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AUTONOMIA
E O
DEVE E O HAVER DAS FINANÇAS DA MADEIRA
ALBERTO VIEIRA
Durante largos anos a Madeira foi despojada de quase
totalidade dos seus rendimentos enviando milhares de
contos, e não recebendo o mais insignificante melhoramento.
Aquele povo bondoso e trabalhador foi objecto da mais torpe
exploração . Assim, privado de escolas, sem estradas, sem
águas de irrigação, sem a menor comodidade, tem arrastado
uma vida miserável de trabalho e sacrifício. Sem orientação,
sem plano, sem a menor provisão a economia da Madeira foi
abandonada aos acasos da sorte (...) e não há solo mais
produtivo nem produtos mais preciosos, nem terra mais linda,
nem clima mais benigno; tudo quanto dependia da natureza
ali está na sua expressão mais sublime; todo o mal que ali
existe é só obra de homens.
A História da Autonomia, tal como hoje a entendemos, é recente mas rica em motivos e
situações que fortalecem o actual combate político. Todavia, o sentimento de auto-governo
parece ser ancestral e nascido à chegada dos primeiros povoadores. A barreira geográfica, as
dificuldades e forma tardia da resposta das autoridades centrais contribuíram para alicerçar o
sentimento autonómico. É certo que ele só ganhou a verdadeira dimensão política com a
revolução liberal, mas será injusto ignorar o combate dos que o precederam nas centúrias
anteriores. A partir de então a leitura do discurso histórico da autonomia, expresso em jornais
e panfletos, confunde-se muitas vezes com a questão financeira, do relacionamento entre a
metrópole e a região, da gestão e aplicação da riqueza.
Os dados que o presente estudo disponibilizará à opinião pública podem e devem contribuir
para uma reavaliação das opiniões vigentes sobre as relações financeiras do Estado para com a
região. A ideia de uma ilha espoliadora dos meios financeiros do estado, que ganhou forte
expressão em alguns sectores da sociedade e da política, deverá ser agora confrontada com a
realidade nua e crua dos dados estatísticos até 1974. A conjuntura dos últimos anos da
autonomia aguarda igual compilação para que as evidências possam rapidamente desfazer as
falsas ilusões que dominam o debate político ao nível financeiro.
A economia colonial foi motivo de estudo mais acentuado a partir de Adam Smith, mas foi
com Marx que ganhou maior evidência. Aliás, para a escola marxista a valorização da teia de
relações entre a metrópole e as colónias foi e continua a ser um dos motivos mais destacados
de interesse. Este tipo de relações tem expressão na pilhagem da riqueza colonial em favor do
desenvolvimento da metrópole. A isto junta-se a dependência mercantil e a política financeira
com o estabelecimento da moeda fraca nas colónias e forte na metrópole. Qualquer das
situações não se afasta do percurso económico madeirense nos últimos cinco séculos. A
definição de uma economia colonial assenta na sangria quase total das despesas e num
reduzido ou quase nulo investimento que não seja vocacionado para apoiar a extracção da
riqueza.
O debate político cola-se por vezes à História na busca das razões que fundamentem tal
relacionamento institucional. E neste caso mantém actualidade o relacionamento da ilha
com o continente europeu, uma relação colonial que só poder dos liberais viu acabar em
completa ruptura com o passado. Na verdade, até então a Madeira merecia um tratamento
idêntico ao demais espaço colonial. Aliás, estava sob a mesma alçada do conselho
Ultramarino (1643-1833). Note-se que nas páginas do Patriota Funchalense, o bastião da
liberdade de opinião, reclamava-se contra o tratamento de colónia feito pelos “mandões de
Lisboa”. Deste modo desde 1832 a ilha deixou de ser uma colónia, passando a província
administrativa, igual às demais do continente. A Reforma de Mouzinho da Silveira é o corte
radical com o passado pelo menos em termos jurídicos, o que não implica que no plano real
esse tipo de relacionamento se tenha mantido até 1974.
