitivamente,
porque não se transfere o domínio, nem o uso (direito real). Dá-se o mesmo com o contrato de representação e
com o contrato de execução musical.
A diferença entre a locação e a edição está, principalmente, em que, se, na locação, há entrega da posse de
coisa, no contrato de edição a entrega da coisa (manuscrito, ou outra obra de arte) é apenas meio para se
conseguir o fim do contrato de edição, que é o uso do bem incorpóreo.
Na locação, a retribuição é pressuposto necessário do contrato; ao passo que, no contrato de edição, apenas são
pressupostos necessários a promessa de editar e a de entrega do bem incorpóreo para a edição. A simples leitura
dos arts. 1.188 e 1.346 do Código Civil demonstra a inconfundibilidade dos dois conceitos. O locatário adquire
o direito de usar a coisa locada porque presta aluguer; o editor adquire o direito de editar porque se vincula a
usar de certo modo (editar) o bem incorpóreo.
(c)Quando o dono do prédio o loca, não transfere o direito de uso (direito real), não restringe o conteudo do seu
direito; apenas se obriga à entrega do prédio para que o locador exerça direitos que o dono do prédio exerceria.
O editor não é titular de direito real, não é usuário, ou usufrutuário, do direito autoral de exploração, do direito
de propriedade intelectual; é titular de direito pessoal, que se exerce com a posse dos originais ou cópias
reproduzíveis e do bem incorpóreo. O sistema jurídico não conhece direito real de edição, outorgado em
contrato conforme os arts. 1.346-1.358 do Código Civil. Contrato de compra-e-venda pode existir, mas é outra
figura jurídica: se o há, não se outorgou direito de editar, vendeu-se o bem incorporeo, a propriedade
intelectual, transferiu-se-lhe o domínio, tendo havido a contraprestação, essencial ao contrato de compra-e-
venda, de “certo preço em dinheiro” (Código Civil, art. 1.122; Código Comercial, art. 191), fixação que pode
ser deixada a arbitrio de terceiro (Código Civil, art. 1.128; Código Comercial, art. 194).
A expressão “transfere”, que o art. 1.846 evitou, leva a equívocos, noutros sistemas juridicos. Nesse sentido, o
locador transfere o exercício do direito sobre a coisa. Igualmente a expressão “cede”. O que se transfere ou cede
é o direito de editar, que é um dos Poderes que tem o dono da propriedade intelectual.
O preço é um dos essentialia negotii da compra-e-venda, qualquer que seja: de bem corpóreo imóvel ou móvel,
ou de bem incorpóreo, O contrato de edição pode ser sem preço e a contraprestação só consistir em
percentagem sobre vendas (cf. KURT RUNGE, Urh~eber- und Verlagsrecht, 481). Com a locação tem o
contrato de edição de comum que o original ou cópia reproduzível é entregue ao editor, mas há o plus da
reprodução”, que é exercício do direito de propriedade, atribuído, no plano do direito das obrigações, ao editor.
Não se restringiu, sequer, o conteúdo do direito de propriedade, como aconteceria se o sistema jurídico
brasileiro houvesse concebido o direito real de edição, como concebeu os direitos reais de uso, de usufruto, de
hipoteca, de penhor, de anticrese e de rendas sobre imóveis.
(d)Há um ponto, porém, que não tem sido versado e assume grande relevância no direito brasileiro. Os bens
incorpóreos, suscetíveis de serem objeto de direito de propriedade intelectual (literária, artística, científica) ou
industrial, podem ser possuidos. Para que isso se dê, basta que alguém exerça poder fáctico que se inclua nos
Poderes da propriedade intelectual. Quem edita, sem direito de editar, o livro de outrem, ou a música de outrem,
ou a gravura de outrem, ofende a propriedade intelectual e a posse. Há esbulho, com todas as conseqUências e,
no direito brasileiro, nascem tôdas as pretensões que a~ infração do direito de propriedade e da posse suscita.
No sistema jurídico brasileiro, há a ação reivindicatória e há os interditos possessórios, exercíveis em tais casos.
Quando se contrata edição, não se contrata edição de tradução (cf. art. 652). Trata-se de outra edição.
A declaração quase sempre posta no verso na fôlha do título da obra, em se tratando de livro, ou no verso da
fôlha da fôlha última das publicações que não são livros de ser Proibida a tradução, é concernente ao direito
autora] de exploração, que tem o autor, e não ao direito de edição, que se atribuiu ao editor.
7.CONTRATO DE EDIÇÃO DE OBRA POR FAZER-SE. O contrato de edição pode ter por objeto a edição
de obra já feita, ou a edição de obra por fazer-se, porque o contrato não é contrato real, mas consensual: tanto a
respeito de obra por fazer-se quanto a respeito de obra já feita, o autor vincula-se a prestar ao editor a cópia ou o
original reproduzível sobre o qual se exerça a atividade editorial do outro contraente. O que se promete é o uso
para a reprodução. Tanto se pode prometer a entrega do original pronto, quanto a do original que se vai acabar,
ou que ainda se está a conceber ou iniciar. Lê-se no art. 1.847 do Código Civil: “Pelo mesmo contrato, pode o
autor obrigar-se à feitura de uma obra literária, científica, ou artística, em cuja publicação e divulgação se
empenha o editor”.
Não é proibida a convenção pela qual o autor se obrigue a transferir a determinado editor as obras que fizer
(OTTO WARNEYEIt, Kommentar, 1, 246). A fortiori, a contratar com alguém as edições das obras que fizer.
Tal negócio jurídico pode consistir em pré-contrato de edição, ou em contrato de edição da espécie de que
cogita o art. 1.347, ou em contrato de transferência do direito autore? de exploração, que é mais do que
contrato de edição, ou em pré-contrato de transferência do direito autoral de exploração. Só as duas primeiras
espécies são assunto para êste Título. As duas outras pertencem ao direita das coisas.
1.AUTOR E EDITOR. O autor ou quem tenha o direito autora] de exploração outorga o direito de editar, O
editor exerce tal direito, prestando ~ não o que lhe toca. o contrato de edição não é, essencialmente, bilateral.
Bilateral é o negócio jurídico. Fade haver animus donnndi, por parte do autor ou do editor, conforme adiante
diremos.
O acordo de transmissão , que está à base da a1ienação do direito de propriedade intelectual, pertence ao
direito das coisas. rode ser em conseqüência de contrato de compra-e-venda, ou de doação, ou de qualquer
outro contrato em que se prometa transmissão, ou que a implique, ou de promessa unilateral (declaração
unilateral de vontade). O contrato de edição de modo nenhum diz respeito à propriedade intelectual, mas
apenas ao uso dela, razão por que, no Código Civil brasileiro, que, na técnica, se pôs à frente dos outros, a
propriedade intelectual enche todo um capítulo do direito das coisas (arts. 649--673), ao passo que outro
capitulo se dedica, no direito das obrigações, ao contrato de edição (arts. 1.346-1.362).
O que se transfere, com o contrato de edição, não e propriedade literária, artística, ou científica, nem, sequer, o
uso e o fruto, é o exercício, porque o editar, ou reeditar, em suas diferentes formas, e o permitir execução são
Poderes contidos no direito de propriedade intelectual, e não o próprio domínio ou elemento do domínio do
bem incorpóreo. Não há confundir-se a transmissão do direito de edição, ainda que seja de número
indeterminado de edições e de exemplares, com a transmissão do direito de propriedade intelectual, ou a
constituição de direito real, o outorgado, no contrato de edição, é o editor; o outorgado, na transferência do
direito de propriedade intelectual, é o adquirente, comprador, donatário, ou outra figura em cujo direito todos os
elementos do dominio, ou alguns dêles, sobre o bem incorpóreo, se congreguem.
Um dos critérios mais seguros para se saber se foi transferida a propriedade literária ou apenas o direito de
edição (exercício do direito autoral de reprodução é procurar-se assentar se o autor ainda tem interesse no
número de edições futuras e no número de exemplares.
Se a contrapreStação que se há de fazer ao outorgante ~é percentual’ sobre edições, ou sobre exemplares, de
modo nenhum se pode pensar em transferência da propriedade intelectual. O que se transferiu foi o exercício, o
poder de explorar, não o domínio sobre o bem incorpóreo.
O contrato de edição é negócio jurídico bilateral típico. Se alguém transmite os direitos de utilização da obra
literária, artistica ou científica, não só transmite o uso da propriedade literária, artística ou científica; quem só
transmite uso não transmite domínio; quem só se obriga ao uso (exercício) por outrem, não transmite domínio
nem uso. A prestação do editor pode ser dinheiro, ou outro valor; ou não haver prestação, e tem-se, aí, o
contrato de edição sem remuneração, ou o negócio jurídico misto com doação. Em verdade, o que se transfere
não é o direito autoral de reprodução, nem o uso (direito real), mas apenas o exercício, em virtude de negócio
jurídico obrigacional.
Convém atender-se a que o contrato de edição em que o editor não presta preço fixo, nem por percentagem,
pode não ser com anzmus donandi. Se a edição de modo nenhum permite que o editor tenha lucros e o interesse
do editado é o de publicidade, seria forçada a interpretação do contrato como contrato gratuito.
Há a prestação d-1, no máximo, do titular do direito autoral de exploração (porque a prestação de todo o d
implicaria alienação do direito todo, sem se ter de pensar em edição) e há a prestação do editor. No sistema
jurídico brasileiro, tem-se como prestação essencial, típica, a de publicar e divulgar a obra, considerando-se
não-essencial a prestação ao autor, pelo editor, do preço da edição ou das edições. Daí se concluir ser contrato
de edição, tanto quanto os outros, em que o editor contrapresta dinheiro, ou exemplares, ou valor, aquêle em
que nada mais êle presta que a sua atividade, e não no serem aquêles em que as despesas de publicação e,
algumas vêzes, as de remessa ficam a cargo do autor, com ou sem proven-. tos imediatos para êsse.
O Código Civil, no art. 1.346, só se presta a essa descrição da estrutura do contrato de edição: “Mediante o
contrato de edição, o editor, obrigando-se a reproduzir mecânicamente e divulgar a obra científica, literária,
artística, ou industrial,. que o autor lhe confia, adquire o direito exclusivo a publicá-la
e explorá-la”. À prestação de direito de publicar e de explorar corresponde, pelo menos, a contraprestação de
atividade (dever e obrigação de reproduzir mecânicamente e divulgar). O assunto é de relêvo, porque não se há
de considerar contrato de edição aquêle em que a impressão foi feita pelo autor, e não pelo editor. O que,
principalmente depois da Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924 e dos diplomas jurídicos posteriores, se há de
assentar é que sómente é essencial a bilateralidade, sendo mínimo a reprodução e a divulgação . Pode não
haver remuneração ao autor (aliter, no direito italiano, Lei italiana n. 688, de 22 de abril de 1941, art. 130, cf. G.
VALERI, Manuale di Diritto commereiale, II, 157). Se o autor entra com as despesas de reprodução, deforma-
se o contrato de edição, que passa a ser contrato misto, como se se dividem despesas e lucros. Não há, no
sistema jurídico brasileiro, a regra jurídica cogente de serem as despesas por conta do editor (e. g., Lei italiana
n. 633, art. 118). Se o negócio jurídico apenas consiste em permitir o autor que o editor edite, sem que êsse
assuma dever e obrigação de editar, a bilateralidade não exsurge; não há, portanto, contrato de edição. Há
negócio jurídico unilateral de outorga de poder, “autorização”, e não contrato; nem, sequer (com razão, II. CI-
IRIST, Der Verlagsvertrag, 17), arrendamento (que também é negócio jurídico bilateral).
Em todo o caso, se o autor contratou com B a composição e impressão do livro, ou da música, ou de outra peça,
e entrega os exemplares a O, para que figure como editor e venda os exemplares, o contrato de edição fica
concluído. Quase sempre, o editor paga ao autor aquilo que êle despendeu, ou parte do que Me despendeu, ou
mais do que Me despendeu, pela entrega dos exemplares. Há, então, com o autor o que teria havido com a
empresa tipográfica se o editor lhe houvesse entregue os originais para composição e impressão.
2.CONTRATOS MISTOS. Se o editor se faz adquirente, encomendando a obra, para que passe a ser sua,
quando pronta, tal contrato é inconfundível com o de encomenda de obra para edição, que é o contrato de
edição previsto no ad. 1.847 do Código Civil. Ali, a aquisição só se opera à entrega da obra (arts. 1.287-1.247) ;
aqui, o que o editor adquire é o direito de editar. Pode-se pensar em contrato misto de empreitada e de mandato
se alguém se obriga a imprimir e difundir a obra, sem adquirir direito de edição. Ou em contrato misto de
empreitada e de mandato na edição ou de comissão, se o empreiteiro (editor) assume a obrigação de reproduzir
a obra à custa do autor, recebendo comissão sobre os exemplares vendidos. Se a obra já estava impressa, trata-
se de simples contrato de comissão, ou de mandato.
Pode ocorrer também que seja contrato estimatório o contrato entre o autor e o editor.
Sempre que se fala de “editor” sem que o contrato entre o autor e êle seja contrato de edição, emprega-se a
expressão como indicativa de profissionalidade, e não de figurante em contrato de edição.
CAPÍTULO II
A Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro de 1955, art. l.~, não ofende a Constituição de 1946. A ratio legis foi dificultar
a prática de apropriações indébitas, de estelionatos e de crimes contra a propriedade intelectual, que pareceram
frequentes ao legislador. Ou o autor vende a propriedade intelectual, recebendo o preço em dinheiro, ou doa, ou
de outro modo a aliena, ou por si mesmo, ou por intermédio de sociedade a que é filiado, contrata
representação, execução pública ou teletransmissão. Não se pode representar por outro intermediário.
Trata-se de regra de limitação da representabilidade Não se aplica a atos de representação anteriores à data da
incidência da Lei n. 2.415; mas incide, automâticamente, a partir de tal data fixada.
1.OBJETO DO CONTRATO DE EDIÇÃO. Lê-se no Código Civil, art. 1.856: “Entende-se que o contrato
versa apenas sobre uma edição, se o contrário não resultar expressa ou implicita mente do seu contexto”. Se dá
direito a duas ou mais edições, ~ indispensável concordância dos figurantes no exercício dos seus direitos; se
divergência surge, incide o art. 1.851 e qualquer dêles pode pedir a resilição do contrato: “No caso de nova
edição ou tiragem, não havendo acôrdo entre as partes contratantes sobre a maneira de exercerem seus direitos,
poderá qualquer delas rescindir o contrato, sem prejuízo da edição anterior”. Supóe-se, portanto, que o contrato
com direito a duas ou mais edições, está subordinado a essa exigência legal de concordância quanto ao modo de
exercício dos direitos dos contraentes. Trata-se de idiotismo do sistema jurídico brasileiro, criado a favor do
autor e do editor, para se evitarem lutas em torno do exercício de direitos tão delicados. A regra jurídica do ad.
1.851 não é jus cogens. A despeito da sua ratio legis, que é protectiva, o ad. 1.851 é ins dispositivum: os
figurantes podem estabelecer, exaustivamente, como há de proceder o autor e como há de proceder o editor. Se
não se previu a espécie de discordância o art. 1.851 incide. A controvérsia não tem a eficácia de resolução
automática, ou de resilição automática, ou de pretensão à resolução ou à resilição. O art. 1.851 emprega o têrmo
impróprio “rescindir”. O que ocorre é a faculdade de denúncia cheia, por parte do autor ou do editor, e pode o
caso ser objeto de exame judicial. Na ação, tem o juiz de verificar se não é fora de qualquer pertinência a
exigência do editor ou do autor. O desacôrdo só se justifica se é razoável o que o editor ou o autor quer que se
observe, pôsto que fora dos termos contratuais.
