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Para ajudá-lo a encontrar

respostas claras
e concretas
às suas perguntas
Búzios: o oráculo
dos orixás I
O jogo de Búzios é um dos métodos adiuinhatórios mais populares do Brasil.
cerdotes do candomblé e da umbanda, racóis, espécies de conchas marinhas
S uas raízes podem ser encontradas no
continente africano, onde hoje se
encontra a República de Benin. O jogo
religiões afro-brasileiras.
Originalmente, os búzios eram jogados
trazidas da África e das costas da Bahia.
Alguns sacerdotes usam moedas e se-
passou por muitas modificações a par- exclusivamente pelos homens, e so- mentes em lugar de búzios.
tir do período colonial, quando muitos mente algumas mulheres, chamadas Joga-se sobre um tabuleiro, chamado
africanos foram trazidos para o Brasil "filhas" do deus Oxum, podiam exer- panifá, forrado com uma toalha branca.
como escravos. cer o papel de pitonisas, embora com O sacerdote lança sobre ele os dezes-
Este método adivinhatório, de caráter certas restrições. seis búzios que representam os orixás,
sagrado, só pode ser realizado pelas Os instrumentos de adivinhação utili- isto é, os deuses do panteão africano e
"mães de santo" e "pais de santo", os sa- zados neste oráculo são os búzios ou ca- que personificam as forças da natureza.
O pai ou mãe de santo deve invocar os
orixás através de orações e dos próprios
búzios.
O jogo é uma espécie de diálogo entre
as divindades africanas e os sacerdotes
do candomblé c umbanda: segundo as
posições das conchas, as mensagens dos
deuses sobre o tema consultado são
"captadas". Segundo os sacerdotes, os
augúrios são detectados, além da dis-
posição geométrica dos búzios, por
meio de certas vibrações que alguns
comparam a intuições. Estas vibrações
revelam cinco "caminhos" principais
para a vida, denominados "oduns", que
dizem respeito à personalidade e aos po-
deres espirituais da pessoa que consulta,
e também as respostas para seus pro-
blemas. Existem oduns positivos e ne-
gativos, e os búzios podem proporcio-
nar a busca de soluções ou oduns
positivos.
Os sacerdotes, que devem ser investi-
dos segundo os preceitos sagrados de
sua religião, buscam também, através
dos búzios, determinar qual é o "anjo
da guarda" ou odun de cada pessoa
consultada.
Segundo o candomblé e a umbanda,
desde que nascemos somos regidos por

Jogadora de búzios. Originalmente,


somente os homens podiam exercer o
papel de sacerdotes.
uma entidade espiritual
que determina o rumo de
nossas vidas. O odun indica o "santo"
ou orixá individual, e o destino em tra-
ços gerais. Os sacerdotes deste oráculo
são capazes de ver o passado, o presente
e o futuro de uma pessoa não somente
através dos búzios, mas também me-
diante seu poder mental. Para que seus
poderes sejam aproveitados ao máximo,
os sacerdotes devem abster-se de pra-
ticar sexo antes de jogar os búzios; tam-
bém devem banhar-se com uma poção
à base de ervas empregadas para lim-
par o "corpo espiritual". Durante a
consulta, o sacerdote ou sacerdotisa deve
estar só com seu cliente, sem que nin-
guém mais intervenha. Geralmente, as
mães e pais de santo exercem seu ofício
O tabuleiro sobre o qual são jogados os búzios é denominado panifá.
ricamente ataviados, com turbantes, tú-
nicas de cor clara, colares sagrados (ba¬
langandãs), anéis e outros adornos com meiro se aproxima da tradição africana, OXÓSSI
representações das entidades espirituais embora tenha se sincretizado com o É o orixá que rege a cabeça. É o deus
de sua religião. cristianismo, e o segundo acrescenta ele- da caça e das florestas. Seus "filhos" são
Há pequenas diferenças entre os rituais mentos da doutrina espiritista de Alan temperamentais, muito imaginativos e
do candomblé e da umbanda. O pri- Kardec a seus rituais. encantados pela natureza. São geral-
Os orixás básicos expostos pelo jogo de mente pessoas altas e bonitas. São ávi-
búzios são 16 e mostram o caráter de dos comedores de carne. Quando são
cada um de nós a partir dos influxos es- iniciados no candomblé e não rendem
pirituais que eles nos infundem. Cos- homenagem ou culto ao santo — rea-
tuma-se chamar "filhos" às pessoas que lizando oferendas espirituais — podem
estão sob a "tutela" de determinado sofrer problemas mentais. Seu número
orixá. Para descobrir qual é o nosso orixá é 6, seu dia de culto é a quinta-feira e
ou santo é preciso recorrer a um sacer- sua cor, o azul claro. Está também re-
dote de culto. presentado por São Jorge no candom-
blé. Seu símbolo é o arco e a flecha ou
OGUN a lança.
As pessoas que tiverem Ogum como
seu "anjo da guarda" são consideradas OBALUAIE OU OMULU
de boa índole e muito bom coração, É o orixá ou santo das chagas, repre-
mas de atitudes impulsivas. Precisam sentado como um homem jovem ou
ter cuidado com a região do abdômen. velho, às vezes com características
Ogum é o orixá da guerra (é filho da diabólicas. Esta dualidade é transmitida
deusa Iemanjá, a rainha do mar), im- aos "filhos": as pessoas jovens parecem
petuoso e que domina os metais. Re- mais velhas do que são. N o geral, isto
presenta o planeta Marte, relacionado se refere ao desenvolvimento espiritual.
com a belicosidade e o fogo. Sua cor Omulu é o senhor da medicina e das ri-
é o azul marinho, seu dia é terça-feira quezas. Suas cores são o vermelho, o
e foi sincretizado no candomblé por branco e o negro; seu número é o 13 e
São Jorge. Seus amuletos são de ferro, está sincretizado com São Roque e São
Ogum, o orixá da guerra, geralmente pontas de flechas e pu- Lázaro. Seu fetiche é uma vassoura de
é filho de Iemanjá, a deusa do mar. nhais. palha decoradas com caracóis.
Búzios: o oráculo
dos orixás II
Suas cores são o amarelo, o marrom
escuro e o vermelho, seu dia é a terça-
feira e está representado por São Bar-
tolomeu.

XANGÔ
É um dos orixás mais conhecidos, é o
senhor do reino de Ioio (África), senhor
da vida e do candomblé. É o deus das
tempestades e dos raios. Seus filhos são
pessoas alegres, líderes e cheias de oti-
mismo. São sábios, buscam a paz, a jus-
tiça e a prosperidade. Mas podem ser
muito lascivas e libidinosas. Suas cores
são o marrom e o branco. Está sincre-
tizado com São Jerônimo. Seu dia é a
quarta-feira e seu número de sorte é o
12. Seu símbolo é um meteorito ou
uma machadinha de pedra.

LQGUN-EDÊ
Xangô, senhor da vida, é o deus das Oxum, a rainha do candomblé, filha
E o orixá príncipe. Com característi-
tempestades. de Iemanjá.
cas de criança, seus protegidos são vai-
dosos e adoram fazer demonstrações de
OXUMARÉ conhecimento. Geralmente são pessoas é o amarelo ouro, seu número de sorte
Oxumaré é o senhor do arco-íris e está sadias e desportistas. Estão sempre pen- é o 5, seu dia é o sábado e está sincre¬
relacionado com a serpente sagrada, um dentes de seu futuro e de seus sucessos. tizada por Nossa Senhora da Aparecida.
dos símbolos sagrados mais antigos do O fracasso é uma palavra que tentam Seu símbolo é um seixo polido pelas
mundo. Seus apadri- apagar de suas vidas. São representados águas dos rios, pequenos espelhos ou
nhados costumam por São Miguel Arcângel ou São Ex- um abano decorado com o desenho de
ser pessoas muito pedito. Seu dia é a quinta-feira e suas uma sereia.
calculistas, descon- cores, o verde e o amarelo.
fiadas e frias que IANSÃ
sempre atuam OXUM É a senhora do vento, da tempestade e
de forma im- É a rainha do candomblé e filha de Ie¬ do raio. É uma das esposas de Xangô.
prevista. manjá. Os filhos de Oxum são cari- É a protetora das prostitutas, das me-
nhosos, conselheiros e pessoas de con- ninas e adolescentes. Seus filhos cos-
fiança. Oxum é um dos orixás de maior tumam ser pessoas rancorosas, mas tam-
força no Brasil e contradiz as tradições bém são brincalhonas, expansivas e
Oxumaré africanas que exaltam mais os poderes extravagantes em seus costumes. Têm
está rela- dos orixás masculinos. Preside as águas grande inclinação pela dança. Suas cores
cionado com dos rios, riachos e cachoeiras. Seus fi- são o marrom e o vermelho, seu dia é
a serpente lhos são atrativos e têm facilidade para a quarta-feira e está representada por
sagrada. formar famílias muito unidas. Sua cor Santa Bárbara.
IEMANJÁ social ortodoxo. Suas cores são o ama-
É a rainha do mar e mãe de quase relo e o vermelho, seu número é o 13
todos os outros orixás. Seus protegidos e seu dia, o sábado.
são vaidosos, freqüentemente mulheres
de rostos longos, muito emotivas e de- QXALÁ
dicadas à família — Iemanjá protege os É uma das maiores divindades afro-bra-
viajantes — e estão sob a égide do amor. sileiras. Simboliza as energias produti-
As pessoas de Iemanjá vas da natureza, a riqueza e a fecundi-
costumam ser muito ciu- dade.
mentas e vingativas. Seus filhos são bondosos e religiosos,
Apresentam proble- mas também muito teimosos e, prin-
mas gastrointestinais cipalmente, muito independentes. Pre-
e tensão baixa. Está ferem lugares altos para viver. Muitos
sincretizada com pais de santo são filhos deste orixá. Está
Nossa Senhora das representado por conchas ou por um
Candeias. Seu nú- pombo. Seu dia da semana é a sexta-
mero é o 4 e o dia da feira. Tem por amuleto sete búzios. Sua QSANHÊ
semana, o sábado. cor é o branco, seus números são o 18 É o senhor das folhas das árvores (prin-
Tem por amuleto as e o 10. Está sincretizado com Jesus cipalmente de plantas medicinais) c de
conchas do mar. Cristo crucificado. todos os dias da semana. Seus protegi-
dos são pessoas ambíguas e muito ten-
EUA OBATALÁ dentes a se enamorarem. Não podem
É um orixá muito pouco conhecido e E o deus do firmamento, do céu e o tomar medicamentos muito fortes,
adorado. É a guardiã da beleza e da visão. criador do homem e da mulher. É pro- como alguns antibióticos, aos quais são
Encarrega-se de vigiar a paz em nosso tetor dos fetos humanos até seu nasci- normalmente alérgicos. Precisam ser
mundo. Seus filhos são pessoas dife- mento. É um deus andrógino. Seus fi- tratados com plantas medicinais. Suas
rentes, muito particulares, fora do marco lhos são carinhosos e geralmente têm cores são o verde e o branco. Seu sím-
muitos filhos aos quais dedica grande bolo é uma flecha de sete pontas; na do
atenção. Seu dia é a sexta-feira e sua cor, centro aparece um pássaro pousado.
o branco.
ANAMBURUCU O NANÃ
EXU E o mais velho dos orixás das águas.
É o mensageiro dos orixás. Serve de in- Seus filhos são tranqüilos, às vezes me-
termediário entre o pai ou mãe de santo lancólicos e depressivos. Também são
e os deuses afro-brasileiros. É conside- muito tradicionais e não podem ser nem
rado como uma entidade diabólica pai nem mãe de santo. Foi sincretizado
mas em sua essência origi- com Santa Ana. É o deus das chu-
nal pode fazer tanto o vas. Seu dia de culto é a terça-feira.
bem como o mal. E muito Suas cores são o lilás e o roxo.
exigente, sempre pedindo
sacrifícios de animais. IFÁ
E o guardião das por- É o orixá que tem poderes adi¬
tas e das ruas. A in- vinhatórios, o senhor dos bú-
fluência cristã o sin¬ zios. Está sincretizado com o
cretizou com o espírito santo e seu símbolo é
diabo. Está repre- um rosário de sementes. É o
sentado por um deus das coisas ocultas. Por isso
ídolo de barro seus filhos costumam ser
onde se desta- bruxos ou pessoas dedicadas
cam dois toscos a estudar temas ocultistas. Al-
olhos e uma boca. Seu guns deles têm grande sensibilidade
dia é a segunda-feira. para adivinhar o futuro.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Mapinguari, Curupira
e Boiúna
O Tarô indígena trata-se de um jogo de cartas do Tarô especial
desenvolvido a partir dos deuses da mitologia dos indios tupis-guaranis
e também de alguns seresfantásticos.

