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Yes because he never did a thing like that before as ask to get
his breakfast in bed with a couple of eggs since the City Arms
hotel when he used to be pretending to be laid up
18
julho
2009
with a sick voice doing his highness to
ano II
make himself interesting for
that old faggot Mrs ficina
Riordan
fluxo.de.consciência
a.literatura.dentro.da.mente
SAMIZDAT 18
julho de 2009
Autores Convidados
Miguel Castro
Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada
Textos de: a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.
Clarice Lispector Todas as imagens publicadas são de domínio público, royalty
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Sumário
Por que Samizdat? 6
Henry Alfred Bugalho
COMUNICADO
SAMIZDAT Especial de Mistério e Suspense 8
ENTREVISTA
Goulart Gomes, o criador do Poetrix 10
MICROCONTOS
Henry Alfred Bugalho 14
RECOMENDAÇÕES DE LEITURA
Quando Nietzsche chorou, de Irvin D.
Yalom 16
Henry Alfred Bugalho
CONTOS
Boa noite, minha princesa. Te amo! 22
Carlos Alberto Barros
O Primeiro Passo 26
Joaquim Bispo
O Lobo Vermelho (primeira parte) 28
Volmar Camargo Junior
7/8 em 1/4 32
Jú Blasina
Autor Convidado
O dito sexo e a tal cidade 52
Miguel Castro
TRADUÇÃO
Eveline 54
James Joyce
TEORIA LITERÁRIA
Fluxo de consciência, a literatura dentro
da mente 61
Henry Alfred Bugalho
Algumas pistas para escrever mistérios 66
Maristela Scheuer Deves
CRÔNICA
Um monte de papel 75
Volmar Camargo Junior
POESIA
Dois blavinos 82
José Espírito Santo
Desencanto 83
José Espírito Santo
Laboratório Poético: o Poema Blavino 84
Volmar Camargo Junior
Poemas 86
Mariana Valle
O Lago 88
Guilherme Augusto Rodrigues
Fale Frei Cappio, fale a vida 90
Dênis Moura
6
6
E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,
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Comunicado
SAMIZDAT Especial
Mistério e Suspense
http://www.flickr.com/photos/ericmorse/454379200/sizes/l/
c - Autor convidado
(prosa ou poesia); revistasamizdat@hotmail.com
d - Traduções;
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Entrevista
Goulart Gomes
o criador do POETRIX
Goulart Gomes nasceu em
Salvador da Bahia, em 1 de maio
de 1965. Administrador de Em-
presas, concluiu pós-graduação
em Literatura Brasileira (UC-
SAL) e em Gestão de Comunica-
ção Integrada (ESPM-RJ). Atua
na área de Comunicação Empre-
sarial. Espiritualista e pesquisa-
dor de ficção científica. Fundador
do Grupo Cultural Pórtico (1995)
e criador da linguagem poéti-
ca Poetrix (1999). Obteve 65
prêmios em concursos de poesia,
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três linhas. Na Antologia de literatura, do trabalho
O que é necessário para Poetrix 3, que estamos que eu fazia e faço. Esse
se escrever um bom po- publicando agora, tem al- “aplauso” serviu de estímu-
etrix? guns poetrixtas que foram lo para que eu continuasse
resultado dessa nossa “ga- me aprimorando. Existem
GG - Em meu site (www. rimpagem”. O Concurso concursos promovidos por
goulartgomes.com) há um Internacional de Poetrix, entidades sérias e outros
texto chamado “Dez dicas que realizamos anualmen- promovidos por outras
para um bom poetrix”. Em te, é outra fonte de revela- nem tanto, apenas para ga-
suma são: evite as orações ção de novos talentos. nhar dinheiro com taxas
coordenadas, explore o de inscrição e organização
poder do título, minimali- de antologias. É sempre
ze, pesquise, não confunda Você acha que o Poe- preciso estar atento a
poetrix com haikai, utili- trix pode acabar sendo quem está promovendo
ze figuras de linguagem, usado por “pseudopoe- o concurso e com que
acabe com as conjunções tas” para engrossar suas objetivos.
adversativas, não force obras literárias devido à
rimas, não faça do poetrix liberdade que ele pro-
um provérbio e o não-dito porciona a quem escre- Quando você concebeu
fala mais que o dito. Tam- ve, teoricamente assim o poetrix, imaginou que
bém recomendo a leitura facilitando a sua escrita? alcançaria as proporções
da Bula Poetrix, um con- GG - O Poetrix é tão em que hoje se encon-
junto de orientações ela- pequeno que não dá para tra?
borado pela coordenação engrossar a obra de nin- GG - Para ser sincero, não.
do Movimento Interna- guém (risos). Eu não sei O nosso grupo virtual
cional Poetrix. Além dele, bem o que seja um pseu- (hoje chamado literatrix@
gosto muito do texto “Para dopoeta. Para mim, quem yahoogrupos.com.br)
Viver Um Bom Poetrix”, escreve poesia é poeta, e começou com 300 partici-
mais poético, que escrevi fim. Se escreve bem ou pantes. Depois, equilibrou-
parafraseando Vinicius mal, certo ou errado, é se em uma média de 100
de Moraes. Ambos estão outra história. E se o autor integrantes. Mas, a partir
disponíveis no site www. quer escrever poetrix bem, dele, da atuação dos Coor-
movimentopoetrix.com vai perceber que terá mais denadores Estaduais e da
dificuldades que facilida- realização dos concursos,
Você costuma ler os po- des. Na prática a teoria é o Poetrix foi ganhando
etrix de outros poetas? É outra! amplitude e atingindo
possível identificar um autores de todo o Brasil
grande talento em tão e de outros países, como
Até que ponto os prê- México, Argentina, Uru-
poucas palavras? mios que você recebeu guai, Venezuela, Colômbia,
GG - Bastante. Habitual- influenciaram sua car- Portugal e Espanha. Só
mente visito sites, como o reira de escritor? Qual na Internet estimo que
Recanto das Letras, para sua opinião sobre os existam mais de 100.000
apreciar o que os poetrix- concursos literários? poetrix publicados. Isso
tas estão publicando por GG - Os concursos li- é algo que me dá muito
aí e já identifiquei alguns terários influenciaram contentamento.
poetrixtas bem talentosos definitivamente a minha
assim. O poetrix requer história nas Letras. Porque,
um talento específico. O para mim, eles represen- Considerando o que
bom poetrixta consegue taram a validação, por você tem visto, tanto
até mesmo definir um pessoas que entendem na internet quanto nos
estilo próprio apenas em meios tradicionais de
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Microcontos
Busca da iluminação
http://www.flickr.com/photos/zarajay/377865814/
Henry Alfred Bugalho
Saíra pra comprar cigarro e nunca mais voltou.
“Por causa da amante”, ela pensou, mas o real destino
dele era um monastério no Tibet.
http://www.flickr.com/photos/coolmel/3242477790/
ficina
www.samizdat-pt.blogspot.com
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www.oficinaeditora.org
Recomendações de Leitura
de Irvin D. Yalom
Henry Alfred Bugalho
Editora: Ediouro
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Autor em Língua Portuguesa
Clarice Lispector
Uma Galinha
http://www.flickr.com/photos/track24/1404943330/sizes/o/
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bre o ovo e assim ficou, — Se você mandar a traísse: mexendo-se
respirando, abotoando e matar esta galinha nunca rápida e vibrátil, com o
desabotoando os olhos. mais comerei galinha na velho susto de sua espé-
Seu coração, tão pequeno minha vida! cie já mecanizado.
num prato, solevava e
— Eu também! — ju- Uma vez ou outra,
abaixava as penas, en-
rou a menina com ardor. sempre mais raramen-
chendo de tepidez aquilo
A mãe, cansada, deu de te, lembrava de novo a
que nunca passaria de
ombros. galinha que se recortara
um ovo. Só a menina
contra o ar à beira do
estava perto e assistiu Inconsciente da vida
telhado, prestes a anun-
a tudo estarrecida. Mal que lhe fora entregue, a
ciar. Nesses momentos
porém conseguiu des- galinha passou a morar
enchia os pulmões com
vencilhar-se do aconteci- com a família. A meni-
o ar impuro da cozinha
mento, despregou-se do na, de volta do colégio,
e, se fosse dado às fême-
chão e saiu aos gritos: jogava a pasta longe sem
as cantar, ela não can-
interromper a corrida
— Mamãe, mamãe, taria mas ficaria muito
para a cozinha. O pai de
não mate mais a galinha, mais contente. Embora
vez em quando ainda se
ela pôs um ovo! Ela quer nem nesses instantes a
lembrava: “E dizer que
o nosso bem! expressão de sua vazia
a obriguei a correr na-
cabeça se alterasse. Na
Todos correram de quele estado!” A galinha
fuga, no descanso, quan-
novo à cozinha e rode- tornara-se a rainha da
do deu à luz ou bicando
aram mudos a jovem casa. Todos, menos ela, o
milho — era uma cabeça
parturiente. Esquentando sabiam. Continuou entre
de galinha, a mesma que
seu filho, esta não era a cozinha e o terraço
fora desenhada no come-
nem suave nem arisca, dos fundos, usando suas
ço dos séculos.
nem alegre, nem triste, duas capacidades: a de
não era nada, era uma apatia e a do sobressalto. Até que um dia mata-
galinha. O que não ram-na, comeram-na e
Mas quando todos
sugeria nenhum senti- passaram-se anos.
estavam quietos na casa
mento especial. O pai, a
e pareciam tê-la esque-
mãe e a filha olhavam
cido, enchia-se de uma
já há algum tempo, sem Extraído do livro “Laços
pequena coragem, res-
propriamente um pensa- de Família”, Editora Rocco
quícios da grande fuga
mento qualquer. Nunca — Rio de Janeiro, 1998
— e circulava pelo ladri-
ninguém acariciou uma
lho, o corpo avançando
cabeça de galinha. O pai
atrás da cabeça, pausado
afinal decidiu-se com
como num campo, em-
certa brusquidão:
bora a pequena cabeça
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Contos
Boa noite,
minha princesa.