A História da Autonomia confunde-se com a do devir histórico da ilha e, até à sua afirmação
em 1976, ganhou plena expressão nos momentos de crise e de forte agitação política. Os
momentos ímpares do debate político, propiciado pela revolução liberal, encontram-se com o
movimento republicano e revolta da Madeira. A partir daqui poderemos definir quatro
momentos que corporizaram a sua plena afirmação:
1. autonomia adormecida(1420-1820)
2. autonomia reivindicada(1820-
1926)
3. autonomia adiada(1926-74)
4. autonomia vivida(1974 - )
Não obstante a existência de alguns estudos esparsos ainda está por fazer a História da
Autonomia. É um objectivo que deve estar no horizonte das nossas preocupações. Mas este
não será o momento para preencher tal lacuna, uma vez que aquilo que agora nos ocupa é a
abordagem das questões financeiras, de acordo com o processo evolutivo do movimento
autonómico, de forma a perceber-se como estas influenciaram o debate político. A compilação
dos dados estatísticos referentes à receita e despesa deverá ser enquadrado no debate político
onde a questão financeira esteve sempre presente.
Nos últimos dois anos, o pouco tempo disponível, foi utilizado para proceder à recolha
incidindo-a nos séculos XIX e XX, momentos em que as exigências da Estatística facilitam a
nossa tarefa. Os dados agora disponibilizados são o primeiro resultado desta árdua tarefa e
contemplam apenas uma ínfima parte dos anos em estudo. O quadro que se segue é revelador
do actual estádio de desenvolvimento dos nossos trabalhos e, diga-se, tudo o que depois se
afirma tem por base isto. Mais uma vez recorda-se que o texto que aqui se apresenta não é um
trabalho acabado mas sim a primeira etapa de um projecto que esperamos a seu tempo
concluir. A tentativa de reconstituir até à exaustão será a cruz que acompanhará o nosso actual
e próximo percurso na investigação histórica.
receita
100%
despesa
50%
0%
XV XVI XVII XVIII XIX XX TOTAL
Este episódio revela o vigor demonstrado pelos madeirenses na defesa dos seus interesses tem
e pode ser reafirmado no papel do senado da câmara do Funchal. Na verdade, a Madeira era
desde 1433 um espaço fora do controle da coroa, dependendo do Mestrado da Ordem de
Cristo e tendo o Infante D. Henrique como senhor. O infante D. Henrique, como senhor da ilha
recebia um tributo de 1.500.000 reais, isto é 40,54% do total dos réditos da sua casa senhorial.
João de Barros refere que o mestrado da Ordem de Cristo auferia da ilha anualmente mais de
sessenta mil arrobas de açúcar. Todavia, esta riqueza estava na mira da coroa pelo que D.
Manuel, que também foi senhor da ilha, deu a machadada final no processo de auto governo
dos madeirenses ao proceder em 1497 à “nacionalização” da Madeira. A carta régia que faz a
ilha realenga, revertendo toda a riqueza para a coroa, é clara quanto ao peso económico nas
finanças do reino: "he huma das principaes e proveitozas couzas que noz, e real coroa de nosso
reynos temos para ajudar, e soportamento de estado real, e encargos de nossos reynos". Esta
ideia da ilha perdurou por muito tempo de modo que em 1836 ainda continuava a afirmar-se
“que é uma das mais preciosas jóias da coroa de Vossa Majestade”.
A partir de finais do século XV toda a riqueza gerada na ilha deixou de pertencer ao senhorio e
passou para o usufruto da coroa, indo a tempo de financiar as grandes viagens oceânicas e a
despesa excessiva da Casa Real. Também, a partir daqui é evidente que a Madeira perdeu a
capacidade reivindicativa perante a coroa. O centralismo régio está patente na submissão e
pronto acatamento pela vereação de todos os regimentos e decretos régios. O arquipélago foi
uma fonte importante de receita para travar o endividamento do reino e manter a opulência da
casa senhorial e real. Nos séculos XV e XVI o principal sorvedouro de dinheiro dos novos
espaços recém descobertos e ocupados era a Casa Real, a carreira da Índia e as praças
marroquinas. Apenas entre 1445 e 1481 os gastos da coroa em dotes e casamentos suplantaram
as 812.500 dobras, enquanto que nas guerras com Castela se despenderam 336.000 e na defesa
das praças marroquinas o valor atingiu as 378.000 dobras. Entretanto, no período de 1522 a
1551, as despesas com a perda das naus da carreira da Índia, por naufrágio ou corso, atingiram
352.150 dobras. Este elevado encargo só poderia ser coberto com as receitas arrecadadas nas
ilhas e novos espaços coloniais. E aqui quando ilha é quase sempre sinónimo da Madeira.