O Tarô indígena é uma espécie de


oráculo ao estilo do I Ching, onde
estão projetados muitos de nossos as-
tê-lo visto, falam de um "macacão" com
uma "boca" na barriga e que emite un
cheiro insuportável.
pectos pessoais (caráter e personalidade) Fala-se até mesmo na sua existência ma-
e que se obtém extraindo uma das car- terial. U m cientista da Universidade de
tas ou simplesmente abrindo un livro Harvard, o biólogo David Oren, garante
onde se encontrem as descrições dos que o Mapinguari é uma espécie de pre-
muitos seres que habitam o incons- guiça pré-histórica gigante — suposta-
ciente coletivo do povo brasileiro, seja mente extinta há alguns milhares de
ele indígena, negro, branco ou mestiço. anos — mas que teria sobrevivido oculto
Muitos dos elementos nativos ficaram na selva Amazônica.
enraizados em outros povos que vieram Outros acreditam que o monstro era, na
depois de Pedro Alvares Cabral e que realidade, um velho pajé que, por uma
foram facilmente assimilados. maldição, ficou condenado a viver sob a
forma do Mapinguari para toda a eter-
MAPINGUARI nidade, vagando mesmo pelas selvas. O
É a própria imagem da brutalidade. Em- Mapinguari, segundo informações jor-
bora não aceitemos, cada um de nós pos- nalísticas, teria devorado vários indígenas
sui em maior ou menor grau essa violên- no estado do Acre nos anos 80.
cia que se revela de forma psicológica Outra descrição, mostra a criatura com
e física, ou de ambas as formas. uma pele semelhante à do jacaré e os
Uma das versões o aproximam à fi- pés idênticos aos de um fundo de
gura do abominável homem das garrafa. Conta-se a história de
neves. Garimpeiros, seringuei- um seringueiro que um dia
ros e indígenas que garantem topou-se com o ser. O ho-
homem fez pontaria cer- lendas, o Curupira apresenta formas va-
teira e atirou sobre o riadas. Alguns são calvos com o corpo
vulto que uma hora lhe cabeludo (no rio Negro); sem orifícios
parecia um jacaré (tendo para as secreções (Pará); com dentes
pernas e braços) e outra lhe pa- azuis ou verdes e orelhudo (rio So¬
recia um índio velho, cheio de ta- limões). Os antigos jesuítas, como o
tuagens, só deixando de atirar quando Padre José de Anchieta, o comparavam
não havia mais balas. Os projéteis não a um demônio que era capaz de agre-
fizeram nenhum efeito e o seringueiro dir ou fazer desaparecer aos indígenas
desapareceu com os pés em polvorosa. que matam indiscriminadamente alguns
Porém, em outra ocasião, o mesmo se- animais ou então que não pedem "li-
ringueiro descobriu o ponto frágil da cença" ao Curupira para fazê-lo. Geral-
criatura: a sua boca, o seu grande um- mente o duende confunde os caçado-
bigo. U m disparo nessa zona é fatal para res, fazendo com que se percam na
o Mapinguari. floresta através de assobios e sinais fal-
sos. A entidade é capaz de imitar a voz
CURUPIRA humana para atrair as suas vítimas.
Uma das formas de agradar ao terrível
duende é a de ofertar-lhe alguns obje-
tos, especialmente o fumo de corda que
adora para fazer seus cigarrinhos ou ossos e despojos fúnebres. As caveiras
então a "cachaça" ou "pinga". Além de dos pescadores mortos e engolidos pela
proteger os animais, o Curupira é tam- Boiúna "decoram" as paredes da em-
bém o senhor das árvores. Por outro barcação. Dois fachos de luz azulada, a
lado, o que mais detesta é o alho e a pi- modo de olhos, se destacam a sua frente,
menta, capaz de provocar-lhe cólera. cegando os menos prevenidos.
Muitas vezes o forte duende bate vio- O ruído que produz é semelhante ao de
lentamente contra o tronco das árvo- uma hélice de uma embarcação a vapor,
res para anunciar tempestades. Outras como as que havia antigamente pelos
versões mostram o Curupira batendo os rios amazônicos.
calcanhares para produzir um som ca- Muitos pescadores, ao pensar que a
racterístico com o mesmo motivo, ou Boiúna é uma embarcação, se aproxi-
então bate com seu imenso membro mam para pedir alimentos ou trocar
(falo) no chão. mercadorias e acabam sendo engolidos
O Curupira também é conhecido pelo pelo monstro. Outros, com muita mais
seu enorme apetite sexual. sorte, garantem que a serpente se trans-
forma em uma grande ave e levanta vôo
Todos aqueles que se identificam com BOIÚNA deixando um forte odor a enxofre no ar.
o curupira são pessoas que sentem es- As pessoas que se identificam com a Em certas noites tempestuosas, ela entra
pecial atração pelo sobrenatural, pelo Boiúna agem de forma subreptícia. Esta pela mata e vai derrubando tudo pelo
oculto e misterioso. Também são atra- gigantesca cobra sobe os rios amazôni- caminho e, como o raio, deixa uma cla-
ídos pelos mistérios das matas e da na- cos nas noites iluminadas tenuamente reira enorme. Os sulcos deixados à sua
tureza de uma forma geral. São pessoas pelos quartos-minguantes da Lua. Seu passagem, se transformam em pequenos
que procuram viver da forma mais in- corpo iluminado confere um ar sepul¬ afluentes do rio principal.
tensa as suas fantasias sexuais. cral à floresta onde, à sua passagem, to- A Boiúna é um serpente nascida de uma
Isso porque o Curupira é um espírito dos os animais calam. mulher fantasma, ou de um ovo da ave
das matas, un duende "ecológico" que Algumas testemunhas — e são muitas mutum que foi abandonado pela mãe.
defende os animais que estão sob a sua — garantem que a Boiúna se assemelha Então, a Boiúna tornou-se a vigilante
proteção. Seu aspecto, extravagante, é o a um navio comprido com um casco das águas de alguns rios.
de um anão com uma cabeleira ruiva, dourado e mastros brilhantes como a Acredita-se que a morada eterna da ser-
pés virados para trás e calcanhares para prata. Algumas variações da lenda mos- pente seja a parte mais funda dos rios
frente. Assim como em quase todas as tram uma embarcação fantasma, feita de e que, vez por outra, vem à tona.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Pé de garrafa,
Jurupari e Iara
PÉ-DE-GARRAFA buídas supostamente a esta entidade,
O equilíbrio espiritual está em um só encontradas no estado de Piauí, mos-
ponto e não em vários. Esta é a lição tram que o Pé-de-Garrafa deve ser mui-
que nos dá o Pé-de-Garrafa. Além to pesado, deixando marcas profundas
disso, mostra que todos nós temos uma na terra dura.
faceta "saltadora", de eternos peregri-
nos pela vida. JURUPARI
O Pé-de-Garrafa é um ente misterioso Eis uma representação do poder ma-
que vive nas matas do centro e meio- chista as vezes justo e outras vezes ex-
norte do país. Raramente é visto, mas tremado. O sentimento de ódio e pai-
sempre se ouvem seus gritos estriden- xão às mulheres é o que domina no
tes, ora amedrontadores ora familiares, Jurupari. Inclusive muitas mulheres
capazes de confundir os caçadores, que possuem, sem o saber, a força do Ju-
acreditam ouvir os gritos de um com- rupari, a sua faceta masculina que se ex-
panheiro em apuros. Em algumas oca- pressa com maior ou menor intensi-
siões o pobre caçador enlouquece com dade.
os gritos arrepiantes. Mais que uma entidade lendária, o Ju-
O Pé-de-Garrafa, segundo algumas rupari é um mito profundamente arrai-
descrições, é uma criatura semelhante gado entre várias tribos indígenas do
a um ser humano de pele alva porém norte do país. Em tempos remotos, apa-
dotado de uma só perna. Outros acres- receu um dia o Jurupari em meio da
centam longos cabelos revestindo o seu selva, a quem Tupã, o deus do trovão,
corpo. Deixa um rastro que se assemelha confiou uma difícil tarefa.
ao fundo de um garrafa, perfeitamente Jurupari era um homem que nasceu
redondo. Algumas pegadas atri- de Ceuci, uma mãe virgem, que al-
alguns comparam à Vir-
gem Maria. Já criança, Ju-
rupari assombrava a todos
pela sua força física e grande
inteligência. Desde cedo reve-
lou-se um profeta, ditando leis, ensi-
nando o povo os segredos da agricul-
tura, determinando as regras de conduta
e servindo de juiz nas causas difíceis
entre os povos indígenas da Amazônia.
A maior missão de Jurupari foi a de lutar
contra as mulheres Amazonas que es-
cravizavam os homens. O enviado de
Tupã criou uma sociedade secreta para
acabar com o poder das mulheres de
uma forma sutil.
Jurupari instituía reuniões só para ho-
mens e ensinou-os a ser discretos, só-
brios, impassíveis à dor e fiéis aos com- As Iaras são sereias muito atrativas que com sua capacidade de sedução
promissos assumidos. Aconselhou-os a conseguem conquistar os homens.
se casarem cedo e serem fiéis à esposa
escolhida. Os casamentos somente po- O enviado do raio também estabeleceu U m dia, navegando por um rio, o índio
deriam ser entre pessoas de tribos di- uma rigorosa distribuição do trabalho: viu formar-se sobre as águas uma Chou-
ferentes. os homens deveriam ir à guerra, à caça pana e, por detrás da janela, apareceu a
O profeta dominador obrigou as meni- e pesca e às derrubadas da mata. As mul- mulher do sonho que lhe sorria. En-
nas a manterem a virgindade até a pri- heres deviam dedicar-se à cerâmica, te- louquecido pela paixão, o rapaz foi até
meira menstruação; condenou o ho¬ celagem, transporte de carga, trato dos a Choupana que flutuava sobre as águas.
mossexualismo, o incesto e o adultério filhos e agricultura O pai do índio pode ver que o corpo da
que eram punidos com a morte. Até hoje se mantém na Amazônia o cul- mulher tinha uma cauda e que, aga-
to ao Jurupari. Geralmente se comemo- rrando ao filho, se jogou na água, mer-
ra a sua vinda à terra e regresso ao céu gulhando para não mais voltar.
em uma espécie de templo onde se está Alguns indígenas e caboclos afirmam ter
vedada a entrada de mulheres. visto a Iara — como passou a ser cha-
mada — em muitos rios e igarapés.
A IARA Porém, alertados pela lenda, procuram
A Iara projeta sobre nós o poder da se- não ir ao seu encontro. Em algumas oca-
dução e da conquista e ao mesmo tempo siões, a Iara ou Mãe-da-Água (como é
da traição. Quem nunca traiu na vida? conhecida em outras regiões do Brasil),
O pecado aparece neste caso sob forma se mostra com as pernas para logo trans-
de mulher, como na Bíblia. formar-se em sereia: é nesse tempo que
A Iara é a "sereia brasileira", com atri- atrai suas vítimas.
butos físicos muitos atrativos e repul- Versões mais antigas, dos primeiros tem-
sivos: metade do corpo é mulher e a pos da colonização portuguesa, falam de
outra, da cintura para baixo é peixe. mulheres com corpo de serpente, ou
Conta a lenda amazônica que uma noi- ainda de um boto (parente dos golfinhos,
te um índio sonhou com uma belíssima porém de água doce) que se transforma
mulher de cabelos loiros e pele muito em uma mulher de cabeleira solta,
clara. Tal fada estava à entrada de um atraindo os rapazes para afoga-los.
imenso palácio de cristal recoberto de Para livra-se do poder de sedução da
ouro e de safiras e de onde saía uma mú- Iara, os indígenas aconselham a comer
sica celestial. O rapaz, apaixonado, ouviu alho ou esfrega-lo pelo corpo e fragelar-
que a mulher queria casar-se com ele. se com uma corda.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

O Boto, Ipupiara
e o Cabeça-de-Cuia
O BOTO
A transformação do ser humano ao
longo da sua vida, suas várias faces, é
o que mostra o Boto, esta entidade tão
arraigada na cultura amazônica. O Boto
é também um símbolo de sedução e de
energia vital. dos rios, onde mora.
O Boto é o golfinho dos rios amazô- Algumas testemunhas
nicos, porém com poderes de trans- afirmam que o Boto
formar-se em homem jovem c sedutor. sempre usa um chapéu que
Por isso, as mães advertem às filhas que é para ocultar um orifício para res-
tomem cuidado com os flertes que re- piração que originalmente o animal rio onde se transformou em um Boto
cebam de rapazes em bailes ou festas: possui no alto da cabeça. sangrento.
por detrás deles pode ocultar-se o Boto, Conta-se que, em certa ocasião, as pes- Nas noites de luar do Amazonas, conta-
um conquistador de mulheres, que as soas de uma vila desconfiaram de um se que muitas vezes os lagos se ilumi-
engravida e as abandona. rapaz de pele clara c de boa aparência: nam e que se ouvem cantigas de fes-
Por isso, todos os filhos de procedên- seria o Boto? Outros rapazes, invejosos tas e danças onde o Boto, ou também
cia desconhecida são atribuídos, na do poder de conquista do forasteiro chamado Uauiará, participa.
Amazônia, ao Boto. O Boto também sobre as mulheres da vila, o arpoaram, O Boto é hoje um animal em extinção
pode surgir à beira dos rios onde se ba- porém a vítima conseguiu correr até o pelos seus poderes mágicos. Muitos
nham as indígenas ou caboclas, geral- pescadores os capturam para cortar-lhes
mente pela noite. o pênis com a fmalidade de fazer um
Seduzidas, as mulheres mantém amuleto de "conquista varonil" ou
encontros furtivos com a enti- para combater a impotência. Ou-
dade, que logo volta ao fundo tros empregam suas nadadeiras
para fazer diversos re- zes, pontas dos dedos dos pés e das De sete em sete anos devora uma mu-
médios. mãos e genitálias. lher de nome Maria, ou então uma vir-
f Os olhos secos do Boto N o estado da Bahia e Goiás pervive a gem ou ainda meninos que nadam nos
v são empregados como amu- crença no "negro d'agua", homens de rios, por isso as mães proíbem que os
leto para atrair as mulheres. Os cor negra que respiram debaixo da água filhos se banhem. Há pessoas que dei-
pajés costumam realizar rimais para pre- e vem à tona em determinadas noites xam de se lavar no rio Parnaíba, sobre-
parar os olhos do animal e ser entregues para assustar e afogar os humanos. Di- tudo nas enchentes, com medo de
e usados pelos necessitados. zem que sua morada é uma cidade su- serem puxados pela criatura.
baquática, onde existem muitas rique- Qual é a origem do Cabeça-de-Cuia?.
O IPUPIARA zas, especialmente ouro e diamantes. Rezam as lendas que se tratava de um
Em lugar de mãos e pés, os negrosd'água menino que, não obedecendo
possuema sua
membranas
mãe, seme
aos pés de pato. N o Xingu existe a cren- a quem sempre maltratava, fugiu de
ça no homem-sapo, que costuma as- casa. O mau menino foi amaldiçoado
sustar — raramente matar — os indí- pela mãe que o condenou a viver du-
genas. Seu corpo está recoberto de rante 49 anos nas águas do Parnaíba.
escamas que o protegem das flechas, Depois de devorar sete Marias, voltará
mas o rosto é o de um sapo. Sua boca ao estado natural, desencantando-se.
é enorme e babenta, e flutua nos re- Conta-se que a mãe existirá enquanto
mansos como se fosse um jacaré. ele viver nas águas do rio.
Quando não tem alimento, o homem- Muitos pescadores afirmam ter visto
sapo devora os próprios filhos. Anda aos apenas a cabeça calva e grande desta en-
saltos como uma rã, dando pulos de até tidade sobrenatural que, geralmente, se
cinco metros, na água ou na terra. É agarra às pequenas embarcações e tenta
quando se agarra firmemente às costas virá-las junto com seus ocupantes. Nem
dos pescadores, engolindo preferen- sempre essas tentativas são bem-suce-
cialmente a cabeça da vítima. didas. U m aspecto que impressiona mui-
O homem-sapo teme profundamente to às testemunhas das aparições da cria-
uma coisa: as tempestades e os ven- tura são seus enormes olhos vermelhos,
davais, quando então vai para os rios. os mesmos que espreitam de uma forma
Lá fica mergulhado até o tempo me- apavorante suas vítimas.
Os sentimentos que procedem do es- lhorar.
paço mais profundo e recôndito de nos-
sas mentes são manifestações metafóri-
cas de tudo o que expressa o Ipupiara. O CABEÇA-DE-CUIA
Inclusive as piores e mais ruins. As criaturas aquáticas são uma cons-
O Ipupiara é o homem-marinho, ho- tante na rica e pouco conhecida mito-
mem-peixe ou também homem-sapo, logia indígena brasileira. O Cabeça-de-
inimigo dos pescadores e lavanderias. Cuia é outro dos seres que povoam o
O cronista português Pero de Gan¬ inconsciente coletivo popular, onde a
dâvo narrava que, no ano de 1564, um identificação se dá pelo seu aspecto per-
monstro marinho, que os índios cha- turbador e desconhecido, as mesmas
mavam de Ipupiara ("demônio d'ᬠinquietações que nos fazem refletir so-
gua"), tinha sido morto nas costa de bre uma determinada realidade ou pen-
São Vicente, no litoral do atual estado samento.
de São Paulo. O Cabeça-de-Cuia é uma entidade que
O u t r o cronista colonial, o jesuíta vive dentro do rio Parnaíba, entre o
Fernão Cardim, dizia que tais criatu- Piauí e o Maranhão. Alguns o descre-
ras tinham boa estatura e eram muito vem como um homem baixo e calvo,
repulsivas. Matavam as pessoas abra¬ com uma enorme cabeça que lembra
çando-se a elas, beijando-as e apertan¬ uma cuia. Outros falam de um homem
do-as até o sufocamento. Tais monstros alto e magro, de cabelo comprido que
devoram os olhos dos humanos, nari- lhe cai pela testa. O Cabeça-de-Cuia.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