8.HONORÁRIOS DE AUTOR. Dizem-se honorários as~ retribuições aos que atribuem direito de edição.
Podem ser em dinheiro, ou não; inclusive podem ser honorários pelo direito de editar uma obra a obrigação do
editor a publicar outra obra do autor (H. CHRIST, Der Verlagsvertrag, 84).
De regra, os honorários são exigíveis no momento em que se termina a impressão ou a reprodução da obra
plástica, ainda que só de parte, se essa é vendida separadamente, ou pode ser lançada desde logo. Os honorários
somente são após a venda, se isso foi estipulado no contrato. Se nada se estipulou, rege o que acima se expôs.
Os honorários percentuais sobre a venda devem-se à medida que se vendem os exemplares, mas é de uso que a
conta só se tire anualmente (AD. ISENSCRMIn, Das T’erlagsrecht an Werken der bildenden Kunst und der
Vertagsvertrag, 188). Dá--se o mesmo se a remuneração é dependente, por outra razão, do êxito da venda. Diz o
art. 1.854: “Se a retribuição do autor ficar dependente do êxito da venda, será obrigado o editor, como qualquer
comissário, a lhe apresentar a sua conta”. A êsse princípio do art. 1.854 há de juntar-se o do art. 52 da Lei n.
4.790, de 2 de janeiro de 1924: “Nos contratos de edição, sejam quais forem as condições quanto à
remuneração do autor pelo editor, é êste obrigado a facilitar ao autor o exame da sua escrituração”. A
remuneração pode não ser percentual, mas o autor tem interesse em verificar se foi tirada edição a mais, ou se
houve tiragem injustificada, ou se o número de exemplares excedeu aquêle de que se permitiu a edição, ou a
tiragem. Sempre que o autor tem interesse no exame da escrita, cabe-lhe a pretensão de que cogita o art. 59 da
Lei n. 4.790.
Mesmo que se não haja previsto, no contrato, a rubrica dos exemplares pelo autor, sejam êles numerados (o que
é o normal), ou não, tem o autor o direito de exigir que se lhe dêem para rubricar. De ordinário, vão a êle,
numeradas, as páginas em que está o frontispício, ou são postos, na casa editôra, ou na tipografia, para que o
autor os rubrique.
Lê-se no art. 1.353 do código Civil: “Se, no contrato, ou ao tempo do contrato, o autor não tiver estipulado
retríbuição pelo seu trabalho, será determinada por arbitramento”. Assim, ou houve a cláusula de determinada
ou determinável retribuição, ou sobrevém, durante o tempo do contrato, pacto adjecto que estabeleça
determinada retribuição ou determinável retribuição, ou acôrdo tácito por pagamento de quantia que se tenha
como retributiva, ou os figurantes acordam em louvar-se em arbitrador, ou pedem ao juiz que proceda ao
arbitramento judicial. O que importa saber-se é que é só cláusula contrária, ou pacto adjecto contrário, afasta a
retribuibilidade da edição.
Odireito a honorários resulta de cláusula contratual, ou de não haver cláusula de gratuidade. Se há cláusula de
gratuidade, o contrato de edição não se torna, somente por isso, negócio jurídico gratuito, porque houve a
promessa de prestação e a de contraprestação os honorários agravam a onerosidade; não a estabelecem, porque
a retribuição não é essencial ao contrato de edição. Quem deu a obra para a edição se tem como titular de
direito à retribuição se não se tira do próprio contrato de edição que o contraente prescindiu, prêviamente, de
qualquer remuneração. Noutros termos: presume-se retribuida a atribuição do direito de editar. As circnstâflcias
somente têm de ser apreciadas se influem na interpretação do contrato. A inserção de trabalhos de principiantes
tem-se como gratuita, salvo se se prometeu remuneração ou prêmio. Diz o ad. 1.853: “Se, no contrato, ou ao
tempo do contrato, o autor não tiver estipulado retribuição pelo seu trabalho, será determinada por
arbitramento”. No contrato, ou ao tempo do contrato, isto é, em cláusula do contrato ou nas circunstâncias em
que se fêz o contrato, circunstâncias, essas, que influem para a interpretação dêle. A remunerabilidade nada tem
com o editor ter ou não ter editado a obra. Tinha êle dever e obrigação de editar, oriundos do contrato de edição.
Se o contrato de edição inclui cláusula de honorários por vendas feitas, o autor tem direito à apresentação das
contas e à prestação de contas, com a prova das vendas (AD. ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werlcen der
bildenden Kunst und der Verlagsvertrag, 188). O uso é no sentido de só se apresentarem e só se pedirem contas
anualmente. Cláusula explícita ou implícita pode modificá-lo.
Nos usos, os honorários por trabalhos publicados em jornais, revistas e outros periódicos são tanto por linha.
Tais usos não são invocáveis, se outro critério resulta do contrato ou das próprias circunstâncias.
Se o pagamento é por página, incluem-se, salvo cláusula em contrário ou circunstâncias que o afastem, as
paginas de rosto, os títulos, as tábuas de matérias e os índices. As ilustrações, se não foi o autor mesmo que as
prestou, são pagas à parte. Tratando-se de comentários a texto de lei, ou a qualquer texto, conta-se o texto como
parte do manuscrito <J. MÚLLER, Der Verlagsvertrag nack schweizerischem Recht, 149; H. CHRIST, Der
Veriagsvertrag, 82.
4.CLÁUSULAS INSERIVEIS NO CONTRATO DE EDIÇIo E DIREITO DIsPOsITIvo. O contrato de edição
exige que se prometa editar a obra que o autor entrega ou vai entregar ao editor. Há dois obrigados: um, à
atribuição do direito de editar; outro, a editar e divulgar (Código Civil, art. 1.846). Não se trata de contrato real.
Os accidentalia. negotii mais relevantes são o número de edições, o número de exemplares, os honorários do
autor e as determinações mexas.
5.DETERMINAÇÕES INEXAS NO CONTRATO DE EDIÇÃO .
O contrato de edição pode dizer por quanto tempo dura (durante êsse tempo o editor pode tirar o número de
exemplares que entenda, ou as edições que possa vender, mas, chegado o têrmo, não mais os pode expor, salvo
cláusula em contrário). Ou combinar o número de edições e o tempo (e. g., x edições desde que as tire durante o
tempo fixado e então pode expor os exemplares das edições que tirou regular-mente). Considera-se edição o
número total e de antemão determinado de exemplares feitos na mesma ocasião para serem lançados no
comércio (AD. ISENSCHMID, Das Veriagsrecht ais Werjcen der bildendeis Kunst und der Verlagsvertrag, 95;
4. MtYLLER, Das Verlagsrecht nach. schweizerischem Recht, 122).
Se o editor só tem direito a uma edição e a tirou tôda, pode guardar os paquês sem permissão do autor. Nada
obsta, porém, a que os mantenha intactos se a tiragem foi inferior, em número de exemplares, àquele a que tem
direito. Ja supõe numeração de exemplares e rubrica.
CAPíTULO III
8.RUBRICA DO AUTOR. O contrato pode prever que que o autor haja de assinar as reproduções, o que é
usual em se tratando de artes plásticas.
A rubrica é à mão, ou à máquina> ou com carimbo, ou por procuração, ou por núncio ou secretário, desde que
para isso haja acôrdo. Se nada se estipulou, é de entender-se que a rubrica há de ser autógrafa. Pacto adjecto,
escrito ou não, pode estabelecer outro processo. O editor tem o ônus de alegar e provar que o autor dispensou a
autografia.
Diz a Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924, art. 4.~: “Salvo as obras cuja propriedade tenha sido adquirida pelo
editor, tôda obra literária, didática ou científica editada em virtude de contrato ou por conta do autor, será
numerada, seguidamente em cada um dos exemplares de que se compuser a edição”. Acrescenta o parágrafo
único: “É considerada contrafação, sujeito o editor ou impressor a pagamento de perdas e danos, qualquer
repetição de número, bem como exemplar sem numeração ou que apresente numeração excedente da tiragem
contratada”.
5.TEMPO PARA A REPRODUÇÃO. Desde o momento em que o original ou cópia reproduzível é entregue ao
editor, tem êle o dever de iniciar a edição, salvo se foi prevista outra data, ou se há condição. Se a obra se
compõe de partes, à entrega de cada parte (J. MOILER, Der Verlagsvertrag nach sckweizerischem Recht, 99>.
Tratando-se de obra que precisa, por sua natureza ou finalidade, sair em dia, presume-se que há autorização
para se atualizar até o momento da correção das últimas provas. Se a obra está sendo composta conforme se vai
escrevendo e o tamanho do volume ou tomo é determinado, ou aproximadamente determinado, até os últimos
momentos pode ser acrescentado o que complete o volume ou tomo.
6. MODOS DE EDITAR. O editor, que começou de publicar a obra satisfatôriamente, não pode ser
constrangido a modificar o processo e a forma que foi adotada. Os pormenores da edição, tais como papel,
margens, tamanho, tipo e tinta, são deixados à apreciação do editor, salvo se foi previsto no contrato como
seria, ou que o autor escolheria. O editor ou o autor, se a escolha lhe toca, deve ater-se aos processos e meios
usuais. Tratando-se de artes plásticas, às matérias-primas em uso.
9.CORRIGENDA DE PROVAS. A obrigação de corrigenda das provas toca ao editor. O autor tem direito a
corrigi-las.
Se os erros ou enganos são seus, não tem responsabilidade, o editor. O contrato pode regular a quem compete, o
tempo em que as provas hão de ser oferecidas e o em que hão de ser corrigidas.
O editor tem de fazer a publicidade usual, na espécie, e a que é do uso da sua empresa.
Oautor pode exigir que todos os exemplares tenham a sua assinatura, ou de alguém que êle encarregou, ou
simples carimbo ou marca mecânica. O art. 4? da Lei n. 4.790, de 2 de janeiro de 1924, é cogente. Não se pode
dispensar a numeração; mas o autor pode dispensar a assinatura, rubrica, ou carimbo, ou marca. Nada obsta a
que, não o tendo exigido até alguma prestação de contas, o exiga daí por diante.
As últimas provas têm de ser aprovadas pelo autor. Na edição de obras plásticas, a aprovação é para cada
exemplar. Em certas circunstâncias, a não restituição das provas é de interpretar-se como aprovação.
A recusa de aprovação tem de ser fundada. Somente pode o autor recusar o visto, ou aprovação, se há defeito na
reprodução, ou se não foram observadas instruções do autor, tempestivamente feitas e cabíveis.
Nenhum exemplar pode ser tirado se houve recusa de aprovação. Se a reprodução foi defeituosa, trata-se a
espécie como de adimplemento satisfatório (Tomo XV, § 1.751, 8). Pode dar-se resolução ou resilição do
contrato de edição.
10.RESTITUIÇÃO DO ORIGINAL. Se o original tem valor por si, ou se o autor mesmo exigiu a restituição,
ou seria de entender-se exigida, o editor há de entregá-lo ao autor desde que dêle não mais se precisa (cf. AD.
ISENSORMIO, Das Verlagsrecht vi Werken der bildenden Kunst md der Verlagsvertrag, 191). Os clichês e os
negativos não têm de ser prestados ao autor, salvo estipulação em contrário. Se pertencem ao autor, que os
forneceu ao editor, têm de ser restituidos.
Para haver a restituição do original, que lhe pertence, tem o autor ação de reivindicação, porque a posse
posterior é esbulho. A ação possessória de esbulho sobre o original é transmissível. A cessão da pretensão e
entrega tem a eficácia de tradição (Código Civil, ad. 621).
11.HONORÁRIOS. Já antes tratamos dos honorários, como cláusula inserível ou presumida (§ 4.832, 3). Se o
editor não cumpre a promessa de editar a obra, ou se, tendo reproduzido a obra, não a divulga, tem de prestar os
honorários como se houvesse vendido os exemplares e ressarcir o que o dano que o autor sofreu por se manter
desconhecida a obra (AD. ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werken. der bildenden Kunst und der
Verlagsvertrag, 232). O autor tem a pretensão à resolução do contrato (Código Civil, art. 1.092, parágrafo
único) e a ação de perdas e danos, ou àquela com a indenização. Cumpre, ainda, observar-se que o autor,
invocando o Código Civil, ad. 881, pode ordenar a execução da edição a terceiro, à custa do editor (E. FICK,
Commentaire au Code fédéral des Obligations, 1, 652), ou exercer a ação de condenação com êsse pedido,
sendo a sentença executável segundo os arta. 1.000-1.003 do Código de Processo Civil. A ação de preceito
cominatério pode ser eficientemente proposta.
1.DIREITOS QUE NASCEM AO EDITOR. Os direitos que tem o editor, em virtude do contrato de edição,
são direitos que lhe nasceram. O autor não lhe transferiu o direito de propriedade, nem qualquer direito real
sobre o bem incorpóreo. Deu-lhe exercício do direito de edição, se bem que lhe pudesse transferir o domínio,
ou constituir a favor de outrem usufruto ou uso. Tem o direito de editar e de explorar a edição. Tem mais: na
falta de cláusula em contrário, o de fixar o preço da venda (Código Civil, art. 1.358) e o de organizar essa
venda.
O que passa ao editor é o direito de editar, não o direito de propriedade, a despeito da confusão que
lamentàvelmente grassa entre os que não se informaram dos princípios. Ao poder de reproduzir, que o autor
confere a alguém, é que se chama direito de edição. O poder transfere-se, como se transfere o poder de posse e
uso da coisa locada; porém nenhum elemento da propriedade intelectual, a fortiori ela mesma, se transfere. O
editor pode exercer o seu direito, pretensões e ações contra o autor, bem como a posse e as ações possessórias, à
semelhança do locatário (Tomo X, §§ 1.067 e 1.112), no tocante aos exemplares.
Os direitos e pretensões transferíveis não podem ser tornados intransferíveis por simples negócio jurídico; mas
o titular do direito pode assumir o dever de não transferir e é completa a eficácia de direito das obrigações
(pactum de non cedendo). Todavia, os créditos não podem ser cedidos se a prestação tem de ser feita ao credor
originario, devido a seu conteúdo, ou se por pacto se pré-excluiu a cessão (art. 1.065). A lei brasileira não
formulou a regra jurídica de intransferibilidade do direito de edição pelo editor. A despeito disso, devemos
entender que o contrato de edição supõe que o autor escolheu o editor e, salvo cláusula permissiva, o editor não
pode transferir a outrem o direito de editar. A consideração da casa. editôra é elemento que só expressamente se
pode dispensar, devendo-se entender que a alienação depende do assentimento do autor.
A transferibilidade dos direitos do editor está sujeita, portanto, a cláusula contratual, ou acôrdo posterior,
porque a livre transferência poderia pôr no lugar do outorgado pessoa ou empresa sem idoneidade (cf. HANS
REICHEL, Die Schnldmitifl,ernahifle, 128).
