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Rio de Janeiro
Junho/2010
Jornalismo de Cinema: a independência da cobertura jornalística
com foco no cinema em relação à esfera de abrangência do dito
Jornalismo Cultural
Rio de Janeiro
Junho/2010
HANRRIKSON CORTES DE ANDRADE
Grau: ______________
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profª. Me. Andréa Almeida de Moura Estevão
_________________________________________________
Prof. Dr. Milton Julio Faccin
_________________________________________________
Prof. Me. Luiz Flávio La Luna Di Cola
Rio de Janeiro
Junho/2010
“Para temperamentos nostálgicos, em geral
quebradiços, pouco flexíveis, viver sozinho é
um duríssimo castigo”.
José Saramago
RESUMO
This project aims to introduce a new form of journalism, Film Journalism, which
corresponds to the expanded notion of coverage specializing in film, proving their
independence from the scope of Cultural Journalism.
This paper believes that this final separation is primarily a contribution to the
recognition of a class newspaper that, despite having an identity, and the respective
stylistic standard modus operandi, is limited to a particular segment, even though it has the
potential to walk care of itself.
Thus, the project argues that, like the Sports Journalism, for example, the object
of interest studied journalism, film, occupies a privileged place at the point of convergence
between culture, entertainment, technology, among other matters, which qualifies the
Journalism Film, while newspaper editor in the sense that it will be free of the limitations
of said Cultural Journalism.
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 12
INTRODUÇÃO
Esta fase promissora do cinema no Brasil diz respeito não só ao aspecto autoral,
mas como também à questão da infra-estrutura das salas de exibição e da logística de
distribuição de filmes nacionais e estrangeiros. Segundo o Sindicato das Empresas
Distribuidoras Cinematográficas do Município do Rio de Janeiro, o número de salas
cresceu 3,6% em 2008, com 119 salas abertas, totalizando 2.300 em todo o país.3 A média
anual de espectadores está na faixa entre 90 e 100 milhões de pessoas, o que gerou, em
2008, uma renda bruta de R$ 723 milhões. Desde 2006, com a inauguração da sala digital
Cinemark Eldorado, em São Paulo, é cada vez maior o número de salas de cinema com
exibição em 3D. No início de 2009, foram inauguradas no Brasil as primeiras salas de
1
Inter Filmes online. http://www.interfilmes.com.br. LISTA DE LANÇAMENTOS POR ANO. Disponível
em: http://www.interfilmes.com/listaporano_2008_1.html. Consultado às 20h em 4/12/2009.
2
O Cinema Novo é o mais importante movimento cinematográfico brasileiro, que teve origem no neo-
realismo italiano e no movimento francês Nouvelle Vague. Entre os cineastas que participaram, destacam-se
Glauber Rocha (Deus e o Diabo na Terra do Sol) e Nelson Pereira dos Santos (Rio 40 graus).
3
O Globo Online. http://www.oglobo.com.br. SINDICATO DOS DISTRIBUIDORES DIZ QUE PÚBLICO
DE CINEMA DE 2008 NO BRASIL É IGUAL AO DO ANO PASSADO. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/12/19/sindicato-dos-distribuidores-diz-que-publico-de-cinema-de-
2008-no-brasil-igual-ao-do-ano-passado-587370258.asp. Consultado às 18h58 em 31/05/2009.
13
exibição com a tecnologia IMAX4 – as telas têm incríveis 14 metros de altura por 21
metros de largura5 –, cuja resolução das imagens pode chegar a 10.000 por 7.000 pixels (as
salas de cinema digital têm geralmente 2.048 por 1.080).
4
G1. http://www.g1.com.br. CHEGADA DO IMAX REFORÇA PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DOS
CINEMAS DO PAÍS. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL959276-7086,00-
CHEGADA+DO+IMAX+REFORCA+PROCESSO+DE+MODERNIZACAO+DOS+CINEMAS+DO+PAIS
.html. Consultado às 19h01 em 31/05/2009.
5
Os recursos sonoros da tecnologia IMAX são quatro vezes mais potentes se comparados aos de uma sala de
cinema comum. A tela possui a altura de um prédio de cerca de seis andares, além de criar a sensação de
terceira dimensão no filme em projeção (3D).
14
pesquisas sobre o mercado cinematográfico, entre outros. Por ser um campo de atuação
detentor de uma identidade jornalística própria, sendo esta arraigada no mercado brasileiro
em especial pela atuação das revistas especializadas, a missão deste projeto é definir os
postulados dessa identidade. Entende-se que o Jornalismo de Cinema não só angariou o seu
próprio espaço, a se desvencilhar das limitações espaciais e cognitivas do Jornalismo
Cultural, mas como também passara a competir com o mesmo na arena editorial, tamanho
seu potencial de visibilidade em face às demais manifestações culturais – teatro, literatura,
artes plásticas, música etc.
características em comum nas três edições das duas revistas aqui estudadas – como, por
exemplo, imagens de atores e/ou personagens que remetem ao cinema hollywoodiano e
títulos e chamadas discretas, ou, como no caso de Cinearte, apenas a presença da imagem;
a estrutura editorial, isto é, a divisão da revista em seções, o posicionamento e as
vicissitudes das mesmas, e a forma como elas são trabalhadas no diálogo com o leitor-
cinéfilo; e os elementos gráficos, ou seja, aspectos do projeto gráfico de ambas as revistas,
resguardadas as limitações tecnológicas de cada época, a disposição das imagens e dos
componentes jornalísticos, além do zelo pela qualidade gráfica.
atravessa os séculos. Nesta etapa inicial, porém, o que nos interessa aqui é horizontalizar a
crítica de arte no contexto da repercussão midiática do cinema, o que evidencia o fim do
século XIX e o início do século XX, período em que o cinema surgiu, desenvolveu-se e
começou a ganhar status de prioridade no dito Jornalismo Cultural. Para tal, utilizaremos
como referências as obras História da Crítica de Arte6, de Lionello Venturi; A Crítica de
Arte no Século XIX7, de Ângelo Guido; Arte e Crítica de Arte8, de Giulio Carlo Argan;
Rumos da Crítica9, organizado por Maria Helena Martins; a Nova Crítica de Afrânio
Coutinho; entre outros conceitos, artigos, livros e publicações em geral.
No decorrer dos séculos XVII e XVIII, período em que as obras de arte passaram
a compor um mercado específico – estabelecendo uma nova relação entre artista e público
–, a crítica de arte foi definitivamente alçada ao posto de gênero literário e, sobretudo,
mecanismo de julgamento e valoração, o que conferiu grau maior de responsabilidade à
figura do crítico, ou, como Denis Diderot se refere, ao “juiz das artes”.10 De acordo com o
filósofo francês, tal função exige “um grande amor a arte, um espírito fino e penetrante, um
raciocínio sólido, uma alma cheia de sensibilidade e uma equidade rigorosa”.11 Já Ângelo
Guido, em Forma e Expressão na História da Arte, preconiza a ausência de quaisquer
fatores preestabelecidos a respeito do objeto de análise:
Guido esclarece, portanto, que a reflexão crítica deve ser intuitiva, e para tal é
necessário o total desapego dos “preconceitos”, dos “complexos conscientes ou
6
VENTURI, Lionello. “História da Crítica de Arte”. São Paulo: Martins Fontes, 1984. 303 p.
7
GUIDO, Ângelo. “Forma e Expressão na História da Arte”. Porto Alegre: Estado do Rio Grande do Sul,
Imprensa Oficial, 1938. 60 p.
8
ARGAN, Giulio Carlo. “Arte e Crítica de Arte”. Lisboa: Editorial Estampa, 1988. 174 p.
9
LEENHARDT, Jacques; MARTINS, Maria Helena (org.); VASCONCELOS, Sandra Guardini. “Rumos da
Crítica”. São Paulo: SENAC, 2000. 133 p.
10
DIDEROT, Denis apud RIBEIRO, António Pinto. “Corpo a corpo: possibilidades e limites da crítica”.
Lisboa: Cosmos, 1997. p. 71.
11
Idem.
12
GUIDO, Ângelo. “Forma e Expressão na História da Arte”. Porto Alegre: Estado do Rio Grande do Sul,
Imprensa Oficial, 1938. p. 51.
19
13
LEENHARDT, Jacques; MARTINS, Maria Helena (org.); VASCONCELOS, Sandra Guardini. “Rumos da
Crítica”. São Paulo: SENAC, 2000. p. 19.
14
Idem, p. 20.
15
Segundo o historiador italiano Lionello Venturi, o julgamento de uma obra de arte não parte de uma
disciplina imparcial, pois “os críticos criam as suas ideias não só com a crítica das ideias precedentes, mas,
sobretudo, com a experiência intuitiva das obras de arte”. In: VENTURI, Lionello. “História da Crítica de
Arte”. São Paulo: Martins Fontes, 1984. p. 38.
16
GOMES, Regina. “Crítica de Cinema: História e Influência sobre o leitor”. In: Revista Crítica Cultural.
Disponível em: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0102/05.htm. Consultado às
15h45 em 16/04/2010.
17
HABERMAS, Jürgen. “Mudança Estrutural da Esfera Pública”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. p.
57.
20
18
BOZAL, Valeriano. “Orígenes de la estética moderna”. In: Historia de las Ideas Estéticas Y de las Teorías
Artísticas Contemporáneas. Madrid: Visor, 1996. p. 21.
19
SILVA, Ursula Rosa. “A Fundamentação Estética da Crítica de Arte em Ângelo Guido”. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp000191.pdf. Consultado às 15h40 em 16/04/2010.
20
LEENHARDT, Jacques; MARTINS, Maria Helena (org.); VASCONCELOS, Sandra Guardini. “Rumos da
Crítica”. São Paulo: SENAC, 2000. p. 20.
21
De acordo com Arte e Crítica de Arte, de Giulio Carlo Argan, a crítica de arte
passou por uma especialização durante o século XIX. De maneira geral, todo o processo
artístico se autonomizou, momento em que foram delimitadas as funções do artista, dos
exibidores, dos patrocinadores, dos curadores, dos críticos de arte etc. Com isso, surgiram
também classificações de gosto e definições para o público-consumidor, isto é, reflexões
sobre o que é ou não massivo, o que atrai ou não o grande público ou o público seleto; e a
crítica de arte acabou enveredando pelo viés da elitização a partir do século XX. Durante o
desenvolvimento e da popularização da arte cinematográfica, esse é um aspecto
fundamental para pensarmos a formação de uma imprensa especializada em cinema, em
especial no Brasil, na primeira metade do século XX. Esse é o momento em que a crítica
de cinema, grosso modo, passa a competir com a crítica literária no espaço do dito
Jornalismo Cultural, a citar como exemplo a multiplicidade de revistas especializadas em
cinema no mercado editorial brasileiro.
21
PIZA, Daniel. "Jornalismo Cultural". São Paulo: Contexto, 2003. p. 13-14.
22
Idem, p. 16.
22
23
DICKIE, George. “Introdução histórica à estética”. In: Crítica: Revista de Filosofia. Disponível em
http://criticanarede.com/introest.html. Consultado às 17h40 em 16/04/2010.
23
24
Idem.
25
LIMA, Alceu Amoroso. “Miscelânea de estudos literários: homenagem a Afrânio Coutinho”. Rio de
Janeiro: Fundação Pró-Memória; Instituto Nacional do Livro; Pallas, 1984. p. 491-492.
24
“posicionamento contrário à prática estabelecida pela crítica no século XIX que estava em
voga no Brasil até a fase pré-modernista e que caracterizava-se pelo uso de outras áreas do
saber”26 em detrimento dos fatores intrínsecos a obra literária, “utilizando então o texto
como um pretexto para a discussão de caráter social, político, filosófico ou psicológico,
quando não baseava a crítica em dados biográficos do autor”. Para Coutinho, a abordagem
literária da época era superficial, “com o propósito de apresentar uma visão pessoal que
geralmente era direcionada pela estética do gosto, pelo conhecimento do autor e mesmo
por questões editoriais”27, o que condicionava o rodapé como espaço de publicação.
Coutinho defendia, portanto, que o crítico deveria estar além das limitações
preestabelecidas pelos jornais, revistas e publicações em geral, a ditar o seu próprio ritmo
de pesquisa e redação. O que estava em jogo, afinal, era a crítica de qualidade, e esse
deveria ser o objetivo primeiro.
26
SILVA, Marcelo José. “Percurso e percalços de Afrânio Coutinho na crítica literária brasileira”.
Disponível em: http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol16/TRvol16g.pdf. Consultado às 15h40 em
16/04/2010.
27
Idem.
