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Transformações societárias e Serviço social

Revista Social e Sociedade nº 50 – abril de 1996


José Paulo Netto

TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E SERVIÇO SOCIAL.


Autor: NETTO, José Paulo.
Revista Serviço Social e Sociedade, nº 50/abr. 1996.

Neste texto o autor discute a incidência das transformações operadas globalmente e na


sociedade brasileira, no âmbito da profissão, especialmente no que se refere:

- áreas de intervenção profissional;


- suporte de conhecimento;
- funcionalidade do Serviço Social.

José Paulo sublinha que as profissões são a interação entre: os resultados de processos
sociais macroscópicos e a constituição de um corpus teórico e prático (projetos sociais,
articulação de respostas profissionais, etc).
A estrutura da sociedade capitalista vem sendo marcada pela globalização da economia
ou seja, pela financeirização do capital. Os aspectos que caracterizam essa fase são a super-
acumulação e a especulação desenfreada. A globalização econômica é a articulação
supranacional das unidades produtivas que vem ocasionando uma desregulamentação da
economia mundial.
O autor sublinha que a ininterrupta revolução tecnológica (trabalho morto) vem
ocasionando uma extraordinária economia do trabalho vivo (trabalho efetivado pelo
trabalhador). Dessa feita o desemprego cresce progressivamente, nos países de centralidade
do sistema bem como no Brasil.
O capitalismo tardio, transitando par um regime de acumulação “flexível”, reestrutura
radicalmente o mercado de trabalho, seja alterando a relação entre excluídos e incluídos, seja
introduzindo novas modalidades de contratação (trabalho precário), seja criando novas
estratificações e novas discriminações entre os que trabalham (cortes de sexo, idade, cor,
étnica).
O autor sinaliza que é impossível apreender a dinâmica social contemporânea sem
referenciar a classe trabalhadora e sua complexa e heterogênea conformação (adolescentes,
mulheres, idosos).

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José Paulo sublinha que apesar da redução numérica do operariado (por conta do
fenômeno da desindustrialização), é inequívoca a centralidade da “classe que vive do trabalho”
(que só tem a sua força de trabalho para vender).

CAPITAL ESTÉRIL: a fração financeira da burguesia caracteriza-se por não gerar postos
de trabalho; a desindustrialização vem contribuindo também no processo de constituição de
uma oligarquia financeira global. A hegemonia não é só econômica mas política e ideológica
também.

TRANSFORMAÇÃO NO NÍVEL SOCIAL:

- Perfil demográfico das populações (a 3a idade é a faixa etária que mais cresce
no mundo);
- Expansão urbana e conseqüente periferização das cidades;
- Crescimento acelerado das atividades terciárias (setor de serviços –
escoamento da produção/realização do lucro),
- Difusão da educação formal (inclusive o ensino superior – multiplicação das
unidades acadêmicas, principalmente as privadas).

O autor sinaliza três mudanças, cujo impacto na vida social se revela fundamental:
As duas primeiras dizem respeito ao surgimento de protagonistas sociais que se põem no
processo em curso como “agentes sociais independentes” à saber, os jovens e as mulheres.
Estas acabam por trazer para o espaço público as questões da vida privada
(subalternidade/exploração).
Em terceiro lugar, a existência de incontáveis segmentos desprotegidos (mendigos,
idosos aposentados, criança e adolescentes nas ruas, migrantes, doentes) que se vêem e são
vistos como uma “não sociedade” ou uma “contra sociedade”, sempre interatuando com a
ordem.
No âmbito da cultura vem ocorrendo uma transladação da lógica do capital para todos os
processos do espaço cultural e o desenvolvimento de formas culturais socializáveis pelos
meios de comunicação eletrônicos (a TV, vídeo, a chamada multimídia). O traço desta cultura
é que ela é transformadora em mais uma mercadoria, com os aspectos inerentes à essa
mercantilização (cultura do consumo), à saber:
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- Obsolescência programada (as mercadorias são facilmente descartáveis);


- Imediaticidade reificante (efemeridade das coisas).

O autor chama nossa atenção para o processo de constituição de uma sensibilidade


consumidora. A “cultura global” se movimenta entre a produção/divulgação/consumo
mercantilizados de “artefatos globais”.
O que José Paulo chama nossa atenção é a construção do processo de estranhamento
entre os homens; é a supremacia do individualismo, vitorioso sobre os projetos sociais mais
coletivos.
Enquanto a hegemonia do capital se instala, assiste-se as crises nas quais os
trabalhadores são mergulhados. O fenômeno da dessindicalização (redução drástica do
número de trabalhadores sindicalizados) e a ausência de projetos por parte dos partidos de
esquerda vem convivendo com o surgimento dos novos movimentos sociais. Entretanto, esses
novos sujeitos não têm conseguido articular propostas de lutas e nem universalizando a
pluralidade de interesses em questão, o que coloca em questão seu caráter emancipatório.
Vimos assistindo a consolidação de uma cultura política anti estatal na qual é apregoado
o Estado mínimo (para os trabalhadores) e acentuado assim seu caráter de classe (Estado
máximo para o capital).
A Ideologia Neoliberal constitui um projeto histórico da direita que objetiva liberar a
acumulação capitalista de todas as cadeias impostas pela democracia.
Vem ocorrendo uma pauperização absoluta e/ou relativa da maioria absoluta da
população mundial. Nos países de capitalismo central vimos assistindo a esse aphartheid
social:

- Maior distanciamento entre ricos e pobres,


- Ascensão do racismo e da xenofobia,
- Crise ecológica (o capitalismo degrada e destrói o meio ambiente).