2.ExCLUSIVIDADE. O direito de edição pode ser exclusivo ou não. A espécie mais frequente é o direito de
editar, com exclusividade, isto é, só o outorgado pode editar. Nada obsta a que só se dê a exclusividade em certo
país, ou zona, ou apenas se outorgue o direito de edição luxuosa ou ilustrada, ou só popular. Por onde se vê que
o adjetivo “exclusivo”, que aparece no art. 1.346, não tem o sentido absoluto que talvez se lhe queira emprestar.
Pode-se pensar em permissão de edição da mesma obra a dois ou mais editôres embora leve isso à
concorrência. Tem-se chamado ao contrato de edição sem exclusividade contrato de licença (cf. AD.
ISENSCHMW, Das Vertagsrecht «ri Werken der bildenderi Kunst und der Verlagsvertrag, 32), o que é sem
alcance: quem edita, em virtude de contrato, edita em virtude de contrato de edição.
3. ENTREGA DA OBRA. Antes da entrega dos manuscrItos, ou, em geral, da obra, não houve a execução do
contrato de edição, não se pode pensar em se ter adimplido a obrigação que assumiu o titular do direito autoral
de reprodução. Se o autor não entrega os originais, o que se há de fazer é exigir-se o adimplemento do contrato
de edição. As ações de condenação e de preceito cominatório são pertinentes.
Dir-se-á que, se há transferência do exercício do direito autoral de reprodução, não se compreende que o autor
não entregue o manuscrito ou a obra a reproduzir-se. Tôda a aparente dificuldade resulta de não se prestar
atenção a fatos jurídicos inconfundíveis, o negócio jurídico bilateral do contrato de edição e o acôrdo de
transmissão da posse, com a entrega futura da obra, ou o contrato de edição, consensual, e a entrega da obra,
como adimplemento. Se a obra foi entregue no momento da conclusão do contrato, cumprido foi, no ato, o
dever do autor.
O editor somente tem direito de reprodução (foi-lhe atribuido o direito autoral de reprodução) quando o dever
de prestar a obra foi cumprido, ou a entrega foi simultânea, com o acôrdo de transmissão. Após a entrega, o
direito do editor é absoluto: opera erga omnes e tem os caracteres específicos do direito de posse. Antes da
entrega, não há pensar-se em direito de reprodução, só há a pretensão a que se lhe dê o exercicio dêsse direito.
De ordinário, há a simultaneidade, ou, pelo menos, a imediatidade da conclusão do contrato e da entrega. Se tal
não aconteceu, não há pensar-se em uso do direito de reprodução, só há a relação jurídica obrigacional (KURT
RUNGE, Urheber- und Verlagsrecht, 469, que, aliás, errada-mente, 612, atribui ao direito brasileiro, por
leituras de escritores brasileiros sem a devida atenção aos textos, o nascer o direito de edição com a conclusão
do contrato, e não com a entrega dos manuscritos).
No Código Civil brasileiro, arE 1.346, atende-se à espécie mais frequente, que é a da conclusão do contrato
simultânea, ou imediatamente anterior (ou, se a obra estava para exame, posterior) à entrega da obra. Tanto
assim que logo no artigo seguinte (art. 1.347) se figurou a espécie em que a obra ainda vai ser feita: “Pelo
mesmo contrato, pode o autor obrigar-se à feitura de uma obra literária, científica, ou artística, em cuja
publicação e divulgação se empenha o editor”. Entre as duas espécies, das quais a primeira é id quod plerum
que tit, há aquela em que o autor transfere a posse da obra já feita pela
longa manu traditio (Tomo X, §§ 1.064, 1, 1.066, 2, 1.067, 4,1.074, 1, 1.080, 1, 1.084). O contrato de edição é
negócio jurídico peculiar aos nossos dias (H. CHRIST, Der Verlagsver-trag, 9); apanhou-se na vida, tal como se
estruturou: temosde entendê-lo dentro do sistema jurídico, sem o conceber como deformante dêsse sistema. A
espécie do art. 1.347, a que se chamou pseudo-contrato de edição, por ainda não existir obra,como se precisasse
já existir a prestação prometida nos contratos, oferece a particularidade de não poder existir, no mo-mento,
acôrdo de transmissão da propriedade: não se transfere•propriedade que ainda não existe.• Estatui o Código
Civil, art. 1.348: “Não havendo termo fixado para a entrega da obra, entende-se que o autor pode entregá-la
quando lhe convier; mas o editor poderá fixar-lhe prazo, com a cominação de rescindir o contrato”. Leia-se
“resolver ou resilir”. O art. 1.348 concerne à obra já feita como à obra por fazer-se. O prazo é que há de ser
diferente: razoá-vel, ali, por já estar feita a obra, e talvez apenas precise de correções, ou leitura, ou talvez nem
disso precise. Aqui, o prazo tem de ser suficiente para, dentro dêle, se poder concluir a obra. A fixação do prazo
pode ser judicial, ou extrajudicial. Se extra- judicial, o autor pode ir a juízo para discutir ter sido razoàvel-
mente fixado, ou não. A citação para êsse exame judicial não interrompe o prazo. O contrato de edição com
que se divide percentualmente o produto da venda dos exemplares não é contrato de compra- -e-venda (faltar-
lhe-ia o preço em dinheiro), nem troca, nem, a fortiori, sociedade (as despesas correm por conta do editor).
Apenas no contrato de edição se inseriu a cláusula de honorários percentuais (E. CHRIST, Der Verlagsvertrttg
nack dem schweizerischert ObUgationenrecht, 22). A sociedade entre edi- tor e autor supóe a entrada de
recursos e esforços para fins comuns (Código Civil, art. 1.363), com percentagens em ganhos e perdas.
4. OFENSA AOS DIREITOS DO EDITOR. Se o autor exerce o direito autoral de exploração editando a obra
sem respeitar a exclusividade, que outorgou ao editor, infringe o contrato de edição. Igualmente, se deixa de
respeitar qualquer regra jurídica dispositiva ou cláusula inserta no contrato de edição.
O autor que não é mais titular do direito autoral de expIo-. ração, ou que já outorgou a outrem a edição, ou que
não é autor, ou nunca foi titular do direito autoral de exploração, tem de ser tratado como o que loca, ou, em
geral, contrata para prestar exercício de direito ou coisa alheia: responde pelo que se vinculou, embora não
possa prestar o que prometeu. Não há invalidade do contrato. Nem se há de indagar se o outorgante conhecia,
ou não, o fato de não ser seu o direito autora! de exploração. O contrato pode eficacizar-se se o outorgante
adquire, depois, a titularidade (analogia do art. 622). Todos êsses. princípios são invocáveis se o outorgante é o
titular do direito autoral da exploração, mas já concluíra contrato de edição com outrem, com exclusividade que
torne ineficaz o nôvo contrato (cf. AD. ISENSCHMm, Das Verlagsrecht an Werken der bildendeu. Kunst und
der Verlagsvertrag, 167 s.).
Se o editor tem direito a duas ou mais edições, não pode o autor afastar-se dos termos do contrato. Daí dizer o
art. 1.349 do Código Civil: “Enquanto não se esgotarem as edições a que tiver direito o editor, não poderá o
autor dispor da obra no todo, ou em parte”.
5.PREÇO DE VENDA. No art. 1.358 estatui o Código Civil: “Ao editor compete fixar o preço de venda, sem,
todavia, poder elevá-lo a ponto que embarace a circulação da obra”. Venda está, no art. 1.358, por entrega da
obra a outrem (AD. ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werken der bildendert Kunst und der Verlagsvertrag,
99). Se o editor entendeu distribuir gratuitamente, tem-se de computar o que doou, como se vendido fôsse. Se
nada foi pôsto à venda, pode ser dado valor ao exemplar. O que saiu em consignação, ou em comissão, ou para
amostra, ou reclame, tem-se como vendido, salvo se tirado dos exemplares de propaganda, a que o editor,
segundo o contrato, ou o uso, tenha direito. Não se computam como vendidos os exemplares postos em
exposição artística ou de livros, ou em mostruário. Salvo se não voltam à editôra.
A regra jurídica é dispositiva. Se tem de incidir, não pode o editor elevá-lo a ponto de diminuir ou retardar a
venda da obra. Uma vez fixado, não pode o editor, sem comunicação ao autor, elevá-lo ou diminuí-lo. Há de
declarar de que número de exemplar começa a venda ao preço nôvo, ou a que estado do depósito a venda a
preço nôvo se inicia. Também aqui não pode prejudicar a venda, nem edição futura. Tôdas essas regras
jurídicas, extraídas ao art. 1.358, são dispositivas.
Se o preço de venda não foi fixado no contrato, nem dependente de acôrdo, nem se deixou ao autor, é ao editor
que toca determiná-lo. Dai a necessidade de comunicação ao autor. Alguns juristas aventuram que o autor
precisa consentir. Não há necessidade de consentimento, devido ao art. 1.358; nem, sequer, de assentimento. O
editor deve levar em consideração o interesse do autor, de jeito que não lhe cause dano; porém isso de modo
nenhum significa que se devam acordar autor e editor, ou que êsse precise do assentimento daquele. Tudo isso,
evidentemente, é ins dispositivum.
1.EDIÇÃO E AÇÕES QUANTO A EDIÇÃO. Os titulares de direitos autorais, que concluam contratos de
edição, têm as seguintes ações:
a)A ação de prestação de contas, que pode ter o rito do art. 308 do Código de Processo Civil, se os editôres não
as apresentaram satisfatôriamente, segundo o art. 1.354 do Código Civil (“Se a retribuIção do autor ficar
dependente do êxito da venda será obrigado o editor, como qualquer comissário, a lhe apresentar a sua conta”).
A cominação, a que se refere o art. 302 do Código de Processo Civil, pode ser a de resolução do contrato ou a
de resilição.
(Cumpre advertir-se que a referência a “comissário” e imprópria: o editor não é comissionário. Não vende em
nome próprio, por conta do autor. Pode haver contrato de comissão com livreiro, ou mesmo com edtior, mas é
outro contrato, inconfundível com o contrato de comissão.)
b) A ação de condenação pelos honorários devidos e pelos prejuízos causados.
c) A ação de exibição dos contratos que, invocando Poderes de representação, os editôres fizeram com terceiros,
no Brasil e no estrangeiro, quer incidental (Código de Processo Civil, arts. 216-222), quer cautelarmente
(Código de Processo Civil, art. 676, V).
d)As ações possessórias do possuidor mediato do bem incorpóreo contra o possuidor imediato do bem
incorpóreo, se há, no caso, contrato de edição, representação pública ou teletransmissão.
e)A ação negatória, se os editôres se atribuem direito real limitado e ofendem, sem ser na posse, a esfera
jurídica dos autores.
f)A ação declaratória negativa, se os autores se atribuem propriedade ou direito real limitado.
g)A ação de reivindicação, se os editOres com posse, ofendem o direito de propriedade intelectual (Tomo XVI,
§ 1.885).
h)A ação de abstenção.
i)A ação de retificação do registo ou de cancelamento, se o registo não corresponde ou não mais corresponde á
situação jurídica.
4.EDIÇÕES A QUE TEM DIREITO O EDITOR. Quanto às edições a que ainda teriam direito os editOres, os
autores podem, extrajudicial ou judicialmente, exercer o direito formativo extintivo do art. 1.851 do Código
Civil, uma vez que se caracterize, manifestamente, a discordância quanto ao exercicio dos direitos respectivos.
Diz o art. 1.351 do Código Civil:
“No caso de nova edição ou tiragem, não havendo acôrdo entre as partes contratantes sobre a maneira de
exercerem seus direitos, poderá qualquer dêles rescindir o contrato, sem prejuízo da edição anterior”.
Os autores e a sociedade, no que lhe toca, podem exercer o direito formativo extintivo do art. 1.851 do Código
Civil, em declaração de vontade receptícia. Tal declaração, tanto pode ser extrajudicial quanto judicialmente. A
desconstituição segundo o art. 1.851 do Código Civil supôe acôrdo ou sentença. A situação parece-se com a do
locador, na espécie do art. 1.226. Ê preciso que se apontem os assuntos em que, a respeito de exercício de
direitos, se deu a divergência. 9 recebedor da declaração tem ação declaratória para afirmar 4ue não há
desacôrdo sObre exercício de direitos do autor ou do editor a respeito de futura edição, ou qualquer exercício de
direitos daquele ou dêsse, como pode declarar que admite a desconstituição ex nune.
A figura não é a de resolução, ou de resilição, muito menos a de rescisão, têrmo empregado com grande
infelicidade, mas sim a de denúncia cheia.
6.SOCIEDADES DE AUTORES PARA DEFESA. Sociedades para defesa dos direitos dos autores são
sociedades de autores. Pode-se pensar em sociedades mistas de autores e artistas executores, para defesa de
direitos autorais, porém nunca em sociedades de autores e editOres, ou de autores, executores e editOres ou
casas de execução ou diversões. Às sociedades em que há editôres ou casas de execução (e. g., diversões) falta
qualquer poder de representação que se origine da Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro de 1955, ad. 1.0. Por isso
mesmo, quando no art. 1.0 da Lei n. 2.415 se diz “compete exclusiva-mente ao próprio autor ou à sociedade
legalmente constituída para defesa de direitos autorais, à qual o autor for filiado”, estabeleceu-se que: ou a) o
autor entregou a defesa dos seus direitos à sociedade que tem tal fim; ou b) o autor se reservou a defesa dos
seus direitos. Não pode haver, depois do art. 1? da Lei n. 2.415, qualquer poder de representação conferido a
pessoa jurídica que não seja sociedade composta de autores, no amplo sentido (incluídos os executores que têm
direitos autorais de execução, cp. Tomo XVI, § 1.880, 6).
Se a sociedade que se diz para proteção dos direitos autorais contém sócios que são editOres ou empresas de
execução (teatros, clubes, casas de diversões , sociedades de execução musical), dentro dela mesma está colisão
de interesses, que a torna essencialmente inadequada à finalidade que a lei provê para a representação dos
autores. iQ autor pode constituir advogado (representação postulacional), não pode atribuir representação de
direito material a quem quer que seja, exceto a sociedade que tenha por fim defender titulares de direitos
autorais. Se acontece que a questão é entre pessoas que se dizem titulares de direitos autorais (~ que se
disputam a titularidade dos direitos autorais), a sociedade não pode representar a um membro contra outro. A lei
supõe a sociedade volvida para os que têm pretensões, obrigações ou ações contra os sócios e na defesa das
pretensões e ações dos sócios ou nas ações que contra os sócios se propuserem.
A Lei n. 2.415, de 9 de fevereiro de 1955, art. 12, estatuiu: “A outorga, no território nacional, da licença autoral
para a realização de representações, execuções públicas e teletransmissões pelo rádio ou televisão, de que
tratam os arts. 42 e 43, § 1.0, do Decreto n. 18.527, de 10 de dezembro de 1928, e 88, do Decreto n. 20.493, de
24 de janeiro de 1946, compete exclusivamente ao próprio autor ou à sociedade legalmente constituída para
defesa de direitos autorais, à qual o autor fOr filiado e que o tenha registado na forma do art. 105, § 1.0, do
Decreto n. 20.493, de 24 de janeiro de 1946” (Tomo XVI, § 1.880, 6).
Trata-se de lei de proteção dos autores, sempre que se trata de representação, execução pública, ou
teletransmissão pelo rádio, ou televisão.