Te amo!
Carlos Alberto Barros
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acha a intelectual, a sabi- mais lavada do mundo, fingir que sabe de tudo, sempre
chona, não é? Para o inferno que entende de Machado! se achando a superior. Eu te
com sua arrogância, maldita!”, Ah, tenha dó!”, fala Samantha, odeio!”, grita Arnaldo para a
explode em pensamento Ar- quase sem acreditar em suas mulher, sentindo vontade de
naldo, porém, apenas fala: próprias palavras, mas sen- estapeá-la. Não contendo o
– Minha linda, obrigado tindo certo alívio de algo que desejo, desfere-lhe um gol-
a você, por esclarecer, com lhe apertava a garganta. Na pe no rosto. Parte da mão
tanta delicadeza e humildade, cabeça, um só pensamento: espalmada fica desenhada na
que o Machado já está morto – Você é o homem da vermelhidão da face de Sa-
há tempos. Cem anos! Meu minha vida! mantha. Ele ainda se imagina
Deus! E eu aqui pensando falando:
– Você é a pessoa mais
que o cara tinha morrido especial do mundo! – pensa, – Não consigo viver sem
ontem! – e sorri, meio sem por sua vez, Arnaldo. você, minha deusa!
graça, tentando entender o A bofetada deixa Saman-
porquê de ainda deitar-se “Sua vagabunda fofoqueira!
É nisso que dá ficar escu- tha sem reação. Antes de en-
com tal mulher. cerrar a conversa, opta, ainda,
tando conversa fiada dessas
Samantha fica refletindo, putinhas que se dizem suas por demonstrar um último
inconformada por ainda es- amigas. Amigas do diabo! carinho ao marido. “Filho-da-
tar presa a um infeliz como Bando de putas, isso sim!”, puta”, diz. E vira-se, dando as
Arnaldo. Sente vontade de diz, enfurecido, à mulher, costas para Arnaldo. Já com
socá-lo, atirá-lo dali para lon- mas em seu coração, pergun- os olhos fechados, pensa:
ge. “Como Machado de Assis ta: – Boa noite, meu anjo. Te
pode ter morrido ontem, seu amo!
animal?”, pergunta calma- – Vamos ter um filho?
mente ao marido, enquanto – Agradeço a Deus todos Arnaldo, bufando de ner-
imagina-se dizendo: os dias por ter você, Arnaldo vosismo, parece não mais se
– pensa ela. incomodar com as palavras
– Tudo bem, meu amor. carinhosas da esposa. “Isso
Ninguém pode saber de – Vamos tornar esta famí- mesmo... Vai dormir, menini-
tudo. lia maior, mais feliz? – inda- nha mimada”, diz, e completa
“Melhor ser animal do que ga-a ele em pensamento. num tom sinistro, “E nunca
uma sabichona ranzinza que, – Te amo do fundo do mais me provoque ou eu
vira e mexe, está derramando meu coração – pensa ela. acabo com você de vez, vaga-
feiúra por aí”, diz Arnaldo, “Não suporto mais essa bunda!” Depois, vira-se para
julgando ter medido as pala- sua cara de enterro eterno, o lado oposto de Samantha.
vras, e pensa: Samantha!”, fala ele. Antes de adormecer, ainda
– Que mulher maravilho- pensa:
“E eu não suporto nem
sa! Por isso que a amo. mais escutar sua voz! Já esgo- – Boa noite, minha prince-
“Seu ogro hipócrita! Como tei minha conta das merdas sa. Te amo!
pode falar isso de mim, que tenho que aguentar de
depois de tudo que aguentei? você!”, fala ela enquanto, na
E, inclusive, você sabe mui- mente, diz:
to bem por que estou com – Adoro ouvir suas frases
esta cara! É a cara de uma inocentes, meu bebê.
chifruda otária que tem um
“Vadia! É isso que você é:
baita de um filho-da-puta de
uma vadia orgulhosa! Pensa
marido que vem, com a cara
O Rei dos
Judeus
do www.revistasamizdat.com 25
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Contos
Joaquim Bispo
O Primeiro Passo
– Não vês que estás a ir dos os sentidos, a Revolução um anjo eu me sentia capaz:
http://www.flickr.com/photos/lauraburlton/2841127273/sizes/l/
por mau caminho, meu filho? avançava com auto-gestões – E, além do mais, o que é
– O anjo adoptava uma pos- nas fábricas e nos campos e que tens com isso?
tura paternal, a face preocu- auto-organização das popu-
pada, o gesto complacente. lações em todos os domínios. – Não penses que podes
Havia um sentimento no ar viver como queres, lascivo,
– Eu nem sei se quero ir descrente e subversivo. Tudo
por bons caminhos! – retor- de que, finalmente, tudo era
possível. E tanto que havia está determinado e o teu lu-
qui, desafiador. gar está muito bem definido.
para fazer! O mais difícil
Quando ele se materializa- era a mudança das mentali- – Eu posso fazer o que
ra no meu quarto de solteiro, dades. Todos tínhamos sido quiser. Desde que não res-
com ares de arcanjo Gabriel, condicionados para sermos trinja a liberdade de nin-
passava das três da manhã. engrenagens duma sociedade guém.
Estranhei, mais do que me as- de obedientes, castos e te-
sustei. Tinha estado na asso- – E não achas que roubar
mentes. De repente, tinham- a casa de alguém é atentar
ciação do bairro a tratar de se rompido as comportas
questões relacionadas com as contra a sua liberdade?
que mantiveram a multidão
recentes ocupações de casas calada e quieta e esta inalava, – Não é roubar, é usar
desabitadas e, proposta puxa impertinente, os primeiros para fins humanitários o que
discussão, tinha bebido umas aromas da liberdade. alguém desperdiça. Não é a
três ou quatro cervejas. O sua casa, é a sua ostentação.
Verão de 75 ia quente em to- Agora, até de replicar a
– Não vês que tudo isto é
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Contos
O Lobo Vermelho
(primeira parte)
Volmar Camargo Junior
Avvena é um lugar ina- eram militares trabalhavam cias: uma massa de trabalha-
propriado para quem gosta para eles, e se lhes impunha dores obedientes, histórica
de sol e calor, porque não há um regime de ordem e obe- e culturalmente incapaz de
um único dia no ano em que diência, o que acabava, enfim, exigir melhores condições
não chova. É úmida, cinzenta, sendo a mesma coisa: todos de trabalho. Assim, Avvena
encardida. Nas ruas, peram- seguiam um regime militar. passou a ser um atrativo, pri-
bulam pessoas cabisbaixas Depois que as conquistas meiro para as nascentes in-
e tristonhas. São raros os ao território minguaram e dústrias, depois, para pessoas
dias festivos, e ainda assim, o exército foi incumbido de que viviam em situação de
preenchidos de solenidades. proteger as fronteiras, mui- pobreza e miséria nas áreas
Durante séculos, Avvena foi to distantes do Mar, Avvena rurais desta mesma provín-
um quartel gigantesco, e a tornou-se um pólo industrial, cia, que vinham em busca de
maior parte da população porque tinha algo difícil de trabalho – ou, pelo menos, de
era de soldados; os que não encontrar em outras provín- um meio de se sustentar - e
tes. Eu era um visitante, mas se com muita cordialidade, e Em sua presença, tive a im-
não fui até lá por causa dos quase nenhuma formalidade. pressão de que era uma per-
atrativos inexistentes da ci- Chamava-se Platin. Eu teria sonagem de rádio-romance,
dade. Não tive muito tempo me enganado se concluísse à imagem que eu havia feito,
para me preocupar com o que todos os avveninos eram quando criança, de heroínas
mau-humor do clima avve- como ele. Posteriormente, como Semmpat de Ture ou
nino, nem prestar atenção descobri que Platin era de Felixcia Luna – com a dife-
nas chaminés quilométricas, um lugarejo perdido na rença óbvia de que estas não
nem nos rostos infelizes que imensidão surenha, e que era eram humanas. Entretanto,
compunham a classe traba- tão avesso ao modo de viver Agatha Velasturvo era, de-
lhadora às seis da manhã e avvenino quanto eu e outros finitivamente, uma pessoa
às sete da noite. Fui porque estrangeiros. O jovem encar- diferente, talvez dotada de
tinha um grande interesse na regou-se de carregar minha uma aura não-humana como
vida de um cidadão ilustre, pouca bagagem, apenas duas a das heroínas de minha
sobre o qual estive pesqui- malas pequenas, rindo da imaginação. Lendo a respeito
sando desde que aprendi a minha falta de cuidado com da história pessoal do Gene-
ler: General Petro Velasturvo, o frio que costumava fazer, ral Petro, chega-se facilmente
o Lobo Vermelho. e em poucos minutos, fez à conclusão de que nunca
Meu contato físico com comercial de duas lojas de confiara em ninguém, e que
Avvena começou na estação roupas de inverno de co- sempre fora assessorado por
de trens. Teria começado nhecidos seus. Convidou-me um familiar. Ela, Agatha, es-
antes, se eu estivesse acorda- para entrar no carro, sem ne- tava como sua fiel escudeira
do, e teria visto praticamente nhuma formalidade especial desde os primeiros passos.
toda a cidade, de cima, pela – não que eu precisasse de A mim, porém, lembrou-me
janela do vagão: os trilhos qualquer formalidade, apenas uma diva do rádio.
