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D E S A F I O S D A L U TA
P E L O S O C I A L I S M O
Plinio Arruda Sampaio (org.)
D E S A F I O S D A L U TA
P E L O S O C I A L I S M O
EDITORA
EXPRESSÃO POPULAR
Copyright © 2002, by Editora Expressão Popular
Tradução e revisão:
Geraldo Martins de Azevedo Filho
Maria de Almeida
Ilustração da capa
José Clemente Orozco A trincheira (1923-1924), afresco, Cidade do México - México.
Evocada de maneira visual bastante explícita neste mural, em que o soldado do meio está
deitado de braços abertos como se pregado em uma cruz, a metáfora, cristã, representa as
classes sociais e retrata o sofrimento.
Impressão e acabamento
Cromosete
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Biblioteca Central da UEM. Maringá - PR.
ISBN 85-87394-33-9
APRESENTAÇÃO ................................................................................... 7
IV - A REFUNDAÇÃO ........................................................................... 59
Fausto Bertinotti
V - SOCIALISMO ................................................................................... 75
Michael Löwy
I - O SIGNIFICADO DO
SOCIALISMO CHINÊS
Zhou Shixiu
*
A pronúncia que se consolidou no mundo ocidental, Mao Tsé-Tung, não é a mais
correta, e sim a que aqui se apresenta.
12 Fernando Martínez Heredia
II - O SOCIALISMO E AS NOVAS
RELAÇÕES DE PRODUÇÃO E
SOCIAIS NECESSÁRIAS
Fernando Martínez Heredia
Pensar o socialismo
Quando se fala de socialismo, surge a necessidade de distin-
guir entre as propostas e o dever ser do socialismo, por um lado,
22 Fernando Martínez Heredia
formas cada vez mais democráticas que, com seus novos conteú-
dos e procedimentos, assegurem a preservação, a continuidade e
o aprofundamento daqueles caminhos? Como conseguir e asse-
gurar que a transição socialista inclua sucessivas revoluções na
revolução?
O balanço crítico das experiências socialistas que existiram e
existem é um exercício indispensável em toda atividade de for-
mação sobre o socialismo. Nunca o esqueço, mas não me toca
fazê-lo em minha intervenção. Limito-me então a reiterar – de
passagem – que os principais inimigos internos das experiências
fracassadas de transição socialista foram a incapacidade de for-
mar gradualmente campos culturais próprios, diferentes e opos-
tos à cultura do capitalismo, e a recaída progressiva dessas
experiências nos modos capitalistas de reprodução da vida social
e da dominação. E, do mesmo modo, reiterar que, apesar de
tudo, as lutas anticapitalistas e de libertação do século 20, e a
acumulação cultural que essas lutas produziram, são os fatos mais
transcendentes do século que terminou. Enquanto o capitalis-
mo, cada vez mais centralizado e excludente, produziu mons-
tros, sufocou ideais em um mar de sangue e de lama e perdeu sua
capacidade de promessa, tão atrativa. Por isso é que hoje o capi-
talismo esforça-se para consumar o escamoteio de cada ideal e de
cada transcendência e de reduzir os tempos apenas ao presente,
sem passado nem futuro, para nos impedir de recuperar a me-
mória e formular novos projetos, essas duas armas nossas, tão
poderosas.
A experiência cubana
Os estudos e os debates sobre a experiência da revolução so-
cialista de libertação nacional cubana podem ser muito valiosos
para os objetivos de formação que se tem aqui. Cuba é um pe-
Desafios da luta pelo socialismo 31
*
Os parágrafos que seguem sobre Cuba foram tirados, com pequenas reduções, do capí-
tulo IV do ensaio de minha autoria “A alternativa cubana”, publicado três semanas após
a realização deste II Fórum Social Mundial, in “HEREDIA, F. Martinez. El corrimiento
hacia el rojo. Editorial Letras Cubanas, La Habana.”