A função da sociedade protetora é de exercício de poder de representação, ou de Poderes de representação, que
se exerce conforme as regras legais e as regras estatutárias. Cumpre, de início, verificar-se se a sociedade, de
que se trata, pode ser outorgada de tal poder de representação, ou de tais Poderes de representação. Se à
sociedade não podia ser atribuido o poder de representação, ou se não podiam ser atribuidos os Poderes de
representação, é nula a outorga. Se isso ocorre, não se irradia qualquer poder, direito, ou dever.
CAPÍTULO IV
1.CAUSAs DE Extinção O direito de edição, ou, descendo-se à menção dos seus elementos, os direitos do
editor extinguem-se: a) pelo advento do têrmo resolutivo ou da condição resolutiva; b) pela preclusão do direito
de propriedade intelectual (Código Civil, art. 649, §§ 1? e 2.0), em virtude de expiração do prazo, findo o qual o
bem incorpóreo se torna res communis omnium (dai em diante os direitos que o editor exerce são oriundos da
comunidade do direito dominical e pois do exercício); e) pela perda irreparável do original ou da cópia
reproduzível; d) pela desapropriação do direito de edição; e) pela decretação da rescisão (Código Civil, arts.
1.101-1.106), ou da resolução ou resilição do contrato ou denúncia cheia (art. 1.092, parágrafo único, e 1.351) ;
1) pela incidência do art. 32 da Lei n. 5.492, de 16 de julho de 1928; g) pelo distrato.
2.PERECIMENTO DA OBRA. Se, após a entrega dos originais ou da cópia reproduzível, perece a obra, o
editor deve os honorários. Perece a obra se é irremediável a perda. Se o autor tem outro exemplar, a posse do
bem incorpóreo é comum e pode o editor pedir a exibição, com indenização de despesas. Se o autor não tem
outro exemplar, a responsabilidade do editor é pela perda do bem corpóreo e pela perda do bem incorpóreo;
portanto, pelos honorários e o valor dêle. Se o autor se presta a refazer o trabalho, pode o editor aceitar a oferta,
sem por isso se eximir de indenizar os prejuízos resultantes da perda, embora reparada.
Se a perda foi somente do bem corpóreo, por ter o autor cópia reproduzível, pode êsse apresentar a obra
(inclusive consigná-la em juízo), exigindo indenização.
Se há perda de exemplares depois de lançada a edição, sem ser por culpa do autor, não tem o editor direito a
tirar novos exemplares com que complete a edição. Os exemplares remetidos para venda não podem ser
substituidos, se se perdem. Não pode substituir os próprios exemplares destruidos em armazém, salvo se foram
previstos exemplares de reposição, ou se, tendo havido tiragem a mais, não estavam rubricados ou numerados.
Os honorários devidos por exemplares vendidos hão de ser pagos pelo editor se não os pode repor. Se os
honorários não eram por exemplares vendidos, o autor tem pretensão a que o editor os reproduza e lance no
mercado.
3.RENÚNCIA À PROPRIEDADE INTELECTUAL. No caso de renúncia pelo titular do direito de
propriedade, o bem incorpóreo cai no domínio comum (Tomo XV, § 1.783, 1): os contratos de edição com
eficácia contra terceiros não são atingidos. A renúncia pode ressalvar o contrato de edição.
O esgotamento da edição ou das edições funciona como determinação mexa: esgotada a edição, extinguem-se
os direitos do editor. O contrato pode ser para uma ou mais edições.
4. ESGOTAMENTO DAS EDIÇÕES. Se o contrato de edição é para uma edição, duas ou mais, entende-se
que só se extinguem os direitos do editor quando se esgota a edição, ou se esgota a última edição a que tinha
direito o editor. No art. 1.849 do Código Civil explícita-se: “Enquanto não se esgotarem as edições a que tiver
direito o editor, não poderá o autor dispor da obra no todo, ou em parte”. A regra jurídica é dispositiva. Os
contraentes podem estabelecer que, a despeito de se tratar de direito a uma ou mais edições, êsse se extinga no
fim de determinado tempo, ou se ocorrer algum fato. Então, o autor fica livre do contrato, mesmo quando os
exemplares ainda não estejam vendidos.
5.LEI N. 5.492, DE 16 DE JUNHO DE 1928, ART. 32. No sistema jurídico brasileiro, o art. 32 da Lei n. 5.492
exerce papel importantíssimo: “A propriedade autoral de qualquer obra literária, científica ou artística,
adquirida por editor ou por terceiro, considera-se perempta e cai no domínio comum:
1.0, quando, decorridos seis anos, contados da data da aquisição, não tiver sido editado ou publicado o livro ou
obra de arte; 2.0, quando, esgotada uma edição, a que se lhe deveria seguir não for reproduzida no prazo do
número anterior”.. O art. 32 foi comentado, amplamente, no Tomo XV, § 1.856, 7.-Se o direito não exercido foi
o de edição (art. 32, § 2.0), dá-se-a preclusão, sem a comunização.
6.DENÚNCIA CHEIA, SE HÁ DIREITO A OUTRA EDIÇÃO . No sistema jurídico brasileiro, há regra
jurídica sem qualquer correspondência em legislação comparada, a do art. 1.351 da Código Civil: “No caso de
nova edição ou tiragem, não havendo acOrdo entre as partes contratantes sObre a maneira de exercerem seus
direitos, poderá qualquer delas rescindir o contrato, sem prejuízo da edição anterior”. A regra jurídica do art.
1.351 cogita de direito de denúncia cheia, oriundo de lei, e não de cláusula contratual. Supõe-se que o autor
haja atribuido ao editor duas ou mais edições, inclusive tOdas.
Autor e editor podem contratar as edições que quiserem. Todavia, é preciso que, no exercerem seus direitos,
editor e autor permaneçam de acOrdo. Se discordância surge, o Código Civil, art. 1.351, em vez de empregar a
figura jurídica da revogação, como fêz a propósito do mandato (Código Civil, arts. 1.310, 1, 1•a parte, 1.818, 3,
e 1.319), ou a da “renuncia como ocorreu com a sociedade (Código Civil, arts. 1.399, V, e 1.404), lançou mãe
da figura da denúncia cheia (imprOpriamente dita, no art. 1.851 do Código Civil, “rescisão”, verbo
rescindir”). A finalidade de evitar discrepâncias capitais já vinha da Lei n. 496, de 1.0 de agosto de 1898, art.
4•O, § 2.0:
“Fica sempre salvo ao autor, por ocasião de cada edição reaver seus direitos sObre ela, contanto que restitua ao
cessionário do que dêle houver recebido em pagamento metade do valor líquido da edição anterior”. No Projeto
de COELHO RODRIGUES, ad. 850, § 8.~, o mesmo pensamento influiu na técnica legislativa brasileira e em
sentido mais próximo daquilo que iria estabelecer, vinte anos depois, o Código Civil: “No cáso de nova edição
ou tiragem, havendo desacordo das duas partes, sObre o modo de exercerem os respectivos direitos, cada uma
delas poderá rescindir O?> o contrato, não obstante qualquer pena convencional; mas sem prejuízo da edição
anterior, se não estiver esgotada e se o autor não quiser comprar os exemplares restantes, pagando-os à vista
pelo preço corrente, deduzida a comissão concedida aos agente?’. CLÓvIS BEVIL.ÁQUA, no Proisto
primitivo, art. 1.488, seguiu a mesma rota: “No caso de »ova edição ou tiragem, havendo desacôrdo das duas
partes contratantes sObre o modo de se exercerem os seus direitos, cada uma delas poderá rescindir (?) o
contrato, mas sem prejuízo da edição anterior, se não estiver esgotada”.
Trata-se de direito formativo extintivo.
7. DISTRATO. Se sobrevém distraio, já impressa a obra, ou já reproduzida a obra plástica, tem-se de saber
qual o pactado quanto ao que já foi vendido. Se nada se pactou, reduz-se proporcionalmente a remuneração
quanto ao que foi vendido (A». ISENSCHMID, Das Verlagsrecht an Werken der bildenden Kunst und der
Verlagsvertrag, 287). Idem, se a obra é publicada por partes.
8.DOMÍNIO PÚBLICO E EDIÇõES. Se na obra que caiu no domínio comum foram acrescentadas notas, que,
por exemplo, a ponham em dia, o contrato de edição sOmente concerne a essas notas. O outorgante não poderia
dar o uso de direito que não tem. O editor usa o que é de todos e o que o outorgante lhe entregou, por ser autor
das notas.
1.GARANTIAS EVENTUAIS. No caso de falência do editor, ou o autor recebe garantia do cumprimento das
obrigações do editor, ou exerce a pretensão formativa extintiva do art. 1.902, parágrafo único, ou o direito
formativo extiutivo do art. 1.351 do Código Civil, se se trata de nova edição.
2.DIREITO FALENCIAL. O contrato de edição é bilateral. Não se resolve com a decretação de abertura de
falência do credor e pode o síndico cumprir o que incumbia ao editor falido, se lhe parece conveniente para a
massa (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 43). O autor ou quem
fêz o contrato com o editor, ou sucessor do autor ou de quem fêz o contrato com o editor, pode interpelar o
síndico,para que, dentro de cinco dias, declare se cumpre, ou não, o contrato (Decreto-lei n. 7.661, art. 48,
parágrafo único)
“Â declaração negativa ou o silêncio do síndico, findo êsse prazo, dá ao contraente o direito ã indenização, cujo
valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário”.
Título XLV
CAPITULO 1
CÁPITULO II
3.OBJETO. O objeto é a peça teatral, ou parte dela, ou algumas ou tôdas as peças do mesmo autor, ou a
música, ou parte dela, ou algumas ou tôdas as músicas do mesmo compositor, ou a peça fílmável, ou parte dela,
ou algumas peças filmáveis, ou tôdas as peças filmáveis do mesmo autor. Se há autores de partes, ou autores da
peça e da música, o contrato pode ser um só, com pluralidade de outorgantes, ou haver dois ou mais contratos,
com a suposição ou a referência explícita a utilização em conjunto.
O que constitui o bem incorpóreo pode já estar feito, ou em elaboração, ou estar ainda por fazer-se, ou haver o
tema ou o esbôço.
4. INSERIVEIS NOS CONTRATOS. Nos contratos de exploração de direito autoral, as cláusulas inseríveis e
as mais usuais são as mesmas que se podem inserir e com frequência se inserem no contrato de edição.
1. ENTREGA DO ORIGINAL. Chamamos, em geral, original ao que o autor ou outro titular do direito autoral
de exploração entrega ao empresário para a execução, exibição ou representação. O elemento material é objeto
de tradição, da transferência da posse do bem corpóreo, mas tem significação
especial pela outorga do direito de exploração. A essa outorga há de servir o original, porque outorgar o direito
de exploração com a entrega de original insuficiente, ou com defeitos que o tornem ruim, é prometer sem
cumprir.
2.CONSEQÜÊNCIAS DA ENTREGA SATISFATÓRIA. A entrega satisfatória é solução da dívida do
outorgante do direito de exploração, sem que isso pré-exclua deveres de alteração recomendáveis pelo exame
posterior, ou por exigências de ordem pública, ou de evitamento de má utilização do original. Em tudo isso, há
de haver a concordância dos interessados, ou a exigência por um dos figurantes há de ser examinada em juízo,
para que se lhe apure ser razoável ou irrazoável. No Código Civil, art. 1.359, diz-se: “O autor de uma obra
dramática não lhe pode fazer alterações na substância, sem
•acôrdo com o empresário que a faz representar”. O acôrdo é para as alterações na substância, e não para as
simples correções ou mudanças que não desfigurem a obra, e por alterações de substância não só se entendem
as que alcance como as que só atinjam a forma. Por onde se vê quão pouco acertado foi referir o art. 1.859 a
“substância”. O art. 598 ~e § 1.0, do Código Civil português, que inspirou o texto brasileiro, fôra mais feliz, a
despeito do adjetivo “essencial”. ‘Xl autor dramático, que contratou a representação da sua obra, goza dos
seguintes direitos, se os não tiver renunciado expressamente: 1.0) De fazer na sua obra as alterações e emendas
que entender serem necessárias, contanto que, sem consentimento do empresário, não altere alguma parte
essencial dela”.
Uma vez que houve a entrega, a alteração necessária dá ao autor a pretensão a que se lhe dê a posse imediata do
original, para que, dentro de prazo razoável, altere o original. Se foi entregue uma das cópias, tendo o autor
outra, a alteração pode ser comunicada, ou passada à cópia entregue, mediante troca dos exemplares, ou em
presença do empresário.
1.RETRIBUIÇÃO. Em princípio, o que foi dito sobre o editor (Título XLIV, §§ 4.833-4.835) é invocável a
respeito dos empresários de exploração dos outros direitos autorais.
2. NOME DO AUTOR. A necessidade da referência ao nome do autor, ou aos nomes dos autores e a vedação
de ocultar, ou alterar, ou fazer qualquer alteração do nome do autor, ou dos nomes dos autores, são corolários
do respeito ao direito autoral de personalidade. Não derivam do contrato de exploração; por isso mesmo,
qualquer permissão -de ocultar, ou alterar, ou mudar o nome ou os nomes dos autores, por parte do titular do
direito autoral de exploração que não-é o autor, é sem qualquer eficácia.
8.Diz-se no art. 1.862 do Código” Civil: “Sem licença do autor, não pode o empresário comunicar o manuscrito
da obra a pessoa estranha ao teatro, onde se representa”. Cf. ‘Código Civil português, art. 598, § 2.0, que-se
refere ao direito, que tem o autor: “De exigir que a obra, sendo manuscrita, não seja comunicada a pessoas
estranhas ao teatro”. Manuscrita ou dactilografada, ou de outro modo enformada, desde que não exposta à
venda ou distribuída. Não há dever de sigilo se a obra foi publicada ou distribuída. A leitura em círculo fechado,
ou aberto, não é publicação que afaste-a incidência do art. 1.362.
2.DESCONSTITUIÇÃO Pode ocorrer a extinção do contrato pela decretação da nulidade, ou pela anulação,
ou pela resolução ou resilição por inadimplemento, ou pela rescisso. Ou, ainda, pela denúncia cheia. Não cabe,
todavia, invocação do art. 1.351 do Código Civil.
A denúncia cheia, por parte do autor, somente é admissível se há razão para que se não possa permitir a
representação ou exibição, por defeitos evidentes dos autores, musicos ou atôres cinematográficos.
Título XLVI
EMPREITADA
CAPITULO 1
1.PRECISÕES. A obra pode consistir em criar, modificação, aumentar, diminuir, ou destruir algum
bem, ou parte do bem. Para obter-se o resultado que se quer, ou se exigem serviços, que se
prestem como serviços, ou se exige a obra, de modo que os serviços apenas ocorrem como meios
para o resultado que se quer. De modo que a prestação é de obra, e não de serviços.
A empreitada pode ser com ou sem o fornecimento dos materiais pelo empreiteiro. Não importa se só
alguns materiais são do empreiteiro, nem se o empreiteiro é quem os compra e o empreitante paga.