O Paituna e Paitunaré,
Homens com cauda e Cipó
O PAITUNA E PAITUNARÉ Mas isso não era o que preocupava a
A luta entre as duas faces de nós mes- Paitunaré, mas sim seu próprio pai, o
mos, a eterna dualidade do bem e do velho Paituna, o único homem que
mal contidas no mesmo elemento, é tinha o privilegio de copular com as in-
o que mostra esta interessante lenda dígenas. Temendo a inveja e ciúmes do
que tem nos seus dois protagonistas pai, Paitunaré refugiou-se no fundo de
uma verdadeira luta de amor e ódio. um lago e transformou-se em peixe.
Quando ainda existia o império das Não demorou muito para que as mu-
mulheres guerreiras, as Amazonas, lheres descobrissem o novo esconde-
estas subjugavam os homens apenas rijo do jovem índio.
para sua satisfação sexual, quando e Certo dia, Paituna foi até a beira do
como desejassem. Conta-se que um lago, desconfiando da freqüência com
dia, na serra do Ererê, no meio de uma que suas comcubinas visitavam o lugar.
tribo de Amazonas, nasceu um me- Foi quando viu Paitunaré junto com
nino. Porém, segundo as leis das guer- uma bela índia. Possesso de ciúmes, o
reiras, as crianças do sexo masculino velho índio arrancou os cabelos de
recém-nascidas deveriam ser sacrifica- todas as mulheres que iam ao lago e fez
das. U m a das índias, penalizada, es- uma grande rede para capturar o pró-
condeu o filho, a quem chamou Pai- prio filho.
tunaré, em uma caverna onde o visitava N o dia seguinte pescou Paitunaré e
constantemente para levar-lhe alimen- matou o filho a golpes de borduna.
tos e um tônico denominado xixuá, Logo pendurou seus órgãos sexuais na
para dar-lhe boa saúde e força física. entrada de uma caverna. As mulheres
Já crescido, o rapaz foi descoberto transgressoras e Paituna pagaram com
pelas outras índias que passaram as próprias vidas os encontros fur-
a assediá-lo sexualmente. tivos e o assassinato do rapaz,
respectivamente: a chefe Contam os caboclos que tais seres são Para ilustrar essa vingança, recorremos
das Amazonas ordenou a ridicularizados pois o tal rabo os impede à lenda de Apuí, um dos mais valentes
morte dos implicados. de sentarem-se, além do que não são guerreiros da tribo dos Manuas, que ha-
considerados gente. Os macacos, por sua bitavam a região onde hoje se localiza
HOMENS COM CAUDA vez, não os consideram símios. Até hoje a capital homônima do estado do Ama-
no rio Tocantins, as moças somente zonas. Apuí desejava tornar-se chefe da
cumprimentam e conversam com os fo- sua tribo, porém foi preterido por outro
rasteiros que chegam e que estão devi- jovem, eleito por um conselho de an-
damente sentados no banco da canoa: ciães. A solução não agradou Apuí e,
querem ter certeza de que não são ho- empunhando um tacape, matou aos jui-
mens-de-rabo. zes e ao novo chefe tribal. Tornou-se
Essa anomalia torna tais criaturas agres- chefe e, um dia, tendo ido caçar na flo-
sivas pela discriminação à que estão su- resta, foi encontrado morto, entre raí-
jeitas. Alguns exploradores das selvas zes e folhas, mas ninguém o enterrou
Amazônicas dizem ter avistado grupos pois era detestado.
de "pitocos" totalmente albinos, cha- Abandonado à sua sorte, o corpo co-
mados "coatás tapuias brancos", geral- meçou rapidamente a deitar raízes
mente perigosos. Estes seres têm pre- como se fossem tentáculos e se trans-
dileção por jovens, tanto homens como formou em uma espécie de cipó que
mulheres, que seqüestram na primeira absorve a seiva de outros vegetais, as¬
oportunidade. Depois de manterem re- fixiando-os até a morte.
lações sexuais com seus reféns, estes são O corpo de Apuí desapareceu para sem-
brutalmente assassinados. pre e se converteu em tal cipó parasita,
que leva o nome do indígena e que se
CIPÓ E PLANTAS ASSASSINAS encontra na selva Amazônica. Para os
O mundo vegetal oculta mistérios, onde indígenas, o cipó nada mais c do que a
A presença de caudas em seres huma- estão presentes as forças vitais da sei- alma assassina de Apuí, que foi punido
nos simboliza, de forma geral, o aspecto vas que, por analogia, se referem ao san- por Tupã, também chamado o "pai do
animal e selvagem, o aspecto mais ins- gue humano, ao poder da vida latente. trovão", pelas numerosas mortes que
tintivo, exento do racional que todos nós N o entanto, as forças da natureza tam- havia cometido.
possuímos. bém podem rebelar-sc contra os hu- Existem outras plantas na selva que tam-
A existência de homens-de-rabo ou ho- manos,vingando-sedas suas agressões às bém são espíritos de seres humanos que
mens com cauda é outro grande enigma. matas, isto é, sua destruição seja pelas se fixaram em vegetais, porém, neste
N o vale do Juruá, no Amazonas, acre- queimadas como pelo corte da madeira. caso, inofensivos.
dita-se que habite um povo dotado de
uma cauda. Suas habilidades são se-
melhantes às dos macacos: trepam em
árvores, são muito ágeis e espertos. Sua
origem é nebulosa. Fala-se que são re-
sultado do cruzamento entre macacos
coatás (o maior macaco da Amazônia,
com cerca de um metro de altura) e
seres humanos.
Tais criaturas vivem em bandos. Alguns
caboclos dizem que possuem uma pe-
quena cauda, outros, mais longa, capaz
de enroscar-se nos galhos das árvores.
Os primeiros são chamados de "pitocos"
ou "coatás tapuias", e vivem às margens
do rio Amazonas. A cara de tais homens
é rosada, e seu rabo não ultrapassa os dez
centímetros de comprimento.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Iapinari, Pai Sumé


e Saci-Pererê
IAPINARI Contam os mais velhos que foi então
"Ter o coração de pedra" pode ser mais que apareceu um rochedo que seria o
que uma metáfora popular para dizer próprio Iapinari, imortalizado sob
que existem pessoas sem sentimentos aquela forma. Os seixos ao redor da
ou resistentes às adversidades da vida. pedra simbolizam a mãe do cego. Tais
N o rio Negro, ao noroeste do estado seixos, levados nas canoas dos caboclos,
do Amazonas, existe uma pedra à beira teriam o poder de fazer enxergar bem
do rio chamada Iapinari. U m a lenda aos viajantes durante as noites e so-
conta que Iapinari foi um índio filho brepujar as tão perigosas corredeiras da
de uma mulher virgem, escolhido por região.
Oãko, máximo criador, para vigiar a en-
trada do rio Uaupés. Mas, um dia, Ia- PAI SUMÉ
pinari ficou cego e o deus resolveu pin- Ensinar é o destino de muitas pessoas,
gar nos olhos do rapaz o suco de uma seja como professores, seja como con-
espécie de cipó. selheiros espirituais. A lenda de Pai
Não obstante, segundo a lenda o rapaz Sumé, Pai Zumé, Monan ou Pai Tomé
voltaria a ficar cego se ele ou sua mãe mostra a faceta do deus ou semi deus
revelassem a qualquer pessoa o se- civilizador.
gredo de ter recuperado a visão. A Quando os primeiros portugueses che-
mãe, infelizmente contou o segredo garam ao Brasil, os índios de São Vicen-
para seu amante e Iapinari novamente te lhes mostraram as pegadas, deixadas
perdeu a visão. U m dia, vagando pela em pedras, de uma entidade venerada,
floresta, o jovem se perdeu, caiu em a de um homem sábio e generoso que
uma corredeira e desapareceu para veio de um lugar desconhecido e de-
sempre. sapareceu de forma misteriosa.
Por todo o Brasil ainda se Conta-se ainda que foi submetido a uma É uma entidade zombeteira, ágil e as-
encontram tais pegadas prova de resistência para aceitarem ou tuta. Apesar de ter uma só perna, corre
nas rochas. Em alguns lu- recusarem o que aquele sábio havia pro- como o raio, trepa nos barrancos e
gares, como em São Gabriel posto. Em uma das provas, a de cami- deixa três riscos, sinal de que tem três
da Cachoeira, no rio Negro nhar sobre o fogo, Sumé queimou os dedos. Algumas versões dão conta de
(Amazonas), os moradores depositam pés. Em seguida, o agrediram, rompen¬ que tem as mãos furadas e que expele
velas e fazem preces em torno de uma do-lhe a cabeça. Isso provocou a fúria fumaça pelos olhos.
forma de pegada feita em uma rocha. do céu, caindo uma tempestade cujos O Saci adora saltar na garupa dos ca-
Uns a atribuem a um anjo, outros a São raios mataram alguns dos agressores. valos e trançar a crina. Durante a noite,
Tomé. Os índio tupis acreditavam que Sumé depois de extenuá-los em correrias chu-
Reza a tradição, recolhida em várias par- partiu andando sobre as águas do ocea- pa-lhes o sangue. N o dia seguinte o ani-
tes do Brasil entre os indígenas, que um no Atlântico. Fala-se que um dia pro- mal está abatido e verificam-se as mar-
homem branco, de longas barbas e com meteu voltar para continuar sua obra ci- cas dos caninos do saci no pescoço do
vestes, lhes teria ensinado a agricultura, vilizatória. Muitos índios acreditaram animal.
o artesanato, técnicas de caça e pesca, que os portugueses fossem filhos de Os sertanejos procuram evitar que o ca-
o uso das plantas medicinais e uma in- Sumé. Talvez um dia a profecia — tão valo seja atacado pelo Saci, colocando-
finidade de conhecimentos. parecida à história de Jesus Cristo — lhe no pescoço um rosário de capim.
Sumé também exerceu o papel de le- se cumpra, e Sumé retorne para salvar Não podendo maltratar os cavalos, bur-
gislador, proibindo em algumas tribos a os índios brasileiros. ros e mulas, o Saci procura assustar os
poligamia e a antropofagia. Uma das va- seres humanos.
riantes da lenda conta que alguns ho- O SACI-PERERÊ Os viajantes que vão por caminhos so-
mens, enraivecidos pela limitação de sua litários são os que mais sofrem: o Saci é
sexualidade, atearam fogo à casa de Su- capaz de deixá-los surdos com seus po-
mé. Outros falam que foi alvo de uma tentes assobios ao pé do ouvido, ou
saraivada de flechas ou ainda que o ama- então matá-los de cócegas ou de panca-
rraram a uma pesada pedra e o jogaram das. Em outras ocasiões é mais come-
no fundo de um rio. dido, e rouba o chapéu ao viajante, es-
panta-lhe a montaria.
As pessoas identificam o Saci à distan-
cia pelo seu assobio agudo e estridente.
Tal como os duendes europeus, diverte-
se fazendo algumas mal-criações, como
apagando o fogo, queimando alimentos,
escondendo objetos das casas ou fazen-
das, espantando o gado.
O Saci também costuma arrancar as
hortaliças do quintal e os cabelos das
crianças e joguar-lhes brasas nos olhi-
nhos.
Infernizam o sono de muitas pessoas,
puxando-lhes as cobertas, rasgando a
saia das mulheres e pisando os calos dos
Esta entidade sobrenatural e fantástica idosos. Também roubam os ovos das ga-
— talvez a mais conhecida do folclore linhas poedeiras ou então estragam seus
brasileiro — simboliza nosso aspecto ovos.
mais "peralta" e picaresco. Porque o Saci N o entanto, há alguns segredos que ser-
é a encarnação da peraltice. vem para espantar um Saci: basta um ro-
A sua figura é marcante: negrinho, de sário de campim ou uma peneira em-
Pegadas do Pai Sumé, entidade barreto ou carapuça vermelha (fonte borcada, ou então rezar muito: o Saci dá
venerada pelos indígenas, de seus poderes mágicos) na cabeça, um assobio estridente e muito pene-
aos que ensinou uma infinidade cachimbo e de uma só perna, barri- trante, solta uma fumaça vermelha e de-
de conhecimentos. gudo e de olhos muito vermelhos. saparece no ar.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Cobra Norato,
Homem-Pássaro e Caipora
A COBRA NORATQ
A cobra ou serpente é um símbolo uni-
versal que desperta uma série de sen-
timentos antagônicos: de paixão e ódio,
de vida e morte, etc. É um símbolo de
dualidade, como o Yin e Yang do I
Ching: o bem está contido no mal e
vice-e-versa, pois são inseparáveis.
A Cobra Norato é uma das mais po-
pulares tradições paraenses da região
do Rio Tocantins e hoje espalhada por
quase toda a Amazônia.
A lenda conta que um bela índia,
quando tomava banho no rio Trombe-
tas, foi engravidada pelo Boto. Deste
encontro nasceram dois gêmeos: um
menino que se chamava Honorato e
uma menina chamada Caninana. O
rapaz possuía todas as qualidades posi-
tivas para com a mãe, e a menina, ao
contrário, detestava a progenitora.
A Cobra Norato, uma das lendas mais populares da região da Amazônia.
Porém, tais crianças não eram normais,
eram diferentes, pois seus corpos esta-
vam recobertos de escamas, a cabeça
era triangular, os olhos Dar asas abertas à imaginação as vezes é um cachimbo. Aparece também mon-
oblíquos e a língua afi- uma atitude sã, desligando-nos mo- tado em porcos-do-mato de grandes di-
lada, com a aparência de mentaneamente da pesada carga do co- mensões. Em outras ocasiões, é repre-
uma serpente. tidiano ou das eventuais agruras da exis- sentado como um índio de pele escura,
A mãe, tendo consultado um tência. Por isso o Homem-Pássaro da nu, ágil, fumando cachimbo e que adora
pajé, decidiu abandonar as crianças Amazônia encarna um sentido de liber- o fumo e a cachaça, dominando com
junto ao rio Tocantins, onde sobrevi- dade, dado pelas suas própria asas, ca- seus assobios os animais da mata.
veram. Caninana era terrível, pois pro- pazes de levá-lo a infinidade de lugares. Outra versão mostra um Curupira com
vocava a morte de muitos pescadores U m dia, o chefe de uma tribo amazô- um olho no meio da testa. O Caipora
e banhistas por afogamento. Honorato, nica remava sua canoa em sentido con- ou Caapora também aparece sob a for-
ou Nonato, não suportando a crueldade trário à corrente de um rio. Mesmo ma de uma "menina", na realidade uma
da irmã, resolveu matá-la. assim, foi arrastado para uma cachoeira criatura de baixa estatura cujos longos
Já adulto, Nonato transformou-se em e, já apavorado, implorou a um pássaro cabelos cobrem todo o corpo até os pés.
uma grande serpente. Pela noite passea- que lhe "emprestara" as asas para poder Antigamente os indígenas defendiam-
va pela floresta. De vez em quando vi- escapar do destino atroz. Nesse mo- se do caipora com tochas, pois acredi-
sitava a mãe e ia às festas despojando- mento um pássaro que sobrevoava a tavam que a criatura fugia à luz. Se os
se de sua pele e aparência de cobra. canoa mergulhou no rio e as águas co- caçadores não lhe trazem fumo e be-
Quando o dia despertava, novamente meçaram a desaparecer. Salvo pelo mi- bidasalcoólicas,o Caipora surra impie-
se recobria com a pele serpentina e de- lagre do pássaro, o índio regressou à sua dosamente os homens.
saparecia nas águas do rio. tribo e encontrou sua noiva junto com Uma forma de afastar ou afugentar o
Havia uma esperança para que Nonato um índio jovem e forte mas seu corpo Caipora é mastigando alho. U m caça-
recuperasse permanentemente sua for- estava revestido de penas de vários pás- dor foi caçar no mato numa sexta-feira.
ma humana. Tratava-se de pingar algu- saros. Na sua cabeça apareciam duas asas Então ouviu uma voz que lhe disse:
mas gotas de leite de mulher na sua bo- que lembravam as do pássaro que havia "Você não pode caçar nas sextas-feiras".
ca e logo ferir a cabeça do monstro com salvado o chefe da tribo. Não obedecendo a voz, o homem ten-
uma faca sem usar. Parece que até hoje Enciumado, o cacique resolveu desafiar tou matar um jacu e o pássaro o atacou
ninguém se atraveu a cometer este ri- o forasteiro porém este não aceitou o violentamente com suas garras. O ho-
tual, com medo a uma reação violenta repto e foi-se embora. Todos os mem- mem, espavorido, abandonou a arma e
da criatura. bros da tribo o consideraram covarde. nunca mais voltou a caçar nas sextas-fei-
O índio com penas e asas foi em direção ras. A voz que tinha ouvido era a voz do
0 HOMEM-PÁSSARO ao rio e jogou-se. Os índios, julgando Caipora.
que quisesse fugir, seguiram-no nas suas
canoas. Nesse momento soou o es-
trondo de uma cachoeira e um pássaro
surgiu no ar. O céu fechou-se e os ín-
dios que perseguiam aquele estranho fo-
rasteiro acabaram morrendo arrastados
pelas correntezas do rio.

