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CONCEITOS CIENTÍFICOS EM DESTAQUE

Hélio Anderson Duarte

Os conceitos de fator de blindagem e carga nuclear efetiva são geralmente evocados para explicar a estrutura eletrônica dos átomos e as
propriedades periódicas em cursos introdutórios de Química nas universidades. As regras de Slater e, mais recentemente, a idéia de percentagem
de blindagem, têm sido usadas de forma semi-quantitativa para estimar o fator de blindagem e relacioná-lo com as propriedades periódicas.
Dados experimentais como sucessivos potenciais de ionização e os dados de espectroscopia fotoeletrônica de raios X (XPS) permitem
avanços no entendimento do fator de blindagem. Neste artigo mostra-se que esses dados correlacionam-se muito bem com Z2, como previsto
pelo modelo atômico de Bohr. No entanto, os dados demonstram que elétrons de camadas mais externas são capazes de blindarem os
elétrons mais internos em relação ao núcleo, em desacordo com a 2a regra de Slater. Ressalta-se assim o caráter probabilístico da Química
Quântica e a interpenetração das funções de onda. Usando-se o modelo de Bohr, é possível estimar a carga nuclear efetiva a partir de dados
experimentais. As conseqüências de uma abordagem com ênfase no conceito de átomo e de sua estrutura eletrônica para a compreensão de
novas técnicas e tecnologias são brevemente discutidas.


carga nuclear efetiva, fator de blindagem, estrutura eletrônica

22
Recebido em 28/11/02; aceito em 27/3/03

N
o curso introdutório sobre suas bases matemáticas e físicas, dos átomos e moléculas, indicamos
estrutura eletrônica dos átomos parece um tanto pretensioso e corre- artigo do caderno temático Estrutura da
e propriedades periódicas, se o risco do ensino tornar-se mais matéria: uma visão molecular (Almeida
geralmente utilizamos os conceitos informativo, em detrimento da aprendi- et al., 2001) . O conceito de blindagem
fator de blindagem e carga nuclear zagem. Geralmente, nos livros de Quí- eletrostática é muito bem apresentado
efetiva. Estes conceitos surgem ao se mica Geral, a estrutura eletrônica dos por Huheey (1983) , em seu livro de
utilizar a solução exata da equação de átomos polieletrônicos é tratada de for- Química Inorgânica. Torna-se, no
Schrödinger para o átomo de hidrogê- ma superficial, relacionando a carga entanto, necessário lembrar que a so-
nio para descrever os nuclear efetiva, obtida lução exata das equações de
átomos polieletrôni- É necessário lembrar que a de forma empírica, Schrödinger só é factível para sistemas
cos. De outra forma, o solução exata das com as propriedades simples, tais como uma partícula em
professor indubita- equações de Schrödinger periódicas, tais como uma caixa, rotor rígido e para os áto-
velmente teria de só é factível para sistemas raio atômico, potencial mos hidrogenóides (aquelas espécies
apresentar conceitos simples, como uma de ionização e afini- monoatômicas que possuem apenas
bem mais abstratos e partícula em uma caixa, dade eletrônica. O in- um elétron) (McQuarrie, 1983). Em áto-
exigir dos alunos co- rotor rígido e átomos centivo à crítica cientí- mos polieletrônicos, a interação entre
nhecimentos avan- hidrogenóides (espécies fica (que nunca deve os elétrons impossibilita a separação
çados de alguns tó- monoatômicas que faltar) é substancial- de variáveis e, conseqüentemente, a
picos da Física e da possuem apenas um mente prejudicado por solução exata das equações de
Matemática. Obvia- elétron) falta de dados experi- Schrödinger. O método de Hartree-
mente, isto não faz mentais que possibili- Fock utiliza funções de onda de um elé-
sentido em um curso introdutório de tem aos alunos assimilarem os con- tron e a aproximação do campo auto-
Química para estudantes do primeiro ceitos de carga nuclear efetiva e suas consistente para descrever o movimen-
ano universitário. conseqüências para a compreensão to dos elétrons no campo coulombiano
Apresentar conceitos de grande da periodicidade. definido pelos núcleos dos átomos. De
abstração e difícil analogia, como os Para uma introdução às equações acordo com Slater (1951), em seu arti-
da Química Quântica, sem discutir as de Schrödinger e à estrutura eletrônica go intitulado “Uma simplificação do
método de Hartree-Fock”, esse méto-
A seção ‘Conceitos científicos em destaque’ tem por objetivo abordar, de maneira crítica e/ou inovadora, conceitos do pode ser visto como um modelo no
científicos de interesse dos professores de Química. qual o elétron se movimenta em um