É evidente que durante o século XV e primeiro quartel do seguinte a principal fonte de receita
do mundo português estava no açúcar madeirense. As receitas advinham dos direitos lançados,
como o quarto e o quinto, e do comércio do açúcar apurado. No entanto os dados financeiros
disponíveis não evidenciam de forma clara esta situação. Perderam-se os livros de contas, mas
os poucos disponíveis não nos atraiçoam quanto ao volume de negócios em favor da coroa.
Primeiro, o senhorio e depois orei oneraram o produto com diversas tributações que
conduziram a que amealhassem elevadas quantias que usavam em benefício próprio, no
pagamento de tenças, esmolas, empréstimos e dívidas. O açúcar da coroa em 1494 foi de
80.451 arrobas de açúcar que despendeu da seguinte forma:
Redízima do capitão 12%
Duque, como senhor da ilha 7%
Tenças, mercês e presentes 4%
Desembargos 66%
Para o período de 1501 e 1537 o dispêndio de 29.696 arrobas de açúcar do almoxarifado dos
quartos teve o seguinte destino:
Reposte 37%
Padrões 14%
Esmolas 34%
Diversos 15%
No primeiro registo das receitas do reino e possessões, datado de 1506, a Madeira surgia
com o valor mais elevado das comparticipações dos novos espaços insulares. Esta situação
manteve-se até 1518 mas em 1588 era já evidente a valorização do mercado açoriano.
RECEITAS
1506
Colonias
54,9%
Madeira
5,3%
Açores
0,5%
Reino
39,3%
Até a década de trinta do século XVI os reditos fiscais resultantes da produção e comércio do
açúcar asseguravam parte importante das fontes de financiamento do reino e projectos
expansionistas. Este rendimento em finais do século XV e princípios da centúria seguinte era
superior a cem mil arrobas, atingindo em 1512 as 144.065 arrobas, o que corresponde a
45.380.475 reais. Este açúcar, depois de retirada a redizima, isto é, a décima parte que era
propriedade do capitão do donatário, era utilizado pela coroa de formas diversas, como meio
de pagamentos dos salários, esmolas aos conventos (Santa Maria de Guadalupe, Jesus de
Aveiro, Conceição de Braga) e misericórdias (Funchal, Lisboa, Ponta Delgada), benesses a
príncipes e infantes da Casa Real e despesa aduaneira da ilha, enquanto a parte sobrante era
vendida, directamente em Flandres pelos feitores do rei, ou por mercadores, por vezes, a troco
de pimenta. A sua aplicação na ilha era eventual, resumindo-se às despesas eventuais como a
construção da Sé e alfândega do Funchal, que receberam, respectivamente, 1.000 e 3.000
arrobas de açúcar. Neste grupo, mas com um carácter quase permanente, poder-se-á incluir o
pagamento dos inúmeros pedidos de socorro e abastecimento das praças marroquinas, o
provimento das armadas da Índia, por norma, em vinho. Sobre as assíduas despesas com o
socorro às praças africanas podemos citar, a título de exemplo, o concedido entre 1508 e 1514
a Safim. Neste período gastaram-se mil arrobas de açúcar e 83.815 reais, enquanto em 1531 o
provimento de vinhos as armadas da Índia orçou em 124.490 reais.
Em 1529 com o Tratado de Saragoça foi encontrada uma solução provisória que a curto prazo
parecia agradar a ambas as partes. D. João III viu-se forçado a pagar 350.000 ducados para
assegurar a posse das Molucas que afinal se encontravam dentro da área de influência de
Portugal. Mais uma vez é possível assinalar uma ligação à Madeira, pois terá sido, segundo
alguns, o madeirense António de Abreu o primeiro explorador. Por outro lado os madeirenses
contribuíram com avultada quantia de empréstimo para o pagamento do referido contrato.
Manuel de Noronha ficou com o encargo de arrecadar a contribuição madeirense. João
Rodrigues Castelhano é referenciado também como recebedor do referido empréstimo, tendo
desembolsado da sua fazenda 300.000 reais. A este juntaram-se Fernão Teixeira com 150.000
reais e Gonçalo Fernandes com 200.000 reais. O pagamento fez-se nos anos de 1530-31 à
custa dos dinheiros resultantes dos direitos da coroa sobre o açúcar.