Desafios da luta pelo socialismo 33
*
A evolução do Produto Interno Bruto real (para 1993 = 100) foi estimada pelo Instituto
Nacional de Estatística de Cuba em: 1995 = 103,2; 1996 = 111,2; 1998 = 115,6; 1999 =
122,8; 2000 = 130,2 (La Habana, 2000). A previsão foi superada pelo crescimento real
de 2000 em 5,6%; a produtividade do trabalho cresceu 4,6% (Informes de Osvaldo
Martinez, Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, e de José Luís Rodrígues,
Ministro da Economia e Planejamento, à Assembléia Nacional do Poder Popular. Granma.
La Habana. 22-12-2000, p. 4, e 23-12-2000, p. 4). Contudo, Rodríguez esclarece que,
com isso, foi possível chegar a apenas 85% do PIB de 1989, ainda que com “uma econo-
mia mais eficiente, assegurando um desenvolvimento qualitativamente superior”. Em
“Desconexão, reinserção e socialismo em Cuba” (1992), questiona o valor das compara-
ções diretas dos dados econômicos de Cuba 1974-1991 com os dados de anos anteriores
e seguintes (in Em el horno de los 90, Edit. Barbarroja, Buenos Aires, 1998, p. 85). Os
investimentos internos em 2000 (3 100 milhões de dólares) (sic) foram mais do que o
dobro dos investimentos em 1995 e 16% superiores aos de 1999. Efetivamente, os inves-
timentos cresceram 5.8%.
34 Fernando Martínez Heredia
primeira razão básica desse êxito é que Cuba utiliza com eficá-
cia suas próprias forças. Sua população tem níveis gerais e capa-
cidades úteis que, em muitos aspectos, são realmente notáveis
e estão bem consolidados; a economia possui apreciáveis níveis
de reprodução, controle, diversificação e outros traços positi-
vos; a infra-estrutura tem desenvolvimento; o sistema de servi-
ços sociais está entre os mais avançados do mundo, e tem
resistido bem à deterioração produzida pela crise; a paz social e
política favorecem em muito a atividade econômica; o Estado
e as estruturas de poder em geral se mostram capazes na reali-
zação de suas tarefas.
Torna-se extraordinária a combinação de capacidade na ati-
vidade econômica, flexibilidade e exercício de controles severos,
que pode se observar mencionando apenas alguns assuntos da
última década. O turismo, que quase não existia, contribuiu em
1998 com 50% do total da receita nas exportações de bens e
serviços e já é um setor consolidado e dinâmico. A economia
açucareira decresceu a partir de 1993, mas não entrou em colap-
so, nem pôs fim a sua enorme massa de trabalhadores; recupe-
rou-se até quatro milhões de TM em 2000, é cada vez mais
eficiente e busca sua diversificação. O níquel multiplicou sua
importância e registra uma sólida expansão produtiva (72 000
TM em 2000) e comercial (vende para mais de trinta países),
alta eficiência, proveitosa associação com o capital estrangeiro e
renovação tecnológica. O setor energético é um caso exemplar: o
holding estatal Cubapetróleo aproveitou o enorme conhecimen-
to acumulado e, em plena crise, continuou a expansão produtiva
e estabeleceu empresas mistas com companhias de vários países;
passou de 0,8 milhões de TM em 1991 para 3,3 em 2000, e
agora aproveita o gás associado ao petróleo. Cerca de 70% da
eletricidade é produzida com petróleo nacional; em 2001 há pre-
Desafios da luta pelo socialismo 35
Um comentário final
Desculpem-me pela extensão da exposição de alguns aspec-
tos da experiência cubana. Pareceu-me conveniente fazê-lo por
duas razões. Cuba é um caso exemplar para ilustrar o desenvolvi-
44 Fernando Martínez Heredia
A segunda globalização
Este processo já entrou em crise, por isso pode-se falar de
segunda globalização, a “globalização da crise”. Quais são as di-
ferenças entre essas duas fases e em que consiste a passagem de
uma à outra?