fazem um percurso em espi- achei aquilo estranho e di-
Ao longo dos cinco qui-
ral pelo perímetro da cidade vertido para um lugar que eu
lômetros entre a estação e
velha, pelas encostas da serra, sabia ser o mais antipático
o hotel, Agatha expôs-me a
por sobre a absurda muralha do mundo. Entrei pela porta
situação toda, de modo mui-
que a circunda. Entretanto, os lateral, e só então percebi
to sucinto, claro e objetivo.
barbitúricos não recomenda- que havia mais alguém lá
Em poucas palavras, agendou
dentro. Era uma mulher.
www.revistasamizdat.com 29
a primeira entrevista para de café e alguns biscoitos, mas não o fim do precon-
as sete da manhã em ponto para começar a esboçar mi- ceito. Assim que chegaram o
do dia seguinte, durante o nha entrevista sem precisar café, os biscoitos e potes com
desjejum do General. Dei- descer ao restaurante. En- geléias – os avveninos são
xou-me a par do estado de quanto esperava, tentei olhar pouco sociáveis, mas sabem
saúde do herói nacional, que pela janela, e tudo o que vi comer bem – tomei meu
já avançava para a casa dos foi a fachada da fábrica de bloco e uma caneta. Esqueci-
cento e vinte anos. Também botas que ocupava a metade me completamente da rua, da
deu-me algumas explicações, da quadra do outro lado da chuva fina, do guarda bovi-
sem espaço para dúvidas, rua, e duas vezes a altura do neu que caminhava pesada e
sobre como referir-me aos hotel. Também não se via silenciosamente na calçada
tritões na presença do Ge- naquele quarteirão mais do em frente, e anotei minhas
neral, porque jamais acatou que a luz de um poste tímido perguntas.
os acordos de paz assina- permitia: uma imensa parede Amanheceu. Tomei o últi-
dos mais de cinquenta anos de tijolos, uma guarita, um mo gole de um café amargo
antes. Tampouco considera a contêiner de lixo abarrota- e frio, e nem conseguia mais
confederação das províncias do, uns quantos gatos de rua olhar para biscoitos. Pude
do Mar de Luna uma única embolados em uma caixa ver Platin e o carro oficial –
nação, e por isso, também de madeira que lhes servia cor-de-madeira-dourada com
é um assunto delicado. Por de casa. Assim que o relógio detalhes em dourado nas ex-
fim, quando o carro já se do alto da entrada da fábri- tremidades, nos paralamas e
encontrava diante das portas ca marcou meia-noite, um nos faróis dianteiros, luxuoso
do hotel, Agatha estendeu-me guarda caminhou de uma mesmo para um carro do
a mão, ao que correspondi, esquina até a outra. Era um governo – subindo a rua. O
recebendo o aperto de mãos bovineu, que eram muito dia não estava muito menos
mais pesado que já havia respeitados na infantaria do escuro nem menos chuvoso
recebido na vida. “Amanhã”, exército avvenino, e ainda que a madrugada, e Avvena
disse ela, “Platin virá buscá- mais respeitados na guarda não era mais simpática na
lo bem cedo. Não abuse dos municipal. Já estaria aí o claridade pálida do dia. Em
barbitúricos dessa vez”. O assunto para um tratado, a uma hora eu estaria dentro
ângulo dos seus lábios me diferença de tratamento dado da mansão Velasturvo. A
fez entender que se tratava aos bovineus, começando nas toca do abominável Lobo
de uma piada. Talvez, o mais caçadas da Capital, passando Vermelho.
perto que um militar avveni- pela escravatura, culminan-
no tenha chegado de uma. do na posição de destaque
Choveu continuamente no exército e na polícia de
durante toda a madrugada. Avvena. Certamente trataria
O hotel tinha um sistema de deles na biografia do Gene-
calefação eficaz e moderno, ral Petro, já que um de seus
o que me possibilitou uma companheiros no início da
noite agradável, inevitavel- vida de soldado, foi Unmonu,
mente sem sono. Dei-me o que veio a ser herói tanto de
luxo de pedir para o serviço seu próprio povo quanto do
de quarto levar-me um bule nosso, e que lhes garantiu a
alforria oficial e definitiva,
http://www.flickr.com/photos/27235917@N02/2788169879/sizes/l/
A Oficina Editora é uma utopia, um não-
lugar. Apenas no século XXI uma vintena
de autores, que jamais se encontraram
fisicamente, poderia conceber um projeto
semelhante.
O livro, sempre tido em conta como uma
das principais fontes de cultura, tornou-se
apenas um bem de consumo, tornou-se um
elemento de exclusão cultural.
A proposta da Oficina Editora é resgatar o
valor natural e primeiro da Literatura: de bem
cultural. Disponibilizando gratuitamente
e-books e com o custo mínimo para livros
impressos, nossos autores apresentam
a demonstração máxima de respeito à
Literatura e aos leitores.
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Contos
http://www.flickr.com/photos/jubilo/395004619/sizes/l/
Jú Blasina
7/8 em 1/4
Tudo começou, como hora de almoço, o escritório
sempre – mensagem anôni- Ele sorriu, apagando ime- quase vazio, silencioso – o
ma no celular: diatamente a mensagem – já som de uma nova mensagem
fazia tempo, muito tempo, – “Ah, celular barulhento”
desde o último encontro. ele resmunga fazendo ainda
Sexta-feira – 21:00 hs
Tanto que a simples menção mais barulho na tentativa de
Você sabe o que e aonde.... ser discreto.
de “surpresa” associada com
O champagne é por tua a lembrança de Val, seminua
conta. em meias 7/8, bastou para E então, garanhão?
A surpresa é por minha... excitá-lo. Olhou discretamen-
Posso te considerar... dentro?
te as mesas ao redor – era
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— Hum... aqui! Toma aqui Ela permanecia com o presumo que seja de quem?...
– alcançava ela, enquanto semblante fechado. Largou tua?
terminava de se vestir, de a meia 7/8 preta, vagarosa- Uma gota de suor amea-
maneira muito mais compor- mente, no centro da cama, çava escorrer denunciando o
tada do que havia se apre- sobre o lençol vermelho. pavor de Cris diante aquela
sentado na noite anterior. Ainda sem captar o que afirmação. Tentando man-
— E minha meia, viu? estava acontecendo, ele se ter a calma, ele reavaliava a
aproximou, analisando de situação:
— Qual? Esta que está no
perto a situação. Olhou para
seu ombro, Cris? De um lado Val: vestida
Val, para a meia, Val, meia,
Ele riu — Esta também. E sobriamente, tailleur cinza,
perguntando-se o porquê
a outra? camisa branca, sapatos impe-
de tanto mistério, Val, meia,
cáveis, cabelo perfeitamente
Olharam em volta e nada Val, meia... até que, enfim,
arrumado. De outro ele, Cris:
da meia. Começou então a percebeu! Quando seus olhos
calça ainda aberta, camisa
procura – ela revirava as co- encontraram os dela, que o
mal abotoada, calçando um
bertas já arrumadas, enquan- fitavam atentamente, não se
sapato só, cabelo bagunçado,
to ele, parado, olhava para os sentia muito seguro quanto
barba mal feita. Entre eles,
móveis, sem mover um dedo, ao que dizer. Agarrava-se
sobre a cama, aquela cama,
como se pudesse enxergar àquele silêncio, em busca de
naquele quarto que é dos
através deles – ela, agora de uma boa explicação, quando
dois, estava ela: aquela meia
joelhos, procurava por todo o silêncio foi rompido:
– maldita meia – que não
o canto, atrás a cômoda, na — E então, Cris? Caso não podia pertencer a nenhum
poltrona, sob a cama. tenhas escutado, ou entendi- dos dois.
— Achei! do, eu repito: Não, essa meia
“É isso!” pensa ele “É o que
vagabunda não é e nunca foi
Gritou ele, orgulhoso, de ela espera que eu diga: a res-
minha. As minhas, já estão
algum lugar da sala. posta lógica - é perfeita!”
na maleta, e, além disso,
Ela permanecia ajoelhada coisas vagabundas não fazem — Não, claro que não é
no mesmo local, apreensi- o meu estilo, mas, pelo visto, minha. É de uma amiga... Já
va com algo que trazia nas fazem o teu, ou estou enga- faz um tempo, a gente não se
mãos. nada? encontrava mais, tu não liga-
Cris voltava ao quarto, já vas nunca! Aconteceu... Não
Ele engoliu a seco, arrega-
de meias, fechando a camisa, achei que isso fosse te inco-
lou os olhos, “pensa rápido,
enquanto ela levantava lenta- modar tanto, afinal, a gente
pensa rápido... ah, merda!
mente – uma expressão fria, não tem compromisso... e foi
Ela sabe ou só tá blefando?
nenhuma palavra. só sexo.... e...
Ah, merda! Melhor eu falar a
— O que foi Val? Ah, verdade, dane-se” — Chega. Não preciso
achou a tua meia também? ouvir mais nada. Primeiro:
— Não, eu não trouxe
“só sexo” é o que nós temos.
— Não. ninguém aqui, se é isso que
Segundo: pouco me importa
tu tá insinuando.
