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Controvérsias na Ortodontia

Tracionamento dentário: mitos,


coincidências e fatos - Parte II
Este procedimento provoca anquilose alveolodentária?
por Alberto Consolaro

O tracionamento tem como finalidade redirecionar Na raiz formada do dente não irrompido os Restos
a trajetória eruptiva e auxiliar, ou até substituir, a força Epiteliais de Malassez (REM) liberam o EGF e estimula
eruptiva do dente não irrompido. constantemente a reabsorção óssea periodontal, manten-
A posição intra-óssea do dente está condicionada do o espaço periodontal, sua principal função. Esta rede
pela posição original do germe, cronologia e seqüência epitelial dos REM faz parte da estrutura periodontal. Sem
de erupção, tamanho do maxilar, vetores de crescimen- função o ligamento periodontal pode atrofiar-se com
to, relação de proximidade com os demais dentes e do redução do espaço periodontal e REM mais delicados e
funcionamento harmonioso dos genes esparsos. O osso alveolar pode em alguns
relacionados à posição e demais caracte- pontos se aproximar e soldar-se ao dente
rísticas dentárias. iniciando um processo de anquilose alve-
A “força” eruptiva corresponde ao olodentária que apenas muito mais tarde,
conjunto de movimentos que o germe quando muito bem evoluída se revelará
executa desde a sua cripta inicial até radiograficamente.
quando boa parte da sua raiz já está Outro detalhe importante: se no tracio-
formada e o dente localizado no plano namento for aplicada uma força despropor-
oclusal. cional haverá rompimento do ligamento
Para estes movimentos acontecerem o periodontal como na luxação e na avulsão.
folículo pericoronário libera mediadores Não podemos confundir: tracionamento
que induzem as células ósseas à reabsor- não lesa o ligamento, se isto acontecer o
ção. No ápice, provavelmente, a bainha correto é chamarmos este procedimento de
de Hertwig faz o mesmo papel liberando subluxação, luxação ou avulsão.
mediadores para a reabsorção óssea peria- Concluindo: tracionamento provoca
pical dar lugar à formação radicular. O anquilose alveolodentária? Não. A anqui-
dente assim se aproxima cada vez mais lose se diagnosticada durante o traciona-
da mucosa bucal. mento pode ser assim interpretada: 1) ela pré-existia por
O folículo pericoronário tem uma exuberante estrutu- atrofia do ligamento ou traumatismo dentário prévio e
ra epitelial representada pelo epitélio reduzido do esmalte, ainda não aparecia radiograficamente; 2) no procedimento
além de cordões e ilhotas deixadas “propositadamente” cirúrgico ou na aplicação da força houve subluxação ou lu-
pela fragmentação da lâmina dentária durante o seu desa- xação com rompimento focal ou total do ligamento perio-
parecimento. Este epitélio libera o Fator de Crescimento dontal; 3) houve manipulação excessiva da região cervical
Epidérmico – EGF – que inicia a cascata de eventos que com eliminação indevida dos tecidos moles pericoronários
resulta na reabsorção óssea pericoronária com inúmeros durante a cirurgia para colagem do braquete.
outros mediadores envolvidos. O tracionamento dentário planejado adequadamente
No tracionamento dentário se não se obter 1,5 vez a com espaço para o dente e seu folículo e realizado com
distância mesiodistal da coroa do canino, por exemplo, forças adequadas deve ser comparado com o movimento
pode aplicar uma grande força que o dente não chegará dentário normal, especialmente com a extrusão, desde
no seu lugar no arco dentário. O tracionamento não terá que também não se confunda extrusão com avulsão ou
sucesso se não for para colaborar com o “motor” da erup- luxação.
ção, ou seja, o folículo pericoronário. Para um carro ser
tracionado, o motor deve ir junto, o mesmo deve ocorrer Prof. Dr. Alberto Consolaro
com o dente não irrompido, deve haver espaço para o Professor Titular em Patologia Bucal pela Faculdade de Odontologia
folículo pericoronário. de Bauru - FOB-USP - e-mail: alberto@fob.usp.br

100 • R Clín Ortodon Dental Press, Maringá, v. 2, n. 6, p. 100 - dez. 2003/jan. 2004

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