A obra pode consistir em criar o bem que se quer, ou em destruí-lo, ou em modificá-lo. Há, por
exemplo, respectivamente, a empreitada para edificar a casa, ou para tirar o cômoro ou a mata e jogar no
mar, ou no rio, ou queimar, como há a empreitada para fazer mais um andar no prédio, ou apenas
para o pintar. A prestação de serviços não é devida como serviços, mas pelo resultado. Os serviços, na
empreitada, apenas são meios para se obter aquilo que se prometeu. De modo que o que se prometeu e
se deve é o resultado, e não os serviços. Por isso mesmo, em princípio, não se exige que o empreiteiro
faça, pessoalmente, a obra. Em todo o caso, há obras para as quais o que mais importa é que seja feita
pela pessoa que a empreitou. É o que se passa com o edifício que se deseja construido pelo
arquiteto-construtor B, ou pelo construtor C,que se reputa o mais apto à construção que o arquiteto A
planejou. Tratando-se de obras de arte, ou de obras literárias, inclusive de traduções, o nível do
empreiteiro é da maior relevância, por vêzes pelo fato de ser de valor a nominação.
Quais as exigências para que o resultado satisfaça o empreitante, di-lo o contrato, com as
circunstâncias do caso e os usos. O empreiteiro, que fêz obra para o empreitante, tem de fazer a
nova obra, de que se incumbiu, com o mesmo cuidado e materiais da mesma qualidade, salvo se foi
estabelecida alguma diferença, ou se resulta de mudança de circunstâncias, conhecidas
pelo empreitante.
2.CONCEITO. Empreitada é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante remuneração, a fazer
determinada obra, ou mesmo obra determinável (e. g., a obra, nas terras de A, que o empreiteiro entendeu mais
próprias à estrada até ao cume da serra, ou o ascensor elétrico, ou outra solução que seja aprovada pelo Estado).
Oempreitante é o dono da obra ou o incumbido de contratar a empreitada (e. g., o locatário do prédio que se
vinculou a contratar, em seu nome, por sua conta, ou por conta do locador, a obra). Empreiteiro é quem se
vincula a fazer a obra, com independência econômica, e não como simples trabalha. dor subordinado.
No que concerne à estrutura da obra, qualidade de materiais, ou quaisquer dados qualitativos ou quantitativos, o
contrato e as circunstâncias da espécie de obra, ou da obra como bem individualizável, é que determinam o
conteúdo dos deveres do empreiteiro. Não está êle exposto a instruções que lhe tirem a independência e não se
liguem aos termos do contrato.
O empreiteiro há de executar a obra como seria de esperar-se das suas qualidades e nível de profissão e de
especialidade. A responsabiliddae quanto ao resultado e à segurança do resultado, é sua.
Lê-se no Código Civil, art. 1.237: “O empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela ou só com seu trabalho,
ou com ele e os materiais”.
O resultado é a obra, mas os contratantes podem estabelecer que só se há de considerar obra feita a do resultado
favorável. Não há solução a priori. Algumas obras só se têm como feitas se o resultado foi favorável. Outras
não se prometem com a favorabilidade do resultado, salvo se foi estipulado. É o que acontece, de ordinário,
com os advogados que se incumbem de causa até o final, ou de defesa de algum resultado, e com os médicos,
que não prometem a cura (GUSTAV RÍIMELIN, Diensvertraçi und Werkvertrag, 306; EDWIN RIEZLER, Der
Werkvertrag nach dem BGB., 24). De modo que se tem por finalidade o resultado, mas a obra pode ser
executada sem que o resultado seja favorável, razão por que não se pode dizer que o bom resultado seja
pressuposto necessário. Entre o querer-se e o obter-se há, em dadas circunstâncias, mas principalmente pela
natureza da prestação, discordabilidade fáctica. A referência ao resultado, em vez de ao serviço, é relevante para
se distinguir da locação de serviços a empreitada. Aliás, a empreitada, mesmo quando o empreitante dirige a
obra, não torna subordinado o trabalho. A direção só se concebe se não apaga a distinção entre locação de
serviços e empreitada. Aquela direção é mais objetiva do que subjetiva; não pode eliminar a autonomia do
trabalho, que caracteriza a empreitada. Tudo isso se reflete na regulação dos riscos, que, na empreitada. são do
empreiteiro, devedor da obra, e não do empreitante, credor do trabalho que execute a obra.
Se o contrato a que se deu o nome de contrato de empreitada não deixa autonomia ao empreiteiro, de
empreitada não se há de falar. Não há nulidade; a figura é outra, quase sempre a da locação de serviços.
Por outro lado, não retira à empreitada a sua característica o fato de não haver projeto, nem instruções, como se
o empreitante apenas disse qual o pêso ou a medida do anel de ouro, ou qual a medida e qual o pêso.
Os contratos de transporte sempre que se promete a chegada de pessoas ou de bens ao ponto do destino
(resultado), ou se promete transportar até onde o queira o outorgado, é contrato de empreitada. Regras jurídicas
especiais levam a tratarem-se os transportes como contratos distintos, de modo que sómente na falta daquelas
regras jurídicas é que são invocáveis as regras jurídicas da empreitada.
A iluminação temporária de edifício, locais ou estradas, é objeto de empreitada. O contrato de fornecimento de
energia elétrica é contrato de compra-e-venda (cf. Tomos II, § 153; 1, § 1.112, 1; XI, § 1.179, 3; XV, §§ 1.656,
2, 4, e 1.821, 4; XVIII, §§ 2.209, 2, e 2.219). Não basta dizer-se que se há de tratar como o contrato de compra-
e-venda (e. g., L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lehrbuch, II, 495), nem cabe pensar-se em empreitada (e.
a., PAUL OERTMANN, cl. A. SCHLECHT, Vertrãge Ober Lieferung elektr. Strbme, Seuffert Blãtter, 67, 84 s.,
31 s.), ou em locação de coisa (PFLEGHART, Etektrizitãt ais Rechtsobjekt, 291 s.).
O contrato de construção é empreitada, mesmo se o incumbido nenhum trabalho pessoal presta.
Os contratos de confecção pelo incumbido, ou por outrem,mesmo se o incumbente fornece osmateriais, são
empreitadas.O contrato de aquisição de automóvel, ou outro veículo, já usado, com o encargo de consertos
dentro do mesmo preço,é compra-e-venda. Se há separação dos preços, há dois contratos, um de compra-e-
venda e outro de empreitada.
O contrato de compra-e-venda de máquina com o dever de montá-la não se desnatura. A prestação de obra é
secundária.
O direito brasileiro, com a fixaçãoda terminologia (“empreitada”) evita que se discorra sobre a diferença entre
locação de serviços e empreitada. Por outro lado, abstraiu da diferença entre empreitada prevalentemente
pessoal e empreitada por empresa, evitando artificialidade que vai a ponto de se falar de empreitada e de
contrato de obra como se a qualidade do sujeito outorgante pudesse mudar a estrutura do negócio jurídico. Cp.
Código Civil italiano, arts. 1.655 e 2.222.
O carroceiro e outros contratantes semelhantes, que prestam transporte, empreiteiros são, e não locadores de
serviços (4.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de fevereiro de 1948, 1?. dos T., 143, 102;
2~a Câmara Civil, 81 de agôsto de 1948, 176, 705: “Na empreitada, o contratante trabalha sob sua exclusiva
responsabilidade, por sua conta e risco”; sem razão, a 2.~ Câmara Cível do TribunAl de Apelação do Rio
Grande do Sul, a 4 de dezembro de 1940, A. J., 57, 200).
O trabalho por tarefa, sem autonomia, não é empreitada (2.~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio
Grande do Sul, 1.0 de abril de 1942, R. F., 90, 790).
Se o contratante se vinculou a preparar partes em determinada área, ou plantar cafêzal, ou derrubar matas, ou
remover terras, ou colhêr os frutos da safra, uma vez que tem de dar a obra pronta, mediante remuneração, o
contrato é de empreitada (6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,25 de junho de 1948, R. dos T.,
176, 269).
Considera-se empreitada o contrato pelo qual o fazendeiro entrega a terra a alguém, que é “quem roça e derruba
e queima, descoivara, faz as covas, semeia e carpe, tudo correndo por sua conta”. (Juízo de Lucélia, 20 de
fevereiro de 1947:
“Entre as linhas do cafêzal, o empreiteiro planta arroz, milho, e feijão, que colhe anualmente. É daí que êle tira
o suficiente para a sua mantença e para solver as dividas contraídas. O seu lucro em verdade está nos frutos do
café que êle aguarda, sofregamente , no quarto ano da empreitada. Entretanto, a produção do quarto ano é
incerta; a quinta, regular; a sexta, boa. Daí porque, em regra, os contratos são por seis anos. Então é que o
empreiteiro recebe propriamente a paga do seu trabalho: a produção do sexto ano. Feliz, entrega o cafêzal
formado e vai-se à procura de outra empreitada. É contrato assaz interessante, porque incita o empreiteiro a pôr
tôda a sua diligência na formação do café, tendo em vista que dêste é que lhe vem o lucro. Sendo caso típico de
empreitada, o art. 1.220 do Código Civil não se lhe aplica”. A sentença do juiz NÉLsoN PINHEIRO FRANCO
foi confirmada pela 6~a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 29 de agôsto de 1947, 1?. dos T.,
170, 169).
Se o empreitante obteve redução do preço, pela pretensão~ quanti minoris, ou outra razão, o empreiteiro
somente tem. a pretensão à redução do preço, proporcional à redução que foi feita. Se a redução foi voluntária,
dita amigável, pode o subempreiteiro impugná-la, caso em que a ação tem de ser proposta contra êle. Se o
empreiteiro foi condenado à eliminação do defeito, ou a fazer outra obra, o empreiteiro pode exigir o mesmo, a
que foi condenado, ou a redução proporcional do preço; não a resolução do contrato. Convém, todavia, frisar-se
que não há em princípio coisa julgada contra o subempreiteiro, se não se prrestabeleceu tal eficácia.
Se o empreiteiro foi vencido na ação de redibição ou na de resolução que contra fôra proposta, pode propor
contra o subempreiteiro a mesma ação, ou a de redução do preço. No caso de resolução, ou de redibição, a
quantia há de ser proporcional à parte do subempreiteiro.
Sempre que o empreiteiro tem de exercer pretensão contra o subempreiteiro, com invocação de fundamentos
que o empreitante aduziu, tem de comunicar-lhe o ocorrido. Com isso, dá êle oportunidade ao subempreiteiro
para defender-se, em juízo ou fora dêle, e pode interromper o curso da prescrição. Trata-se de ônus.
De ordinário, é o empreiteiro quem entra com os materiais para a obra. Para que isso não ocorra, é preciso que
se haja convencionado que o empreitante forneça todos os materiais, alguns ou determinado material. Na
construção de edifícios, a regra é que o empreitante seja dono ou possuidor do terreno; mas isso de modo
nenhum significa que é exceção ao princípio de serem inclusos na prestação do empreiteiro os materiais.
Apenas se empreitou o edifício, que coincide ser em cima ou dentro ou por sobre o terreno, O que o empreiteiro
tem de fazer para ser executável a obra, sem ser parte da obra (ser parte da atividade não é ser parte da obra),
não é material (e. g., as terras ou pedras que teve de retirar, as demolições, a estrada que teve de abrir para
acesso dos caminhões, as caixas-d’água para a preparação das massas). Para que essas atividades não sejam do
empreiteiro, é preciso que o empreitante as tenha pôsto de parte, para êle mesmo exercê-las, ou dar a outrem
(por empreitada, ou não) a incumbência.
Deve-se evitar a expressão “empreitada por administração” para se designar a empreitada de lavor (e. g., Luis
CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, VII, 614; 43 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do
Distrito Federal, 20 de fevereiro de 1940, A. J., 53, 446). Na feitura de obra por administração> não há a
autonomia do empreiteiro (cf. 23 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 1.0 de abril de
1942, 1?. F., 90, 790).
3.MATERIAL COM QUE SE FAZ A OBRA CRIATIVA, Extintiva OU MODIFICATIVA. Se os materiais têm
de ser fornecidos pelo empreiteiro, permanecem, quanto à propriedade, como se acham. Não há qualquer
transferência de direitos para o capitalista. Pode ser que sejam de empreiteiro, o que é de supor-se; mas pode ser
que não no sejam (não pertençam ao empreiteiro, nem ao empreitante, como se o empreiteiro empregou na obra
o que ainda não adquiriu, cf. Código Civil, arts. 611-614, 615-617). Em tais casos, o empreitante tem o
propósito de adquirir a obra feita, incluída a propriedade do material, que se integrou na obra, ou a ela se ligou
como pertença. O empresário tem de entregar o que se fêz com o material e a mão-de-obra e a atribuir ao
empreitante a propriedade. A prestação,no tocante ao material, evidentemente é como a do vendedor, porém há
o plus, que é a mão-de-obra.
Aqui, cumpre que se atenda a distinção sutil. Se o interessado em adquirir o bem fabricado escolhe conforme
catalogo, o bem é fungível: há de regra compra~e-venda de bem genérico. Não importa se o vendedor não
tinha, no momento, o que vender e teve de fabricar, ou encomendar a terceiro. As regras jurídicas gerais sobre
vícios do objeto é que são invocáveis. Se ficou estabelecido que determinada pessoa fabricana o objeto, então
há empreitada.
Se a obra há de ser feita com materiais do empreiteiro, mas é bem inlungivel, como o sapato, ou a roupa, sob
medida, ou o móvel, conforme desenho, ou medidas convencionadas. ou a fotografia do empreitante~ ou de
outrem, não se há de pensar em compra~e-venda. O elemento dêsse contrato é mínimo, pôsto que de certo
modo atenue a tipicidade da empreitada. £ o contrato de empreitada com a alienação de bens necessários, úteis
ou volupturios , para a obra (cf. Código Civil, art. 1.238). Na terminolOgia jurídica alemã, é o ~ contrato de
obra e fornecimento. Então, o empreiteiro tem de entregar os materiais, partes integrantes ou pertenças, como se
fôsse vendedor, de modo que os defeitos do sujeito e os defeitos do objeto têm regime como ocorre na compra-
e-venda. Em caso de pretensão do terceiro, os arts. 1.107-1.117 do Código Civil, sobre evicção~ são invocáveis.
No tocante aos vícios do objeto, as regras jurídicas sobre a compra~e~venda são também regras jurídicas que
incidem, salvo se a lei concebeu alguma regra jurídica especial (e. g., a do art. 1.238). o contrato de empreitada,
com fornecimento de materiais pelo empreiteiro, não é, nunca, contrato de compra~e~venda, porque a sua
finalidade não é a de aquisição dos materiais, mas a fabricação, a atividade do empreiteiro ou de quem trabalhe
para êle, a obra (VICTOR Ei{RENBERC, Kauf und ~erkvertrag, Jahrbiiúher fiir die Dogmatik, 27, 284 s.). o
empreiteiro está vinculado a prestar obra, que seja criação de bem, extinção de bem, ou modificaçãO de bem,
conforme os dados qualificativos e quantitativos que foram convencionados, explícita, implícita ou tàcitamente,
ou que a lei exige. Se não presta como resultaria da promessa.
infringe dever contratual, é devedor que não adimpliu, ou que não adimpliu satisfatôriamente.
Há contratos em que a prestação de obra, sem que deixem de ser contratos de compra-e-venda, como ocorre
com a compra de roupa feita, se o vendedor tem de fazer a adaptação (a diminuição do tamanho da manga do
palitó, o alargamento ou estreitamento da gola, a mudança dos botões que não agradam ao freguês, a gravura do
nome no relógio, ou a troca de peça no objeto comprado). Aí, a compra-e-venda passa à frente.