28
COUTINHO, Afrânio. “Crítica e Críticos”. In:_ A Crítica. Rio de Janeiro: Editora Progresso, 1958. p. 21.
25
Nos Estados Unidos, um dos principais nomes da Nova Crítica foi o poeta T. S.
Eliot, que apesar do esforço constante para se distanciar da escola neocrítica – ele chegou a
dizer que não passava de a escola espremedora-de-limão do criticismo –, argumentava
sobre a importância de uma leitura atentiva, isto é, uma leitura analítica e minuciosa do
objeto textual. Eliot, assim como Ezra Pound (editor da Poetry), teve grande impacto na
crítica literária do século XX, trabalhando também como editor da Criterion. Mais tarde,
destacaram-se no cenário editorial americano “os críticos que se formaram no jornalismo e
se consagraram como tais”, como observa Piza:
Essa foi, portanto, uma época promissora para o dito Jornalismo Cultural no
espaço editorial americano, que começava a ganhar uma roupagem mais sólida,
cristalizando a crítica como gênero imprescindível – na Europa, vale destacar a
participação dos críticos de cinema franceses da revista Cahiers du Cinéma, e os ensaios
sobre arte de Giulio Carlo Argan e Roberto Longhi na Itália; já a cobertura especializada
em cultura no Brasil viveu momento especial de 1920 (época em que a Semana de Arte
Moderna revoluciona o meio intelectual) a 1960, com destaque para figuras como Sérgio
Buarque de Holanda, Augusto Meyer, Otto Maria Carpeaux, Franklin de Oliveira, Brito
Boca, Álvaro Lins, entre muitos outros. Nos Estados Unidos, o trabalho de críticos
respeitados como Mencken e Wilson não só abriu espaço para novos suplementos culturais
e publicações desse gênero, mas como também estimulou toda uma geração de jornalistas a
enveredarem pelo universo grandiloquente da cobertura especializada em cultura.
29
NUNES, Itana Nogueira. “David Salles: da Crítica de Rodapé à Crítica Universitária”. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufba.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2120. Consultado às 16h03 em
16/04/2010.
30
PIZA, Daniel. "Jornalismo Cultural". São Paulo: Contexto, 2003. p. 21.
26
Também merece crédito a revolucionária revista The New Yorker – como Piza
define, “capítulo obrigatório em qualquer história do Jornalismo Cultural do século XX”31
–, criada em 1925, que deu oportunidade a críticos de diferentes manifestações culturais e
artísticas, tais como o cinema, com Pauline Kael; arquitetura, com Lewis Mumford; dança,
com Arlene Croce; jazz, com Whitney Balliet; entre muitos outros. The New Yorker é um
componente fundamental no processo de profissionalização do crítico de arte e a
respeitabilidade da revista é irredutível até os dias de hoje.
O gênero da crítica não foi expurgado, mas o espaço dedicado à cultura viria a
incorporar, afinal, o viés pragmático do jornalismo convencional.
A origem do que este projeto entende por Jornalismo de Cinema – termo que
abrange todos os profissionais envolvidos permanentemente na cobertura jornalística de
cinema, a torná-la independente do dito Jornalismo Cultural – ainda é consideravelmente
nebulosa. Pouco se sabe, por exemplo, a respeito dos relatos sobre os filmes que datam de
1895 (ano em que surge o Cinematógrafo dos irmãos Lumière) a 1910, já que o cinema
31
Idem, p. 23.
27
demorou a ser reconhecido pelo meio intelectual como forma de arte. Dois dias depois da
exibição pública do Cinematógrafo no Grand Café, em Paris, por exemplo, os jornais
franceses repercutiram de forma sucinta: “impossível saber se somos espectadores ou se
fazemos parte destas cenas de impressionante realismo”, como lembra o jornalista e crítico
José Carlos Avellar no artigo A crítica de cinema: três hipóteses. Ele cita ainda outros
exemplos em diferentes países:
(...) Seis meses mais tarde os jornais do Rio de Janeiro comentavam que
no cinema encontrávamos os “mais sublimes espetáculos da natureza
reproduzidos em forma fiel, com toda a perfeição e nitidez” e os da
cidade do México diziam que no cinema “se encuentra uno por frente de
um fragmento de vida, clara y sincera, sin pose, sin fingimientos, sin
artifícios”. Logo surgiram também livretos (Une nouvelle source de
l’Histoire, de Boleslas Matuszewski, Paris, 1898), programas, jornais e
revistas dedicadas à discussão de filmes – para lembrar apenas exemplos
brasileiros: O Animatographo, 1898, no Rio; Artes e artistas, 1920, em
Salvador; A Scena Muda, 1921; Cinearte, 1926, e O Fan, 1928, todos no
Rio. Antes de completar vinte anos de existência o cinema já contava
com alguns esboços de teoria (entre eles: The Photoplay, A
Psychological Study de Hugo Münsterberg, 1916), os jornais
começavam a publicar regularmente crônicas de cinema e surgiam
cineclubes dedicados a debater o cinema como uma forma de arte (entre
eles: o Club des Amis du Septième Art, de Ricciotto Canudo, em Paris,
em 1920, e o Filmliga de Joris Ivens, em Amsterdam, em 1927).32
32
AVELLAR, José Carlos. “A crítica de cinema: três hipóteses”. In: Escrevercinema: textos e notas críticas
de José Carlos Avellar. Disponível em http://www.escrevercinema.com/huelva_critica.htm. Consultado às
19h em 30/04/2010.
28
Além disso, ainda era necessário adaptar o público-espectador, que até então
estava acostumado a vivenciar simples imitações da realidade, não reproduções fiéis da
vida em movimento. O público – em sua maior parte pertencente às camadas populares –
se deslumbrava facilmente com a projeção, mas não se dava ao trabalho de refletir o que
acabara de assistir, até mesmo porque esta não era a proposta. No artigo Rascunho de
Pássaro, Avellar analisa a postura dos primeiros espectadores do Cinematógrafo:
33
AVELLAR, José Carlos. “Rascunho de Pássaro”. In: Revista Cult. Disponível em
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/rascunho-de-passaro. Consultado às 19h em 30/04/2010.
29
De acordo com o artigo Primeiro Cinema, de Flávia Cesarino Costa, que abre o
livro História do Cinema Mundial, organizado por Fernando Mascarello, o período
introdutório do cinema pode ser definido em duas fases:
34
MANNONI, Laurent. “A Grande Arte da Luz e da Sombra”. São Paulo: UNESP, 2003. p. 405.
35
Os primeiros filmes dos irmãos Lumière estão disponíveis no site do Institut Lumière, organização
responsável por resgatar a memória dos inventores do Cinematógrafo. Neste link: http://www.institut-
lumiere.org/francais/films/1seance/accueil.html
36
MASCARELLO, Fernando (org.). “História do Cinema Mundial”. Campinas: Papirus, 2006. p. 25-26.
30
mensagem ou contar uma história. O rótulo – cinema de atrações – foi cunhado pelo
historiador Tom Gunning para qualificar a atividade cinematográfica da primeira década
do século XX37, cujo objetivo era de fato gerar fascínio, maravilhar o espectador com o
ineditismo da fidelidade na reprodução de imagens, a desconsiderar a estruturação do
conteúdo e a construção narrativa. Os exibidores se apropriavam de convenções
representativas de outras mídias para oferecer ao público um produto de puro
exibicionismo visual, e isso os satisfazia.
O desempenho físico era essencial para os atores da época (os filmes não
possuíam personagens com motivações psicológicas complexas), e é nesse contexto que
aparecem as primeiras estrelas – algo que anos mais tarde a imprensa americana viria a
explorar constantemente em sua cobertura jornalística sobre cinema. A primeira a
reivindicar essa condição foi Florence Lawrence, atriz que ficou conhecida como A Moça
da Biograph, em 1910 (antes disso, os estúdios não costumavam liberar imagens de suas
principais atores), depois de uma campanha publicitária que remodelou o seu perfil para a
figura de uma femme fatale, isto é, uma mulher exótica e sedutora. A estratégia do star
system não teria dado certo se a imprensa da época abrisse mão de embarcar na empreitada
37
GUNNING, Tom. "The Cinema of Attraction: Early Film, its Spectator and the Avant-Garde". Chicago:
Wide Angle, 1986.
38
MASCARELLO (org.), op. cit., p. 26-27.
31
(jornais chegaram até mesmo a especular sobre a morte da atriz), mas as empresas de
comunicação também visavam resultados específicos, uma vez que os americanos em geral
careciam de figuras públicas nas quais pudessem se espelhar.
Além dos atores-mitos citados por Sérgio Augusto, podemos lembrar também de
Theda Bara, Joan Crawford, Clara Bow, Greta Garbo, Al Jonson e o italiano Rodolfo
Valentino. No ramo do western, além de Tom Mix (um ex-caubói falido descoberto por
William Fox, criador do estúdio que leva o seu sobrenome), integrantes do elenco de O
Grande Roubo do Trem atingiram alto percentual de popularidade, tais como Justus D.
Barnes (cujo rosto ficou eternizado no famoso pôster em que o ator aparece atirando em
direção ao espectador40) e Gilbert M. Anderson – ou Max Aronson, sendo este seu nome
verdadeiro –, que viria a ser escolhido para o papel do eterno caubói Bronco Billy em mais
de 100 filmes a partir de 1907. Nos anos 1910, surgiram as primeiras revistas americanas
dedicadas exclusivamente ao cinema: Motion Picture Story Magazine41 e Photoplay42, com
39
AUGUSTO, Sérgio. “As penas do ofício: ensaios de jornalismo cultural”. Rio de Janeiro: Agir, 2006. p.
210.
40
Ver imagem do pôster na figura 1, em anexo.
41
A revista Motion Picture Story Magazine foi lançada em fevereiro de 1911. Em março de 1914, foi
renomeada Motion Picture Magazine e esteve em circulação até 1977.
42
A revista Photoplay foi lançada em junho de 1911, em Chicago, e teve grande representatividade durante
as décadas de 30 e 40. A última edição foi publicada em novembro de 1980. Após o fechamento do veículo,
todo o corpo de editores, repórteres e críticos foi contratado pela revista U.S. Magazine. Ver exemplos de
capas na figura 2, em anexo.
32
Esse espaço mais amplo também ficou conhecido como common show,
“expressão corrente para designar a exibição de filmes em uma loja remodelada para tal
43
AUGUSTO, op. cit., p. 211.
44
Foram assim nomeadas as primitivas salas de cinema, pois o valor do ingresso era de cinco centavos de
dólar (em inglês, a moeda de cinco centavos é chamada de nickel).
45
MASCARELLO (org.), op. cit., p. 26.
33
propósito e que, ainda assim, continha menos do que 299 poltronas”.46 Diferentemente do
que ocorria nos charmosos teatros, cafés e nos próprios vaudeviles, “freqüentados por uma
classe média de composição diversificada, esses novos ambientes eram, em geral, grandes
depósitos ou armazéns adaptados para exibir filmes para o maior número possível de
pessoas, em geral trabalhadores de poucos recursos”.47
Em especial nos Estados Unidos, as sessões de cinema tinham até então cunho
popular, o que afastava o público intelectualizado e, consequentemente, a crítica de arte. A
urgência da inclusão da classe média intelectualizada no processo de consolidação do
cinema enquanto mecanismo de entretenimento é o prenúncio da inclinação para uma
poderosa indústria cinematográfica. A partir da segunda década do século XX – 1910-1919
–, com a criação da Motion Picture Patents Company nos Estados Unidos, o cinema passou
a ser visto definitivamente como negócio lucrativo. Portanto, se o objetivo era majorar o
preço dos ingressos e da locação de exibições, nada aconteceria sem a inclusão da classe
média – a atividade cinematográfica era tida como um teatro de operários, como observa o
livro História do Cinema Mundial. Por volta de 1913, vaudeviles e nickelodeons
começaram a perder espaço para os palácios grandiosos, construídos na maioria das vezes
pelas próprias produtoras. Além disso, os longas-metragens se popularizam e
gradativamente substituíram os filmes de rolo único.
46
20th Century Fox Film. http://brasil.foxinternational.com. NOSSA HISTÓRIA CORPORATIVA.
Disponível em http://brasil.foxinternational.com/about. Consultado às 19h28 em 30/04/2010.
47
MASCARELLO (org.), op. cit., p. 26.
48
Idem.
34
Fora do controle das elites, o cinema desses anos desfila uma infinidade
de estereótipos raciais, religiosos e de nacionalidade. Há gozações de
caipiras, imigrantes, policiais, vendedores, trabalhadores manuais,
mulheres feias, velhos. E muitos filmes eróticos, feitos principalmente
pela Biograph para serem exibidos nos mutoscópios. Os cenários
utilizados eram bastante simples e chapados, com painéis pintados e
poucos objetos de cena. O deslocamento de atores se dava pelas laterais,
acentuando a sensação de platitude e teatralidade.50
49
MASCARELLO (org.), op. cit., p. 27.