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campo médio repulsivo devido aos o modelo de cebola. Nesse modelo, os de blindagem e, conseqüentemente, a
outros elétrons. Ou seja, na teoria de elétrons que estão em orbitais de nú- carga nuclear efetiva dos átomos. Ele
Hartree-Fock, o elétron não sente a re- mero quântico maior estariam na região as aplicou com sucesso para estimar
pulsão dos outros elétrons de forma do espaço mais externo. Conseqüen- o tamanho dos átomos e íons, os níveis
explícita, mas sim como uma nuvem temente, esperaríamos que os elétrons de energia e a suscetibilidade magné-
de elétrons blindando parte da carga mais internos contribuíssem com um tica. Desde a publicação desse traba-
nuclear. Dessa forma, o elétron sente fator de 100% para a blindagem. Porém, lho, vários autores têm sugerido o uso
uma carga nuclear efetiva resultante da no átomo quântico, isto não se verifica: didático dessas regras em cursos intro-
blindagem parcial da carga nuclear os elétrons dos orbitais de maior número dutórios de Química no nível universi-
pelo campo médio repulsivo devido quântico principal apresentam maior tário (Brink, 1991). Essas regras foram
aos outros elétrons. probabilidade de serem encontrados na resumidas por Huheey (1983) e estão
Os níveis de energia dos átomos região mais externa. Mas há uma pro- descritas abaixo:
hidrogenóides são determinados por: babilidade, ainda que pequena, desses 1) Escreva a configuração eletrô-
elétrons serem encontrados em regiões nica dos elementos na seguinte ordem
(1) mais internas do que elétrons de número e grupos: (1s) (2s, 2p) (3s, 3p) (3d) (4s,
quântico menor. Esse conceito de pro- 4p) (4d) (4f) (5s, 5p) etc.
A partir desta equação, pode-se babilidade advém da natureza ondula- 2) Elétrons em qualquer grupo à di-
calcular a energia do orbital 1s, que é tória dos elétrons. A análise da função reita do grupo (ns, np) não contribuem
exatamente a energia de ionização do radial da equação de Schrödinger para para a constante de blindagem.
átomo de hidrogênio. Observa-se que os átomos é normalmente a forma en- 3) Todos os outros elétrons no gru-
a energia de ionização está relacionada contrada pelos professores para explicar po (ns, np) blindam o elétron de valên-
com o fator Z2/n2. Como a carga nuclear o porquê dos elétrons das camadas cia de 0,35 cada.
(ou seja, o número atômico Z) aumenta internas não serem efetivos na blinda- 4) Todos os elétrons na camada (n -
mais rapidamente que o número quân- gem dos elétrons da camada de valên- 1) contribuem com 0,85 cada.
tico principal (n), esperaríamos um au- cia. Estudantes universitários iniciantes 5) Todos os elétrons (n - 2) ou em
mento contínuo do potencial de ioniza- têm dificuldade para compreender a par- camadas mais baixas blindam comple- 23
ção, ou seja, a energia necessária para tir da análise das funções de onda ra- tamente, ou seja, contribuem com 1