Qualquer fornecimento há de ser para emprêgo na obra, compreendendo-se nela, mesmo quanto a determinadas
pertenças (e. g., o apartamento há de ser entregue com os candelabros e as outras pertenças da eletricidade). Se
algum fornecimento é fora da incumbência da obra, há compra-e-venda, e não empreitada.
Os materiais quase sempre são determinados genéticamente. Se é o empreitante que os fornece, os bens
fungíveis, que êle entregou, infungibilizaram se diante do empreiteiro. Quer dizer: o empreiteiro não pode
servir-se dêles, para depois repor o que dêles tirou. Se foi o empreiteiro que os prestou ou é êle que os tem de
prestar, a infungibilização somente ocorre se houve aprovação do pelo empreitante, ou se foram
definitivamente empregados na obra. Se o empreitante permitiu a substituição do que entregou, aquilo que fôr
pôsto no lugar do que o empreiteiro retirou, ou foi encomendado, expressa-mente, para substituir, é propriedade
do empreitante. A inserção daquilo que o empreitante forneceu na obra que se está fazendo, ou passou a ser
parte integrante do bem, ou pertença, se a obra é de modificação, proprietário dela (ou possuidor
-empreitante) é o empreitante. Se é de criação, a solução depende da principalidade do que é de propriedade do
empreitante: se a obra é edifício, qualquer material, que nela se insira, passa a ser do dono do terreno; se a
empreitada é de fabricação de mobiliário, o próprio bem fornecido pelo empreitante se torna propriedade do
empreiteiro, salvo se o que o empreitante fornece é principal (o diamante, para se fazer o anel de ouro; a peça
antiga de porcelana, ou de metal, para ser embutida na porta do armário).
Se os materiais têm de ser fornecidos pelo empreitante,•hão de ser entregues nos prazos ou dias fixados; se
não se falou de prazos, ou de dias, a entrega tem de ser a tempode serem utilizados. Não pode remeter antes de
tempo o quepode ser danificado nas obras, ou devido à qualidade mesmado material. O empreitante pode
sempre verificar a qualidade e a quantidade dos materiais fornecidos pelo empreiteiro. Na doutrina brasileira,
CLóvís BEVILÁQUA, cogitando da espécie em que o empreiteiro fornece os materiais, considerou contrato
misto (contrato de serviço e de compra-e-venda). Tal afirmação não é necessária para se concluir que o
empreiteiro tem de pagar o impôsto de vendas e consignações do constru-tor, como se poderia tirar do voto dos
relatores nas ações julgadas pela 2~a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 19 de julho de 1947 (R. F., 124,
428) e a 11 de novembro e a 23de dezembro de 1941 (A. J., 62, 259 e 261). Não há, na empreitada com
fornecimento de materiais, contrato misto. A alienação foi meio para o adimplemento do dever de fazer a obra.
Quanto ao impôsto de vendas e consignações, é imposto de nome impróprio, que abrange tôdas as operações
comerciais de alienação, e não só a compra-e-venda e a consignação. Se o empreiteiro fêz contratos de
fornecimento de mate-riais ou de serviços e deixou de cumpri-los, em princípio o empreitante não responde
pelo adimplemento (cf. 1~a CâmaraCivil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 26 de maio de 1941, R. dos T.,
135, 674). Os terceiros têm de ir contra o empreiteiro, que responde pelo inadimplemento e se expõe aque a
execução forçada recaia na obra em andamento, se o bem principal é seu. Não pode haver, por exemplo,
penhora do anel, que êle já fêz com ouro que comprou e não pagou, se apedra preciosa é do empreitante. Aliter,
se a pedra é do empreiteiro, porque o bem ainda é seu. O empreitante há de ser considerado, salvo prova em
contrário, pessoa de boa fé. Se a obra consiste em edifício em terreno do empreitante e o material, que o
empreiteiro comprou, já se incorporou à obra, a penhora não pode atingir êsse material, porque já se deu a
aquisição pelo terceiro de boa fé. AI, a obra não é somente destinada ao empreitante, é em bem do empreitado.
Em virtude do contrato de empreitada e da inserção na obra, o empreitante adquiriu a propriedade. Nada tem
isso com o eventual inadimplemento do preço pelo empreitante, nem com a tradição da posse imediata pelo
empreiteiro (sem razão, por faltar a precisa noção da posse própria mediata que aí tem o empreitante, LUnovíco
BARASSI, Ii Contratto di lavoro, 1, 536, e II, 456; Luíoí Annsn, Trattato delia Locazione, IV, 2.’ ed., 622).
Quando o empreitante entregou o terreno ao empreiteiro só lhe transferiu a posse imprópria imediata, e não a
posse própria: continuou proprietário e possuidor próprio mediato. Se a obra é de edifício de que conserva a
posse própria imediata, nem essa êle transferiu. As empreitadas de pintura e de consertos de instalações são
quase sempre assim.
4.PRESSUPOSTOS DO RESULTADO. Saber-se se a obra tem de ser feita pelo empreiteiro, pessoalmente, é
questão de interpretação do contrato. Pode resultar de manifestação de vontade do empreitante, ou da natureza
da obra, ou de qualidades do empreiteiro.
Uma vez que o que se promete é o resultado, e não o trabalho como tal, tem-se de entender, nas prestações
arriscadas ou dependentes de circunstáncias, que o empreiteiro satisfaz o que deve se pôs tOda a sua diligência
para a boa execução, sem ser de exigir-se o resultado favorável, O empreitante assume o risco, sem que o
negócio jurídico deixe de ser empreitada. Tal o que se passa, por exemplo, se alguém toma táxi para chegar ao
aeroporto antes da saida do avião e chega no momento em que não mais podia entrar, ou depois. Em verdade, o
conteúdo do contrato foi o de viagem até o aeroporto, sem a cláusula resolutiva de não se ter por incólume o
contrato se não se alcança o avião. A chegada a tempo é resultado mediato, que não se insere na prestação. Pode
acontecer que se insira, como se o viajante diz que paga tanto se conseguir a chegada, ou não paga (álea, que
atinge o empreiteiro), ou que paga tanto e, se o resultado ulterior é favorável, mais tanto.
O contrato concluído com o médico, mais freqúentemente com o cirurgião, pode ser empreitada. O que é
preciso é que se haja prometido a produção do resultado, e não a prestação de serviços. O cirurgião que faz o
preço x pela operação é empreiteiro, e não locador de serviços. O médico que promete
curar a asma por x, empreiteiro é. Mas há, também, a empreitada do médico ou do cirurgião sem alusão ao bom
êxito do resultado. O que se empreitou foi a operação-obra, ou o tratamento-obra.
Um ponto que se tem de pôr em relêvo quanto se aprofunda o estudo da empreitada está em que, fornecendo o
material, o empreiteiro não o vende prôpriamente, pois o acôrdo de transmissão da propriedade é como
prestação de empreiteiro, e não como prestação de vendedor. Daí a particularidade de não se poder cobrar o
material se a obra não foi feita (aliter, se o material foi fornecido pelo comitente).
CAPÍTULO II
Se não houve determinação do preço, nem referência a tarifa, ou uso, ou se fêz porém se não há tarifa nem uso,
ou os figurantes acordam em determinado preço, ou em arbitramento, ou êsse não se pode realizar, ou pedem ao
juiz a fixação, ao que êste atende após perícia.
Pode dar-se que um dos figurantes haja errado na determinação do preço. O êrro de preço. Não há
particularidade na questão. O êrro é êrro oposto ao conteúdo do contrato e rege-se pelos arts. 86-91 do Código
Civil (Tomo IV, §§ 430-437, especialmente § 437, 6; Comentários ao Código de Processo Civil, XI, 312, 334
8.; XII, 131).
2.INÍCIO DA OBRA E PRAZO PARA A ENTREGA. A tôda obra é necessário tempo. Se os figurantes não
estabelecerem prazo, ou data para a entrega, expressa ou implícita ou tàcitamente, qualquer dêles pode pedir
que o juiz o fixe, caso em que o pedido pode ser em ação de preceito cominatório, feita prêviamente a perícia,
se necessária. Na fixação têm-se de considerar a natureza da obra, a dos serviços e quaisquer outras
circunstâncias que possam influir na diminuição ou acréscimo do tempo usual para a execução. Circunstâncias
físicas, jurídicas <e. g., demora da licença fiscal) ou pessoais. Na fixação, pode o juiz considerar culposo o não
se ter iniciado a obra, para declarar o dever de indenização por parte do empreiteiro, a despeito de não
completar no prazo o que decorreu sem se ter começado a execução.
O próprio empreiteiro pode pedir a fixação do prazo pelo juiz.
O início do prazo, se não foi dito no contrato, é desde o dia imediato ao da conclusão do contrato. O empreiteiro
tem direito a iniciar desde logo as obras, embora no contrato se haja dito quando haveriam de começar, porque
o prazo é a favor do empreitante e o início antecipado lhe é favorável.
3.PROJETO. Chama-se projeto qualquer cláusula contratual de determinação do que se há de fazer, inserta no
instrumento do contrato, ou nêle referida, por ter sido feito em laudas à parte, que hão de ser assinadas ou
rubricadas. Não raro, após as punctações, os dois interessados acordam no que se há de executar, inclusive se
foi encarregado do projeto algum terceiro, ou alguns terceiros.
O projeto não é elemento necessário e a grande maioria das empreitadas são sem projetos, por ter sido
suficiente a determinação do que se quer. Todavia, se há projeto e os figurantes o aprovam, passa a ser conteúdo
contratual, O projeto pode ser objeto de direito autoral de exploração, que tem de ser respeitado pelo
empreitante e pelo empreteiro. A êsse, por vêzes, se atribui fazê-lo, ou obtê-lo, ou obtê-lo e prestá-lo. Se não se
disse que ao empreitante é que cabe entregá-lo para a obra, com as eventuais operações para o uso, o que se há
de entender, mesmo em caso de dúvida, é que o há de prestar o empreiteiro. Se é êsse quem o tem de fazer, ou
de conseguir, salvo cláusula expressa em contrário, nenhuma retribuição, fora do preço da obra, lhe deu o
empreitante.
O projeto é, quase sempre, escrito, ou já impresso, o que ocorre quando se trata de feitura de obra que consta de
catálogo, ou de figurino, ou de recorte de revista ou de jornal. Há, porém, a possibilidade do projeto oral,
inclusive gravado em disco ou filme. Não raro, é em parte escrito e em parte oral. O que é preciso é que se
possa ter como aprovado o conjunto. Se os pressupostos se compõem, o conteúdo ou a aprovação, ou o
conteúdo e a aprovação podem ser pelo silêncio de algum dos figurantes.
Como, a respeito das empreitadas, o empreiteiro pode executar, ao mesmo tempo, ou sucessivamente, muitos
contratos, é questão de interpretação saber-se se êle se vinculou, ou não, a só executar o projeto para o
empreitante. ~ o que dispositivamente se há de assentar sempre que o projeto proveio do empreitante.
As alterações no projeto podem ser alterações previstas, alteracões arbitrárias do empreiteiro ou alterações
permitidas. Às primeiras abriu-se no contrato a possibilidade, conforme os termos do negócio jurídico. Às
últimas o consentimento dos figurantes é posterior à conclusão do contrato. Quanto às segundas, são vedadas: o
empreiteiro responde pela defeituosidade da obra, ou pela desvalorização, ou por sua inadequação ou menor
adequação à estimação do empreitante, ou da pessoa para quem encomendou a obra. As alterações previstas e
as permitidas podem ser com elevação, ou com diminuição do preço, conforme foi preestabelecido, ou
conforme foi acordado.
Há as alterações necessárias não-previstas. Quanto a essa se não sobrevém acôrdo, cabe ao juiz determinar a
extensão e o preço ou a diminuição do preço.
A finalidade da obra resulta do contrato. Se houve apenas referência ao uso que teria, os usos são invocáveis.
Isso não impede que no contrato se especifique a utilidade, ou a alternatividade de utilidades, ou a utilidade
cumulativa.
Quanto à estrutura da obra, também o contrato há de caracterizá-la, sem que se afaste a integração subsidiária
dos usos, das regras de arte e de técnica. Têm-se de exigir, sempre, solidez e segurança da obra, O material
empregado é que dá a medida dessa solidez e dessa segurança; porém não só êle. A mão-de-obra exerce papel
considerável.
1. DEVER DE PRESTAÇÃO . O dever de prestar, que tem e empreiteiro, consiste em fazer a obra tal como foi
convencionada, conforme a lei e os usos, se não se precisou, explicitamente, como se haveria de fazer. O
empreitante pode exigir que o empreteiro inicie, como prometera, a obra, bem como envide os meios para que
se ultime com as qualidades e quantidades que seriam de esperar-Se.
Os vícios redibitórios, com o exsurgimento da pretensão redibitória, ou a quanti mnwflS, são quaisquer vícios
que revelem falta dos elementos quantitativos e qualitativos, que excluam o valor da obra, ou a sua utilidade
para o uso ordinário, ou para o uso que se apontou no contrato- O que mais importa é a finalidade do uso,
concretamente considerado. Não se trata, portanto, de responsabilidade como a do vendedor do bem específico,
porque o que prometeu não foi o bem, mas a obra. Desde que a obra não é a que fôra de esperar-se, dentro dos
principias jurídicos, dos usos e da convenção, viciada é. Foi por isso que a lei, em vez de deixar-se invocar o
que em geral se estatuiu sobre os vícios do objeto (Código Civil, aris. i.101-1.1Ó6), 1 anulou duas regras
jurídicas especiais: “Concluida a obra de acôrdo com o ajuste, ou o costume do lugar, o dono é obrigado a
recebê-la. Poderá, porém, enjeitá-la, se o empreteiro se afastou das instruções recebidas e dos planos dados, ou
das regras técnicas em trabalhos de tal natureza” (Código Civil, art. 1.242) ; “No caso do artigo antecedente,
segunda parte, pode o que encomendou a obra, em vez de enjeitá-la, recebê-la tom abatimento no preço” (art.
1.248).
2.RISCOS ATÉ A ENTREGA DA OBRA. Até a entrega da obra, se os materiais são fornecidos pelo
empreteiro, os riscos são dêle, e não do empreitante. Diz o ad. 1.288 do Código Civil: “Quando o empreiteiro
fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra a contento de quem a
encomendou, se êste não estiver em mora de receber. Estando, correrão os riscos por igual contra as duas
partes”. Cp. arts. 865 e 958.
Diz o Código Civil, art. 1.240: “Sendo a empreitada única-mente de lavor (art. 1.239), se a coisa perecer antes
de entrega.
Se foi admitida ou exigida a solução de nova obra, à entrega dessa inicia-se outro prazo para o exercício da
ação de redibição ou de redução do preço. A pretensão à correção de defeitos ou a feitura de nova obra é
pretensão ao adimplemento:
enquanto não se adimple não corre o prazo para a redibição ou a minoração do preço.
A defeituosa feitura da obra, inclusive pela má escolha dos materiais, ou pelos defeitos dêsses, pode ser causa
de outros danos que o do inadimplemento ruim, como se a escada se quebra e alguém cai, com ferimentos, ou
se, com a queda, arrebenta objetos de valor, O empreiteiro está sujeito a pagar a indenização, pela injraçdo
positiva do contrato, mesmo se já foi exercida a pretensão à redibição. Tal pretensão, nas espécies do art. 1.245
do Código Civil (edifícios e outras construções consideráveis) não tem o prazo preclusivo que se fixou para a
ação redibitória ou para a quanti minoris.