50
Idem, p. 28.
51
O termo Sétima Arte para designar o cinema foi cunhado pelo crítico italiano Ricciotto Canudo no
Manifesto das Sete Artes, em 1911 (publicado apenas em 1923).
35
52
MASCARELLO, Fernando (org.). “História do Cinema Mundial”. Campinas: Papirus, 2006. p. 38.
37
é nesse contexto que surgem os cineclubes franceses. Alguns pesquisadores afirmam que o
ciné-club pioneiro foi criado em 1907 por Edmond Benoit-Lévy, no primeiro cinema fixo
de Paris, o Omnia, inaugurado pela Pathé Frères um ano antes. Contudo, a iniciativa de
Benoit-Lévy está ligada ao contexto da profissionalização e da valorização do processo
cinematográfico, pois funcionou basicamente como uma associação dos indivíduos
envolvidos na produção fílmica.
De acordo com a pesquisa desenvolvida pelo site Revues de Cinéma54, três anos
depois, um grupo de católicos já discutia o impacto da imagem cinematográfica na moral
do espectador em Le Fascinateur, editada por Georges-Michel Coissac. Mais revistas
figuraram com destaque a partir de 1907: Armand Dennery lançou a Le Cinema, que 13
edições depois seria incorporada a L’Echo du Cinema, criada por Georges Lordier em
53
ÁLVAREZ, Gabriel Rodríguez. “Cine Club: Vocablo centenario mexicano”. In: http://www.km-
cero.tv/Cultura/10/10-2.html. Consultado às 1h29 em 18/06/2010.
54
Disponível em: http://www.revues-de-cinema.net. Consultado às 19h30 em 30/04/2010.
38
55
Idem.
56
Idem.
39
57
Idem.
58
Idem.
40
O período entre 1917 e 1927 foi uma próspera fase da imprensa francesa
especializada em cinema. Surgiram várias publicações com linhas editoriais distintas, entre
as quais La Cinématographie Française (1918), editada por Paul-August Harle; Cinéopse,
de Georges-Michel Coissac, ex-Le Fascinateur; Ciné-pratique, lançada em 1919; e
periódicos voltados para o grande público como Cinéma Théâtre illustré, editada por
Andre Hugon, e Cinémagazine, que funcionou de 1921 a 1935. Por volta de 1927, existiam
nada menos do que 35 publicações especializadas em cinema no mercado editorial francês,
na capital Paris e outras 14 províncias, além de 30 suplementos e/ou seções específicas em
jornais e revistas mensais.61
59
Idem.
60
Idem.
61
Idem.
41
mitificação dos atores de cinema e seus personagens, integrando o chamado star system
(ou sistema de promoção de estrelas, seu significado em português), muitas vezes
especulando sobre a vida particular dos astros do cinema mudo. A mítica atriz Musidora62
(seu nome verdadeiro era Joanne Roques), por exemplo, tida como a primeira vamp –
femme fatale – do cinema europeu, se tornou um dos rostos preferidos para capas de
publicações.63 O Jornalismo Cultural na França por vezes adotou um caráter biografista e
historicista, a mesma característica que pouco tempo depois seria combatida pelos teóricos
americanos do New Criticism e, no Brasil, pelo mestre Afrânio Coutinho. A partir de 1921,
com o crescimento da indústria cinematográfica americana, jornais e revistas europeias
inauguraram a tradição dos correspondentes internacionais, fixos em Hollywood.
Os magazines franceses mais populares do período star system foram Film Star
Edition, de 1921, que se especializou na publicação de biografias dos grandes astros do
cinema americano; Grands Artistes de L’ecran, de 1926, editada por Jean Pascal, com as
mesmas características; Leur vie Romanesque, lançada em 1932, que além de biografias
costumava publicar romances e anedotas; Hollywood Collection e Vedettes Françaises
Collection, também lançadas em 1932 com as mesmas características; Ciné Miniature e
Visages et contes du Cinéma, ambas de 1936; entre outros. No sentido contrário, aparecem
outras revistas populares como Mon Ciné e Ciné Miroir, ambas em 1922, menos
sensacionalistas e mais preocupadas em discutir o valor artístico dos filmes.64
62
Musidora se tornou um símbolo sexual na Europa depois de participar do seriado, ou filme dividido em
episódios, Les Vampires, dirigido por Louis Feuillade, em 1915. Segundo o livro 1001 Filmes Para Ver
Antes de Morrer, a obra é considerada “um divisor de águas, um precursor no uso da profundidade de campo
como recurso estético, posteriormente aprimorado por Jean Renoir e Orson Welles, e um parente próximo do
movimento surrealista”, e está diretamente relacionado “ao desenvolvimento do gênero thriller”. O rosto da
atriz ficou eternizado nas imagens da personagem vampiresca Irma Vep (cf. figura 3, em anexo).
63
Disponível em: http://www.revues-de-cinema.net. Consultado às 19h30 em 30/04/2010.
64
Idem.
42
No mesmo ano, Alexandre Arnoux criou a revista Pour vous a fim de rivalizar
com a Cinémonde e por pouco não conseguiu ultrapassá-la, “dado o seu formato (45x32),
qualidade iconográfica e o espírito crítico de seus editores”.65
65
Idem.
66
Idem.
67
Idem.
43
catálogo sobre praticamente todos os filmes que chegaram aos cinemas franceses, porém
criada na época para dar avaliações morais sobre as obras, classificando-as por faixa
etária.68
68
Idem.
69
Idem.
44
aventuraram como críticos de cinema, com destaque para Joris Yvens, que em 1927
fundou o cineclube Filmliga, em Amsterdã.70
No fim dos anos 1920, o folhetim Bianco e Nero, publicado pelo Centro
Sperimentale di Cinematografia, em Roma, tornou-se vital para o desenvolvimento da
crítica de cinema no país, a funcionar posteriormente como editora de livros e trabalhos
acadêmicos. Outra famosa publicação era a irregular Rivista del Cinematografo, publicada
pela fundação Ente dello Spettacolo, teve várias interrupções desde o seu lançamento. O
veículo, porém, existe até hoje e – teoricamente – costuma ter 10 edições por ano.
70
Idem.
71
O teórico italiano Mario Verdone aponta Riciotto Canudo como o precursor da crítica cinematográfica na
Itália. In: VERDONE, Mario. “Gina e Corra: cinema e letteratura del futurismo”. Roma: Bianco e Nero,
1967. p. 19.
72
Disponível em: http://www.revues-de-cinema.net. Consultado às 19h30 em 30/04/2010.
45
Paolo Monelli, entre outros. Ferozes, refletiam sobre o cinema com grau máximo de
criticismo, pois pensavam que os filmes deveriam representar a realidade social, cultural e
econômica da época, emancipando-se do telefoni bianchi73, a abordar tabus e temas
complexos como política, religião, preconceito etc. Mais tarde, vários deles iniciariam
carreira de cineasta, o que deu origem ao movimento do Neo-realismo italiano, cujo marco
inicial é o lançamento do filme Roma, città aperta, do grande Roberto Rossellini, em 1944.
73
“Telefone branco”, em português. Expressão comumente utilizada em referência ao cinema oficial do
período fascista na Itália (1937-1943), a fim de indicar um gênero de filmes de evasão constituído de
melodramas românticos e comédias sofisticadas ambientadas geralmente na alta burguesia italiana, privados
de qualquer referência à vida cotidiana das classes subalternas.
46
cinema, as movie magazines tornaram-se uma arma poderosa nas mãos dos publicitários de
Hollywood, com destaque para a Photoplay, que praticamente estabeleceu o padrão de
cobertura jornalística no período ao qual nos referimos.
As primeiras movie magazines com foco nos fãs de cinema foram a Motion
Picture Story (1911) e a Photoplay (1912), esta última uma fonte de inspiração para os
editores de Cinearte. A partir do início da década de 10, os estúdios cederam à pressão dos
fãs em geral, carentes de figuras públicas nas quais se espelharem, e começaram a liberar
as imagens de suas grandes estrelas, com o óbvio interesse de que a mídia jornalística,
então representada por uma nova geração de jornais e revistas, mais informativas e sem
ligações com as companhias cinematográficas, desempenhasse papel de destaque na
estruturação do modelo star system. E esses veículos pioneiros cumpriram com esmero a
função que lhes cabia, não só a de criar uma tendência interna, mas como também a de
levar o formato jornalístico americano para várias publicações pelo mundo dedicadas ao
cinema.
Ainda que a obsessão do Jornalismo de Cinema americano pela vida pessoal das
estrelas de cinema tenha perdurado basicamente até a década de 50, momento em que
houve uma transferência de foco para a explosão do rock’n’roll e dos ídolos musicais, tais
como Elvis Presley e Beatles, alguns críticos de cinema conseguiram notabilidade neste
período a escrever em revistas semanais. Otis Ferguson, por exemplo, tornou-se popular
nos anos 1930 com as suas críticas combativas publicadas em The New Republic, e em
74
BARBAS, Samantha. “The First Movie Magazines Debut: Motion Picture Story and Photoplay”. In: Movie
Crazy. Disponível em: http://www.things-and-other-stuff.com/magazines/movie-magazines.html. Consultado
às 2h40 em 18/06/2010.
75
RANDLE, Quint. “A Historical Overview of the Effects of New Mass Media On Magazine Publishing
during the 20th Century”. In: http://131.193.153.231/www/issues/issue6_9/randle/index.html. Consultado às
2h40 em 18/06/2010.
76
Ver exemplos de capas na figura 4, em anexo.
48
especial pela sua resistência ao clássico Cidadão Kane, de Orson Welles; na década
seguinte, o conceituado repórter, roteirista e poeta James Agee – vencedor do prêmio
Pulitzer de 1948 – fez escola ao enveredar pela crítica de cinema nas páginas das revistas
Time e Nation; na mesma época Robert Warshow, da Partisan Review, ganhou
popularidade com um ensaio sobre o filme Luzes da Ribalta, que até hoje é referência para
os fãs de Charles Chaplin; Manny Farber, também na década de 40, para The New
Republic e Time, que deu à crítica de cinema nos Estados Unidos caráter mais ensaístico,
originando o chamado Cult Criticism; entre outros.
Já Kael, que escreveu para a conceituada The New Yorker entre 1968 e 1991, era
conhecida por seu estilo impetuoso, coloquial, e é apontada por muitos como a figura mais
importante da história da crítica de cinema nos Estados Unidos. Além disso, como explica
a jornalista Isabela Boscov em matéria publicada na revista Veja, “ela tinha uma severa
implicância com aquele tipo de filme feito para ser ‘artístico’ ou com consciência social”,
daí a ideia que fundamenta a rivalidade entre Kael e Sarris.
(...) Vê-los é tão virtuoso e tão chato quanto visitar um velho amigo
surdo da família, comparou. “A pessoa culta que se interessou pelo
cinema como forma de arte com Bergman, Fellini ou Resnais é uma
estranha para mim (e minha mente fica vazia, de hostilidade e
49
O Brasil, por sua vez, teve o auge de sua imprensa especializada em cinema na
77
BOSCOV, Isabela. “Só por prazer – A maior crítica americana ensina que filme não pode chatear”. In:
Revista Veja. Disponível em: http://veja.abril.com.br/100500/p_173.html. Consultado às 2h40 em
18/06/2010.
78
Uma das suas famosas desavenças se deu com Bosley Crowther, crítico de cinema do jornal The New York
Times na década de 60. A respeito do ensaio escrito por ele sobre o filme O Indomado, estrelado por Paul
Newman, em 1963, Boscov cita uma crítica sutil de Kael: “Com aquele tino para entender tudo ao contrário
que o torna inestimável, Crowther pôs o dedo na ferida".
79
BOSCOV, Isabela. “Só por prazer – A maior crítica americana ensina que filme não pode chatear”. In:
Revista Veja. Disponível em: http://veja.abril.com.br/100500/p_173.html. Consultado às 2h40 em
18/06/2010.
80
ROCHA, Glauber. “Revolução do Cinema Novo”. São Paulo: Cosac Naify Edições, 2004. p. 244.