Os dados fiscais de 1531 permitem uma ideia da evolução da receita e despesa da ilha. Os
réditos sobre as rendas do açúcar foram de 6.990.573 reais de que se gastaram 10% nos
vencimentos do clero da capitania do Funchal e 7% no pagamento do empréstimo que João
Rodrigues Castelhano a Coroa para pagar o contrato das Molucas. Mais de cinquenta por cento
das receitas iam directamente para o reino a engrossar os cofres da Fazenda Real. A partir
desta informação, ainda que avulsa, conclui-se que os madeirenses foram activos protagonistas
da expansão lusíada dos séculos XV e XVI emprestando a própria vida e reditos, arrecadados
com a safra do açúcar, no financiamento deste projecto e das exorbitâncias e caprichos
quotidianos da Casa Real.
O primeiro monarca a definir as regras rudimentares do orçamento foi D. Manuel, pelo que o
primeiro e mais rudimentar orçamento que se conhece data de 1526. De acordo com os dados
disponíveis as receitas fiscais orçaram em 166.347.611 reais, sendo 12.000.000 (= 7,2%)
referentes apenas a Madeira, que conjuntamente com as demais possessões fora da Europa
totalizavam 37.630.000 (= 23%). A cidade de Lisboa, que apenas arrecadava 5% das receitas,
absorvia 17% das despesas, o que implicava o financiamento externo com o recurso aos
réditos arrecadados noutras províncias nomeadamente na Madeira, Açores e Costa da Guine.
20
0
1506 1518-19 1588
A Madeira, na primeira metade do século XVII, enfrentou dificuldades económicas que se
reflectiram nas fianças públicas. Deste modo a fonte de receitas transferiu-se para as demais
possessões e mesmo os Açores atingem valores mais elevados que a Madeira. A situação
vinha evoluído neste sentido desde o ano de 1588. O quadro financeiro do ano de 1607
revela a precária situação das finanças madeirenses conduzindo a que a despesa
representasse 94% da receita, o que correspondeu ao valor mais elevado. Mesmo assim a
despesa não suplanta 1,5% do total. Já em 1619 é evidente a recuperação económica da ilha
subindo o saldo para os cofres do reino a 5,9%.
100,00%
80,00%
saldo
60,00%
despesa
40,00% receita
20,00%
0,00%
1607 1619
Um dado abonador desta nova situação está no facto de Francisco Rodrigues Vitória ter
contratado em 1602 a arrecadação da receita da ilha por 21.400$ réis, 1072 arrobas de
açúcar e 2 arrobas de cera. No quadro das ilhas a Madeira continuava a apresentar uma
posição destacada mas os Açores assumem a posição cimeira no quadro das ilhas. Por outro
lado nas terras ultramarinas afirmam-se em definitivo como a principal fonte de receita.
Aqui, a Índia assume uma posição cimeira. Assinala-se de novo que, em qualquer dos
casos, a despesa é muito diminuta, porque também a estrutura administrativa não era muito
pesada.
EVOLUÇÃO DAS RECEITAS NAS ILHAS. 1607-1681(em milhares de reis)
Madeira Açores C. Verde
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1607 1619 1620 1681
Se atendermos apenas à participação madeirense na receita da coroa no decurso dos séculos
XVI e XVII somos confrontados com uma forte intervenção, tendo em conta a superfície, que
se articula de forma directa com as condições económicas da ilha. Assim, o açúcar foi o
principal gerador de um forte excedente de riqueza que diminuiu de forma espectacular com a
crise do século XVII.
0
1506 1518 1526 1580-88 1607 1619
Perante este quadro somos forçados a afirmar que a partir do século XVI os dados estatísticos
revelam-nos que Portugal tinha a principal fonte de riqueza nas ilhas e possessões
ultramarinas. Apenas a conjuntura resultante da união dinástica na década de oitenta conduziu
a uma quebra acentuada da receita das colónias. Em qualquer das circunstâncias os novos
espaços gerados com os descobrimentos revelam-se em todos os momentos dos séculos XVI e
XVII como a mais valia e principal fonte de financiamento.