— Como não? E o que é o que tu faz ou deixa de fa-
isso na tua mão? Parece até — Ah, sim, claro! Então, zer aqui, na minha ausência,
eu. Haha, te peguei agora, acompanhe o meu raciocínio: mas me incomodo, e muito,
perdendo coisas! Se essa meia não é minha, a tua falta de consideração,
nem de outra qualquer, eu
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Contos
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Contos
Prisioneiro em si
Léo Borges
http://www.flickr.com/photos/a_mason/97991107/sizes/l/
– Vou embora. Eu estou disso, de liberdade, mas porque com o rompimento
namorando a Silvia. Quero Laura propiciou-me, com pude descobrir, enfim, que
que você entenda a minha aquele ato, a oportunida- estar livre é, em verdade,
liberdade, porque estou de do meu primeiro livro estar mantido sob engano.
procurando ser feliz. não-escrito de sucesso, Ou seja, a liberdade seria
o que mostrava, então, a o perfeito ópio da huma-
Com essas palavras verdade sobre essa palavra nidade. Estarmos presos a
minha mulher se despe- com a qual os poetas ilu- conceitos dimensionais é
diu de mim, alguns anos dem os tolos: a derradeira melhor do que compreen-
atrás. A incompreensão e obra sobre a inexistência dermos as armadilhas de
a dor foram elementos que da liberdade. um mundo supostamente
me acompanharam desde livre. E esta clausura trans-
então, intensos como de- Laura saiu do matrimô- parente é que nos mantém
veriam ser. Mas não foram nio para poder entrar na esperançosos em algo que
maiores do que a reflexão vida de outra mulher e nunca chega, mas que nos
que fiz sobre os núcleos acreditou que assim seria auxilia em nossa submis-
daquela estrutura oracio- feliz. A felicidade, embora são.
nal: “liberdade” e “ser feliz”. seja um agente ilusório, é,
Naquela época, eu poderia paradoxalmente, passível A fé nessa liberdade fic-
me declarar escritor, ro- de ser procurada. Liber- tícia atrapalha nosso curso
mancista de uma literatura dade, então, seria algum natural e nos aprisiona
esparsa, livre na acepção ânimo misterioso que nesse deprimente cenário
da palavra, mas que – de- nos mantém ativos nesta de falsas alegrias, impedin-
pois descobri – não era busca. De fato, seria mes- do que vidas se enveredem
verdadeira. Procurava levar mo terrível se todos se por cenas paralelas, fossem
entretenimento às pessoas, descobrissem presos. Por estas a plasticidade de um
prendê-las a minha fan- isso minha admiração por suicídio, conforme bem
tasia frugal. Falava muito Laura nunca acabou, até demonstrou Hemingway,
www.revistasamizdat.com 39
vivo, como se estar sendo carrinho de bebê; o execu- disso. Eu não costumava
perseguido fosse a melhor, tivo engravatado apressado sentir o coração apertado
ou talvez única, saída para com sua maleta marrom. por qualquer coisa, mas
a sua sobrevivência. Uma Havia ali o espectro de naquela tarde senti. Pela
perfeita parábola sobre uma sociedade desconfia- saudade do camundongo
liberdade. da, aprisionada dentro de e, depois, por dona Célia.
si. Claro estava que aquele Minha cabeça estava presa
Na tal “vida livre” que imaculado e entediante es- nela por isso: a frequência
eu levara até poucos anos paço arborizado necessita- de seu gato em meu cár-
atrás nunca havia refleti- va – em caráter de urgên- cere diminuíra bastante
do com seriedade sobre a cia – de uma tragédia que desde que ele destroçara o
praça em frente ao meu o livrasse da angustiante e pequeno roedor. Teria ela
edifício e nem sobre os demoníaca candura a que descoberto o assassinato e
casais de namorados que fora submetido. Algo que proibido o bicho de vir-me
esculpiam coraçõezinhos reconduzisse todos aqueles fazer companhia? Era uma
no corpo das árvores rode- passantes de comporta- idéia absurda, mas deveria
adas por cercas metálicas. mento mecânico, e as com- ser respeitada.
Para eles, tatuagens como placentes copas das árvores
aquelas deveriam significar artesanalmente podadas, Notei que o entregador
o chamado “amor infinito”; a um estado natural; que da farmácia também pas-
coisa tão besta quanto a li- interrompesse todo aquele sou a entregar o Rivotril
berdade que os solteiros se burocrático ciclo no qual em datas incertas, com
regozijam em acreditar que pessoas lutavam, minuto espaços maiores. Achei
saboreiam. As grades cir- a minuto, por coisas su- que dona Célia estava,
cundando os troncos, antes postamente indispensáveis, finalmente, esquecendo seu
de serem incongruentes cumprindo destinos como genro escritor. Ela era uma
celas para caules depre- se lobotomizadas estives- leitora assídua de minhas
dados, representavam um sem. Mas o conceito de “liberdades para dondocas”
modelo de prisão empírica, liberdade funciona desta e gostava de mim com
não da planta como estava forma, com esse ardil – uma sinceridade maternal.
óbvio, mas de seus reais uma filosofia difícil de ser Estaria certa ela em querer
detratores – nós. A clau- enxergada e que não admi- esquecer um cara pessimis-
sura em maior amplitude, te nenhum tipo de contes- ta, possivelmente doente,
aliás, podia ser contem- tação. intimamente derrotado e ir
plada com um mínimo de atrás da pseudo felicidade
esforço: prédios cercados De minha janela eu da filha e seu bonito amor
por telas eletrificadas, o co- passava muitas horas homossexual? Um amor
mércio repleto de cadeados observando aquele aflitivo condenado pela sociedade
e travas eletrônicas, pare- vai-e-vem de personagens não poderia ser também
des e muros cobertos com do meu livro não-escrito, repudiado por nós. Sabía-
arames farpados. A própria principalmente dona Cé- mos da leviandade dos sen-
alameda se encontrava asfi- lia, cuja vida era olhar timentos e engrossar essa
xiada em meio às cinzentas vitrines de lojas. Naquela lista seria seguir o script
construções, entrecortadas noite pensei muito em mundial da hipocrisia.
por agressivos neons de minha sogra enquanto Naquele instante me senti
publicidade. mirava, com um remédio profundamente infeliz; uma
entre o polegar e o indi- tristeza torpe, totalmente
O mendigo catando lixo cador, uma camisa roída incompatível com o que eu
para comer, um cachorro no chão, local por onde o vinha descobrindo desde a
acompanhando-o de perto; ratinho aparecia. A gola minha separação.
crianças correndo entre os suja de sangue lembrou-
tubos de ferro do brinque- me do incidente: Libertad Tentava escrever mais
do enferrujado; o vende- já não vivia entre nós. Ele alguma bobagem para pre-
dor de algodão-doce com havia sido destruído por encher o último capítulo
olhar triste; a babá sem Guardião numa de suas de mais uma obra, mas o
expressão empurrando o visitas, e eu me esquecera cursor não saía do lugar e
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Contos
Camuflagem
Marcia Szajnbok
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menos aquele.
Gritos desesperados, as
pequenas pernas esturri- Uma hora e meia de
cadas como gravetos em atraso. Ele não vem mais.
miniatura.
Imaginava ainda.
Imaginava. Só.
Haveria, decerto, um
Só imaginava. bom motivo. Morreu
alguém. Foi assaltado. Ele
*** próprio podia estar morto.
E se jogasse sobre ele um
Parada diante da estação, pouco de álcool e depois
vestida de cinza no tom da um fósforo aceso? Gritos
parede, fazia-se invisível. desesperados, o corpo viril
Gostava de ficar ali, ocul- retorcido e carbonizado.
ta no mimetismo urbano, Um resto.
observando as pessoas.
Só.
Iam e vinham aos bor-
botões. Formigas. Teria sido um bom en-
contro, se ele tivesse vin-
Casais riam juntos, do. Talvez fossem felizes.
alguns de mãos dadas. Talvez tivesse aprendido a
Crianças portando mochi- amá-la. Talvez tanta coisa.
las. Outras, menores, puxa-
das pela mãe que desfiava A noite caía e mais
aos ouvidos desatentos cinza a cidade mais a es-
algum discurso moralizan- condia, desfeita de formas
te. Adolescentes em turbas junto à rua borrada de
barulhentas esbarravam chuva e de gente.
numa velhinha que pre-
cisava do corrimão como A vida passava. Continu-
apoio. Todos disputando
a entrada estreita do trem
que, implacável, partia em
trinta segundos.
ava só.
Só imaginava. ficina
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43
Contos
Barbara Duffles
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há anos. Mas, ao comple- tores consagrados em sua puderam comprar seus
tar seu 40º aniversário, estante, lidos pela metade livros ao longo desse
Toby não teve mais como ou intocados, assinavam tempo?
fugir. Definitivamente – e embaixo que ele realmen-
disse isso mirando-se fir- te era uma farsa. Longe Lembrou-se do que
me no espelho – ele era de ser o intelectual, o dizia às mulheres para
uma farsa. Que ninguém culto, o sensível, carac- conseguir dormir com
lá fora me ouça, pensou. terísticas que os outros elas. “Além de escritor,
lhe creditavam, e que ele também sou pintor”. Fail,
A constatação deixou piamente acreditava. fail, fail. Os quadros mal
Toby frustrado. Por mais pintados, ou abandona-
que, vez ou outra, uma Rememorou seus dos por fazer no quarti-
vozinha do além tentava textos, escritos desde a nho dos fundos diziam o
convencê-lo de sua inu- adolescência até então, oposto. Que feio.
tilidade, a auto-estima e percebeu como eram
sempre lhe disse que ele rasos. Todos nada mais Toby agora estava dian-
era o máximo. Agora eram que variações do te de um dilema moral:
Toby sabia que estava mesmo tema, as palavras revelar ou não ao mundo
mais para mínimo, e as se repetiam, o estilo se que era uma farsa? Assu-
****
Barbara
Textos publicados no
Sem saber o motivo,
blog Não Clique e no livro
começou a pensar no
Não Abra
próprio nome. Barbara.