Que a primeira globalização produzisse desigualdades e in-
justiças era claro para todos, para os seus difamadores ou os seus
apologistas. Mas os últimos sustentavam que, mesmo em pre-
sença de aspectos negativos, ela produzia crescimento, desenvol-
62 Fausto Bertinotti
Nos últimos anos, desde Seattle até os dias de hoje, este mo-
vimento manteve sua marcha, não permanecendo, porém, igual
ao que tem sido. Dentro da idéia de que um outro mundo é
possível, vem crescendo a capacidade de uma outra proposta
política. Não é verdade que este movimento tenha vocações pre-
dominantemente éticas e redistribuidoras. Certamente, não se
resolveu a questão do sujeito e dos sujeitos da transformação:
mas esta questão já foi colocada. Ao mesmo modo, amadureceu
um nível de consciência crítica agora já mais anticapitalista que
antiliberal. Isso não significa que tenha sido completamente ela-
borada uma hipótese de superação do sistema, mas o processo
que nos leva, desde a denúncia de injustiças sociais e econômicas
até a individualização de suas causas, é iniciado e já se encontra
“em andamento”. Quando, por exemplo, se fala de direito à água
como necessidade essencial, universal, coloca-se em movimento
um percurso reivindicador, de dimensão tanto local quanto glo-
bal, que pode fazer explodir instâncias transformadoras, não so-
mente relativas à relação da humanidade com o meio-ambiente,
mas também relativas às composições políticas, aos poderes, à
propriedade.
No movimento existem também tendências, propensões, di-
versidades significativas. Em Porto Alegre entraram em cena, pela
primeira vez, os “reformistas”. Uma demonstração, uma nova
demonstração de que o movimento é capaz de atravessar territó-
rios que, até hoje, lhe tinham sido proibidos a priori, ganhando
consensos em âmbitos não afins e que, usando uma terminolo-
gia clássica, ganhando hegemonia. É também a demonstração
de que uma parte dos reformistas, diante da crise irreversível do
“reformismo real”, diante da derrota mundial do centro-esquer-
da, intui a capacidade de abrir, de qualquer modo, uma nova
estação. Penso a Soares, como exemplo de todos aqueles que,
Desafios da luta pelo socialismo 69
A refundação da política
Este movimento é a grande novidade do nosso tempo e é
uma verdadeira ocasião para a refundação da política. Uma oca-
sião enorme e extrema. Grande porque é uma oportunidade.
70 Fausto Bertinotti
O socialismo hoje
O socialismo hoje é necessário, depois da derrota do movi-
mento operário do século XX e diante de um capitalismo, o da
globalização, que se fez ainda mais perigoso. O grande confron-
to do movimento operário com o capitalismo, no século passa-
do, terminou com a nossa derrota, mas esta derrota não cancela,
ao contrário, reforça as razões pelas quais nasceu o socialismo, e
72 Fausto Bertinotti
V - SOCIALISMO
Michael Löwy
1
J.C.Mariátegui, “Aniversario y Balance”, 1928, Indeologia y Politica. Lima, Amauta,
1971, p. 248.
2
Ernesto Che Guevara, “Mensaje a la Tricontinental”, 1967, in Obra revolucionaria.
Mexico, ERA, 1973, p. 645.
78 Michael Löwy
3
J.C. Mariátegui, op.cit., p. 249.
4
Possivelmente o havia lido, posto que sua primeira companheira, a socialista peruana
Hilda Gadea, lhe havia emprestado os escritos deste autor nos anos que precederam a
revolução cubana.
Desafios da luta pelo socialismo 79
5
In L’Express, 25 de julio del 1963, p. 9.
80 Michael Löwy
6
Por razões inexplicáveis, este documento ainda não foi publicado. Citamos uma passa-
gem mencionada no artigo do economista cubano Carlos Tablada, “Le marxisme du Che
Guevara”. Alternatives Sud, vol. III, 1996, 2, p. 173.
7
E. Che Guevara, Obras 1957-1967. La Habana, Casa de las Americas, 1970, tomo II,
pp. 173, 307, cf. também p. 432: “La revolución cubana... es una revolución con
caracteristicas humanistas. Es solidaria con todos los pueblos oprimidos del mundo”.
Desafios da luta pelo socialismo 81
Como disse simples e poeticamente Roberto Fernandez Retamar: ao Che “no le preocupaba
estar al dia: lo que le preocupaba era ofrecer al mediodia de la justicia el caudal de sus
conocimientos. Y la justicia le reclamo vincularse con los humillados y ofendidos, echar
su suerte con los pobres de la tierra”, “El Che, imagen del pueblo”, Contracorriente. La
Habana, diciembre, 1996, n° 6, p. 4.