retirar um elétron do átomo. Entretanto, diais como elas podem se interpenetrar, para o fator de blindagem.
se observarmos a energia de ionização o que aparentemente significa que Quando o elétron que está sendo
dos átomos de hidrogênio e lítio esses elétrons estariam ocupando o blindado pertence a um grupo (nd) ou
(1312 kJ/mol e 520 kJ/mol, respectiva- mesmo espaço. Trata-se de uma dificul- (nf), as regras 2 e 3 são as mesmas,
mente), verificaremos ocorrer a diminui- dade enorme para o professor argu- mas as regras 4 e 5 tornam-se:
ção da energia. As razões para essa mentar sem entrar nos conceitos mais 6) Todos os elétrons nos grupos à
diminuição da energia de ionização é complexos da Matemática e da Mecâ- esquerda do grupo (nd) ou (nf) contri-
atribuída ao fato da distância média do nica Quântica. buem com 1,0 para o fator de blinda-
elétron 2s ao núcleo ser maior que a do A proposta deste artigo é apresen- gem.
1s e da repulsão do elétron 2s pelos elé- tar alguns argumentos baseados em A carga nuclear efetiva é estimada
trons 1s da camada mais interna do lítio. dados experimentais para ajudar a a partir da equação:
Dessa forma, a energia de ionização compreender a natureza da estrutura
Zef = Z - S (2)
está relacionada à razão Zef2/n2, onde Zef eletrônica dos átomos, as funções de
é a carga nuclear efetiva sentida pelo onda e suas conseqüências para o fa- onde S é o fator de blindagem.
elétron 2s. tor de blindagem. A relação das pro- Geralmente, as regras de Slater são
Qual o valor de Zef para o caso do priedades periódicas e os fatores de muito úteis para correlacionar a carga
lítio? Alguém poderia supor que se blindagem serão discutidos. nuclear efetiva com propriedades tais
trataria apenas de uma conta simples como raio atômico e eletronegatividade
Cálculo das constantes de blindagem:
Zef = 3 - 2 = 1, isto é, os elétrons 1s ao longo das linhas da Tabela Periódica.
estariam blindando completamente a Regras de Slater e percentagem de No entanto, as regras de Slater falham
carga nuclear. No entanto, esse valor blindagem nas tendências ao longo das colunas,
é aproximadamente igual a 1,30, Slater (1930) publicou um conjunto como pode ser visto na Tabela 1.
mostrando que os elétrons 1s não são de regras para estimar as constantes Waldron et al. (2001) introduziram o
eficientes na blindagem. A compreen-
são desse fato é a base para se expli-
Tabela 1: Carga nuclear efetiva de Slater para a 2a linha e a 1a coluna da Tabela Periódica.
car a periodicidade ao longo da Tabela
Periódica e as anomalias observadas 2a linha Li Be B C N O F Ne
para alguns grupos. Zef 1,30 1,95 2,60 3,25 3,90 4,55 5,20 5,85
A dificuldade de compreender esse a
1 coluna H Li Na K Rb Cs - -
fato aparece no modelo de átomo que
Zef 1,0 1,3 2,2 2,2 2,2 2,2 - -
normalmente os alunos tendem a fixar -