Repetiu-o algumas vezes,
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Contos
O Admirador
Parte 4: Rostos
Maristela Scheuer Deves
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Contos
Giselle Sato
Parceiros
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uma expressão altiva e deu outro cigarro. A rodo- estado era crítico. Barbosa
parecia muito à vontade. via estava completamente soube imediatamente que
Ele sabia que estava sen- deserta, um vento gelado tinha quebrado as pernas:
do transferido para uma soprava e Magalhães dese-
- Barbosa! Ajude... Estou
delegacia melhor. Naquela jou ter faltado ao plantão.
morrendo...
hora da noite, Magalhães Havia acordado com maus
entendeu que era tudo pressentimentos e infeliz- - Maldito! Era para estar
muito irregular e não mente não seguiu o instin- morto! Safado... Pensa que
devia fazer perguntas. O to. Finalmente, o detetive não sei do seu caso com
preso começou a rir alto e Barbosa deu partida no Inês? Pensa que não notei
Barbosa jogou o carro no carro e pegou a rodovia: que crio seu filho? Pensa
acostamento: que sou idiota? Todos estes
- O que vamos fazer?
anos... Eu só queria te ver
- Vou dar um jeito neste
- Entregar o boneco, não morto, mas você sempre
palhaço.
foi para isto que viemos? sobreviveu... Nunca levou
- Calma, o moleque tá um tiro! Armei tantas e
- Ele está morto, se não
doidão. nunca levou um tiro! Mas
percebeu... Irão ver na
hoje ela pediu que você
- Eu estou calmo! hora.
viesse...para não levantar
Não adiantou argumen- - Eu sei. suspeitas.
tar, Barbosa desferiu uma
- Ei amigo! Está corren- Barbosa testou a porta
série de socos na cabeça
do demais, porque esta e conseguiu abrir com
do preso, transformando
pressa agora? Barbosa, dificuldade. Girou o corpo
o rosto em uma massa
estamos a 120, 140... Bar- e soltou um grito agudo
disforme e sanguinolenta.
bosa! Diminua esta porra! enquanto jogava as pernas
A muito custo, foi contido
Olha a árvore! para fora do automóvel.
e jogado no asfalto. Maga-
Magalhães arregalou os
lhães tentou socorrer , mas O carro colidiu contra a
olhos de puro horror,
o rapaz regurgitava san- árvore e como é do conhe-
enquanto Barbosa tirava o
gue por todas as vias. Em cimento geral, o instinto
maço de cigarros de seu
poucos segundos, estre- sempre obriga o motoris-
bolso. O fumo acendeu e
meceu e caiu para o lado. ta a se proteger. O preso
Barbosa puxou com força,
Barbosa certificou-se que atravessou o vidro e foi
até transformar a ponta
o rapaz estava morto, tirou arremessado no matagal à
em uma brasa viva. Len-
as algemas e calmamente margem da rodovia. Toda
tamente deixou o cigarro
retomou o volante. a lateral ficou completa-
cair no fundo do carro.
mente destruída, Maga-
O parceiro sabia que ele
lhães preso às ferragens
devia estar pensando, não
ainda respirava, mas o
ousou interromper e acen-
http://www.flickr.com/photos/otto-yamamoto/3208625616/sizes/l/
O DITO SEXO E
A TAL CIDADE Miguel Castro
O esforçado Jojo la Rue não uma pequena Meca do rocka- tas, e da sua terceira Budwei-
consegue fazer-nos rir. Acre- billy ao vivo e furioso, num ser, separei-me em Portugal há
dito que o sotaque cerrado pequenérrimo e suado palco, dois meses e não é todas as
dificulte a teatral tarefa, no após uma conversa esta tarde noites de sexta-feira que ando
meio de tantas anedotas de al- com um empregado da Trash por Nova Iorque e encontro
gibeira a sair a ritmo e táctica and Vaudeville, uma loja de uma ruiva de Queens, não
de coelhos da cartola, impe- roupas incríveis em St Marks acompanhada, francamente
cavelmente brancas e dobra- Place, e rocker amador numa bonita, neta de irlandeses, à
dinhas, como lenços prontos garagem em Brooklyn Heights beira de um fim de semana
a sujar de rompante, e umas com uns tais Skinny Boy Jones, sem os dois filhos que andarão
piadas de política emoldurada, promissores, ao que me queria a melgar o pai, e ex-marido.
cujos contextos são para um fazer ver. – Estás com tempo? Queres
português vizinho de Espanha, Só não me vou embora andar por aí? Ir a outro sítio
perfeitos estranhos. por Trisha. Quase uma hora qualquer? – pergunta-me com
A restante meia dúzia de de conversa depois de a ter o tal brilhozinho nos olhos
clientes pingados presta mais visto, e tão revisto, na mesa que me parece ser aquele de
de uma atenção quase re- ao fundo, tenho uma daquelas que uma antiga canção do
verência às cervejas, do que certezas irredutíveis de que- Sérgio Godinho fala.
ao candidato a comediante rer tê-la bem mais perto de Andar por aí, hang out,
anunciado à porta deste Otto`s mim do que os dois palmos como se diz nesta cidade tão
Shrunken Head (a cabeça mir- de diálogo e alguns risos entre viva, onde as noites são tão
rada do Otto), nome fantástico nós, enevoados pelo fumo do intensas como sexo, é uma
para um bar algo polinésio na seu cigarro. O sincero desejo óptima sugestão, para já.
Rua 14, leste, entre as avenidas de sexo demorado e explícito
A e B. Vim cá à procura de é-me implícito. Afinal de con- Lá fora apercebo-me do
esgar da lua, surpreendida, e
Miguel Castro nasceu em Ju- Porquinhos da Ilda com a qual de várias pequenas histórias. Um
lho de 1967 em Lisboa. Cresceu decidiu definitivamente fazer da hábito que ainda hoje prevalece.
sempre com vontade de escrever e música uma profissão a tempo Em 2003 fundou a Espanta
a alimentar-se de doses maciças inteiro. Graças à irreverência, Espíritos, empresa de manage-
de música. Aos 16 anos desistiu humor peculiar, sonoridade, e a ment, agenciamento, e produção,
de perseguir e atormentar o seu animada presença em palco que que gere as carreiras de grupos
pai quando este finalmente lhe os caracterizava, os Porquinhos do panorama musical português
comprou uma guitarra eléctrica e da Ilda realizaram centenas de como Corvos, Verdes Anos, Dina,
um amplificador. concertos por todo o Portugal e e Mariária, entre outros. No verão
Em 1986 ingressa na Faculdade editaram 3 álbuns, destacando-se de 2004 começou a escrever o seu
de Ciências de Lisboa para cursar o hit radiofónico “Canguru” em primeiro romance ANDA CÁ FAZ-
Geologia. 1997. ME TUDO O QUE QUISERES,
Integrou a formação de várias Em 2000 fundou a sua primeira que foi editado em Setembro de
bandas com as quais, e também a empresa de management e produ- 2005 pela Sete Caminhos.
solo, percorreu o circuito universi- ção de espectáculos, a Oink Músi- Actualmente Miguel Castro conti-
tário dos cafés-concertos e alguns ca, e tornou-se responsável oficial nua a ser músico, como sempre foi
bares em Lisboa. Em 1991 grava a pelas carreiras de Porquinhos e será, coordena os espectáculos
sua primeira canção numa colec- da Ilda, Império dos Sentados, e infantis da Espanta Espíritos e é
tânea de novos grupos e artistas, Woodstone. Em 2002, após muitas co-produtor da cantora e com-
editada ainda em vinil, num LP. viagens e experiências, a conselho positora Dina. Adora o seu filho
do médico e de amigo deixou de Afonso, o rock`n`roll, ir para a
De 1992 a 1994 foi professor beber álcool.
no ensino secundário e em 1995 estrada, viajar, e escrever. Está
formou na Amadora a banda pop Um dia ao fim de uma tarde sen- até com ideias de preparar o seu
tou-se e escreveu a sua primeira segundo romance.
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Tradução
James Joyce
tradução: Henry Alfred Bugalho
Eveline
54 SAMIZDAT julho de 2009
54
Ela se sentou à janela, varinha de abrunheiro; à Abençoada Margaret
assistindo a noite inva- mas geralmente o peque- Mary Alacoque. Ele havia
dir a avenida. A cabeça no Keogh os alertava e sido um colega de escola
reclinada contra as cor- gritava quando via o pai de seu pai. Sempre que
tinas da janela e em suas dela vindo. Mesmo assim, ele mostrava a fotografia
narinas o odor de cretone eles pareciam ter sido a uma visita, o pai costu-
empoeirada. Ela estava bastante felizes naquela mava passá-la com uma
cansada. época. O pai dela ain- frase casual:
da não era tão ruim; e,
Pouca gente passava. O — Ele está em Mel-
além disto, sua mãe ainda
homem da última resi- bourne agora.
vivia. Isto aconteceu há
dência passou em seu
muito tempo; ela, seus Ela havia concordado
caminho para casa; ela
irmãos e irmãs haviam em partir, em deixar sua
ouviu os passos dele res-
crescido, sua mãe estava casa. Havia sido sábio?
soando pelo chão de con-
morta. Tizzie Dunn havia Ela tentou pesar cada
creto e, depois, calcando
morrido também, e os lado da questão. Em sua
a trilha cinzenta antes
Waters haviam regres- casa, de qualquer modo,
das novas casas verme-
sado à Inglaterra. Tudo ela tinha abrigo e comi-
lhas. Antigamente, havia
muda. Agora ela partiria da; ela tinha por perto
um campo ali no qual
como os outros, deixaria aqueles a quem conhecia
eles costumavam brin-
sua casa. por toda sua vida. É claro
car todas as noites com
que ela tinha de traba-
as crianças dos outros Casa! Ela contemplou
lhar duro, tanto em casa
vizinhos. Então, um ho- a sala, examinando todos
quanto no trabalho. O
mem de Belfast comprou seus objetos conhecidos,
que eles diriam dela na
o campo e construiu as que ela havia espanado
loja quando descobrissem
casas nele — não como as uma vez por semana por
que ela havia fugido com
casas marrons deles, mas muitos anos, imaginando
um sujeito? Diriam que
casas de tijolos brilhantes de onde na terra vinha
ela era uma tola, talvez;
com telhados reluzentes. toda a poeira. Talvez ela
e sua vaga seria ocupada
As crianças da aveni- nunca mais visse aqueles
através dum anúncio. Se-
da costumavam brincar objetos conhecidos, dos
nhora Gavan ficaria feliz.