50
primeira metade do século XX, época marcada pela grande variedade de revistas dedicadas
à Sétima Arte, o que inclui um dos objetos empíricos deste projeto, a revista Cinearte. De
1913 a 1922, por exemplo, a pesquisadora Taís Campelo Lucas, em sua dissertação
Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942)81, aponta para a existência de
revistas como A Fita (1913), Revista dos Cinemas (1917), Palcos e Telas (1918), Cine
Revista (1919), A Tela (1920), Artes e Revistas (1920), Telas e Ribaltas (1920), Scena
Muda (1921) e Foto-Film (1922), entre outros folhetins, segmentos culturais e revistas
ilustradas que se dedicavam à cobertura de cinema, como a Klaxon (primeira revista
modernista do Brasil, que funcionou de maio de 1922 a janeiro de 1923), Fon-Fon!,
Careta e Revista do Brasil (de janeiro de 1916 a março de 1925).82 Alguns pesquisadores
entendem que a qualidade textual, principalmente das críticas de cinema, era discutível, o
que é natural se considerarmos que ainda não existia à época suficiente nível de
compreensão do fenômeno cinematográfico. O que nos chama atenção, porém, além da
ordem quantitativa, é o processo inicial de independência da cobertura jornalística de
cinema em relação aos jornais e revistas literárias.
81
LUCAS, Taís Campelo. “Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942)”. Universidade Federal
Fluminense. In: http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2103. – Consultado às
15h06 em 31/05/2009.
82
Idem.
83
XAVIER, Ismail. “Sétima Arte: um culto ao moderno”. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 142.
84
XAVIER, op. cit., p. 124.
51
Brasil, os velhos críticos (Moniz Viana inclusive) curtem muito bem. Confie mais na
opinião de José Sanz e de Alex Viany do que na opinião da turma que ficou no meio do
caminho: estes são os que não conseguem nem imitar Moniz Viana nem o Cahiers du
Cinéma”.87 E completa: “A única crítica consequente para o cinema nacional é a crítica
histórica, econômica, cultural e lingüística, mas infelizmente Walter da Silveira, Paulo
Emílio Salles Gomes, Cyro Siqueira, Francisco Luz de Almeida Salles, Fritz Teixeira
Salles, José Sanz não tiveram grandes herdeiros até hoje”.88
Além de uma análise conceitual a respeito da obra fílmica, o crítico passou a ter a
função de formar espectadores, isto é, a transferir para o público a responsabilidade de
adotar uma postura ativa diante da tela, a acumular conhecimentos específicos para que ele
próprio pudesse opinar a respeito. Em resumo, nascia assim uma concepção anti-
industrial, uma vez que o cineasta passou a ter na câmera um autêntico mecanismo de
expressão artística, tal como a relação entre pintor e pincel, por exemplo. Com essa nova
mentalidade, surgem nomenclaturas como “autor-crítico”, “cinéfilo-crítico” e “cinéfilo-
autor-crítico”, explica Altmann.90
87
ROCHA, Glauber. “Revolução do Cinema Novo”. São Paulo: Cosac Naify Edições, 2004. p. 244.
88
Idem.
89
ALTMANN, Eliska. “Recepções da Crítica Cinematográfica”. Universidade Federal da Bahia. In:
http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14272.pdf. Consultado às 2h21 em 8/6/2009.
90
Idem.
53
se davam de maneira livre, isto é, sem qualquer tipo de vínculo com uma possível teoria da
crítica cinematográfica. A ausência desse respaldo teórico gerou, de acordo com Altmann,
uma teorização livre: as análises se valiam de uma inspiração no próprio filme ou das
discussões acaloradas que os cinéfilos travavam nos cineclubes, por exemplo. A autora
explica que tal característica pode em parte ser explicada pela própria ideia de autoria e
definido como “uma espécie de teorização com ausência de método”91, o que não pode ser
visto como algo depreciativo. Afinal, essa liberdade na construção do discurso crítico
propiciou uma espécie de democratização do mesmo, a abrir espaço também para os
cinéfilos, ou como dito no parágrafo anterior, “cinéfilo-crítico”.
91
Idem.
92
Corrente acadêmica que estuda a prática discursiva da crítica de cinema.
93
BORDWELL, David apud GOMES, Regina. “A Função Retórica da Crítica de Cinema: análise das
resenhas de Central do Brasil”. Universidade Católica de Salvador. In: http://www.bocc.ubi.pt/pag/gomes-
regina-retorica-cinema.pdf. Consultado às 15h03 de 7/06/2009.
54
94
BORDWELL, David apud GOMES, Regina. “A Função Retórica da Crítica de Cinema: análise das
resenhas de Central do Brasil”. Universidade Católica de Salvador. In: http://www.bocc.ubi.pt/pag/gomes-
regina-retorica-cinema.pdf. Consultado às 15h03 de 7/06/2009.
95
Idem.
96
Cinedie Asia. http://www.asia.cinedie.com. QUEM LÊ SOBRE CINEMA EM PORTUGAL? Disponível
em: http://www.asia.cinedie.com/premiere-rip.htm. Consultado às 15h03 em 7/06/2009.
55
97
BENJAMIN, Walter. “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”. In: Magia e Técnica,
Arte e Política. Ensaios Sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo,
Brasiliense, 1994. p. 172.
57
importantes, que agora cabiam unicamente ao olho”98, o que também se aplica ao uso da
câmera na mídia cinematográfica. De acordo com o filósofo alemão, a revolução do
cinema sonoro a tornou ainda mais especial e singular no cenário cultural da modernidade.
Se para um jornal ilustrado da época qualquer tipo de representação imagética se limitava à
litografia, para o cinema dito falado tal ação baseava-se na reprodução sonorizada de
imagens fotográficas, o que naturalmente gerou uma aceleração quanto às bases naturais
de compreensão. Benjamin explica:
98
BENJAMIN, Walter. “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”. In: Magia e Técnica,
Arte e Política. Ensaios Sobre Literatura e História da Cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo,
Brasiliense, 1994. p. 167.
99
Idem.
100
RÜDIGER, Francisco. “A Escola de Frankfurt”. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
In: http://www.robertexto.com/archivo14/escola_frankfurt.htm. Consultado às 12h22 em 18/06/2010.
101
ADORNO, Theodor. “Minima Moralia”. São Paulo: Editora Ática S.A, 1993.
58
(...) Ninguém negará que, na maior parte dos filmes atuais, tudo é um
tanto irrealista. Eles dão um tingimento cor-de-rosa aos mais negros
cenários. Porém, não é por isso que eles deixam de refletir a sociedade.
Ao contrário, quanto mais incorreta é a forma que eles mostram a
superfície das coisas, mais corretos eles se tornam e mais claramente
eles espelham o mecanismo secreto da sociedade. Na realidade não é
frequente o casamento de uma copeira com um dono de Rolls Royce.
Porém, não é fato que todo o dono de Rolls Royce sonha que as copeiras
sonham em ter o seu status? As fantasias estúpidas e irreais do cinema
são devaneios da sociedade, principalmente porque os colocam em
primeiro plano como de fato o são e porque, assim, dão forma a desejos
que, noutras ocasiões, são reprimidos.102
102
KRACAUER, Siegfried apud RÜDIGER, Francisco. “A Escola de Frankfurt”. Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. In: http://www.robertexto.com/archivo14/escola_frankfurt.htm. Consultado
às 12h22 em 18/06/2010.
59
1933 para o exílio na França. No artigo Notas sobre Siegfried Kracauer, Walter Benjamin
e a Paris do Segundo Império – pontos de contato, o professor de História da Filosofia e
História Social da Cultura da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) Carlos
Eduardo Jordão Machado ressalta a importância do trabalho desenvolvido por Kracauer
durante o período em que esteve exilado.
103
MACHADO, Carlos Eduardo Jordão. “Notas sobre Siegfried Kracauer, Walter Benjamin e a Paris do
Segundo Império – ponto de contato”. In: Dossiê: Cultura e Política. Universidade Estadual de São Paulo.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-90742006000200003&script=sci_arttext.
Consultado às 17h32 em 20/06/2010.
104
Idem.
61
alemão debutou na atividade de crítico de cinema com um “espírito pedagógico, já que sua
primeira crítica, datada de maio de 1922, tinha como título ‘O filme como educador’, e
considerava o filme como bem e mercadoria”.105 Além disso, ela lembra que a década de
20 foi marcada pelo surgimento e desenvolvimento de várias escolas de cinema pelo
mundo: “o Expressionismo alemão, o Formalismo russo, a vanguarda muda francesa e um
gênero em particular, a epopeia, oriunda de diversos países com caráter nacionalista”.106
As produções dessas escolas, afirma Gutfreind, “foram pensadas de forma elaborada como
uma verdadeira teoria do cinema, por Kracauer”. E ela acrescenta:
105
GUTFREIND, Cristiane Freitas. “Kracauer e os fantasmas da História – Reflexões sobre o cinema
brasileiro”. XVIII Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação.
Disponível em: http://www2.eptic.com.br/sgw/data/bib/artigos/c0c20cb81030db1ef0a8b07bbcbfa3d4.pdf.
Consultado às 17h34 em 20/06/2010.
106
Idem.
107
Idem.
62
reprodução e exposição da realidade, mas também como expressão artística e estética. Para
ele, as partes se complementam na medida em que o conteúdo determina a forma artística
do cinema.
teoria kracaueriana: o cinema surge para expor o mundo visível de maneira a documentá-lo
e sua matéria-prima deve se adequar aos aspectos técnicos do veículo. Esse processo é
dividido em dois grupos – as propriedades básicas e as propriedades técnicas. O primeiro,
diz Dudley, se restringe à fotografia e sua capacidade de reproduzir o mundo visível e seu
movimento, pois “a base fotográfica do cinema, então, é técnica, mas Kracauer opta por
não levar em conta as limitações técnicas. O mundo existe como fotografado ou como
fotografável, e esse mundo é a matéria-prima disponível ao cinema”.112 O filósofo alemão,
portanto, se recusa a questionar as propriedades fotográficas da cinematografia. Para ele,
“é quase uma determinada parte da natureza”.
Portanto, Kracauer pensa que, apesar das obras fílmicas em geral registrarem a
112
Idem, p. 117.
113
Idem, p 118.
64
realidade – com algumas exceções tais como o desenho animado e trabalhos experimentais
–, a motivação é crucial para estabelecermos critérios de relevância, pois é ela que dá o
verdadeiro sentido ao trabalho. O filme não-realista faz uso de uma ferramenta que pode
desempenhar papel fundamental na construção de uma sociedade (o que Hitler
inteligentemente enxergou antes de qualquer outro líder de Estado), porém nasce com fins
de entretenimento, limita-se à diversão, e, portanto, perde valor diante do realismo
cinematográfico. Tal dicotomia – segundo Andrew, uma “distinção entre o cinema central
e o cinema periférico” – foi o argumento de nove entre dez críticos de Kracauer, que
retornava à fotografia a fim de defender a sua teoria realista. A técnica cinemática, ele
pensava, é como uma extensão da natureza fotográfica.
exemplo do colega Adorno) este universo não-realista, pelo contrário, utilize uma
narrativa cheia de adjetivos transparecendo admiração, torna-se necessário pontuar o que
realmente exprime o seu pensamento crítico – “(...) mas as coisas que aí se encontram não
pertencem à realidade. São cópias e bonecos que foram arrancados no tempo e estão
confusamente misturados”; b) podemos observar que o nível de reprodução da realidade
era certamente incrível no que diz respeito ao aparato material e tecnológico, o que se
ratificará no decorrer do artigo – “Tudo é seguramente antinatural e tudo exatamente como
a natureza”116; c) há no âmago da questão um sentimento de perda, ou melhor, de furto por
parte dos que reproduzem a realidade – como se a realidade pertencesse ao espectador e
este visse diante de seus olhos algo que lhe fora roubado: “Um sonho ruim acerca de
objetos que foram extirpados do mundo material”.117
Basta, portanto, ler o primeiro parágrafo de O Mundo de Calicó para saber que
Kracauer vivia um dilema ao conhecer de tão perto as maravilhas da indústria do
entretenimento: na medida em que se entregava ao fascínio pela megaestrutura do
complexo cenográfico de Neubabelsberg, mais convicto estava de que aquilo não
contribuía diretamente para a percepção da realidade física. Além disso, como já dito
anteriormente neste capítulo, Kracauer inaugura nas páginas do Frankfurter Zeitung uma
rotina de reportagens especiais – em forma de artigos – que contextualizaram a indústria
cinematográfica da década de 20 na Alemanha.
116
Idem, p. 304.
117
Idem, p. 303.
118
Idem, p. 305.
66
Tal cuidado era também uma atitude de respeito à potencialidade do universo com
o qual estava lidando. Pois, se o objetivo de tanto investimento, trabalho e criatividade era
recriar mundos e situá-los, reproduzindo a realidade e a transformando em expressão
artística destinada ao consumo de massa, talvez fosse melhor manter certo distanciamento,
Kracauer provavelmente pensava. No momento em que ele ressalta que todos os objetos
servem “apenas para o que devem representar no momento” e “desconhecem um
desenvolvimento no tempo”, avisa: aproximar-se além da conta é também se distanciar
perigosamente da realidade física, em suma, a nossa realidade.