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conceito de percentagem de blinda- Embora os valores estimados da car-
gem (PB), juntamente com uma modi- ga nuclear efetiva e da percentagem de
ficação da 4a regra de Slater, como blindagem se correlacionem muito bem
segue: com as propriedades dos átomos, argu-
4) Para o cálculo dos elétrons s e mentos tais como penetração dos orbi-
p, os elétrons d da camada (n - 1) são tais e blindagem ineficiente dos elétrons
contados como 0.50 cada. Todos os d e f devem ser evocados, de forma a
elétrons f são contados como 0.69 ca- explicar o comportamento periódico.
da. As regras para calcular os valores Na próxima seção, discutiremos
dos elétrons d e f permanecem as mes- uma forma de calcular a carga nuclear
mas. Ou seja, elétrons na mesma ca- efetiva e usaremos dados experimen-
mada contam 0,35 e os outros contam tais para demonstrar a capacidade dos
como 1,0. elétrons em camadas mais externas de Figura 1: Modelo de Bohr para os hidroge-
Nessa nova regra, os elétrons d e f efetivamente blindarem os elétrons nóides.
são menos eficientes para blindarem. mais internos. Como exemplo, elétrons
A percentagem de blindagem, dada em orbitais ns contribuem para o fator onde Rh é a constante de Rydberg,
por de blindagem dos elétrons nos orbitais igual a 13,6 eV.
1s, contrariando a 2a regra de Slater. A Figura 1 mostra o modelo para o
PB = S / Z x 100% (3)
qual a equação de Rydberg é válida.
Espectroscopia fotoeletrônica de raios Observe que a eq. 4 descreve corre-
correlaciona-se muito melhor com as
propriedades periódicas, como pode X (XPS) e a energia do orbital 1s tamente a última energia de ionização
ser observado na Tabela 2. Nos anos 30, grande parte da Quí- de todos os átomos. A última energia
A utilização das percentagens de mica Quântica já tinha sido desenvol- de ionização (EIZ) corresponde à retira-
blindagem permite fazer uma análise vida; porém, as dificuldades em fazer da do elétron 1s, depois que todos os
muito mais detalhada das proprie- cálculos complexos impediam a apli- outros foram retirados.
24 dades periódicas, incluindo a série dos cação desse conhecimento para es- No entanto, se analisarmos a última
lantanídeos. As similaridades entre os tudos quantitativos de forma extensiva. e a penúltima energia de ionização dos
elementos 3p/4p e os elementos 4d/ Por isso, aproximações eram, muitas elementos, verificaremos serem elas
5d podem ser demonstradas. vezes, a única forma de se utilizar a diferentes. Esse fato está previsto na
A carga nuclear efetiva calculada teoria para estudar sistemas químicos. 3a regra de Slater, ou seja, um elétron
pelas regras de Slater ao longo da série As regras de Slater foram propostas blinda o outro mesmo estando no mes-
dos lantanídeos não sofre modificação. para permitir a utilização de funções de mo orbital. Por isso, a penúltima ener-
No entanto, o potencial de ionização onda simplificadas e sem nós em cál- gia de ionização é sempre menor do
dos elementos lantanídicos aumenta culos teóricos. Ele decompôs o fator que a última. Podemos, então, fazer
de 0,83 eV ao longo da série 4f. Além uma simplificação, modelando o íon
de blindagem em contribuições das
disso, o tamanho dos lantanídeos dimi- como um hidrogenóide. Suporíamos
camadas eletrônicas dos átomos. Tra-
nui de 11 pm ao longo da série, indi- que a penúltima energia de ionização
tando-se de uma simplificação, o mé-
cando que deve haver alguma pene- pode ser reproduzida pela carga nu-
todo de Slater foi posteriormente assi-
tração da densidade do elétron 6s na clear desse hidrogenóide (veja Figura
milado como uma ferramenta didática,
camada 4f. Enfim, o potencial de ioni- 2). Baseando-nos nesse argumento,
para se compreender as propriedades
zação (PI, 1a energia de ionização) ao podemos estimar essa carga nuclear
periódicas e a estrutura eletrônica dos efetiva a partir da modificação da equa-
longo da série dos lantanídeos é inver-
átomos. ção de Rydberg:
samente proporcional à percentagem
Os níveis eletrônicos no átomo de
de blindagem que leva em conta a in-
hidrogênio e dos íons hidrogenóides
capacidade de blindar dos elétrons (n (5)
são corretamente descritos pela equa-
- 2)f. Discussão detalhada das conse-
ção de Rydberg:
qüências de se utilizar o conceito de
percentagem de blindagem no estudo onde EIZ-1 é a (Z - 1)ésima energia de
das propriedades periódicas é apre- (4) ionização. Observe que n é igual a 1;
sentada por Waldron et al. (2001). por isso, ele não aparece na eq. 5. O
íon hidrogenóide tem carga Zef e o elé-
Tabela 2: Percentagens de blindagem (PB) para os elementos da 2a linha e 1a coluna da tron está na pseudoprimeira camada.
Tabela Periódica. Em seguida, serão apresentados argu-
2a linha Li Be B C N O F Ne mentos validando a utilização da eq. 5
PB 56,7 51,3 48,0 45,8 44,3 43,1 43,2 41,5 para o cálculo de carga nuclear efetiva.
A Tabela 3 apresenta a última e a
1a coluna H Li Na K Rb Cs - - penúltima energia de ionização dos
PB 0,0 56,7 80,0 88,4 94,0 96,0 - - elementos da 2a linha da Tabela Perió-