0 CAIPORA
O respeito à natureza é novamente a tô-
nica dos seres fantásticos brasileiros . O
Caipora é muito semelhante ao Curu-
pira, mas com os pés normais. Estes "ha-
bitantes do mato", vivem nos troncos
das árvores velhas e por isso são os pro-
tetores dos vegetais. Também defende
os animais dos caçadores abusivos com
unhas e dentes. Geralmente é repre-
sentando como um homem normal ou
de pequena estatura recoberto de pêlos,
e com os cabelos compridos, fumando
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Matintaperera, Anhangá
Índia Mani e Vitória-Régia
0 MATINTAPERERA Fala-se que a tal criatura chegou a matar
Há pessoas para quem a noite se revela vários seres humanos.
o palco ideal para pôr em prática seus Alguns velhos e velhas caboclos ou in-
pensamentos. A noite é trocada pelo dígenas acabam sendo acusados de ser
dia, com todo o fascínio e terror que o próprio Matintaperera e, por isso
pode provocar. Nesse cenário noturno, mesmo, castigados.
aparece o Matintaperera, uma espécie Uma das formas de espantar a entidade
de coruja que pode transformar-se em é a de tirar o capuz ou barrete encan-
gente e fazer mil e uma traquinagens. tado do Matintaperera.
Tal como os gnomos e duendes, rouba
objetos das casas ou os muda de po- O ANHANGÁ
sição, bate nas crianças e costuma rap- Errantes por natureza são aqueles que
tar as que são travessas. Tal como o Cu- se identificam com o Anhangá. Cria-
rupira e o Caipora, aceita o fumo e a tura ambígua, como quase todos os
cachaça para aplacar suas desfeitas com seres da mitologia indígena, o Anhangá
os humanos. é demônio e protetor ecológico.
Existe uma maldição lançada por um Muitas vezes aparece sob a forma de um
pajé da tribo dos Waimiri Atroari. De- grande veado branco, com os olhos de
pois que sua tribo ter sido dizimada fogo, perseguindo e assombrando os
pelos brancos, ainda moribundo, o pajé caçadores que se atrevem a violar os
anunciou que todos os que haviam par- seus domínios. Vive em lugares da mata
ticipado do massacre do seu povo es- mal assombrados. Foi um dos primei-
tariam fadados a deambular eternamente ros seres sobrenaturais dos quais os
pela floresta sob a forma de uma velha conquistadores portugueses tiveram
ou de um pássaro que todas as noi- notícias entre os indígenas.
tes gritava: Matintaperera, Ma- O Anhangá junta-se com outros
tintaperera! defensores da natureza, como
o Curupira, Caipora e o A ÍNDIA MANI Com as raízes de Mani os indígenas fi-
Matintaperera. Defende zeram uma espécie de vinho delicioso.
as fêmeas grávidas ou com Até hoje se cultiva esta planta embria¬
filhotes e os animais fracos gadora.
ou feridos. Ao contrário dos
seus outros colegas fantásticos, o An¬ A VITÓRIA-RÉGIA
hangá não mata nem devora os seres hu- A metamorfose pode ser espiritual ou
manos. física. Constantemente nos transfor-
Existem várias lendas sobre veados en- mamos, nos renovamos. Isso é o que
cantados. Uma é original do Uaupés. mostra a lenda da Vitória-Régia.
Certo dia alguns veados devastavam A Vitória-Régia é uma planta aquática
uma plantação e os caboclos mataram redonda e flutuante. A lenda fala de que
os animais a tiros. Logo levaram os cor- cada estrela do céu é uma índia que
pos para salgar. Na manhã seguinte en- casou com a Lua, na verdade um guer-
contram, em vez de carne de veado, reiro belo e forte. Nas noites de luar tal
carne humana que imediatamente j o - guerreiro desce do céu para buscar uma
garam ao rio. Algum tempo depois apa- jovem.
receram duas pessoas de uma aldeia pró- Uma das pretendidas da Lua, era um
xima dizendo que haviam desaparecido bela índia chamada Naiá que se apai-
um idoso e uma mulher que logo foram xonou pelo guerreiro celestial. Naiá de-
associados aos veados mortos na roça. clinou das ofertas de casamento que lhe
Outra lenda fala de um índio que re- foram feitas por outros jovens da sua
solveu caçar veados. Capturou um filho- tribo. Todas as noites de Lua a moça
te para atrair a mãe. Ouvindo os gritos A pureza está presente nesta imagem olhava para sua luz prateada e esticava
da cria, a mãe aproximou-se e foi alve- lendária dos indígenas Amazônicos. Há os braços na tentativa de tocá-la. Uma
jada mortalmente pelo indígena. Porém, muitos anos a filha de um cacique deu noite, vendo a Lua refletida na super-
para espanto do humano, o corpo do a luz a uma menina de pele muito clara. fície de um lago, se jogou na água e
veado fêmea transformou-se no da mãe O cacique, desconfiado de que a menina morreu afogada. Em vez da Lua trans-
do índio: o Anhangá havia provocado estava amaldiçoada decidiu matá-la. En- formá-la em uma estrela do céu, de-
uma miragem para castigar o caçador. tretanto, em um sonho, o homem viu cidiu torná-la uma "estrela das águas",
Existem Anhangás que encarnam ou- um homem branco que o impediu de em uma planta que dava belíssimas flo-
tros animais, como o Tatu-Anhangá (um cometer o assassinato, alegando que a res cujas pétalas somente se abrem nas
tatu encantado), ou mesmo disfarçando- criança era absolutamente inofensiva e noites de Lua Cheia com um perfume
se de gente, como o Mira-Anhangá. exenta de maldições. Esperto, o bebe ra- inconfundível: a Vitória-Régia.
pidamente começou a falar e chama-
ram-no de Mani. De inteligência aguda,
Mani passou a ser querida por todos os
da sua tribo. Contudo, a criança não
viveu muito tempo, e morreu logo ao
primeiro ano de vida. O chefe da tribo
mandou enterrá-la ao lado da sua ma-
loca. Diariamente os índios regavam a
sepultura e sobre ela nasceu em pouco
tempo uma planta desconhecida. Quan-
do a tal planta deu frutos, os pássaros
que se alimentaram deles ficavam ator-
doados.
Os índios colheram a raiz da planta e,
limpando-a, viram que era muito
branca, como o corpo da menina. Acre-
ditando que Mani havia encarnado na
planta, deram-lhe o nome da criança.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Os Homens-Morcego,
Tupá e o Gigante de Pedra
OS HOMENS-MORCEGO
Quem nunca ouviu falar de vampiros
de sangue e de vampiros psíquicos?
Quem nunca encontrou alguém que
parecia "sugar" nossa energia vital?.
Sempre há de se estar atento a estes in-
divíduos indesejáveis...
Perto do rio Araguaia existe uma mon-
tanha chamada Morcego. Nela há uma
grande caverna onde antigamente mo-
ravam os Kupe-dyeb, seres de forma
humana mas com asas de morcego e
com os cabelos de cor vermelha. Ge-
ralmente matavam qualquer forasteiro
com fortes golpes de tacape na cabeça,
atacando-os em pleno vôo. Depois lhes
sugavam o sangue.
De certa vez dois caçadores acamparam
junto com um menino perto da caverna lenha e atearam fogo. Contudo, os ho¬ Dentro da caverna encontraram uma
e foram mortos pelos homens-morce¬ mens-morcegos escaparam por outra grande quantidade de machados ou ta-
go. Somente o menino escapou, tendo- boca da caverna, no alto da montanha. capes de pedra de formato semi lunar
se escondido na mata. Voltando à sua e um menino-morcego de seis anos de
aldeia, contou o que tinha acontecido idade que levaram para criar. O menino
aos caçadores e todos os guerreiros dormia pendurado cabeça para baixo
se juntaram para exterminar os dos galhos das árvores e tinha há-
Kupe-dyeb. Os guerreiros en- bitos noturnos. Os olhos lhe
cheram a entrada da caverna de doíam com a luz do Sol. Porém
viveu pouco tempo, pois Os índios respeitavam Tupã, que fazia obra de seres humanos em um tempo
parecia alimentar-se de tremer o céu e a terra mostrando sua remoto.
sangue fresco, que nem grandeza e poder. Há quem acredite que N o século passado encontrou-se nas
r
sempre os índios tinham à foi Tupã quem deu enxadas aos indí- paredes da montanha uma série de ris-
disposição. Além disso, conta a genas para poderem arar a terra. cos que alguns estudiosos interpreta-
lenda que os Kupe-dyeb que escaparam Uma outra versão fala que Tupã, ao criar ram como uma antiga inscrição. Os
vivem em algum lugar ao sul da mon- o mundo, tirou sua pele para fazer a mais ousados atribuíram-na aos fení-
tanha do Morcego. Terra. Depois do Dilúvio, veio junto cios — povos navegantes do Mediter-
Em Minas Gerais também há uma lenda com Piá, um deus tão poderoso quanto râneo — que acidentalmente chegaram
de homens-vampiros que moram em ele que fez a primeira mulher de barro às costas do Brasil antes que Pedro Al-
cavernas. Os bandeirantes foram víti- mas esta quebrou. Foi então que Tupã vares Cabral.
mas de tais criaturas que, além de matar resolveu fazer outra mulher, mas de ma- Uma lenda indígena diz que o gigante
os seres humanos e chupar-lhes o san- deira e dela descendem todos os índios. da Pedra da Guanabara foi, em priscas
gue, devoravam-nos. Entre os índios Ianomamis havia uma eras, um índio que assassinou uma
lenda que falava de um pajé chamado jovem índia. Como castigo, Tupã o
TUPÃ Poré que habitava o cume de uma mon- transformou em pedra e o obrigou a vi-
tanha escarpada, praticamente inacessí- giar a Baía da Guanabara. Alguns pes-
vel. Todos aqueles que tentaram escalar cadores dizem que, às vezes, levanta-se
a serra morreram tragicamente. O fei- e vai passear. Para isso, chama as nuvens
ticeiro produzia com seu sopro grandes e cobre os morros para ninguém notar
nuvens brancas que encobriam a serra. sua ausência. Outras lendas falam que
Além disso era capaz de lançar raios que no seu interior está a tumba de um
atingiam e derrubavam árvores, assim grande soberano indígena, cercado de
como matava homens e animais. Quan- seus ricos pertences. O cacique teria
do estava de bom humor, Poré projetava sido enterrado junto com os seus súdi-
um arco-íris de dois tipos: um mais tos mais próximos, sacrificados ritual-
grosso, o macho e outro mais fino, mente. Nas suas cercanias ou no topo
fêmea. Quando surgia o primeiro, as da Pedra da Gávea muitas pessoas já su-
mulheres indígenas deviam esconder- miram de forma misteriosa. Dizem que
se em suas malocas, pois caso contrá- todos aqueles que tentam desvendar
rio o arco-íris as fecundaria. seus mistérios são vítimas de alguma
Os índios recomendam que não se deve maldição: a esfinge esconde muito bem
apontar o dedo ao arco-íris, seja macho os seus segredos.
ou fêmea, pois, quem o fizer, ficará cego
e com uma verruga no dedo.