Jornalismo Cultural; fato que é de fácil observação no atual mercado editorial. Há o espaço
ocupado por uma abordagem especializada, sendo esta direcionada principalmente aos
estudantes de cinema, cinéfilos e estudiosos ou curiosos do assunto, como também pelas
informações meramente informativas, que são encontradas em qualquer jornal diário, por
exemplo. Neste caso, os interesses se limitam ao recebimento de informações sobre as
estreias, sucessos de bilheteria (blockbusters), datas, horários, preços, enfim, uma
tendência que será definida neste projeto como Utilitarismo.
Uma das principais discussões que este projeto pretende levantar acerca do
Jornalismo Especializado versa a respeito da legitimidade do referido termo, já que muitos
dos profissionais de comunicação que trabalham na cobertura jornalística de cinema não
são necessariamente especializados. Ou seja, até que ponto a identidade jornalística
emergida pelo fato de o profissional de comunicação atuar em uma determinada editoria –
neste caso, o cinema – o torna jornalista especializado, apto a discorrer, analisar e
interpretar os fatos que são inerentes à área de atuação?
121
Este tipo de situação ocorre com frequência nas seções de cinema dos jornais populares, nos quais há, na
maioria das vezes, um profissional específico para a produção diária de grades de programação dos cinemas,
fichas, informações sobre blockbusters, eventuais notas de no máximo uma coluna sobre estreias, entre
outros. Contudo, embora o cinema não deixe de ser um foco diário do veículo em questão, este profissional
dificilmente terá a oportunidade de produzir uma reportagem mais ampla, o que se justifica por limitação
espacial ou questão editorial. Em ambos os casos, o cinema não é excluído do conjunto de interesses do
público-leitor; o que muda é a abordagem. A tendência utilitarista, meramente informativa, é capaz de
dialogar com qualquer público.
68
122
FERREIRA, Ricardo Alexino. “Jornalismo Segmentado (Especializado-Científico): análise crítica, estudo
de casos e a construção de novos paradigmas e de um novo currículo disciplinar”. In:
http://www.fnpj.org.br/soac/ocs/viewpaper.php?id=172&cf=7. Consultado às 15h19 em 24/5/2009.
123
Idem.
69
124
Ver exemplo nas figuras 5 e 6, em anexo.
125
Ferreira define setorista como o jornalista que faz plantão permanente em alguns setores estratégicos para
as informações jornalísticas como Assembléias Legislativas, Câmara de Vereadores, Congresso Nacional,
Delegacias, dentre outros.
126
TUDOR, Andrew. “Teorias do Cinema”. Lisboa: Edições 70, s/d. p.15.
127
TAVARES, Frederico. “Percursos entre o Jornalismo e o Jornalismo Especializado”. Universidade do
Vale do Rio dos Sinos. In: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2007/resumos/R0648-1.pdf.
Consultado às 15h21 em 24/5/2009.
70
Scalzo, autora do livro Jornalismo de Revista, as revistas cobrem funções culturais mais
complexas (neste sentido, é até natural que haja uma forte ligação entre a prática
jornalística de revista e o cinema).
(...) Até por causa da sua periodicidade – que varia entre semanal,
quinzenal e mensal, elas (as revistas) cobrem funções culturais mais
complexas que a simples transmissão de notícias. Entretêm, trazem
análise, reflexão, concentração e experiência de leitura. 128
Dessa forma, a ideia levantada por Scalzo – “as revistas cobrem funções culturais
mais complexas” – pode explicar, em parte, essa forte ligação entre o dispositivo midiático
revista e a variedade de assuntos relacionados ao cinema. Scalzo explica ainda que,
historicamente, “o que é impresso parece mais verdadeiro do que não é”.129 E em relação
ao cinema, na condição de “função natural mais complexa”, uma abordagem mais
elaborada acaba por muitas vezes transformar a revista em componente – por que não
importante?130 – do processo de compreensão de uma determinada obra cinematográfica. O
genial Alfred Hitchcock afirmava, por exemplo, que a maioria dos indivíduos tem
preferência pelos filmes que falam diretamente com o espectador, a fornecer situações
aleatórias e circunstâncias psicológicas para que ele, o espectador, possa antever o
desfecho da história131; da mesma forma, o leitor de uma revista de cinema tende a
acreditar que a comunicação é feita de cinéfilo para cinéfilo, isto é, que o assunto ali
abordado é de interesse comum, tanto do emissor quanto do receptor.
tema (cinema, esportes, ciência...). Dentro dessas grandes correntes, é possível existir o
que já nos referimos como ‘segmentação da segmentação’”. No âmbito das segmentações,
o Jornalismo Cultural encontra um terreno fértil para lançar suas sementes. Se um
indivíduo tem interesse por História, por exemplo, há nas bancas de jornal uma série de
revistas dedicadas exclusivamente aos fatos históricos, ainda que estes já tenham sido
discutidos inúmeras vezes.133 O mesmo ocorre em relação à filosofia, por exemplo.134
Sobre esta conexão, o jornalista e escritor Daniel Piza destaca o seguinte:
133
Ver exemplo na figura 7, em anexo.
134
Ver exemplo na figura 8, em anexo.
135
SCALZO, op. cit., p. 13.
136
Idem, pp. 19-28.
137
Idem.
72
midiático, que, de acordo com a autora, trata-se de “um fio invisível que une um grupo de
pessoas”: “Revista une e funde entretenimento, educação, serviço e interpretação dos
acontecimentos. Possui menos informação no sentido clássico (as ‘notícias quentes’) e
mais informação pessoal (aquela que vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida
prática)”. No caso do cinema, como já dito neste projeto, o leitor tenderia a acreditar que a
comunicação é feita de cinéfilo para cinéfilo, o que o aproxima do veículo e até mesmo de
outros leitores da mesma publicação, enfim, reforça os laços de afinidade.138
138
Idem.
139
VILAS BOAS, Sergio. “O estilo magazine: o texto em revista”. São Paulo: Summus, 1996. p. 35.
140
A Capricho é uma revista publicada quinzenalmente pela Editora Abril e direcionada ao público
adolescente feminino.
141
SCALZO, op. cit., pp. 19-28.
73
Daniel Piza apresenta no primeiro capítulo de seu livro Jornalismo Cultural uma
extensa lista de referências acerca do desenvolvimento do Jornalismo Cultural pelo mundo.
Em certo ponto, ele faz uma ligação histórica e teórica entre o Jornalismo de Revista, o
Jornalismo Cultural e a questão da crítica jornalística:
142
PIZA, Daniel. "Jornalismo Cultural". São Paulo: Contexto, 2003. p. 27-28.
143
Idem, pp 27-31.
74
(...) O crítico de arte sabe, ou deveria saber, apreciar uma cor, uma
intensidade, uma tonalidade, uma linha. Deveria achar aí um significado
e comunicá-lo na linguagem verbal. Assim transcrito, o efeito plástico
torna-se perceptível para aquele que não está acostumado com ele e o
texto crítico funciona, por sua vez, como uma escola do ver, uma
pedagogia da sensibilidade.144
144
LEENHARDT, Jacques; MARTINS, Maria Helena; VASCONCELOS, Sandra Guardini. “Rumos da
Crítica”. São Paulo: SENAC, 2000. p. 20-21.
75
O terceiro capítulo deste trabalho fará uma análise comparativa das revistas
Cinearte (Rio de Janeiro, 1926-1942) e Movie (São Paulo, lançada em 2009), no sentido de
apontar para um fluxo continuativo da produção jornalística especializada em cinema, e de
corroborar a sua emancipação em relação à abrangência do dito Jornalismo Cultural. Para
tal, escolhemos as três últimas edições da Cinearte – edições 559, 560 e 561, datadas de
1942 – e os três primeiros números da Movie – edições 1, 2 e 3, todas de 2009.
Desde os tempos de Para Todos..., o grupo que fazia a revista tentava por
76
145
LUCAS, Taís Campelo. “Cinearte: o cinema brasileiro em revista (1926-1942)”. Universidade Federal
Fluminense. In: http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2103. – Consultado às
15h06, em 31/05/2009.
146
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 03 de março de 1926, nº 01, p.3. Acervo digitalizado disponibilizado
pelo Museu Lagar Segall Iphan Minc online. http://www.museusegall.org.br. AS REVISTAS SCENA
MUDA E CINEARTE. Disponível em: http://www.bjksdigital.museusegall.org.br/revistas.htm. Consultado
às 18h32, em 4/04/2009.
77
autobiografia do jornalista.147 Dessa forma, podemos fazer uma analogia entre esse
momento da crítica cinematográfica no Brasil e a consagração da crítica de cinema nas
décadas de 50 e 60, em escala global, sob o paradigma da política dos autores, que surgira
de um artigo publicado pelo cineasta e crítico francês François Truffaut. Como já dito
anteriormente neste trabalho, além da análise conceitual da obra fílmica, Truffaut passou a
formar espectadores, isto é, a transferir para o público a responsabilidade de manter uma
postura ativa diante da tela, a acumular conhecimentos específicos para que ele, o
espectador, também pudesse refletir a respeito.
De certa forma, Cinearte está para o Jornalismo de Cinema brasileiro assim como
a tradicional Cahiers du Cinéma para a crítica de cinema na França. Ao longo dos 16 anos
de existência, pela redação de Cinearte passaram alguns dos grandes nomes da produção
jornalística especializada na Sétima Arte, entre colaboradores, críticos e articulistas, tais
como Pedro Lima, Álvaro Rocha, Paulo Wanderley, Octavio Gabus Mendes, entre outros.
147
LUCAS, op. cit., p. 68.
148
LUCAS, op. cit., p. 69.
149
LUCAS, op. cit., p. 68.
150
XAVIER, Ismail. “O sonho da indústria: a criação de imagem em Cinearte”. In: Sétima Arte: um culto ao
moderno. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 135.
78
Por outro lado, desde cedo Adhemar Gonzaga demonstrava notável entusiasmo
quanto ao crescimento da atividade cinematográfica no país157, cujo trabalho realizado na
seção especializada de Para Todos... “é considerado o marco da primeira campanha
realizada em prol do cinema nacional”, assim como trabalho do jornalista Pedro Lima 158 na
revista Selecta.159
155
LUCAS, op. cit., p. 69-70.
156
LUCAS, op. cit., p. 65.
157
A paixão pelo cinema brasileiro levou Gonzaga a abrir uma companhia cinematográfica em 15 de março
de 1930, a Cinédia Estúdios Cinematográficos, cujos arquivos são mantidos até hoje pela filha do jornalista,
Alice Gonzaga. Em razão da multiplicidade de tarefas – diretor de revista, cineasta e empresário do ramo
cinematográfico –, ele veio a se desligar de Cinearte, argumentando que as funções não se complementavam
harmonicamente.
158
Pedro Lima passou a trabalhar na redação de Cinearte por volta de 1927, a convite de Adhemar Gonzaga,
então editor da revista e responsável pela seção Filmagem Brasileira. Lima inicia um processo de mudanças
estilísticas interessantes em matérias sobre o cinema brasileiro, a dar enfoque às entrevistas com atores e
diretores. Três anos depois, ele foi demitido em função de divergências com Gonzaga.
159
LUCAS, op. cit., p. 66.
80
escrever artigos falando mal de ninguém, pois o leitor não paga para ler
brigas pessoais”.160
Além dos nomes já citados neste trabalho, passaram pela revista Cinearte outros
colaboradores de destaque como Gilberto Souto, Ignácio Corseuil Filho, J.E. Montenegro
Bentes, Lamartine S. Marinho, Mário Behring, Pery Ribas, Sérgio Barreto Filho, Hoche
Ponte, entre outros.
160
LUCAS, op. cit., p. 65.
161
LUCAS, op. cit., p. 70.
162
GONZAGA, Adhemar apud LUCAS, Taís Campelo. “Esboço para a Minha Biografia”. In: Cinearte: o
cinema brasileiro em revista (1926-1942). Universidade Federal Fluminense. Disponível em:
http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2103. – Consultado às 15h06, em
31/05/2009.
81
163
“Gonzaga, um pioneiro”. Filme Cultura, Rio de Janeiro, nº 08, 1968. p. 60.
164
Os leitores também têm a possibilidade de publicar textos no site da revista Movie, sob licença de
Creative Commons, desde que aprovados pelo corpo de editores. Dependendo da relevância, esses textos
podem também sair na versão impressa, com remunerações para os autores.