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cínio anterior. Esses dados experimen-
tais demonstram de forma enfática a
capacidade que os orbitais tem de se
interpenetrarem. A distância média dos
elétrons em diferentes orbitais aumenta
com o aumento do número quântico
principal e secundário; no entanto, para
uma análise correta, mesmo que quali-
tativa, é preciso levar-se em conta a
natureza probabilística da Química
Quântica.
Considerações finais
Figura 2: Íons e átomos reduzidos ao modelo de Bohr. Os dados de potencial de ionização
sucessivos dos átomos e os dados de
XPS consistem em fortes evidências da
dica (Barros, 1995), a energia de ioni- número atômico, ou seja, passar de um estrutura de camadas dos átomos e
zação calculada pelo modelo de Bohr átomo para outro, aumenta-se também da interpenetração dos orbitais atômi-
e a carga nuclear efetiva calculada pela elétrons na camada de valência. Esses cos. Mostramos que os orbitais atômi-
eq. 5. Como era esperado, o modelo elétrons, embora na camada de valên- cos descritos pela equação de Schrö-
de Bohr (eq. 4) reproduz corretamente cia, contribuem para blindar a carga dinger para o átomo de hidrogênio são
a última energia de ionização dos áto- nuclear em relação aos elétrons 1s. Es- semelhantes aos dos átomos poliele-
mos. A carga nuclear efetiva sentida sa explicação é perfeitamente plausível trônicos, uma vez que são capazes de
pelos elétrons do orbital 1s aumenta e está de acordo com os resultados descrever e racionalizar o comporta-
ao longo da série e o fator de blinda- da equação de Schrödinger, pois há mento dos dados de EI e XPS ao longo
gem permanece praticamente cons- probabilidade (ainda que pequena) da Tabela Periódica. A Figura 4 mostra 25
tante. Esse resultado evidencia a não desses elétrons serem encontrados de forma inequívoca que o comporta-
alteração apreciável da forma dos or- mais próximos do núcleo do que os mento da energia do orbital 1s como
bitais 1s pelo aumento do número atô- elétrons do orbital 1s. A Figura 3 mostra função do número atômico segue uma
mico, justificando assim o fato do fator a função radial dos orbitais atômicos s parábola em acordo com o modelo de
de blindagem permanecer constante. do hidrogênio, exemplificando o racio- Bohr. A diferença entre os valores
Um estudante poderia então per-
guntar: “Qual seria a energia necessá- Tabela 3: Última e penúltima energia de ionização da 2a linha da Tabela Periódica. Os dados
ria para retirar um elétron do orbital 1s estão em eV1.
de um átomo polieletrônico mantendo Elemento Z Modelo Energia de Carga nuclear Fator de
todos os outros elétrons? Nesse caso, de Bohr ionização2 efetiva3 blindagem
qual seria a carga nuclear efetiva
sentida por esse elétron?” Felizmente, Z2 Rh Z-1 Z S
a primeira questão pode ser respondi- H 1 13,6 - 13,6 -
da através dos dados obtidos por He 2 54,4 24,6 54,4 1,34 0,67
espectroscopia fotoeletrônica de raios Li 3 122,4 75,6 122,4 2,36 0,64
X (XPS). Em XPS, a energia incidente Be 4 217,6 153,8 217,6 3,36 0,64
do fóton é tão grande que os elétrons B 5 340,0 259,3 340,1 4,37 0,63
são retirados das camadas internas C 6 489,6 391,9 489,8 5,37 0,63
dos átomos. Dessa forma, obtém-se a N 7 666,4 551,9 666,8 6,37 0,63
energia característica do orbital 1s dos O 8 870,4 739,1 871,1 7,37 0,63
átomos (Cullity, 1978). F 9 1101,6 953,5 1102,7 8,37 0,63
Ne 10 1360,0 1195,9 1362,3 9,38 0,62
Na Tabela 4, são apresentados os
1
dados de XPS, a respectiva carga 1 kJ/mol = 1,036 x 10-2 eV. 2Dados reproduzidos de Barros (1995). 3Rh = 13,6 eV.
nuclear e a blindagem eletrostática
Tabela 4: Dados de XPS para camada K (em eV), carga nuclear efetiva e fator de blindagem
para os elementos da 2a linha da Tabela calculados pelo modelo de Bohr.
Periódica. Diferentemente do observa-
do com as energias de ionização na Elementos Li Be B C N O F Ne
Tabela 3, o fator de blindagem aumen- XPS 1
50 110 190 280 400 530 690 850
tou monotonicamente. Qual a diferença Z 3 4 5 6 7 8 9 10
em relação à energia de ionização? No Zef 1,95 2,85 3,75 4,55 5,44 6,26 7,14 7,91
caso dos dados de XPS, a diferença S 1,05 1,15 1,25 1,45 1,66 1,74 1,86 2,09
está no fato de, ao ser aumentado o 1
Dados obtidos de Cullity (1978).