O GIGANTE DE PEDRA
A fúria controlada, o ódio canalizado A esfinge sempre esconde um segredo
pelas vias do inconsciente, transfor- que devemos decifrar com nossa inte-
mam-se em razão para todos aqueles ligência e astúcia. Há pessoas que são
que seguem a mesma linha espiritual de verdadeiras esfinges, ocultam em si
Tupã, talvez a entidade celestial indígena mesmas segredos que cativam os de-
mais conhecida do Brasil. mais. Qual é a chave para decifrá-los?
Tupã, o "Pai do Raio", lembra Thor, o Está lançado o desafio das charadas...
deus do Trovão da mitologia germânica Pois a esfinge brasileira é a Pedra da
ou Júpiter ou Zeus da mitologia greco- Gávea, no Rio de Janeiro, Baía da Gua-
romana e encarna a força do raio arre¬ nabara. N o alto daquela montanha de
metido sobre a terra e seus habitantes. pedra granítica está a imagem de um ser,
Considerado por alguns como a máxima cujo corpo de felino ostenta uma co-
deidade dos indígenas brasileiros, como lossal cabeça humana com longas bar-
um deus Criador, outros o consideram bas. Alguns acreditam que seja uma
apenas um deus da natureza. formação natural, outros acham que é
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

O Barba Ruiva, Tahina-


Can, Jaburu e Piripirioca
0 BARBA RUIVA tranhas vozes e observam-se luzes de
Raramente ouvimos nossa voz interior, origem desconhecido.
a nossa consciência-intuição que busca Todos os que se atreveram a morar às
apresentar soluções para nossos pro- margens da lagoa tiveram que fugir es¬
blemas, dos mais insignificantes aos pavoridos: durante a noite ouvia-se o
mais importantes. Somente o exercício choro de um bebê, procedente do fun-
diário da paciência, compreensão e dis- do das águas, como se solicita-se o peito
ciplina nos facilita abrir este canal de da mãe para amamentar-se. Com o pas-
comunicação interno. sar dos anos o choro parou.
A lenda do Barba Ruiva nos fala de co- Conta a lenda que às vezes surge das
mo uma voz pode ficar aprisionada e águas um ser humano que pela manhã
sofrer com a indiferença daqueles que é menino, ao meio-dia um rapaz de
não querem ouvir. barbas ruivas e, pela noite, um velho de
Perto da lagoa de Paranaguá, no estado barbas brancas. Tímido, foge dos ho-
do Piauí, morava uma viúva muito po- mens quando é visto, porém aproxima-
bre com suas três filhas. A mais jovem se das moças bonitas para observá-las
deu a luz a um bebê, porém, arrepen- e depois foge. Por isso, as mulheres evi-
dida, resolveu abandonar a criança. O tam lavar a roupa sozinhas.
infeliz foi deixado dentro de uma bacia O Barba Ruiva, como ficou conhecido,
de cobre e jogado na lagoa de Parana- é tido também como filho da Mãe
guá. O tacho afundou mas foi trazido à d'Água. Pacífico, a entidade não fere ou
tona pela Iara ou Mãe d'Água. Enrai- maltrata ninguém. A sina à qual está
vecida pela atitude da mãe do bebê, a preso terminará o dia em que uma mu-
Iara provocou o crescimento das águas lher atire em sua cabeça algumas gotas
do lago e inundou todo o vale. Des- de água benta e as contas de um ro-
de então o lago se tornou um lu- sário, convertendo-se, então ao
gar mágico, onde se ouvem es- cristianismo.
TAHINA-CAN Porém, a irmã de Denakê, invejosa, de- Até hoje o Jaburu paga pelo pecado da
Vitalidade e seu oposto, a sejou aquele jovem para si. Mas então ambição de querer tudo para si, esque-
ausência de energias, são era tarde, pois Tahina-Can se mantinha cendo-se de repartir as graças para os
os polos opostos que podem fiel a sua esposa. Enraivecida, Imaherô demais.
estar circunscritos a uma mes- ficou possessa e gritou aos quatro ven-
ma entidade. A filosofia indígena con- tos. Foi quando ambos se desvaneceram PIRIPIRIQCA
sagra muitos mitos a esta dupla realidade no ar e, no seu lugar apareceu uma ave,
contida em um só elemento. o urutau, que até hoje dá um grito triste
N o tempo em que os índios Carajá e muito forte.
ainda não conheciam a agricultura, um
casal teve duas filhas: Imaherô, a mais 0 JABURU
velha e Denakê a mais nova. Uma noite Muitas lendas indígenas são como as fá-
viram a estrela Tahina-Can brilhar com bulas, pois procuram deixar um fundo
muita intensidade. Imaherô, ficou apai- moral. A lenda do Jaburu mostra que
xonada pelo astro e quis tê-lo para si. a ambição é um pecado que se penaliza.
A índia fez um pedido para o céu e uma N o inicio da criação do mundo, Tupã
certa noite acordou assustada. Ao seu escolheu o Jaburu como uma das aves
lado estava um ancião de cabelos e bar- divinas da terra. Sua plumagem rica de
bas muito alvas: era Tahina-Can. Ele cores suaves atraia e encantava todos os
se ofereceu como marido da moça po- demais pássaros. Todos os animais pos-
rém, vendo-o tão velho, Imaherô o re- suíam uma tarefa para cumprir na vida.
jeitou. Triste o ancião-estrela chorou co- O Jaburu estava encarregado de distri-
piosamente. Denakê, sensibilizada pelo buir os favores de Tupã às criaturas ter¬
choro, o aceitou como marido. renais. N o último dia de cada ano, o Ja-
Depois do casamento, Tahina-Can fez buru, sabendo das responsabilidades às
o primeiro roçado de uma tribo de Ca- quais estava a cargo, voou muito alto
rajás. Entrando nas águas do rio en- e chegou ao Paraíso onde recebeu um
controu espigas de milho e raízes de cesto, o aturá, repleto de boas graças A evasão pode ser o sintoma de timidez
mandioca que logo plantou. Quando a procedentes de Tupã. Ao invés de re- ou de proteção à intimidade. E o que
esposa foi procurá-lo na roça encontrou partir as graças, o Jaburu ficou com o nos ensina este personagem de lenda
em seu lugar um jovem e belo índio aturá. Depois disso, a ave, foi ficando indígena.
com o corpo pintado com símbolos que triste e seu pescoço, que era coberto de O Piripirioca era um índio que fugia
até hoje os Carajás usam: o homem-es¬ penas brancas, foi ficando preto e trans- das moças que o procuravam. Ele exa-
trela havia rejuvenescido. formou-se em uma ave feia e repulsiva. lava um perfume muito suave que apai-
xonava as mulheres. Este índio tinha
o poder de transformar-se em nuvem,
desaparecendo rapidamente no ar.
Aconselhadas por um pajé, Supi, as ín-
dias prenderam Piripirioca com fios de
cabelo. Mesmo assim o rapaz diluiu-se
no ar, adormecendo-as a todas. Pela
manhã viram no lugar do índio Piri-
pirioca uma planta que guardava o seu
perfume.
Supi ensinou-as a usar aquele cheiro
que embriagava o coração das mulhe-
res. Mas onde estava Piripirioca, na
planta? Não, no céu, pois havia subido
por seus poderes mágicos e transfor-
mou-se na constelação do Ararapari, o
cinto da constelação que nós conhece-
Tahina-Can {a estrela Vésper). mos por Orion.
Tarô indígena: seres fantásticos do Brasil

Potira, o Lagarto
Encantado, o Sete estrelo,
Macunaíma e Chibuí
POTIRA Inconsolável, Potira passou o resto da
O sofrimento às vezes é recompensado vida à beira do rio, chorando sem ces-
por outros fatores que tornam nossa sar. Seu sofrimento impressionou o
vida mais alegre ou compreensível. Isso deus Tupã que, para render homenagem
é o que mostra a índia Potira com o seu ao sofrimento da jovem e ao guerreiro
calvário. falecido, transformou as lágrimas de Potira
Há muito tempo vivia à beira de um rio
no estado de Minas Gerais uma tribo
de índios onde morava um casal muito Q LAGARTO ENCANTADO
feliz: Itagibá e Potira. Itagibá significa Pecado e virtude andam lado a lado: há
"braço forte", era um guerreiro astuto, uma margem muito tênue entre um e
forte e corajoso. Potira, cujo nome sig- outro.
nifica "flor" era uma índia jovem e be- A lenda do Lagarto Encantado remete
líssima. ao dia em que o jovem sacristão da Igreja
U m dia Itagibá deixou a aldeia para de São Tomé, no estado do Rio Grande
guerrear com uma tribo vizinha. Potira, do Sul, observou que as águas de uma
com saudades, diariamente se dirigia até lagoa vizinha borbulhavam de uma
as margens do rio na espera da canoa do forma estranha. Quando o religioso se
marido. Porém sempre mantinha a es- aproximou, cessou o ruído e, de repente,
perança do retorno e não se deixava viu sair das águas um teiú-iaguá, uma
abater. espécie de lagarto escuro, com ris-
U m dia Potira foi avisada que Ita- cas amarelas. Porém, ao contrá-
gibá havia falecido em combate. rio dos demais da sua espécie
possuía uma pedra bri- 0 SETE ESTRELO MACUNAÍMA
lhante encravada no alto O absurdo é uma forma de inteligên- Criação e destruição, duas faces da mes-
da cabeça, conhecida co- cia que se expressa através de uma ati- ma moeda.
mo carbúnculo. O padre re- tude inconsciente, presente nos artistas. Macunaíma é a entidade divina de vá-
colheu o lagarto e o levou para Há muito tempo, no rio Uanauá dois rias tribos. Sua história está ligada ao Di-
casa, onde o tratou com carinho. O ani- recém-casados esfregaram nos seus cor- lúvio indígena. Depois que Macunaíma
mal, que era encantado, retribuiu a gen- pos a erva jacamim e se transformaram criou a Terra e as plantas, desceu dos
tileza oferecendo riquezas, entre elas em ela. Ambos podiam voltar à forma céus e subiu uma árvore. Cortou pe-
ouro, diamantes e fazendas. Porém, o humana quando quisessem. U m dia ti- daços da casca da árvore e os jogou a um
bom homem recusou-as. Depois disso veram um casal de filhos e a mãe os aler- rio. Os pedaços se converteram em ani-
o teiú se transformou em uma bela tou que em nenhum momento deve- mais. Depois, com outros pedaços criou
moça. Porém, o religioso não resistiu riam destruir um pé de jacamim. os seres humanos. Macunaíma resolveu
aos encantos da moça e casou-se secre- Uma noite a mãe aproximou-se da filha destruir grande parte da sua Criação
tamente. Quando descobriu-se que ha- e viu que na testa havia sete estrelas e que quando surgiu o espírito do mal sobre
via casado com um lagarto encantado, o no menino havia uma cobra feita de es- a Terra. Então provocou um Dilúvio.
homem foi condenado à forca. N o mo- trelas. A mãe chamou o marido e este Outras versões explicam que Macuna-
mento prévio à execução, surgiu o teiú disse que quando engendraram os filhos íma criou o homem a partir da cera.
da lagoa, abrindo uma fenda no chão estavam olhando para as estrelas, por isso
que até hoje existe. O lagarto foi em au- ficaram refletidas nos corpos dos filhos. CHIBUÍ
xílio do padre fazendo ferver as águas Em outra ocasião, o garoto saiu para a Pausa para a meditação. A estranheza é
do rio e do lago e a terra tremer. O con- floresta e matou todos os jacamins que a chave de um novo conhecimento.
denado foi arrancado da forca por mãos encontrou. Ao voltar à sua aldeia en- Na Zona do Salgado vive o Chibuí. Sua
invisíveis e posto no dorso do lagarto controu o pai morto. Em pouco tempo, aparência é a de um homem normal, de
que então atravessou o rio Uruguai. A o menino tornou-se o chefe da família cor branca c com duas antenas na ca-
lenda ainda diz que ambos, o lagarto e e passou a exercer uma força desmedida. beça. Outros o descrevem como um ho-
o padre, têm vida eterna, cercados de ri- Além disso, possuía poderes curadores. mem com dentes salientes, antenas e li-
quezas. O lagarto nunca mais se trans- Quando morreu foi para o céu, trans- gado pelos pés à casca de um caramujo.
formou em mulher e revela ao infeliz formando-se no Sete Estrelo, na ver- O Chibuí tem o hábito de engravidar as
padre onde estão as minas de ouro e dia- dade o aglomerado estelar das Plêiades moças virgens. Pouco mais se sabe deste
mantes, que de nada lhe servem. que, a olho nu, mostram sete estrelas. enigmático homem-caramujo.

O Sete Estrelo. Macunaíma. Chibuí.


Ayahuasca:
a poção para ver o futuro
A cerimônia de ayahuasca é um sistema de adivinhação baseado na infusão
de ervas características do Brasil.

A ayahuasca ou "soga do morto" é o


nome de uma poção conhecida
originalmente pelos indígenas amazô-
mais conhecidos desta vertente. Seus
adeptos — que já são muitos no Bra-
sil e no estrangeiro — professam que
zônicas. Os princípios ativos (elemen-
tos químicos que atuam no ser hu-
mano) são a harmina e a dimetiltrip¬
nicos cujo uso se estendeu nos últimos a ayahuasca (Banisteria caapi), também tamina, dois alcalóides encontrados na
anos a determinadas camadas da socie- chamada "caapi" ou "yage", permite ex- raiz da planta. São também conhecidos
dade brasileira. Mais que um simples pandir a consciência humana a níveis por alguns cientistas como "telepatina",
alucinógeno, a ayahuasca se transfor- desconhecidos. por sua capacidade de induzir a estados
mou em uma religião, ou em várias re- O "yage" é uma planta trepadeira da telepáticos e clarividentes. O primeiro
ligiões que predicam seu uso e sua sa- família das malpigiáceas com a qual se é eliminado pelo organismo 24 horas
cralidade. prepara ritualisticamente uma poção depois da ingestão, e o segundo, du-
O "Santo Daime" e "A União do Ve- que serve para a iniciação das crianças rante ou depois dos efeitos alucinó-
getal" são dois dos grupos religiosos na adolescência entre várias tribos ama- genos.