165
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 0, p. 5.
82
166
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 1, p. 4.
83
167
Exemplos: notícias quentes, cobertura diária de festivais nacionais e internacionais, grandes entrevistas,
estatísticas de bilheterias, entre outros.
168
Na internet são também disponibilizados sites de arquivamento de dados no sentido de preservar a
memória do cinema, revistas eletrônicas como a Contracampo e a Cinética, sites que catalogam vídeos e
informações técnicas sobre filmes como o Internet Movie Database (IMDB), redes sociais de cinéfilos como
o Moviemobz, o Flixster e o Cinetrine, locadoras virtuais como o Pipoca Online, CineMenu e o NetMovies,
além dos sites e grupos de discussão que indexam vários links para o download de filmes, uma prática que é
ilegal, porém comum na rede mundial de computadores.
169
CARNEIRO, Rodrigo. “História de uma crise: a crítica de cinema na esfera pública virtual”. In:
http://www.portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/download/3642/2874. Consultado às
2h06, em 5/06/2010.
84
das mídias digitais. Na verdade, o exemplo de Movie serve para qualquer revista de cinema
que pretenda estabelecer-se no atual mercado editorial de mídia impressa.
As duas vertentes dessa nova crítica de cinema ou, como Carneiro denomina, da
crítica de cinema 2.0, estão presentes no postulado editorial de Movie, o que evidencia o
seu caráter inovador; assim como a Cinearte, na primeira metade do século XX, com a sua
natureza revolucionária, fez por merecer a condição de mediadora da relação entre os
atores envolvidos no processo cinematográfico. Fala-se, portanto, de duas publicações
especializadas que refletem os contextos históricos (do Jornalismo de Cinema) nos quais se
inserem, sem com isso nos limitarmos às especificidades de tais objetos empíricos. A
análise vai além desses aspectos e tem por objetivo fortalecer a característica fundamental
que ambas compartilham: a paixão pela Sétima Arte e o esforço para ampliar a noção de
uma cobertura especializada em cinema.
170
Idem.
171
Idem.
85
172
Idem.
173
Atualmente, pelo menos outras cinco revistas figuram com relativo destaque no mercado editorial de
publicações especializadas em cinema. São elas a Sci-Fi News, a primeira a refletir as mudanças causadas
pela convergência entre cinema, internet e tecnologia; a Preview, que surgiu basicamente na mesma época de
Movie e com características semelhantes; a Revista de Cinema, que apesar da periodicidade irregular goza de
bastante prestígio pelo foco no cinema nacional; a Pipoca Moderna, que também é prejudicada pela
periodicidade irregular e distribuição restrita; e a tradicional SET, que entre idas e vindas foi comprada pela
Editora Aver em setembro de 2009 e teve poucas edições desde então.
174
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 1, p. 4.
86
Para elaborar este estudo comparativo entre duas revistas de cinema inseridas em
diferentes contextos históricos, foram definidos três critérios básicos de análise: as capas,
nas quais observaremos uma característica em comum nas seis edições aqui estudadas –
imagens de atores e/ou personagens que remetem ao cinema hollywoodiano e títulos e
chamadas discretas, ou, como no caso de Cinearte, apenas a presença da imagem; a
estrutura editorial, isto é, a divisão da revista em seções, o posicionamento e as
vicissitudes das mesmas, e a forma como elas são trabalhadas no diálogo com o leitor-
cinéfilo; os elementos gráficos, ou seja, aspectos do projeto gráfico de ambas as revistas,
resguardadas as limitações tecnológicas de cada época, a disposição das imagens e dos
componentes jornalísticos, além do zelo pela qualidade gráfica.
175
Como dito anteriormente neste projeto, mídia impressa e esfera pública virtual não são excludentes. Pelo
contrário, para pensarmos o atual Jornalismo de Cinema, a convergência se faz necessária. No entanto, para
fins de análise, o que nos interessa no primeiro momento é o consumo de mídia impressa.
87
176
Os outros dois filmes protagonizados por ela em 1942 foram Coquetel de Estrelas (The Lady Has Plans),
do diretor Sidney Lanfield; e Clarão no Horizonte (The Forest Rangers), de George Marshall.
177
Também em 1942, Garson estrelou outro drama de guerra, o filme Random Harvest (traduzido no Brasil
como Na Noite do Passado), dirigido por Mervyn LeRoy. No ano seguinte, a atriz voltou a fazer grande
sucesso como a protagonista da cinebiografia da cientista franco-polonesa e vencedora do Prêmio Nobel
Maria Sklodowska-Curie, o filme Madame Curie, também dirigido por LeRoy.
178
No total, Laurence Olivier participou de 121 peças de teatro, apresentadas na Inglaterra, nos Estados
Unidos e em todo o mundo. E foi na peça shakespeariana Hamlet, montagem de 1937, que ele conheceu a
atriz Vivien Leigh, com quem se casou três anos depois.
88
179
Na verdade, uma das pequenas chamadas no rodapé da capa da edição 559 faz referência ao filme O
Grande Ditador, no qual Goddard contracena com Chaplin. Mas em hipótese alguma vem a concorrer com a
imagem central da atriz.
89
Dennison e Shaw destacam, portanto, que a americana Photoplay foi uma das
principais fontes de inspiração para Cinearte, “tanto em termos de formato como de
conteúdo”. As fotos das grandes estrelas que observamos nas capas da revista brasileira
muito provavelmente foram cedidas pelos estúdios de Hollywood em questão – Paramount
Pictures e Metro-Goldwyn-Mayer –, o que esclarece a similaridade icônica entre elas.
180
“Gonzaga was the co-founder, with Mário Behring, of the film magazine Cinearte, which ran from 1926
until 1942, and was modelled on the US magazine Photoplay, in terms of both its format and content. It
catered for female readers in particular, featuring stills of North American stars supplied by the Hollywood
studios alongside photos of Brazilian actors in virtually identical poses. Cinearte defined itself as ‘the natural
intermediary between the Brazilian market and the North American producer’ but it always maintained an
interest in Brazilian film, and constantly campaigned in favour of national cinema”. In: DENNISON,
Stephanie; SHAW, Lisa. “Popular Cinema in Brazil”. UK: Manchester University Press, 2004 (versão em
inglês). p. 45.
90
atrizes Norma Talmadge, Gertrude Olmsted, Ena Gregory, Greta Nissen e dos atores Lewis
Stone e Rodolfo Valentino (cf. figura 16).
181
Pelo menos até a sexta edição. A partir do número 7, também de 1942, o título da revista passa a ficar na
parte superior da capa, o que a deixa ainda mais semelhante à Photoplay.
182
DENNISON, Stephanie; SHAW, Lisa. “Popular Cinema in Brazil”. UK: Manchester University Press,
2004 (versão em inglês). p. 45.
183
“From virtually nothing, this magazine endeavoured to create an image of Brazilian cinema and its stars,
via film reviews, publicity stills and gossip columns. (…) Cinearte clearly aimed to attract a mass market, as
well as proving to be a formative influence on many of the future key players in Brazilian cinema. Its fourth
edition, dedicated to the recently deceased Rudolph Valentino, sold out in Brazil, cementing the future
success of the magazine. Gonzaga took his creation with him to Hollywood, where it was advertised at the
Twentieth Century-Fox studio and sold well. The magazine had a permanent correspondent in Hollywood.
91
Gonzaga’s visits to the USA, in 1927, 1929, 1932, and 1935, served to strengthen his contacts with
producers, actors and technical staff, and he wrote several reports on his trips for Cinearte. He assimilated the
technical know-how of Hollywood, as well as visiting studios in Argentina and Europe, and assisted Orson
Welles in his filmmaking adventure in Brazil in 1942. Nevertheless, Gonzaga was fiercely patriotic, and
defended Brazilian cinema to the hilt. Cinearte’s slogan was ‘Todo filme brasileiro deve ser visto’ (All
Brazilian films must be seen), and the magazine had a section dedicated to amateur filmmaking in an effort to
foster creativity”. In: DENNISON, Stephanie; SHAW, Lisa. “Popular Cinema in Brazil”. UK: Manchester
University Press, 2004 (versão em inglês). p. 46.
92
Jornalismo de Revista. A opção pela cor laranja para os principais elementos textuais causa
um contraste interessante com a imagem de fundo.
REVISTA MOVIE – Nº 2 (cf. figura 19). Das três capas de Movie analisadas por
este projeto, a da segunda edição é a que mais impressiona no que diz respeito à qualidade
visual. A imagem escolhida foi a da personagem Neytiri, do filme Avatar, de James
Cameron, que na verdade é uma caricaturização digital da atriz Zoe Saldana. Além da foto
de altíssima qualidade, a tecnologia de impressão permitiu o uso de uma espécie de
colagem, que evidencia a coloração dos olhos e outros traços do rosto da personagem. A
segunda edição marca uma característica em especial das capas de Movie: a variação de
cores quanto ao título da revista, sempre em caixa alta. As chamadas laterais são ainda
mais discretas e há uma em destaque para a reportagem principal na parte inferior da
revista, bastante simples: “AVATAR”.
REVISTA MOVIE – Nº 3 (cf. figura 20). Em sua terceira edição, a revista Movie
volta a ter uma capa diretamente vinculada à imagem da estrela de cinema, não
necessariamente a remeter ao filme que este protagoniza. Muito pelo contrário, já que o
personagem escolhido para a capa é Robert Downey Jr, cuja carreira foi marcada por uma
série de polêmicas, tais como o envolvimento com drogas, e é esse o teor da reportagem
principal. Assim como na primeira edição, a chamada em destaque é apenas o nome do
ator, em caixa alta, e a referência ao trabalho em voga na época da publicação, o filme
Sherlock Holmes, vem apenas no subtítulo. A fotografia escolhida é bastante coerente com
o contexto da capa: Downey Jr. está a segurar um isqueiro e posicioná-lo em frente a um
spray com algum material inflamável, e parece gritar. Ou seja, uma imagem que remete ao
período conturbado do ator. As chamadas laterais seguem a linha das edições anteriores e,
mais uma vez, há variação na cor escolhida para o título da revista e para as chamadas
principais.
trabalhos) na capa (cf. figura 21, em anexo), por esta época eleita pela revista americana
Esquire “a mulher mais quente do verão 2009”.184 A escolha diz muito a respeito do
público-alvo de Movie, uma vez que a entrevista com Fox ocupa apenas uma página no
interior da revista, acompanhada por uma foto de página inteira (cf. figuras 22 e 23, em
anexo) – enquanto isso, a matéria A nova era dos autores185, sobre os novos diretores de
destaque no cenário hollywoodiano, é desmembrada em oito páginas.
A tomar como base o leitor que vê o cinema para além da fabricação de estrelas, a
escolha natural seria dar capa à reportagem mais complexa, recheada de exemplos, boas
entrevistas (John Lasseter, Michael Bay, Atom Egoyan, Sam Raimi, entre outros) e
curiosidades sobre produções. No entanto, a imagem feminina, a beleza de Megan Fox e a
sua popularidade ante ao público formado por tribos como os nerds, geeks (já que a revista
também engloba cognitivamente o universo da tecnologia) e pelos próprios cinéfilos, dão
força à capa com a fotografia da atriz, ainda que esta não seja a personagem da melhor
reportagem – na verdade, trata-se mais de uma entrevista. A foto em questão (que trabalha
o signo icônico de sensualidade) e a chamada principal (A nova face de Hollywood, com o
nome da atriz em corpo menor no rodapé) clarificam a ideia de que o foco da matéria está
na imagem de Megan Fox, não nos filmes estrelados por ela.186
figura 24), que traz uma ilustração da americana Nancy Nash. Na imagem, a atriz está com
uma espécie de camisola semitransparente, de perfil, com as pernas descobertas e um olhar
sexy.
As pernas femininas são objeto de desejo não só nos versos de Drummond, mas
como em quase todas as capas de Cinearte que fazem uso do valor de sensualidade. Na
edição 239, de setembro de 1930, Nancy Carroll aparece com um vestido florido curto e
pernas descobertas, numa pose parecida com a de Nancy Nash na capa da edição 88, de
1927 – o que é, inclusive, uma tendência nas capas de Cinearte: as atrizes estão quase
sempre de perfil. No número 279, de 1931, a atriz mexicana Raquel Torres aparece
também de perfil e com as pernas desnudas, a trajar um vestido de gala. No ano seguinte,
edição 1932, os seios de Gloria Stuart estão cobertos apenas por flores, e os ombros
187
BORTOLOTI, Marcelo. “Drummond antes de Drummond”. In: Revista Veja. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/111109/drummond-antes-de-drummond-p-204.shtml. Consultado às 1h12, em
9/06/2010.