http://www.flickr.com/photos/rachelsian/252529196/sizes/l/
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Ela não verteria mui- xelins — e Harry sempre Ela estava prestes a
tas lágrimas por deixar a mandava o que podia, explorar uma outra vida
loja. mas o problema era con- com Frank. Frank era
seguir algum dinheiro de muito gentil, másculo e
Mas em sua nova
seu pai. Ele dizia que ela amoroso. Ela iria embora
casa, num distante país
desperdiçava o dinheiro, com ele no barco da noi-
desconhecido, não seria
que ela não tinha miolos, te para ser sua esposa e
deste jeito. Então ela se
que ele não daria a ela viver com ele em Buenos
casaria — ela, Eveline. As
o dinheiro suado dela Aires, onde ele tinha uma
pessoas a tratariam com
para esbanjar na rua, e casa esperando por ela.
respeito, então. Ela não
muito mais, porque ele Quão bem ela se lembra-
seria tratada como fora
estava geralmente muito va da primeira vez que o
sua mãe. Mesmo agora,
mal aos sábados à noite. vira; ele estava hospedado
apesar de ter mais de de-
No fim, ele lhe daria o numa casa na rua princi-
zenove anos, ela sentia-se,
dinheiro e perguntaria pal que ela costumava vi-
às vezes, ameaçada pela
a ela se tinha alguma sitar. Isto parecia ter sido
violência do pai. Ela sabia
intenção de comprar o semanas atrás. Ele estava
que era isto que lhe dava
jantar do domingo. En- parado no portão, seu
palpitações. Enquanto
tão, ela tinha de correr o chapéu pontudo penden-
cresciam, ele nunca ha-
mais rápido que podia e do para trás da cabeça e
via se voltado contra ela
fazer as compras, segu- seu cabelo tombado para
como costumava contra
rando com força na mão frente do rosto de bron-
Harry e Ernest, porque
sua bolsa preta de couro, ze. Então, eles passaram a
ela era uma garota, mas
enquanto ela se acotove- se conhecer um ao outro.
recentemente ele havia
lava através da multidão Ele costumava encontrá-
começado a ameaçá-la
e voltava para casa tarde la fora da loja todas as
e dizer o que faria com
sob sua carga de provi- noites e acompanhá-la
ela se não fosse pela mãe
sões. Ela trabalhava duro até em casa. Ele a levou
morta. E não havia nin-
para manter a casa ajei- para assistir à “Garota
guém para protegê-la. Er-
tada e se certificar se as Boêmia” e ela se sen-
nest estava morto e Har-
duas crianças pequenas tiu elevada ao se sentar
ry, que estava no ramo de
que haviam sido deixadas com ele numa parte do
decoração de igrejas, esta-
a seu encargo iam à esco- teatro na qual não esta-
va quase sempre em al-
la regularmente e se ali- va acostumada. Ele era
gum lugar no sul do país.
mentavam regularmente. tremendamente atraído
Além disto, as invariáveis
Era trabalho duro — uma por música e cantava um
discussões por dinheiro
vida dura —, mas, agora pouco. As pessoas sabiam
aos sábados à noite ha-
que ela estava prestes que eles namoravam e,
via começado a exauri-la
a abandoná-la, não lhe quando ele cantava sobre
indescritivelmente. Ela
parecia de todo uma vida a rapariga que amava
sempre entregava seu
indesejável. um marujo, ela se sentia
salário inteiro — sete
sempre agradavelmente
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Ela estacou em meio rumo a Buenos Aires. A possível. Suas mãos cra-
à multidão serpentean- passagem estava reserva- vadas no ferro em frene-
te na estação de North da. Ela poderia desistir si. Do interior dos mares
Wall. Ele segurava sua depois de tudo que ele ela emitiu um grito de
mão e ela sabia que ele havia feito por ela? Sua angústia.
falava com ela, dizendo angústia despertou uma
— Eveline! Evvy!
mais uma vez algo sobre náusea em seu corpo e
a passagem. A estação ela continuou movendo Ele avançou para além
estava cheia de solda- seus lábios numa silen- da barreira e a chamou
dos com malas marrons. ciosa oração fervorosa. para segui-lo. Gritaram
Através das largas portas para ele prosseguir, mas
Um sino ressoou den-
do barracão, ela capturou ele ainda a chamava. Ela
tro de seu coração. Ela
um vislumbre da massa lhe voltou o rosto branco,
sentiu ele segurar sua
negra do barco, jazendo passivo, como um animal
mão:
para além do molhe, com indefeso. Seus olhos não
iluminadas escotilhas. — Venha! lhe davam nenhum sinal
Ela não respondeu nada. de amor, de despedida, ou
Ela sentiu suas bochechas Todos os mares do
reconhecimento.
pálidas e frias, desde um mundo despencaram
labirinto de ansiedade, sobre seu coração. Ele a
ela orou a Deus que a estava conduzindo em
Conto extraído da obra
guiasse, que lhe mostras- direção a eles: Ele a afo-
“Dublinenses”
se qual era sua obrigação. garia. Ela se agarrou com
O navio soltou um longo ambas as mãos na grade
silvo pesaroso em meio de ferro.
à névoa. Se ela partisse, — Venha!
amanhã estaria no mar
com Frank, navegando Não! Não! Não! Era im-
http://www.flickr.com/photos/hidden_treasure/2474163220/sizes/l/
O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
ficina
58 SAMIZDAT julho de 2009
58
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James Augustine Aloysius Joyce (1939) - o que se poderia consi- blin e reflete sua vida familiar e
(Dublin, 2 de Fevereiro de 1882 derar um “cânone joyceano”. eventos, amizades e inimizades
— Zurique, Suíça, 13 de Janeiro dos tempos de escola e faculda-
de 1941) foi um escritor irlan- Embora Joyce tenha vivido fora de. Desta forma, ele é ao mesmo
dês expatriado. É amplamente de seu país natal pela maior par- tempo um dos mais cosmopolitas
considerado um dos autores de te da vida adulta, suas experi- e um dos mais particularistas
maior relevância do século XX. ências irlandesas são essenciais dos autores modernistas de lín-
Suas obras mais conhecidas são para sua obra e fornecem-lhe gua inglesa.
o volume de contos Dublinenses toda a ambientação e muito da
(1914) e os romances Retrato do temática. Seu universo ficcional
Artista Quando Jovem (1916), enraíza-se fortemente em Du-
Ulisses (1922) e Finnegans Wake
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Teoria Literária
Fluxo de consciência
a literatura dentro da mente
Henry Alfred Bugalho
http://faculty.frostburg.edu/mbradley/psyography/james.gif
A Psicologia e suas referia ao turbilhão de pen-
ramificações influenciaram samentos na mente cons-
vários estratos da sociedade ciente, isto é, toda a gama
e da cultura, e encontraram de impressões, sensações,
um solo bastante fértil na raciocínios que se desenro-
Literatura. Imediatamente, lam superficialmente.
os autores deste período de A definição básica de
ebulição científica trouxe- William James é a seguinte:
http://www.flickr.com/photos/raggle/3071219631/sizes/l/
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A grosso modo, o que se
propõe é que a consciência
está em constante mutação,
ininterruptamente, concen-
trando-se sobre determina-
das impressões e sensações,
enquanto ignorando outras.
A primeira aplica-
ção óbvia na Literatura é
através dum narrador em
primeira pessoa, que expõe
seus pensamentos e vivên-
cias numa sequência con-
tínua e abrupta, alternando
seu foco de acordo com a
corrente mental.
A revolução joyceana
http://www.census.nationalarchives.ie/exhibition/dublin/literary/full/M_Joyce.jpg
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Outros fluxos de alta classe média britânica.
consciência Enquanto que, nos EUA, o
fluxo de consciência apa-
Paralela e simultanea- receria nos trabalhos de
mente a Joyce, vários outros Faulkner e T. S. Eliot.
autores também mergulha-
O impacto desta técnica
vam neste turbilhão interior
narrativa foi avassalador.
das psiques de seus perso-
Ela se disseminou entre os
nagens, fossem eles influen-
autores das gerações se-
ciados pelos trabalhos de
guintes, perpassando todo o
Freud, Jung ou Henri Berg-
movimento modernista da
son.
década de 20 e chegando
Na França, o grande até aos nossos dias, acolhida
expoente foi Marcel Proust pelos arautos da pós-mo-
de inglês em Trieste, na e sua monumental obra “Em dernidade.
Itália, e um de seus alunos, Busca do Tempo Perdido”,
A lista de autores que
o também escritor Italo dispersa em vários volumes
namoraram “o fluxo de
Svevo, tinha dificuldade e relatando, de maneira
consciência” é imensa:
para pontuar suas redações bastante pessoal e autobio-
Albert Camus, Hermann
em inglês, escrevendo assim gráfica, as rememorações do
Hesse, Salinger, Samuel
um texto contínuo. Joyce narrador, Marcel, desde a
teria achado engraçada esta infância até à idade adulta. Topo à esquerda: William
peculiaridade, mas logo Na Inglaterra, Virginia Faulkner..
percebeu as implicações Woolf experimentava novas Abaixo à esquerda: Marcel
literárias duma estrutura Proust, autor da gigantesca obra
formas narrativas através de
como esta, adotando-a em “Em Busca do Tempo Perdido”.
enredos cotidianos am-
sua escrita quase imediata- Abaixo: Virginia Woolf.
bientados nos círculos da
mente.