Cerimônia da ingestão da infusão com ayahuasca.


Grupos como o "Santo Daime" elabo-
ram uma poção de cor café com leite.
Depois acrescentam à ayahuasca folhas
de um arbusto chamado chacrona (Psy¬
chotria viridis). O preparo passa pelo cor-
te, maceração e cozimento das plantas.
As pessoas que bebem esta poção, têm
visões de paisagens fantásticas habitadas
por elementos simbólicos que surgem
com muita clareza e realismo.
Beber ayahuasca produz enjôos — que
são combatidos com o perfume de cuá¬
quena e com a cebola do piripiri —, vô-
mitos e profundas náuseas. Além disso
tem efeitos laxativos. Seus consumido-
res advertem que não se deve tomar aya-
huasca desacompanhado nem fora de Pintura de P. Amaringo onde podem ser vistas visões
um contexto religioso, isto é, pelo depois da ingestão da Ayahuasca
simples desejo de provar o alucinógeno
"para ver o que acontece". magníficas visões de grandes cidades, passados ou para saber onde se encon-
Além disso, a substância pode despertar altas torres, bonitos parques e outros tram os animais que querem caçar. Os
poderes paranormais, especialmente te- cenários estranhamente atraentes". índios costumam retirar-se para as par-
lepáticos e premonitórios em algumas Os índios tucanos, siona e shipibo rea- tes mais profundas da selva para consu-
pessoas. Os efeitos dependem muito do lizam ritos com a ayahuasca. Antes de mir a substância e só então são capazes
ambiente onde a pessoa que a consome ingeri-la devem abster-se de manter re- de captar as influências da natureza.
se encontra, bem como seu estado emo- lações sexuais e, além disso, devem se- Os indígenas yaguas têm uma curiosa
cional. A esta planta também se atribui guir uma dieta muito estrita. Os sonhos explicação para os poderes adivinható¬
o poder de produzir viagens astrais. provocados pelo vegetal são iniciáticos rios e telepáticos do yagé: em sua mi-
Alguns antropólogos, como Luis Eduar- e premonitórios. A música desempenha tologia existem cinco espíritos que estão
do Luna, da Colômbia, acredita que a um papel importante nos rituais. Os alojados no corpo humano. Dois destes
ayahuasca permite resgatar imagens dos xamãs neófitos aprendem dos espíritos espíritos podem abandonar temporaria-
espaços mais recônditos da mente e "mãe" um amplo repertório de canções mente o corpo, tal como acontece nas
transferi-las ao nível do consciente. Lu- com as quais podem produzir curas xa- viagens astrais e visitar lugares longín-
na descobriu um xamã peruano, Pablo mânicas, ou denunciar futuros ataques quos, dentro ou fora de nosso planeta.
Amaringo, que pintava extraordinários sobrenaturais dos "espíritos do mal". Estas almas também podem entrar em
quadros, ricos em simbolismo, a partir Através da ayahuasca, os índios podem contato com outras superiores que re-
de suas experiências religiosas com a entrar em contato com o mundo dos an- gem o passado, o presente e o futuro.
ayahuasca. Amaringo reproduzia ima- cestrais, para encontrar-se com os ante- Jovens, adultos e pessoas idosas inge-
gens que nunca nenhum ser humano rem a ayahuasca nos rituais do Santo
tinha visto, as mesmas que mostram Daime. A religião c a planta alucinógena
criaturas arquetípicas, isto é, que estão estão permitidas pela lei; uma comissão
no inconsciente da humanidade, espe- multidisciplinar decretou, em 1993, que
cialmente dos habitantes da selva. Em a ayahuasca, consumida de forma con-
seus quadros aparece a Anaconda pri¬ trolada e dentro de um contexto reli-
migênia que, segundo as lendas, trou- gioso, não é prejudicial ao ser humano.
xe a humanidade em suas entranhas. Os líderes de outro grupo religioso
Em 1858, Villavicencio, um geógrafo adepto da ayahuasca, a "União do Vege-
equatoriano, escreveu acerca do con- tal", surgido em Porto Velho, empregam
sumo da ayahuasca entre os indígenas sons de mantras para favorecer o transe.
záparos e descreveu sua própria expe- O objetivo destes grupos, segundo apre-
riência como uma viagem ao futuro, goam seus líderes espirituais, é lograr
onde ele se via voando e tinha "as mais Liana de yagé ou ayahuasca. o autoconhecimento.
Sonhos e visões
premonitórias
Visões premonitórias obtidas em estado de sonho. Este sistema se usa em algumas
regiões de Brasil para buscar lugares onde se escondem tesouros.

Reza uma lenda que no vilarejo de Ro-


sário, nas margens do rio Cuiabá, vivia
há muitos anos um mineiro ambicioso
e cruel, cujos escravos eram obrigados
a entregar-lhe, todos os dias, uma de-
terminada quantidade de ouro.
U m dos escravos, um velho chamado
Pai Antônio, passou toda uma semana
sem encontrar um só grama de ouro.
Triste e cabisbaixo, pensando no castigo
que seu amo lhe infligiria, Antônio viu,
diante dele, uma formosa fada. A fada
perguntou ao escravo sobre o motivo
de sua tristeza. A mulher lhe disse: "com-
pre-me uma fita azul, vermelha c ama-
rela, um pente e um espelho, pois quero
"Cidade dos Deuses", formação rochosa próxima a Alenquer, estado do Pará.

O s sonhos nos permitem penetrar


em um universo onde tudo é pos-
sível, inclusive ver o futuro. Existe a tra-
água nos rios ou poços. Por isso, deve-
se ter sempre água fresca na geladeira
para que o anjo não se afogue.
dição de que a alma abandona o corpo
durante o sonho e entra em contato com MESA OU PORTA
nossa realidade e com a realidade do Nunca se deve dormir sobre a mesa
além. Em algumas ocasiões algumas en- porque é de mau agouro e, pelo mesmo
tidades sobrenaturais intervêm em nos- motivo, tampouco se deve dormir com
sos sonhos e nos mostram lugares onde os pés apontando para a porta que dá
se ocultam riquezas: são os mitos do para a saída da casa.
ouro e da abundância. Os sonhos po-
dem anunciar mortes, desastres, riqueza, A MÃE DO OURO
viagens, novos amores, etc. As indica- Trata-se de um fenômeno premonitó-
ções do que pode acontecer no futuro rio impressionante e relativamente fre-
são dadas por elementos que aparecem qüente. A mãe do ouro é uma esfera lu-
nos sonhos e que têm um sentido con- minosa de cor amarela que, geralmente,
creto para os que são capazes de inter- surge de uma serra ou montanha cru-
pretá-las. Vejamos algumas delas: zando o céu para cair ou esconder-se
em outro setor montanhoso.
SEDE
Não se deve dormir com sede pois o A mãe do ouro, esfera luminosa
anjo da guarda pode afogar-se bebendo que aparece pela noite.
lhe ajudar". Rapidamente, Antônio
cumpriu com as ordens da fada. Quan-
do ele lhe entregou os objetos pedidos,
ela lhe indicou o lugar no qual havia
uma mina de ouro; em troca do segredo
só lhe impôs uma condição: não deve-
ria revelar a ninguém a localização da
mina. Antônio dirigiu-se rapidamente à
mina, apanhou uma boa quantidade de
ouro e levou-o a seu airado amo. Na-
turalmente, o homem quis saber onde
seu escravo tinha encontrado o ouro.
Antônio recusou fazer tal revelação e,
em conseqüência, passou a receber terrí-
veis açoites diários.
Suplicando e pedindo ajuda à fada, isto Formações rochosas de Paraúna, em Goiás.
é, à mãe do ouro, Antônio implorou que
o deixasse contar o segredo. A fada nhóis. Em Goiás, entre as formações ro- região quando foi assaltado por uma
concordou, com a condição de que seu chosas de Paraúna, os camponeses que banda de ladrões que lhe tiraram a vida.
amo fosse à mina com 22 escravos e que sonham com a "mãe do ouro" podem Arrependidos, os assassinos enterraram
escavasse até encontrar a rocha. descobrir o lugar onde está um tesouro o religioso junto com seu ouro. Todos
Os homens assim fizeram e se depararam enterrado. Mas não podem ir buscá-lo aqueles que têm o privilégio de ver o
com uma jazida de ouro em forma de ár- diretamente. Devem contar a uma pes- "carneiro de ouro", sonham durante essa
vore. N o entanto, apesar de tudo que tin- soa de confiança e será esta pessoa que mesma noite com uma roda de ouro. Ao
ham escavado, não conseguiram chegar deverá retirá-lo da terra. contrário da "mãe do ouro", que mos-
ao fundo da mina. A fada, nesse momen- Histórias semelhantes podem ser ouvi- tra o lugar onde há um tesouro enter-
to, pediu a Antônio que se separasse das das em Sete Cidades (formações rocho- rado, a visão do carneiro vaticina o en-
escavações. Depois de um momento, um sas no Estado do Piauí) e nas formações riquecimento do observador de uma
desabamento na mina enterrou para sem- da "Cidade dos Deuses" (próximo a forma insuspeita, seja por uma herança,
pre os escravos que se encontravam ali, Alenquer, Estado do Pará): loteria ou por um emprego muito bem
bem como o cruel mineiro. remunerado. Uma variação do "carneiro
Hoje em dia, na selva da Juréia, os indí- 0 CARNEIRO de ouro" é o "lagarto de ouro", que apa-
genas caiçaras crêem que a aparição da DE OURO rece em pinturas pré-históricas.
"mãe do ouro", isto é, da esfera de luz N o Estado do Maranhão, às margens do
amarela, indica o lugar onde se pode en- rio Parnaíba, à noite pode-se ver o que AS SALAMANCAS
contrar uma mina de ouro ou um tesou- os camponeses chamam o "carneiro de N o sul do Brasil, especialmente no Es-
ro deixado pelos portugueses e espa- ouro". Trata-se de um carneiro gigan- tado do Rio Grande do Sul, existem a
tesco com uma estre- chamadas salamancas ou "cavernas en-
la na frente que espo- cantadas" onde se encontram riquezas
radicamente produz em ouro e prata. O nome teve origem
clarões. Qual é a ori- na Espanha, na cidade de Salamanca,
gem do misterioso onde existiu uma escola de iniciados
carneiro? esotéricos. Contam as lendas que os ho-
Os habitantes locais mens que entraram nestas salamancas e
contam que um mis- voltaram à luz do dia transformaram-se
sionário viajava pela em pessoas de sucesso e com muita sor-
te. Acredita-se que ao dormir na escu-
Pintura rupestre ridão da caverna, as pessoas aprendem
na que aparece — em função dos sonhos — a ganhar
o "Lagarto de ouro", nos jogos de cartas ou outros jogos de
uma variação do azar e a predizer a melhor forma de in-
"carneiro de ouro". vestir seu dinheiro em certos negócios.
Animais de bom
e de mau agouro (I)
Existem uma série de animais agoureiros que formam parte da fauna brasileira e,
os quais têm a faculdade de avisar, de diversasmaneiras,os seres humanos
sobre acontecimentos que vãoocorrerno futuro

A rica e variada fauna brasileira apre-


senta um aspecto inesperado: seus
animais representam criaturas agou-
rentas. Sonhar com um tatu, ou que um
manati do Amazonas (peixe-boi) apa-
reça a um navegante podem prenunciar
uma série de fatos capazes de alterar
completamente a vida de uma pessoa.
Vejamos alguns exemplos:

JAGUATIRICA
Trata-se de um mamífero carnívoro (Fe-
lis pardalis brasiliensis) que atinge cerca
de 85 cm de comprimento e 40 cm de
altura. Felino de hábitos noturnos, é
muito semelhante à onça, mas de tama-
nho menor. Jaguatirica.
Seus olhos brilham como duas estre- a morte prematura de algum parente ou
las na densa selva e alimentam as mais e os indígenas. Ver uma jaguatirica à amigo.
fantásticas interpretações entre os ca- noite é como ver o próprio demônio: Também indica o fim de um ciclo de
boclos (mestiços da região amazônica) não é bom augúrio e costuma anunciar boa caça e a necessidade de buscar novas
áreas para caçar.

LOBO-GUARÁ
Trata-se de um mamífero carnívoro da
família dos canídeos (Chrrysocyon bra¬
chyurus). É o maior e mais belo dos ca-
nídeos sul-americanos, com quase um
metro de altura.
Destaca-se por seu pêlo avermelhado e
lustroso e que, ao contrário do lobo eu-
ropeu, não vive em manadas, mas sim
de forma solitária. E um animal extre-
mamente arisco que tem hábitos no-
turnos.
As poucas pessoas que já viram um lo¬
bo-guará em seu meio ambiente ga-
rantem que, depois do acontecimento,
PIRARUCU
É o gigante de escamas dos rios ama-
zônicos, da família dos osteoglossídeos
(Arapaima gigas). Este peixe de água doce
alcança mais de 2 metros de compri-
mento e chega a ter mais de 200 kg de
peso. É conhecido como "bacalhau do
Amazonas" por sua rica carne. Há quem
garanta que tocar nas escamas de um pi-
rarucu, ainda vivo, permite saber se a
mulher vai ter um filho ou uma filha:
se ao passar a mão uma vez sangra, será
mulher, e se não, será homem.

Quati.
ticamente de qualquer lugar e despistar
passaram a ter abundância em suas vi- rapidamente seus perseguidores. Geral-
das: ganharam prêmios na loteria, rece- mente vive em grupos muito ruidosos
beram uma herança, apareceu um novo e brincalhões.
trabalho melhor remunerado, etc. Os indígenas os consideram espíritos
Tímido, o lobo-guará não costuma ata- de crianças travessas que vivem na
car o ser humano salvo se se vê muito selva. Sonhar com os quatis significa
ameaçado. ter êxito com o sexo oposto, novo na-
morado ou namorada ou relações
QUATI sexuais iminentes.
Trata-se de um mamífero carnívoro, ar¬ Talvez se baseiem no emprego afrodi-
borícola da família dos procionídeos síaco que se faz do membro do quati.
(Nasua nasua). É de tamanho médio, é Contra a impotência sexual, elabora-se
tão travesso e ágil quanto os macacos. uma infusão com este membro, depois
Sua cauda permite-lhe pendurar-se pra- de tê-lo tostado.
Tatu-bola.