O atraso do empreiteiro em entregar a obra dá ensejo à ação de cobrança por inadimplemento ou a de resolução
ou de resilição do contrato. Pode porém acontecer que com a finalidade da obra não seja incompatível a purga
da mora pelo empreiteiro.
Cumpre ainda frisar-se que vale a cláusula de indenizar por defeitos ou falta de qualidades da obra, além do que
seria a indenização por inadimplemento
5.DEVER DE PAGAR OS MATERIAIS QUE RECEBEU E INUTILIZU POR CULPA. Lê-se no Código
Civil, art. 1.244: “O empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que recebeu, se por Imperícia os inutilizar”.
Se o estrago dos materiais foi fora da obra (zr antes de qualquer inserção ou embutimento), o empreiteiro paga
o preço ao empreitante, para que Me adquira outros materiais, preço que pode ter subido, e as despesas que a
compra suscitar, inclusive transporte, ou êle mesmo adquire o que substitua o que ficou estragado, ciente o
empreitante. Se o estrago dos materiais foi estrago de materiais já insertos ou embutidos na obra, dá-se o
mesmo, podendo o empreitante verificar se, com isso, não houve dano à obra.
A permíssão pode já estar em clâusula do contra que preveja os acréscimos e as alterações sem ser
necessariamente dentro do preço. No acórdão do 8.0 Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São
Paulo diz-se, com tôda a exatidão: “Não se trata de serviços novos executados no prédio depois de concluídas
as obras contratadas e entregue o prédio ao proprietário Os serviços foram realizados antes de terminada a
empreitada e antes da entrega do prédio. Ora, se não foram serviços novos, mas meras alterações no plano das
obras, ainda que sejam serviços extraordinários não é possível cobrá-los se não há escrita a respeito. ~ o caso,
pois, de aplicação do art. 1.246 do Código Civil. Não há que falar de embargado porque não se trata de outros
serviços, nem há prova de qualquer ajuste posterior” (cf. 1.~ Câmara Civil do Tribuna] de Apelação de São
Paulo, 21 de agôsto de 1945, R. dos T., 168, 214; 4.~ Câmara Civil, 25 de fevereiro de 1942, 138, 220).
É prova escrita o pedido de licença municipal para o acréscimo ou para a alteraçã o firmada pelo empreitante
(SA Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de junho de 1949, 1?. dos IÀ, 1181, 772). Não basta a
aposição de assinatura à planta (53 Câmara Civil, 25 de março de 1949, 180, 260), salvo se a planta é do
acréscimo ou da alteração especialmente. Não se exige pacto adjecto, com mirnicias (3•~ Câmara Civil do
Tribunal de Apelaçã0 de São Paulo, 2 de abril de 1940, 180, 107) ; o que é necessário é que se haja, por escrito,
autorizado ou aprovado. Com isso, o que a lei estabelece é a regra jurídica dispositivo de serem Inclusos no
preço da obra os acréscimos ou as alterações ~i.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 28 de
junho de 1958, 1?. dos T., 216, 418).
Tudo que acima dissemos sobre o empreiteiro também é de uso a propósito do arquite~0 que pretende
pagamento de acréscimos e alterações.
O art. 1.245 do Código Civil não só se refere a edifícios, São construções Consideráveis as de estradas, pontes,
navios.
O Código Civil referiu se a construções, e não a imóveis Diferente e Código Civil italiano ad. 1.669, que fala
de “altre cose irnmobili destinate per loro natura a lunga durata”. Se, em vez de se comprar, se empreitou a
construção de navio ou de algum veículo, que não seja de pequena atividade de construção, o art. 1.245 incide.
O que importa é que tenha havido, em se tratando de construção considerável, empreitado, e não compra-e-
venda ou troca.
Mesmo a propósito de bem imóvel, que se construa por empreitada, pode o art. 1.245 não ser invocável, como
se não foi destinado a longa duração (e. g., a menos de cinco anos>, como ocorre em se tratando de barraca, ou
de palanque, ou de ponte provisória, que teve de ser construída por empreitada para qualquer finalidade
ocasional. A provisoriedade da construção afasta a incidência do art. 1.245, tanto mais quanta o uso por cinco
anos ou por mais de cinco anos não foi previsto.
A construção considerável pode consistir em parte do edifício já construído (e. g., outro andar, abertura de
subterrâneo para adega, a arcada da ponte, a reparação do elevador, ou a reinstalação da eletricidade, o muro de
sustentação da pisaria elevada, as colunas que se tiveram como recomendáveis para fortalecer a área de
entrada). Em todo o caso, não há responsabilidade do empreiteiro se o dano resulta de causa estranha à
reparação, como se êle ignorava que outras paredes do prédio estavam rachadas.
Não se distinguem, no art. 1.245, os defeitos aparentes e os defeitos ocultos. Assim, o que foi visto, ouvido ou
experimentado por outro meio, pode ser alegado, mesmo porque a gravidade do vício pode só se revelar muito
depois da entrega, ou, durante algum tempo, afirmar o empreiteiro que não se tornaria de relevância, ou ter
prometido reparação, ou acabar por desaparecer. A responsabilidade que deriva do art. 1.245 do Código Civil é
diferente da que se estabelece nos arts. 1.101- 1.106(vícios redibitórios), pôsto que se assemelhe a essa e
de certa maneira a dilate, temporalmente.
Há o problema dos defeitos manifestos no momento da tradição e são apontados pelo empreitante. A discussão,
em tôrno dêsse ponto, externou-se em negativa e afirmativa de serem a mesma, apenas urna delas dilatada no
tempo, a responsabilidade dos arts. 1.101-1.106 e a do art. 1.245. Tem-se apenas de saber quando se há de ter a
atitude do empreitante recebedor como renunciativa da pretensão fundada no
art. 1.245. Primeiramente, não se poderia ter como aprovada a obra cujo defeito, conhecido no momento da
tradição, se agravasse. Em segundo lugar, se o defeito é aparente, o escrito de aprovação há de mencioná-lo,
pelo menos, para que se tenha como extinta a responsabilidade, o que se pode admitir é a objeção ou exceção,
por parte do empreiteiro, no caso de ter o empreitante deixado de comunicar ao empreiteiro o que descobriu ou
se está agravando, a tempo de proceder o empreiteiro à reparação.
Quando o defeito é só em parte da construção, o que importa verificar-se é se contagia ao todo, ou a outras
partes, ou se restringe à parte defeituosa. A parte pode ser provisória, ou destinada a pouca duração, o que não
permite que se invoque o art. 1.245, pôsto que sejam invocáveis as regras jurídicas dos arts. 1.101-1.106, no
prazo preclusivo. Se o edifício de apartamento, ou de clube, ou de grande residência, é em terreno em que o
empreiteiro se incumbiu, pelo mesmo contrato, de construir a piscina, a sua responsabilidade é quanto à piscina,
se bem que tenha de indenizar, por exemplo, o dano causado à exploração do edifício pelo fato das obras de
reparação ou de reconstrução da piscina.
Os danos, relativos à solidez e à segurança, podem ainda não se haver produzido. Basta o perigo. Se os danos
ainda não se causaram e apenas se podem prever, sejam êles evitáveis ou nao no sejam, a responsabilidade do
empreiteiro existe, porque o prazo do art. 1.245 do Código Civil é para a alegação da causa, do perigo, e não
para a alegação do dano ocorrido. Ésse poder previsível somente para muitos anos depois do quinqúênio. O que
o empreitante tem de alegar e provar é o perigo.
O defeito há de ser concernente à solidez e à segurança. Os outros defeitos do objeto são assunto dos arts.
1.101-1.106 do Código Civil, com o prazo preclusivo do art. 178, § 59, IV, para o exercício da ação redibitória
ou da ação quanti minoris. O conceito de solidez não apresenta dificuldades para a apreciação das espécies.
Quanto à segurança, não se pode entender que só se refira à ausência de possíveis danos provindos de
desabamentos, ou rompimentos de paredes ou tectos ou soalhos, ou arrebentamento de escadas. Há os perigos
de incêndio,
de umidade grave, de anti-higiene e de gases. O conceito de segurança não pode ser restringido ao de
indanificabilidade atinente à estabilidade da construção, porque se distingue do que concerne à “solidez” o que
se prende à “segurança”. A solidez liga-se, conceptualmente, ao que se construiu, ao objeto. A segurança alude
ao sujeito, embora a causa haja de estar na construção.
O dano, êsse, pode ser em tôda a obra, ou só em parte material. Se a construção é de edifício de apartamento, ou
de outra construção pro diviso, e o dano se restringe ao apartamento ou parte divisa, legitimado à ação de
responsabilidade
-é o titular do direito sobre o apartamento ou outra parte divisa.
Discute-se se a responsabilidade é ligada: a) à culpa do empreiteiro, que tem de ser alegada ou provada, ou b) à
culpa do empreiteiro, que se há de presumir (o ônus de alegação e prova, que tem o empreitante, é somente
quanto ao dano e à causa na construção), ou c) à culpa iii. re ipsa, ou se d) a responsabilidade é objetiva. A
resposta nada tem com a relação causal entre a construção e os danos ou perigo. Assim, o que era defeito do
solo ou dos materiais só eximio da responsabilidade do empreiteiro se êle o comunicou ao empreitante. Deve-
se entender que o empreiteiro é responsável mesmo se a causa do perigo é fora do terreno (provavel rolamento
de pedras do monte próximo, escapamentos de substâncias nocivas em terrenos vizinhos ou vindos pelo ar),
uma vez que êle conhecia ou devia conhecer. Quanto a materiais e solo, é indiscutível que a lei abstraí da culpa:
preestabeleceu dever de exame. Só se pode admitir exceção se tal exame foi feito por pessoa ou pessoas de
indicação do empreitante, caso em que
vê-se, pois, que não há propriamente exceção o empreiteiro não fica isento de prevenir o empreitante, se
discorda da perícia.
No tocante a materiais e solo, sobre cujos perigos o empreiteiro não informou o empreitante, não há
alegabilidade de não ter havido culpa: se o empreiteiro não aviSou, responsável faz-se.
No tocante a projeto ou projetos e instruções, o fato de provirem do empreitante ou do direito de obra, que êsse
escolheu, não exime o construtor da responsabilidade se não. advertiu o empreitante
Oempreiteiro pode sempre alegar e provar que o defeito é de causa posterior à construção e à entrega. Todavia,
a ale-gação tem-se por improcedente se apenas houve agravação da causa.
A responsabilidade é perante o empreitante, seus herdeiros ou sucessores Se o empreitante, ou seu sucessor
entre vivos ou a causa de morte, ~ demandado, pode chamar à autoria o empreiteiro (cf. Código de Processo
Civil, art. 95, a que se há de dar interpretação extensiva).
O terceiro adquirente do domínio tem de propor a ação-contra o alienante, como o terceiro adquirente de
qualquer direito real limitado.
Quanto ao ressarcimento dos danos pelo empreitante, depende êle da natureza e da gravidad0 dos prejuízos
presentes. e futuros. Se os danos são de perda total do que foi objeto da empreitada, o que se tem de pagar é o
que representa a diferença entre o que valeria o bem se os danos não tivessem ocorrido, ou não hajam de
ocorrer, e o que êle vale, diante da situação que se caracterizou. o valor, que se há de considerar, é o valor atual,
o valor do momento em que se há de indenizar, ou, se maior, o valor do momento em que, posterior àquele, se
preste o quanto indenizatório
Se o bem construído, pelo uso nos cinco anos, se desvalorizou, tem-se de diminuir do quanto essa importância.
Se, devido aos defeitos, o empreitante ou seu sucessor teve de mudar-se, pagando alugueres, ou adquirindo
outra casa, ou de fechar a fábrica, ou sofreu perda da freguesia, ou despendeu com as medidas que evitaram
conseqüência os maiores do defeito, tudo isso tem de ser ressarcido ..aliter, quanto ao que o empreiteiro teria
evitado se o empreitante, ciente, lhe tivesse comunicado o que estava acontecendo, ou ia acontecer.
No direito brasileiro, o prazo começa a contar~se da data da entrega, e não da ultimação da construção, salvo se
houve aprovação explícita, sem mora do empreiteiro em entregar,
Questão que merece particular atenção é a do adquirente da construção feita pelo alienante, sem ter havido
empreitada ~ houve compra-e-venda troca, ou outro contrato de aquisição de propriedade ou de constituição de
direito real limilado). Não importa se o defeito se manifestou antes ou depois da aquisição; apenas há de ser
exercida, dentro do prazo do art. 1.245 do Código Civil, a pretensão à indenização. Todavia, há duas espécies
que se têm de pôr em relêvo: a) o .adquirente fêz-se dono (ou titular de direito real limitado) do bem já
construído (22 a alienação não foi antes de se ultimar a construção) ; b) o adquirente apenas foi outorgado de
direito sobre o terreno (domínio ou direito real limitado) e o alienante ainda não havia construído, ou ultimado a
construsão (alienação de bem em parte presente e em parte futuro);
-e) o outorgado apenas o é em pré-contrato do bem por ser construído. fl de bom método de interpretação que se
entenda invocável a respeito da espécie 19 e da espécie o) o art. 1.245, porque há compra-e-venda ou pré-
contrato de compra-e-venda, eu outro negócio jurídico de aquisição do terreno, e da construção futura ou
apenas pré-contrato quanto ao terreno e à. construção futura. Não seria de boa técnica legislativa, nem
interpretativa, que se não considerasse subordinar ao ad. 1.245 quem a põe em situação semelhante à do
empreiteiro. O vendedor ou pré-contratante vendedor do bem em que êle mesmo vai construir é como o
vendedor ou promitente-vendedor do -terreno e como o empreiteiro do que promete como integrativo do bem
vendido ou prometido em pré-contrato. O construtor assumiu a dívida de construção, à semelhança do
empreiteiro. Seria injusto que o autorgado somente tivesse a ação do art. 178, § 5~O, IV, do Código Civil e
outras ações ex ven dita. A sua situação não está inclusa na compra-e-venda de bem presente, como ocorre na
espécie a), de que falamos. Éntre a do comprador e a do empreitante.
A execução da empreitada pode ser tal que invada terreno vizinho, ou consista em cortar madeiras que nao são
as do empreitante, ou utilizar pedras preciosas que não sejam as que o empreitante forneceu. Invade-se a esfera
jurídica alheia. O empreiteiro tem de ressarcir os danos. Se o terceiro propõe ação contra o empreitante, pode
êsse chamar o empreiteiro à autoria.
‘7. MORA DO EMPREITEIRO. Se foi determinado o prazo, ~ou fixada a data, para a entrega da obra,
entende-se que dentro dêle há de ser verificado o que se fêz para a aprovação ou desaprovação, salvo se a obra é
de tal natureza que a verificação possa ser imediatamente anterior à tradição. A mora do empreiteiro submete-se
às regras jurídicas gerais sobre mora dos devedores.
2. RECEBIMENTO DA OBRA. Para a recepção da obra que não se fêz em bem que já estava na posse do
empreitante, é preciso que se dê a tradição. Se a obra já se achava sob a posse do empreitante, como se a obra
consistiu na pintura da casa, ou no consêrto das máquinas, pela natureza da obra, ou a) não há entrega da posse
ao empreiteiro, como se o empreitante não deixou a casa que se havia de pintar, ou b) o empreitante entregou as
chaves ao empreiteiro, de tôda a casa ou de parte da casa, tendo transmitido, assim, a posse imprópria imediata.