- Wikipédia: stream of
consciousness
http://en.wikipedia.org/wiki/
Stream_of_consciousness_
(narrative_mode)
www.revistasamizdat.com 65
Teoria Literária
Algumas pistas
para escrever mistérios
Maristela Scheuer Deves
www.revistasamizdat.com 67
não pode usar tapeação num duzidas”. Cada um tem suas
jogo de cartas. Tem de supe- Uma outra regra não- vantagens, entretanto a
rar intelectualmente o leitor e oficial mas praticamente opção por um investigador
prender o interesse do mesmo institucionalizada entre que não é profissional tem
usando seu engenho. Existem quem escreve mistério é para o leitor um atrativo a
leis definidas na feitura de que o crime em torno do mais – parecer-se com ele.
entrechos policiais; leis que qual se desenvolve a trama Prova disso é o sucesso de
não foram escritas, talvez, deve ser algo com o qual as um dos personagens cria-
mas ainda assim imperativas, pessoas se importem, usu- dos pela Rainha do Mis-
e todo autor de mistérios lite- almente um homicídio. Ou, tério, Agatha Christie: sua
rários atende a essas leis.” como disse Van Dine: inesquecível Miss Marple é
A seguir ele lista 20 leis uma solteirona que mora
“É necessário que haja um
para o gênero, que, segundo numa cidade pequena e que
cadáver na novela de dete-
ele, seriam baseadas na prá- sempre acaba solucionando
tives, e quanto mais defunto
tica dos grandes autores. En- crimes e enigmas compli-
esse cadáver, melhor. Afinal,
tre elas, as que se destacam cados.
o trabalho que tem o leitor
são que o leitor deve ter a precisa ser recompensado. Os Outro fator a ser con-
mesma oportunidade do leitores são criaturas huma- siderado na escolha do
detetive, com todas as pistas nas e, portanto, um assassi- detetive ideal para a histó-
claramente descritas, e que nato desperta neles o senti- ria é o público para o qual
o culpado deve ser encon- mento de vingança e horror. se escreve. Se em uma obra
trado por meio de deduções Desejam levar o assassino à voltada a adultos a identifi-
lógicas e não por confissão, justiça, e com isso se inicia cação com o protagonista já
coincidência ou acidente. a perseguição com todo o exerce papel importante na
Ele também condena as so- entusiasmo.” hora de cativar o leitor, isso
luções não naturais, como é ainda mais verdadeiro
Uma vez cometido o
reuniões espiritualistas ou quando se trata do leitor jo-
crime, seja ele assassina-
dispositivos fictícios, como vem. Afinal, qual o adoles-
to ou não, entra em cena
o assassinato da vítima por cente que não gosta de ler
outro elemento impres-
um veneno desconhecido, sobre outros jovens da sua
cindível, o detetive. Nesse
ou a imputação do crime a idade envolvidos em aven-
ponto, deverá ser tomada
um criminoso profissional, turas, investigando crimes e
uma das primeiras decisões
a exemplo de um assaltante. solucionando mistérios?
importantes do escritor de
Um dos conselhos que mistério: quem será o seu Tão importantes quanto
mais se aproxima do ideal detetive. Um policial? Um o detetive, talvez, são os
e que resume inúmeras ou- detetive profissional? Um suspeitos. Eles são todos que
tras regras talvez seja esse semi-profissional, como um podem ter um motivo para
de Nardejac: “é necessário advogado ou um jornalista? cometer o crime, seja esse
que os enigmas propostos Ou um outro personagem motivo financeiro, passional
ao detetive sejam, ao mes- qualquer, uma pessoa co- ou outro qualquer. Com o
mo tempo, verdadeiras pro- mum que irá se confron- desenvolvimento da trama
vas. As situações dramáticas tar com o crime e tentará e o surgimento de pistas,
deverão, por conseguinte, resolvê-lo? novos suspeitos vão sendo
ser numerosas e bem con- acrescentados, enquanto ou-
www.revistasamizdat.com 69
ou ainda serem fatos que, não por acidente, coincidên- assim que o detetive o fizer. E
mesmo parecendo suspei- cia ou confissão. Solucionar aí temos o sabor do torneio.”
tos, nada têm a ver com o um problema criminal desse Paralelamente às pistas,
crime. Isso fará o detetive (e modo é como mandar o lei- outro elemento é necessário
o leitor) ir por determinado tor numa empreitada inútil”. para fazer o leitor descon-
tempo para o lado errado, É novamente o concei- fiar de um ou de outro per-
suspeitando de alguém que to de jogar limpo com os sonagem e, principalmente,
não tem nada a ver com o leitores, que, dessa forma, para mantê-lo interessado
crime, até outra pista levá- têm as mesmas condições na história: pontos de vira-
lo de volta ao rumo certo. do investigador ficcional de da no decorrer da trama.
Da mesma forma, al- descobrir o culpado a partir Como foi dito anterior-
gumas pistas devem estar das pistas que vão sendo mente, se o detetive seguir
totalmente visíveis para os apresentadas. Voltando à sempre em uma direção, o
leitores e para o investiga- orientação de Van Dine livro terminará (ou perderá
dor que é o protagonista reproduzida por Albuquer- a graça) logo nos primeiros
da trama, enquanto outras que: capítulos.
devem estar escondidas em “A verdade do problema Para que ocorra essa
meio a outros fatos ou obje- deve estar à vista, em todos virada, um ponto é básico:
tos. O importante, destacam os momentos – desde que o fazer algo acontecer. Esse
estudiosos e escritores do leitor seja arguto o bastante fato novo pode ser um ou-
gênero, é jogar limpo com para percebê-la. Com isso tro crime (talvez até mes-
os leitores, proporcionando quero dizer que se o leitor, mo do suspeito), uma nova
a eles as mesmas informa- depois de tomar conheci- pista que aponta para uma
ções a que o detetive da mento da explicação para direção totalmente nova,
história tem acesso (embo- o crime, voltar a ler o livro, etc. Outra tática consagrada
ra alguns escritores, como perceberá que a solução de e usada pela maioria dos
Agatha Christie, por vezes certo modo estivera bem autores de romances poli-
escondam pistas que só são clara, que as pistas realmente ciais é encerrar os capítulos
reveladas no final). indicavam o culpado. E que, com um algo novo, uma
Outra visão defendida se tivesse sido tão perspicaz informação instigante que
por vários autores é que o quanto o detetive, poderia fará o leitor começar o
desenlace da história deve- ele próprio ter solucionado capítulo seguinte imediata-
rá se dar a partir das pistas. o mistério antes do último mente para saber o que vai
O autor não deve recorrer a capítulo. Se a história de acontecer.
uma saída fácil que se apre- detetive for legitimamente A leitura, no entanto,
senta miraculosamente para construída, será impossível não pode ser uma contí-
solucionar o mistério. Se a manter a solução afastada de nua tensão. É preciso saber
solução não vier através das todos os leitores antes das pá- dosar os picos de suspense
pistas e do trabalho inte- ginas finais. Existirá, de modo com momentos em que o
lectual do detetive, o leitor inevitável, certo número de clima é aliviado. Isso pode
se sentirá traído, enganado. leitores tão argutos quanto o ser feito por meio de tra-
Como disse Van Dine: “O autor, que poderão, mediante mas paralelas, mostrando
culpado deve ser encontrado análise, eliminação e raciocí- outras partes da vida do
mediante deduções lógicas e nio lógico, indicar o culpado detetive-protagonista: traba-
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Teoria Literária
deve ter como verso central um decassíla- Já um blavino heróico – ou uma tentati-
bo heróico: 10 (6-10) [dez sílabas, va de - seria algo como este:
acentuando-se a 6ª e a 10ª].
- uma regra adicional seria a de que o
“blavino perfeito” seria aquele que pode ser
lido na ordem direta e na ordem inversa [conforma-te]
perfeitamente.
(Volmar Camargo Junior)
- uma variação, criada pela Marcia Sza-
jnbok – que também aderiu ao blavino, é o
formato “abismo” (ou “abissal”), cujo verso conforma-te
central, ao contrário da forma padrão, é ei-la, como pediste,
composto por uma única palavra (assim a praia longa e branca
como ocorre nos versos 1 e 13).
basta de ritos funerários
Assim, por exemplo, seria um blavino
www.revistasamizdat.com 73
basta de tormentas marinhas participantes da comunidade Estúdio de
basta de esperar ser consumido Criação Poética, onde foi apresentado. Des-
conforma-te, é o fim da vida no mar te grupo, já produziram blavinos Beatriz
Moura, Caio Rudá, Carlos Barros, Marcia
sente, o sol aqui é mesmo o sol
Szajnbok, José do Espírito Santo, Renata de
o chão caminha com o vento
Aragão Lopes e Taty Nascimento. Nesta
e a paisagem, por si, muda edição da SAMIZDAT é possível encontrar
a praia longa e branca alguns exemplos de blavinos, publicados
ei-la, como pediste por Juliana, Volmar e José do Espírito
conforma-te Santo. E, até ao final da edição, talvez haja
mais alguns. E se você que está lendo,
gosta de escrever poemas e tiver gostado
Um blavino abissal seria assim: do blavino, sinta-se à vontade. Sirva-se! O
blavino está aí, para quem quiser desfrutá-
lo. Apenas gostaríamos que os interessados
cat on a hot tin roof entrassem em contato conosco aqui na
SAMIZDAT, mostrassem seus poemas, para
(Marcia Szajnbok)
que, quem sabe, esse formato se torne algo
tão interessante – e grande! – como o poe-
luzes trix e o indriso.