TATU-BOLA
O tatu-bola é um pequeno mamífero
pertencente à família dos dasipodídeos
(Tolypeutes tricinctus) que está coberto
com uma carapaça articulada e móvel
que lhe permite enrolar-se em forma de
bola e que consiste na principal defesa
deste animal. O tatu-bola possui tam-
bém uma grande capacidade de esca-
var túneis para se esconder. As lendas
tradicionais dos índios tupis-guaranis o
mencionam com muita freqüência. Ver
um tatu-bola escavando uma toca à
noite é um aviso para que se economize
e não se esbanje dinheiro. Vê-lo tentan-
do subir em uma árvore (algo muito ra-
ro) significa que a pessoa vai ficar viúvo
ou viúva.
Animais de bom
e de mau agouro (II)
carne é muito apreciada e sua gordura
tem propriedades medicinais. Se um
pescador fere a um manati com seu ar-
pão e este consegue escapar, augura-se
um destino fatal para o homem em um
prazo relativamente curto. O mesmo
acontece se, ao matá-lo, não se conse-
gue resgatar seu corpo por causa do ata-
que de outros animais.

Manati do Amazonas.
pécie amazônica), assemelha-se às focas.
Sua cor é cinza e um exemplar adulto
OS MANATI alcança até 4 metros de comprimento e
DO AMAZONAS mais de 600 kg de peso. É inofensivo ao
Este mamífero pisciforme da família ser humano e presa fácil de pescadores
dos sirenídeos (Trichechus ínunguis, es- dos rios amazônicos, onde habita. Sua

Teiú.
TEIÚ
Espécie de lagarto brasileiro da famí-
lia dos teídeos (Tupinambis tequixin) que
pode alcançar até 2 metros de compri-
mento. Sua carne é muito apreciada pe-
los camponeses da região nordeste, que
a consideram um verdadeiro manjar.
Piranha. Luta com as serpentes com muita ener-
energia. Conta a tradição popular que se ele
sai ferido destas lutas com as cobras, cos-
tuma comer um determinado vegetal
que lhe faz recobrar as energias e volta
à luta para, então, exterminar seu adver-
sário.
Por este motivo, dizem que sonhar com
um teiú significa simbolicamente ven-
cer uma "luta" ou "batalha" que se es-
tá travando contra alguma situação ou
uma pessoa adversa.

PIRANHA
Trata-se de um peixe carnívoro (Pygocen¬
trus Piraya), o mais temido dos peixes
amazônicos. Em grupos, são animais ca-
pazes de devorar a seres humanos c a ou-
tros animais de tamanho considerável.
Sua incrível voracidade e capacidade de
surpresa só podem ser comparadas com
a dos tubarões, obviamente muito maio-
res que estes peixes, que não alcançam
mais que uns poucos centímetros de
comprimento.
Ser mordido por uma piranha e sobre-
viver significa ter escasso poder para lutar
Onça.
contra as doenças pelo resto da vida. So- pagaios, com sua belíssima plumagem,
nhar com piranhas augura um futuro são responsáveis por muitas lendas en-
pouco lisonjeiro para as mulheres: si- ARARA tre os povos indígenas.
gnifica que em pouco tempo trabalhará Ave do gênero Anodorhynchus, Ara e Cya¬ Considerados como mensageiros dos
como prostituta. nopsitta. Estes parentes gigantes dos pa- céus c do Sol, são aves de bom agouro.
Tê-las nas malocas (casas de palha dos
índios) é, além disso, uma diversão para
as crianças e adultos, uma forma de ter
bons sonhos e evitar pesadelos.

ONÇA
Chamada "tigre das Américas" é o maior
dos felinos americanos (Felix onça). Seu
aspecto imponente e belo destaca-a entre
os demais animais da selva. Em situações
muito extremas pode matar a um ho-
mem e devorá-lo. Sua valentia e força
bruta são sempre compensadas pela sa-
gacidade de outros animais das lendas
indígenas, como o macaco e o sapo.
Encontrar-se com uma onça na selva po-
de supor perdas econômicas e, inclusive,
levar à morte pela fome.
Costuma-se dizer que ser "amigo da
onça" é ser um falso amigo, inconve-
Arará. niente e inoportuno.
Jurema: os espíritos
ajudam a ver o futuro
A cerimônia do ajucá é um sistema de adivinhação baseado na ingestão de uma infusão
de um vegetal sagrado, a jurema, que serve para conhecer o futuro.
Foi sincretizado pelas comunidades negras da costa do noroeste do Brasil.

A cerimônia da jurema ou ajucá pra-


ticamente desapareceu do Brasil e
é um dos rituais mais interessantes que
os jês (também conhecidos como ta-
puias) e os karirís. Os detalhes de suas
cerimônias ficaram perdidos para sem-
combina elementos cristãos, indígenas, pre pois nenhum cronista ou escritor
espiritistas e afro-brasileiros. O nome dedicou-se a elas.
jurema origina-se de uma árvore (aca- Até o século XIX, o fato de beber jurema
cia jurema) com cujas raízes os pajés era considerado um ato de bruxaria ou
(sacerdotes indígenas do grupo tupi) fa- prática de magia e seu uso era secreto.
ziam uma bebida alucinógena capaz de Alguns indígenas foram presos por ce-
induzir sonhos adivinhatórios. lebrar este ritual. Foram os indígenas
O antigo ritual, realizado pelos indíge- que ensinaram aos brancos e mestiços
nas, supunha que os guerreiros pode- o uso da planta.
riam viajar a um mundo invisível to- Existem dois tipos de jurema, a branca
mando a poção. Os índios "sonhavam" e a negra (Pithecolobium diversifolium
mas eram as mulheres que interpreta- Benth, e Mimosa nigra Hub., respectiva-
vam os sonhos para revelar tanto o pas- mente). Os pajés indígenas elaboravam
sado como o futuro. Dois grandes gru- uma bebida com a jurema branca que
pos indígenas empregavam a jurema: produzia sonhos afrodisíacos e premo-

Pintura rupestre de Piauí.

nitórios. Também é muito usada pelos


pais e mães de santo do candomblé de
Pernambuco.
A infusão de jurema é preparada com
suas raízes, que são raspadas e lavadas
para eliminar a terra a elas presa e de-
pois são maceradas durante algum
tempo sobre uma pedra. A massa for-
mada é diluída em um recipiente com
água. Pouco a pouco a água se trans-
forma em um líquido avermelhado e
espumoso, semelhante ao vinho.
Esta bebida sagrada era servida em ri-
tuais não só dos indígenas mas também
nos cultos afro-brasileiros (candomblés)
Crianças recolhendo plantas medicinais e jurema. de alguns estados do nordeste do Bra-
Brasil, especialmente de Pernambuco e Pa- também podem pôr-se em contato com
raíba. Estes acrescentavam à bebida mel, os espíritos dos mortos. N o final, as
ervas e outras substâncias. Nos rituais "cantadeiras", sempre cantando, ben-
de magia negra acrescenta-se sangue de dizem a todos os presentes, um a um.
animais. Em alguns templos costuma- O ajucá é um dos reinos mágicos, in-
se misturar a jurema com aguardente de visíveis, habitado por "mestres dos bons
cana de açúcar, o que chamam de conhecimentos". Supõe-se que beber
"cauim" . jurema é o mesmo que viajar ao mítico
As folhas de jurema também são usadas e legendário reino, uma espécie de pa-
secas, junto com tabaco, para fumar em raíso onde se pode beber conhecimento
cachimbos indígenas feitos com o tron- se os espíritos o permitem. U m destes
co da mesma jurema. O pajé coloca o reinos era o de Pedra Bonita, em Per-
cachimbo ao contrário — onde se de- nambuco, onde existem até hoje duas
posita o tabaco — e sopra sobre a poção enormes pedras graníticas. Ali residiu o
que se encontra no recipiente. Curiosa- líder de uma seita que, no século pas-
mente, forma-se uma figura em forma sado, ordenou o sacrifício de muitas pes-
de cruz no líquido com um ponto em soas empregando a jurema em seus ri-
cada um dos ângulos formados pelos tuais. N o entanto, a jurema empregada
braços da cruz. Em outras ocasiões, os estava adulterada por outras substâncias
galhos e as flores da jurema são destina- que levavam à loucura, como o manacá
dos a "limpezas", rituais que combatem (Brunfelsia hopeana Benth.), uma planta
índio soprando no ritual da jurema.
o mal-olhado e bruxarias. Também ser- sumamente tóxica.
vem para que os adivinhos do candom- palha. As mulheres mais velhas das co- Existe a crença de que os mortos se en-
blé ou da umbanda possam ver o futuro munidades das regiões pobres do inte- carnam em algumas árvores, especial-
com maior clareza. rior são convidadas a participar na ce- mente na jurema. Por isso, estas árvores
Em outros rituais tem uma função de¬ rimônia formando um círculo ao redor são pontos sagrados no nordeste do Bra-
puradora: costuma-se soprar a fumaça da poção. Todos os participantes acen- sil. Ao seu redor acende-se velas e cos-
nos quatro cantos do templo — geral- dem seus cachimbos que são intercam- tuma-se rezar. Muitos são os que pedem
mente uma choça — ou de uma casa biados de modo fraternal e cerimonio- à planta que lhes mostre seu destino
para expulsar dali os maus espíritos. Em samente. que, geralmente, é revelado através de
seguida, um assistente recolhe o reci- Uma "cantadeira" agita as maracás fei- um sonho, na mesma noite ou nas noi-
piente e o deposita sobre uma esteira de tas com cabaças enquanto canta hinos tes seguintes à petição.
para evocar a Jesus Cristo, à Virgem
Maria, ao Padre Cícero (santo popular
do nordeste do Brasil) e outras entidades
cristãs, pedindo-lhes a bênção para todos
os presentes. Quando a "cantadeira" se
cansa, pede para ser substituída por ou-
tras mulheres. Ao final de algumas ho-
ras, o chefe da cerimônia serve a bebida
sagrada individualmente: só podem be-
ber dois tragos. O que sobra é jogado
fora, a modo de libação, em um buraco
sagrado.
Durante o transe, o participante pode
pedir aos santos ou entidades invocadas
que lhe deixem ver com claridade o pas-
sado, presente e futuro. Também pode
rezar para pedir a proteção individual ou
coletiva aos espíritos protetores da na-
Ritual de jurema. tureza, geralmente de origem indígena Pessoa em transe na cerimônia
Pintura de Pablo Amaringo. ou afro-brasileiros. Os participantes da ajucá.
Muiraquitãs:
o oráculo das Amazonas
O jogo dos muiraquitãs é um sistema adivinhatório baseado na utilização dos antigos e enigmáticos
ídolos amazônicos, hoje praticamente desaparecidos, protetores das lendárias Amazonas.
O jogo está formado por pedras de nefrita e jadeíta que fazem lembrar as formas de rãs e sapos.

P róximo às cabeceiras do rio Jamun-


dá, na região da Amazônia brasilei-
ra, as lendas situam o reino das mulhe-
liberados de seu cativeiro. Em seus re-
petidos ataques, as Amazonas poupa-
vam a vida aos indígenas que traziam
mantinham vivas as meninas, as mes-
mas que dariam continuidade à casta
matriarcal das mulheres guerreiras.
res guerreiras: as Amazonas. Ali viviam o amuleto pendurado ao pescoço. Na América, as Amazonas foram vistas
isoladas, mantendo contatos esporádi- N o entanto, os filhos varões nascidos pela primeira vez pelo padre espanhol
cos com os homens. Em certas épocas destes encontros eram sacrificados. Só Gaspar de Carvajal, cronista da expe-
do ano, estas mulheres guer- dição de Francisco de Orella-
reiras celebravam suas vitórias na. Os exploradores navega-
sobre o sexo oposto. N o dia ram ao longo do Amazonas,
cm que celebravam esta festa, em busca de uma saída para o
desciam do monte onde vi- mar. O encontro teve lugar no
viam até um lago sagrado de- ponto onde o rio Negro se en-
nominado Yaci Uarua, ou "es- contra com o Amazonas —
pelho da lua". atual Estado do Amazonas —
Durante a noite, a lua refletia e não foi muito positivo para
sua luz nesse lago onde as os exploradores. Quando che-
Amazonas mergulhavam seus garam a uma aldeia indígena,
fortes corpos morenos. De- viram um ídolo que estava co-
pois, já purificadas por esta ce- locado no centro de uma praça
rimônia de limpeza, invoca- que era "o emblema de uma
vam a mãe do Muiraquitã. A poderosa Senhora, rainha de
misteriosa entidade, que alguns uma grande nação de mulheres
estudiosos do folclore compa- guerreiras". Não passou mui-
ram a uma fada, entregava a ca- to tempo para que os expedi-
da uma das mulheres uma pe- cionários se enfrentassem com
dra de cor verde, denominada as mulheres. Dez ou doze
Muiraquitã, onde apareciam guerreiras investiram contra os
marcados estranhos símbolos. espanhóis e tiraram a vida de
Cada mulher trazia pendurado vários indígenas que os acom-
no pescoço seu talismã propi- panhavam. Carvajal as descre-
ciatório de proteção material ve como mulheres "altas, belas
e espiritual. Mas elas também e fortes, de cabelos negros e
costumavam presentear um longos, de tez clara e que an-
muiraquitã a seu companheiro davam despidas, com arcos e
sexual. Estes "protegidos" eram flechas, e guerreavam como
os pais dos filhos das Amazo- dez índios".
nas, homens selecionados para
fecundá-las, que depois eram Mulher Amazona.
Os ídolos com formato mais arredonda-
do e menores são ideais para as mulhe-
res, enquanto que os maiores e mais
longos são os que devem ser usados pe-
los homens. Existem também muira-
quitãs que apresentam cabeças de feli-
nos, especialmente de onças. Estes são
apropriados para os varões, e são usados
mais para saber o futuro sentimental ou
sexual, já que a onça é símbolo de fe-
cundidade e de poder masculino.
Os talismãs de cor mais esverdeada
mostram o futuro sentimental, enquan-
to que os que são mais azulados são pro-
pícios para desvendar o futuro econô-
mico e material. Quanto mais lisa ou
polida for a superfície do amuleto, tanto
melhor para realizar previsões. Algumas
pessoas costumam consultar seu futuro
buscando glifos na região amazônica.
Mas estas inscrições pré-históricas de-
vem ter a forma e simbologia dos mui-
Muiraquitãs de diversas formas. raquitãs. Não é raro que alguns dos sím-
bolos talhados em pedra tenham o
O PODER ADIVINHATÓRIO futuro. Como fazem isso? Alguns dos formato semelhante aos amuletos das
Os muiraquitãs têm tamanhos variados, habitantes da Amazônia que ainda os Amazonas, ou a forma triangular, talvez
mas raramente passam dos dez cen- conservam garantem que é necessário uma estilização dos mesmos.
tímetros de comprimento. São talhados aproximar-se das margens de um rio ou As pessoas que conhecem estes segre-
em pedras de cor verde, verde azulado de um lago durante uma noite de lua dos costumam aproximar suas testas
ou azulado de grande dureza (nefrita, cheia para poder despertar os poderes destes símbolos de pedra e formulam,
jadeíta ou amazonita) e se apresentam do talismã. O ídolo deve ser mantido então, as perguntas que dizem respeito
geralmente sob a forma de batráquios durante algum tempo submergido sob a seu futuro para que a pedra sagrada
e felinos. Alguns ídolos têm um orifí- a água e, em seguida, sujeitado pelo in- possa revelá-lo. Alguns asseguram que
cio, possivelmente para passar um cor- teressado sobre sua testa. Só então per- é necessário empreender esta tarefa em
dão e pendurá-lo ao pescoço ou para atá- ceberá imagens e sons que remetem ao jejum ou em abstinência sexual, ou até
lo à frente do corpo como símbolo de futuro. mesmo bebendo uma infusão de guara-
autoridade e de poder. ná, uma bebida estimulante feita a par-
Hoje em dia restam muito poucos mui- tir de uma planta do mesmo nome.
raquitãs no Brasil. Muitos foram rouba- Recentemente, algumas mulheres, que
dos ou comprados por exploradores ou se julgam descendentes das Amazonas,
traficantes de peças começaram a esculpir em pequenas pe-
arqueológicas. dras os muiraquitãs, com
Para algumas o objetivo de recu-
pessoas, seu perar sua cultura,
grande po- sua tradição e seus
der são suas poderes. Cos-
proprie- tumam talhá-
dades me- los em noite
dicinais de lua cheia
ou a capa- e somente
cidade de elas os utili-
predizer o zam.
Cauim: a embriaguez
premonitória dos tupinambás
Os indígenas tupinambás preparavam uma bebida fermentada que consumiam em cerimônias
e festas. Estas bebedeiras místicas faziam com que os índiospudessemdesenvolver
capacidades premonitórias.