95
A primeira edição, por exemplo, traz Brad Pitt com um aspecto saudável, um
ligeiro sorriso, e a cor de fundo é um cinza-gelo, quase branco. O subtítulo “Por trás da
criação do superstar” perfeito explica o fato de o ator não estar caracterizado como o
188
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1933, nº 367, Capa.
189
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1933, nº 380, Capa.
96
A edição 2, aliás, tem a capa que mais impressiona no sentido da qualidade visual
e recursos gráficos (cf. figura 19, em anexo). Além da imagem de altíssima qualidade, a
tecnologia de impressão permitiu o uso de uma espécie de colagem, que evidencia a
coloração dos olhos e outros traços do rosto da personagem Neytiri, do filme Avatar, de
James Cameron. O belo trabalho dos designers de Movie está em consonância, afinal, com
o próprio contexto no qual a obra fílmica se insere: a tecnologia. Coincidência ou não, esta
é a única edição que não traz a mensagem “Sua nova revista de cinema, blu-ray, DVD e
tecnologia” no topo da capa, já que a forma como o objeto é retratado (e o contexto do
filme) fala por si só.
97
Em Cinearte, por exemplo, a edição 43, de 1926, tem na capa uma ilustração do
personagem Carlitos (cf. figura 26, em anexo), de Charles Chaplin, com a sua habitual
expressão tristonha, a maquiagem peculiar, olhos lacrimejantes e flocos de neve sobre a
cartola. Não se trata de uma situação totalmente análoga, já que Chaplin, o ator, era um
98
integrante do star system. Mas em qualquer exercício recordativo de sua obra, a primeira
imagem que provavelmente virá à cabeça é a caracterização de seu personagem clássico,
Carlitos, eternizada em dezenas de filmes. Assim como a tendência é a de que, em um
futuro próximo, quando nos lembrarmos de Avatar e toda a repercussão gerada pelo filme,
a principal referência memorizada será a do humanóide feminino estranhamente sensual,
azul, de orelhas grandes, esguio, olhos amarelos e cabelos dreadlock.
Na primeira edição, temos: “Do Festival de Veneza à mostra de São Paulo” e “As
novas regras do Oscar”.190 São cinco páginas no total – 8 a 12 –, que são compostas por
muitas fotografias, um texto-resumo sobre o Festival de Veneza, uma matéria de
apresentação a colocar lado a lado Festival do Rio e Mostra de São Paulo, e uma
reportagem de página inteira sobre o aumento de competitividade para o Oscar 2010.
Observamos que os festivais europeus e brasileiros têm destaque maior, o que ocorre por
motivos distintos: a) os eventos cinematográficos realizados na Europa, em especial os de
Cannes, Veneza e Berlim, gozam de maior prestígio por historicamente privilegiarem o
cinema-arte, embora haja controvérsias se considerarmos os critérios adotados nos últimos
anos; b) os festivais brasileiros crescem anualmente, a ponto de contar com presenças
190
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 1, pp. 8-12.
99
ficava localmente restrita ou prejudicada pela força de regimes políticos autoritários, como
no caso da Itália fascista – em 1939, franceses, americanos e britânicos que integravam o
júri do Festival de Veneza renunciaram ao evento em sinal de protesto pela manipulação de
resultados.195 Além disso, o foco dos correspondentes internacionais de Cinearte, tanto em
Hollywood como na Europa, esteve sempre direcionado para a produção fílmica em si196,
já que por esta época o cinema brasileiro (e, por conseguinte, o interesse do público) não
estava acostumado a participar dos grandes eventos. A cinematografia nacional só
começaria a obter êxito internacional a partir do início da década de 50, com o filme O
Cangaceiro, de Lima Barreto.
195
How Stuff Works. http://www.hsw.uol.com.br. COMO FUNCIONA O FESTIVAL DE CINEMA DE
CANNES. Disponível em: http://lazer.hsw.uol.com.br/cannes.htm. Consultado às 21h05 em 10/06/2009.
196
Exemplo disso é a seção Futuras Estreias, que traz comentários sucintos sobre “os filmes vistos em
Hollywood por Gilberto Souto”. In: Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 560, p. 45.
197
Na verdade, é uma prática convencional para muitos formatos jornalísticos, entre os quais, por exemplo, o
esportivo. Geralmente, publica-se uma apresentação no dia de um evento esportivo e, ao término desse
evento, a crônica ou o relato sobre o que acontecera.
101
Já na edição 558, de abril de 1942, Cinearte deu página dupla para a matéria sobre
a cerimônia do Oscar daquele ano. Com o título “Os prêmios da academia”, o
correspondente Gilberto Souto faz um relato crítico, em primeira pessoa, e aproveita para
alfinetar a premiação em vários momentos.
198
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 556, p. 48-49. Ver figuras 47 e 48, em anexo.
199
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 558, p. 44-45. Ver figuras 49 e 50, em anexo.
102
200
XAVIER, op. cit., p. 172-173.
201
Adhemar Gonzaga sempre demonstrou notável entusiasmo quanto ao crescimento da atividade
cinematográfica no país, cujo trabalho realizado na seção especializada de Para Todos..., antes de fundar a
Cinearte em parceria com Mário Behring, “é considerado o marco da primeira campanha realizada em prol
do cinema nacional”, assim como o trabalho do jornalista Pedro Lima na revista Selecta.
202
LUCAS, op. cit., p. 69.
103
203
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 1, p. 24.
204
Idem, p. 32-33.
205
Idem, p. 30.
206
Idem, pp. 54-57.
104
uma com a atriz Cameron Diaz (página dupla) e outra com o roteirista Chuck Lorre e o
ator Jim Parsons (do seriado The Big Bang Theory; página dupla), ambas enviadas pelo
corresponde de Movie em Los Angeles, Fábio M. Barreto; e uma reportagem-memória de
cinco páginas sobre a vida e obra do ator e diretor Clint Eastwood, com uma rara entrevista
concedida ao jornalista americano Cal Fussman e uma linha do tempo em fotos da carreira
do diretor de Menina de Ouro. Além disso, vale citar também uma matéria de quatro
páginas sobre os bastidores de Bollywood, o cinema produzido na Índia.
Ironicamente, a quarta edição de Movie, que não está entre os objetos empíricos
deste trabalho, é a primeira a dar capa para um filme brasileiro: Lula O Filho do Brasil, de
Fábio Barreto. Isso corrobora a ideia de que, embora tenha a produção fílmica estrangeira
como foco constante, há um esforço no sentido de que a revista não se distancie em
demasia do cinema brasileiro, a buscar sempre um equilíbrio mínimo em cada edição.
207
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 3, p. 80.
208
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 2, p. 34-35.
209
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 3, p. 68-69.
210
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 2, pp. 44-47.
105
assuntos são inerentes ao Jornalismo de Cinema brasileiro deste que este começou a se
consolidar como formato independente da abrangência do dito Jornalismo Cultural e,
principalmente, do jornalismo literário.
Não nos cabe, vale ressaltar, enveredar pelo viés da discussão sobre ética
jornalística, invasão de privacidade e outros temas que são recorrentes nas reflexões sobre
o espaço destinado às fofocas. Assim como seria um equívoco ignorar tais elementos em
qualquer exercício de reflexão sobre a imprensa especializada em cinema, pois o
Jornalismo de Cinema não é apenas crítica, o que podemos comprovar ao folhear as
páginas de Cinearte e Movie, duas revistas inseridas em contextos históricos
completamente diferentes.
As duas revistas têm seções específicas a fim de destacar os filmes cotados para
entrar em cartaz. Em Movie, a editoria “Estreia” é sempre puxada por uma matéria especial
do principal filme em questão – na edição 2, por exemplo, o mote é a parceria entre a atriz
Penélope Cruz e o diretor Pedro Almodóvar, como forma de apresentação do filme
Abraços Partidos – e complementada com notas sobre as outras estreias. “Estreia” costuma
variar entre seis e sete páginas, com muitos anúncios intercalados. Já Cinearte trabalha este
tipo de conteúdo de três formas diferentes: a) apresentando críticas e fichas dos filmes, mas
sem organizá-los de maneira que o leitor saiba se aquele filme em questão já está ou não
em cartaz; b) a seção “Futuras Estreias”, assinada pelo correspondente Gilberto Souto, com
breves resenhas sobre os filmes vistos por ele em Hollywood (cf. figura 32, em anexo); c)
tabelas com todos os filmes que estreariam/estrearam em um determinado mês, chamada
106
“Síntese dos Filmes” (cf. figura 33, em anexo), a separar por nome do filme, título original,
estúdio, diretor, elenco, data, salas de exibição e cotação.211
Só na segunda edição, são seis reportagens nesse sentido: a atriz Kristen Stewart,
de Crepúsculo; o diretor J.J Abrams, de Star Trek; as atrizes Sigourney Weaver e Zoe
Saldana, de Avatar; o diretor James Cameron, de Avatar; e o diretor Michael Mann, de
Inimigos Públicos. A edição 1 tem boas entrevistas com a atriz Cameron Diaz e o diretor
Clint Eastwood; o número 3, por sua vez, conta com cinco entrevistas de destaque, entre os
quais a cantora teen Miley Cyrus, o diretor Carlos Saldanha, da franquia A Era do Gelo; os
atores Robert Downey Jr. e Jude Law, de Sherlock Holmes; e a atriz Uma Thurman, da
franquia Kill Bill.
Ainda que seja em outro formato, a trabalhar com uma espécie de relato literário,
Cinearte é ainda mais incisiva ao focalizar os personagens de suas reportagens,
transformando-as em pequenas biografias, como, por exemplo, na matéria sobre Dorothy
Lamour, publicada na edição 559 (cf. figura 34, em anexo). O texto percorre boa parte da
trajetória da atriz, explorando não só os fatos acerca de seu trabalho em Hollywood, mas
como também suas perspectivas de vida, seus valores e motivações. É possível observar a
mesma linha jornalística na reportagem-memória de cinco páginas sobre a vida e obra do
ator e diretor Clint Eastwood (publicada no número 1 da revista Movie), com uma rara
entrevista concedida ao jornalista americano Cal Fussman e uma linha do tempo em fotos
da carreira do diretor de Menina de Ouro.
211
As classificações eram: “Sofrível”, “Fraco”, “Regular”, “Bom”, “Muito Bom” e “Ótimo”.
107
Já a terceira edição de Movie possui três matérias do tipo memória, de uma página
ou mais. Na editoria “Ação”, um artigo em homenagem póstuma ao ator e diretor Anselmo
Duarte, morto poucos dias antes da publicação. No miolo da revista, uma reportagem
especial de seis páginas com fatos da biografia de Marilyn Monroe e seu trabalho com
diferentes fotógrafos, entre os quais o primeiro honrado com o Oscar de Melhor
Fotografia, Bruno Bernard. Já a editoria ícone, como de praxe, também tem como objetivo
exaltar a vida e a obra de uma grande estrela do cinema. Mas para a terceira edição o
escolhido foi o diretor espanhol Luis Buñuel (1900-1983), dos clássicos A Bela da Tarde e
O Cão Andaluz.
212
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 1, p. 80-81.
213
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 2, p. 80-81.
108
metade do século XX. Nas edições 556 e 560, ambas de 1942, foram publicados artigos de
página inteira em homenagem póstuma a dois personagens importantes no contexto
hollywoodiano, que haviam falecido recentemente: o ator John Barrymore (cf. figura 35,
em anexo) e a atriz Carole Lombard (cf. figura 36, em anexo). Mais do que reportar os
fatos que cercam a morte de ambos, a linguagem utilizada nos textos é de cunho exaltante,
a simbolizar verdadeiras reverências aos ídolos recém-falecidos, assim como no artigo de
André Forastieri em homenagem a morte de Anselmo Duarte (cf. figura 37, em anexo). Em
uma linha totalmente distinta, vale destacar também a matéria “William Farnum de ontem
e hoje”, que estabelece uma ponte temporal por meio de fotografias do ator em ação nos
sets de filmagem.