82 Michael Löwy
Introdução
Uma discussão sobre a luta pelo socialismo nos dias de hoje
deveria começar pela definição do que é e do que não é socialis-
mo. É importante ter clareza política, não só das falsas alterna-
tivas, mas também dos componentes básicos da sociedade
socialista. Este ensaio tratará do assunto, analisando critica-
mente três das mais influentes ideologias anti-socialistas, de-
fensoras de uma esquerda renovada e que apresentam um
enfoque alternativo de socialismo. Em seguida, será apresenta-
da uma discussão da via militante ao socialismo e uma crítica
das ilusões a respeito da política eleitoral. Por último, será exa-
minado o atual contexto mundial e os desafios e oportunida-
des que se apresentam à Esquerda frente à ofensiva imperialista
de Washington.
não são mais reformistas. São partidos que trabalham para o ca-
pital local, multinacional e imperialista.
O enfraquecimento do reformismo socialdemocrata está re-
lacionado com o fato de que a burguesia dominante já não é
“nacional” – produz para o mercado estrangeiro, deposita seus
lucros no estrangeiro, depende de financiamentos estrangeiros e
de tecnologia estrangeira Está integrada nos circuitos imperialis-
tas do capital. Os socialdemocratas dependem do capital exter-
no e não podem promover reformas sociais sem sofrer fugas de
capital, pressões financeiras etc.. Instados a abandonar as políti-
cas de colaboração de classes e a construir poderosos movimen-
tos de massas para realizar “reformas”, os socialdemocratas
esquecem as reformas e se acomodam nos interesses de seus sócios
capitalistas estrangeiros. O abandono pelos socialdemocratas de
seus programas reformistas de “bem-estar” social ilustra sua su-
bordinação e sua dependência da orientação do capitalismo de
mercado, das finanças e das redes imperialistas.
O fato de movimentos sócio-políticos, sindicatos e marxistas
continuarem apoiando “criticamente” os partidos ex-socialde-
mocratas, converte-os em reféns da burguesia neoliberal e em
traidores de seu compromisso com a transformação social.
Com o colapso do projeto neoliberal – ilustrado pela falência
da Argentina e pela recessão mundial – a possibilidade de refor-
mas sociais e de uma recuperação do estado de bem-estar capita-
lista é remota. As reformas pelo estado de bem-estar aconteceram
num período de expansão capitalista na Europa e nos Estados
Unidos, durante o período de 1950-1972, e na América Latina,
entre os anos de 1940 e 1970. Atualmente, os capitalistas vêem
os operários e os camponeses enquanto custo de produção para
os mercados externos e não como um consumidor para o mercado
interno.
Desafios da luta pelo socialismo 91
Conclusão
Estamos vivendo um período de guerras imperialistas, levan-
tamentos populares, crescente militarização e polarização política
e social.
A intenção de Washington de formar uma aliança contra-
revolucionária mundial mostra fissuras cada vez mais profun-
das. As bases econômicas do império apresentam enormes falhas.
E a resistência popular está em fase de expansão nos países co-
lonizados.
As alternativas reformistas, mesmo que ainda atuantes, já não
são viáveis. Os políticos voltados para as eleições e para os parla-
mentos encontram-se cada vez mais isolados das grandes con-
frontações históricas. As grandes máquinas sindicais já não
controlam nem detêm as lutas das massas. E é no interior dessas
lutas que o socialismo está ressurgindo, tanto das cinzas da expe-
riência stalinista derrotada e desacreditada, quanto de uma
socialdemocracia igualmente corrupta e servil, chafurdada na lama
neoliberal.
A luta pelo socialismo ressurge inicialmente através de uma
série de reivindicações por mudanças estruturais: reforma agrá-
ria, renacionalização dos bancos, dos sistemas de telecomunica-
ções e dos recursos estratégicos. No entanto, o avanço do
socialismo não se desenvolve de forma linear: sofremos derrotas
e retrocessos, com dirigentes históricos da classe trabalhadora,
como Lula e o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, comprome-
100 James Petras