E mbora não tenha sido utilizado


principalmente como método adi-
vinhatório, o uso do cauim, o "vinho"
A explicação científica para a mastiga-
ção é que a saliva ajuda na sacarifica¬
ção do amido, pelo fermento. Assim
tivo da tribo para cultivar as terras do
chefe e, em geral, em todas as assem-
bléias importantes. A obrigatoriedade
dos indígenas tupinambás, permitia, em ocorre a produção de gases e elevação do cauim cm tais ocasiões era algo mais
algumas ocasiões, desencadear proces- da temperatura da bebida, daí a sensa- que imprescindível: se os índios não fa-
sos mentais que induziam à visões pre- ção de que estivesse quente. bricassem o cauim para beber até a em-
monitórias e outros fenômenos para- As bebedeiras místicas aconteciam em briaguez, os acontecimentos poderiam
normais. algumas ocasiões especiais: durante o ser desfavoráveis para os integrantes da
A agitada vida religiosa e social dos nascimento de uma criança, a primeira tribo.
tupinambás incluía uma festa na qual menstruação de uma donzela, a per-
indistintamente homens, mulheres, furação do lábio inferior do mancebo, ORGIAS NA SELVA
adolescentes e velhos consumiam pro- nas cerimônias mágicas que precediam Uma das primeiras notícias que se têm
fusamente uma bebida fermentada. A a partida para a guerra, ou que sucediam a respeito da festa ou cerimônia do
bebida era extraída de diferentes plan- em seu retorno, o sacrifício ritual de cauim nos foi dada pelo religioso lusi-
tas, sendo as mais apreciadas a mandioca prisioneiros, durante o trabalho cole- tano Fernão de Cardim no século XVI.
doce ou amarga, o milho e o caju.
Segundo o etnólogo brasileiro Estevão
Pinto, a planta ideal para a fabricação do
cauim era o aipim, que os índios plan-
tavam para os rituais.
O tal vinho se fazia ainda do abacaxi, do
ananás, da mangaba, da pacova, da ja-
buticaba, da batata e do jenipapo. Sua
preparação era confiada somente às mu-
lheres, com a vigilância extremada das
mais velhas. Se um homem se introme-
tesse no processo poderia tirar as vir-
tudes próprias e premonitórias do
cauim. O trabalho feminino consistia
em mascar as frutas e impregná-las de
saliva. U m dos aspectos místicos mais
característicos desse labor baseava-se no
fato de que as mulheres que mascavam
as plantas deviam ser virgens ou, pelo
menos, guardarem durante algum
tempo a castidade. Além do mais, as
moças bonitas tinham preferência sobre
as feias. Cerimônia de preparação do cauim.
Ele assinalava que o adolescente somen-
te poderia adquirir a condição de casado
depois de participar da bebedeira cole-
tiva para festejar sua virilidade.
Às vezes as cerimônias terminavam em
grandes orgias, nas quais homens e mu-
lheres dançavam lascivamente até con-
sumir o ato sexual. Quando alguma tri-
bo decidia realizar a festa, seus membros
convidavam as populações vizinhas que,
na data acertada, acorriam em massa na
aldeia para dançar. Na véspera da fes-
ta, os indígenas se adornavam e, com os
maracás (chocalhos) na mão, rodeavam
as cabanas para dançar, cantar e saltar
toda a noite de forma infatigável.
Os hóspedes chegavam um dia antes e
eram acolhidos pelas mulheres que lhes
serviam comidas e bebidas enquanto
realizavam os preparativos finais da festa. Homens e mulheres consumindo o cauim durante uma cerimônia.
Durante a cerimônia, os participantes
eram servidos pelas mulheres, que lhes tes clamavam palavras de ânimo, exal- Com a exaltação dos ânimos, as brigas,
davam uma cuia cheia de cauim. Tudo tando os beberrões a fazerem, nas suas como era de esperar, eram freqüentes.
acontecia em torno da oca (edificação próximas batalhas, mais prisioneiros de Os antigos cronistas deixaram alguns
principal da aldeia), e ao canto de hinos, guerra. As mulheres podiam beber tanto desenhos de tais reuniões.
os indígenas recebiam a bebida. quanto os homens e se entregavam a O cronista francês Jean de Léry dizia
Alguns anciões observavam à curta dis- contorsões e se comportavam como que os franceses procuraram fabricar o
tância a cerimônia fumando seus ca- possessas. cauim sem a mastigação, mas o resul-
chimbos e deliberando em torno às Esgotado o cauim da primeira cabana, tado não foi o desejado: não se obtinham
questões da aldeia depois de terem re- os indígenas passavam às seguintes. E as doses alcoólicas corretas.
cebido a bebida. Esses velhos eram alvo assim por diante até que todas a malo- Durante uma etapa de ingestão mode-
de atenção especial. O mais idoso era cas estivessem vazias. Tais festas pode- rada do cauim, os indígenas podiam de-
o primeiro a ser atendido. riam durar dois ou três dias. Durante senvolver capacidades premonitórias, o
Enquanto todos cantavam, assobiavam, esse período ninguém comia e apenas que também acontece com outras be-
agitavam as maracás, alguns participan- se interrompia a beberagem para fumar. beragens. Assim, as "portas da percep-
ção", como dizia Huxley, ficavam aber-
tas aos participantes da festa-cerimônia.
Imagens de serpentes gigantescas que de-
voravam a terra e os homens, de animais
com olhos de fogo, grandes dilúvios que
arrastavam consigo a selva, seus animais
e habitantes humanos, luzes diabólicas
que vinham do céu e que se lançavam
sobre os desprotegidos indígenas, eram
algumas das visões amedrontadoras que
o cauim poderia induzir.
Porém, nem tudo era aviso de desgra-
ças. O cauim prometia a felicidade dos
noivos, dos guerreiros e dos velhos.
O uso do cauim desapareceu com o
tempo e dele ficam apenas as descrições
Mulheres mascando e cuspindo as ervas para a preparação do cauim. dos primeiros exploradores do Brasil.
Os índios e os astros
premonitórios
Os antigos indígenas pensavam que alguns astros podiam predizer o futuro.

O s antigos indígenas do estado do


Maranhão, possuíam uma espé-
cie de sistema astrológico profético que
a história do Brasil, injustamente, fez
esquecer. O único que resgatou para a
posteridade tal tradição foi o religioso
francês Claude d'Abbeville que, no sé-
culo XVI incursionou pelo então enig-
mático território que compreende as
terras do atual estado do Maranhão.
Sua crônica dava pormenores de como
alguns astros possuíam significação
agoureira para os ameríndios. Eis uma
parte das descrições que d'Abbeville nos
legou: "Há outra estrela a que os mara-
nhenses chamam Iaouäre, isto é, o cão.
E muito vermelha e, ordinariamente,
acompanha a Lua de perto; tanto assim
que, quando vêem a Lua deitar-sc, di- Danças dos antigos indígenas brasileiros para expulsar o jaguar
zem que a estrela late em seu encalço, que devora o Sol durante os eclipses.
como um cão para devorá-la.
"Quando a Lua permanece muito tempo vas. Os homens, por isso, batem no Mito semelhante possuíam os índios
oculta, durante a estação invernosa, chão em sinal de alegria e contenta- krahós de Goiás. Acreditavam que o
acontece, em alguns casos, se surge após mento, porque vão morrer e juntar-se planeta Vênus (Katcheeré) acudia para
às chuvas, mostrar-se vermelha que só ao pai grande." devolver o brilho do Sol. De uma forma
sangue. Afirmam então, os maranhen- A origem deste temor profético está geral, os indígenas brasileiros acredi-
ses, que é por causa da estrela Iaouäre. relacionado com um mito que falava tavam que a aparição de Vênus era um
E logo todos os homens pegam os seus do desaparecimento do Sol, tragado sinal positivo, um prenúncio de espe-
bordões e, voltando-se para a Lua, por um morcego, seguido da vinda do rança, principalmente quando atingia
batem no chão com toda a força entre- "tigre celeste" (jaguar) semelhante a seu brilho máximo alguns dias do ano.
mentes, mulheres e crianças choram e um cão e de cor azulada que se arre- Uma outra categoria de astro que anun-
gemem, aos gritos e uivos, voltadas para messaria contra os homens para devo- cia grandes catástrofes é a dos come-
o céu, depois do que se deitam e rolam rá-los. O animal lendário pode ser tas. Conta-se que a aparição de um co-
por terra, batendo, durante todo o tem- identificado com a estrela que traz o meta no céu indica que alguma pessoa
po, com a cabeça e as mãos no solo. seu nome, cuja posição junto à Lua próxima ou parente morrerá. Ao con-
"Desejando saber o motivo desse desa- provoca o desespero dos indígenas. trário, e assim como nas tradições euro-
tino e dessa diabólica superstição, vim A cor vermelha da Lua se explica, nes- péias, a passagem de uma estrela caden-
a saber que os índios pensam morrer te caso, pelo furor do jaguar celeste, con- te pode vaticinar boas novas para todos
quando avistam a Lua assim sanguino- siderada presságio de aniquilamento do aqueles que façam, mentalmente, um
lenta, logo que aparece depois das chu- Universo e anúncio do fim dos tempos. pedido.
alto do céu), começam as chuvas mais
fortes.
Os antigos guaranis, que habitavam a
fronteira entre o Brasil e Paraguai, pos-
suíam estranhas lendas a respeito dos as-
tros e suas influências sobre os seres hu-
manos. A conhecida constelação do
Cruzeiro do Sul servia para equilibrar o
planeta Terra. O eixo de maior extensão
do Cruzeiro aponta para o "Centro do
Mundo" onde vivia o grande deus,
Nhanderuvusu. N o dia em que o eixo
da constelação se desvie da sua posição
original acontecerá o pior: um grande
cataclismo que acabará com todos os se-
res vivos.
Já para os nhanaguas, um outro grupo
guarani, o Cruzeiro do Sul era Nhan¬
du'i-pó e representava o rastro deixado
por um nhandú ou ema (ave semelhante
Os cometas e os eclipses assustavam os antigos indígenas brasileiros. ao avestruz) no céu e a sua aparição nas
noites mais claras era um bom sinal.
A Lua, por sua vez, permite adivinhar as conhecidas no Brasil como "Sete-estre- A Lua Nova anunciava o inicio do ciclo
mudanças de tempo. A Lua nova anun- lo". De acordo com as tradições krahós, menstrual das mulheres e proibia-se as
cia trovejadas, especialmente no mês de as Plêiades são Índios que moram no relações sexuais. Quem se rebelasse con-
outubro; a Lua muito alta no céu mos- céu. Quando se encontram muito pró- tra esta proibição estaria exposta a uma
tra a maré alta. U m eclipse lunar pode ximas do Sol nascente, é o momento em misteriosa e cruel doença. A aparição das
indicar, como os cometas, infortúnios. que os indígenas devem cultivar a terra. Plêiades no céu da Primavera assinala
Há quem acredite que olhar para ela du- Quando estão no zênite (no ponto mais o momento de semear espécies vegetais
rante o fenômeno pode como as melancias.
provocar doenças. O desaparecimento do
Os índios krahós pos- céu da constelação de
suíam muitos mitos in- Orion (conhecida por
teressantes a respeito albergar as "Três Ma-
dos astros. A aparição rias"), anuncia a chega-
do planeta Júpiter nos da do Inverno.
céus goianos no prin- Os índios de Roraima
cipio da noite anun- acreditavam que as
ciava a chegada da épo- Plêiades formam, jun-
ca seca. Quando a Lua to com uma parte da
(Pud'leré) passava perto constelação de Orion,
de Júpiter, anunciava a figura de um homem
que as mulheres da tri- com uma só perna que
bo ficariam menstrua- subiu ao céu, depois
das. Ao aparecer no céu de sua mulher infiel
duas estrelas da cons- ter-lhe cortado a outra.
telação da Ursa Maior Antes de subir, disse ao
se prognosticava um seu irmão que, com o
casamento iminente. seu desaparecimento,
Mas o conjunto estelar começariam as chuvas,
mais importante era o e portanto, a abundân-
das Plêiades, também Astrolatria ou culto dos astros entre os antigos indígenas brasileiros. cia de alimento.

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