Ainda no contexto das reportagens do tipo memória, um tipo de pauta que sempre
apareceu com muita frequência no Jornalismo de Cinema é a da criação de listas, que
podem se adequar a qualquer tema ou circunstância histórica. Em Cinearte, por exemplo, o
número 559 possui duas matérias com tal vocação: “Votam as Jornalistas de Hollywood”,
que traz uma eleição das integrantes do Clube das Jornalistas de Hollywood com “os astros
e as estrelas mais simpáticos à imprensa cinematográfica”214; e “Filmes sobre a Guerra”,
uma lista com 64 produções que abordavam de forma parcial ou total o contexto da
Segunda Guerra Mundial, no ano de 1942 (cf. figura 38, em anexo).215
A revista Movie, por sua vez, tem pelo menos uma matéria desse tipo em cada
número aqui analisada, com destaque para “Grandes Profissionais”, edição 1, com “uma
lista de dez títulos clássicos para crianças que roubam a cena”216; “Roteiro Unificado”,
edição 2, com dez filmes que retratam a capital da Alemanha, em homenagem ao mês de
comemoração dos 20 anos da queda do Muro de Berlim 217; na terceira edição, são três
matérias no total: “Dez tendências que vão dominar 2010”218, com as principais novidades
sobre filmagens e aspectos da indústria cinematográfica para este ano; “Presentes de R$
27... Até R$ 230 mil”219, uma lista variada de possíveis presentes para cinéfilos ou pessoas
que gostam de objetos personalizados com temas envolvendo o cinema; e “Contagem
214
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 559, p. 19. Ver figura 46, em anexo.
215
Idem, p. 10. Ver figura 38, em anexo.
216
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 1, p. 76-77.
217
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 2, pp. 44-47.
218
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 3, pp. 12-15.
219
Idem, pp. 64-67.
109
Regressiva”220, com uma lista de dez filmes que abordam de forma parcial ou total a
passagem de ano – Réveillon –, como pano de fundo para o desenvolvimento da narrativa.
220
Idem, pp. 76-77.
221
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 1, p. 24.
222
Idem, pp. 64-67.
223
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 3, pp. 20-23.
224
http://www.filmeb.com.br
110
Das três edições de Cinearte aqui estudadas, podemos destacar duas matérias que
se inserem no contexto da discussão sobre a indústria cinematográfica da época, a ser este
um tema bastante recorrente também nos editoriais da revista. A primeira é “Tendo por
objetivo o engrandecimento do cinema brasileiro”, publicada no número 569, que traz um
relato das primeiras apresentações de uma nova companhia cinematográfica que surgia em
1942, a Produções Inter-Americanas Ltda. O texto possui um tom elogioso, do qual
percebemos uma visão otimista em relação à produção fílmica no país, de maneira geral,
no seguinte trecho: “Foi uma demonstração das grandes possibilidades do Cinema
Brasileiro, dentro do amparo e das leis promulgadas pelo M. D. Presidente Dr. Getulio
Vargas para o desenvolvimento da nossa cinematografia”.225 No último parágrafo, uma
congratulação: “Com essa magnífica demonstração, as ‘Produções Inter-Americanas’ estão
de parabéns”.226
225
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 559, p. 12.
226
Idem.
227
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 560, p. 12-13.
111
pudesse retornar ao Brasil disposto a aplicar tudo o que supostamente aprendera sobre o
modelo industrial do cinema americano.
Já em “Agora, sim” (edição 556), Cinearte faz uma crítica ao fato de os exibidores
ditarem “os seus preços aos produtores. Confinados nos estreitos limites desses preços, os
produtores não poderiam fornecer senão obras de baixo custo”.229
O editorial “O Cinema Indústria de Futuro” (edição 558), por sua vez, faz
observações eloquentes a respeito da condução do aparelho cinematográfico no país, mas
critica a falta de investimento “dos grandes capitais” (leia-se iniciativa privada) no sentido
de modernizar essa estrutura, principalmente no que tange à disparidade técnica em relação
ao cinema estrangeiro.
228
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 555, p. 9.
229
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 556, p. 9.
230
Idem.
112
Por fim, o editorial “Orson Welles e o Brasil” (edição 559) é uma forma de
comemoração pelo fato de o renomado diretor americano Orson Welles, do clássico
Cidadão Kane, ter vindo ao país (Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará) para filmar
narrativas sobre o carnaval brasileiro e sobre os jangadeiros, algo que não saiu do papel em
razão de divergências com o estúdio RKO – o projeto inacabado chamava-se It’s All True
(É Tudo Verdade, em português); algumas sequências foram recuperadas em 1985. Pode-
se dizer que a incursão do diretor pelo país era, sobretudo, um “produto da política de
aproximação entre as Américas durante a Guerra”, pauta esta constante nas páginas de
Cinearte.232 A revisa considerava que seriam inestimáveis os benefícios ao cinema
brasileiro gerados pela visita de Welles e sua equipe de técnicos, não só pela exposição em
escala global, mas como também pela oportunidade de modernização da aparelhagem
cinematográfica.
231
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 558, p. 7.
232
STYCER, Maurício apud PACHECO, Mário. “As infames aventuras de Mr. Welles na Era Vargas”. In:
http://www.dopropriobolso.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=580:orson-welles-
infames-aventuras-na-era-vargas&catid=51:cinema&Itemid=54. Consultado às 19h, em 17/06/2010.
233
Revista Cinearte, Rio de Janeiro, 1942, nº 559, p. 9.
113
A fim de não fugir do foco deste estudo, escolhemos uma análise fílmica de cada
edição aqui analisada, em ambas as revistas. No número 1 de Movie, optamos pela resenha
“Amigos da Guitarra”, assinada pelo corresponde da revista em Los Angeles, Fábio M.
Barreto. O texto de apenas duas colunas, com uma foto no quadrante superior da página
(cf. figura 39, em anexo), discorre de forma sucinta sobre o documentário It Might Get
Loud, de David Guggenheim; e é posicionado intencionalmente no decorrer da matéria a
respeito da boa safra de documentários musicais no Brasil, “Áudio e Visual”. Observamos
um lead introdutório a contextualizar as “linhas de pensamento” do trabalho fílmico que
114
gira em torno de três guitarristas (Jimmy Page, The Edge e Jack White); uma sequência de
seis aspas (declarações) do diretor sobre as perspectivas de realização do projeto; e um
curto último parágrafo que funciona como valoração do objeto de análise:
It Might Get Loud é poético, encanta por sua música, suas histórias e,
especialmente, pelas personalidades na tela. É uma mistura improvável,
do progressivo, passando pelo pop e chegando ao alternativo, um
resultado brilhante.234
teórico e crítico de cinema, o verbete crítica (de cinema) também pode “distinguir uma
crítica externa (que relaciona a obra a seu contexto de produção e de recepção) e uma
crítica interna (dita, às vezes, imanente, que examina a obra em si mesma)”, assim como
ser “objetiva ou subjetiva, conforme a escala de valores à qual se relaciona a obra julgada
seja ou não independente daquele que julga”. 237 Além disso, há uma dicotomia em sua
esfera prática (informar e julgar), que “em princípio, a distingue da análise, cujo objetivo é
esclarecer o funcionamento e propor uma interpretação da obra artística”.238
Ainda que o formato atual dos textos sobre filmes em geral aproxime-se mais da
análise, a abrangência cognitiva da crítica inclui os comentários, as sentenças e/ou
julgamentos que não se materializam por meio de textos longos, o que fundamenta o
reconhecimento de um gênero de reflexão mais sucinto, por assim dizer, típico da maioria
das publicações atuais, como manifestação legítima do Jornalismo de Cinema.239
Os textos escolhidos por este projeto nas edições seguintes de Movie constam na
seção “Estreia”, que tem como objetivo apresentar as obras que entraram ou ainda vão
entrar em cartaz. No número 2, observamos um fato interessante na apresentação do filme
Embarque Imediato, de Allan Fiterman: o abre, isto é, o texto principal, focaliza a
trajetória do diretor, que na época realizava o seu primeiro trabalho no Brasil depois de
passar um período de 11 anos estudando e trabalhando com cinema em Los Angeles. O
julgamento do filme aparece em outra retranca: uma coordenada localizada no quadrante
superior da página ímpar (cf. figuras 40 e 41, em anexo).
237
AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. “Dicionário teórico e crítico de cinema”. Campinas: Editora
Papirus, 2006. 2ª edição. p. 69.
238
Idem.
239
De maneira geral, os raros espasmos de reflexão teórica sobre o papel da crítica de cinema não tem
contribuído para um aperfeiçoamento do gênero, infelizmente. O que acaba por estabelecer paradigmas é a
esfera prática.
240
Na verdade, trata-se de uma tendência estilística comum na maioria das redações, principalmente quando
o objeto da reportagem é não-factual.
241
Segundo Jacques Aumont e Michel Marie, o verbete sinopse é de origem grega (“sunopsis” ou “visão de
conjunto”, “olhadela geral”, “índice de assuntos”, entre outros) e diz respeito a um “resumo breve de um
116
pouco mais extensa, com a inclusão de uma aspa (declaração) do diretor Allan Fiterman.
São apresentados fatos que compõem o desenvolvimento da narrativa, de forma bastante
breve, com a informação da data prevista para estreia ao fim do texto. O mesmo tipo de
apresentação ocorre com o filme Abraços Partidos, do diretor espanhol Pedro Almodóvar,
no terceiro número. O texto é puxado pela parceria de longa data entre o diretor e a atriz
espanhola Penélope Cruz, que já trabalharam juntos em outros três filmes. Esse é o mote
que abre a resenha de uma coluna, parágrafo único, com alguns fatos importantes para a
compreensão da narrativa, porém sem aprofundamento, e a conclusão se dá com um
julgamento geralista da obra: “Com figurinos e cenários excêntricos, o filme segue a
tradição do charme cinematográfico em torno das duplas famosas de diretores consagrados
e suas musas atemporais”.242
roteiro de filme”. In: AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. “Dicionário teórico e crítico de cinema”.
Campinas: Editora Papirus, 2006. 2ª edição. p. 272.
242
Revista Movie, São Paulo, 2009, nº 2, p. 34-35.
117
recortar essas imagens e colecioná-las; no caso do público masculino, muitas delas eram
fixadas na parede do quarto, por exemplo, e por isso não é de se estranhar que a maioria
dos indivíduos retratados seja do sexo feminino – das 18 imagens, apenas três são
fotografias de homens. Além disso, diferentemente do contexto atual do star system, que
evoluiu consideravelmente com o fortalecimento da publicidade, a circulação de imagens
das estrelas de cinema era previamente controlada pelos grandes estúdios da época. Por
esse motivo, é comum encontrar mais ilustrações do que fotografias na fase inicial das
revistas dedicadas ao cinema.
CONCLUSÃO
Mais do que uma percepção de identidade editorial, esta pesquisa tem a convicção
de que a emancipação aqui formulada é um processo gradual, e pode vir a acontecer em
duas linhas de frente: na medida em que novas publicações surgem, tanto na mídia
impressa quanto na eletrônica, reforçando o espaço ocupado pelo cinema no rol de
convergência entre cultura, entretenimento e tecnologia; e a partir da renovação do
público-leitor, que cada vez mais incorpora não só os cinéfilos, os que já possuem
conhecimento prévio sobre o objeto de interesse, mas como também os leitores
circunstanciais, cujo interesse único é a experimentação. Em outras palavras, o público-
consumidor de cinema243 é heterogêneo e, como dito anteriormente, mesmo nos jornais
mais populares há, no mínimo, uma página com a grade dos filmes em exibições,
informações sobre horários, datas etc.244 Não se pode mais enxergar a cobertura jornalística
de cinema apenas pelo viés da crítica, intelectualizada e elitizada.
243
Leia-se qualquer produto ou mercadoria que esteja relacionado ao universo cinematográfico, tal como a
exibição de filmes, os produtos licenciados, os dvd’s, os livros, as publicações jornalísticas, entre outros.
244
Assim como a crítica, a cobertura de festivais, a lista, a reportagem-memória, entre outros, as agendas e
grades de exibição são componentes jornalísticos da nova editoria aqui proposta.
119
245
Este tipo de situação ocorre com frequência nas seções de cinema dos jornais populares, nos quais há, na
maioria das vezes, um profissional específico para a produção diária de grades de programação dos cinemas,
fichas, informações sobre blockbusters, eventuais notas de no máximo uma coluna sobre estreias, entre
outros. Contudo, embora o cinema não deixe de ser um foco diário do veículo em questão, este profissional
dificilmente terá a oportunidade de produzir uma reportagem mais ampla, o que se justifica por limitação
espacial ou questão editorial. Em ambos os casos, o cinema não é excluído do conjunto de interesses do
público-leitor; o que muda é a abordagem. A tendência utilitarista, meramente informativa, é capaz de
dialogar com qualquer público.
120
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Revistas
Prévia sobre a cerimônia do Oscar Academy Awards de 1942 – Cinearte, edição 556
FIGURA 48
Prévia sobre a cerimônia do Oscar Academy Awards de 1942 – Cinearte, edição 556
FIGURA 49
Relato sobre a cerimônia do Oscar Academy Awards de 1942 – Cinearte, edição 558
FIGURA 50
Relato sobre a cerimônia do Oscar Academy Awards de 1942 – Cinearte, edição 558