O SERVIÇO SOCIAL NA ENTRADA DOS ANOS 90

O autor sublinha que essa profissão encontra-se nesta década consolidada e madura e
para isso indica alguns aspectos desse amadurecimento:
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- Aproximadamente 70 unidades acadêmicas, sendo 1/3 delas no espaço público


e concentradas na Região Sudeste;
- Reconhecimento institucional pelas agências fomentadoras de pesquisas;
- Maioridade intelectual no que se refere a produção de conhecimento;
- Construção de amplo diálogo interdisciplinar;
- 60.000 Assistentes Sociais que contam com órgãos de representatividade e
legitimidade;
- Contribuição da categoria no processo de discussão e configuração da Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS).

O autor tece uma reflexão: se amadureceu no campo profissional, um vetor de ruptura


com o conservadorismo, ele ainda não consolidou uma “nova legitimidade” para o Serviço
Social junto às classes subalternas. (Por isso ainda “Intenção de Ruptura”).
José Paulo problematiza os conflitos existentes entre áreas de conhecimento fronteiriças
e aponta como estratégia de enfrentamento, o desenvolvimento de novas competências sócio-
políticas e técnico instrumentais.
Dessa feita, estaremos promovendo re-legitimações profissionais, alargando os campos
de intervenção das profissões.
Em relação a formação profissional do Assistente Social, José Paulo destaca:

- Sucateamento da Universidade Pública;


- Empobrecimento do ensino fundamental;
- Mudança no perfil sócio-econômico do alunado; (visível empobrecimento do
universo cultural do aluno).

O enfrentamento das condições adversas já arroladas pelo autor aponta uma exigência
de permanente qualificação profissional. É um desafio que a Universidade Brasileira terá de
enfrentar, a partir dos limites históricos dados pela privatização gradual do ensino público.
Quando o autor refere-se a maioridade intelectual, no Serviço Social, ele sublinha que
todas as polêmicas relevantes situaram-se no campo marxiano e/ou da teoria marxista.
Na virada da década de 90 entretanto, as bases dessa dominância teórico-cultural
começam a ser deslocadas tendo em vista:

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- O colapso do socialismo real;


- A ofensiva neo liberal;
- A conversão de intelectuais ao status quo.

PERSPECTIVAS IMEDIATAS, MERCADO DE TRABALHO E TENDÊNCIAS DE


DESENVOLVIMENTO

Considerando que o Serviço Social é resultante de condições externas


(conjuntura/estrutura) e condições internas (projeto profissional, exercício profissional) é que o
autor tece a seguinte reflexão:
O debate mais determinante à curto prazo no campo do Serviço Social será travado em
torno da direção social estratégia que se afirmou na passagem dos anos 80 aos 90 – o que
estará no centro da polêmica profissional será a seguinte questão: manter, consolidar e
aprofundar a atual direção estratégica ou contê-la, modificá-la e revertê-la.
Uma dada cultura profissional – princípios, valores, objetivos, concepções teóricas,
instrumentos operativos – joga um papel importante na delimitação da compatibilidade entre
exercício profissional e uma dada hegemonia política.
É possível que ganhe um corpo uma determinada cultura profissional calcada no
conservadorismo, que privilegia o microssocial; no plano operativo, o privilégio da “mudança
cultural”, a centralização nas singularidades, a ênfase na especificidade, a valorização do
trabalho focalizado.

O MERCADO DE TRABALHO NA ATUALIDADE

Assistimos a uma crescente segmentação das atividades profissionais, requerendo uma


definida especialização dos profissionais; vem ocorrendo também uma diferenciação
progressiva das condições de trabalho nas instituições estatais e nas da iniciativa privada,
estas como esquemas de controle e aferição mais estritos do desempenho profissional.
Um outro fenômeno que chama nossa atenção é a refilantropização da assistência da
qual são exemplos a comunidade e a universidade solidária.
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O que ocorre aqui é a ampliação da miséria e a redução do Estado e o


hiperdimensionamento da solidariedade. O apelo às “iniciativas da sociedade civil” – tomada
abstratamente, supra-classistamente, - recobrindo a desresponsabilização do Estado em face
de seqüelas da questão social mediante a convocação de “parcerias”, é perfeitamente
compatível com o esvaziamento da efetividade da cidadania.
Apostar nas ONG’S como “saída profissional” é desconhecer os graves riscos do
pluriemprego – roda viva em que profissionais são compelidos a várias inserções
empregatícias, num processo em que a fragmentação do mercado de trabalho pode conduzir a
um processo de desagregação profissional.
Todas as exigências que estão colocadas ao Serviço Social neste final de milênio
convergem para a questão da qualificação profissional. O autor defende a idéia de que além
da formação generalista recebida pelo aluno nas faculdades, faz se necessária a
institucionalização da especialização como requisito ao exercício profissional. Além dessa
preocupação, há que se reciclar aqueles que já estão nos campos de trabalho através de
cursos de atualização, reciclagem, que venham atender às exigências de uma intervenção
localizada. (áreas específicas – crianças, adolescentes, 3ª idade, etc.)

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