Algumas obras não permitem que se pense em qualquer tradição, como se foi contratada representação teatral
no teatro-do empreitante e os atôres apenas ficam nos espaços indispensáveis para os preparativos e no palco.
Se a obra consiste em transporte de pessoa, o transportador é quem transmite ao transportado a posse imprópria
imediata do veículo.
Se as obras são feitas durante o dia e o empreitante entrega as chaves ao empreiteiro, êsse é possuidor
impróprio imediato durante o tempo de cada dia, que vai da entrega das chaves à restituição dessas.
Se o empreitante visita o imóvel, em que se fizeram as obras, ou que foi a obra, e o empreiteiro lhe entrega as
chaves, há a tradição, porque o empreitante o recebeu. Não basta dizer que acha conforme o contrato o que se
lhe mostra. Terminação da obra e recepção são fatos que se não confundem. A entrega das chaves ainda para
exame não é tradição, porque foi entrega condicional: ficar com elas o empreitante, se está satisfeito com o que
viu, ou viu e ouviu, ou fêz outra verificação; ou devolver
as chaves, para que se corrija algum defeito, defeitos, ou se termine a obra. Aliás, mesmo móveis pode dar-se a
entrega condicional inspeção, exame ou experimentação). Na -certa tentativa de fundir pontos de vista e a
aprovação (e. g., EDwIN RTEZLER, Der dem POR., 13; Rui>. SCHMIDT, »lirgerliches 122), mas o que
devemos entender é que a ou se corrijam os a respeito de bens (= entrega para doutrina, nota-se sobre a
recepção Werkvertrag riach Recht, II, 2.8 ed., recepção só para aprovação ou desaprovação não é transferência
da posse própria, nem, se é o caso, da posse imprópria imediata.
A declaração de achar tudo em ordem ou como esperava não é recebimento, nem declaração de que não mais
pode objetar, pois nem sempre significa que recebe ou quer receber sem mais poder descobrir falhas na obra.
Nem a recepção significa aprovação definitiva, nem a aprovação, ainda se definitiva, é recepção. Mesmo se a
obra é de bem incorpóreo, não se pode dispensar a recepção (sem razão, EDWIN RIEZLER, Der Werkvertrag
nach dem ROR., 187; JOSEI’ Essn, Lehrbzwh des Sckuldreohts, 800). Quem entrega uma peça de teatro, que foi
encomendada, não pode pretender que a recepção seja aprovação. Quem entregou o vestido não há de
considerar que a recepção foi aprovação. Nos transportes, o recibo de recepção sem a declaração de perfeito
estado não basta, houve tradição, não houve aprovação.
Quanto aos riscos, a recepção, sem ter havido a aprovação, expõe a êles o empreitante (Pa. HECK, Grundriss
des Sehutdreebte, 848). Os usos podem preestabelecer que a recepção implique aprovação, mas êsses usos são
firmados na natureza do bem, como se a casa comercial não admite troca do que foi entregue ou o objeto é para
experiência imediata.
Os riscos transmitem-se aos empreitantes sempre que há mora acoipiendi. Outrossim, se o empreitante deu
enderêço, que não é o seu, para ser enviado o bem e houve exame pelo expedidor, ou pelo transportador. Em
todo o caso, se o bem foi para presente e o empreitante vem a saber que se remeteu objeto com defeito, ou outro
objeto, tem o empreitante ação para indenizar por inadimplemento ruim, ou, se quem recebeu o presente anui, a
ação de redibição ou a quantí minoris.
Se a obra, em caso de mora de receber, sofreu danos, de jeito que o empreiteiro teve de consertar, limpar,
repintar, ou substituir peça, assiste a êsse a pretensão à indenização, por se tratar de serviços ou de gastos, ou de
serviços e gastos não incluidos na retribuição.
Se nada se diz no contrato, ou não há uso, o empreitante somente pode exigir a tradição depois de examinada a
obra. Se já a aprovou, pode exercer a pretensão. Em todo o caso, as obras que se entregam por anúncios ou
apenas mediante recibo, podem ser reclamadas logo após o prazo, ou o aviso de estarem prontas.
Se o empreitante deixa de pagar alguma prestação, pode e empreiteiro suspender a feitura da obra até que sej a
paga. Mas deve, para ter tal atitude, interpelar o empreitante, se não lhe convém, desde logo, entrar com a ação
de preceito cominatório, ou a ação de resilisão do contrato. De qualquer modo, desde o dia do vencimento da
prestação deve o empreitante os juros legais, se outros não foram previstos.
Qualquer dos figurantes pode, se há os pressupostos, opor a exceção non adimpleti contractus ou a non rite
adimpleti contraotu.s.
Se o contrato não disse quando seria o pagamento, entende-se que há de ser à entrega da obra, e não no
momento da terminação da obra ou da verificação.
Se o empreitante, ao ter de receber a obra, faz reservas, tem de imediatamente pedir que se lhe verifiquem os
defeitos. Não se pode dizer que pode receber com reservas, porque receber com reserva seria arriscado. Talvez
o empreiteiro lha tenha enviado, e não esteja a obra como Me prometera. Mas, ai, a recepção foi sem
aprovação, e a posse, que o empreitante teve de assumir, não é posse própria. O empreitante está na situação
jurídica de poder opor a exceção ‘non rite adimpleti contractus.
-Tudo que se paga presume-se verificado, diz o art. 1.241, parágrafo único, do Código Civil. O empreitante ou
recebe a obra, ou a recusa: então, ou a rejeita, ou pois considera inadimplente o empreiteiro, ou diz que só a
recebe se houver alteração do preço (confuso, o acórdão das -Câmaras ReUnidas do Rio Grande do Sul, a 14 de
junho de 1946, -1., 28, 398). Se houve a recepção, sem reserva, e falta algum serviço, é de entender-se que o
empreitante permitiu que o fizesse depois, podendo depositar o preço, para que se levante, finda a obra, ou
pagar e esperar. Se o empreiteiro não termina a obra, responde por inadimplemento do que restava fazer (cp. 6~a
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de março de 1950, R. dos T., 186, 686; 23 Câmara Civil,
4 de março de 1947, 166, 741). SERGIO
A verificação da obra pode ser total ou parcial. Em princípio, só a verificação total é definitiva, porque
elementos existentes nas partes verificadas podem ser dependentes de complementos futuros, ou das outras
partes. Quando a verificação é parcial não se pode considerar aprovada a obra, nem mesmo, em determinadas
circunstâncias, o que só em parte se fêz. Todavia, se houve a convenção de execução por partes, tem-se por feita
a verificação se recebida a parte concluída, sem que se afaste a hipótese de se manifestar depois, a dependência
com outras partes, ou a parte final.
O pagamento da parte faz presumirse que foi aprovada; salvo se o recibo afasta explícita ou implicitamente a
presunção. Aliás, o pagamento pode ser rateal sem ser pagamento de parte da obra.
CAPÍTULO III
3.RETARDAMENTO O caso fortuito pode apenas retardar a obra se a impossibilidade é temporária Tal
impossibilitação, restrita no tempo, não é causa de extinção do contrato de empreitada se a finalidade do
contrato não fica atingida. Três exemplos: a) o edifício é para instalação da sede social da empresa empreitante,
o que tanto poderia ocorrer no ano em que deveria terminar a obra, ou no seguinte, mas a licença demorou
meses (impossibiííáade temporária inextintiva). b) a aeronave foi empreitada para as horas tais, a fim de se
chegar a tempo para a inauguração de estátua, ou de repartição, noutra cidade (impossibilidaáe temporária
extintiva)
e) o caminhão empreitado para levar mercadorias da cidade do Rio de Janeiro a Curitiba, devido a defeito da
estrada, ou algo de fortuito no motor, ou nas rodas, teve de parar no caminho, perdendo um dia
(impossibilidade temporária inextintiva). As espécies a) e e), a despeito de serem ambas inextintivas,
distinguem-se em que, em a), a impossibilitação foi antes de se começar a obra, ao passo que, em lO, a obra já
estava iniciada; porém, numa e noutra espécie, o empreiteiro não é responsável pela indenização, mesmo se o
retardamento não pode ser corrigido por maior velocidade no resto do caminho. Ex kypothesi, não houve
qualquer culpa, nem do empreitante nem do empreiteiro. Não se pode pensar em resultados indenizatórios por
mora do empreiteiro, porque rege o art. 1.058 do Código -Civil. Se, para compensar o retardamento, o
empreiteiro tem de fazer despesas a mais, ao empreitante fica a escolha entre suportar a demora ocasional, ou
prestar o que exija o empreiteiro, dentr« dos limites das despesas que tem de fazer.
Se o retardamento é por culpa mesmo in eligendo do empreiteiro, responde êle pelos danos causados ao
empreitante. Se o retardamento é por culpa do empreitante, responde êsse.
Quanto à espécie b), que é a da impossibilidade temporária extintiva, o empreitante não mais tem interesse na
obra. Só é devedor do preço correspondente à execução parcial se lhe foi útil (e. g., tomou outro avião, ou carro
no caminho, e chegou a tempo, ou podia chegar a tempo). Houve têrmo, improrrogável, de modo que ocorre a
resolução ou a resilição do contrato, automàticamente, por causa não imputável ao empreiteiro (cf. Código
Civil, art. 865, 1.a alínea).
O fato de haver termo não faz resolúvel ou resilível, em todos os casos, o contrato se há retardamento, porque
nem sempre o têrmo, no contrato de empreitada, significa não mais ser útil ao empreitante a obra que êle queria.
A questão é de interpretação do contrato e das circunstâncias, norque a responsabilidade pelo fortuito só se dá
se houve assunção o contratual (cf. Código Civil, art. 1.058).
6.EXIBIÇÕES ARTÍSTICAS. Os contratos de obra de representação teatral, ou de concertos, quase sempre são
para exibição dentro de prazo determinado. A prorrogação, mesmo se há mudança temporal que não é em
continuação, pode ocorrer (C. CONSTANT, Code des Théatres, 2~a ed., 124; VIVIEN e BLANC, Traité de I«
Législation du Théatre, n. 214; OnO OPET, Der fljjhnenengagementsvertrag, Ãrchiv $r die civiListische Praxis,
86, 206). Todavia, não se pode ter o nôvo acôrdo como de prorrogação, pelo simples fato de não ter havido
adimplemento (sem razão, A. GUICHARD, De la Législation du th$xttre à Roma et en France, n. 182). Nem
há prorrogação’ se o prazo anterior se esgotara antes do acôrdo.
Tratando-se de representação teatral, ou de concêrto, o contrato pode ser denunciado por um dos contraentes, ou
distratado pelos dois.
1.CÓDIGO CIVIL ART. 1.247. No ad. 1.247 do Código Civil permite-se ao empreiteiro a denúncia cheia do
contrato de empreitada: a) se o empreiteiro se enferma ou por outra causa se torna inapto para prestar o que
prometeu (ad. 1.22
b) se ocorre vício ou mau procedimento do empreiteiro (art. 1.229, 1V); c) se há qualquer falta do empreiteiro
na execução da obra, conforme o contrato (ari. 1.229, V). E o que estatui o art. 1.247 do Código Civil: “O dono
da obra que, fora dos casos estabelecidos nos ns. III, IV e V do art. 1.229, rescindir o contrato, apesar de
começada sua execução, indenizará o empreiteiro das despesas e do trabalho feito, como dos lucros que êste
poderia ter, se concluísse a obra”. A relevância do art. 1.247 do Código Civil está em que permite a denúncia
vazia e, para defini-la, ressalva os casos de denúncia cheia. Todavia, não se pode interpretar o art. 1.247 como
se as causas para a denúncia cheia, que ele aponta, fôssem as únicas.
A denúncia cheia por parte do empreitante não gera dever de indenizar além do que foi prestado, para que não
haja enriquecimento injustificado. Não se ressarce o que o empreiteiro poderia lucrar se pudesse concluir a obra
(cp. art. 1.247, in fine).
A ~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 22 de julho de 1946 (E. F., 112, 149), decidiu
que o ad. 1.247 do Código Civil não incide se não se começou a obra. Sem razão, porque isso só se poderia
admitir quanto à especie do ad. 1.229, V, quando, aliás, a infração contratual pode ser no próprio pedido de
licenciamento, ou outro ato, anterior ao início das obras.
(Advirta-se que, se a causa da denúncia cheia já se pode considerar, in casu, como inadimplemento ou
adimplemento ruim, há resibitidade, e não só denunciabílidade É o que mais ocorre na espécie do art. 1.229, V,
do Código Civil.)
2.INDENIZAÇÃO EM CASO DE DENÚNCIA VAZIA. £~ não havia causa que pudesse encher a denúncia, a
denúncia é vazia,-e o empreitante, que denunciou, tem de indenizar o empreiteiro 4’das despesas e do trabalho
feito, assim como dos lucros que êste poderia ter, se concluísse a obra”. Entre as conseqtiênciaa da denúncia
cheia, nas espécies do art. 1.229, III, IV e V, do Código Civil, e as da denúncia vazia há as da denúncia cheia
em caso de alterações necessárias.
Em primeiro lugar, o empreitante há de reembolsar o que o empreiteiro gastou em material e trabalho até o
momento da prestação, se a obra continuou até a eficácia da denúncia vazia, ou até êsse momento, se a eficácia
foi imediata. Não se tem de apurar se o que foi feito havia de ter sido feito, ou se era útil ou técnico, ou se o
projeto estava, ou não, sendo observado. Qualquer defeito ou falha que possa ter existido, ou que exista, seria
causa de outra atitude, e não da atitude de denúncia vazia. O que foi feito é pago pelo empreitante e passa a
pertencer-lhe. Se, sabendo da próxima denúncia vazia, ou sem que dela soubesse, o empreiteiro retira algo, ou
destrói, isso não entra na parte feita que se tem de pagar. Se o empreiteiro, com o que entendeu fazer, causa
danos à obra, tem-se de considerar nos cálculos a diminuição do valor. Se há algo de provisional que se pôs
para a execução da obra, isso entra no que se há de pagar.
Se a obra é bem móvel, podem os figurantes acordar em que fique com o empreiteiro o que já se fizera, com ou
sem indenização.
O empreitante também tem de indenizar de qualquer prejuízo se advém da denúncia vazia, no tocante a material
e a serviços ainda não incorporados na obra, inclusive quanto a transportes de material que não foi utilizado. O
empreitante pode preferir adquirir todos os materia?s e as obras que ainda não tinham sido integradas, se o
empreiteiro alega dano ou ou prejuízo em não as utilizar. Então, resolve-se a espécie pela indenização do que
passa ao empreitante, tal como aconteceria se tivesse havido a incorporação.
Finalmente, há de o empreitante prestar ao empreiteiro aquilo que seria o lucro que teria se concluísse a obra, o
lucro não ocorrido. Cumpre, porém, advertir-se que não se trata de lucro com que o empreiteiro podia contar no
momento da conclusão do contrato, mas sim do lucro que êle teria se houvesse ido até a conclusão da obra. Não
cabe qualquer referência ao que o empreiteiro deixa de ganhar por não ter aceito-a oferta de outra obra, nem o
que lhe tocaria de repercussão-social da obra terminada.