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06/07/2004

Como comer corretamente é mais relevante do que o que comer


Por que italianos são mais esbeltos que americanos se eles comem muito mais massa?

Giuliano Hazan
Especial para The New York Times
Em Verona, Itália

Acabo de receber uma nova turma de alunos, aqui em Verona, porta de entrada para a
região do vinho Valpolicella, no sopé pitoresco das Dolomitas.

A tarefa diante deles é deliciosa: aprender a arte culinária italiana. Que maior prazer do
que preparar -e comer- um risoto com trufas, macarrão com cogumelos, tortelloni feito em
casa, recheado de ricota e espinafre?

Como seu professor e guia culinário, tenho a boa sorte de ter tido pais que fomentaram
minha paixão pela cozinha e pelo bem comer. Algumas das minhas lembranças prediletas
são das horas passadas na cozinha com minha mãe. Ficava na frente do fogão com ela e
mexia o risoto cuidadosamente -uma coisa que minha filha de cinco anos hoje faz ao meu
lado. Na Itália, cozinhar e comer não são obrigações, mas dádivas da vida que nutrem a
alma, além do corpo.

Infelizmente, de acordo com os fãs da mania do baixo consumo de carboidratos que está
varrendo os EUA, o cenário gastronômico italiano equivale a um campo minado. Nossa
dieta de macarrão, arroz e uma abundância de frutas e vegetais está carregada com os
temíveis carboidratos.

Então por que os italianos pouco ligam para a mais recente obsessão dietética
americana? Primeiro, porque a simples idéia de abdicar do macarrão seria causa de
depressão profunda para um italiano. Eu sofro de abstinência se passar mais de quatro
ou cinco dias sem.

E por que o número de americanos obesos continua a aumentar a um ritmo alarmante,


enquanto a percentagem de pessoas com excesso de peso aqui é metade da encontrada
nos EUA?

Afinal, esses homens italianos esbeltos, sem barriga, e mulheres com silhueta de
ampulheta estão sentados em restaurantes comendo macarrão, polenta e pão.

Não são os carboidratos -ou o próximo grupo alimentar insuspeito a ser atacado- que nos
tornam obesos. É nosso relacionamento com a comida e nosso estilo de vida. Em outras
palavras, como nós comemos é tão importante -se não mais- quanto o que nós
comemos.

Talvez essa seja a principal aula de culinária. Em geral, os italianos comem com calma.
Muitas empresas na Itália ainda fecham no meio do dia por três horas, para permitir um
almoço tranqüilo. O horário da refeição em família é sagrado.

Cozinhar para a família torna-se um ato de amor. As refeições são um tempo para
conversar e reforçar os laços familiares. A antítese do estilo italiano de comer é o "fast-
food" e "comer correndo", onde pouca atenção é dada ao que está sendo consumido e
quanto mais rápido terminar melhor.
Há também um benefício fisiológico de se comer mais lentamente: o corpo sente que o
alimento chegou ao estômago e desliga a sensação de fome, antes que a pessoa coma
demais.

Os italianos também tendem a ter vidas menos sedentárias. Andar é uma necessidade
não só nas metrópoles, mas também nas pequenas cidades, onde os carros, em geral,
são proibidos no centro. Muitas pessoas moram em vielas para pedestres, e os
elevadores normalmente são encontrados somente em arranha-céus.

Acima de tudo, o tamanho das porções na Itália é indubitavelmente menor do que nos
EUA.

De acordo com uma pesquisa patrocinada pelo Sindicato de Produtores de Macarrão da


Itália, mais da metade dos italianos entrevistados come macarrão todos os dias. Mas o
macarrão geralmente é apenas um de vários pratos em uma refeição italiana típica.
Então, apesar de o consumo per capita de macarrão na Itália ser quatro vezes o dos
EUA, os italianos em geral comem menos em uma refeição do que os americanos, que
tendem a comer o prato apenas uma ou duas vezes por semana.

A tendência nos EUA parece ser inevitavelmente de porções cada vez maiores. Sugerir
que mais e maior não é melhor parece anti-americano.

Quando eu era criança, na Itália e depois em Nova York, eu me lembro que uma garrafa
de um litro de Coca-Cola durava na geladeira. Eu e meus pais demorávamos quase uma
semana para tomá-la. Agora, uma Coca de 1 litro é uma dose individual.

E quando minha mãe veio me visitar da Itália, há muitos anos, saímos para comer em um
restaurante em Nova York. Ela foi servida primeiro e ficou chocada com a quantidade de
comida, no prato colocado a sua frente. Então, ela entendeu: "Ah", disse ela, "eu devo
servir a todos?"

Não devemos esquecer que os maus hábitos começam na infância. Os cardápios infantis
nos restaurantes americanos parecem compostos de fritura, hambúrguer, galinha frita e
macarrão com queijo (que minha filha insiste em dizer que não é macarrão). Os
restaurantes argumentarão que é isso que os jovens gostam.

A verdade é que isso é o que os pais estão ensinando os filhos a comer. Certa vez, em
um restaurante japonês, uma família sentada na mesa ao lado da nossa ficou
impressionada enquanto nossa filha apreciava seu sushi de enguia. Eles disseram que
nunca teriam considerado oferecer isso ao seu filho, em vez de pedir o cardápio infantil.

Na Itália, não há cardápio infantil, mas oferecem-se meias porções com prazer. Você
ficaria surpreso com o que alguns restaurantes nos EUA também se dispõem a fazer.

A busca dos americanos pela dieta milagrosa gerou uma série estonteante de
mensagens contraditórias. Parece que nenhum grupo alimentar sairá ileso, já foi o sal, a
gordura e agora os carboidratos.

Talvez estejamos mais próximos do que pensamos de encontrar advertências em nossa


comida, dizendo que "comer pode ser perigoso à saúde". Isso seria realmente muito
triste, pois nada está mais longe da verdade.

Comer com moderação realmente é a melhor dieta. Quanto mais ensinarmos nossos
filhos a apreciar a boa comida e o prazer que se pode extrair de comer tranqüilamente
junto como família, menos provavelmente sentiremos a necessidade de fazer mil dietas.
Saborear uma boa refeição simplesmente nos faz sentir bem. A comida não deve ser
temida. Deve ser uma fonte de prazer e bem estar.

Então, doure um pouco de alho em azeite de oliva extra-virgem, acrescente tomates


frescos sem casca, cozinhe por 15 a 20 minutos; adicione folhas de manjericão fresco e
misture com o espaguete. Depois, sente-se com sua família e aprecie um dos simples
prazeres da vida.

Giuliano Hazan é instrutor de cozinha e autor de "Every Night Italian".

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