40
20
0
1506 1518 1588 1607 1619
A Madeira, como centro gerador da riqueza do reino e a forma colonial da administração, não
passou despercebida aos locais e visitantes. No século XVIII a promoção do comércio do
vinho veio a gerar de novo elevada riqueza e a ilha parecia querer regressar aos velhos tempos
da opulência açucareira. É dentro desta ambiência que James Cook refere em 1768 que a coroa
arrecadava na ilha 20.000 libras por ano, mas poderia dar o dobro se estivesse nas mãos de
outro povo. Outro súbdito inglês em 1827 apontava o destino desta receita: "o rei pagava todas
as despesas das legações no estrangeiro [isto antes de 1820] com o excedente dos seus
rendimentos da Madeira. Todos os anos era transferida para Londres com esse fim uma
quantia de 50 a 80.000 Libras." O contraste entre esta crescente riqueza que todos os anos
enchia os cofres do reino e as condições cada vez mais precários da população madeirense é
evidente. Paulo Dias de Almeida, enviado à ilha para proceder ao estudo da defesa e rede
viária, foi confrontado com esta triste realidade e não hesitou em exclamar: “Esta colónia, que
já em quatro séculos, e tanto avulta nos reais cofres (quem o diria ?)...”.
As mudanças políticas tão pouco solucionaram as ancestrais questões pelo que em 1847 o
então governador José Silvestre Ribeiro ao debater-se com uma grave crise económica vê-
se impotente para a solucionar, pois “he mister ponderar que este governo civil he um
governo subalterno a quem falta aquela latitude de resolução que compete ao governo da
nação.” O combate político de finais do século XIX e princípios do seguinte avivou os ideais
autonómicos e conduziu a uma mudança com a atribuição da autonomia administrativa por
carta de lei de 12 de Junho de 1901. Mas esta evolução do quadro político não fez esmorecer o
debate político. A 1 de Novembro de 1921 escrevia-se no Diário de Notícias que “a nossa
completa e absoluta autonomia devendo a bandeira ser a única ligação com a mãe pátria” e em
20 de Setembro de 1924 voltava-se a afirmar no mesmo diário que “é preciso que os
madeirenses unidos pelo mesmo pensamento, façam ver de um modo irrecusável aos
governos de Lisboa, que são mais alguma coisa de que matéria colectável.(...)O povo da
Madeira é um povo livre, (...)não é escravo, nem burro de carga”.
imposto 3,8 % 1,9 1,7 12,5 3,1 2,0 17,0 2,1 9,33 13,4 1,3
despesa 0,5% 0,7 0,2 0,1 0,1 0,2 0,2 0,1 0,3 3,2 0,4
15 Receita despesa
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
1971- 1961- 1951- 1941- 1931- 1921- 1911- 1901- 1891- 1881- 1871- 1861- 1851- 1841- 1831-
74 70 60 50 40 30 20 10 00 90 80 70 60 50 40
Salazar, primeiro Ministro das Finanças e depois Presidente do Conselho, foi o exemplo
mais evidente de uma intervenção “forreta” do Estado para a região. Em 1935 manifestou-
se contra as vozes que apontavam a ilha como filha enjeitada do Estado e dirigia o dedo
acusador aos seus apaniguados que defendiam a autonomia administrativa e financeira
dizendo que “A autonomia não é a autonomia de gastar mas a de administrar um património
ou uma receita, tirando de um ou da outra o maior rendimento”. Estas palavras iam directas
a alguns sectores políticos madeirenses que anos antes haviam sido envolvidos no fervor do
combate autonómico e que agora estavam do seu lado. De entre estes destaca-se Manuel
Pestana Reis, o autor do manifesto autonomista dos anos vinte. Mesmo assim, ao contrário
do que fazia crer o então Ministro das Finanças, as despesas resultantes das revoltas de
1931 e 1936 não se fizeram sentir de forma evidente na despesa do Estado no arquipélago
houve mesmo uma redução em relação à década anterior. Deste modo não se justificava o
adicional às contribuições industriais e prediais estabelecido para o ano económico de 1937
com o fim de colmatar a despesa de manutenção da ordem pública, face à revolta do leite.
Só temos os dados completos para o ano de 1931 que, quando confrontados com os demais
anos, não espelham qualquer alteração à média.
Apenas em três anos(1942, 1963 e 1967) se inverte a situação, sendo o saldo negativo.
Todavia este só assume significado em 1942 altura em que a diferença é de seis mil contos.