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ríamos as espectroscopias Zeke e
EXAFS). O conceito físico e químico bem
compreendido é a base para que pos-
samos ser capazes de lidar, apreender
e compreender os avanços tecnológicos
e os utilizarmos de forma eficaz e efi-
ciente.
Agradecimentos
À FAPEMIG, à CAPES e ao CNPq
por apoiar nossas pesquisas com auxí-
lios financeiros e bolsas de pós-gra-
duação.

Hélio Anderson Duarte (duarteh@ufmg.br), mestre em


Química pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e doutor em Química pela Universidade de
Montreal (Canadá), é docente do Departamento de
Química da UFMG.
Figura 3: Densidade de probabilidade radial dos orbitais atômicos 1s, 2s e 3s.
Referências bibliográficas
demonstra que os elétrons mais exter- XPS decresce tendendo a um patamar,
nos contribuem para o fator de blinda- demonstrando assim que elétrons em ALMEIDA, W.B. de; SANTOS, H.F. dos;
ROCHA, W.R. e Duarte, H.A. Modelos
gem do elétron no orbital 1s em relação camadas mais externas blindam menos,
teóricos para a compreensão da es-
à carga nuclear, contrariando a 2a regra por terem uma probabilidade menor de trutura da matéria. In: AMARAL, L.O.F. e
de Slater. Ou seja, o elétron no orbital serem encontrados próximos ao núcleo. ALMEIDA, W.B. de (Eds.). Cadernos Te-
1s sente uma carga nuclear menor do Enfim, as regras de Slater e suas modi- máticos de Química Nova na Escola (Es-
26 que o equivalente ao seu número atô- ficações nos oferecem uma forma quali- trutura da matéria: uma visão molecular),
mico pelo fato dos elétrons em cama- tativa e limitada para estimarmos o fator n. 4, p. 6-13, 2001.
das mais externas terem uma proba- de blindagem. Entendemos que uma vi- BARROS, H.L.C. Química Inorgânica
bilidade de serem encontrados mais são qualitativa e conceitualmente correta - Uma introdução. Belo Horizonte: SE-
próximos do núcleo. A Figura 4 mostra da estrutura eletrônica dos átomos per- GRAC, 1995.
BRINK, C.P. The use of effective nuclear
que a diferença em termos percentuais mite aos alunos vislumbrarem de forma
charge calculations to illustrate the rela-
entre o modelo de Bohr e os dados de mais ampla as conseqüências do mode- tive energies of ns and (n-1)d orbitals. J.
lo atômico atual pro- Chem. Educ., v. 68, p. 377-378, 1991.
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Química Quântica. tion. 2ª ed. Menlo Park: Addison-Wesley,
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çados de análise STREEB, A.E.; TROSKY, J.E. e PEAR-
SON, J.J. Screening percentages based
Figura 4: Energia do orbital 1s como função do número atômico que vêm sendo de- on Slater effective nuclear charge as a
estimado pelo modelo de Bohr (eq. de Rydberg) e por dados de senvolvidos ao lon- versatile tool for teaching periodic trends.
espectroscopia de raios X. A diferença relativa entre os dois go dos últimos anos J. Chem. Educ., v. 78, p. 635-639, 2001.
modelos (em %) é mostrada no gráfico. (como exemplo cita-
Abstract: Effective Nuclear Charge and its Consequence for the Comprehension of the Electronic Structure of Atoms – The concepts of screening factor and effective nuclear charge are generally invoked
to explain the electronic structure of atoms and periodic properties in chemistry introductory courses at the university level. Slater rules and, more recently, the concept of percent screening have been used
in a semi-quantitative form to estimate the screening factor and to relate it to the periodic properties. Experimental data such as successive ionization potentials and data from X-ray photoelectron
spectroscopy (XPS) allow advances in the understanding of the screening factor. In this paper, it is shown that these data correlate very well the atomic number, Z, as predicted by Bohr’s atomic model.
Nevertheless, the data demonstrate that electrons in the outermost shells are capable of screening the more internal electrons from the nucleus, in disagreement with Slater’s 2nd rule. Thus, the
probabilistic character of quantum chemistry and the interpenetration of the wave functions are highlighted. From Bohr’s model, it is possible to estimate the effective nuclear charge from the experimental
data. The consequences of an approach with emphasis on the concept of atom and its electronic structure for the comprehension of new techniques and technologies are briefly discussed.
Keywords: effective nuclear charge, screening factor, electronic structure

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