do bote
da fera
faminta
http://www.flickr.com/photos/sunlightfoundation/2385174105/sizes/o/
Volmar Camargo Junior
Um monte de papel
Exame de gravidez “posi- tório civil como testemunha demissão de todos os cargos
tivo”, exame pré-natal, baixa de casamento, inscrição para de professor (champanha e
hospitalar, prontuário médi- concurso público, inscrição foguetes!), contrato de expe-
co, teste do pezinho, certidão para segundo concurso pú- riência, contrato de trabalho
de nascimento, carteira de blico, certificados de partici- por tempo indeterminado,
vacinas, matrícula escolar, pação em cursos (dezenas), pedidos de transferência de
boletim escolar (um a cada encerramento de contrato de lotação, efetivação de trans-
dois meses durante onze trabalho, encerramento de es- ferência de lotação, certidão
anos), carteira de identidade, tágio na universidade, diplo- de casamento, contrato de
carteira de trabalho, cadastro ma universitário, contrato de hipoteca de imóvel, novo
de pessoa física, título elei- trabalho para professor em pedido de transferência de
toral, certificado de curso de escola municipal, contrato de lotação, efetivação de transfe-
informática, certificado de trabalho para professor em rência de lotação, contrato de
curso de datilografia (sim, escola estadual, outro con- locação de imóvel (outro, não
sim... no meu tempo se fazia trato de trabalho para pro- o primeiro), inscrição em se-
isso...), histórico escolar, ins- fessor em escola municipal, gundo vestibular, aprovação
crição para o vestibular, ves- primeiros contracheques com em segundo vestibular, matrí-
tibular, divulgação do resul- um salário decente, folhas cula em segunda universida-
tado do vestibular, matrícula de chamada de dezenas de de, mas desta vez, tudo pelo
na universidade, alistamento turmas de alunos, cartão- computador. Desistência da
militar, certificado de dispen- ponto, ata de reunião com vaga na segunda universida-
sa do serviço militar (excesso professores, ata de reunião de, com firma reconhecida,
de contingente), renovação com pais de alunos, telegra- enviada para o centro de
da matrícula na universidade ma “você está sendo convo- registro acadêmico, por cor-
(4), contrato de financiamen- cado para avaliação médica respondência registrada com
to estudantil, contrato de tra- e psicológica referente ao confirmação de entrega.
balho, contrato de estágio na segundo concurso público”,
universidade, caderno do car- bateria de exames, pedido de
www.revistasamizdat.com 75
Crônica
http://meaningfuldistractions.files.wordpress.com/2008/07/barack_obama_on_the_primary.jpg
Maristela Scheuer Deves
www.revistasamizdat.com 77
Crônica
Crônica de uma
cidade adormecida
Caio Rudá de Oliveira
http://www.flickr.com/photos/oimax/243853848/sizes/l/
me que consigo pensar. funções e esquecemos de Dessa vez um leite quente
Quando acordada, é o todo o resto. Eis o viver. com chocolate, enquan-
capitão-do-mato que nos Para nos tirar da rotina, to olho uns blogues sem
mantém na linha confor- nada como uma insônia sal. Por fim, uma passada
me a vontade do senhor; inesperada. Levanto, vou na janela. A avenida lá
não tolera atraso, descul- à janela, tomo empres- na frente, vazia. Não é a
pas ou ineficiência, e está tado um pouco de ar, mesma das horas de sol.
atenta, regendo uma vida agora menos carregado Um carro ou outro per-
compulsória. de poluição, e sento em corre o asfalto cansado,
Nasce o dia e acor- frente à TV - monótona insone como eu. Tento
damos, não porque o programação aberta. Vou advinhar para onde vai
sono já nos bastou, mas à cozinha, bebo um suco uma hora dessas. Talvez
pelas obrigações diárias. e volto a deitar. Já não já esteja retornando. De
79
Crônica
ou talento extraordinário; estou fazendo hoje”. Você faz hoje o que gostaria
apenas a escrita parecia de fazer amanhã?”
estar presente o tempo todo, E não é o que todos nós
mesmo que paralelamente, sonhamos? Encontrar algo Se a resposta for não, não
sutilmente. na vida que gostaríamos de se desespere, nem tudo está
fazer todos os dias de nossas perdido... A vida pode mudar
Meu herói da infância vidas? Encontrarmos a pro- a qualquer instante. Às vezes,
era o Indiana Jones, por isto, fissão perfeita para nós, ou a muda até sem querermos.
por um bom tempo tam- companheira pra toda a vida,
bém almejei ser arqueólo- a casa do sonhos, a viagem
go. Quando descobri que a de nossos projetos?
realidade da profissão estava
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Poesia
Dois blavinos
José Espírito Santo
Um
Olhar
Sussurrar o espaço
Ventar rodopiante na mostra de gota
Fruindo
Ficando
Palavras e frases
Angústias, lampejos, ausência
Sentiste
Vivendo
http://www.flickr.com/photos/pulihora/250872559/sizes/o/
José Espírito Santo
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Poesia
Laboratório Poético:
o poema Blavino
Volmar Camargo Junior
Colheita
sedutora
de invulgar e
irresistível beleza
[conforma-te]
frutos somente, nenhuma semente
conforma-te
colhe-se só iracunda e vil
joga ao chão os pomos ei-la, como pediste,
ignora aos vermes a praia longa e branca
conforma-te
http://www.flickr.com/photos/stansich/178907288/sizes/o/
que chegue
tenra e morna
desarmônica
acomode-se
durma
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Poesia
Antessala
As flores morrem
e o vento corre,
varrendo a terra
e o caminho.
Eu, sozinho
ainda choro,
mas não imploro
por sua volta.
Eu sei que o fim
é natural.
O barulho da água
E assim,
alagada em minha lágrima,
cai a chuva, chora a água,
a dor transborda e me enxágua,
e eu me inundo de mim.
Até o fim.
www.revistasamizdat.com 87
Poesia
http://www.flickr.com/photos/imortal/3540839854/sizes/o/
Que fale a voz do povo explorado em Frei Cappio, Beto e Bofff,
Em Sabatella, Comparato, Casaldaliga e Zé Celso,
Reverberando em vozes sem fim
Como reverberaram as vozes de Gandhi, Cristo, Zumbi,
Conselheiro e do grande Martin Luther King.
OBS: Poesia publicada no contexto da greve de fome de Frei Cappio contra a Transposição do Rio São Fran-
cisco que segue irrigando ainda mais as terras dos latifundiários e passam a largo do semi-árido do povo
pobre e sofrido, filhos, netos e bisnetos do Arraial de Canudos.
SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa
Revisão
Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.
www.revistasamizdat.com 91
Assessoria de imprensa
Mariana Valle
Por um amor não correspondido, a carioca de
Copacabana começou a poetar aos 12 anos. Veio o
beijo e o príncipe virou sapo. Mas a poesia virou sua
amante. Fez oficina literária e deu pra encharcar o
papel com erotismo. E também com seu choro. Em
reação à hipocrisia e ao machismo da sociedade.
Atuou como jornalista em várias empresas, mas foi
na TV Globo onde aprimorou as técnicas de reda-
ção e ficção. E hoje as usa para contar suas próprias
histórias. Algumas publicadas em seu primeiro livro
e outras divulgadas nos links listados em seu blog
pessoal: www.marianavalle.com
Coordenação de Entrevista
92
92 SAMIZDAT
SAMIZDATjulho
julhode
de2009
2009
92
Colaboração
http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.
Barbara Duffles
Jornalista, escritora e roteirista, é autora do livro
“Não Abra” e do blog “Não Clique”. Apesar das nega-
tivas, esta carioca quer, sim, ser lida - como todo es-
critor. Tem dias de conto, de crônica e de pílulas sem
sentido. Suas paixões: cinema e livros com cheiro de
novo - se bem que adora se perder nos sebos da vida.
Carlos Barros
Paulistano, filho de nordestinos, desenhista desde
sempre, artista plástico formado, escritor. Começou
sua vida profissional como educador e, desde então,
já deixou seu rastro por ONG’s, Escolas e Centros
Culturais, através de trabalhos artísticos e pedagó-
gicos – experiências que têm forte influência sobre
seus escritos. Atualmente, organiza oficinas de ilus-
tração para crianças, estuda pós-graduação em Histó-
ria da Arte e escreve para publicações na internet.
carloseducador@hotmail.com
http://desnome.blogspot.com
www.revistasamizdat.com 93
Dênis Moura
Paulistano de pia, cearence de mar e poeta de
amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberes-
paço, mais com bits de imaginação que com telescó-
pios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja
ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e
a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na
outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social,
com a democracia participativa eletrônica, onde o
povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias
sua primeira obra, um Romance de Ficção Científi-
ca, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É
feito de bits, links e teia pra que não desmaterialize,
o clique, o blogue e o leia!
Giselle Sato
Autora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-
rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca.
Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de
bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se
a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da socie-
dade em que vivemos.
Guilherme Rodrigues
Estudante de Letras na Universidade do Sagrado
Coração, em Bauru, onde sempre morou. Nutre gran-
de paixão por Línguas, Literatura e Lingüística, áreas
a que se dedica cada vez mais.
http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
licenciado recente em História da Arte, experimenta
agora o prazer da escrita, em Lisboa.
episcopum@hotmail.com
Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.
Marcia Szajnbok
Médica formada pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra
e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas
estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de escrever
de vez em quando. Paulistana convicta, vive desde
sempre em São Paulo.
Maristela Deves
Gaúcha nascida na pequena cidade de Pirapó, co-
meçou a sonhar em ser escritora tão logo aprendeu a
ler. Escreve principalmente contos nos gêneros misté-
rio, suspense e terror, além de crônicas.
www.revistasamizdat.com 95
Também nesta edição, textos de
Joaquim Bispo
96 SAMIZDAT julho de 2009
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