Se nos detivermos na análise dos dados dos orçamentos do estado, enquanto Salazar foi
Ministro das Finanças(1928-30, 1932-33, 1933-34, 1934-36, 1936-40) seremos levados a
afirmar que o mesmo não via com bons olhos a aplicação da despesa na ilha, esta não
ultrapassou mais de 29% da receita. Por outro lado este valor é insignificante no total dos
orçamentos, ficando quase sempre abaixo de um por cento. A única excepção à regra é o
ano económico de 1929-30 em que os encargos do Estado chegam a 1,8%. Os dados
apresentados dão a entender que Marcelo Caetano(1968-74) melhorou a situação mas
atingindo-se 32%, mas é necessário chamar a atenção para as faltas da receita para os anos
de 1968 e 1969.
0 1925-26
Se Salazar não deverá merecer o apreço dos madeirenses o mesmo já não deverá ser dito de
outros ministros do Estado Novo. Estão nestes caso os tão conhecidos ministros do Interior
António Manuel Gonçalves Rapazote (1968-73) e César Henrique Moreira Baptista (1973-
1974), uma vez que o ministério do Interior durante a sua chefia surge com a percentagem
mais elevada da despesa em favor da Madeira dos orçamentos do século XX. Mas sem
dúvida aqueles governantes da história recente merecedores do nosso apreço são os Duques
de Saldanha (1851-56) e Terceira (1859-60), António Maria Fontes Pereira de Melo (1871-
77 e 1878-79) e o Marquês de Ávila (1877-78) em cujos governos se atingiram valores
mais elevados com os Ministérios da Guerra e Justiça.
DESPESA 1831-1974
TO TA L M AD E IR A
1 E + 10
1 E + 09
1 E + 08
1 0 0 00 0 0 0
1 0 0 00 0 0
1 0 0 00 0
1 0 0 00
O gráfico da despesa orçamentada revela que o estado não foi pródigo nas transferências
financeiras para a Região e revelou uma posição marcadamente colonial, sonegando à ilha a
aplicação local da riqueza gerada, uma vez que a quase totalidade das verbas foram utilizadas
como despesas correntes. As despesas de investimento surgem de forma precária com os
Ministérios do Reino (1843-53), Obras Públicas (1853-1911, 1947-74), Fomento (1912-18),
Comércio e Comunicações (1918-1974). Este investimento está orientado para a área das
comunicações (66,70%), sendo menor no domínio nas áreas da educação e agricultura. O
resultado disto está no elevado analfabetismo e na permanente sangria do mundo rural com a
emigração.
Os valores referentes ao século XIX demonstram que o investimento do Estado na região foi
fraco, pois quase todo o dinheiro era canalizado para rubrica de despesas correntes. A situação
inverte-se no século XX, mas deve ser apenas resultado da evolução do sistema administrativo
resultante da autonomia administrativa a partir de 1901. Deste modo, a Junta Geral ficou com
o encargo de importantes ónus financeiros que compreendia a despesa corrente de
funcionamento de parte significativa das estruturas do Estado na região, faltando-lhe para
desenvolver infra-estruturas. Neste pesado fardo incluíam-se os encargos com os salários dos
funcionários e professores, pois só em 1971 estes passaram para a alçada do Estado. A
reforma de 1928 fez aumentar o pesado encargo das despesas correntes da Junta, uma vez que
esta passou a superintender os serviços dos ministérios do Comércio e Comunicações,
Agricultura e Instrução, do Governo Civil, policia cívica, saúde publica, assistência e
previdência, que estiveram dependentes dos ministérios do Interior e Finanças.
100%
40%
20%
0%
XIX XX
A relação entre a receita e a despesa revela, em qualquer das duas últimas centúrias, uma
situação desfavorável para a Madeira fazendo jus ao subdesenvolvimento a que a região foi
votada pelo Estado. O esforço contributivo da região no período do Estado Novo não foi
devidamente recompensado com o investimento. Mesmo assim é neste período que tivemos
a maior incidência e preocupação do Estado no investimento reprodutivo, com alguns
empreendimentos vultuosos, como o porto, o aeroporto e os aproveitamentos
hidroeléctricos e hidro-agrícolas.
SALDO RECEITA DESPESA
100
80
60
40
20
0
1881-90 1901-10 1921-30 1941-50 1961-70
1871-80 1891-00 1911-20 1931-40 1951-60 1971-74
O saldo da relação entre a receita e a despesa é também abonador do facto de que a Madeira
foi nos últimos cinco séculos um destacado contribuinte dos cofres nacionais. A situação
assumiu maior evidencia nos dois séculos iniciais, mas manteve-se por todo o período. Os
dados estatísticos disponíveis evidenciam-se que a relação é mais evidente nos dois últimos
séculos porque é também nestes que o desenvolvimento da Estatística permitiu uma mais fácil
recolha das séries. Todavia para as duas primeiras centúrias os dados isolados confirmam isto
com maior evidência. Aqui os dados referentes ao século XVI não o expressam porque se
reportam apenas à década de oitenta, o momento de crise da economia madeirense. Também
não podemos fiar-nos nos dados até agora disponíveis para o século XVIII, que evidenciam a
mais reduzida despesa do estado na Madeira, cifrando-se em 8% da receita. Apenas merecem
fiabilidade os dados dos séculos XIX e XX (até 1974), em que o esforço financeiro do estado
na região foi respectivamente 55% e 44% da receita arrecada localmente. No conjunto o total
dos dados até ao momento disponíveis referem que o esforço financeiro do estado foi inferior a
metade da receita arrecada.
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
TOTAL
XVIII
XVII
XVI
XIX
30%
XX
20%
10%
0% RECEITA DESPESA SALDO
A título de curiosidade podemos apresentar a relação dos valores referentes aos primeiros anos
da década de setenta que antecederam a revolução de Abril, onde se evidencia mais uma vez o
ancestral abandono a que foi votada a Madeira, pois apenas 27% dos dinheiros arrecadados na
ilha tiveram aplicação local. Isto demonstra mais uma vez que em qualquer das circunstâncias
as relações da coroa e estado para com o arquipélago, pelo menos ao nível financeiro, foram
de tipo colonial. Estas ganham forma quando a despesa é inferior a metade da receita, o que foi
o caso da Madeira como acabámos de ver. A ideia sai reforçada quando analisamos a forma
como o Estado aplicava os dinheiros através das diversas repartições e ministérios, uma vez
que iam maioritariamente para cobrir as despesas com o pessoal, muito dele destacado na ilha.
RECEITA
SALDO
1.885.343.885$
1.370.520.778$
DESPESA 514.822...
Angola
100%
Açores 80%
60%
Madeira
40%
20%
0%
Até ao presente o saldo das contas da região revela que, não obstante o esforço de
investimento do Estado Novo, ainda há muito a exigir daquilo que foi pesado tributo dos
madeirenses para a aventura ultramarina e progresso do país. Por fim temos que reconhecer
que, não obstante a informação trabalhada ser exígua e só contemplar metade dos anos da
despesa e 36% da receita, os dados apontam para um saldo de quase quatro milhões de
contos, que de acordo com a média dos valores disponíveis poderá alcançar na realidade os
22 milhões. Por outro lado se estes valores, maioritariamente dos séculos XIX e XX,
evidenciam o que acabamos de referir, que dizer quando for possível apurar os dados para
os séculos XV, XVI e XVIII, épocas de grande fulgor económico da ilha. Aqui certamente
que a redobrada riqueza se fazia sentir de forma clara na receita, fazendo crescer o bolo
financeiro português.
CORRECÇÃO DA RECEITA E DESPESA
ANOS COM TOTAL TOTAL
DADOS 1450-1974 APURADO ESTIMADO
RECEITA 122 23% 9.426.917.425$ 40.489.383.038$
DESPESA 161 31% 5.541.453.620$ 59% 18.035.538.489$ 45%
SALDO 3.885.265.805$ 41% 22.453.844.549$ 55%
SALDO
DESPESA
100% RECEITA
80%
60%
40%
20%
0%
anos apurado estimo
A conversão dos valores atrás assinalados em escudos de 1999 evidencia a actual dimensão
do problema. Os dados apurados são mais uma vez reveladores de que o estado apenas
deixou na ilha um quarto do total da verba arrecadada, isto é, cerca de 15 milhões de
contos. Todavia o valor estimado e corrigido aponta para uma situação distinta, atingindo-
se 10,5 biliões de contos, situação reveladora de que o Estado sugador da riqueza da ilha
nunca foi uma ilusão.
60% Despesa
40%
Receita
20%
0%
valor apurado
Saldo
Despesa
100% Receita
80%
60%
40%
20%
0%
Valor estimado
Obs. O presente texto é apenas uma primeira
abordagem e divulgação, com os dados disponíveis
no momento, do projecto de investigação histórica
subordinado ao tema genérico “O Deve e Haver nas
Finanças da Madeira”, em curso no âmbito da
actividade do Centro de Estudos de História do
Atlântico.
© ALBERTO VIEIRA